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Características de Alexandre O’Neill

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AUTO-RETRATO

O'Neill (Alexandre), moreno português,


cabelo asa de corvo; da angústia da cara,
nariguete que sobrepuja de través
a ferida desdenhosa e não cicatrizada.
Se a visagem de tal sujeito é o que vês
(omita-se o olho triste e a testa iluminada)
o retrato moral também tem os seus quês
(aqui, uma pequena frase censurada...)
No amor? No amor crê (ou não fosse ele O'Neill!)
e tem a veleidade de o saber fazer
(pois amor não há feito) das maneiras mil
que são a semovente estátua do prazer.
Mas sofre de ternura, bebe de mais e ri-se
do que neste soneto sobre si mesmo disse...

Alexandre O'Neill, in 'Poemas com Endereço'

Veleidade: capricho Semovente: move-se por si mesmo


Temáticas
Retrato Físico e Psicológico
A descrição física do autor
anuncia já características
O'Neill (Alexandre), moreno português, psicológicas.
cabelo asa de corvo; da angústia da cara, Na sua cara está estampada a
nariguete que sobrepuja de través “angústia”, o seu olhar é
“triste” e tem uma “ferida”
a ferida desdenhosa e não cicatrizada.
que pode ser psicológica.
Se a visagem de tal sujeito é o que vês
(omita-se o olho triste e a testa iluminada)
o retrato moral também tem os seus quês
(aqui, uma pequena frase censurada...)
Traços morais
No amor? No amor crê (ou não fosse ele O'Neill!) Vida pouco exemplar e
e tem a veleidade de o saber fazer dada à vivência
(pois amor não há feito) das maneiras mil amorosa
que são a semovente estátua do prazer.
Mas sofre de ternura, bebe de mais e ri-se Momento humorístico e
do que neste soneto sobre si mesmo disse... irónico: há um contraste
com o que foi
Referência à censura anteriormente dito,
provando que o poeta de
do Estado Novo
autodescredibiliza.
Recursos Expressivos
O'Neill (Alexandre), moreno português,
cabelo asa de corvo; da angústia da cara, Adjetivação expressiva
nariguete que sobrepuja de través
a ferida desdenhosa e não cicatrizada.
Se a visagem de tal sujeito é o que vês
(omita-se o olho triste e a testa iluminada)
o retrato moral também tem os seus quês
(aqui, uma pequena frase censurada...) Interrogação retórica: o
autor antecipa a
No amor? No amor crê (ou não fosse ele O'Neill!)
curiosidade que o leitor
e tem a veleidade de o saber fazer possa sentir
(pois amor não há feito) das maneiras mil
que são a semovente estátua do prazer. Hipérbole
Mas sofre de ternura, bebe de mais e ri-se
Ironia
do que neste soneto sobre si mesmo disse...

