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1.

TEXTOS- POEAS 02- CEC´LA ERELES= VNCUS- LTERATURA Literatura

 1. Soneto de fidelidade

De tudo ao meu amor serei atento


Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento


E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure


Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):


Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

O poema de amor mais consagrado do poetinha talvez seja o Soneto de fidelidade. Os versos
foram organizados a partir de uma forma clássica - o soneto - que se organiza em quatro
estrofes (as duas primeiras com quatro versos e as duas últimas com três versos). O tema
abordado, o amor, é um assunto que não perde a validade, nesse caso específico, Vinicius de
Moraes compôs em homenagem a sua primeira mulher.

Desde 1939, ano da criação do poema, o Soneto de fidelidade vem sendo recitado por casais
apaixonados. Escrito em São Paulo, quando o autor tinha apenas 26 anos, os versos
transcenderam a sua realidade particular para ganharem a boca de outros enfeitiçados pelo
amor.

Ao contrário da maior parte dos poemas de amor - que prometem amor eterno - nos versos
acima vemos uma promessa de entrega total e absoluta enquanto o sentimento durar.

Vinicius de Moraes reconhece a perenidade do tempo e do afeto e o destino fracassado da


maior parte das relações e assume, diante da amada, que a amará com toda a força enquanto
o afeto existir.

Conheça mais sobre o Soneto de fidelidade. Aproveite e escute também o Soneto de


fidelidade recitado pelo próprio Vinicius de Moraes:

2. A rosa de Hiroshima

Pensem nas crianças


Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroxima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida.
A rosa com cirrose
A antirrosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.

Embora tenha ficado mais conhecido pela sua lírica amorosa, Vinicius de Moraes também
cantou versos dedicados a outros temas. A rosa de Hiroshima é um exemplo de poema
engajado, profundamente preocupado com o futuro do mundo e da sociedade.

Vale lembrar que profissionalmente Vinicius de Moraes atuou como diplomata, por isso estava
a par dos severos problemas político e sociais do seu tempo.

O poema, escrito em 1973, tece uma crítica grave a Segunda Guerra Mundial, especialmente
as explosões das bombas atômicas nas cidades de Hiroshima e Nagasaki (no Japão).

A rosa de Hiroshima foi posteriormente musicado por Gerson Conrad e chegou a ser tocado
pela banda Secos e Molhados no disco de estreia (assista abaixo).

Conheça mais sobre A rosa de Hiroshima.

3. Soneto do amor total

Amo-te tanto, meu amor… não cante


O humano coração com mais verdade…
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade

Amo-te afim, de um calmo amor prestante,


E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente,


De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.
E de te amar assim muito e amiúde,
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.

Criado em 1951, o Soneto do amor total é uma das mais belas declaração de amor presentes
na poesia brasileira. Em apenas catorze versos o eu-lírico consegue transmitir a amada a
complexidade do sentimento que carrega. Trata-se, ao mesmo tempo, de um amor de amigo,
mesclado com o de amante, que por vezes o engaja no cuidar e por vezes o faz ter como único
instinto o possuir.

As múltiplas faces do amor romântico - muitas vezes contraditórias, inclusive - conseguiram ser
traduzidas com precisão pelo poetinha em formato de verso.

Leia a análise completa de Soneto do Amor Total.

Confira essa pérola recitada lindamente por Maria Bethânia:

4. Soneto de contrição

Eu te amo, Maria, eu te amo tanto


Que o meu peito me dói como em doença
E quanto mais me seja a dor intensa
Mais cresce na minha alma teu encanto.

Como a criança que vagueia o canto


Ante o mistério da amplidão suspensa
Meu coração é um vago de acalanto
Berçando versos de saudade imensa.

Não é maior o coração que a alma


Nem melhor a presença que a saudade
Só te amar é divino, e sentir calma…

E é uma calma tão feita de humildade


Que tão mais te soubesse pertencida
Menos seria eterno em tua vida.

O Soneto de contrição, escrito em 1938, é um dos poucos que se dirige efetivamente a alguém
identificado: uma amada chamada Maria. Além do nome, mais nada saberemos a respeito da
jovem por quem o eu-lírico nutre tanto afeto.

No princípio do poema, os versos comparam o amor sentido com a dor provocada por uma
doença ou com a sensação de solidão presente numa criança que vagueia sozinha.

No entanto, apesar das comparações iniciais sugerirem sofrimento, logo o eu-lírico dá a volta e
mostra que o afeto provocado pela amada é divino e proporciona uma calma e um descanso
jamais sentidos.

5. Ternura
Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma...
É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o olhar extático da aurora.

Composto no mesmo ano do Soneto de contrição, Ternura também veio ao mundo em 1938 e


tem como tema igualmente as consequências provocadas pelo amor romântico.

