Você está na página 1de 4

OS MOVIMENTOS DE VANGUARDA - O MODERNISMO

O CONTEXTO

No início do século XX, a Europa continua a sofrer a crise do capitalismo e a agitação social que
busca a democracia. A revolução socialista põe em perigo a burguesia e a Primeira Guerra Mundial leva o
mundo inteiro a questionar os valores e a descrer dos sistemas políticos, sociais e filosóficos.
Portugal, que também se ressente desta situação europeia, vê-se ameaçado por Inglaterra caso as
suas forças militares não retirem imediatamente dos territórios entre Angola e Moçambique.
O Ultimato Inglês foi acatado por parte das autoridades portuguesas, considerado uma humilhação
para Portugal, levantou uma fortíssima indignação popular e uma grande reacção dos intelectuais
republicanos, que imediatamente tentaram o derrube da monarquia e, um ano depois, no Porto, na revolta
de 31 de Janeiro de 1891, pretenderam a instauração da República.
O Ultimato, a crise financeira daí resultante, as tensões políticas e sociais, o fracasso da revolução
republicana, o regicídio em 1908 e a implantação da República em 1910 revelam a situação do País e
tornam-se causas próximas do novo espírito mental e cultural.
No início do século XX, as correntes estéticas, influenciadas por todas estas circunstâncias,
começam a perfilar-se, tendo surgido uma filosofia de revigoramento da cultura nacional.
Fernando Pessoa (1888-1935), Mário de Sá-Carneiro (1890-1916), e outros, que fizeram no
Saudosismo a sua iniciação, rapidamente transitam para o Modernismo com todas as influências das
correntes estéticas e filosóficas europeias, denominadas Vanguardas Europeias. Com aqueles autores
surge a revista Orpheu, que procura traduzir as novas ideias.

As vanguardas e o Modernismo
No meio de diversas tensões sociais, políticas e mentais, a Arte e a Literatura tentam a ruptura
com o passado e buscam o futuro de promessas. Procurando separar-se da burguesia e do seu
materialismo, por meio de uma arte refinada e estetizante, surge o Modernismo, que se expande entre
1880-1914. O Modernismo representa a inquietude de uma época. Denomina-se também como
Vanguarda ou Vanguardismo e apresenta-se como corrente artística e literária que procura a novidade
contra o gosto estabelecido, abrangendo ou recobrindo todos os ismos.
São marcas do Modernismo: a liberdade criadora; o sentido aristocrático da arte, contra a
vulgaridade; a perfeição formal; o cosmopolitismo; a correspondência entre as várias artes - literatura,
pintura, escultura, música; o gosto pelo exótico, pelo clássico e pelo pitoresco; o impressionismo
descritivo; a renovação vocabular e dos recursos expressivos; a simplificação da sintaxe; o
aproveitamento das imagens visuais e dos vocábulos musicais; a versificação irregular e o verso livre; a
liberdade estrófica.
Cada uma das correntes de vanguarda assumiu um carácter específico, mas tinham sempre de
comum o sentimento de romper com o passado, muitas vezes, exprimindo a subjectividade e o
irracionalismo humano, na ânsia de encontrar novas formas de expressão capazes de traduzir uma nova
realidade para a sua contemporaneidade.
Na arte, estes movimentos de vanguarda celebrizaram-se com pintores como Matisse, Chagal,
Picasso, Kandinsky, Miró, Dali; com músicos como Schonberg, Bela Bartok ou Stravinsky. Na literatura,
merecem referência Henri James, Virginia Woolf, Joyce, Kafka, Hermann Hesse, John Dos Passos, E. E.
Cummings, Jorge Luís Borges e poetas como Apollinaire, Mallarmé, Marinetti, Fernando Pessoa, Mário
de Sá-Carneiro, Almada Negreiros, entre outros.

Algumas tendências literárias e estéticas do início do séc.XX

Na transição do século XIX para o século XX, encontramos o Parnasianismo, o Decadentismo e o


Simbolismo. O Decadentismo é, em parte, o ponto de chegada do Romantismo, exprimindo o cansaço, o
tédio, a busca de novas sensações; o Parnasianismo defende a "arte pela arte" contra a subjectividade e
excessos de imaginação românticas; o Simbolismo valoriza a palavra, os efeitos musicais e cria o
inefável, sugerindo os elementos da construção de novos objectos.
Estas três tendências estéticas estão na base do Modernismo, que abrange na sua complexidade
Paulismo, Interseccionismo, Sensacionismo; Futurismo, Dadaísmo, Cubismo, Surrealismo,
Expressionismo...

