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Ano Letivo 2022-2023

Português 10.º ANO Prof.ª Susana Caetano Neves

MÓDULO 1
POESIA TROVADORESCA - Contextualização histórico-literária

A poesia trovadoresca floresce em Portugal e na Galiza, em Castela, Leão e Aragão, desde finais do século
XII até meados do século XIV. O idioma usado por excelência é o galego-português (dialeto falado na Galiza, a
norte de Portugal).

Os cultores desta poesia chamam-se «trovadores» e «jograis» ou «segréis», sendo os primeiros


normalmente de origem social elevada e, como diz Jacinto Prado Coelho, «criadores de poesia por galanteria
cortesã e comprazimento estético» e os jograis ou segréis «homens de condição inferior que ora cantavam
música e poesia alheias, ora eles próprios compunham, para tirarem proveito da sua arte». Estes últimos
andavam de corte em corte a distrair e entreter os senhores e eram frequentemente acompanhados por
soldadeiras, mulheres que eram remuneradas para cantarem ou dançarem, animando ainda mais os serões nos
castelos.

Embora a origem conserve algum mistério, parece que a hipótese mais provável pressupõe a combinação
da tese folclórica e da tese litúrgica.
. Tese folclórica – explica o nascimento da poesia trovadoresca a partir das festas pagãs de maio, da Primavera e
dos cultos de Vénus, Baco e das divindades ligadas à vida.
. Tese litúrgica – defende que esta poesia é uma derivação da poesia religiosa, com origem na poesia hebraica e
que o culto à Virgem Maria estaria na base do culto da mulher, da veneração do trovador perante a dama
cantada. Tratar-se-ia da profanação da poesia litúrgica a que não seriam alheias as romarias e peregrinações
religiosas, especialmente a de Santiago de Compostela.

Os textos conhecidos estão reunidos em três principais códices da lírica profana galego-portuguesa muito
próximos entre si: Cancioneiro da Ajuda (CA); Cancioneiro da Biblioteca Nacional (CBN); Cancioneiro da
Vaticana (CV). Nestes Cancioneiros estão representados três géneros canónicos (diferentes de composição):
cantigas de amigo, cantigas de amor, cantigas de escárnio e maldizer.
a) Cantigas de Amigo
Nas cantigas de amigo, o trovador expressa, pela boca de uma donzela, a menina, os sentimentos que
supõe que esta sente em relação ao amado e os estados emocionais experimentados por ela, que padeceria a
paixão amorosa – a coita (desgosto) de amor.

As variedades principais são:


. alvas ou albas - são as cantigas em que aparece o romper do dia, a alvorada, como momento de separação e
despedida de dois apaixonados.
. barcarolas ou marinhas - são chamadas assim por nelas predominarem os motivos marinhos, referentes ao mar
ou ao rio, onde a donzela vai esperar o amigo ou lamentar-se da sua ausência.
. bailias ou bailadas - são todas simples que acompanhavam a melodia de dança. Daí a importância que nelas tem
o aspeto musical realçado pelo paralelismo e existência indispensável do refrão. Ao contrário das anteriores, em
que o tom é triste, o tema é a alegria de viver e amar.
. cantigas de romaria ou romarias - mencionam-se festas e peregrinações a santuários e capelas onde a donzela
vai cumprir promessas, rezar pelo amigo ou simplesmente distrair-se em locais de culto que ainda hoje perduram.

As cantigas de amigo são de raiz peninsular, originárias da Galiza e Norte de Portugal, e apresentam uma
simplicidade e espontaneidade notáveis, em oposição ao palacianismo e convencionalismo das cantigas de amor.

b) Cantigas de Amor
Os trovadores chamaram cantigas de amor às composições em que o poeta exprime os seus sentimentos
por uma dama, refletindo a maioria das vezes um amor infeliz, incompreendido e insatisfeito. Perante a “senhor”,
o poeta apaixonado humilha-se, suplica e adora como um vassalo o seu suserano. Frequentemente diz só lhe
restar morrer de amor ao aperceber-se da indiferença, frieza e distanciamento da amada. As cantigas de amor
galego-portuguesas refletem forte influência provençal, não só a nível do conteúdo como a nível formal.

c) Cantigas de Escárnio e Maldizer


Trata-se de um género satírico. Nas cantigas de maldizer, o trovador troça das pessoas ou das ações de
determinados indivíduos, em termos diretos e «a descoberto», nas cantigas de escárnio o poeta recorre ao duplo
sentido das palavras, criticando e escarnecendo de alguém «per palavras cobertas». Esta crítica cai
essencialmente na crítica individual e utiliza a ironia, o chiste e até a linguagem obscena com o intuito de ferir.
Quadro-síntese
CANTIGAS DE AMIGO
Origem - Poesia peninsular, popular, com influências moçárabes e provençais.

