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EXCERTO 3

Vem Pêro Marques (arranjado pela alcoviteira) e Com Inês; que eu m’espanto
diz: Quem me fez seu namorado.
Parece moça de bem,
Pêro Homem que vai aonde eu vou E eu de bem er também.
Não se deve de correr; (justificação de querer casar com inês.)
Ria embora quem quiser, Ora vós er ide venho
Que eu em meu siso estou. Se lhe vem melhor alguém,
Não sei onde mora aqui: A segundo o que eu entendo.
Olhai que m’esquece a mi! Cuido que lhe trago aqui
Eu creio que nesta rua,
e esta parreira é sua;
já conheço que é aqui. Peras da minha pereira;
(homem rustico, que se perde mas que encontra Hão de estar na derradeira.
uma parreira que o leva ao local.)
Tende ora, Inês per i.
Inês E isso hei de ter na mao?-desprezo
Chega a casa de Inês Pereira
Pêro Deitai as peãs no chão.- carater
Digo que esteis muito embora.
simplório
Folguei ora de vir cá.
Inês As perlas para enfiar,
Eu vos escrevi de lá
Três chocalhos e um novelo,
Uma cartinha, senhora:
E as peãs no capelo…(enumeração)
E assi que de maneira…
E as peras onde estão?
Mãe Tomai aquela cadeira.
Pêro Nunca tal me aconteceu!
Pêro E que val aqui uma destas? (não sabe
o que é uma cadeira. Gil Vicente recorre ao uso do comico) Algum rapaz m’as comeu;
Inês (Oh, Jesu! Que João das bestas! Que as meti no capelo,
Olhai aquela canseira!) -aparte de E ficou aqui o novelo,
ines carregado de sarcasmo. E o pentem não se perdeu.(cómico
de situação e de caracter)
Assentou-se com as costas pera elas e diz: Pois trazia-as de boa mente.
Inês Fresco vinha aí o presente
Pêro Eu cuido que não estou bem… Com folhinhas borrifadas. -ironia
(ingenuidade\ simplicidade) Pêro Não, que elas vinham chentadas
Mãe Como vos chamais, amigo? Cá em fundo no mais quente.
Pêro Eu Pêro Marques me digo, ( ingenuidade e incapacidade de entender
Como meu pai que Deus tem. o sarcasmo de Inês)
Faleceu (perdoe-lhe Deus,
Que fora bem escusado) Vossa mãe foi-se? Ora bem,
E ficamos dous eros; Sós nos leixou ela assi?
Porém, meu é o mor gado. Cant’eu quero-me ir daqui,
Mãe De morgado é vosso estado? Não diga algum demo alguém…(quer
ir embora pq acha que as pessoas q se apercebem , vão
Isso viria dos céus! (mulher pratica fazer juízos errados acerca de Inês)
e materialista) (o trocadilho mor gado e Inês Vós que me havíveis de fazer?
morgado é cómico de situação.) Nem ninguém que há de dizer?
(o galate despejado!)
Pêro Mais gado tenho eu já quanto Pêro se eu fora já casado,
E maior de todo o gado, D’outra arte havia de ser,
digo maior algum tanto. Como homem de bom pecado.
E desejo ser casado,-desejo de Inês (Quão desviado este está!
casar com Inês Todos andam por caçar
Prouguesse ao Espírito santo, Suas damas sem casar,
E este, tomade-o lá!)- aparte; mostra- Dissera-me mil doçuras,
se irónica e compara Pêro com outros rapazes.) Ainda que mais não fora.
Pêro Vossa mãe é lá no muro? Vem a mãe e diz:
Inês Minha mãe, eu vos seguro, Mãe Pêro Marques foi-se já?
Que ela venha cá dormir. Inês E pera que era ele aqui?
Pêro Pois, senhora, eu quero-me ir Mãe E na´t’agrada ele a ti?
Antes que venha o escuro. -pressa Inês Vá-se muitieramá!
em sair de lá Que sempre disse e direi:
Inês E não cureis mais de vir.- Inês não quer Mãe, eu me não casarei
nada com ele
Senão com homem discreto,
Pêro Virá cá Lianor Vaz
E assi vo-lo prometo
Veremos que lhe dizeis.
Ou antes o leixarei.
Inês Homem, não aporfieis,
Que não quero, nem me praz.
Que seja homem mal feito,
Ide casar a cascais.- Expressão idiomática
Feio, pobre, sem feição,
Pêro não vos anojarei mais,
Como tiver discrição
Ainda que saiba estalar,
Não lhe quero mais proveito.
E prometo não casar
E saiba tanger viola,
Até que vós não queirais.
E coma eu pão e cebola.
Siquer uma cantiguinha!
Estas vos são elas a vós:
Discreto, feito em farinha,
Anda homem a gastar calçado,
Porque isto me degola.
E quando cuida que é aviado,
(reafirma as condições de marido ideal)
Escanefuncham de vós.- percebe que
ela não quer nada com ele e desaparece.
Creio que lá fica a pea… Mãe sempre tu hás de bailar,
Pardeus! Bom ia eu à aldeia! E sempre ele há de tanger?(revela ser
uma mulher prática, objetiva, a mae e ela não se entendem
Senhora, cá fica o fato. acerca do casamento.)
Inês Olhai se o levou o gato Se não tiveres que comer,
Pêro Inda não tendes candeia? O tanger te há de fartar?
Ponho per cajo que alguém Inês Cada louco com sua teima.
Vem como eu vim agora, Com uma borda de boleima
E vós às escuras a tal hora: E uma vez d’água fria,
Parece-vos que será bem?- Não quero mais cada dia.
preocupação com a reputação dela.
Mãe Como às vezes isso queima
Ficai-vos ora com Deus:
E que é desses escudeiros?
Cerrai a porta sebre vós (contratou judeus para lhe arranjarem o marido)
Com vossa candeiazinha; Inês Eu falei ontem ali,
E siquaes sereis vós minha, Que passaram por aqui
Entonces veremos nós. Os judeus casamenteiros
E hão de vir agora aqui.
Vai-se Pêro Marques e diz Inês Pereira:
Inês Pessoa conheço eu Vêm os Judeus, Latão e Vidal, e diz Latão:
Que levara outro caminho… Latão Ou de cá!
Casai lá com um vilãozinho. (suspeita Inês Quem está lá?
de que há outro, revela que não e tao santinha como a mae
pensa.)
Vidal Nome de Deus, aqui somos!
Mais covarde que um judeu!- Vidal Corremos a ira má.
(continua a ridicularizar este pretendente.) Este e eu.
Se fora outro homem agora, Latão Eu, e este.(cómico de
situação e de carater)
E me topara a tal hora,(se fosse outro
teria aproveitado a situação)
Vidal Pela alma e pelo pó,
Estando comigo às escuras, Que era pera haver dó,
Com chuva, sol e noroeste. “O que não haveis de comer
Foi a coisa de maneira, Leixai-o a outrem mexer.”(a vida é
Tal friúra e tal canseira, dela e é ela que tem de escolher)

