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Haroldo de Campos -
pinturas escritas/escritos-
pinturas.
"O lance de dados de Monet" (p.33): cores e formas se transladam para o verso
com transferência de sentidos, tradução intersemiótica. Correspondência entre
figuração, entre metáforas.
Para Helder Macedo, "toda pintura é uma arte de organizar alfabetos". Os versos de
Haroldo dizem que a poesia é uma arte de organizar imagens que antes de tudo são
visuais para depois se expandirem em outras formas.
Se o pintor debe saber ver, saber antes de ver, saber para melhor ver, Haroldo
apreende pelo verso, pelos signos ali olhados essas modificações da luz e da cor,
daí tentar com a letra, com o verbo, traduzir: "sombra áureo-satúrnea"/"azul pantera
sub-aquática"/"ecos do roxo do violeta do cianuro do cítreo -blan mitileno; turquese
tirante"/"a ônix… verdeazul…" (…) "gigante barbibranco" (ler p. 33, 34, 35, 36).
Lembro Bachelard, quando diz:
"Claude Monet compreende essa imensa claridade do belo, esse encorajamento
dado pelo homem a tudo que tende ao belo, ele que durante toda a vida soube
aumentar a beleza que caía sob seu olhar […]. Em todos os atos de sua vida, em
todos os esforços de sua arte, Claude Monet foi um servidor e um guia das forças
de beleza que conduzem o mundo". (Bachelard, "As ninféias ou as surpresas de
uma alvorada de verão", In: O direito de sonhar, p. 7).
O que Haroldo, nessa fase de sua obra Pinturas escritas/escritos picturais, nos
mostra é que a visualidade pode ser feita pela letra, sem ser no poema concreto, não
só pela imagem visual e não-verbal. No poema citado, Courbet (d' origine du
monde, 1866), a tela famosa: a imagem repercute no espírito de Haroldo que a
descreve assim:
"aranha genesíaca"
"felpa veludínea"
"cabelos intonsos"
(…)
"e depois de gerar
ei-la a vaginada aranha
canibal
devolta ao seu mister de
vênus
ao seu monte de pelúcida
alfombra e clitorides ninfa…" (ler p. 39).
Muros, paredes como na gruta de Lascaux. Apontando para esse "olho-câmera" que
prescruta a cidade, através de suas tatuagens ou "destatuagens", o poeta Haroldo de
Campos alude em seus versos Picasso, Modigliani, de Chirico, Volpi.
Os olhos do poeta varam a cidade pelos muros grafitados pelo city teller. Conexão
forte da palavra com a dimensão verbal e significativa reflexão poética sobre a
condição contemporânea das artes que envolvem texto/imagem. Um índice ou um
esboço de certa teoria da intervenção.
Ser poeta e ser artista visual implica um trabalho de transcriação verbal, um projeto
de tradução intersemiótica como poética. Se observarmos o texto para Sacilotto
ouviremos um poema cujo ritmo se aproxima do ritmo das linhas vibratórias de
Vibrações Verticais ou da Concreção, ou seja, organização do movimento da língua
poética (prosódia/entonação) e do sentido no texto.
Finalmente, o poema Iole de Freitas em que "as asas invasoras assaltam o museu"
sobre Estudo para Volume e flecha 1 e 2. Estudo para superfície e linha. Mais uma
vez o ritmo e o movimento da arte visual/as esculturas/de Iole dão o tema para
Haroldo de Campos:
Como numa coreografia do espaço, Haroldo tenta captar esse movimento da linha
que corta o espaço com o policarboneto e o aço inox. Outra Ligia Clark, outro
Helio Oiticica… As asas dançam no espaço/tempo de Haroldo e ele vê borboletas
borboleteando pelo salão. Descreva o movimento dançado querendo apreender todo
o seu sentido. Inacessibilidade que o poema aponta.
Tida Carvalho