Aqui a pegada do poetinha traduz um enamoramento profundo pela amada, a quem pede
desculpas inicialmente pelo amor repentino e demasiado. É como se o apaixonado não
conseguisse controlar a sua entrega e se colocasse inteiramente a disposição do sentimento
que o arrebata.

Apesar da intensidade provocada pelo querer, o eu-lírico garante que o amor sentido se traduz
numa espécie de sossego invulgar, uma calmaria em meio ao caos.

Confira o poema Ternura recitado:

6. Eu sei que vou te amar

Eu sei que vou te amar


Por toda a minha vida eu vou te amar
Em cada despedida eu vou te amar
Desesperadamente
Eu sei que vou te amar

E cada verso meu será pra te dizer


Que eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida

Eu sei que vou chorar


A cada ausência tua eu vou chorar,
Mas cada volta tua há de apagar
O que essa ausência tua me causou

Eu sei que vou sofrer


A eterna desventura de viver a espera
De viver ao lado teu
Por toda a minha vida.
Os versos de Eu sei que vou te amar são categóricos: o eu-lírico afirma que até o final da sua
vida estará apaixonado pela amada. Ele descreve a relação como uma constância em meio as
instabilidades da vida e garante que, até os seus últimos dias, irá ser fiel e declarará o seu
amor.

Nos momentos de tristeza o sujeito também sugere que irá sofrer quando a amada estiver
ausente, sublinhando que contará com a presença dela dentro de si ainda que ela não possa
estar junto fisicamente. A composição é digna de um apaixonado, que oferece entrega total e
absoluta, disponibilidade para a relação a dois e devoção sem fim à amada.

Eu sei que vou te amar virou música através de uma parceria realizada com Tom Jobim:

7. A felicidade

Tristeza não tem fim


Felicidade sim…

A felicidade é como a pluma


Que o vento vai levando pelo ar
Voa tão leve
Mas tem a vida breve
Precisa que haja vento sem parar.

A felicidade do pobre parece


A grande ilusão do carnaval
A gente trabalha o ano inteiro
Por um momento de sonho
Pra fazer a fantasia
De rei, ou de pirata, ou da jardineira
E tudo se acabar na quarta-feira.

Tristeza não tem fim


Felicidade sim…

A felicidade é como a gota


De orvalho numa pétala de flor
Brilha tranquila
Depois de leve oscila
E cai como uma lágrima de amor.

A felicidade é um coisa louca


Mas tão delicada, também
Tem flores e amores de todas as cores
Tem ninhos de passarinhos
Tudo isso ela tem
E é por ela ser assim tão delicada
Que eu trato sempre dela muito bem.
Tristeza não tem fim
Felicidade sim…

Nos versos acima Vinicius de Moraes discorre sobre o ideal máximo do ser humano: alcançar a
felicidade. Para ilustrar os seus versos o poetinha tece uma oposição entre a felicidade e a
tristeza, depois vai comparando a felicidade a partir de exemplos reais e cotidianos (a
felicidade é como a pluma, a felicidade é como a gota de orvalho).

A beleza do poema é justamente essa impossibilidade de nomear o que é a felicidade, mas o


manancial de possibilidades que é apresentado ao tentar descrevê-la.

Felicidade é também letra de música, composta em parceria com Tom Jobim e inicialmente
cantada por Miúcha:

8. A uma mulher

Quando a madrugada entrou eu estendi o meu peito nu sobre o teu peito


Estavas trêmula e teu rosto pálido e tuas mãos frias
E a angústia do regresso morava já nos teus olhos.
Tive piedade do teu destino que era morrer no meu destino
Quis afastar por um segundo de ti o fardo da carne
Quis beijar-te num vago carinho agradecido.
Mas quando meus lábios tocaram teus lábios
Eu compreendi que a morte já estava no teu corpo
E que era preciso fugir para não perder o único instante
Em que foste realmente a ausência de sofrimento
Em que realmente foste a serenidade.

O poema composto em 1933 conta a trágica história de um casal que se desfaz. O título do
poema é uma dedicatória direcionada a alguém que desconhecemos (lê-se apenas A uma
mulher). Ao longo dos onze versos ficamos conhecendo o destino de um casal que, no
passado, foi apaixonado, mas que agora parece se separar definitivamente.

Quando o eu-lírico se aproxima da amada ela já está fria e distante. Ele ainda tenta transmitir
um carinho, um afago, mas logo percebe que qualquer investida será em vão. A finitude já está
instaurada no corpo dela e a cena já transborda sofrimento.

Ao avesso dos poemas românticos e apaixonados habitualmente escritos pelo poetinha, em A
uma mulher temos uma escrita sem final feliz.

