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PORTUGUÊS
(EDUCAÇÃO
LITERÁRIA)
QUEM FALA?
A voz poética ou o “eu” lírico (não confundir com autoria)
Uma donzela expõe os seus sentimentos amorosos
PALAVRA CHAVE
amigo (“amado”)
TEMA(S)
Destaca a evocação do amigo, que costuma estar ausente, que se pode concretizar
em subtemas como o amor entre a donzela e o amigo, a oposição da mãe e das irmãs, a
ajuda das amigas para que intercedam, a coita ou a tristeza da ausência, a alegria pelo
retorno e o encontro com o amigo, o desejo de avistá-lo, etc.
VOZES
Monologadas Dialogadas
- Digades, filha, mia filha velida,
Ai, eu coitada, como vivo engran cuidado porque tardastes na fontana fría.
por meu amigo que ei alongado! Os amores ei...
Muito me tarda - Tardei, mia madre, na fontana fría,
o meu amigo na Guarda! cervos do monte á auguavolvían.
Os amores ei.
Afonso X Pero Meogo
COMO SE DIRIGE AO AMIGO
Diretamente Indiretamente
Fals'amigo, per boa fe,
Vistes, madre, quando meu amigo
m'eu sei que queredesgranben
pos que verría falar comigo?
outra molher e por míren
Hoje díacuidades que venha?
non dades, mais, pois assí é
Afonso Mendez de Besteiros JoamPerez de Avoín
PERSONAGENS
A donzela, o amigo, a mãe, a irmã, a(s) amiga(s) e a natureza.
AMBIENTES
Rural e populares, domésticos ou cortesão
SÍMBOLOS
São imagens próprias da lírica popular e nelas os elementos da natureza jogam
umpapel fundamental como confidentes do amor ou como símbolos deste mesmoamor: a
água como símbolo de fertilidade; o mar como símbolo de separação entreos amados; o
vento e os cervos são símbolos viris; a fonte, a agua e os cabelossímbolos femininos; etc.
São assim possíveis duas leituras: por um lado são descrições de cenas
quotidianas,por outro, são expressão da sensualidade e erotismo.
CARACTERÍSTICAS
Feminismo - Os sentimentos que se exprimem são sempre de mulher, isto é,
quemexterioriza as intimidades é uma donzela.
Simplicidade - Possuem uma estrutura muito simples. Tanto as personagens
como osambientes surgem impregnados de odor a campo, montanha ou mar.
Ruralismo - Os ambientes de trabalho e de diversão referidos nas cantigas
evidenciam também o seu ruralismo: o campo, a fonte, o baile, a romaria, etc.
Ligação com o canto e a dança- O trovador era frequentemente acompanhado
porum jogral que tocava o que ele recitava. Para além do jogral acompanhava
também otrovador a jogralesa que dançava.
Paralelismo - O paralelismo é uma das características mais típicas da
poesiatrovadoresca e denuncia o carácter popular destas poesias.
Refrão - É a repetição do mesmo ou mesmos versos geralmente no fim de
cadaestrofe.
SÍMBOLOS RECORRENTES
Os símbolos são uma constante na poesia trovadoresca. Os que ocorrem com mais
frequência nas cantigas de amigo são:
a fonte é origem da vida, da maternidade e da graça; as suas águas límpidas
podem indicar também a pureza da donzela;
a alva (alvorecer) é símbolo da inocência, da pureza e da virgindade;
os cervos simbolizam a fecundidade, do ritmo do crescimento ou da virilidade (do
amigo) e do ardor amoroso; no entanto, quando os cervos turvam a
água,pretendessesimbolizar a confusão e o aturdimento de espírito que os
encontros amorososprovocam;
as flores podem remeter-nos para a delicadeza e feminilidade;
as ondas traduzem o tumulto interior;
as aves, com a beleza do seu canto, representam a sedução e o enamoramentoque
podem ressurgir em qualquer momento;
o vento também pode relacionar-se com as inquietações ou representar
afecundidade...
a luz traduz o deslumbramento do amor e, tal como a luz nos pode cegar, também
o amor nos pode impedir de ver as situações com clarividência e com sensatez;
ALBAS, ALVAS OU
ALVORADAS
A alva ou alba, terminologia tirada à lírica provençal, é a designação que
osestudiosos, à falta de outra melhor, dão às cantigas de amigo em que aparece o tema
da alvorada.
Focaliza o amanhecer depois de uma noite de amor. Devemos salientar, noentanto,
que há apreciável diferença entre a alba galego-portuguesa e aoccitânica, o que tem
levado alguns a negar a existência do género no Ocidente Peninsular. Parece-nos
apressado esse modo de ver radical, pois, no caso,poderia ter havido a confluência de um
motivo autóctone relacionado com aalvorada com o da alba provençal.
Se esta, durante certo tempo, se restringiuao motivo da separação, ao romper do
dia, de dois amantes, acordados pelogrito do vigia dos castelos, não faltam exemplos
posteriores em que ainoportuna intervenção da gaita é substituída pelo canto dos
pássaros.
