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PRINCÍPIOS
Origens
Marco inicial
O Simbolismo surge no fim do século XIX, mais precisamente em 1857, quando o
poeta Charles Baudelaire publica sua obra As flores do mal. Essa obra provocou o maior
escândalo na época, porque não só mexeu com temas-tabus em poesia, como também
procurou criar um novo tipo de poesia. Devido ao escândalo, Baudelaire chegou, inclusive, a
ser processado por obscenidade. Por que um título tão estranho para uma obra poética? Num
dos prefácios desse livro, Baudelaire assim o explica:
Com base nessa poesia, Baudelaire compõe um livro cheio de imagens alucinantes.
Tendo como pano de fundo a Paris do século XIX, o poeta fala do tédio que os tempos
modernos lhe inspiram, da solidão existencial do homem, de amores fracassados e,
sobretudo, de coisas sórdidas, repugnantes, como acontece, por exemplo, no poema "Uma
carcaça":
Por que essa atração pelo mal, por aquilo que convencionalmente não seria objeto
de interesse para um poeta? Ainda: como extrair beleza do mal? Na realidade, Baudelaire
estava criando uma nova concepção de poesia. No passado, durante as eras clássicas e
românticas, a arte era ligada, de modo geral, ao bem, e a beleza era entendida como algo que
fosse harmonioso, que provocasse sensações agradáveis nos leitores. Baudelaire
evidentemente se insurge contra esse conceito de poesia e, por conseqüência, de belo; daí sua
intenção de extrair beleza também do que é sórdido, do que é feio. Com isso, o poeta francês
pretendia causar um choque no leitor passivo, acostumado com o convencional:
Leitor pacífico e bucólico, Sóbrio e ingênuo homem de bem,
A Revolução Industrial inicia-se nos fins do século XVIII, mas só atinge seu auge
no século seguinte, com a produção em massa de mercadorias e com a crescente
automatização das indústrias. As grandes cidades começam a crescer cada vez mais, e os
camponeses abandonam o campo, em busca de melhores salários nos centros urbanos. A era
moderna parece nascer aí: crescem a produção e o consumo dos bens manufaturados, e o
homem cria a ilusão de que o mundo se tornou menor, graças à velocidade dos meios de
locomoção. O resultado dessa obsessão com o progresso é a intensa euforia, somada à crença
na onipotência do homem, que se deixa guiar quase que exclusivamente pela razão.
O intenso desenvolvimento industrial, por sua vez, está aliado ao científico. Aliás,
jamais poderíamos pensar em Revolução Industrial, se não houvesse nesse período um
desenvolvimento espetacular das ciências, pois elas serão responsáveis pelos inventos que
terão imediata aplicação nas indústrias. Mas a relação entre a Revolução Industrial e as
ciências não se restringe tão-só à invenção por parte destas de um melhor maquinado para o
desenvolvimento das indústrias. O progresso industrial, que trouxe inegáveis benefícios à
humanidade, tem seu paralelo numa concepção científica e materialista das coisas, que
procurava explicar o sentido do universo quase que exclusivamente através da razão.
Durante a vigência da Revolução Industrial surge, portanto, uma geração de
intelectuais que despreza a metafísica, em nome do conhecimento experimental da realidade.
O mais importante deles foi Auguste Comte, criador do Positivismo, teoria científica,
baseada na sociologia, que defendia a aproximação positiva, objetiva da realidade. Seguindo
os postulados de Comte, Taine, com o Determinismo, tenta explicar o universo à luz de
determinantes fixos (a raça, o meio e o momento histórico). Cientistas como Darwin e
Lamarck, por sua vez, buscam conhecer o homem a partir das teorias evolucionistas. Como
se verifica, tanto Comte quanto Taine, Darwin e Lamarck se apóiam num conhecimento
eminentemente racionalista do real.
