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GRANDE SERTÃO: VEREDAS,

UMA ABORDAGEM FILOSÓFICA


A figura da Narração ou as ciladas
do tempo no romance de Guimarães ROSA

Benedito NUNES
Professeur à l'Université de Belém (Pará)

Não se pode narrar o tempo, e só se pode narrar porque o tempo


constitui a condição fundamental da experiência. De fato, ao distin-
guir as intuições a priori da sensibilidade, Kant mostrou o maior e
mais extensivo alcance do tempo em relação ao espaço. Enquanto este
é a condição a priori, determina a ordem das representações em nosso
estado interno, o que quer dizer o antes, o agora e o depois, como re-
lação de sucessão sob a qual se articula a matéria sensível da experiên-
cia e sem a qual a experiência empírica não seria possível. Como, de
acordo com a Poética de Aristóteles, a mimesis é, no essencial, criação
., de um mythos (plot, história, intriga), que tem seu correlato na ação e
de que resulta o agenciamento de certos fatos ou eventos, a narração
implica sempre em distribui-los dentro de uma ordem tal que eles se
sucedam formando um todo de determinada extensão. Assim, o que
no plano empírico é a suc{/essão das representações, é, no plano narra-
tivo, o princípio, o meio e o fim, correspondendo ao antes, ao agora e
ao depois da ação representada.
Desse ponto de vista, porém, o tempo se reduz, para empregar-
mos o idioma kantiano de maneira conseqüente e de acordo com a ín-
dole das prescrições aristotélicas, à condição formal, ao a priori inter-
no de toda seqüência narrativa. A condição da narrativa não pode ser
objeto de narração. Mas expulso como matéria, absorvido pela forma,
Bu//etin des Etudes Portugaises et Brésiliennes nº 44.45
Ed. Recherche sur les civilisations, Paris 1985 .
390 Grande Sertão: Veredas, uma abordagem filosófica

o Tempo retoma, instalando-se no romance como a franja mítica de


sua forma e de sua matéria. Ora implícita, ora explicitamente, a dinâ-
mica do gênero parece deferir-lhe a função de agente oculto, a posição
de instância suprema em que se absorvem e resolvem situações e
conflitos.
Todas as histórias confinam com a História enquanto confluência
de momentos diversos e diferentes, que remetem à imagem mitificada
de um tempo único - idêntico ao pai dos deuses, Chronos, criador e
destruidor, que apazigua conflitos e desencadeia mudanças. Pela sua
própria conformação biográfica, o romance é a forma literária que so-
fre da obsessão do tempo, e que acaba tentanto repassá-lo da franja
mítica da narrativa à sua própria matéria. Em vez de condição das se-
qüencias narrativas, em vez de medida dos acontecimentos segundo o
anterior e o posterior, o tempo seria, mas já ao nível da experiência vi-
vida, a realidade sui generis que entrama a ordem dos acontecimentos
e que lhes confere sentido.
Assim o romance moderno, por uma de suas mais férteis vertentes,
nasce voltado para o tempo que os relógios não medem, tentando se-
guir o curso do que Bergson denominou de duração concreta - « a for-
ma que toma a sucessão de nossos estados de consciência quando nos-
so Eu se deixa viver, quando ele se abstém de fazer uma separação en-
tre o estado presente e os estados anteriores. Ele não tem necessidade,
para isso, de absorver-se inteiramente na sensação ou na idéia que
passa, porque então, ao contrário, deixaria de durar. .. Pode-se conce-
ber a sucessão sem a distinção e como uma penetração mútua, uma
solidariedade, uma organização íntima de elementos ... » 1 •
Foi para a duração concreta, a durée, que Proust se voltou em La
Recherche du Temps Perdu, onde a matéria da narrativa mergulha na
fluência desse tempo qualitativo, apreendido e recomposto como dire- •
ção e sentido da experiência do sujeito narrador.
Mas se fosse precisamento o contrário ? Se a narração, em vez de
produzir-se como meio de sondar o tempo de que o sujeito é capaz de
ter a experiência, fosse , ela mesma, enquanto narração, a condição de
uma tal experiência? Já não poderíamos falar do tempo vivido senão
em função da narrativa que o possibilita ou constitui.

1Essai sur les Données Immédiates de la Conscience, pag. 75, Presses Universitaires

de France, 8a. Ed.


