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PROFESSOR DR.

JOSÉ NIRALDO DE FARIAS


DISCIPLINA: PRÁTICA 1: LEITURA E INTERPRETAÇÃO DE TEXTOS
LITERÁRIOS
DISCENTE: ELIEL DE MELO ARAÚJO COSTA
CURSO: LETRAS-PORTUGUÊS/VESPERTINO

ANÁLISE DE “CIDADEZINHA QUALQUER”

O poema "Cidadezinha qualquer", de Carlos Drummond de Andrade, faz


parte do primeiro livro publicado pelo poeta, no ano de 1930, chamado Alguma
Poesia. Drummond comentou, em uma entrevista concedida à jornalista Leda
Nagle, que a inspiração para escrever o poema surgiu num dia que estava
observando sua cidade natal, vendo a movimentação rotineira e sentindo uma
grande tranquilidade, mas ao mesmo tempo percebeu o aspecto tão monótono
e exclamou: "eta vida besta, meu Deus".

Até o início de sua adolescência o poeta viveu em Itabira/MG, que é sua


cidade natal; uma cidade relativamente pequena no interior do estado de Minas
Gerais. Descendente de uma família de fazendeiros tradicionais, o poeta teve
uma convivência com a vida no campo e, por esse motivo, descreve uma
cidade numa paisagem rural.

A publicação de Alguma Poesia tornou Carlos Drummond um precursor


da denominada "poesia de 30", a segunda fase do movimento Modernista. Isso
pode ser observado nos aspectos que perpassam a construção do poema
analisado: temática social, cotidiana e histórica. Como integrante da segunda
fase do Modernismo, a poesia de Drummond busca empregar um vocabulário o
mais cotidiano possível, e não se preocupar tanto com a métrica do poema,
além de valorizar aspectos mais próximos da vida do poeta, como seus
sentimentos e angústias.

O poema é dividido em quatro estrofes, sendo as duas primeiras com


três versos e as duas últimas com apenas um verso; no poema não se
encontra uma metrificação exata e o que pode ser apontado em comum é o
número de versos presentes nos pares de estrofes. As rimas também não
apresentam certa simetria quando vistas, mas é possível considerar rimas
emparelhadas quando se coloca o último verso da primeira estrofe com o
primeiro da segunda, os dois últimos versos da segunda estrofe e os dois
primeiros da estrofe um (A-A/B...B/ B-B).

As pontuações ritmizam o poema e fazem com que a leitura se alterne: a


primeira estrofe tem um aspecto de maior fluidez, enquanto a segunda estrofe
permite uma leitura pausada, coincidindo com o “devagar” que é destacado na
estrofe. O início do poema é mais rápido e, quando chega na segunda estrofe,
começa a pausar, ir cada vez mais devagar com os pontos finais, encerrando
com as reticências na terceira estrofe, dando fim à temática que o eu lírico
busca abordar com a descrição da cidade.

Uma "Cidadezinha qualquer" transmite a ideia da possibilidade de estar


sendo descrito qualquer lugar do interior do Brasil; as casas entre as
vegetações, as mulheres cuidando das laranjeiras e, ao mesmo tempo que
cuidam do pomar, essas mulheres também amam e cantam. Nessa paisagem
passa um homem e ele é comparado aos animais, pois seu ritmo é devagar
assim como o deles. Tudo parece caminhar a passos pequenos e
despreocupados, a vida parece ter um aspecto regular em meio à
irregularidade.

A repetição de "vai devagar" contribui para a demonstração da rotina


diária da vida no campo: sempre há o mesmo trabalho, no mesmo tempo, com
as mesmas pessoas, seguindo sempre o mesmo ritmo, como se diariamente
nada fosse alterado. Essa rotina é observada por um eu lírico que se esconde:
devagar também observa a vida passar através das janelas, essas que são
personificadas através da metáfora, enquanto o homem é animalizado na
comparação com os animais. Por fim, o eu lírico, após tanta observação,
expressa sua conclusão com o possível descontentamento dessa rotina que é
tão "rotineira".