Paulismo
"Pauis" é a primeira palavra do poema Impressões do Crepúsculo de Fernando Pessoa e a que
sugere a atitude estética chamada Paulismo. Este apresenta-se (diz E. M. Melo e Castro) como "uma
concepção do poema como texto-programa", ou seja, como um projecto ou plano de trabalho de novas
criações estéticas. Caracteriza-se pelas sugestões do vago, do subtil e do complexo, interpenetrando o
espírito e a matéria.

Interseccionismo
É uma evolução do Paulismo. Caracteriza-se pelo entrecruzamento de planos que se cortam:
intersecção de sensações ou percepções. A fragmentação do poeta Fernando Pessoa está evidente em
Hora Absurda ou em Chuva Obliqua. Aí se verifica uma intersecção de realidades físicas e psíquicas, de
realidades interiores e exteriores; uma intersecção dos sonhos e das paisagens reais, do espiritual e do
material; uma intersecção de tempos e de espaços; uma intersecção da horizontalidade com a
verticalidade. No Interseccionismo encontramos o processo de realizar o Sensacionismo, na medida em
que a intersecção de sensações está em causa e por elas se faz a intersecção da sensação e do pensamento.

Sensacionismo
O Sensacionismo considera a sensação a realidade da vida e a base da arte. É o próprio Fernando
Pessoa quem, em Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação, afirma que "a única realidade da vida é a
sensação. A única realidade em arte é a consciência da sensação. [...] A arte, na sua definição plena, é a
expressão harmónica da nossa consciência das sensações, ou seja, as nossas sensações devem ser
expressas de tal modo que criem um objecto que seja uma sensação para os outros".
O Sensacionismo, inspirado por Walt Whitman, apresenta-se como uma procura de totalização de
todas as possibilidades dadas pelas sensações ou percepções de toda a humanidade, qualquer que seja o
tempo ou o espaço.
O EU do poeta tenta integrar e unificar tudo o que tem ou teve existência ou possibilidade de
existir Álvaro de Campos é quem melhor procura a totalização das sensações, mas sobretudo das
percepções conforme as sente, ou como ele próprio afirma "sentir tudo de todas as maneiras". O seu
sensacionismo distingue-se do de Alberto Caeiro na medida em que este heterónimo considera a sensação
captada pelos sentidos como a única realidade, mas rejeita o pensamento.

Futurismo
Movimento estético revolucionário iniciado pelo escritor italiano Filippo Tommaso Marinetti, que
em 20 de Fevereiro de 1909 publica o primeiro manifesto, o Futurismo caracteriza-se pela exaltação da
energia, de "todas as dinâmicas", da velocidade e da força até situações de paroxismo.
Procura um corte e mesmo o aniquilamento do passado para exaltar a necessidade de uma nova
vida futura, onde se tenha a consciência da sensação do poder e do triunfo. Defende a destruição dos
símbolos do passado, como museus e bibliotecas, e procura uma nova sintaxe, através da abolição da
pontuação.
Em Portugal teve grande influência na geração do Orpheu, como se pode observar em Almada
Negreiros, Amadeo de Souza-Cardoso ou Fernando Pessoa, que através do heterónimo Álvaro de Campos
nega a arte aristotélica ou procura de forma vigorosa a inovação estética e ideológica da arte.
E. Melo e Castro, in As Vanguardas na Poesia Portuguesa do Século XX, considera que o Futurismo se
exprime "pela enorme quantidade de frases exclamativas, de invectivas e de insultos, com o intuito de
desmistificar, demolir, acabar com os hábitos culturais esclerosados e retrógrados".

Dadaísmo
Dadá nasceu na Alemanha, durante a1ª Guerra Mundial, como revolta contra essa guerra e os
valores morais, sociais e estéticos estabelecidos. Dadá é uma revista publicada em Zurique, em 1916. O
termo Dadá significa "cavalinho de pau", ou seja, algo que se aproxima dos instintos primários do
homem, à sua capacidade de criação espontânea, sem comprometimentos com as tradições. Procura
chocar o espectador através de um certo anarquismo infantil, pela produção de simples objectos do
quotidiano. O dadaísmo é a negação de tudo, a destruição, a contestação.
No slogan deste movimento afirma-se que "Dada doute de tout. Dada est tout. Tout est dada. Dada
ne signifie rien. "

Cubismo
O termo Cubismo surge na pintura com Matisse, em 1908. Designa um modo de expressão que
recria através de planos geométricos elementos da realidade. O espírito de geometria e dos volumes
procura sugerir a visão simultânea dos diferentes ângulos do objecto. Picasso e Braque são as primeiras
grandes figuras deste movimento.
O Cubismo tenta apresentar os objectos tal como a mente os concebe.