Bulletin des études portugaises et brésiliennes 391

Pode-se entrever a procedência dessa hipótese quando atentamos


para a fonte daquela experiência em Proust : o exercício da memória
involuntária, que fornece , com o lastro inconsciente das associações,
levando de lembrança a lembrança, ou da percepção à lembrança, a
matéria bruta da obra 2 • A rememoração é aí o resultado de um traba-
lho ordenador que dirige o nexo associativo, e que, apoiado neste, a
narrativa se produzindo por um desdobramento de temas, traça, de
momento a momento, sobre a trama dos eventos, à semelhança do que
ocorre na música, o desenho da experiência temporal, o tempo en-
quanto recuperação ou revivescência do passado no presente.
Essa digressão vem muito a propósito de Grande Serão : Veredas,
cujo eixo narrativo parece direcionado pelo tempo vivido, tal a pro-
eminência que o fluxo das lembranças toma nesse romance. Não será,
portanto, descabido considerar a grande obra de Guimarães Rosa do
ponto de vista da experiência temporal entranhada à sua forma e à sua
matéria, aos seus temas e ao seu desenvolvimento, como passamos a
fazê-lo mediante aproximações sucessivas, que nos permitirão, talvez,
assentar, ainda que de maneira esquemática, a espécie de temporalida-
de inerente ao romance.

II

Numa primeira aproximação, podemos distinguir dois tempos


que se acoplam no romance de Guimarães Rosa:
- o tempo da história, que se desenrola no passado (Riobaldo
narra o que se passou numa outra época - suas andanças, seus amores,
sua gesta de jagunço, anteriores ao momento do relato que desenrola
o fio da rememoração, de lembrança a lembrança) ;
- o tempo do discurso, desse mesmo relato, na forma de uma nar-
• ração oral dirigida a um senhor que o escuta e que, por essa razão, de-
corre no presente.
O primeiro é o tempo pertinente ao epos, que normalmente enca-
dearia os eventos na ordem sucessiva que os distribui de modo a for-
marem as partes de um todo possuindo princípio, meio e fim, e do
qual Aristóteles nos fala em sua Poética.

2 Roger Shattuck, Marcel Proust - Appendix, pag. 171 . N. York, The Viking Press.
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O segundo, que acompanha o ritmo da recordação, de acordo


com o qual se apresenta o primeiro, também responde pela desenvol-
tura eminentemente reflexiva da narração. « E me inventei nesse
gosto de especular idéia. O Diabo existe e não existe ? Dou o dito.
Abrenuncio. Essas melancolias. O senhor vê : existe cachoeira ; e
pois?» (GSV, 11).
Assim Riobaldo, personagem-narrador, caminhará de lembrança
a lembrança, mas estancando o passo entre pergunta e pergunta. Sem-
pre de ânimo inquieto, cuidoso, preocupado, recorda sem aderir às
lembranças, que o inveterado gosto de especular idéia interrompe ; o
perguntar dessolidariza-o quase do passado, as interrogações intercep-
tando e tambem guiando o fluxo da recordação. De pergunta a per-
gunta, reitera a mesma indagação preocupante - existe ou não existe o
Diabo? - que relança o passado numa dimensão mítica, à sombra do
Pacto que o narrador teria feito com o Maligno. A essa injunção do
mito no epos do primeiro tempo corresponde a alternativa subjacente
às interrogações de Riobaldo : se houve Pacto, o destino dele terá sido
um produto da Fatalidade, se não houve Pacto, seu destino se produ-
ziu mediante escolhas de resultados fatídicos que conduziram, pela
linha transversa da batalha travada contra o Hermógenes, à morte do
muito amado Diadorim.
Essa oscilação entre Liberdade e Fatalidade reflete-se na equívoca
influência do Maligno, figura que tanto remonta ao popular e medie-
val Diabo quanto ao Daímon goethiano, ou seja « a individualidade
da pessoa, individualidade limitada, necessária, que se pronuncia na
hora do nascimento »3 • Daímon ou Diabo, tal potência estranha não
age sozinha. Seus coadjuvantes, enquanto potências auxiliares, que o
traçam, a partir da primeira, o itinerário dos personagens em que se
encarnam, são Amor, Fortuna (Acaso), Necessidade e Esperança,
também motivos recorrentes ou tópicos temáticos da narrativa, a que
ela constantemente retorna.
Não por acaso esses temas da aventura de Riobaldo, nos quais se
encaixam as peripécias e situações, do romance de Guimarães Rosa,
correspondem às palavras-chaves - Daímon (Demônio), Eros (Amor),
Anánké (Necessidade), Túké (Fortuna, Acaso) e Elpís (Esperança) do

3Grethe, Poem e Orphique. La Sagesse de G<Ethe, Introduction, traduction et notes

par Henri Lichtenberger, pag. 152. Ed. La Renaissance du Livre, Paris.


