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um diálogo (im)provável(?)1
Jorge Vicente Valentim
1
Texto resultante de pesquisa realizada com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo (Fapesp – Processo 2018/02250-8). Este texto é para Gilda Santos e Jorge
Fernandes da Silveira, mestres formadores de gerações de leitores, porque, foram eles, em di-
ferentes momentos de minha trajetória, que me apresentaram os dois escritores aqui contem-
plados, num momento em que nenhum de nós poderia imaginar que aqueles poemas iriam me
marcar definitivamente.
2
Jorge de Sena, Entrevistas 1958-1978, Edição de Mécia de Sena e Jorge Fazenda Lourenço, Lis-
boa: Guimarães, 2013, p. 61.
3
Antónia de Sousa et al.., Entrevistas a Natália Correia, Edição de Zetho Cunha Gonçalves, Lis-
boa: Pareceria A. M. Pereira Editores, 2004, p. 53.
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Ainda que o relato acima revele um destempero por parte de Natália Cor-
reia, é preciso destacar que, em momento algum, tal descompasso tenha com-
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Fernando Dacosta, O botequim da liberdade, Lisboa: Casa da Palavra, 2013, p. 40-41.
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7
Natália Correia, O Surrealismo na poesia portuguesa, Lisboa: Europa-América, 1977, p. 303.
8
Natália Correia, Antologia de poesia portuguesa erótica e satírica, Lisboa: Antígona, Frenesi,
1999, p. 403-404.
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9
Jorge de Sena apud Natália Correia, Ibid., p. 404-405.
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A respeito dos processos de criação e de publicação da referida Antologia, essas e outras in-
formações podem ser consultadas no estudo organizado e coligido por Pedro Piedade Marques,
Editor contra: Fernando Ribeiro de Mello e a Afrodite, Lisboa: Montag, 2015, p. 61-71.
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11
Fernando J. B. Martinho,. “Uma leitura dos sonetos de Jorge de Sena”, in Harvey L. Sharrer;Fre-
derick G. Williams (Eds.), Studies on Jorge de Sena by his colleagues and friends, Santa Barbara:
Jorge de Sena Center for Portuguese Studies, University of California, Bandanna Books, 1981,
p. 76.
12
Jorge Fazenda Lourenço, O essencial sobre Jorge de Sena, Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da
Moeda, 1987, p. 25.
13
Ibid., p. 25.
14
Ana Maria Gottardi, Jorge de Sena – uma leitura da tradição, São Paulo: Arte & Ciência, 2002,
p. 155.
15
Idem.
16
Natália Correia, op. cit., p. 404.
17
Ana Maria Gottardi, op. cit., p. 152-154.
18
Natália Correia, op. cit., p. 404.
19
Jorge Fazenda Lourenço, op. cit., p. 22-24.
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todos os remorsos líricos inspirados pelo amor conjugal saem em forma de soneto. Porque o
soneto é o sistema estrófico do amor a definhar-se em procriação: duas quadras que se unem
para fazer dois filhos que são os tercetos finais da catástrofe conjugal. (...) Mas, ó contradição dos
homens que no amor começam como o caminha acaba, quereis um amor impossível, vós que
de Isolda e Tristão herdastes os melancólicos ademanes de flores batidas pela morte? Casai-vos!
Encarnai no corpo que noutro toca a sua destruição diária! E então sim tereis a vossa dose de
amor impossível, meticulosamente planeado pelo desastre. É aqui que o soneto em sua clínica
brancura enlouquece e se desprende na beleza à solta de um duplo suicídio”. Cf. Natália Correia,
Poesia completa., p. 322-323. Nessa perspectiva, portanto, não serão os seus Sonetos românticos
(1990) uma espécie de derradeira aventura duplamente suicida que olha o mundo com uma
perspectiva amorosa e, contraditoriamente, desprendida?
26
Jorge de Sena; Eugénio de Andrade, Correspondência 1949-1978, Organização e apresentação
Mécia de Sena e Isabel de Sena, Notas de Jorge Fazenda Lourenço, Lisboa: Guerra & Paz, 2016,
p. 121.
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27
Ibid., p. 319.
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Interessante observar que também Sophia de Mello Breyner, com quem Jorge de Sena man-
tém uma amizade de longos anos, reclama do alinhamento e das amizades questionáveis de
Natália Correia ao amigo, que se encontrava em Assis, já em mudança para Araraquara, no Bra-
sil. Em fins de maio de 1962, escreve Sophia: “Agora aqui a vida literária chegou ao cúmulo da
baixeza e da batota. É impressionante: Urbanos, Orlandos e F. Botelho e a N [Natália Correia] na
melhor amizade. Toda essa gente jogando e manobrando no gravíssimo momento que atraves-
samos” Cf. Sophia de Mello Breyner; Jorge de Sena, op. cit., p. 57.
