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UMA ANÁLISE ACERCA DA CANÇÃO “RELICÁRIO”

Dono de uma personalidade ímpar, o cantor e compositor Nando Reis busca expor
suas opiniões e sentimentos em suas canções. Estas são capazes de encantar públicos de
diferentes faixas etárias, pois abordam questões como o amor. Isso acaba comprovando que
músicas não envelhecem. Um ótimo exemplo da complexidade presente nas cações de Nando
Reis é “Relicário”, obra que exige muita reflexão e admite diversas interpretações. Para isso,
será feita uma abordagem acerca da obra “A Primeira Canção: estudos de letras da MPB”, da
escritora Christina Ramalho.

Para melhor entendimento sobre “Relicário”, é preciso começar a entender o


porquê desse nome. O que é um relicário? Para Ramalho (2015, p. 83), “Chama-se relicário ao
local ou objeto que serve como receptáculo de artefatos sagrados ou de recordações.” Dessa
forma, fica evidente que em um relicário guarda-se algo de muito valor sentimental ou material.
No caso da canção de Nando Reis, esse “objeto” guardado é o amor, que segundo Ramalho
(2015) precisa ser vivido intensamente até na eternidade.

De acordo com Cândido (2014), a obra possui uma importância fundamental na


construção de emoções. Assim, entende-se que uma música ou um livro – por exemplo – são
capazes de despertar sentimentos espetaculares no ouvinte/leitor. Tratando-se da música,
pode-se admitir que a melodia também contribui para a construção desse “sentir”.

Em “Relicário”, é notório que o autor inicia a canção com uma abordagem sobre a
noite relacionada à pessoa amada. Logo na segunda estrofe, Nando Reis fala de uma mudança
repentina desse seu amor e que o eu-lírico não consegue entender bem o porquê de tal
transformação. Para o eu lírico, tudo ainda é muito confuso, ele expressa isso ao dizer /O mundo
está ao contrário e ninguém reparou/. Para guardar as boas lembranças do sentimento bom
vivido antes de toda a mudança, o eu-lírico busca construir um relicário.

No trecho “Que eu trocaria a eternidade por esta noite”, é percebível que há um


fim do relacionamento entre o eu-lírico e sua amada. O sofrimento é estampado por todos os
versos do texto. De acordo com Ramalho (2015, p. 96) afirma que “É relevante, nesse contexto,
que o amor, enquanto objeto-valor – aquele cuja obtenção é o fim último de um sujeito –
conecta-se com a tematização do tempo.” A noite, o entardecer, o amanhecer, enfim, o autor
usa diferentes formas de expressar o tempo para indicar que tudo mudou muito rapidamente.

Assim como qualquer outra manifestação artística, nem sempre o autor faz sua
obra baseado naquilo que vivenciou. Dessa forma, entendemos que Nando Reis pode ou não
está retratando – em sua canção “Relicário” uma de suas vivências ou apenas algo que imaginou
e sentiu. Da mesma forma que o autor possui um misto de sentimentos ao escrever suas obras,
o leitor também possui essa variedade de sentimentos, mesmo que não seja de forma positiva.
De acordo com Cândido (2014, p. 25):

Em face do texto, surgem no nosso espírito certos estados de prazer,


tristeza, constatação, serenidade, reprovação, simples interesse. Estas
impressões são preliminares importantes; o crítico tem de
experimentá-la e deve manifestá-las, pois elas representam a dose
necessária de arbítrio, que define a sua visão pessoal. O leitor será
tanto mais crítico, sob este aspecto, quanto mais for capaz de ver, num
escritor, o seu escritor, que vê como ninguém mais e opõe, com mais
ou menos discrepância, ao que os outros vêm. Por isso, a crítica viva
usa largamente a intuição, aceitando e procurando exprimir as
sugestões trazidas pela leitura.

Assim, percebemos que “Relicário” permite possibilita que o leitor torne-se “autor”
de uma obra que não é sua, algo extremamente complexo. Cada interpretação é uma recriação,
o autor não é dono do seu texto quando o conclui. A partir deste momento, o leitor também
será autor, pois possui a capacidade interpretativa.

Na quarta estrofe, é notável que o eu lírico está ada vez mais angustiado e com a
vida vazia. O relicário enche-se ainda mais do seu amor, só restaram lembranças. Ao dizer:

O que você está fazendo?


Milhões de vasos sem nenhuma flor
O que você está fazendo?
Um relicário imenso desse amor

Percebemos que o autor faz uma comparação da vida do eu lírico com vasos vazios, sem nada
que o preencha ou que possa lhe proporcionar alegria.

De acordo com Ramalho (2015), a música retrata a história de dois eu-líricos: um


feminino e outro masculinos; que retratam um episódio vivenciado “antes”. Percebe-se isso na
seguinte estrofe:

Varre a lua por que longe vai?


Sobe o dia tão vertical
O horizonte anuncia com o seu vitral
Que eu trocaria a eternidade por essa noite

Tais palavras retratam o medo do eu-lírico feminino, medo de perder o seu amor,
pois sabe que ao amanhecer ele não estará mais lá. Sua angústia faz com que ela troque toda a
eternidade por uma única noite ao lado do seu amado. Posteriormente, a mesma faz vários
questionamentos como: /Por que está amanhecendo? /Peço o contrário ver o sol se pôr / Por
que está amanhecendo? /Se não vou beijar seus lábios quando você se for. Tudo isso remete o
sofrimento por algo que ainda irá surgir, mas ela está percebendo que a noite está acabando e
que seus momentos felizes com seu amado estão postos em um processo regressivo que avança
cada vez mais.

A sequência de perguntas feitas pelo eu-lírico feminino, demonstra, segundo


Ramalho (2015) o estado de perturbação do sujeito feminino devido a chegada do eu-lírico
masculino que a confunde com suas palavras e ações incompreensíveis. A dúvida sobre o que
irá acontecer após o amanhecer faz com que a figura feminina vira em um mar de angústia,
enquanto ele quer aproveitar o momento. Para o eu-lírico masculino, “não importa o que
aconteça depois, ‘viver’ essa noite com ela [...] é mais significativo e tem mais valor do que a
eternidade, isto é, do que a ausência total do tempo.
Portanto, foi percebível que relicário é uma obra que incita muita reflexão, assim
como qualquer produção literária. Esta canção é capaz de mexer com diversos sentimentos,
mesmo com sua enorme complexidade. A angústia retratada nos versos, a insegurança do
sujeito feminino é algo vivido por várias pessoas na vida real, pessoas que conseguem ser ver
em cada verso.

REFERÊNCIAS:

RAMALHO, Christina Bielinski. A Poesia da Canção: estudos de letras da MPB. Aracaju:


ArtNer, 2015.

CANDIDO, Antônio. Formação da literatura brasileira; momentos decisivos 1750 – 1880. 15ª ed.
Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2014.

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