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conhecido poema órfico de Goethe, publicado em 1820, com edita-


mento do comentário do punho do próprio autor\ e no qual o poeta
pretendeu figurar a ação das forças superiores de caráter mítico que
regem o destino individual.
Em Grande Sertão : Veredas, o ambíguo influxo do Pai do Mal,
do Tendeiro, do Manfarro, é acolitado pela interferência de Eros, do
i?S 1., :, « mal amor oculto» (GSV, 79), do « gostar dum jeito condenado» :i 9~ ' 1-.3
(GSV, 91) - a paixão solta, às loucas, por Diadorim, « a minha nebli- :lt , ,, t o ~
na» (GSV, 25), turbulência dos sentidos gerando o Pacto do amor / ·
proibido. A este se devem as condições particulares do exercício da ~
Fortuna : o léu da sorte, a vereda do acaso, por onde se complica, a r- ·
despeito da vontade e contra ela, o tecido da causalidade, da relação ~""""-
de causa e efeito. Assim é que desde o momento em que encontra o l<:S: ~ )
Reinaldo, às margens do Dejaneiro, está decidida a Fortuna andeja de T'-' I
Riobaldo. Sem que ele o saiba, é pelo Menino a cuja secreta atração
ficou preso, que adere ao bando de Joca Ramiro, do qual assumirá
chefia em lugar de Zé Bebelo. Não fosse a Esperança, que alenta o nar-
rador, de que Diabo não existe e que Pacto não houve, a Fortuna aca-
baria se convertendo em pura Necessidade.
À luz da Esperança, com que se confunde a preocupação, o cui-
dado do narrador, que o força a rememorar o seu passado interrogan-
do o desfile de suas lembranças e mantendo o relato dos eventos ao ní-
vel de uma procura, de uma busca ou demanda reflexiva, Grande Ser-
tão : Veredas é bem o romance do Destino. Mas também pode ser
considerado, por esse mesmo motivo, o romance do próprio Tempo.
Isso porém num sentido diferente em que a expressão, romance do
Tempo, se aplica à Recherche de Proust, a despeito de que ambos se-
jam construídos sob o foco da primeira pessoa, como tentaremos pre-
cisar na segunda aproximação.

III

Como personagens-narradores, Riobaldo de Grande Sertão: Ve-


redas e Marcel de La Recherche du Temps Perdu, pertencem a uma
mesma estirpe, a uma mesma Tipologia. Ambos revivem o passado;
une-os a comum força da recordação que os dirige e subjuga. No en-

4 Grethe, Poeme Orphique. La Sagesse de Ga!the, page 152/ 156. Opus cit.
394 Grande Sertão: Veredas, uma abordagem filosófica

tanto, é a partir desse padrão rememorativo que eles se diferenciam


enormemente. Enquanto, para Marcel, tudo será apenas matéria de
lembrança, a recordação lhe propiciando o momento translúcido de
interpenetração do presente no passado, a lembrança é, para Riobal-
do, o meio de compreender a « ação escorregada e aflita, sem substân-
cia narrável» (GSV, 130), e que o remete aos momentos de uma ação
passada, em cujos motivos a narração, feita no presente, visa pene-
trar. Marcel busca « alguma coisa que, ao mesmo tempo comum ao
passado e ao presente, é muito mais essencial que os dois» (Le Temps
Retrouvé, vol. II, Ed. Gallimard, p. 15) ; rememorando « coisas que
formaram passado para mim com mais pertença» (GSV, 96), Riobal -
do procura retroceder a um instante da decisão, ao Fiat da escolha.
À procura do tempo perdido, Marcel encontra o ponto de conver-
gência das lembranças, que abole ou suspende, numa essência imóvel,
a diferença entre passado e presente. Sob essa perspectiva, as diferen-
ças entre os dois narradores se anulam porém, a favor das semelhanças
quanto ao alcance, para ambos, do padrão rememorativo a que recor-
rem. Tanto Riobaldo quanto Marcel utilizam-no com o fim de se li-
bertarem da sucessão temporal, da cadeia da Necessidade. Em Proust
a narração exerce esse papel libertador como artificio estético, capaz
de conquistar a temporalidade, de redimi-la pela memória. E isso se
torna a finalidade e o objeto da obra. Em Guimarães Rosa, o contra-
movimento da memória, reabrindo no passado o discernimento do
que poderia ter sido, do que era apenas possívél antes de se tornar
acontecimento, faz da narrãção uma segunda necessidade, apta a que-
brar a vigência do Fado. A mão invisível das potências superiores
confunde-se com o Sertão, espaço mítico da aventura, onde se trava o
embate do Bem e do Mal à custa da evasiva e indeterminada conjun-
ção dos Contrários: de um lado, a paciência, a vagarosidade traiçoei-
ra, a regência sem aparente vigência de Deus, e, de outro, a sofregui-
dão, a pressa, a aparente vigência sem regência do Diabo.