A euforia provocada pela crença no progresso, pelas grandes descobertas científicas,
paradoxalmente acabaria por levar a séria crise. A Revolução Industrial, ao criar a fantasia
do paraíso material do consumismo, da produção em massa de objetos, em determinado
instante, mostra o outro lado da moeda. Os centros urbanos tornam-se mais agitados, mais
ricos, contudo, expõem, ao mesmo tempo, a miséria dos aglomerados humanos dos bairros
de lata.
Espírito da decadência
Oh não ser capaz disso, sendo tão frágil, de votos tão lentos,
Oh não querer, oh não poder morrer um pouco! Ah! tudo foi bebido!
Dessa maneira, é possível dizer que o homem ativo, amante do progresso, dos
meados do século XIX, cede lugar ao homem de sentidos refinados, um aristocrata, que
cultiva prazeres extravagantes e que manifesta o maior desprezo pela vida social.
O melhor exemplo desse anti-herói do fim do século é Des Esseintes, a personagem
principal de Às avessas (1884), estranho romance de Joris-Karl Huysmans. Essa obra,
praticamente sem enredo, trata de um nobre que resolve abandonar a sociedade burguesa
materialista e se refugia numa propriedade no campo. Lá, tranca-se, isola-se e passa o tempo
cultuando as coisas que mais ama: a leitora de velhos livros do tempo da decadência latina,
os poentas malditos modernos, as sensações extravagantes, como o odor de especiarias e
perfumes, a visão de plantas exóticas, etc. Sua casa torna-se, desse modo, o espaço reservado
para o gozo de tudo que é artificial, tudo que é contrário à opinião comum:
O romance de Huysmans fez escola, de tal maneira que Des Esseintes transformou-
se no protótipo do homem do fim do século, aquele que recusa a luta e a ação para se dedicar
a uma vida artificial, produto do delírio ou de uma imaginação exaltada.
Influências românticas
Esse homem típico do fim do século, o decadente, o dandy, na realidade, tinha sido
inventado durante a vigência do Romantismo, em sua fase mais extremada. Como se sabe, a
estética romântica teve um momento em que os escritores procuraram levar às últimas
conseqüências o culto da noite, dos sentimentos, dos prazeres doentios. É o que se
convencionou chamar de "mal do século". Entre o poeta transtornado do "mal do século",
que ama a vida boêmia, que procura a morte para aliviar a dor de viver, e o decadente do
Simbolismo há evidente parentesco. Mas há também diferenças flagrantes. O primeiro é todo
emotivo e, por vezes, procura na mulher, no suicídio, um lenitivo para a existência. Já o
segundo é frio, racional e mesmo cínico: despreza o amor e vive artificialmente.
As semelhanças que encontramos nos anti-heróis dos dois movimentos literários
talvez expliquem as relações mais profundas entre Romantismo e Simbolismo. De fato, a
estética simbolista tem íntima relação com a romântica, ou ainda a estética simbolista tem
raízes dentro do movimento romântico, a começar que aquele movimento recupera o
idealismo, o espiritualismo deste. Não é à toa que muitos simbolistas passam a criticar o
Realismo, o Naturalismo e o Parnasianismo, porque esses movimentos negavam o sentido de
mistério, muito caro aos românticos e aos simbolistas. Jean Moeras, um poeta grego radicado
na França, numa entrevista dada a Geles Bret, assim se manifesta a respeito do assunto:
Pode-se notar com alguma razão que os poetas que nos antecederam imediatamente, os
parnasianos [...], num certo sentido, padeceram da falta de símbolo: consideraram as
idéias, os sentimentos, a História, o mítico, o fato particular, como existente em si
poeticamente. (Entrevista a Geles Bret, lixo de Paris, 1891. Apud Les premières armes du
Symbo-lisme. Texte presente et annoté par Michael Pakenham. University of Exeter, 1973. p.
68.).
Mallarmé também criticará nos parnasianos a mania de falar diretamente das coisas,
de desprezar o senso do mistério:
Ao dizer isso, o poeta alemão acreditava que a prática poética tinha algo a ver com a
prática mística, no sentido de que ajudaria a traduzir o desconhecido, o misterioso, o
invisível.
