Análise do poema "Cidadezinha Qualquer", de Carlos Drummond de Andrade. Análise feita para a disciplina de PRÁTICA 1: LEITURA E INTERPRETAÇÃO DE TEXTOS LITERÁRIOS. FALE - Faculdade de Letras (Universidade Federal de Alagoas)
Título original
Análise de Cidadezinha Qualquer - por Eliel de Melo
Análise do poema "Cidadezinha Qualquer", de Carlos Drummond de Andrade. Análise feita para a disciplina de PRÁTICA 1: LEITURA E INTERPRETAÇÃO DE TEXTOS LITERÁRIOS. FALE - Faculdade de Letras (Universidade Federal de Alagoas)
Análise do poema "Cidadezinha Qualquer", de Carlos Drummond de Andrade. Análise feita para a disciplina de PRÁTICA 1: LEITURA E INTERPRETAÇÃO DE TEXTOS LITERÁRIOS. FALE - Faculdade de Letras (Universidade Federal de Alagoas)
DISCIPLINA: PRÁTICA 1: LEITURA E INTERPRETAÇÃO DE TEXTOS LITERÁRIOS DISCENTE: ELIEL DE MELO ARAÚJO COSTA CURSO: LETRAS-PORTUGUÊS/VESPERTINO
ANÁLISE DE “CIDADEZINHA QUALQUER”
O poema "Cidadezinha qualquer", de Carlos Drummond de Andrade, faz
parte do primeiro livro publicado pelo poeta, no ano de 1930, chamado Alguma Poesia. Drummond comentou, em uma entrevista concedida à jornalista Leda Nagle, que a inspiração para escrever o poema surgiu num dia que estava observando sua cidade natal, vendo a movimentação rotineira e sentindo uma grande tranquilidade, mas ao mesmo tempo percebeu o aspecto tão monótono e exclamou: "eta vida besta, meu Deus".
Até o início de sua adolescência o poeta viveu em Itabira/MG, que é sua
cidade natal; uma cidade relativamente pequena no interior do estado de Minas Gerais. Descendente de uma família de fazendeiros tradicionais, o poeta teve uma convivência com a vida no campo e, por esse motivo, descreve uma cidade numa paisagem rural.
A publicação de Alguma Poesia tornou Carlos Drummond um precursor
da denominada "poesia de 30", a segunda fase do movimento Modernista. Isso pode ser observado nos aspectos que perpassam a construção do poema analisado: temática social, cotidiana e histórica. Como integrante da segunda fase do Modernismo, a poesia de Drummond busca empregar um vocabulário o mais cotidiano possível, e não se preocupar tanto com a métrica do poema, além de valorizar aspectos mais próximos da vida do poeta, como seus sentimentos e angústias.
O poema é dividido em quatro estrofes, sendo as duas primeiras com
três versos e as duas últimas com apenas um verso; no poema não se encontra uma metrificação exata e o que pode ser apontado em comum é o número de versos presentes nos pares de estrofes. As rimas também não apresentam certa simetria quando vistas, mas é possível considerar rimas emparelhadas quando se coloca o último verso da primeira estrofe com o primeiro da segunda, os dois últimos versos da segunda estrofe e os dois primeiros da estrofe um (A-A/B...B/ B-B).
As pontuações ritmizam o poema e fazem com que a leitura se alterne: a
primeira estrofe tem um aspecto de maior fluidez, enquanto a segunda estrofe permite uma leitura pausada, coincidindo com o “devagar” que é destacado na estrofe. O início do poema é mais rápido e, quando chega na segunda estrofe, começa a pausar, ir cada vez mais devagar com os pontos finais, encerrando com as reticências na terceira estrofe, dando fim à temática que o eu lírico busca abordar com a descrição da cidade.
Uma "Cidadezinha qualquer" transmite a ideia da possibilidade de estar
sendo descrito qualquer lugar do interior do Brasil; as casas entre as vegetações, as mulheres cuidando das laranjeiras e, ao mesmo tempo que cuidam do pomar, essas mulheres também amam e cantam. Nessa paisagem passa um homem e ele é comparado aos animais, pois seu ritmo é devagar assim como o deles. Tudo parece caminhar a passos pequenos e despreocupados, a vida parece ter um aspecto regular em meio à irregularidade.