Finalmente, o que ainda aproxima La Recherche du Temps Per-


du de Grande Sertão : Veredas é a tematização do Tempo, comum às
duas obras. Numa e noutra, acrescente-se, os respectivos personagens
narradores debatem o Tempo e se debatem contra ele. E em ambos
esse debate se desencadeia com a própria narração, que Grande Ser-
tão : Veredas eleva, de maneira expressa, à condição de objeto privile-

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giado da própria narrativa5 • Mas tanto na Recherche du Temps Perdu


quanto em Grande Sertão : Veredas, a experiência da temporalidade,
que se recorta na matéria profusa da narrativa além de tematizada,
alia-se à forma do romance, ao seu andamento reflexivo, a que se pro-
paga o embate dos narradores com o Tempo e o seu debate para ven-
cê-lo.
Quanto à tematização, isto é, à expressa temática do Tempo em
Grande Sertão : Veredas, basta nos reportarmos a alguns dos itens da
reflexão de Riobaldo que o tem por objeto : « Aqueles foram @ meus ;i__ ~ , ~
dias» (GSV, 28) - « Aí foi em Fevereiro ou em Janeiro nos tempos do 2.q. :i..i
pendão de milho» (GSV, 28) - « Tem horas antigas que ficaram mui-
to mais perto da gente do que outras, de recente data» (GSV, 95) C"° :l'1~ . "tG
« Milho crescia em roça, sabiá deu cria, gameleira pingou frutinhas, o
pequí amadureceu no pequizeiro e a cair no chão, veio veranico, pi- ç, 1 .1- · .:l.-33
tanga e caju nos campos» (GSV, 286) - « Despresenciei. Aquilo foi q i? ":r . 3 P-Y
um buracão de tempo» (GSV, 399).
Esses itens, numerosíssimos, que destacam diversas espécies de
temporalidade, não constituem, entretanto, os marcos do debate com
e contra o tempo cronológico, que corre através de profundo veio re-
flexivo do romance a expensas do desenvolvimento mesmo da narra-
ção, ao nível de sua própria forma, que se entronca ao que antes cha-
mamos de tempo do discurso.
Para surpreendermos a temporalidade da própria obra, que resul-
ta dessa contenda, precisamos seguir o veio reflexivo do romance, po-
larizado por duas grandes tensões inerentes ao desenvolvimento da
narrativa, dentro do singular circuito do discurso, possibilitado pelo
estilo de impostação oral que se lhe imprimiu :
la. - tensão entre a vivência, entre o que se viveu e o que se conta
ou relata (distância separando o vivido do narrado) ;
2a. - tensão entre o que se conta ou relata a um outro, na imedia-
tidade do discurso a ele dirigido, e a possível forma escrita a ser dada
ao mesmo reconto ou relato (distância separando o narrado do escri-
to).
A primeira tensão, que estabelece a distância inabsorvida do vivido
pelo narrado, manifesta-se nas carências, nas falhas, nos circunló-
quios, nos desvios, nos encobrimentos, nos desencobrimentos e tretas
5
Ver Walnice Galvão, As Formas do Falso, Ed. Persoectir's. Paulo.
396 Grande Sertão: Veredas, uma abordagem filosófica

do contar a que se refere o narrador, e que expõem o seu relato, para-


doxalmente, a desacertos e acertos, a incorreções e recorreções, ao ris-
co de falseamento, à necessidade de redizer o já dito ou de desdizê-lo.
,;,Zí?, :2."1'1 Contar é o que não é plausível (GSV, 344), é o que depõe em falso
'f"2:t-1, 3.,,g (GSV, 372), é o que é de mais ou de menos (GSV, 324)~ porque não se
1., 0 6,c!- J,JJ,,\ sabe o que vale e o que não vale no momento (GSV, 138)- é o que só
S3Lj . 18:l.(.v.1) alcança os extremos (GSV, 347), o resumo - enquando no estado de vi-
c,-s-0. Q~) ver as coisas vão enqueridas (GSV, 387) - é o que é dependente da
~~ recordação que se esfuma (GSV, 357), é o que dá acabamento, en-
:i--l-18, c,.c,, quanto no real as coisas acabam com menos formato (GSV, 82). Não
?--63 . J.-O 1- se pode contar tudo, e o que se conta é sobrefalseado, « como só em
L 7 jornal ou livro que se lê» (GSV, 133). « Não acerto no contar porque
34 '.{_ . 1,3 '5 remexendo o vivido longe alto, com pouco caroço» (GSV, 177). E o
4~ 0 . .1- "'1C:, principal que Riobaldo quer contar« é o que eu não sei se sei» (GSV,
1l:JJ?, :-_ 1 "I 217). A mentira está à espreita do narrador. « Mas mente pouco quem
L-- -) a verdade toda diz» (GSV, 344). Nunca se vai diretamente ao vivido,
e é ou insuficiente ou excessivo, muito aquém ou muito além da coisa
ou do sucedido, o que se rememora. « Estou contando fora, coisas di-
vagadas» (GSV, 22). « Sei que estou contando errado pelos altos.
Desemendo » (GSV, 94). Traiçoeira é a lembrança e ardilosa a narrati-
va. « Ah ! eu estou vivido, repassado. Eu me lembro das coisas antes
delas acontecerem » (GSV, 31 ). « Contar seguido, alinhavado, só mes-
mo sendo as coisas de rasa importância» (GSV, 95).
Colocado sob suspeita em nome do vivido, o contar, exigindo
constante justificação, só pode ser sinuoso. Emenda, desemenda, como
um fio que se enrola agora para desenrolar-se depois, enredando-se
aqui e desenredando-se além, cordel que se estira e se dobra em voltas ,,
e contravoltas de labirinto, o relato de Riobaldo, trama e destrama,
descontinua a história, interrompida, salteada, reticente.
A segunda tensão, separando o narrado do escrito, mais fraca do
que a primeira, mas não menos importante, aponta para o relato
como matéria de futuro livro, de possível romance a ser escrito pelo
:l.-" ç. . l '1-- ouvinte prestimoso e paciente, « fiel como papel » (GSV, 96). Há de
ser aquilo poetagem, como em fala de livros : bel-ver, hei-fazer e bel-
"3t ís' . i4qtW.) amar (GSV, 17~) .- «Avida é um vago variado. O senhor es~re:'a no
nol.f . 3 cz 3 caderno: sete pagmas » (GSV, 471). - « Campos do Tamandua-tao - o
1--l-\Co'Z- :,i..:L g senhor aí escreva vinte páginas» (GSV, 514). Só o outro poderá dar
1--'--u;,5 , y 1.9 « letra\ os lados do lugar» (GSV, 515). E só o futuro escrito, o roman-
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ce em obra, pode depurar o variado trivial e extrair do « relato sem