BAILIA OU BAILADA
Subgénero das cantigas de amigo, composta para ser cantada e
dançada,caracterizada pelo grande investimento formal no seu carácter musical,para o
qual concorrem sobretudo o paralelismo e o refrão.
Tipo de cantiga de amigo, de origem provençal, próprio para a dança. Abailia
segue, em regra, uma estrutura paralelística, adequada àdramatização da cantiga
interpretada por um grupo de donzelas: aprotagonista ou cantadeira executa as principais
estrofes; as restantescantoras, formando um coro, entoam o refrão. Em alternativa, cada
umadas estrofes da bailia pode ser executada por uma cantadeira diferente.
O tema é geralmente jovial e festivo. Distingue-se da balada por incluir oconvite
à dança e por possuir uma estrutura formal mais regular eautónoma. Dentro do contexto
da lírica-galego-portuguesa, Airas Nunescompôs uma das mais célebres bailias: Bailemos
nós já todas três, aiamigas.
BARCAROLAS OU
MARINHAS
É uma variedade de cantiga de amigo em que o mar, e por extensão um rio
(frequente sinónimo combinatório de mar), constituem o elemento essencial, pois são a
causa da separação e o meio para o reencontro dos apaixonados: a presença de ondas,
ou de barcos que chegam, é só mais uma achega ao conjunto. A fúria do mar ou a maré
inesperada funcionam em certas ocasiões como símbolos de isolamento da mulher.
Todas as cantigas de amigo que se podem adscrever a este género apresentam
estribilho e têm carácter paralelístico: em geral são de temática simples: a mulher
lamenta-se, diante das suas irmãs ou da mãe, da ausência do amado. O carácter
arcaizante ou popular deste tipo de cantigas não deixa lugar a dúvidas.
O simbolismo oculto sob o motivo da água (seja ela fonte, rio, mar ou lago) não é
senão o da fecundidade, ligado portanto de forma inseparável à figura da mulher. A
frequente presença de ermidas, ou as alusões a romarias, neste tipo de cantigas, serve
para reforçar esta mesma ideia, em que o mar se transforma em paixão amorosa e as
margens não são mais do que o lugar do encontro.
Do mesmo modo, é frequente que o motivo deslize para outras variedades, em que
se recorre a símbolos não menos claros, como o cervo e a lavagem das roupas.
CANTIGAS DE ROMARIA
Subgénero das cantigas de amigo que se distingue pela referência a romarias ou
santuários. Não se trata, contudo, de composições de temática religiosa, já que,
frequentemente, a peregrinação ou a capela são pretexto ou cenário do desenvolvimento
da temática amorosa e profana.
PASTORELAS
CARACTERÍSTICAS
A cantiga é posta na boca de um enamorado (trovador), que exprime os
sentimentos amorosos pela dama (destacando a sua coita de amor que o faz
"ensandecer" ou morrer);
O amador implora ou queixa-se à dama, mas também ao próprio amor;
A «senhor» surge como suserana a quem o amador «serve», prestando-lhe
vassalagem amorosa;
A dama é urna mulher formosa e ideal, frequentemente comprometida ou até
casada, inacessível, quase sobrenatural;
O ambiente é, raramente, sugerido, mas percebe-se que a cantiga de amor é uma
poesia da corte ou de inspiração palaciana;
A sua arquitectura de mestria, o ideal do amor cortês, certo vocabulário, o
convencionalismo na descrição paisagística revelam a origem provençal;
As canções de mestria são as que melhor caracterizam a estética dos cantares de
amor.
A RELAÇÃO AMOROSA
Nas cantigas de amor a beleza e a sensualidade da mulher são sublimadas, mas a
relação amorosa não se apresenta como experiência, mas um estado de tensão e
contemplação;
A «senhor» é cheia de formosura, tipo ideal de mulher, com bondade, lealdade e
perfeição; possuidora de honra («prez»), tem sabedoria, grande valor e boas
maneiras; é capaz de «falar mui bem» e rir melhor…
O amor cortês apresenta-se como ideal, como aspiração que não tende à relação
sexual, mas surge como estado de espírito que deve ser alimentado...; pode-se
definir, de acordo com a teoria platónica, como ideia pura; aspiração e estado de
tensão por um ideal de mulher ou ideal de amor;
Amor fingimento; enquanto o amor provençal se apresenta mais fingido, de
convenção e produto da imaginação e inteligência, nos trovadores portugueses,
aparece, supostamente, mais sincero, como súplica apaixonada e triste.
A alusão mais ou menos directa ao destinatário do ataque constitui, pois, o elemento que
diferencia os dois tipos de cantiga. A intenção destas cantigas é satirizar certos aspectos
da vida da corte, visando com frequência certas personagens como jograis, soldadeiras,
clérigos, fidalgos, plebeus nobilitados.
Assim, na sátira do primeiro período medieval podemos ver duas espécies de crítica:
A social (religiosa, política e moral)
A individual (jogralesca) – de muito mais largas proporções
PRIMEIRA PARTE
A primeira parte narra, pois, o período revolucionário, durante o interregno de
1383-1385. A ação está concentrada em cerca de dezasseis meses: da morte do conde
Andeiro (dezembro de 1383) à aclamação do Mestre de Avis como rei de Portugal nas
cortes de Coimbra, em abril de 1385, passando pelo alvoroço da multidão que acorre a
defendê-lo e pela morte do bispo de Lisboa.
