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1 Introdução. PAZ, Octávio. O arco e a lira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.)
Em seu brilhante ensaio sobre a poesia (o livro “O arco e a Lira”), Otavio Paz
tem uma passagem da qual lembro sempre quando vejo alguém com rejeição a
medir a proporção de um modelo, ou estudar as proporções matemáticas de um
quadro, seus espaços ocupados e vazios, enfim, a relação de proporção entre as
coisas, assim como entre as partes de alguma coisa, cabeça, tronco e tal...
O livro é um ensaio sobre a poesia. É claro ele está a falar do ritmo da poesia
escrita, mas, como as linguagens, no fim, comungam este mesmo princípio, o ritmo,
a passagem cabe com uma luva também para esclarecer um dos princípios
fundamentais da Pintura.
Vejamos:
“Se batermos num tambor com intervalos iguais, o ritmo aparecerá como tempo
dividido em porções homogêneas. A representação gráfica de semelhante abstração
poderia ser a linha de traços: _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ . A
intensidade rítmica dependerá da rapidez com que os golpes caiam sobre o couro do
tambor. A intervalos mais reduzidos corresponderá redobrada violência. As
variações dependerão também da combinação entre batidas e intervalos.
Por exemplo: /_/___/_/___/_/___/_/___/_/___/_/___/_/___ etc. Embora reduzido a
este esquema, o ritmo é algo mais que medida, algo mais que tempo dividido em
porções. A sucessão de golpes e pausas revela uma certa intenção, algo como uma
direção. O ritmo provoca uma expectativa, suscita um anelo. Se for interrompido
sentimos um choque. Algo se rompeu. Se continua, esperamos alguma coisa que não
conseguimos nomear. O ritmo engendra em nós uma disposição de ânimo que só
poderá se acalmar quando sobrevier “algo”. Coloca-nos em atitude de espera.
Sentimos que o ritmo é um “ir em direção a” alguma coisa, ainda que não saibamos
o que seja esta coisa. Todo ritmo é sentido de algo. Assim, o ritmo não é
exclusivamente uma medida vazia de conteúdo, mas uma direção, um sentido. O
ritmo não é medida, mas tempo original.” (Arco e a lira. p.69).
Otavio Paz segue citando como as sociedades e culturas tem ritmos diferentes, e
como isso constitui o próprio modo de ser delas.
De fato, na poesia, é o ritmo quem anima palavras que, a rigor, em si mesmas,
não passam de “significantes” dotados de “significados”, catalogados e empilhadas
nos dicionários. No dia a dia, a palavra escrita, em sua condição de “mensagem”, tal
como encontramos nos jornais e panfletos, carece do ritmo que chamamos poético.
Mas não só a poesia escrita assim como todas as artes, utilizam o ritmo para
animar elementos que em si não têm qualquer expressividade. Tais “elementos” em
si mesmos, sem estabelecerem ritmos e relações concatenadas, nada significam.
Na poesia o som da palavra e seu significado comungam um acordo íntimo
fundamentado no ritmo. Na literatura pesa mais a narrativa, que também pode
adquirir expressões variadas, fomentadas por ritmos de narrativa apuradamente
elaborados. Na arquitetura são os espaços, internos e externos, medidos aos metros,
abertos e fechados, são os elementos que criam o ritmo. Na música os sons, que
nada mais são que as notas DÓ – RÉ – MI – FÁ – SOL – LÁ – SI, sem o ritmo nada
significam. Que seria da música sem o ritmo? E nem precisamos pensar na dança e
em outras tantas outras artes, pois, no fim, toda linguagem anima seu “elemento”
próprio com um ritmo – ou antes, toda linguagem põe em funcionamento seu
“elemento” através de um ritmo.
O ritmo é a própria vida das coisas. Uma planta cresce em um ritmo. Em uma pessoa
bate ritmado um coração. Tudo o que vive tem um ritmo. Invertendo: se criarmos no
quadro, tela e tinta, um ritmo, podemos com sorte, fazê-los viver – pelo menos na película
da sensação visual.