pés nem cabeça», a vida repassada. « Vida devia de ser como na sala
do teatro, cada um inteiro fazendo com forte gosto o seu papel, des- l.J1-1_; :i$'l
empenho» (GSV, 232).
Assim, a reflexividade do relato faz refluir o contraste entre o vi-
vido e o narrado dentro do discurso, que decorre no presente e se des-
envolve protendido na espectativa de sua forma completa, do acaba-
mento, no futuro, como obra, da história contada, a qual reabre, por
efeito da lembrança, momentos do passado. Os dois contrastes se re-
solvem na tensão maior que se estabelece entre o tempo da história e o
tempo do discurso, e de que resulta o embaralhamento da ordem su-
cessiva dos acontecimentos, truncada, invertida, o depois antecipan-
do-se ao antes e o antes pospondo-se ao depois, ao longo da linha des-
contínua dos agora, deslocados a cada volta do relato labiríntico. À
medida que avança a narrativa, avança também, graças à ruptura da
ordenação orgânico-formal do todo em princípio, meio e fim , a expe-
riência do tempo - do tempo qualitativo, não cronológico da obra,
mas que absorve, conforme se verá, num mais amplo movimento, a
duração concreta, a durée bergsoniana, que vai, porquanto moldada
sobre o curso do tempo físico, do passado ao presente e do presente ao
futuro.
Essa maior abrangência distintiva da temporalidade de Grande
Sertão: Veredas, em comparação com a durée, funda-se nas catego-
rias temporais do romance como obra literária, que examinaremos a
seguir, numa terceira aproximação ao mesmo problema.

IV

As categorias temporais, próprias do romance derivam da relação


entre o tempo da narrativa, isto é, entre a disposição temporal do que
se narra e a disposição temporal da coisa narrada - entre o tempo do
contar e o tempo do que é contado ou, ainda, entre o tempo da histó-
ria e o tempo do discurso (erziihlte Zeit e Erziihlzeit). Respeitando-se
o caráter relacional de tais categorias, aplicaremos a Grande Sertão :
Veredas, no que couber, e com as necessárias modificações, algumas
das que foram levantadas por Gerard Genette com base no exame do
398 Grande Sertão: Veredas, uma abordagem filosófica