9. Poema de Natal

Para isso fomos feitos:


Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos…
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

O título do poema acima nos faz crer que se trata de uma escrita composta no final do ano. Os
versos são característicos desta ocasião porque procuram fazer um balanço do passado e
daquilo que realmente importa. É como se o eu-lírico olhasse para as lembranças e se desse
conta do que efetivamente tem valor na vida.

O eu-lírico chega a conclusão de como deverá ser o destino daqui para a frente e tenta
sublinhar a importância da delicadeza no nosso cotidiano (o falar baixo, o pisar leve).

10. Soneto de separação

De repente do riso fez-se o pranto


Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento


Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente


Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

O triste e belo Soneto de separação aborda um dos momentos mais trágicos da vida do ser


humano: o final de uma relação amorosa. Não sabemos o motivo da despedida, mas o eu-lírico
transcreve nos versos acima a agonia da partida.

Em termos de estrutura, o poema é todo construído a partir de pares opostos (riso/pranto,


calma/vento, momento imóvel/drama, próximo/distante).

Nos breves versos podemos sentir a fugacidade dos sentimentos e a perenidade da vida.
Parece que, num piscar de olhos, toda a relação está definitivamente perdida. É como se a vida
e o afeto cultivados a dois se esvaíssem num segundo.

O Soneto de separação está disponível recitado pelo próprio Vinicius de Moraes, confira:

11. Poema dos olhos da amada

Ó minha amada
Que olhos os teus
São cais noturnos
Cheios de adeus
São docas mansas
Trilhando luzes
Que brilham longe
Longe nos breus...

Ó minha amada
Que olhos os teus
Quanto mistério
Nos olhos teus
Quantos saveiros
Quantos navios
Quantos naufrágios
Nos olhos teus...

Ó minha amada
Que olhos os teus
Se Deus houvera
Fizera-os Deus
Pois não os fizera
Quem não soubera
Que há muitas eras
Nos olhos teus.

Ah, minha amada


De olhos ateus
Cria a esperança
Nos olhos meus
De verem um dia
O olhar mendigo
Da poesia
Nos olhos teus.

Os versos dedicados ao amor compostos por Vinicius de Moraes começam tecendo uma
comparação da amada com o universo náutico. A presença de um léxico ligado à navegação -
as docas, o cais, os naufrágios, os navios, os saveiros - vem a serviço do enaltecimento da
mulher amada. Nessa homenagem o poetinha exalta especialmente os olhos daquela que é o
objeto da sua adoração.

Num segundo momento da poesia, vemos surgir a questão da presença ou não de Deus como
o construtor dessa obra prima (os olhos da amada). O eu-lírico coloca a hipótese de, se Deus
existir, ter sido o autor dessa mais bela criação. No caso de não existir, o elogio vai por outro
caminho e encontra no olhar da amada um somatório de gerações.

Por fim, ficamos sabendo que a amada, que não acredita na existência de Deus, desperta no
poeta o amor e a esperança. Se tudo o que vem do olhar dela é grande e belo, o eu-lírico
descreve o seu próprio olhar, por oposição, como um olhar mendigo.

O poema, que foi musicado, encontra-se declamado pelo poetinha:

12. Tomara

Tomara
Que você volte depressa
Que você não se despeça
Nunca mais do meu carinho
E chore, se arrependa
E pense muito
Que é melhor se sofrer junto
Que viver feliz sozinho

Tomara
Que a tristeza te convença
Que a saudade não compensa
E que a ausência não dá paz

E o verdadeiro amor de quem se ama


Tece a mesma antiga trama
Que não se desfaz
E a coisa mais divina
Que há no mundo
É viver cada segundo
Como nunca mais

Tomara foi musicada e virou das músicas mais consagradas da MPB. Aqui o eu-lírico é
abandonado pela amada, que parte e deixa um rastro de saudade.

Ao invés de adotar uma postura vingativa e raivosa, o sujeito deseja que ela volte logo e que
nunca mais repita a decisão de partir. A conclusão que aspira que a amada chegue é que é
melhor estar a dois - ainda que com algum sofrimento - do que seguir em frente sozinho.

Os votos do apaixonado são que a saudade aperte forte e que a tristeza faça com que ela se
arrependa da decisão tomada.

A canção ficou eternizada na voz de Marilia Medalha numa parceria feita também com
Toquinho & Trio Mocotó:

13. Pela luz dos olhos teus

Quando a luz dos olhos meus


E a luz dos olhos teus
Resolvem se encontrar
Ai que bom que isso é meu Deus
Que frio que me dá o encontro desse olhar
Mas se a luz dos olhos teus
Resiste aos olhos meus só p'ra me provocar
Meu amor, juro por Deus me sinto incendiar
Meu amor, juro por Deus
Que a luz dos olhos meus já não pode esperar
Quero a luz dos olhos meus
Na luz dos olhos teus sem mais lará-lará
Pela luz dos olhos teus
Eu acho meu amor que só se pode achar
Que a luz dos olhos meus precisa se casar.