O que está em causa é a legitimação da eleição de D. João I, consumada em
Coimbra, na sequência da argumentação do doutor João das Regras, enquanto desfecho
inevitável imposto pela vontade popular.
SEGUNDA PARTE
A segunda parte compreende o reinado de D. João I, decorrendo entre abril de
1385 e outubro de 1411, e inclui a narração do conflito bélico entre Portugal e Castela,
incluindo a Batalha de Aljubarrota, até à assinatura do tratado de paz.
ATORES INDIVIDUAIS
As personagens individuais criadas pelo cronista são variadas e complexas, sendo
devassadas na sua intimidade por um olhar incisivo.
Na Crónica de D. João I, três personagens se destacam pelo seu protagonismo: D.
Leonor Teles, o Mestre de Avis e Nuno Álvares Pereira.
ATORES COLETIVOS
As personagens coletivas (como, por exemplo, a população de Lisboa) têm um
papel ativo e decisivos, determinando o curso dos acontecimentos.
Com efeito, sempre que é narrado um evento importantes, o cronista faz questão
de expor o que pensava dele a opinião pública, como sucede aquando do cerco de
Lisboa, momento em que a população da cidade oscila entre a esperança de que a
frota castelhana fosse derrotada e o receio de que os castelhanos saíssem
vitoriosos, exercendo uma vingança cruel sobre os sitiados.
Esta expressão de sentimentos da coletividade é, por vezes, resumida através de
um dito que sai de uma multidão – como sucede com as cantigas entoadas durante
o cerco de Lisboa, que mostram a profunda determinação dos habitantes da
cidade.
A importância conferida a uma entidade coletiva nos eventos históricos (como
sucede aquando da derrota dos castelhanos no cerco de Lisboa, cujo mérito é
atribuído à população da cidade) torna Fernão Lopes um cronista único entre os
seus congéneres medievais.
TÍTULO DO CAPÍTULO
O título do capítulo (“Do alvoroço que foi na cidade cuidando que matavom o
mestre, e como aló foi Alvoro Paez e muitas gentes com ele”) apresenta as linhas gerais
do texto.
ESTRUTURA INTERNA
Por seu turno, Célia Cameira, Fernanda Palma e Rui Palma (in Mensagens 10) apresentam
outra proposta.
1.ª parte – O Pajem do Mestre sai dos Paços da Rainha, em direção à casa de
Álvaro Pais, e lança o boato de que o estão a matar, conforme combinado.
2.ª parte – O povo sai à rua juntamente com Álvaro Pais para acorrer ao Mestre.
3.ª parte – A fúria do povo, agora em multidão, cresce e ele quer saber notícias
do Mestre.
4.ª parte – O Mestre acede aos apelos dos seus partidários e surge a uma janela
do Paço, acalmando o povo.
5.ª parte – O Mestre desce, junta-se ao povo e despede-se da multidão.
DESENVOLVIMENTO DO CAPÍTULO
3ª PARTE – MANIFESTAÇÃO
O povo, unido em defesa do Mestre e com o sentimento de vingança, inquieta-se e
enfurece-se diante das portas cerradas do Paço.
Perante afirmações de que o Mestre tinha sido morto, são sugeridas diversas ações
tendentes a forçar a entrada no Paço: arrombar as portas cerradas, lançar fogo ao
edifício para queimar o conde e a Rainha, escalar os muros com escadas.
Gera-se uma grande confusão e o povo não se entende acerca da atitude a adotar,
enquanto várias mulheres transportam feixes de lenha e carqueja para queimar os
muros dos Paços e a Rainha, a quem dirigem muitos insultos.
Dos Paços, vários bradam que o Mestre está vivo e o conde Andeiro morto, mas a
“arraia miúda” não acredita e quer provas concretas, isto é, vê-lo, de que é assim.
Receando que o povo, devido à sua fúria e ao desejo de vingança, invada o palácio,
se torne incontrolável e o destrua, aconselham D. João a mostrar-se-lhe.
4ª PARTE – ACLAMAÇÃO
O Mestre mostra-se a uma grande janela e fala ao povo, que fica extremamente
emocionado / perturbado ao constatar que está efetivamente vivo e o conde
morto, quando muitos criam já no contrário. Essa fala tem como finalidade
tranquilizar o povo e dar-lhe esperança, mostrando-se seu aliado (a apóstrofe
“Amigos…”).
Nesta fase do texto, é apresentado uma imagem muito negativa de D. Leonor
Teles, vista popularmente como adúltera e traidora, chegando a ser acusada pela
morte de D. Fernando (ll. 53-54). O narrador não deixa grandes dúvidas: se a
população tivesse entrado no Paço, teria assassinado a Rainha.