texto proustiano 6 : as de duração, aqui tomada no sentido estrito de re-


lação entre a duração variável, cronométrica, dos acontecimentos e a
que recebem dentro do discurso (episódios, cena, sumário); e as de or-
dem, relativas ao nexo que entretêm os acontecimentos recortados no
discurso narrativo e os segmentos temporais da história (analepse e
prolepse ou retrospecção e antecipação).
Narrativa maciça, sem divisões capitulares, é difícil separar, a não
ser por episódios ou seqüencias de episódios, as partes, componentes
da história em Grande Sertão : Veredas. Conforme já se tem mostra-
do, a morte de Joca Ramiro, sucedendo à cena do julgamento de Zé
Bebelo, talvez seja o episódio central, a divisória do romance 7 , a partir
do qual, depois de uma espécie de sumário dos acontecimentos ante-
riores, quando Riobaldo recapitula o que até ali se passara, a narrativa
segue um curso ordenado, as seqüências do discurso passando a cor-
responder à cadeia sucessiva dos acontecimentos. No entanto, mesmo
após o sumário, que também funciona como pausa, entre o episódio
da volta de Zé Bebelo e o início da guerra contra Hermógenes, o nar-
rador registra o desajuste da duração - a difícil , senão impossível, co-
mensurabilidade, que já denuncia a durée concreta bergsoniana na du-
ração cronológica, entre o tempo tisico e o tempo qualitativo, como a
que nos mostra a seqüência do cerco do bando sob a chefia de
Zé Bebelo, na casa dos Tucanos :
« Mas conto menos do que foi : a meio, por em dobro não
contar. Assim seja que o senhor uma idéia se faça. Altas misérias
nossas. Mesmo eu - que, o senhor já viu, reviro retentiva com
espelho cem-dobro de lumes, e tudo, grande e miúdo, guardo -
mesmo eu não acerto no descrever o que se passou, assim, passa-
1- 7-- ?v · ?-~3 mos, cercados guerreantes dentro da casa dos Tucanos, pelas ba-
las dos capangas do Hermógenes, por causa. Vá de retro ! -
Nanje os dias e as noites não recordo. Digo os seis e acho que
minto ; se der por os cinco ou quatro, não minto mais ? Só foi un
tempo. Só que alargou demora de anos - às vezes achei ; ou às
vezes também, por diverso sentir, acho que se perpassou, no zúo
de um minuto mito : briga de beija-flor» (GSV, 324).
6Gérard Genette, Discours du récit - Essai de Méthode, Figures III, Ed. du Seuil ,

Paris, 1972.
7
José Carlos Garbuglio, O Mundo Movente de Guimarães Rosa, Editora Atica, S.
Paulo, 1972.
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Na primeira parte até a morte de loca Ramiro, segundo a divisão


que mencionamos - a ordem dos eventos é completamente subvertida
por meio de retrospecções e antecipações da história pelo discurso, de
tal modo que sucessos do enredo ou intriga aparecem no último antes
ou depois dos segmentos episódicos da primeira. O conhecimento de
Diadorim, ainda menino, ocorre retrospectivamente num tempo pos-
terior ao da história já avançada. Da mesma forma, a segunda ação de
Zé Bebelo é referida antes da primeira, e só ficamos sabendo da ori-
gem dele por um retrospecto que se situa entre as duas. As antecipa-
ções são tão constantes quanto as retrospecções. Antecipa-se, desde o
começo, a luta do paradão, que só vai acontecer no final, com a morte
de Diadorim, igualmente prospectada. O conjunto de antecipações e
retrospecções trunca o andamento cronológico da narrativa.
A esse embaralhamento na ordem da successão, devemos juntar o
efeito de deslizamento do passado ao presente e do passado ao futuro,
que os indicadores temporais primários - os tempos verbais - revelam.
O imperfeito e o particípio presente empregados sucessivamente, em
muitos trechos, emprestam ao passado a proximidade do presente.
« Diadorim e eu, nós dois. A gente dava passeios... Se acostumavam 3 o' :,t3
de ver a gente parmente. Que nem mais maldavam. E estávamos
conversando, perto do rego - bicarne de velha fazenda onde o agrião
dá flor» (GSV, 29).
Do pretérito perfeito se passa ao particípio presente - o presente
do passado - a cláusula adverbial (agora) puxando a lembrança para
um momento presente da narração : Vinha um ventozinho,folheando.
Tantos homens amoitados que só espiavam : na obrigação - refleti.
Até achei bonito, agora. Aí passarinhos que já vão voando, com o me-
norzinho ralo de luz eles se contentam, para seu só isso de caçar o de
comer. Triste, triste, um tiriri cantou » (GSV, 199). O emprego do in-
finitivo, reiteradamente, reprojeta o passado no futuro : « Demos no
Rio, passemos. E, aí, a saudade de Diadorim voltou em mim, depois
de tanto tempo, me custando seiscentos já andava, acoroçoado, de afo-
go de chegar, chegar e perto estar » (GSV, 71 ).
Ora, na verdade, o presente do passado e o futuro do passado, o
primeiro como efeito da recordação e o segundo como efeito do cuida-
do, da preocupação do narrador, projetado para adiante de si mesmo
ao relatar a sua história, ajustam-se ao continuado presente da narra-
ção, dentro do circuito do relato oral em que ela se efetua. Se as duas
400 Grande Sertão: Veredas, uma abordagem filosófica