Os olhos da amada foram tema de uma série de poemas apaixonados de autoria de Vinicius de
Moraes. No caso do poema acima figura, além do olhar da amada, o olhar do eu-lírico, que se
encontra em comunhão com a sua parceira.

Da união com aquela que ama nasce a sensação de realização e de plenitude, é o


contentamento que transparece no princípio da letra.

Os olhos da amada, ao longo dos versos, transmitem uma série de afetos distintos. Se num
primeiro momento há a sensação de paz e tranquilidade, num segundo instante os olhos o
seduzem e o enchem de euforia.

Em parceria com o grande amigo Tom Jobim, a canção, que trata acima de tudo de um bem
sucedido encontro amoroso, foi interpretada pelo poetinha em encontros com Miúcha.
A música ficou conhecida pelo grande público por ter sido a música da abertura da
novela Mulheres Apaixonadas, que passou na Globo durante o ano de 2003:

14. Soneto do Amigo

Enfim, depois de tanto erro passado


Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.

É bom sentá-lo novamente ao lado


Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.

Um bicho igual a mim, simples e humano


Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu próprio engano.

O amigo: um ser que a vida não explica


Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...

Criado no exílio, em Los Angeles, durante o ano de 1946, o Soneto do Amigo tematiza uma
amizade duradoura, capaz de vencer o tempo e a distância.

Ao longo dos versos é possível perceber que a amizade já não é mais cotidiana e não permite
encontros tão frequentes como outrora, mas, por outro lado, o afeto, a confiança e o querer
bem permanecem idênticos.

A relação de amizade descrita é sempre de uma redescoberta, de um conhecer novamente,


apesar de haver uma confiança suscitada por ser uma relação de longa data, onde os
indivíduos já se conhecem profundamente.

2. Poesia

20 poemas de Cecília Meireles para crianças

Carolina Marcello

Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes


Cecília Meireles (1901 – 1964) foi uma célebre autora brasileira. Em parte, o seu trabalho
literário ficou conhecido pela genialidade da sua poesia infantil.

Com uma linguagem acessível e temas do cotidiano, suas composições recorrem aos jogos de
palavras e também ao humor, estimulando nas crianças a paixão pela leitura.

Além de exercitarem a imaginação, seus versos também são adequados para a educação
infantil, cheios de ensinamentos e mensagens de sabedoria que nos fazem refletir.

1. As meninas

Arabela
abria a janela.

Carolina
erguia a cortina.

E Maria
olhava e sorria:
“Bom dia!”

Arabela
foi sempre a mais bela.

Carolina,
a mais sábia menina.

E Maria
apenas sorria:
“Bom dia!”

Pensaremos em cada menina


que vivia naquela janela;

uma que se chamava Arabela,


uma que se chamou Carolina.

Mas a profunda saudade


é Maria, Maria, Maria,

que dizia com voz de amizade:


“Bom dia!”

Em As meninas, Cecília Meireles fala de três garotas que eram vizinhas e costumavam se ver
através da janela. Com um tom humorístico, o poema vai sendo composto por rimas com os
mesmos sons que os nomes delas: Arabela, Carolina e Maria.
Enquanto as primeiras duas surgem fazendo pequenas ações, como abrir a janela ou erguer a
cortina, a terceira só as cumprimenta. Arabela é louvada pela sua beleza e Carolina pela sua
sabedoria, mas apenas sabemos que Maria as saúda pelas manhãs: "Bom dia".

Nos versos finais, o eu-lírico que testemunhava tudo isso fica lembrando de cada uma das
garotas. Apesar dos elogios que tece às outras meninas, Maria é a que deixa mais saudades,
pela sua simpatia e doçura.

2. Ou isto ou aquilo

Ou se tem chuva e não se tem sol


ou se tem sol e não se tem chuva!

Ou se calça a luva e não se põe o anel,


ou se põe o anel e não se calça a luva!

Quem sobe nos ares não fica no chão,


quem fica no chão não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa


estar ao mesmo tempo em dois lugares!

Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,


ou compro o doce e gasto o dinheiro.

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo …


e vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo,


se saio correndo ou fico tranqüilo.

Mas não consegui entender ainda


qual é melhor: se é isto ou aquilo.

Não é por acaso que Ou isto ou aquilo é um dos poemas infantis mais famosos da nossa
literatura. Na composição, através de exemplos cotidianos, Cecília Meireles transmite aos seus
leitores uma lição essencial: estamos sempre fazendo escolhas.