5ª PARTE – DISPERSÃO
O Mestre, consciente da sua segurança e, no fundo, de que o plano arquitetado
tinha resultado na perfeição, desce e cavalga com os seus, acompanhado pelos
populares, que lhe perguntam o que quer que façam. D. João responde que não
precisa mais deles e dirige-se para o Rossio ao encontro do conde D. João Afonso,
irmão da Rainha, enquanto é saudado pelas “donas ca çidade”.
Quando se prepara para comer com o conde, vêm dizer-lhe que tencionam matar o
Bispo de Lisboa, por isso faria bem em lhe acudir. No entanto, aconselhado pelo
Conde, acaba por não o fazer.
D. João, Mestre de
Avis
C.3.3. Farsa
Na sua forma mais simples, reduz-se a um
pequeno episódio cómico colhido em flagrante na vida da
personagem típica. É o caso de Quem Tem Farelos?,
onde se conta o percalço sucedido a um triste escudeiro
namorador, corrido pela mão da requestada, sob uma
chuva de troças e maldições. Por vezes estes quadros
sucedem-se, sem haver qualquer relação entre a cabeça e
o cabo da peça. É o caso da Farsa dos Almocreves, ou o
de O Clérigo da Beira. Nesta última aparecem-nos
sucessivamente um padre rezando distraidamente as
matinas, um rústico roubado na corte, e um escravo
negro que rouba: as personagens dão lugar umas às
outras, sem qualquer unidade de acção.
Por vezes, também, os episódios e as personagens
desfilam em torno de um motivo central, embora
faltando-lhe um processo de desenvolvimento, como no
caso de O juiz da Beira, perante cujo tribunal
comparecem várias causas. Há a considerar ainda farsas mais desenvolvidas que são
histórias completas, com princípio, meio e fim.
É o caso do Auto da Índia, onde se apresenta o caso de uma mulher que engana o
marido, alistado no ultramar; ou o do Auto de Inês Pereira, que ilustra com uma
história picante o dito popular «antes quero burro que me leve que cavalo que me
derrube»; ou ainda o do Velho da Horta, que nos exibe a paixão de um velho por uma
moça. Nestes autos, a história corre em diálogos e acções que se sucedem sem transição;
são como contos dialogados no palco, sem qualquer preocupação de unidade de tempo, e
sem qualquer compartimentação de quadros ou actos a marcar a descontinuidade dos
tempos. Poderíamos talvez classificá-los como autos de enredo. Trata-se da forma mais
desenvolvida, mas excepcional, da farsa vicentina.
Normalmente, Gil Vicente fica nos pequenos quadros ou flagrantes, e estes
aparecem frequentemente enquadrados em esquemas que lhes são exteriores,
nomeadamente em alegorias. Por exemplo, alegorias religiosas, como o Auto da Feira, e
a Barca do Inferno e do Purgatório, encerram várias pequenas farsas. Certas alegorias
profanas parecem ter sido especialmente concebidas para enquadrar séries de farsas,
como a Romagem de Agravados, na qual, a caminho de uma romaria, passam.
Evidenciando os seus vícios típicos em monólogos e diálogos, camponeses, fidalgos,
freiras, clérigos; ou como a Floresta de Enganos, que insere uma comédia sentimental
numa cadeia de variadas vigarices. Grande parte dos autos pode conceber-se como
simples desfile de tipos ou casos a pretexto de uma alegoria central (as Barcas,
a Romagem, a Frágua ou Nau de Amores, etc.), o que constitui o último vestígio da
sua origem medieval.
C.3.4. Autos cavaleirescos
São meras encenações de episódios
sentimentais cavaleirescos (como, por exemplo,
o Amadis de Gaula, o D. Duardos, a Comédia
do Viúvo), então em grande voga na corte. Estas
peças têm de comum com as farsas
desenvolvidas, como a Inês Pereira, o serem
autos de enredo, histórias dialogadas e
monologadas no palco. No D. Duardos, tido como
o melhor exemplar do género, há uma grande
efusão de lirismo nos monólogos do protagonista,
dentro dos padrões do amor cortês, e o auto
conclui por um belíssimo rimance ou balada.
Dentro do mesmo grupo deve englobar-se
a Comédia de Rubena, história de uma
enjeitada, desde que nasce até que casa com um
príncipe. Esta peça tem a particularidade de estar
dividida em cenas, cada uma delas com o seu interesse próprio (por vezes de farsa) e
separada da anterior por intervalos de vários anos. A importância que no enredo destes
autos cavaleirescos assume o reconhecimento de personagens aristocráticas, antes tidas
por viloas, de forma a resolver pelo casamento o conflito entre o amor e a desigualdade
social, remete para a comédia clássica. Mas alguns (e sobretudo o de Rubena) não
dispensam um narrador que ligue as cenas entre si.
(1)
Auto da Barca do Inferno (4)
Farsa De Inês Pereira
(2)
Auto da Feira (5)
Auto da Índia
(3)
Auto da Barca do Purgatório (6)
Vários Autos
Diferentemente do que sucede com o teatro clássico, o teatro vicentino não tem como
propósito apresentar conflitos psicológicos. Não é um teatro de caracteres e de
contradições entre (ou dentro de) eles, mas um teatro de sátira social ou um teatro de
ideias. No teatro vicentino não perpassam caracteres individualizados, mas tipos sociais
agindo segundo a lógica da sua condição, fixada de uma vez para sempre; e outros entes
personificados. Especificando, poderíamos distinguir:
Duplicidade e aparências
As personagens aparentam ser algo que não são:
o Escudeiro finge ser galanteador, distinto e valente (revela ser autoritário,
arrogante e cobarde)
o clérigo e o Ermitão fingem ser celibatários (revelam-se licenciosos)
Relação mãe-filha
Relação condicionada pelas regras sociais da época
Inês vive na dependência e sob autoridade da Mãe
Relação com momentos de tensão e conflito: Inês não
cumpre as suas tarefas
Relação com momentos de afeto e proteção: conselhos
que a Mãe dá à filha sobre o pretendente a escolher
C.5.3. Provérbio "Mais quero asno que me leve que cavalo que me
derrube"
O tempo psicológico pode verificar-se na pergunta que Inês Pereira coloca ao Moço, no
verso 875. Através dela, a jovem, livre e feliz por estar afastada do marido, sente que a
passagem do tempo não corresponde à sua perceção do tempo de ausência de Brás da
Mata.
Tempo histórico
As referências à partida do Escudeiro para o norte de África permitem fazer a
contextualização histórica da ação da farsa.
Remetem-nos para uma época em que se combatia, no norte de África, pelo domínio do
território que pertencia aos muçulmanos. Muitos nobres portugueses, particularmente
escudeiros, tinham nestes combates a única possibilidade de se tornarem cavaleiros, de
se promoverem ou mesmo de sobreviver (eventualmente enriquecer com os despojos de
guerra).
C.5.6.6. Clérigo
Padre que atacou sexualmente Lianor Vaz. Simboliza o rebaixamento e a devassidão do
comportamento clerical.
C.5.6.7. Moço de Escudeiro
Pajem de Brás da Mata. Pobre coitado, explorado
por um amo infame. Humilde, deixa-se explorar
e acredita ingenuamente nas promessas do
Escudeiro.
C.5.6.8. Ermidão
Constitui uma caricatura da figura clerical:
chegou ao clérigo, não por opção ou vocação,
mas por decepção com a vida pessoal, sobretudo
no quesito amoroso.
Na Farsa de Inês Pereira, encontramos diversos aspectos que espelham o modo de vida
quotidiano da sociedade da época (final da Idade Média, na transição para o
Renascimento).
Dentre eles, destacam-se os seguintes:
a prática religiosa (ida à missa – a peça inicia-se com o regresso da missa por
parte da Mãe);
o hábito de recorrer a casamenteiros (Lianor Vaz e os Judeus);
a falta de liberdade da rapariga solteira, confinada à casa da mãe e a viver sob o
jugo desta (é o caso de Inês, que, no início da farsa, demonstra toda a sua revolta
por estar confinada à casa materna, subjugada à autoridade da mãe e às tarefas
domésticas que lhe são atribuídas – bordar, por exemplo);
a ocupação da mulher solteira em tarefas domésticas (bordar, coser);
o conflito de gerações (Inês e a Mãe), de interesses e conceções de vida (Inês
versus a Mãe e Lianor Vaz);
o casamento como meio de sobrevivência e de fuga à submissão da mãe;
a tradição da cerimónia do casamento, seguida de banquete;
a submissão ao marido da mulher casada e o seu «aprisionamento» em casa (o
primeiro casamento de Inês, com o Escudeiro);
a inércia da nova burguesia que nada fazia para adquirir mais cultura (o
Escudeiro);
a decadência da nobreza que procurava enriquecer através do casamento e
buscava o prestígio perdido na luta contra os mouros (o Escudeiro);
a devassidão do clero (o ataque de que a Mãe e Lianor Vaz foram vítimas por parte
de clérigos; o Ermitão apaixonado e que seduz Inês); a corrupção moral de
mulheres que se deixavam seduzir por elementos do clero (as cenas finais entre
Inês e o Ermitão);
o adultério (a traição de Inês com o Ermitão).
D. AUTO DA FEIRA
Esta peça foi representada pela 1ª vez ao rei D.João III, em Lisboa, no Natal de 1527.
Esta moralidade está, no entanto, afastada do seu conteúdo litúrgico, transformando-
se numa alegoria satírica. De facto, o Presépio só é recordado no final da peça quando,
entoando uma canção, rapazes e raparigas acabam a dançar perante ele. (Mais uma vez
Gil Vicente revele-nos a sua face lírica e o seu gosto pela poesia trovadoresca).
O assunto desenrola-se numa feira, uma feira diferente onde se vende de tudo
(enganos do Diabo, virtudes, Paz em troca de jubileus, mulheres).
Uma feira que representa o mundo visto pelos olhos de Gil Vicente onde há o Bem, o
Mal, a Santidade, o Pecado, a Pureza...
É nesta feira universal que irão desfilar cenas de grande comicidade, críticas cerradas
e bastante originais.
1ª Parte
Monólogo de Mercúrio que faz rir os ouvintes.
Esta personagem apresenta-se como "deus das
mercadorias", e pede aos espectadores que estejam
atentos à sua explanação. Fala de astronomia muito
em voga na época, satirizando aqueles que dizem
saber muito do assunto ("presumem saber as
operações dos céus"). Gil Vicente faz ainda uma
referência à caducidade da nossa vida. É uma lei
que os astros não modificam e uma critica à classe
eclesiástica. Segue-se então, uma lista de Deus
mitológicos, planetas e signos do Zodíaco (Marte,
"planeta dos soldados"...).
Mercúrio utiliza os signos para criticar a falta
de alimento que se sentia na época: "é se piscis não
tem ensejo/ porque pode não haver", há que
recorrer ao "caranguejo do Ribatejo". Tudo isto para
afirmar que as estrelas e os planetas estão onde os
puseram e que não têm nenhum poder sobre o
destino dos homens. E Mercúrio sabe o que diz
porque "é senhor de muitas sabedoras".
E como também é deus das mercadorias ordena para todos "que se faça uma feira no dia
de Natal,/ nunca antes vista".
2ª Parte
A primeira personagem a entrar em cena é o tempo, que vem à feira não vender,
mas sim trocar. Dará a todos virtudes em troca de quaisquer bens. Possui também
remédios contra fortunas ou adversidades e "conselhos de qualidade". Entre os seus
produtos podemos encontrar Justiça, temor a Deus, Verdade e Paz (o "império cristão"
andava em contendas doutrinárias). Entra então Serafim, enviado por Deus, chamando à
feira as "Igrejas, mosteiros, pastores de almas,
Papas adormecidos" chamando a atenção para os
luxos e erros cometidos pelo clero exortando-os a
regressar à austeridade dos primeiros séculos do
cristianismo. Serafim representa o Bem e tentará
oferecer a sua mercadoria (bens espirituais), mas
não terá muito sucesso. Chega então o Diabo,
gabando-se de vender e de ter sempre muitos
compradores: há muitos homens que parecem
muito honrados e são seus clientes.
A presença do Diabo é necessária para que
juntamente com Serafim se coloque esta luta
entre o Bem e o Mal. Entre as suas mercadorias
podemos encontrar "artes de enganar/ coisas para
esquecer/ o que devíamos lembrar",
"perfumadeiras" que salvam os mortais e até
"baralhos de cartas" que são a perdição de
muitos. O Diabo vende mas não obriga ninguém a
negociar. Entra então Roma, cantando triste,
pretendendo comprar Paz, Verdade e Fé (alusão
às lutas da (1) Reforma). O Diabo oferece-lhe as
suas mercadorias para vender "mentiras vinte e
três mil/ todas de nova maneira/ cada hua tão
subtil,/ que não vivais em canseira", não
percebendo os benefícios da Bondade e da
Verdade. Mas Roma admitindo já ter sofrido as influências do Diabo recusa e volta-se
para Serafim e Mercúrio, dando a entender que estes terão "cousas de grandes
primores". Serafim informa-lhe que tem Paz para trocar por uma "vida santa", duvidando
que Roma a possa adquirir, porque anda em guerra com Deus (venda de indulgências).
Mercúrio acusa-a de ter pecados e ordena o tempo que lhe ofereça um bom conselho
para que Roma se volte a aproximar das leis de Cristo.
3ª Parte
Com a entrada em cena de dois lavradores inicia-se a parte profana, onde Gil Vicente põe
em evidência o desajuste matrimonial. Dois casais, duas mulheres e dois homens,
conversam. Os homens (Amâncio Vaz e Diniz Lourenço) dizem que as mulheres são muito
"destemperada", "assanhanda...demoninhada" e muito "mole e desatada",
respectivamente. Chegam mesmo a pensar em trocá-las. No entanto, as esposas (Branca
Anes, a brava, e Marta Dias, a mansa) não se ficam atrás criticando-os também. São
duas cenas simétricas. Dá-se então a chegada das duas à feira. Marta pergunta ao Diabo
se tem anéis para vender, mas este não lhe liga muita importância. O que Branca
gostaria é que ele lhe levasse o marido. Segue-se a intervenção de Serafim tentando
vender consciência, mas elas pretendem bens materiais "uns sombreros de palma",
"pucarinha pera mel". Serafim ainda lhe explica que se trata de uma feira de virtudes.
Mas, elas não percebem.
Na cena que se segue Gil Vicente põe-nos perante a simplicidade e pureza das pessoas
humildes do campo (através de um grupo de camponeses) que embora deconhecendo a
linguagem espiritual acreditam em Deus. Este grupo alegre e bem disposto mantêm a boa
disposição durante toda a cena. Serafim ainda tenta vender alguma virtude às moças, ao
que elas respondem "a Virgem as dá de graça/ aos bôs, como sabéis".
O auto termina com uma cantiga paralelística em que o pastoril se mistura com o
religioso.
D.2. CARACTERIZAÇÃO DAS PERSONAGENS
D.2.1. Mercúrio (Papel Mitológico Do Deus)
Mercúrio, na mitologia romana, associado ao deus
grego Hermes, é um mensageiro e deus da venda, lucro e
comércio, o filho de Maia, também conhecida como Ops, a
versão romana de Reia, e Júpiter. Seu nome é relacionado à
palavra latina merx ("mercadoria"; comparado a mercador,
comércio). Em suas formas mais antigas, ele aparenta ter
sido relacionado ao deus etrusco Turms, mas a maior parte
de suas características e mitologia são emprestadas do deus
grego, Hermes.
Mercúrio é o deus romano encarregado de levar as
mensagens de Júpiter, sendo filho de Júpiter e de Bona
Dea e nasceu em Cilene, monte de Arcádia. Os seus
atributos incluem uma bolsa, umas sandálias e um capacete
com asas, uma varinha de condão e o caduceu.
Quando Proserpina foi raptada, tentou resgatá-la dos
infernos sem muito sucesso. É o deus da eloquência, do
comércio e dos viajantes, a personificação da inteligência. Como seu correspondente
grego é o protetor dos rebanhos, dos viajantes e comerciantes: muito rápido, é o
mensageiro. O planeta Mercúrio provavelmente recebeu este nome porque se move
rapidamente no céu.
Mercúrio influenciou o nome de uma série de coisas em vários campos da ciência,
tais como o planeta Mercúrio e o elemento mercúrio.
D.2.3. Tempo
O Tempo é também uma personagem do Bem. A pedido de Mercúrio, “arma” a sua
tenda com muitas “cousas” e dá início à “feira chamada das Graças”, uma feira em “honra
da Virgem” e na qual não se vendem produtos.
O Tempo disponibilizará, então, virtudes, a saber: “remédios [...] contra fortunas
ou adversidades”; “conselhos maduros de sãs qualidades”; “Amor e rezão, / justiça e
verdade, a paz desejada”; “o temor de Deus”. Estas virtudes são necessárias porque a
Cristandade tem perdido em discussões doutrinárias (alusão clara ao contexto de lutas no
seio da Igreja e à Reforma): “o temor de Deus, /[...] é perdido em todos os Estados”; “se
foram perdendo de dias em dias”. Desta primeira intervenção do Tempo percebemos que
é um negociante de virtudes que critica ferozmente a Cristandade, os Estados e os
homens em geral, os quais preferem fazer “compras na feira do Demo”.
Para ajudar nesta feira, o Tempo solicita a presença e a proteção de um Anjo, pois
afirma “ser esta feira de maus compradores, / porque agora os mais sabedores / fazem
as compras na feira da Demo, / e os mesmos Diabos são seus corretores.”.
D.2.4. Serafim
Nas palavras do Diabo, o Serafim é o “Anjo do
bem”; nas de Gilberto (um dos moços do monte), o
“anjo de Deus” (heterocaracterização). De facto, foi
“enviado por Deus”, a pedido do Tempo, para o
auxiliar, e é precisamente na qualidade de “mercador”
que, mal entra em cena, começa a chamar todos os
que devem vir à feira, deixando-lhes também
conselhos: “À feira, à feira, igrejas, mosteiros, /
pastores das almas, Papas adormecidos; / comprai
aqui panos, mudai os vestidos, / buscai as samarras
dos outros primeiros, / os antecessores.”.
Neste discurso inicial, podemos, pois, identificar o
uso da apóstrofe – “pastores das almas”-, bem como
das formas verbais no imperativo – “comprai”,
“mudai”.
Serafim, faz então, um convite a todos os
elementos da Igreja (“igrejas, mosteiros, / pastores
das almas, Papas adormidos”; de notar que as igrejas
e os mosteiros representam os padres, os monges): para mudarem de vida e
recuperarem os hábitos simples dos primeiros cristãos (“buscai as samarras dos outros
primeiros, / os antecessores”).
Enquanto “Anjo do Bem”, funciona como o contraponto do mal, representado pelo
Diabo e por Roma. Quanto ao primeiro critica-o por “Muito bem sabemos nós / que
vendes tu cousas vis”.
Relativamente a Roma, assume uma postura crítica pelo facto de esta estar sempre
em “guerra com Deus”. Por essa razão, aconselha-a a ter cuidado, porque teme o seu fim
(vv.464-471).
O Serafim estabelece ainda contacto com outras pessoas que vêm à feira, como,
por exemplo, com as duas mulheres casadas, Branca Anes e Marta Dias, explicando-lhes
de que feira se trata e incentivando-as a comprar os seus produtos.
D.2.5. Diabo
O Diabo entra na feira como “bufarinheiro”, isto é, como
um vendedor ambulante de bugigangas, de objetos de pouco
valor, pretendendo ser “o maior dela” (autocaracterização).
Pelo seu discurso inicial, percebemos que se trata de uma figura
confiante, segura de si e das suas capacidades: “Quero-me fazer
à vela / nesta santa feira nova. / Verei os que vêm a ela / e mais
verei que m’estorva / de ser eu o maior dela.”
Há um confronto entre este e o Tempo, o que permite a
autocaracterização e a heterocaracterização das personagens.
ARGUMENTOS UTILIZADOS
Argumentos de Acusação Argumentos de Defesa
“Senhor, em toda a maneira “eu, como cousa perdida(1)
Acudi a este ladrão Nunca me tolhe ninguém
Que há de danar a feira.” (Tempo) Que não gane minha vida,” (1)
Ser insignifcante
“I há de homens ruins (2)
Tecido de seda
Mais mil que bôs”
“Muito bem sabemos nós adornado com fios
Que vendes tu cousas vis” (Serafim) de ouro ou de
“porque a ruim comprador
prata
Lervar-lhe ruim borcado(2)”
D.2.6. Roma
É a primeira cliente da feira e simboliza a corte pontifícia, a Cristandade envolta em
conflitos e corrompida pelos bens materiais. Na verdade, quando chega à feira, Roma
vem a cantar – “Sobre mim armavam guerra; / ver quero eu quem a mi leva. / Três
amigos que eu havia, / sobre mim armam porfia; / ver quero eu quem a mi leva” – sobre
os seus países nos quais se manifestaram reações violentas contra o Papa e o Vaticano –
Alemanha, Inglaterra e França. A Igreja estava em guerra e Roma procura por isso a paz
na feira, já que não possuía esses atributos (autocaracterização negativa).
Por essa razão, Roma não quer comprar o que o Diabo lhe oferece e dirige-se ao
Tempo e a Mercúrio, procurando, mediante palavras lisonjeiras e um tom mais
respeitoso, convencê-lo a darem-lhe a paz desejada. Porém, Roma esperava obtê-la a
troco de estações (visitas a igrejas), de perdões ou de jubileus (indulgências plenárias),
tal como fizera até então, o que mostra a sua corrupção moral e o seu apego aos bens
terrenos. Roma denuncia, assim, que continua subordinada ao poder do dinheiro, o que
está bem patente na exclamação que profere: “Oh! Vendei-me a paz dos céus, / pois
tenho o poder na terra”.
Roma não está, portanto, preparada para conseguir a paz a “troco da santa vida”,
como lhe propõe o Serafim. Daí que Mercúrio ordene ao Tempo que lhe dê um cofre, no
qual encontrará um espelho da Virgem Sagrada.
Por seu turno, a conversa com o Serafim, segundo negociante com quem contactam,
reforça:
O que realmente, as duas mulheres procuravam – “sombreiros de palma”,
“burel(12)/ do pardo de lã meirinha(13)”
O carácter vincado de Branca Anes que não tem receio de dizer que nunca venderá
as suas mercadorias.
(1)
paciente (4)
encontre
(2)
agressiva (5)
procura
(3)
incompetente (6)
mate
(7)
para não enxotar (9)
amiga
(8)
gascão
(10)
mercador
(11)
tinha-lhe apresentado condições vantajosas
(12)
tecido grosseiro de lã
(13)
gado lanígero
E.1.2.3.1. Renascimento
O Renascimento pode definir-se como a "adoção das formas artísticas greco-
latinas e a assimilação do espírito que as anima". O Renascimento é, portanto, uma
aceitação e não uma ressurreição das formas greco-latinas, pois a ressurreição supõe a
morte e as formas greco-latinas nunca morreram.
Nos finais do século XV e princípios do século XVI, a literatura portuguesa começou
a registar algumas ténues influências da literatura italiana, nomeadamente ao nível da
poesia produzida em contexto palaciano, nas cortes de D. João II e depois, mais
acentuadamente, de D. Manuel. Esses poemas, da autoria de muitos nobres para quem a
arte de versejar era um atributo muito importante, eram portadores, com assinalável
frequência, de uma atitude amorosa e poética que revelava a influência do poeta italiano
Petrarca, o precursor do Renascimento.
Em 1516, Garcia de Resende publicou a compilação desses poemas palacianos
numa obra intitulada Cancioneiro Geral, dedicada ao príncipe e futuro rei de Portugal D.
João III, afirmando no Prólogo que o objetivo do seu trabalho era contrariar a natural
tendência de os portugueses não registarem, para o futuro, as suas obras. Publicado no
ano de inauguração do Mosteiro dos Jerónimos e no período de florescimento do teatro de
Gil Vicente, o Cancioneiro revela a valorização já renascentista que a cultura começara a
merecer.
Em 1521, Sá de Miranda, um dos poetas presentes no Cancioneiro de Resende,
empreende uma demorada viagem a Itália, durante a qual contactou com a cultura e a
arte da Renascença. Cinco anos mais tarde, de regresso a Portugal, trouxe consigo o
gosto pelo novo estilo – o dolce stil nuovo – e introduziu na nossa literatura, entre
outras composições poéticas, o soneto, com os seus versos decassilábicos.
Por outro lado, a literatura renascentista redescobrira os clássicos e a Poética de
Aristóteles, uma obra que regulamenta e hierarquiza os géneros literários, considerando a
epopeia e a tragédia os géneros mais nobres. Não é, pois, de estranhar que a o desejo de
elaboração de uma epopeia se tenha disseminado, vindo a ser concretizado por Luís de
Camões, e António Ferreira tenha escrito a tragédia Castro, inspirada nos amores trágicos
de D. Pedro I e D. Inês de Castro.
E.1.2.3.2. Humanismo