grandes tensões que marcam o veio reflexivo do romance são possibi-


litadas pelo estilo de impostação oral, a condição de possibilidade des-
te reside na espécie de circuito que garante o nível de oralidade da
narrativa com base na função ativa que se defere ao quase persona-
gem, ao narratário (vá o tecnicismo), também quase leitor, imediato
destinatário da narrativa - esse ilustre visitante, « pessoa com toda lei-
tura e suma doutoração », a quem se dirige Riobaldo, a quem ele in-
terpela, interroga, e que, sem dizer palavra, interfere no curso da nar-
ração, cujos índices de comunicação oral («olhe», « senhor "p~1g'tn-
te », « mire e veja», « o sên'lfor não vê», « Adiante conto», « e - mas
o Hermógenes ... », etc.) revelam a contrapartida de suas respostas e
perguntas subtextuais. « O sertão está em todap arte. Do Demo? Não
gloso. Senhor p i unter aos moradores» (GSV, 9/ 10). - « Hem?
Hem ? Ah. Figur ço minha, de pior para trás, as certas lembranças.
Mal haja-me». ( , 12). Entre o narrÍtdor e o destinatário de narrati-
va, firma-se uma situação coloquial ou, como quer Roberto Schwarz,
dialogal 8 • Mas em que implica semelhante interlocução?
Onde há interlocução, há também enuncia_ção. No caso, o estilo de
oralidade, que liga os interlocutores, produz o permanente retomo do
enunciado à enunciação, ao ato de fala. Aproveitemos, a propósito,
uma observação de Seymour Chatmann: « A narrativa estabelece um
senso do momento presente, narrativa agora (narrative now), por as-
sim dizer »9 • De um modo geral, a narração sempre se descola do pre-
sente. Em Grande Sertão : Veredas porém, o presente continuum é ga-
rantido dentro do circuito coloquial da fala que não podemos conceber
sem o futuro como horizonte do discurso preenchido pela espectati-
va, a cada momento renovada, do que vai ser contado. Riobaldo
rememora. Mas a lembrança que lhe devolve o passado pressupõe
sempre, a partir do ato da fala, que o finca no presente, juntamente
com o narratário, e da espectativa cuidosa do sujeito inquisitivo, que
faz da narração uma segunda necessidade, o abrimento do possível ou
do futuro na direção do qual a narração se relança ou se projeta. Mes-
mo em Proust, a prospecção se apresenta, conforme mostrou Poulet ;

8 Roberto Schwarz, Grande S rtão - A Fala. A Sereia e o Desconfiado, ensaios críti-

cos, pags. 23 /27 . Ed. Civilização Brasileira, Rio, 1965 .


9 Seymour Chatmann, Story and Discourse (Narrative Structure in Fiction and

Film), pag. 63 , Cornell University Press, 1978.


Bulletin des études portugaises et brésiliennes 401

o tempo futuro aí se alterna com o passado 10 • Assim a temporalidade


do romance de G.R. abrange o futuro, além do passado e do presente.
Então os tempos são três? perguntar-se-á, tal como Santo Agos-
tinho perguntou nas Confissões. Ou seriam esses três tempos com-
preensíveis dentro de um só momento temporal ligando o futuro ao
presente e o presente ao passado, numa ordem que redimensiona a
durée concreta de Bergson, dirigida do passado ao presente e do pre-
sente ao futuro? Qual, pois, a experiência do tempo, correspondente
ao movimento da narrativa, em GSV anteriormente descrito como
movimento prospectivo que se reprojeta no passado, através do pre-
sente?
Uma quarta e última aproximação, mediada por Santo Agostin-
ho, completará o ciclo que percorremos.

« Não se diz com propriedade de linguagem, afirma Santo Agos-


tinho, em certa passagem do Livro XI das Confissões, que os tempos
são três : pretérito, presente e futuro». O primeiro conhecemos como
o que não mais existe, o segundo como o que já não existe, entre os
agora em que se decompõe, e o terceiro como o que ainda não existe.
E se não podemos admitir que o tempo seja a medida do movimento
segundo o anterior e o posterior, porque esses limites de mensurabili-
dade requerem o movimento do corpo, ora curto ora longo, divisível
em unidades que me permitem avaliar a duração de umas pela dura-
ção de outras - se não podemos, pois, admití-lo, então o tempo não é
outra coisa senão a distentio da alma que vê, lembra e espera. Por r. 3ç, i
conseqüência, os tempos são três, mas como presente das coisas passa- t ,v-11 ,eA.f ·
das pela lembrança, presente das presentes pela atenção e presente das i<..;< vr.
futuras pela esperança, O que importa em dizer, ardil e paradoxo da
questão, que os três se resolvem num só fenômeno , o da temporalida-
de, e que cada um deles relacionado reciprocamente com os outros, se
dá ou se oferece à experiência como dimensão de um continuum onde
não há propriamente passado, presente e futuro segundo a concepção
vulgar que os separa enquanto instâncias autônomas de algo que flui-
ria passando por nós, mas onde há, sim, o desdobramento prospectivo
402 Grande Sertão: Veredas, uma abordagem filosófica