O poema apresenta 14 versos e o sujeito poético refere-se a ele como “soneto”, mas não apresenta a
estrutura canónica de 2 quadras e 2 tercetos.
Comparação com Bocage
• Semelhanças físicas:
Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura, – Bocage: “carão moreno”, “Nariz alto no meio, e não
Triste de facha, o mesmo de figura, pequeno”.
Nariz alto no meio, e não pequeno; – Alexandre O’Neill: “moreno português”, “nariguete
que sobrepuja de través
Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura • Semelhanças psicológicas:
Bebendo em níveas mãos por taça
– Bocage: “Triste de facha, o mesmo de figura”
escura
De zelos infernais letal veneno; – Alexandre O’Neill: “olho triste”
• Dimensão irónica:
Devoto incensador de mil deidades – Bocage: “Bem servido de pés”
(Digo, de moças mil) num só momento – Alexandre O’Neill: “bebe de mais e ri-se do que
E somente no altar amando os frades, neste soneto sobre si mesmo disse”
Eis Bocage, em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades, Existem também algumas diferenças entre estes dois
Num dia em que se achou mais auto-retratos, na medida em que o de Bocage é
pachorrento. verdadeiro (“Saíram dele mesmo estas verdades”),
enquanto que no de Alexandre O’Neill há um desdizer,
Bocage
pois ele “ri-se do que neste soneto sobre si mesmo
disse”.
Um adeus português Não podias ficar presa comigo
à pequena dor que cada um de nós
Nos teus olhos altamente perigosos traz docemente pela mão
vigora ainda o mais rigoroso amor a esta dor portuguesa
a luz de ombros purosParte
e a sombra Estrofes
tão mansa quase vegetal Tema
de uma angústia já purificada
Não tu não mereces Aesta
mulher
cidadeamada é
não mereces
Não tu não podias ficar presa comigo esta roda de náuseainterpelada
em que giramos pelo
à roda em que apodreço até à idiotia
apodrecemos sujeito poético,
esta pequena morte
1ª que vacila
a esta pata ensanguentada e o1ª
seu minucioso eindicando
porco ritual já a
quase medita
e avança mugindo pelo túnel
despedida
esta nossa razão absurda de ser e
de uma velha dor separação
Não tu és da cidade aventureira
da cidade onde o amor encontra as suas ruas
Não podias ficar nesta cadeira e o cemitério ardente
onde passo o dia burocrático da sua morte Razões que
o dia-a-dia da miséria
que sobe aos olhos vem às mãos
impedem
tu és da cidade onde o amor
vives por um fio
de puro acaso
aos sorrisos entre o sujeito
ao amor mal soletrado 2ª 2ª a 7ª
onde morres ou vives não de asfixia
mas às mãos de uma poético e ademulher
aventura um comércio puro
à estupidez ao desespero sem boca sem a moeda falsainterpelada
do bem e do mal
ao medo perfilado
à alegria sonâmbula à vírgula maníaca *
do modo funcionário de viver
Despedida e
Nesta curva tão terna e lancinante
Não podias ficar nesta cama comigo que vai ser que já éseparação do
o teu desaparecimento
3ªdia sórdido
em trânsito mortal até ao 8ª
digo-te adeus
canino sujeito poético e da
e como um adolescente
policial tropeço de ternura mulher
até ao dia que não vem da promessa por ti.
puríssima da madrugada
mas da miséria de uma noite gerada Alexandre O'Neill, in 'Poesia Completas'
por um dia igual
Nos teus olhos altamente perigosos Não podias ficar presa comigo
vigora ainda o mais rigoroso amor à pequena dor que cada um de nós
a luz de ombros puros e a sombra traz docemente pela mão
de uma angústia já purificada a esta dor portuguesa
tão mansa quase vegetal
Não tu não podias ficar presa comigo
à roda em que apodreço Não tu não mereces esta cidade não mereces Recursos expressivos
apodrecemos esta roda de náusea em que giramos
a esta pata ensanguentada que vacila até à idiotia
quase medita esta pequena morte Anáforas
e avança mugindo pelo túnel e o seu minucioso e porco ritual Antíteses
de uma velha dor esta nossa razão absurda de ser
Hipálage
Não podias ficar nesta cadeira Não tu és da cidade aventureira Metáfora
onde passo o dia burocrático da cidade onde o amor encontra as suas ruas Comparação
o dia-a-dia da miséria e o cemitério ardente
que sobe aos olhos vem às mãos da sua morte
aos sorrisos tu és da cidade onde vives por um fio
ao amor mal soletrado de puro acaso
à estupidez ao desespero sem boca onde morres ou vives não de asfixia
ao medo perfilado mas às mãos de uma aventura de um comércio puro
à alegria sonâmbula à vírgula maníaca sem a moeda falsa do bem e do mal
do modo funcionário de viver
*
Não podias ficar nesta cama comigo
em trânsito mortal até ao dia sórdido Nesta curva tão terna e lancinante
canino que vai ser que já é o teu desaparecimento
policial digo-te adeus
até ao dia que não vem da promessa e como um adolescente
puríssima da madrugada tropeço de ternura
mas da miséria de uma noite gerada por ti.
por um dia igual
Alexandre O'Neill, in 'Poesia Completas'
• http://folhadepoesia.blogspot.com/2013/08/
um-adeus-portugues-alexandre-oneill.html
• Podes fazer isto?

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