A repetição de "vai devagar" contribui para a demonstração da rotina
diária da vida no campo: sempre há o mesmo trabalho, no mesmo tempo, com as mesmas pessoas, seguindo sempre o mesmo ritmo, como se diariamente nada fosse alterado. Essa rotina é observada por um eu lírico que se esconde: devagar também observa a vida passar através das janelas, essas que são personificadas através da metáfora, enquanto o homem é animalizado na comparação com os animais. Por fim, o eu lírico, após tanta observação, expressa sua conclusão com o possível descontentamento dessa rotina que é tão "rotineira".
As significações que os elementos constituintes do poema transmitem
sempre apontam para uma melancolia, como se o eu lírico transparecesse seu tédio através dos versos. As primeiras estrofes do poema abordam aspectos descritivos, nelas são mostradas as paisagens e o trabalho no campo, mas sempre a vegetação é predominante na paisagem, pois as casas (menor quantidade) estão entre bananeiras (maior quantidade), e as mulheres (menor quantidade) entre laranjeiras (maior quantidade).
A primeira estrofe é encerrada com o verso que descreve e unifica os
elementos "natureza" e "poesia". O eu lírico descreve a vegetação em "pomar" e a poesia em "cantar", esse cantar pode representar o som dos pássaros e demais animais da vegetação, mas também o canto daquelas mulheres que estão entre as laranjeiras, possivelmente colhendo os frutos que servem para o sustento da família; enquanto trabalham, elas cantam, fazem a poesia mais bela que sai de suas almas. Há também mais beleza nesse cantar, pois entre o pomar (natureza) e o cantar (poesia) habita o amor. As adversidades e o tédio na cidadezinha não são suficientes para se suprimir o mais belo sentimento, esse amor está presente na vegetação e até na rotina dos habitantes de uma "Cidadezinha qualquer".
Ainda sobre o amor, o próprio título do poema apresenta uma
ambiguidade: a cidadezinha pode ser inferiorizada ou descrita de forma afetuosa. São memórias perpassadas de saudade, lembranças que marcam parte da vida do poeta, como vimos anteriormente.
Mesmo trazendo o amor nos primeiros versos, ao seguir com sua
descrição, o eu lírico segue um caminho que sempre aponta para um sentimento de desânimo e melancolia, que podemos denominar spleen, ou seja, uma insatisfação e desencanto por conta de uma rotina tão tediosa que é expressa por "devagar". No poema falta ação, talvez daí surge o tédio e o desencantamento, pois mesmo com o verbo que deveria trazer essa ideia de movimento, há sempre a presença de um advérbio que "quebra" a ação: "vai devagar", ou seja, mesmo indo, não vai; ou vai, mas devagar. Ambiente propício para um estado descontente da alma do eu lírico, naquela cidadezinha não há algo de novo para transformar aquela monotonia diária e tão marcada.
O "devagar" continua na terceira estrofe, mas surge agora uma nova
figura: as janelas. Não há nada de diferente no cotidiano da cidade, as janelas são fixas, imóveis, inanimadas, sem expressão, ou seja, elas se encaixam perfeitamente com tudo que já foi descrito, mas há uma característica nova: "as janelas olham". O olhar das janelas também é devagar, mas quem se põe nas janelas para observar aquela cidadezinha? Provavelmente muitas pessoas que vivem naquele lugar tedioso e buscam encontrar uma coisa nova, aguardando um acontecimento diferente, esperando ansiosamente por uma notícia, uma fofoca, ou qualquer outra coisa que seus olhares alcancem; talvez até a esperança, uma esperança de que um dia aquela vida vazia e sem novidades será diferente.
Depois de muita descrição, o eu lírico expressa seu desencanto de
forma mais precisa: "eta vida besta, meu Deus.". Não há novidade, nem mudança de rotina, ou seja, "vida besta" é uma vida sem rumo, que não tem sentido e promove sempre o tédio e a melancolia. O eu lírico, após demonstrar tanto descontentamento, invoca Deus para tirá-lo ou salvá-lo do tédio, como se dissesse: "meu Deus, em algum momento algo nessa cidadezinha será diferente?"; e então continua seguindo sua vida, e vai, mas devagar.