e retrospectivo da existência, o seu movimento extático - o fora-de-si


que o cuidado, a preocupação, possibilita. O antes, o agora e o depois
são, cada qual, êxtases de um mesmo movimento.
Transitamos aqui da linguagem agostiniana para a linguagem fe-
nomenológica da experiência do tempo, nos termos em que a formu-
lou Heidegger. Esperamos ter conservado o essencial dessa experiência
apresentando-a como o fizemos, de maneira abreviada. Mas o quanto
dissemos já dá para concluir que o movimento extático concebido por
Heidegger pode corresponder à distentio da alma em Santo Agostinho,
de que a lembrança, a atenção e a esperança constituem os êxtases.
Em Grande Sertão : Veredas, a experiência do tempo qualitativo,
se considerarmos a posição dialogante do narrador - personagem e a
sua expectativa - o seu cuidado ou a sua preocupação com a vera exis-
tência do Maligno e com a possibilidade do Pacto com o Diabo selan-
do seu Destino - a experiência do tempo que abre, por meio de contí-
nuas perguntas, o « futuro», é, nesse romance, a experiência da tem-
poralidade extática a partir do que se tornou possível e que a narração
se destina a recompor. De um lado, então, a narrativa apresenta-nos os
momentos de uma ação, os seus eventos e situações. De outro, a tem-
poralidade autêntica - o tempo originário, para Heidegger - dá-se
relativamente ao passado como retomada (Wiederholung) de possibili-
dades, contra o esquecimento, no instante de uma decisão (Augen-
blick). Sabemos também que Riobaldo quer remontar ao que foi pos-
sível, à raiz das decisões que justificariam os seus atos geradores de
ação. É narrando que ele conseguirá libertar-se do Fado. « Tudo não é
sina?» (GSV, 194). « Se o que aconteceu não tivesse acontecido?
:,,83 . 3"l'l 1 Como havia de ter sido o Ser ? » (GSV, 491 ).
Considere-se, ainda, que o Fado coincide com a ordem sucessiva
dos eventos, que Riobaldo , como narrador, consegue quebrar. Se o
Sertão é a imagem da mão invisível do Destino, a travessia do Sertão
o é da temporalização da existência - homem humano - aberta às pos-
sibilidades futuras que iluminam o passado e esclarecem o presente.
Mas, desse ponto de vista, já estamos na perspectiva global da obra
concluída, do romance, do escrito, cuja elaboração foi confiada a ou-
trem, e que enfeixa a recapitulação do acontecido.
~')'n-· ' l.\ iro r « Tempo que me mediu. Tempo? Se as pessoas esbarrassem, para
pensar - tem uma coisa ! - : eu vejo é o puro tempo vindo de baixo,
quieto mole, como a enchente duma agua .. . Tempo é a vida na morte :
imperfeição». (GSV, 552). A conotação de quietude e de enchente
Bulletin des études portugaises et brésiliennes 403

nesse trecho acentua o que há de mítico no tempo ; mas o nexo deste


com a imperfeição marca a afinidade da experiência temporal de
Grande Sertão : Veredas com a que Santo Agostinho descreveu nas
Confissões, associando-a à vida da alma. Admitindo-se que o dom do
narrador é a Esperança, o do romance, como narração concluída, é o
cômpito, depois da travessia do Sertão que ela permitiu articular.
Pode-se, finalmente, concluir que somente o romance, que possi-
bilitou a superação da fatalidade e da ordem sucessiva dos eventos
inapagáveis, também condicionou, enquanto narrativa, a experiência
do tempo vivido que àquela ordem se sobrepôs.
Resta-nos, apenas, tirar a lição que esse resultado comporta do
ângulo da relação entre literatura e filosofia.
Na abordagem filosófica de uma obra literária, como a que aqui
tentamos fazer, é a filosofia que aprende com a literatura. Aprende
que a experiência do Tempo - do tempo humano, do tempo não físi-
co, - requer, para configurar-se, uma trama particular, uma forma de
história ou de intriga ; aprende , para expressá-lo com palavras de Paul
Ricreur, que « o tempo se toma tempo humano na medida em que é
articulado sob o modo narrativo e que a narrativa atinge a sua signifi-
cação plena quando se toma condição da existência temporal » 11 •
Eis o segredo da permanência atual e futura de Grande Sertão :
Veredas, desse romance do Tempo, objeto de múltiplas leituras possí-
veis hoje e amanhã, para leitores que ocupando, de cada vez, o lugar
do interlocutor de Riobaldo, entrarão no mundo da obra como parti-
cipantes de seu grande jogo, o da temporalidade - esse jogo de uma
criança que brinca, segundo diz o Fragmento 52 de Heráclito.

11 Paul Ricreur, Temps et R écit, I, pag. 85. Ed. du Seuil, Paris, 1983.

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