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RESUMO
Inês Pereira é uma jovem solteira que sofre a pressão constante do casamento, e reclama da
sorte por estar presa em casa, aos serviços domésticos, cansando-se deles. Imagina Inês casar-
se com um homem que seja alegre, bem-humorado, galante e que goste de dançar e cantar, o
que já se percebe na primeira conversa que estabelece com sua mãe e Leonor Vaz. Essas duas
têm uma visão mais prática do matrimônio: o que importa é que o marido cumpra suas
obrigações financeiras, enquanto que Inês está apenas preocupada com o lado prazeroso,
cortesão.
O primeiro candidato, apresentado por Leonor Vaz, é Pero Marques, camponês de posses, que
satisfazia a ideia de marido na visão de sua mãe, mas era extremamente simplório, grosseirão,
desajeitado, factos que desagradam Inês. Por isso Pero Marques é descartado pela moça.
Aceita então a proposta de dois judeus casamenteiros divertidíssimos, Latão e Vidal, a quem
somente interessa o dinheiro que o casamento arranjado pode lhes render, não dando
importância ao bem-estar da moça. Então apresentam-lhes Brás da Mata, um escudeiro, que
se mostra exatamente com as características que Inês esperava, apesar das desconfianças de
sua mãe.
Casa com Brás da Mata. No entanto, consumado o casamento, Brás, seu marido, mostra ser
tirano, proibindo-a de tudo, até de ir à janela. Chegava a pregar as janelas para que Inês não
olhasse para a rua. Proibia Inês de cantar dentro de casa, pois queria uma mulher obediente e
discreta.
Encarcerada em sua própria casa, Inês encontra a sua desgraça. Mas a desventura dura pouco
pois Brás torna-se cavaleiro e é chamado para a guerra, onde morre nas mãos de um mouro
quando fugia de forma covarde.
Viúva e mais experiente, fingindo tristeza pela morte do marido tirano, Inês aceita casar-se
com Pero Marques, seu antigo pretendente. Aproveitando-se da ingenuidade de Pero, comete
adultério descaradamente quando é procurada por um ermitão que tinha sido um antigo
apaixonado seu. Marcam um encontro na ermida e Inês exige que Pêro, seu marido, a leve ao
encontro do ermitão. Ele obedece colocando-a montada em suas costas e levando Inês ao
encontro do amante.
Consuma-se assim o tema, que era um ditado popular de que "Mais quero asno que me leve
do que cavalo que me derrube”
PERSONAGENS
Inês Pereira
– Protagonista da farsa, toda a intriga se desenvolve em torno do seu desejo de casar (para
ascender socialmente e ter mais liberdade). Desde início surge como alguém descontente com
a vida que leva: sente-se “cativa”, gostaria de ter a mesma vida que as outras jovens, mais
folgada. É uma personagem que apresenta grande densidade psicológica e que vai evoluir ao
longo da peça.
– Sendo “muito fantasiosa” constrói uma imagem idealizada do marido: “não hei de casar
senão com homem avisado ainda que pobre pelado seja discreto em falar”. A mãe e Lianor Vaz
tentam orientá-la, mas Inês mostra-se decidida e irredutível nas suas opiniões, acabará assim
por aprender às suas custas.
– Numa primeira fase enganada pelo escudeiro Brás da mata e pela sua aparência Inês opta
pelo pretendente mais galante o que representa o “cavalo”. Porém apercebe-se da má escolha
e arrepende-se. Constata-se uma mudança de atitude da parte da protagonista que revela um
plano futuro a fim de se vingar do sucedido.
– Depois de Brás da mata Inês escolhe a personagem que representa o “asno”, o lavrador Pêro
Marques, pois aprendeu com a sua própria experiência “sobre quantos mestres são/
experiência dá lição”.
– As características apresentadas sobre esta personagem foram sobretudo depreendidas a
partir daquilo que ela diz ou faz, trata-se de uma caracterização indireta. No entanto a mãe
também ajuda na sua caracterização (direta que é feita por outra personagem) –
heterocaracterização. A própria Inês também se autocaracteriza.
Mãe
– Esta “mulher de baixa sorte” (caracterização direta – apresentada na didascália inicial),
bastante perspicaz, manifesta opiniões totalmente discordantes das da filha relativamente ao
casamento e ao marido que ela deveria escolher.
– Dá conselhos a Inês sempre que um dos pretendentes a vai visitar mostrando assim o seu
cuidado e a sua preocupação. Outras vezes coloca perguntas à filha esperando dessa forma
levá-la a refletir e a ponderar melhor sobre o futuro fazendo referência à necessidade de
garantir um futuro seguro em termos monetários e aludindo às vantagens de ter um marido
trabalhador do mesmo nível social.
– O discurso da mãe em incorpora a crítica ao desejo de promoção social tão comum na época.
Porém é mais realista do que Inês e interessa-se pela condição social económica do Lavrador.
Ainda assim Inês decide casar com o Escudeiro pelo que, à mãe, nada mais resta se não aceitar
e abençoar a união preparando uma festa deixando a filha entregue ao marido. A partir do
casamento a mãe não volta a aparecer como se a sua missão já tivesse sido concluída e “todo
o mal” você agora responsabilidade da escolha que tinhas fé.