Mas o poeta romântico que exercerá influência fundamental nos simbolistas será
sem dúvida nenhuma Edgar Allan Poe. Ao conceber complexas teorias sobre o verso, através
da manipulação dos efeitos musicais e da criação de sugestivas atmosferas poéticas, capazes
de conduzir ao mundo do mistério, o poeta norte-americano revolucionou a poesia
romântica. Contudo, o que mais interessou os simbolistas na poética de Poe foram a busca da
poesia pura, o culto da música e da beleza e a crença na construção do poema, no controle
quase que absoluto dos meios de expressão. Essas características causaram tanto fascínio
sobre Baudelaire e Mallarmé que ambos procuraram por todos os meios divulgá-lo na
França. O primeiro traduziu-lhe a obra; o segundo dedicou-lhe um soneto "O túmulo de
Edgar Allan Poe".
Mas por que tais características exercerão tanta influencia nos dois principais poetas
do Simbolismo francês? Em primeiro lugar, vale a pena discutir a questão da poesia pura.
Num tempo voltado para o progresso, para o utilitarismo, Poe difundirá a idéia de que a
poesia tem um fim em si mesma, e que ela não visa a nenhum fim moral, como vem
expresso no seguinte fragmento:
Se a poesia, segundo Poe, não visa traduzir valor moral algum, qual seria
mais propriamente seu fim? Segundo ele, seria atingir a suprema beleza:
É na música, talvez, que mais de perto a alma atinge o grande fim pelo qual
luta, quando inspirada pelo Sentimento Poético — a criação da suprema beleza.
(Ibidem, p. 89.)
O desprezo da paixão faz com que Poe leve às últimas conseqüências o sistemático
planejamento do poema. No ensaio "Filosofia da composição", por exemplo, ele nos mostra
rigorosamente como concebeu seu famoso poema "O corvo", desde a escolha do tema, do
metro, do refrão, etc. Talvez por isso é que Poe tenha causado tanta admiração entre os
simbolistas. Seu romantismo sui generis, além de conter certos característicos fundamentais
do Simbolismo — como a sugestão do mistério, o culto da musicalidade e da poesia pura —,
além disso, evitou o exagero sentimental, o passionalismo.
Com base no que vimos até agora, verifica-se que o Simbolismo aproveita do
Romantismo algumas características fundamentais, como o senso do mistério, o
espiritualismo, mas rejeita o sentimentalismo, as manifestações subjetivas exageradas e,
sobretudo, as manifestações poéticas grandiloqüentes. Devido a isso, o Simbolismo
implicará uma revolução poética em relação ao movimento romântico, na medida em que
aprofundará alguns aspectos desse movimento e, por conseqüência, não cairá nas armadilhas
das emoções superficiais. Mas, para tanto, será necessário que reinvente a metáfora poética,
através da prática do que se convencionou chamar de "símbolo".
Cabe, portanto, ao homem decifrar os símbolos da realidade terrena, para que possa
descobrir as "correspondências" entre as coisas, a perfeita unidade entre tudo o que existe.
Charles Baudelaire poetizou esse tema, com um soneto sintomaticamente intitulado
"Correspondências":
ricos e triunfantes,
O Poeta, um Vidente.
Eu quero dizer que é preciso ser vidente, fazer-se vidente. O Poeta se faz
vidente através de um longo, imenso e racional desregramento de todos os sentidos.
Todas as formas de amor, de sofrimento, de loucura; ele procura a si próprio, extrai
de si todos os venenos para guardar apenas as quintessências. Inefável tortura,
contra a qual necessita de toda a fé, de toda a força sobre-humana, através da qual
se torna, dentre todos, o grande enfermo, o grande criminoso, o grande mal-dito — e
o supremo Sábio! — Pois atinge o desconhecido! (OEuvres complètes.
Paris, Gallimard, 1951. p. 254-5.).