Precisamos constantemente de nos posicionar e optar, mesmo que isso implique perdermos
algumas coisas. O sujeito, ainda numa fase de formação, está aprendendo a lidar com as suas
decisões e consequências.

Ele compreende, então, que não podemos ter tudo ao mesmo tempo; a vida é feita de
escolhas e estaremos sempre abrindo mão de algo, ainda que isso possa gerar sentimentos de
dúvida ou incompletude.

Leia uma análise completa no artigo Análise do poema Ou isto ou aquilo de Cecília Meireles.

3. A bailarina
Esta menina
tão pequenina
quer ser bailarina.
Não conhece nem dó nem ré
mas sabe ficar na ponta do pé.

Não conhece nem mi nem fá


Mas inclina o corpo para cá e para lá

Não conhece nem lá nem si,


mas fecha os olhos e sorri.

Roda, roda, roda, com os bracinhos no ar


e não fica tonta nem sai do lugar.

Põe no cabelo uma estrela e um véu


e diz que caiu do céu.

Esta menina
tão pequenina
quer ser bailarina.

Mas depois esquece todas as danças,


e também quer dormir como as outras crianças.

O singelo poema é também muito famoso no panorama literário brasileiro. Através dele, o eu-
lírico descreve uma criança que quer ser bailarina. Pequena, a menina dança e rodopia,
mas não conhece nenhuma das notas musicais que o sujeito vai enumerando.

Consegue, no entanto, ficar na ponta do pé e girar sem ficar tonta ou perder o equilíbrio.
Percebemos, assim, que apesar da sua idade, a menina sente a música, dança quase por
instinto, ainda que nem conheça as notas.

Apesar disso, ela continua sendo uma criança. No final de tanta dança, ela está cansada e quer
dormir. Aí, esquece momentaneamente os seus planos para o futuro, já que ainda tem muito
tempo pela frente.

Aproveite para conferir também a análise completa do poema A Bailarina.

4. O mosquito escreve

O mosquito pernilongo
trança as pernas, faz um M,
depois, treme, treme, treme,
faz um O bastante oblongo,
faz um S.
O mosquito sobe e desce.
Com artes que ninguém vê,
faz um Q,
faz um U, e faz um I.
Este mosquito
esquisito
cruza as patas, faz um T.

E aí,
se arredonda e faz outro O,
mais bonito.

Oh!
Já não é analfabeto,
esse inseto,
pois sabe escrever seu nome.

Mas depois vai procurar


alguém que possa picar,
pois escrever cansa,
não é, criança?

E ele está com muita fome

O poema presta atenção a algo que normalmente ignoramos no cotidiano: um mosquito. O


sujeito poético descreve o voo do inseto, as formas que ele faz no ar, desenhando letras com o
corpo. Com cada manobra, o mosquito vai soletrando o próprio nome.

A composição valoriza a importância da escrita e da leitura na vida de todas as crianças.


Depois de ter feito a "lição de casa" e conseguido escrever o seu nome, o mosquito fica muito
cansado e precisa comer.

É curioso que, aqui, o inseto não surge como uma espécie de vilão: ele tem que picar alguém
só porque está faminto, depois de ter voado (e estudado) demais.

5. Para ir à Lua

Enquanto não têm foguetes


para ir à Lua
os meninos deslizam de patinete
pelas calçadas da rua.

Vão cegos de velocidade:


mesmo que quebrem o nariz,
que grande felicidade!
Ser veloz é ser feliz.

Ah! se pudessem ser anjos


de longas asas!
Mas são apenas marmanjos.
Para ir à Lua é um poema maravilhoso sobre a força e o poder da imaginação. Nele, o eu-lírico
descreve um grupo de meninos que estão brincando nas ruas, fingindo que estão viajando
pelo espaço. Andando de patinete em grande velocidade (como se fossem foguetes), eles
estão muito felizes.

Tanto que nem se importam com os riscos que correm durante a brincadeira. A autora ilustra,
assim, a infância como uma época sem preocupações, de liberdade e aventura. Mesmo que
não consigam voar, porque não são anjos, os garotos brincam e se divertem do seu jeito.

6. Sonhos da menina

A flor com que a menina sonha


está no sonho?
ou na fronha?

Sonho
risonho:

O vento sozinho
no seu carrinho.

De que tamanho
seria o rebanho?

A vizinha
apanha
a sombrinha
de teia de aranha . . .

Na lua há um ninho
de passarinho.

A lua com que a menina sonha


é o linho do sonho
ou a lua da fronha?