29
Jorge de Sena; Eugénio de Andrade, op. cit., p. 353.
30
A primeira notícia desse poema surge na referida carta de Jorge de Sena a Eugénio de An-
drade, datada de 30 de julho de 1970. Presume-se, portanto, que o texto tenha sido escrito antes
desta data, já que, na época, o autor anuncia ao seu interlocutor a sua atividade intensa nesse
projeto.
31
Fernando Dacosta, op. cit., p. 41.
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Ainda que não possa atestar fisicamente que a obra pertença ao extenso espólio do autor, em
virtude de seu conhecido interesse pela literatura e cultura ibéricas medievais e clássicas e de
seus ensaios sobre os mesmos períodos, não me parece de todo insensato pensar que tal obra
tenha sido lida por Jorge de Sena. Parto, portanto, de uma premissa hipotética, sobretudo, pelas
muitas aproximações e convergências intertextuais que “Receita para cozinhar natálias” apre-
senta, como mais adiante se verá.
33
Antonio Gomes Filho, Um tratado da cozinha portuguesa do século XV, Guanabara: Instituto
Nacional do Livro, 1963, p. 22-23.
34
Ibid., p. 5.
35
Ibid., p. 25-27.
36
Ibid., p. 39.
37
Ibid., p. 47.
38
Ibid., p. 67.
39
Ibid., p. 73.
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40
Jorge de Sena, Poesia 2, Lisboa: Guimarães, 2015, p. 681.
41
Natália Correia, op. cit., p. 404.
435
42
Jorge de Sena, op. cit, p. 681.
43
Idem.
44
Idem.
45
Idem.
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Na verdade, dos novos quinze, pode dizer-se que só três são agora inclu-
ídos por “reconsideração do seu interesse como poetas, ou do papel que
eventualmente representaram, ou por reconhecimento de um valor pro-
gressivamente afirmado”, independentemente do que possam ter realiza-
do noutros campos da criação literária, “ou da atividade e influência que
exerceram ou exercem na vida literária”: é o caso de Fernando Namora,
Papiniano Carlos e Natália Correia. Tudo isto aconteceu porque esta anto-
logia pretendia e pretende ser um panorama tão amplo e tão criticamente
imparcial quanto possível, mantendo-se assim fiel, na reedição, ao critério
que havia presidido à realização inicial.47
Como o próprio texto esclarece, não estão aqui em causa questões do âm-
bito pessoal ou da esfera político-burocrático dos meios literários. Também
não são as implicâncias e as antipatias alguns dos critérios definidores do juízo
crítico e investigativo de Jorge de Sena. O olhar analítico seniano preocupa-
-se muito mais com os seus objetos literários de pesquisa a partir do interesse
existente sobre estes “como poetas, ou do papel que eventualmente represen-
taram, ou por reconhecimento de um valor progressivamente afirmado”.48
Assim sendo, não haveria qualquer motivo para não incluir o nome de Natália
Correia dentro desse contexto cultural.
O segundo momento ocorre quando Jorge de Sena planeja a edição do
segundo volume de Líricas portuguesas, vindo à lume apenas em 1983, anos
depois da morte do poeta. Pronto desde 1975, o referido tomo surge com alte-
rações e acréscimos, em relação à primeira edição de 1958 (num só volume), e
46
Jorge de Sena, Líricas portuguesas, v. I, Seleção, prefácios e apresentação de Jorge de Sena,
Lisboa: Edições 70, 1975, p. lxvii.
47
Ibid., p. xii, destaques meus.
48
Ibid., p. 12.
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Nessa breve nota de abertura, Jorge de Sena consegue compactar com uma
impressionante exatidão as principais vertentes estéticas e temáticas do traba-
lho poético de Natália Correia, pontuando suas obras até o momento de con-
49
Jorge de Sena, Líricas portuguesas, v. II, Seleção e apresentação de Jorge de Sena, Lisboa: Edi-
ções 70, 1983, p. 148.
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Tão corajosa e tão franca como ela [Sophia de Mello Breyner Andressen], é
Natália Correia, poeta e ficcionista que alinha entre os melhores escritores
actuais, que chocou os críticos e o público com a violência e o erotismo
das suas últimas obras – é actualmente uma das mais activas jornalistas,
escrevendo acerca da Revolução, como muitas outras mulheres tem feito
(e a piada em Portugal é que algumas delas têm sido mais “viris” do que os
homens, na atitude de desafio de tudo).50
50
Jorge de Sena, Estudos de literatura portuguesa – III, Lisboa: Edições 70, 1988, p. 151.
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51
Jorge de Sena, Dialécticas da literatura, Lisboa: Edições 70, 1973, p. 154, destaques no original.
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