Dentro do Simbolismo, portanto, a figura do poeta sofre uma alteração
fundamental. Mais do que simples ser inspirado, como entre os românticos, ele se torna
agora um visionário, que procura decifrar o sentido simbólico do mundo, para, em seguida,
revelá-lo aos homens comuns através da palavra poética. O português pré-simbolista Gomes
Leal assim expressa essa idéia do poeta visionário em "O visionário ou som e cor":
É isso que leva os poetas simbolistas a rejeitar o mundo dos fenômenos, mero
apêndice do da essência, ou a utilizar o mundo dos fenômenos como um meio de chegar ao
espírito, ao mistério.
mauvais Qui
Pareil à Ia Feuille
morte.
Mas seja qual for a imagem do fim último da poesia simbolista, o seu mistério, parece
que, nos mais diferentes poetas, se traduz como algo que não pode ser expresso por si
mesmo, sob pena de perder sua contingência de mistério. A conseqüência disso é que esse
algo nunca deverá ser dito ou revelado, mas apenas sugerido, evocado. É o que Mallarmé
expõe no seguinte fragmento:
Creio [...] que, no fundo, os jovens estão mais próximos do ideal poético do
que os parnasianos, que ainda tratam seus temas à maneira dos velhos filósofos e
dos velhos retóricos, apresentando os objetos diretamente. Penso ser preciso, ao
contrário, que haja somente alusão. A contemplação dos objetos, a imagem alçando
vôo dos sonhos por eles mesmos suscitados, são o canto; já os parnasianos tomam a
coisa e mostram-na inteiramente: com isso, carecem de mistério; tiram dos espíritos
essa alegria deliciosa de acreditar que estão criando. Nomear um objeto é suprimir
três quartos do prazer do poema, que consiste em ir adivinhando pouco a pouco:
sugerir, eis o sonho. É a perfeita utilização desse mistério que constitui o símbolo:
evocar pouco a pouco um objeto pra mostrar um estado de alma, ou inversamente,
escolher um objeto e extrair dele um estado de alma, através de uma série de
adivinhas.
{OEuvres complètes, p. 868.)
Fazer poesia implica, assim, aludir, sugerir e não mostrar os objetos diretamente
como era o costume dos parnasianos, que eram pobres em mistério. Com isso, Mallarmé dá a
entender que a pobreza da poesia sem mistério corres-ponde a uma limitação do trabalho do
leitor que, num poema altamente sugestivo, cria a ilusão de que também participa do
processo criativo. Para os simbolistas, portanto, fazer poesia implica a tentativa de expressar
a sensação fugidia, que merece necessariamente uma forma de expressão condizente com
ela, também vaga, indecisa. É por isso que eles provocam uma revolução na linguagem
poética. Traduzir as sensações absolutamente originais, recuperar a essência do poético,
recusar o anedótico, a descrição dos objetos, a clareza, os estados de espírito perfeitamente
identificáveis, as paixões excessivas e as formas banais do lirismo amoroso foram os traços
marcantes da geração simbolista.
O símbolo tem como característica não ser jamais completamente arbitrário; ele
não está vazio, existe um rudimento de vínculo natural entre o significante e o
significado. O símbolo da justiça, a balança, não poderia ser substituído por um
objeto qualquer, um carro por exemplo. (Curso de lingüística geral. São Paulo,
Cultrix, 1969. p. 82.)
O Simbolismo e a música
Vagam nos velhos vórtices velozes Dos ventos, vivos, vãos, vulcanizadas.
O acúmulo da vibrante "vê" junto à sibilante e a alternância das vogais "a" e "o"
criam a ilusão de uma continuidade sonora, de maneira que ao leitor interessa mais o som
que o sentido. O poeta imita o som de um violão ou de um conjunto de notas musicais, como
se o poema devesse se dirigir mais aos ouvidos que à mente. Conseqüentemente, o poema
atinge um grau máximo de subjetividade, não no sentido de que o poema precisa provocar,
como na música, em cada ouvinte/leitor, sensações diferentes, a partir dos estímulos sonoros.