Lianor Vaz
– Esta personagem-tipo, uma alcoviteira, é uma mulher cujo ofício consistia também em
“arranjar” casamentos. É Ela quem dá a conhecer Pêro Marques a Inês e a sua mãe,
considerando-o “um bom marido/ rico, honrado, conhecido”.
– Partilha das opiniões esta manhã quanto à escolha de Inês, e ela expressou através de
expressões populares – “mais quero eu quem m’adore, / que quem me faça mal”
– Não consegue convencer Inês a optar pelo lavrador e é só após a morte do primeiro marido
de Inês que Lianor Vaz aparece e aconselha-a novamente, chamando-a à atenção para as
vantagens económicas de tal união.
Pêro Marques
– Retrato fiel do camponês, homem rústico e simples, Pêro Marques é uma personagem-tipo
e aparece como o primeiro pretendente, aquele que é desprezado por Inês.
– Esta, não hesita em caracterizá-lo de uma forma bastante negativa e sarcástica: “viste tão
parvo vilão? / eu nunca tal coisa vi / nem tanto fora de mão”, “Oh Jesu! que João das, Bestas! /
olha aí aquela canseira!
– Esta caracterização direta decorre dos comportamentos e atitudes que Pedro Marques
revela não só antes de conhecer Inês (carta), como no momento em que se encontra com ela
(não sabendo para que serve a cadeira, senta se ao contrário; procura em vão as peras na
chapéu)
– Para além disso, Pêro Marques também se autocaracteriza como sendo um homem de bem,
sério e decente. No entanto, para Inês estas qualidades não são de valorizar, antes pelo
contrário.
Brás da Mata
– O segundo pretendente da Inês Pereira parece corresponder ao perfil que ela tinha em
mente para marido. O Escudeiro, também ele personagem-tipo, parece ser um homem
encantador, hábil com as palavras e com os instrumentos musicais: “sei bem ler/ e muito bem
escrever / e bom jogador da bola /e quanto o tanger viola / logo me vereis tanger.”
– Inês percebe então o engano em que caíra. Ela própria, depois de saber da morte do
Escudeiro, realça a sua cobardia: “Guardar de cavaleirão / barbudo, repetenado, que em figura
d’avisado, / é malino e sotrancão”.
Moço
– É criado do escudeiro, acompanha o ao longo da peça e é uma voz crítica do mesmo. leva
uma vida dura, de pobreza e maus-tratos. É fiel, contudo, ao seu senhor.
Ermitão
– Seduz Inês e representa a vida de liberdade que a moça pretendia levar, com a aprovação do
próprio marido que não vê maldade em nada. representa uma crítica ao clero, a sua
devassidão e a imoralidade.
REPRESENTAÇÃO DO QUOTIDIANO
Uma das características da farsa enquanto género é representar flagrantes da vida quotidiana.
Daí que na farsa de Inês Pereira seja possível identificar vários episódios que espelham os
hábitos das pessoas daquela época, em especial no que diz respeito:
Ao casamento
Ao estatuto da mulher, sobretudo da mulher solteira
A vida doméstica
A vida palaciana
A vida do campo, simples, autêntica, mas pouco considerada
A vida do clero
A DIMENÃO SATIRICA
O teatro da Gil Vicente é eminentemente satírico. Um dos principais objetivos do dramaturgo
era chamar a atenção para as mudanças que afetavam a sociedade dos Quinhentos e que, na
sua perspetiva, a corrompiam. Estes comportamentos são denunciados através das
personagens-tipo e do cómico.
Personagens-tipo
Alcoviteira e Judeus - Figuras gananciosas que agem com um fim económico
Pêro Marques - personagem rústica, serve para fazer rir agente da corte, com a sua
ignorância e simplicidade.
Brás da Mata - género de parasita, ocioso e vadio, que imita os padrões da nobreza - toca
guitarra, faz serenatas, finge se de bravo - mas é medroso e a explorador do Moço. Não
trabalha e passa fome.
Ermitão - há uma desconformidade entre os atos e os ideais, pois, em lugar de praticar a
austeridade, à pobreza e à renúncia ao mundo, busca a riqueza e os prazeres mundanos.
Podemos ainda dizer que cada uma destas personagens ilustram um determinado conjunto de
defeitos e de vícios que Gil Vicente através do seu olhar perspicaz queria criticar. As
personagens tipo são assim cruciais para a sátira social que o dramaturgo pretende
concretizar.
Tipos de cómico
Cómico de carácter - assenta na personalidade, no modo de ser da personagem, traduz-se
muitas vezes na sua incapacidade para se integrar num determinado ambiente, meio
social.
Cómico de situação - baseia-se na intriga, no próprio desenrolar dos episódios que podem
provocar desencontros, contrastes, o inesperado ou o insólito.
Cómico de linguagem - resulta da desadequação do que é dito ou do modo como é dito
relativamente ao contexto envolvente; pode ser produzido através da ironia, do sarcasmo,
de apartes ou outros comentários, de trocadilhos e jogos de palavras, de expressões
populares, de calão…