- A expressão dos sentimentos e das emoções pertence a uma voz feminina,


Sujeito de enunciação uma donzela. (O «eu» feminino é um fingimento poético em que o trovador
apresenta o ponto de vista e os sentimentos de uma donzela).

- Amigo.
- Mãe.
Interlocutores - Amigas.
- Elementos da natureza, intervindo no drama («Ondas do mar de Vigo»).

- Confidência lírica: o amor não correspondido como tema principal,


associado à expressão do sofrimento e do lamento pela indiferença do amigo
Temas – a coita de amor; o cuidado e a ansiedade pela ausência do amigo que tarda.
- A alegria de bailar com as amigas.
- A mãe vigilante e/ou opositora ao amor da filha.

- Mãe (opositora/compreensiva/vigilante).
Confidente - Amigas (cúmplices).
- Elementos da natureza (as ondas, o mar, as flores, as árvores, as aves…).

- Atributos físicos: louçana, velida, bom parecer, fremosa, corpo velido.


Caracterização da protagonista - Traços psicológicos: simples, ingénua, tão apaixonada, vulnerável à
desilusão.

- Espaço rural (campo, rio, bosque, fonte, …).


- Espaço doméstico/burguês.
Cenário - Ambiente marítimo.
- Ambiente de romaria.

- A natureza, para além de cenário, é também uma personagem, a confidente


da coita de amor da donzela.
A natureza e o seu papel na - A natureza pode ser também mensageira («Ai Flores de Verde Pinho»),
cantiga de amigo condicionando a atitude e as expetativas da donzela.
- A natureza em sintonia com a donzela – no amor correspondido, natureza
alegremente «faladora»; no desamor, natureza silenciosa e triste.
- A natureza (o mar) como causa da separação dos apaixonados.

- Estrutura de três versos formados por um dístico monorrimo mais um verso


de rima nova, o refrão; esquemas estróficos e ritmos breves de 2, 3, 4 versos,
com rima abbaCC ou aaaBaB.
Características formais - Presença de processos paralelísticos repetitivos; repetição literal ou
sinonímica; repetição de determinada construção sintática ou rítmica.
- Processo de articulação estrófica do leixa-pren associado ao paralelismo.
- Refrão, elemento da poesia tradicional, contém normalmente o tema da
composição; é também uma forma de paralelismo.
- Linguagem simples, frases curtas, predomínio da coordenação, vocabulário
Linguagem e estilo repetitivo; elementos simbólicos.
- Recursos expressivos: personificação; anáfora; apóstrofe; adjetivação; …

- Cantigas de amigo com refrão, herdeiras da primitiva lírica autóctone.


Variedades formais - Cantigas de mestria, cantiga de amigo sem refrão, provém de formas
provençais (pastorela, por exemplo).

Quadro-síntese
CANTIGAS DE AMOR
Origem - A cantiga de amor galego-portuguesa adota os moldes e as fórmulas da
«cansó», a canção de amor provençal.

Sujeito de enunciação - O «eu» masculino, voz do trovador, cavaleiro poeta.

- Mia Senhor, mulher casada, mulher do senhor em cuja casa o cavaleiro


vivia.
Destinatário - Na Península Ibérica, a estrutura sociocultural diferente da Provença faz
com que o canto de amor não se dirija a uma mulher real, mas a uma mulher
abstrata ou extremamente idealizada, na maioria dos casos.

- A mulher idealizada, uma deusa.


- A mulher é suserana, a dama a quem o poeta dirige o pedido de amor.
- Atributos físicos genéricos: «senhor fremosa e de bom parecer»,
Visão da mulher «beldade».
- Traços psicológicos: um modelo de virtudes morais e sociais.
- Em algumas cantigas galego-portuguesas, surge a visão negativa da mulher
como sádica, malévola, cruel, desdenhosa, por força dos rigores impostos.