O poema apresenta a noite como um tempo fantástico, onde a realidade e o sonho se


misturam. Enquanto dorme, a menina perde a distinção entre as duas coisas: os seus sonhos
combinam elementos do cotidiano com elementos ficcionais, impossíveis de acontecer na vida
real.

Estamos, então, diante do processo através do qual a sua imaginação transforma o banal no


onírico. No final da composição, os dois mundos se fundem por completo: o sonho passa a ser
de linho e a fronha passa a ter uma lua.

7. O menino azul

O menino quer um burrinho


para passear.
Um burrinho manso,
que não corra nem pule,
mas que saiba conversar.

O menino quer um burrinho


que saiba dizer
o nome dos rios,
das montanhas, das flores,
— de tudo o que aparecer.

O menino quer um burrinho


que saiba inventar histórias bonitas
com pessoas e bichos
e com barquinhos no mar.

E os dois sairão pelo mundo


que é como um jardim
apenas mais largo
e talvez mais comprido
e que não tenha fim.

(Quem souber de um burrinho desses,


pode escrever
para a Ruas das Casas,
Número das Portas,
ao Menino Azul que não sabe ler.)

Mais uma vez, enquanto professora e poeta, Cecília Meireles chama a atenção para
a importância da alfabetização. O poema fala de um menino azul que procura um burrinho
para ser seu amigo.

Podemos assumir que a cor azul do menino simboliza os sonhos e a imaginação da infância, ou
mesmo uma certa tristeza e melancolia. E o menino quer o burrinho para quê? Para conversar,
aprender os nomes das coisas, escutar histórias e partir com ele pelo mundo, numa grande
aventura.

Nos versos finais da composição, entendemos o motivo: o menino não sabia ler. Por isso, ele
precisa de um companheiro; através da leitura, no entanto, ele poderia realizar os seus sonhos
sozinho.

8. O último andar

No último andar é mais bonito:


do último andar se vê o mar.
É lá que eu quero morar.

O último andar é muito longe:


custa-se muito a chegar.
Mas é lá que eu quero morar.
Todo o céu fica a noite inteira
sobre o último andar.
É lá que eu quero morar.

Quando faz lua, no terraço


fica todo o luar.
É lá que eu quero morar.

Os passarinhos lá se escondem,
para ninguém os maltratar:
no último andar.

De lá se avista o mundo inteiro:


tudo parece perto, no ar.
É lá que eu quero morar:

no último andar.

Neste poema, o eu-lírico parece ser uma criança que sonha viver no topo de um edifício, com
uma vista bonita.

Mesmo ciente de que o último andar fica longe e é difícil chegar lá, esse é o seu objetivo. O
sujeito acredita que lá estará mais perto do céu, da lua e dos passarinhos.

O último andar se torna, deste modo, um lugar idílico, com o qual o sujeito sonha. Podemos
assumir que nestes versos, Cecília Meireles mostra que uma criança também pode ter
ambições.

Embora tenha consciência de que existem dificuldades, o eu-lírico quer lutar pelo seu objetivo.

9. Colar de Carolina

Com seu colar de coral,


Carolina
corre por entre as colunas
da colina.

O colar de Carolina
colore o colo de cal,
torna corada a menina.

E o sol, vendo aquela cor


do colar de Carolina,
põe coroas de coral

nas colunas da colina.


Colar de Carolina é uma composição extremamente musical, com jogos de palavras e
aliterações (repetição das consoantes C, R, L e N). Por isso, os versos se tornam numa espécie
de trava-línguas.

A beleza da garota parece inspirar a beleza da natureza e vice-versa. No poema, o sujeito


exprime o modo como a menina parece se misturar com os elementos naturais que a
rodeiam.

10. O cavalinho branco

À tarde, o cavalinho branco


está muito cansado:

mas há um pedacinho do campo


onde é sempre feriado.

O cavalo sacode a crina


loura e comprida

e nas verdes ervas atira


sua branca vida.

Seu relincho estremece as raízes


e ele ensina aos ventos

a alegria de sentir livres


seus movimentos.

Trabalhou todo o dia, tanto!


desde a madrugada!

Descansa entre as flores, cavalinho branco,


de crina dourada!

Mais uma vez, os comportamentos dos animais são humanizados na poesia de Cecília
Meireles. No poema em análise, há uma clara proximidade entre os comportamentos dos
humanos e dos animais.

Aqui, o sujeito conta que o cavalo branco passou o dia inteiro trabalhando e por isso está
cansado. Deste modo, o eu-lírico explica ao leitor que o cavalo mereceu o seu período de
descanso.

Com a sensação de dever cumprido, depois de fazer tudo o que precisava, o bicho pode então
descansar. Nestes versos, a autora destaca que precisamos ser produtivos mas também
aprender a relaxar e aproveitar a vida.