As significações que os elementos constituintes do poema transmitem


sempre apontam para uma melancolia, como se o eu lírico transparecesse seu
tédio através dos versos. As primeiras estrofes do poema abordam aspectos
descritivos, nelas são mostradas as paisagens e o trabalho no campo, mas
sempre a vegetação é predominante na paisagem, pois as casas (menor
quantidade) estão entre bananeiras (maior quantidade), e as mulheres (menor
quantidade) entre laranjeiras (maior quantidade).

A primeira estrofe é encerrada com o verso que descreve e unifica os


elementos "natureza" e "poesia". O eu lírico descreve a vegetação em "pomar"
e a poesia em "cantar", esse cantar pode representar o som dos pássaros e
demais animais da vegetação, mas também o canto daquelas mulheres que
estão entre as laranjeiras, possivelmente colhendo os frutos que servem para o
sustento da família; enquanto trabalham, elas cantam, fazem a poesia mais
bela que sai de suas almas. Há também mais beleza nesse cantar, pois entre o
pomar (natureza) e o cantar (poesia) habita o amor. As adversidades e o tédio
na cidadezinha não são suficientes para se suprimir o mais belo sentimento,
esse amor está presente na vegetação e até na rotina dos habitantes de uma
"Cidadezinha qualquer".

Ainda sobre o amor, o próprio título do poema apresenta uma


ambiguidade: a cidadezinha pode ser inferiorizada ou descrita de forma
afetuosa. São memórias perpassadas de saudade, lembranças que marcam
parte da vida do poeta, como vimos anteriormente.

Mesmo trazendo o amor nos primeiros versos, ao seguir com sua


descrição, o eu lírico segue um caminho que sempre aponta para um
sentimento de desânimo e melancolia, que podemos denominar spleen, ou
seja, uma insatisfação e desencanto por conta de uma rotina tão tediosa que é
expressa por "devagar". No poema falta ação, talvez daí surge o tédio e o
desencantamento, pois mesmo com o verbo que deveria trazer essa ideia de
movimento, há sempre a presença de um advérbio que "quebra" a ação: "vai
devagar", ou seja, mesmo indo, não vai; ou vai, mas devagar. Ambiente
propício para um estado descontente da alma do eu lírico, naquela cidadezinha
não há algo de novo para transformar aquela monotonia diária e tão marcada.

O "devagar" continua na terceira estrofe, mas surge agora uma nova


figura: as janelas. Não há nada de diferente no cotidiano da cidade, as janelas
são fixas, imóveis, inanimadas, sem expressão, ou seja, elas se encaixam
perfeitamente com tudo que já foi descrito, mas há uma característica nova: "as
janelas olham". O olhar das janelas também é devagar, mas quem se põe nas
janelas para observar aquela cidadezinha? Provavelmente muitas pessoas que
vivem naquele lugar tedioso e buscam encontrar uma coisa nova, aguardando
um acontecimento diferente, esperando ansiosamente por uma notícia, uma
fofoca, ou qualquer outra coisa que seus olhares alcancem; talvez até a
esperança, uma esperança de que um dia aquela vida vazia e sem novidades
será diferente.

Depois de muita descrição, o eu lírico expressa seu desencanto de


forma mais precisa: "eta vida besta, meu Deus.". Não há novidade, nem
mudança de rotina, ou seja, "vida besta" é uma vida sem rumo, que não tem
sentido e promove sempre o tédio e a melancolia. O eu lírico, após demonstrar
tanto descontentamento, invoca Deus para tirá-lo ou salvá-lo do tédio, como se
dissesse: "meu Deus, em algum momento algo nessa cidadezinha será
diferente?"; e então continua seguindo sua vida, e vai, mas devagar.

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