É possível dizer, portanto, que o Simbolismo foi um movimento literário em que os
poetas sonharam em elevar a poesia à condição de música. Mas por que tal aproximação
entre artes aparentemente tão distintas? A música, na realidade, é a mais subjetiva das artes,
porque não visa jamais representar imitativamente os objetos; a música visa sempre atingir o
espírito. Daí sua universalidade. Explica-se assim a grande obsessão dos simbolistas com a
música, tanto na referência explícita a instrumentos musicais — a flauta, o violino, o
violoncelo, a viola — como também na apropriação de recursos tipicamente musicais.
Contudo, é preciso refletir sobre o seguinte: assim como o símbolo, em que houve
variedade de interpretações quanto a seu conceito, de modo idêntico, as relações entre a
poesia.e a música mereceram diferentes interpretações. Reduzindo o problema a seus
denominadores mais comuns, distinguem-se duas linhas fundamentais dentro do move-
mento simbolista. A primeira delas, explorada por Verlaine e seguidores, é a que revela uma
aproximação entre poesia e música de modo mais literal, como foi possível verificar tanto no
poema de Eugênio de Castro quanto no de Cruz e Sousa. Os fonemas imitam sons musicais;
a agrupação de fonemas, frases musicais; o poema todo, uma melodia. Para tanto, além de
recorrerem ao uso da aliteração, do eco, da assonância, etc, os poetas dessa corrente
simbolista fazem da repetição um recurso estilístico dos mais eficazes.
Essa relação entre a poesia e a música, ou seja, a busca da pura sonoridade, tornou-
se quase um lugar-comum entre os simbolistas, o que levou um poeta como Mallarmé a
pensar numa relação mais complexa entre ambos. Desprezando a sonoridade pura, ele
procurou organizar os fonemas como as notas numa pauta, dispondo as palavras de acordo
com a lógica das sensações ou da idéia motriz de todo o poema. Com isso, conseguiu maior
liberdade para os teremos que se libertam dos nexos lógicos e sintáticos. Em seu
experimento mais radical, "Um lance de dados jamais eliminará o acaso", o poeta encontra
similaridade entre a estrutura do poema e uma sinfonia. Dispondo o verso "Un coup de dés
n'abolira jamais l'hasard" em fragmentos ao longo de todo o texto, o poeta o concebe como
um núcleo, ou um tema musical, de onde surgirão as variações, palavras soltas, que se
dispõem na folha de modo idêntico aos segmentos musicais, como no fragmento abaixo, em
que a variação gráfica, a disposição das palavras e o espaço em branco adquirem também
sentido:
SOIT
que
1'Abime blanchi étale
furieux sons une
inclinaison
plane désespérément
d'aile
Cronologia e expansão
Anos de grandes polêmicas
Antes de o Simbolismo difundir-se pela Europa e pela América, passou por fases de
conflito, em que se travaram grandes polêmicas, até poder-se firmar definitivamente como
movimento literário respeitável. Cronologicamente o Simbolismo se inicia, como já vimos,
com As flores do mal, de Charles Baudelaire, em 1857, atinge o auge em 1886, com as
polêmicas travadas entre Jean Moréas e René Ghil, e consolida-se em 1891, quando
Mallarmé é homenageado num jantar a que comparecem as figuras literárias mais
importantes da época.
O aparecimento de As flores do mal, divisor de águas da poesia francesa, é seguido
da publicação de Parnasse contemporain, em 1866. Apesar de o título se referir ao
"Parnaso", a coletânea traz entre seus colaboradores poetas que antecipam novidades
simbolistas: Baudelaire com "Madrigal triste", Verlaine com "Mon rêve familier" [Meu
sonho familiar] e Mallarmé com "Les fenêtres" [As janelas].:
Em 1881, o crítico Paul Bourget publica um artigo intitulado "Théorie de la
décadence" e utiliza-se pela primeira vez do termo "decadência" para designar a "situação da
sociedade que produz um grande número de indivíduos incapazes de achar seu próprio lugar
na faina do mundo". Em 1882, Verlaine publica "Art poétique", poema que faz a apologia da
musicalidade e da sugestão em poesia:
Mas o iniciado apaixonado pela boa canção azul e cinza, de um cinza tão azul e de
um azul tão cinza, tão vagamente obscura e no entanto tão clara, o melífluo
decadente cuja íntima perversidade, como uma virgem enterrada na lama confina ao
milagre, aquele saberá bem, supõe-se, onde refrescar o ouro imaculado de suas
Dolências. (Apud CORNELL, Kenneth. The symbolist movement. New Haven, Yale
University Press, 1951. p. 37.)
