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DE FERNANDO PESSOA
E OFÉLIA QUEIROZ
edição de
M ANUEL a P ARREIRA DA S ILvA
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esclarecimentos prestados.
Como é sabido, as cartas de Fernando Pessoa foram objecto de
uma primeira edição, intitulada Cartas de Amor de Fernando Pessoa,
com orga-
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nização, posfácio e notas de David Mourão-Ferreira, e preâmbulo e
esta- belecimento do texto de Maria da Graça Queiroz (Lisboa:
Ática, 1978). O preâmbulo contém um importante e expressivo
depoimento da desti- natária das cartas, que conta o modo como
conheceu Fernando Pessoa e evoca alguns episódios do namoro.
Por sua vez, as cartas de Ofélia Quei- roz (1900-1996) foram
apenas publicadas já perto da sua morte, com o título Cartas de
Amor de Ofélia a Fernando Pessoa (Lisboa: Assírio & Al- vim,
1996) e organização e apresentação de Manuela Nogueira e Maria
da Conceição Azevedo. Estas duas edições foram tidas,
naturalmente, na devida conta, constituindo também fontes
fundamentais para o pre- sente trabalho.
Saliente-se, contudo, que esta edição conjunta insere, no
corpo do texto, vários postais e cartas que, na edição anterior das
cartas de Ofélia Queiroz, surgem apenas reproduzidos em fac-
símile (a título ilustrativo). Publicam-se ainda duas cartas inéditas
de Ofélia, datadas de 2 e 3 de Julho de 1920.
A ortografia foi actualizada segundo a norma vigente até à
entrada em vigor do último acordo ortográfico, mas não
completamente uni- formizada, atendendo às diferenças inerentes
a duas formas de escrita significativamente personalizadas, sendo
corrigidos os erros óbvios. No que diz respeito às cartas de Ofélia,
foi mantida, no geral, a pontuação ou a sua ausência. Apenas nos
casos em que, nomeadamente, a falta de vírgulas (muito comum
na sua escrita mais apressada) poderia criar al- guma
ambiguidade ou perturbação de leitura, houve acrescentos.
A data, aposta por vezes no final da carta, foi sempre deslocada
para o início, tendo em vista uma melhor percepção da sequência
cronológica.
Acrescentam-se algumas notas de rodapé de natureza
informativa ou explicativa, relativamente a acontecimentos e
personalidades men-
cionadas pelos dois interlocutores, assim como a alguns termos
usados em jeito de código amoroso. Tem-se, assim, em vista um
melhor en- quadramento histórico-social de uma relação afectiva
que, sendo em- bora mantida quase secreta (pelo menos por
Fernando Pessoa), se de- senvolveu num tempo e num espaço
quotidianos bem definidos.
9-10-1929
Terrível Bebé:
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gostava de lhe dar um beijo na boca, com exactidão
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e gulodice e comer-lhe a boca e comer os beijinhos que tivesse lá
es- condidos e encostar-me ao seu ombro e escorregar para a
ternura dos pombinhos, e pedir-lhe desculpa, e a desculpa ser a
fingir, e tornar mui- tas vezes, e ponto final até recomeçar, e
porque é que a Ofelinha gosta de um meliante e de um cevado e
de um javardo e de um indivíduo com ventas de contador de gás
e expressão geral de não estar ali mas na pia da casa ao lado, e
exactamente, e enfim, e vou acabar porque estou doido, e estive
sempre, e é de nascença, que é como quem diz desde que nasci, e
eu gostava que a Bebé fosse uma boneca minha, e eu fazia
como uma criança, despia-a, e o papel acaba aqui mesmo, e isto
parece impossível ser escrito por um ente humano, mas é
escrito por mim
Fernando
9-10-1929
9-10-1929
Bebé fera: