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UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO

CAMPUS GARANHUNS

GABRIEL SEVERO DA SILVA

ANÁLISE DO SONETO “AMOR É FOGO QUE ARDE SEM SE VER”


DE LUÍS VAZ DE CAMÕES

GARANHUNS - PE
2019
GABRIEL SEVERO DA SILVA

ANÁLISE DO SONETO “AMOR É FOGO QUE ARDE SEM SE VER”


DE LUÍS VAZ DE CAMÕES

GARANHUNS - PE
2019
ANÁLISE DO SONETO “AMOR É FOGO QUE ARDE SEM SE VER” DE LUÍS VAZ DE
CAMÕES
Gabriel Severo da Silva1

Resumo: O soneto “Amor é fogo que arde sem se ver”, de Luís Vaz de Camões, foi analisado à
luz das explicações de Marnoto (2011), este soneto trata de um conceito do amor baseado na
concepção do amor platônico, pois, acentua-se o dualismo platônico entre sensível e inteligível,
matéria e espírito, finito e infinito, mundo e Deus. Neste trabalho foi feito a análise do poema,
a estrutura da obra e o significado da mesma. Este soneto é uma definição poética do amor,
Camões tenta definir este sentimento que é praticamente impossível de se explicar, colocando
imensos contrastes e metáforas para caracterizar este “mistério”.

ANÁLISE

Amor é fogo que arde sem se ver é um soneto de Luís Vaz de Camões, um dos maiores
escritores da literatura português. Autor de Os Lusíadas, maior poema épico da língua
portuguesa. Camões nasceu em 1524 e morreu em 1580 em Lisboa.

O tema deste poema é desenvolvido por meio de um sistema lógico de raciocínio,


explicado por Aristóteles, chamado silogismo que consiste em desenvolver uma ideia por meio
de afirmações chamadas preposições que levam a uma conclusão lógica. No poema de Camões,
as proposições são feitas nos dois quartetos e no primeiro terceto, sendo a última estrofe a
conclusão do silogismo.

Camões usa a antítese no desenvolvimento de seu soneto. A antítese é uma figura de


linguagem onde se busca a aproximação de ideias opostas. Deste modo, ele consegue aproximar
coisas que parecem distantes para explicar um conceito tão difícil de se explicar como o amor.

“Amor é um fogo que arde sem se ver,


é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer”.

1
Graduando em Letras – Língua Portuguesa e suas Literaturas pela Universidade de Pernambuco
Na primeira estrofe, podemos observar que essas ideias opostas também estão unidas
por uma ideia de causalidade: primeiro o fogo, que causa a ferida e que leva à dor. Essa relação
ajuda a unir ainda mais a premissa do poema e a entender a imagem que Camões passa do amor.

Por meio da aproximação dos opostos, o poeta nos traz uma série de afirmações sobre o
amor que nos parecem contraditórias, mas que são ligados à própria natureza desse sentimento.

“É um não querer mais que bem querer;


é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder”.

Na segunda estrofe do poema, ainda há a aproximação de ideias opostas, mas, dessa vez,
de maneira ao alcançar um “estado máximo”: “não querer mais do que”, “nunca” e “ganhar”
são ideias com sentidos absolutos, que mostram a força desse sentimento. “É um não querer
mais que bem querer”. Neste trecho do poema, o eu-lírico tenta não querer a companhia da
pessoa amada, pois ele acredita estar sendo inconveniente, mas ao mesmo tempo sente a
necessidade de estar ao lado da pessoa a todo momento.

É querer estar preso por vontade;


É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.

“É querer estar preso por vontade”. Neste verso pode-se entender que o eu-lírico está
“preso” no amor, porém ele está nessa condição por vontade própria. Isso porque o amor nos
liga à pessoa amada, como que nos prendendo a ela. Mas a pessoa apaixonada não se importa
em estar preso ao outro, na verdade, ela gosta e quer mais.

“É servir a quem vence, o vencedor”. Podemos entender que o amor é o próprio


vencedor servindo a quem ele venceu. Mas como podemos definir isso? Nesse verso, Camões
utiliza da metáfora para reafirmar o seu ponto de vista sobre o amor: um sentimento
contraditório, cheio de paradoxos e contrário a si mesmo.

“É ter com quem nos mata, lealdade”. Sobre este trecho, Marnoto (2011) explica:
“A associação entre amor e morte é tensão fundacional do estado de enamoramento,
no plano cultural, literário ou psicanalítico. O complemento direto, lealdade, é
posposto, por hipérbato assinalado através de vírgula. Paradoxalmente, a pulsão
destruidora própria do estado de enamoramento coexiste com uma dedicação que o
perpetua”.

Por meio das antíteses, nessa estrofe o poeta explora um tema muito comum nas
cantigas: a guerra. Neste verso, Camões aproxima o amor às tradições medievais, mas, para ele,
o amor é como um inimigo ao qual desejamos nos unir com todas as forças.

Mas como causar pode seu favor


nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor.

Nessa última estrofe, a ideia que é apresentada é exatamente a da maravilha da possibilidade de


dualidades do amor, que ao mesmo tempo que é doloroso, também é prazeroso.

ESTRUTURA DA OBRA

O poema de Camões é caracterizado como um soneto. O soneto é uma forma fixa de


poesia que consiste em quatro estrofes: os dois primeiros com quatro versos (quartetos) e os
últimos com três versos (tercetos). A estrutura costuma ser a mesma. Começa com a
apresentação de um tema, que passa a ser desenvolvido, e, geralmente no último verso, contém
uma conclusão que esclarece o tema.

O poema de Camões segue a fórmula do soneto clássico. É decassílabo, o que significa


que contém dez sílabas poéticas em cada estrofe. A sílaba poética, ou sílaba métrica, se
diferencia da gramatical porque ela é definida pela sonoridade. A contagem das sílabas em uma
estrofe termina na última sílaba tônica.

/A/mor/ é/ fo/go/ que‿ar/de/ sem/ se/ ver/,


1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
/é/ fe/ri/da/ que/ dói/, e/ não/ se/ sen/te;
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 x
/é/ um/ con/ten/ta/men/to/ des/con/ten/te,
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 x
/é /dor/ que/ de/sa/ti/na/ sem/ do/er.
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

É /um/ não/ que/rer/ mais/ que/ bem/ que/rer//;


1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
É /so/li/tá/rio‿an/dar/ por/ en/tre‿a/ gen//te;
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 x
É /nun/ca/ con/ten/tar/-se/ de/ con/ten//te;
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 x
É /um /cui/dar/ que/ ga/nha‿em/ se/ per//der;
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

É/ que/rer/ es/tar/ pre/so /por/ von/ta//de;


1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 x
É/ ser/vir/ a /quem /ven/ce, o/ ven/ce/dor//;
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
É/ ter/ com/ quem/ nos/ ma/ta/ le/al/da//de.
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 x

Mas /co/mo/ cau/sar/ po/de /seu/ fa/vor//


1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Nos/ co/ra/ções/ hu/ma/nos/ a/mi/za//de,
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 x
Se/ tão/ con/trá/rio‿a/ si/ é o/ mes/mo‿A/mor//?
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
O poema também possui um esquema rímico clássico, formado por ABBA, ABBA,
CDC, DCD. A rima é interpolada e emparelhada nos quartetos, como se pode verificar no
esquema rímico ABBA. Já nos tercetos, a rima é interpolada (CDC/DCD).

Amor é um fogo que arde sem se ver; A


É ferida que dói, e não se sente; B
É um contentamento descontente; B
É dor que desatina sem doer. A
É um não querer mais que bem querer; A
É um andar solitário entre a gente; B
É nunca contentar-se e contente; B
É um cuidar que ganha em se perder; A

É querer estar preso por vontade; C


É servir a quem vence, o vencedor; D
É ter com quem nos mata, lealdade. C

Mas como causar pode seu favor; D


Nos corações humanos amizade, C
Se tão contrário a si é o mesmo Amor? D

SIGNIFICADO LITERÁRIO

Camões usa do pensamento lógico para expor um sentimento humano muito profundo
e complexo, o amor. A forma como Camões define o amor serviu de grande inspiração para
diversos escritores.

Uma das figuras mais abordadas sobre o amor é a lealdade do que ama em relação ao
amado. As cantigas dos tempos medievais falavam constantemente sobre esse sentimento de
servidão, e o autor não deixa de colocá-lo no seu poema, usando sempre a antítese para construir
seu argumento. Camões expressa a dualidade desses sentimentos de uma forma
exemplar. Alcançando a parte central de um dos sentimentos mais complexos que existem que
é o amor, que nos provoca tanto prazer e sofrimento ao mesmo tempo.

O poema se torna atemporal na medida em que o tema abordado é universal e as figuras


de linguagem utilizadas para desenvolvê-lo são muito complexas e belas. Camões consegue
comparar imagens muito opostas para explicar o que é o amor.

O amor, assim como tudo na vida, é um jogo de dualidades, de ambiguidades, que


faz parte do ser humano. Não existe nenhum sentimento humano que é capaz ser explicado de
forma clara e simples. Porém, alguns poetas conseguem explicar de uma forma bem simples e
ao mesmo tempo muito complexa o sentimento do amor. Camões é um desses poetas. O seu
soneto é um desses exemplos do uso fino da palavra, da criação de figuras e imagens, que nos
ajudam a entender um pouco de nós mesmos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante das observações e análises realizadas, foi possível compreender a complexidade


desse poema, considerando toda a sua linguagem, suas metáforas e analogias. Percebe-se
também que além do poema falar sobre o amor, ele fala também do sentimento humano, de
como o amor pode machucar se ele não for correspondido e da dualidade entre o medo de perder
e a vontade de ser livre.
REFERÊNCIAS

CAMÕES. Luís Vaz de. Sonetos de Luís de Camões. 2. ed. Lisboa: Assírio & Alvim, 2000
GOLDSTEIN, Norma. Versos, sons, ritmos. 7. ed. São Paulo: Ática, 1991
MARNOTO, Rita. Comentário a Camões. v. 1. Coimbra: Cotovia, 2011

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