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Sequência  1.

Poesia Trovadoresca Outros materiais · Textos informativos complementares 345

  Manual · p. 56

A cantiga de amor
O lirismo provençal foi certamente conhecido na Península Ibérica bastante cedo […].
Poesia autóctone e poesia de imitação provençal são, pois, simultaneamente cultivadas nas
cortes da Península e mutuamente se influenciam, ocorrendo frequentemente que a cantiga de
amor galego-portuguesa apresente refrão e se aproxime da estrutura da poesia popular. No en-
5 tanto, algo as distingue e as torna inconfundíveis: nas cantigas de amor é o homem que se dirige
à amada ("senhor") a confessar os seus sentimentos; pelo contrário, nas cantigas de amigo, é
uma rapariga que, enamorada e saudosa, recorda o amigo (namorado) ausente, tomando como
confidente a mãe, as amigas e a Natureza. […]
Mas os nossos poetas não se limitam a adaptar, por vezes, à estrutura típica da cantiga de
10 amor, o ritmo e a vivacidade que caracterizam a cantiga de amigo; mesmo na cantiga de imitação
provençal […], a expressão do amor simplifica-se e o sentimento amoroso, não sendo um fingi-
mento, humaniza-se e atinge um arrebatamento e um tom de sinceridade vivida […].
De acordo com o nosso temperamento apaixonado e saudosista, a nossa cantiga de amor
exprime a “coita” ou “cuita”, paixão infeliz, amor não correspondido que se torna obsessão, repe-
15 tida em tom de queixa ou de súplica. Assim se cria uma monotonia expressiva, uma plangência
que exprime o comprazimento na dor e que culmina com a aspiração a “morrer de amor”, um
dos tópicos mais repetidos na cantiga de amor galego-portuguesa […].
FERREIRA, Maria Ema Tarracha, 1998. “Introdução”,
in Poesia e Prosa Medievais. 3.ª ed. Lisboa: Ulisseia (pp. 13-14) (1.ª ed.: 1981)

A cantiga de amor, afim quanto ao conteúdo da cantiga de amigo, pois ambas desenvolvem, o
mais das vezes, o tema do amor não correspondido, distingue-se, no entanto, dela por uma mais
20 acentuada aristocraticidade de tom e de forma. Geralmente estruturada como pedido de amor do
poeta à dama ou como lamento pela indiferença e altiva distância dela, a cantiga de amor adota
moldes poéticos e fórmulas lexicalizadas de ascendência provençal (por exemplo, a apóstrofe
“mia senhor”, decalcada sobre o trovadoresco “midons”), mas dilui a sua intensidade expressiva,
despersonalizando-os e estereotipando-os. […] O canto de amor, aqui, não se dirige a uma mu-
25 lher real, exprimindo sentimentos reais que são a transposição amorosa dos sentimentos do
vassalo pelo senhor feudal (admiração, devoção, fidelidade, desejo de ser admitido na sua intimi-
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dade), mas é dedicado a uma mulher abstrata (ou extremamente idealizada), objeto de “senti-
mentos” tópicos, rigidamente fixados em esquemas convencionais. Disto deriva quer a impressão
de incorporeidade da dama na cantiga de amor galego-portuguesa, em contraste com a “carna-
30 lidade” concreta, mesmo se tenuemente velada, da dama provençal, quer a ausência de dimen-
sões espaciais e temporais da primeira confrontada com a precisa localização da segunda num
contexto histórico-ambiental o mais das vezes bem determinado.
LANCIANI, Giulia, 2000. “Cantiga de amor”. In Dicionário da Literatura
Medieval Galega e Portuguesa. 2.ª ed. Lisboa: Caminho (pp. 136-137) (1.ª ed.: 1993)
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