Que trago as tripas maçadas: Mãe Mau conselho t’aconselha.


Assi me fadem boas fadas Inês Judeus, que novas trazeis?
Que me saltou caganeira.(cómico de Vidal O marido que quereis,
linguagem) De viola e dessa sorte,
Pera vossa mercê ver Não há senão na corte
O que nos encomendou. Que cá não no achareis.(só na
Latão O que nos encomendou corte é que se encontra o marido ideal)
Será o que houver de ser.
Todo este mundo é fadiga. Falámos a Badajoz,
Vós dixestes, filha amiga, Músico, discreto, solteiro;
Que vos buscássemos logo… Este fora o verdadeiro,
Vidal E logo pujemos fogo. Mas soltou-se-nos da noz.(1º
Latão Cal’-te! pretendente: Badajós, trouxe viola, discreto, solteiro, tinha
qualidade q Inês pretendia mas ele não se mostrou
Vidal Não queres que diga? interessado em casar.)
Fomos a Vilhacastim,
Não fui eu também contigo? E falou-nos em latim:
Tu e eu não somos eu? “Vinde cá daqui a uma hora,
Tu judeu e eu judeu, E trazei-me essa senhora.”(2º
Não somos massa d’um trigo? pretendente: tinha discurso complicado, difícil de
entender.)
(comico de situação)
Inês Assi que é tudo nada enfim!
Latão leixa-me falar.
Vidal Já calo.
Vidal Esperai, aguardai ora!
Senhora, fomos… Agora falo,
Soubemos d’um escudeiro
Ou falas tu?
De feição d’atafoneiro,(3º pretendente:
Latão Dize, que dizias? sabe falar, dom da palavra, sabe tocar viola, consegue tudo
Que foste, que fomos, que ias o que quer.)
Buscá-lo, esgravatá-lo.- Que virá logo essora,
Pretendente Que fala, e como ora fala,
Vidal Vós quereis, amor, marido Qu’estrugirá esta sala!- hipérbole
Mui discreto, e de viola? E tange, e como ora tange,
Latão Esta moça não é tola, (paralelismo sintético)
Que quer casar per sentido. E alcança quanto abrange,
Vidal Judeu, queres-me leixar? E se preza bem da gala.(oposto de
Latão Leixo, não quero falar. Pêro.)
Vidal Buscámo-lo…
Latão Demo foi logo!
Crede que o vosso rogo
Vencerá o Tejo e o mar.
Eu cuido que falo e calo:
Falo eu agora ou não?
Ou falo se vem à mão?
Não digas que não te falo.
Inês Não falará um de vós?
Já queria saber isso.
Mãe Que siso, Inês, que siso
Tens debaixo desses véus!

Inês Diz o exemplo da velha:

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