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Semelhanças e diferenças entre as cantigas de amigo e as cantigas de amor

As cantigas de amigo e as de amor são dois dos três géneros da tradição poética medieval
galego-portuguesa e as suas versões escritas datam de entre os séculos XII e XIV. As primeiras
surgiram no Condado da Galiza e no Condado Portucalence e as segundas surgiram na tradição
poética da Provença, sul de França.

Nas cantigas de amigo o sujeito poético é uma donzela de origem popular e de natureza
espontânea, que fala dos incidentes da sua relação amorosa tendo como objeto amado o seu
«amigo». A donzela vive num meio rural; o cenário é a natureza, que pode ter, para além da
função de cenário, a função de confidente da donzela, como na composição “Ai flores, ai flores
do verde pino”, ou uma função simbólica, podendo representar o tumulto interior da rapariga,
como acontece na cantiga “Sedia-m’eu na ermida de Sam Simiom”, em que o mar encapelado
representa o seu estado de perturbação e ansiedade, ou, tal como no caso da cantiga
“Digades, filha, mha filha velida”, representa o seu amigo (o “cervo”).

Nas cantigas de amor o sujeito poético é um homem que se dirige a uma “senhor” idealizada e
perfeita, exprimindo sentimentos que são a transposição amorosa da estrutura social da Idade
Média do vassalo e do seu suserano.

O tema principal em ambos estes géneros é o amor não correspondido. Nas cantigas de amigo
é comum haver uma ausência do amigo, como é o caso da cantiga “Ai flores, ai flores do verde
pino”, ou haver uma falência da relação amorosa, como é o caso da cantiga “Levad’, amigo,
que dormides as manhanas frias”. O tormento dominante pode, contudo, contrastar com a
alegria da donzela no encontro com o amigo em algumas composições como na cantiga
“Bailemos nós já todas três, ai amigas”. Nas cantigas de amor, de acordo com as regras do
amor cortês, é característica a inacessibilidade do sujeito poético relativamente à “senhor”,
como é o caso da cantiga “A dona que eu am’ e tenho por senhor”.

Assim, os principais temas destas cantigas são a saudade, a angústia, a tristeza e a desilusão.

As cantigas podem ser de refrão ou de mestria (cantigas sem refrão) no que respeita às
cantigas de amor; muitas das cantigas de amigo, porém, apresentam paralelismo perfeito, ou
quase, como é o caso da cantiga “Ai flores, ai flores do verde pino”, já referida anteriormente.
Muitas das cantigas de amor apresentam paralelismo semântico como é o caso da cantiga “Se
eu podesse desamar”.

A principal semelhança entre os dois géneros destas cantigas é o facto de umas e outras se
referirem ao tormento de amor e a sua principal diferença é o facto de nas cantigas de amor se
cultivar um amor cortês em que o amor entre o vassalo e uma “senhor” idealizada – não
correspondido –, pois ela pertence a uma classe hierárquica, social e culturalmente superior,
mantendo-se, assim, uma relação de vassalagem amorosa. Nas cantigas de amigo há, pelo
contrário, um nivelamento social entre a donzela e o amigo.
É esta variedade de situações e tendências que empresta variedade e vivacidade à nossa
tradição lírica dos cancioneiros trovadorescos, precioso documento para o conhecimento da
realidade social e cultural da época medieval.

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