11. Leilão de jardim

Quem me compra um jardim com flores?


Borboletas de muitas cores,
lavadeiras e passarinhos,
ovos verdes e azuis nos ninhos?

Quem me compra este caracol?


Quem me compra um raio de sol?
Um lagarto entre o muro e a hera,
uma estátua da Primavera?

Quem me compra este formigueiro?


E este sapo, que é jardineiro?
E a cigarra e a sua canção?
E o grilinho dentro do chão?

(Este é o meu leilão.)

Nesta composição, o sujeito poético parece ser uma criança que brinca, leiloando tudo o que
está à sua volta. Os versos revelam um olhar atento, que vai descrevendo e enumerando os
vários elementos da natureza que enxerga diante de si.

Na visão de um adulto, talvez todas essas coisas sejam banais, insignificantes até, mas aqui são
apresentadas como verdadeiras riquezas. Percebemos, assim, que o eu-lírico encara cada
pedacinho da natureza como se fosse uma obra de arte valiosa.

Escute a versão musicada por Marcelo Bueno, na voz de Julia Bueno:

Leia uma análise completa do Poema Leilão de Jardim, de Cecília Meireles.

12. O Eco

O menino pergunta ao eco


Onde é que ele se esconde.
Mas o eco só responde: Onde? Onde?

O menino também lhe pede:


Eco, vem passear comigo!

Mas não sabe se o eco é amigo


ou inimigo.

Pois só lhe ouve dizer: Migo!

O Eco é um poema muito engraçado que explica a relação de uma criança com o curioso
fenômeno acústico.

Sem entender como a repetição dos sons funciona, o menino fica confuso e fascinado. É como
se, do outro, lado existisse uma voz igual à sua que apenas repete o final das suas frases.
A composição ilustra a infância como um tempo em que o mundo parece cheio de magia, um
processo de descoberta no qual elementos cotidianos podem parecer misteriosos ou
fantásticos.

13. Na chácara do Chico Bolacha

Na chácara do Chico Bolacha


o que se procura
nunca se acha!

Quando chove muito,


O Chico brinca de barco,
porque a chácra vira charco.

Quando não chove nada,


Chico trabalha com a enxada
e logo se machuca
e fica de mão inchada.

Por isso, com o Chico Bolacha,


o que se procura
nunca se acha.

Dizem que a chácara do Chico


só tem mesmo chuchu
e um cachorrinho coxo
que se chama Caxambu.

Outras coisas, ninguém procura,


porque não acha.

Coitado do Chico Bolacha!

Outro poema que brinca com as palavras e suas sonoridades, Na chácara do Chico


Bolacha fala sobre um lugar onde tudo é meio esquisito.

Além das rimas, a composição também conquista os pequenos porque chama atenção para a
existência de palavras semelhantes com significados diferentes (por exemplo, "enxada" e
"inchada").

14. O lagarto medroso

O lagarto parece uma folha


verde e amarela.
E reside entre as folhas, o tanque
e a escada de pedra.
De repente sai da folhagem,
depressa, depressa
olha o sol, mira as nuvens e corre
por cima da pedra.
Bebe o sol, bebe o dia parado,
sua forma tão quieta,
não se sabe se é bicho, se é folha
caída na pedra.
Quando alguém se aproxima,

— oh! Que sombra é aquela? —


o lagarto logo se esconde
entre folhas e pedra.

Mas, no abrigo, levanta a cabeça


assustada e esperta:
que gigantes são esses que passam
pela escada de pedra?
Assim vive, cheio de medo,
intimidado e alerta,
o lagarto (de que todos gostam)
entre as folhas, o tanque e a pedra.

Cuidadoso e curioso,
o lagarto observa.
E não vê que os gigantes sorriem
para ele, da pedra.
Assim vive, cheio de medo,
intimidado e alerta,
o lagarto (de que todos gostam)
entre as folhas, o tanque e a pedra.

Neste poema infantil, Cecília Meireles se foca novamente na natureza, desta vez em um
lagarto.

Observando o seu comportamento e sua própria fisiologia, o sujeito poético reflete acerca da
capacidade de camuflagem que o bicho usa para se proteger.

O eu-lírico acha que o animal é medroso porque teima em se esconder, apesar de todos
gostarem dele. Esta parece ser uma metáfora importante para todos nós: não podemos viver
com medo do mundo.

15. Tanta tinta

Ah! Menina tonta,


toda suja de tinta
mal o sol desponta!

(Sentou-se na ponte,
muito desatenta…
E agora se espanta:
Quem é que a ponte pinta
com tanta tinta?…)

A ponte aponta
e se desaponta.
A tontinha tenta
limpar a tinta,
ponto por ponto
e pinta por pinta…
Ah! A menina tonta!
Não viu a tinta da ponte!