No mesmo ano, Paul Bourde, inspirado pela sátira de Vicaire e Beauclair, publica
"Les décadents", utilizando-se do termo "decadentes" para nomear os poetas dessa geração.
Em resposta a Paul Bourde, Jean Moréas, contestando-o, propõe a designação "simbolistas"
em vez de "decadentes", para evitar, entre outras coisas, que se confundissem os poetas com
simples neuróticos ou excêntricos.
Em 1886, as polêmicas em torno do Simbolismo chegam ao auge. O poeta René Ghil
publica o seu Tratado do verbo, em que propõe para a poesia a curiosa relação entre os sons
dos fonemas, o som de instrumentos musicais, as cores e os sentimentos, criando a subescola
instrumenta-lista. Observe-se o seguinte exemplo:
Monotonia,
dúvida,
simplicidade
, — Instinto
de ser, de
viver.
(Traité du verbe; états sucessifs. Textos apresentados,
anotados e comentados por Tiziana Gorupi. Paris, Nizet, 1978. p.
172.)
U, ciclos, vibrações divinas dos mares viridentes, Paz dos pastos semeados de
animais, paz das rugas Que a alquimia imprime a grandes frontes eruditas;
O, supremo Clarão pleno de insólitas estridências, Silêncios atravessados dos
Mundos e dos Anjos — O, Ômega, raio violeta de Seus Olhos!
(OEuvres complètes, p. 104.)
Mas de todos os poetas simbolistas do período o mais importante foi mesmo Camilo
Pessanha, que, com sua única obra poética Clepsidra (1920), chegou até a influenciar
Fernando Pessoa. Isso porque, ao contrário de Eugênio de Castro, por exemplo, soube como
levar às últimas conseqüências a revolução simbolista em Portugal. Assim, de um lado,
Pessanha é o legítimo herdeiro de Verlaine, com seus versos musicais que exploram as
íntimas relações entre as sonoridades e os estados de alma mais íntimos, como vem expresso
em seu poema
"Violoncelo":
Chorai, arcadas Do
violoncelo!
Convulsionadas
Pontes aladas
De pesadelo...
De que esvoaçam,
Brancos, os arcos...
Por baixo passam, Se
despedaçam,
No rio, os barcos.
Fundas soluçam
Caudais de choro...
Que ruínas (ouçam)!
Se se debruçam,
Que sorvedouro...
Trêmulos astros...
Solidões lacustres...
— Lemes e mastros...
E os alabastros
Dos balaústres!
Urnas quebradas!
Blocos de gelo...
— Chorai, arcadas,
Despedaçadas, Do
violoncelo.
(Clepsidra e outros poemas, p. 237-8.)
Mas o que marcou de maneira definitiva a poesia de Cruz e Sousa, fazendo com que
ele se transformasse no mais representativo poeta simbolista brasileiro, foi a mescla de altos
anseios espirituais ("as virgens vaporosas") com uma forte sensualidade (presente numa
imagem como "tinhorão lascivo"). Essa mescla representará uma adaptação do estilo, da
temática do Simbolismo europeu às condições da realidade brasileira. O curioso contraste
entre a alta espiritualidade e a forte sensualidade nos versos de Cruz e Sousa é responsável
pela novidade desse poeta que, dessa maneira, criou um simbolismo todo seu, atento às
pulsações da natureza tropical e quem sabe mesmo às da própria raça.
