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Mote antigo
Saudade minha,
quando vos veria?
Voltas
Saudosa dor,
eu bem vos entendo;
mas não me defendo,
porque ofendo Amor.
Se fôsseis maior,
em maior valia
vos estimaria.
Minha saudade,
caro penhor meu,
a quem direi eu
tamanha verdade?
Na minha vontade,
de noite e de dia
sempre vos teria.
Luís de Camões
O sujeito queixa-se do tempo que teima em passar até poder voltar a ver a sua amada. Queixa-
se que o tempo de solidão e sofrimento passa para os outros (e eles conseguem obter a
felicidade), mas para ele não! Está condenado a viver uma vida de infelicidade.
Embora não saiba quando a voltará a ver, ele mantém a esperança de um dia a voltar a ver.
Descreve a dor que sente por não poder estar com ela. Comunica-lhe que se o seu amor fosse
maior, ainda maior seria o sofrimento e ainda mais importante ela seria na sua vida.
A quem dirá ele que sente a sua falta senão à própria mulher amada? Se dependesse da
vontade dele, nunca mais se separariam.
Luís de Camões
O soneto é constituído por duas quadras e dois tercetos, em metro decassílabo com
um esquema rimático ABBA//ABBA//CDC//CDC verificando-se a existência de rima
interpolada em A, emparelhada em B e interpolada em CD.
O poeta, usando a apóstrofe, dirige o seu discurso à mulher amada, que, para sua
tristeza, morreu jovem: “Alma minha gentil, que te partiste/ Tão cedo desta vida,
descontente,”. Ao longo do soneto, o poeta vai-lhe fazendo alguns pedidos, utilizando
frases imperativas, tais como: “repousa lá no céu…”,”não te esqueças daquele amor
ardente…” e “roga a Deus…”. Afirma também que está em sofrimento e aponta as
razões desta tristeza, que se ligam, essencialmente, à ausência da amada, marcada
pela distância entre o céu - local de morada dela: ”repousa lá no Céu” - e a terra,
espaço de vida do poeta: “viva eu cá na terra”. Estas referências espaciais surgem
associadas aos termos com valor deítico “cá” e “lá”, que reforçam a relação de
afastamento entre os dois amantes.
Assim, a solução para o sofrimento do sujeito poético seria a aproximação entre os
dois e, por isso, ele pede-lhe que rogue a Deus para o levar rapidamente para junto
dela: “Roga a Deus, que teus anos encurtou,/ Que tão cedo de cá me leve a ver-te,/
Quão cedo de meus olhos te levou.”
De notar a utilização constante de eufemismos para a referência quer da morte da
amada, quer da do poeta: “partiste tão cedo desta vida”, “Deus, que teus anos
encurtou” e “que de cá me leve a ver-te”, o que é uma estratégia de poetização de um
afastamento irreversível.
Os sentimentos dominantes são a saudade e a dor da ausência causados pela morte.
Questionário
Interpretação/análise
1. Explica a situação trágica que funciona como ponto de partida deste soneto e o voto
formulado inicialmente pelo eu poético.
1.1 O que torna essa situação ainda mais trágica?
1.2 Identifica a figura de estilo presente na expressão inicial do poema e comenta o
seu valor expressivo.
2. Explicita o sentido dos versos da segunda estrofe.
3. Que apelo é feito no terceto final do soneto?
4. Identifica um recurso estilístico usado nos dois versos finais e comenta a sua
expressividade.
5. Transcreve dois eufemismos usados no poema e comenta a sua expressividade.
6. Interpreta a presença no poema de várias palavras relacionadas com o Céu (reino
espiritual).
7. Num discurso persuasivo, é normal a apresentação de um caso para se tentar
convencer o interlocutor. Por que razão se pode afirmar que este soneto recorre às
regras do discurso persuasivo?
Gramática
10. Tendo em conta a coesão que deve presidir a todos os textos bem construídos,
identifica no poema palavras e expressões que garantem:
a) a coesão interfrásica;
b) a coesão lexical;
c) a coesão referencial.
Correção do questionário
1. A situação de que parte o poema é a morte da mulher amada pelo eu poético. Este
formula o voto de que ela descanse em paz no reino de Deus («Céu»).
3. Na terceto final, o sujeito poético apela à amada que interceda junto de Deus para
que Ele reduza os seus anos de vida e assim proporcione o seu reencontro. Prevalece a
ideia de que o verdadeiro amor é espiritual e perdura para além da vida terrena. 4. Um
recurso estilístico é o paralelismo sintático, lexical e semântico: as duas orações
apresentam construções frásicas com sentidos equivalentes e palavras repetidas
(«cedo»/«cedo»,«te»/«te») de forma a veicular o desejo de que o destino da amada
seja em breve o seu destino — o paralelismo vem associar os dois percursos de vida.
Um eufemismo encontra-se no primeiro verso («partiste») e outro reside na expressão
«teus anos encurtou». Ambos os termos são formas de aludir de um modo mais suave
à dolorosa realidade da morte da amada.
8. Alma minha gentil, que te partiste/ tão cedo desta vida descontente,/ repousa lá, no
Céu, eternamente/ e eu viva sempre triste cá, na terra.