- Na maioria dos casos, na Península Ibérica, a cantiga de amor de influência


provençal não é propriamente a expressão lírica de sentimentos verdadeiros
do trovador (admiração, devoção, fidelidade) pela sua «senhor», mas um
jogo estilístico, um artificialismo poético.
- O amor cortês (à moda da corte) tem um caráter palaciano, tom requintado
e aristocrático, mediado pelas regras de «mesura».
Vivência do amor
- É uma relação amorosa hierarquizada que reflete a estrutura do sistema
feudal e diversos conceitos ligados à cavalaria.
- O amor cortês visava o aperfeiçoamento do cavaleiro trovador (retidão de
caráter, honestidade, abnegação, virtude guerreira, a mesura face à mulher)
para se transformar num homem cortês, de trato afável, ornado de virtudes,
reconhecido como tal pelo grupo a que pertence.

- Exalação de «mia senhor», a mulher amada, na sua beleza física e moral.


- Declaração de um amor superlativo do poeta pela sua «senhor».
- Amor não correspondido como causa da «coita» amorosa ou desejo de
Temas morte por amor – o poema apresenta a forma de um lamento/queixume
pela indiferença e altivez da amada.
- Na lírica galego-portuguesa, algumas composições apresentam sentimentos
contraditórios, prazer masoquista, loucura e/ou desejo de morte.

Cenário - Ambiente palaciano, natureza ausente.

- Discurso bastante elaborado, com recurso a estruturas frásicas complexas.


Linguagem e estilo - Léxico mais selecionado, algum de influência provençal.
- Recursos expressivos no elogio da dama e na expressão do amor do poeta:
hipérbole; anáfora; metáfora; comparação; apóstrofe; gradação; …

- Cantigas de mestria – estruturada em três ou quatro estrofes de sete versos


(decassílabo, octossílabo ou heptassílabo).
- Cantigas de amor com refrão, apresentam estrofes de quatro ou cinco
Variedades formais versos seguidas de um refrão de um, dois ou três versos; podem apresentar
processos de paralelismo («Como morreu quen nunca bem»).
- Algumas cantigas apresentam uma finda, remate temático e métrico
constituído por dois ou três versos; é uma forma de concluir a cantiga.

Quadro-síntese

Poesia Satírica – CANTIGAS DE ESCÁRNIO E MALDIZER


Origem - Poesia portuguesa e peninsular, algumas revelam influências do sirventês
provençal.

Sujeito de enunciação - Trovadores.

Destinatários - Hebreus, médicos, soldadeiras, jograis, escudeiros, ricos-homens, infanções,


funcionários da corte.

Intenção das cantigas - Escarnecer, motejar, difamar, caluniar, muitas vezes associando-se num
coro de vozes para criticar alguém.

- Entrega dos castelos ao conde de Bolonha.


- Moteja dos jograis pelas suas pretensões socioliterárias.
- Escarnecimento dos vícios e dos costumes da época: avareza, vaidade,
maledicência, homossexualidade, ignorância dos médicos.
- Troça da penúria dos infanções (nobre) por trovadores de origem vilã.
- Escárnio dos ricos-homens decadentes.
Temas das sátiras
- «Escárnio de amor», ridicularização dos tópicos das cantigas de amor ou de
amigo através da deformação dos temas dos géneros sérios («Roi Queimado
morreu com amor»).
- A cruzada da Balteira, dichotes contra uma famosa cantadeira e bailarina
galega.

- Recorre à função narrativa mais do que os outros géneros.


- Maior variedade de termos referentes ao corpo, vestuário, atividades
humanas, animais e adjetivação variada – reportório precioso dos usos
Características gerais linguísticos medievais.
- Linguagem obscena e com expressões insultuosas.
- Registo irónico e satírico.

- Cantigas de escárnio – expressões «encobertas», as palavras «dous


Variedade de cantigas satíricas sentidos» são ambíguas: sátira indireta através do uso da ironia ou sarcasmo.
- Cantigas de maldizer – as palavras não têm outro entendimento se não
aquele; ataque direto, agressivo.

Variedade formal - Cantigas de refrão.


- Cantigas de mestria com ou sem finda.

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