Ainda importantes dentro do Simbolismo brasileiro são Alphonsus de
Guimaraens (pseudônimo de Afonso Henriques da Costa Guimarães), Augusto dos
Anjos e Pedro Kilkerry. O primeiro deles procurou instalar ou mesmo transferir o
Simbolismo europeu para a realidade brasileira, o que fica bem patente com seu livro
Pauvre lire, totalmente escrito em francês e nos versos de poemas como "Primeira dor
de Nossa Senhora", em que a alta espiritualidade, os anseios religiosos lhe dão um cunho
eminente-mente universal:
Em teu louvor, Senhora, estes meus versos
Monstro de escuridão e
epigênese da infância,
Já Kilkerry escreveu muito pouco, mas seus estranhos versos prenunciam a vinda
do Modernismo, com suas bruscas rupturas sintáticas.
Concluindo, podemos dizer que se o Simbolismo não teve tanta importância no
Brasil como o Romantismo, por exemplo, pelo menos serviu para atenuar o impacto da
instalação do Parnasianismo entre nós e mesmo para tornar mais maleável, mais expressiva a
obra de poetas como Olavo Bilac e Raimundo Correia. Não bastasse isso, o Simbolismo
também teve uma influência expressiva nos poetas da geração modernista, como Tasso da
Silveira, Cecília Meireles, Manuel Bandeira e Augusto Frederico Schmidt. Em Cecília
Meireles, fica patente a herança simbolista no seu gosto pela música, pelos símbolos, pela
politização de uma atmosfera rarefeita, que faz lembrar um Verlaine, por exemplo. Já
Bandeira, na primeira fase de sua carreira, mostra muita afinidade com certa paisagem
outoniça ou mesmo com a expressão de estados de espírito indefinidos, típicos do
Simbolismo.
Vocabulário crítico
Inconsciente: parte da mente humana não controlada pela consciência e que, por
isso mesmo, segundo alguns simbolistas, como Rimbaud, por exemplo, deveria ser a fonte
da criação poética. Num sentido mais restrito (e acrescido do adjetivo "imortal"), o termo
está direta-mente relacionado com a entidade que governa o universo e que é inacessível
ao homem, segundo a teoria filosófica de Hartmann.
Mal do século: submovimento do século XIX que leva às últimas conseqüências
certas características básicas do Romantismo, como a subjetividade, os excessos
sentimentais, o culto da morte, etc.
Mistério: junto com a Idéia, o fim último da poesia simbolista, algo que devia ser
decifrado pelo poeta vidente, mas não revelado. Para Mallarmé, expressar o mistério seria
a tarefa de todo poeta: "a poesia é a expressão, pela linguagem humana que retoma seu
ritmo essencial, do sentido misterioso dos aspectos da existência; ela doa assim
autenticidade à nossa vida na terra e constitui a única tarefa espiritual".
Motivação: na teoria lingüística de Saussure, diz-se do signo que possui uma relação
natural entre significante e significado, como no sinal t, que representa o Cristianismo.
Entre a representação e a religião que representa há um sentido natural: o Cristianismo é
representado pela cruz, porque a cruz foi o instrumento de suplício de Jesus Cristo.
Outono: a estação predileta dos simbolistas, por sua indefinição, por seu caráter
vago.
Sugestão: como a evocação, a sugestão foi bastante praticada pelos simbolistas, que
procuravam, através dela, uma forma indireta de dizer as coisas. É o que Mallarmé propõe,
ao fazer referência ao procedimento alusivo, neste fragmento: "penso ser preciso [...] que
haja somente alusão".
Teorias evolucionistas: teorias científicas em voga no século XIX, fruto das
especulações de Darwin e Lamarck. Tais teorias tinham como pressuposto que o homem
era o resultado de longa evolução desde os primórdios de sua existência na Terra.
Torre de marfim: expressão metafórica que designa o recolhimento do poeta
simbolista num espaço físico ou mental, distanciado da realidade brutal, do cotidiano. A
torre de marfim, desse modo, tanto pode ser a casa real em que Des Esseintes se recolhe
em Fontenay, para fugir do bulício de Paris, quanto o mundo espiritual criado por
Mallarmé, para onde sua alma exilada tenta fugir.