Surrealismo
Nas primeiras décadas do século XX, aparece, com Freud (1856-1939), a psicanálise como ciência
do inconsciente psíquico.
Freud, Jung, Adler, Lacan ou Eric Fromm utilizam a psicanálise como método terapêutico para
diversas doenças nervosas. Procuram trazer à superfície os impulsos e as tendências que se situam no
inconsciente e se projectam na consciência.
O Surrealismo apoia-se nas teorias da psicanálise, acreditando que pelo subconsciente se pode
atingir a libertação total da imaginação. André Breton, em Outubro de 1924, apresenta o primeiro
manifesto onde se recusam as regras que definem a ordem e a beleza e se defende a restauração dos
sentimentos humanos e do instinto, uma escrita automática e a exploração dos sonhos. O Surrealismo é
um movimento que se caracteriza pela rejeição do racionalismo, da lógica e pela sobrevalorização do
inconsciente.
O Dadaísmo influencia profundamente o Surrealismo que, como aquele, defendeu a transgressão
dos valores morais e sociais.

Expressionismo
A crise denunciada pelo Dadaísmo tem no Expressionismo o seu espelho. Nasce de uma
necessidade de expressão dos próprios conflitos e paixões. Surge ainda antes da guerra de 1914 e dura até
cerca de 1925. Utiliza a deformação da realidade exterior para dar forma à visão interior do artista.
Caracteriza-se pelo desejo de "exprimir" todos os sentimentos do artista, como os provocados pelos
horrores da guerra e pela fome, como os que traduzem a angústia humana, provinda da guerra.
O Modernismo e o Orpheu

Orpheu – porta – voz e concretização de ideais estéticos

As intenções:
 Criar uma poesia alucinada, chocante, irritante, irreverente
 Provocar o burguês
 Expressar o espanto de existir
 Romper com o passado

Pessoa – Ortónimo

Como afirma a crítica brasileira Nelly Novaes Coelho, “Fernando Pessoa foi um ser-em-poesia”,
isto é, alguém que criou e viveu "quase todas as possibilidades de Ser e de Estar-no-mundo", através dos
diversos poemas e culturas que exprimiu. O seu temperamento levou-o a criar dramas em actos e acção,
com personalidades diferentes, que se revelam na heteronímia.
A poesia do ortónimo revela a despersonalização do poeta fingidor que fala e que se identifica
com a própria criação poética, como impõe a modernidade. O poeta recorre à ironia para pôr tudo em
causa inclusive a própria sinceridade que, com o fingimento, possibilita a construção da arte.
Pessoa procura, através da fragmentação do eu, a totalidade que lhe permita conciliar o pensar e o
sentir. O interseccionismo entre o material e o sonho, a realidade e a idealidade são tentativas para
encontrar a unidade entre a experiência sensível e a inteligência. Daí a intelectualização do sentimento
para exprimir a arte, que fundamenta o poeta fingidor.
Com a sua capacidade de despersonalização (a de ser múltiplo sem deixar de ser um), o ortónimo
tenta atingir a finalidade da Arte, que, como afirma, é simplesmente aumentar a autoconsciência humana.

Em Fernando Pessoa coexistem duas vertentes: a tradicional e a modernista. Algumas das


composições seguem na continuidade do lirismo português, com marcas do saudosismo; outras iniciam o
processo de ruptura, que se concretiza nos heterónimos ou nas experiências modernistas que vão desde o
Simbolismo ao Paulismo e Interseccionismo, no Pessoa ortónimo.
Nos primeiros tempos escreveu na língua em que foi educado, ou seja em inglês. Depois, por
influência da poesia de Garrett, começou a escrever em português e algumas das suas composições
apresentam a melancolia, a sensibilidade, a suavidade, a linguagem simples e o ritmo da lírica tradicional.
Nota-se em vários poemas não só esta continuidade do lirismo português, mas também o sebastianismo e
o saudosismo que vêm já dos tempos em que escrevia para a revista A Águia e que utilizará na
Mensagem, publicada em 1934.

A professora
Ana Mª Leal

Você também pode gostar