Este é um daqueles poemas da autora que ganham vida quando são lidos em voz alta. Repleto
de rimas e aliterações (com a repetição das consoantes "t" e "p"), Tanta tinta vira uma espécie
de trava-línguas que estimula o lado lúdico da poesia.

Confira a maravilhosa leitura do ator Paulo Autran:

16. Pregão do vendedor de lima

Lima rima
pela rama
lima rima
pelo aroma.

O rumo é que leva o remo.


O remo é que leva a rima.

O ramo é que leva o aroma


porém o aroma é da lima.

É da lima o aroma
a aromar?

É da lima-lima
lima da limeira
do auro da lima
o aroma de ouro
do ar!

Como a poesia pode ser inspirada por qualquer coisa, desta vez o mote foi um vendedor de
limas e o seu pregão.

Como se o sujeito poético fosse o próprio vendedor, ele começa a rimar acerca dos frutos,
criando jogos de palavras.

17. O vestido de Laura


O vestido de Laura
é de três babados,
todos bordados.

O primeiro, todinho,
todinho de flores
de muitas cores.

No segundo, apenas
borboletas voando,
num fino bando.

O terceiro, estrelas,
estrelas de renda
– talvez de lenda…

O vestido de Laura
vamos ver agora,
sem mais demora!

Que as estrelas passam,


borboletas, flores
perdem suas cores.
Se não formos depressa,
acabou-se o vestido
todo bordado e florido!

Embora fale de algo simples, como o vestido de uma menina, este poema tem um tema
bastante complexo: a passagem do tempo.

Depois de descrever e elogiar a roupa de Laura, que parece mágica (composta por borboletas
e estrelas), o sujeito convida os leitores a observá-la.

Ele nos alerta que tudo, mesmo o que é belo, é efêmero e precisamos aproveitá-lo enquanto
podemos.

18. Canção da flor de pimenta

A flor da pimenta é uma pequena estrela,


fina e branca,
a flor da pimenta.

Frutinhas de fogo vêm depois da festa


das estrelas.
Frutinhas de fogo.

Uns coraçõezinhos roxas, áureos, rubras,


muito ardentes.
Uns coraçõezinhos.
E as pequenas flores tão sem firmamento
jazem longe.
As pequenas flores…

Mudaram-se em farpas, sementes de fogo


tão pungentes!
Mudaram-se em farpas.

Novas se abrirão,
leves,
brancas,
puras,
deste fogo,
muitas estrelinhas…

Esta é um composição singela que se foca numa coisa aparentemente banal: uma flor de
pimenta. Os versos descrevem a flor, falando do seu formato e da sua coloração.

A composição também acompanha o ciclo de vida da planta, falando do momento em que os


frutos (as pimentas) nascem e também de quando as folhas caem.

Retrato de uma flor de


pimenta.

19. A avó do menino

A avó
vive só.
Na casa da avó
o galo liró
faz "cocorocó!"
A avó bate pão-de-ló
E anda um vento-t-o-tó
Na cortina de filó.
A avó
vive só.
Mas se o neto meninó
Mas se o neto Ricardó
Mas se o neto travessó
Vai à casa da avó,
Os dois jogam dominó.

O poema fala sobre a família, mais concretamente a relação entre um garoto e a sua avó. O
sujeito poético repete que a velhinha vive só e tem a sua rotina, mas se alegra com as visitas
do neto.

É interessante reparar que todos os versos acabam em "ó", com a última letra acentuada,
como se ecoassem o canto do galo.

20. A Língua de Nhem

Havia uma velhinha


que andava aborrecida
pois dava a sua vida
para falar com alguém.

E estava sempre em casa


a boa velhinha
resmungando sozinha:
nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem...

O gato que dormia


no canto da cozinha
escutando a velhinha,
principiou também

a miar nessa língua


e se ela resmungava,
o gatinho a acompanhava:
nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem...

Depois veio o cachorro


da casa da vizinha,
pato, cabra e galinha
de cá, de lá, de além,

e todos aprenderam
a falar noite e dia
naquela melodia
nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem...

De modo que a velhinha


que muito padecia
por não ter companhia
nem falar com ninguém,
ficou toda contente,
pois mal a boca abria
tudo lhe respondia:
nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem...

Mais uma vez, Cecília Meireles usa um poema infantil para falar da solidão das pessoas mais
idosas. A velhinha vivia se lamentando por estar solitária, como se falasse sua própria
linguagem.

Aos poucos, os animais da vizinhança começaram a se aproximar, passando a ficar do seu lado.
A composição sublinha o modo como os bichinhos nos fazem companhia e parecem entender
o que falamos.

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