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Nome: Juliana Rodrigues Alves Costa

DRE: 118061370
Habilitação: Letras: Português/Literatura
Disciplina: Poesia Brasileira II
Professora: Anélia Montechiari Pietrani

A ROSA, SEUS MOTIVOS E A POÉTICA DE CECÍLIA MEIRELES

Quando se fala da poesia de Cecília Meireles, análises de diversos críticos


culminam com a simplificação de suas obras à mera transposição metafísica de seus
versos. Conforme esclarece Alfredo Bosi, em “Em torno da poesia de Cecília Meireles”,
contudo, reduzir o ideário poético de autora modernista a uma mera concepção
simbolista, devido à clara difusão do etéreo em sua poesia, seria menosprezar a
potencialidade da poética ciciliana. Com base nessa concepção, e na tentativa, pois, de
reduzir os ruídos que minimizam a expressão poética de Cecília Meireles, esse trabalho
tem por função analisar os cinco “Motivos da rosa”, poemas inseridos em “Mar
Absoluto” (1945), e demonstrar como a construção metafórica da rosa, presente em
todos os textos, corrobora para definir o ideal da poesia da autora.

Embora seja evidente a potência lírica, musical e simbólica presente na poesia de


Cecília Meireles, elemento esse que, como antes dito, intensifica a simplificação de sua
obra à estética simbolista, as nuances que perpassam o fazer poético da autora são
várias, algo que se faz notar a partir da forma como ela escolhe desenvolver a temática
presente nos “Motivos da rosa”. No desenrolar desse conjunto de poemas, Cecília
Meireles lança mão da característica mais pujante de sua poesia: o que ela mesma
define, e Alfredo Bosi ratifica, como “uma certa ausência de mundo”. A temática
derradeira por trás do desenvolvimento linear dos “Motivos da rosa” é a própria
transitoriedade da vida, por meio da qual a efemeridade das coisas faz-se notar na
metáfora – extremamente simbólica – da rosa.

É interessante analisar, no primeiro momento, o elemento ecopoético sempre


presente no fazer poético de Cecília Meireles. Como esclarece Anélia Pietrani, em “A
palavra ecopoética em Cecília Meireles”, toda abordagem etérea que perpassa a lírica da
poeta encontra morada em uma reflexão existencial profunda. No caso dos cinco
poemas que formam os “Motivos da rosa”, é fácil perceber que a dinâmica reflexiva – a
saber, a transitoriedade e fugacidade do tempo e, consequentemente, da vida – associa-
se à figura da rosa como forma de validar tal visão e, assim, estendê-la a uma reflexão
sobre a brevidade da existência humana. A partir dessa concepção, cabe a análise
individual de cada um dos poemas para, ao fim, abordar os elementos em comum que
apresentam e entender para que fim caminha o todo preconizado por essa sequência
textual.

Vejo-te em seda e nácar,


e tão de orvalho trêmula,
que penso ver, efêmera,
toda a Beleza em lágrimas
por ser bela e ser frágil.

Meus olhos te ofereço:


espelho para a face
que terás, no meu verso,
quando, depois que passes,
jamais ninguém te esqueça.

Então, de seda e nácar,


toda de orvalho trêmula,
serás eterna. E efêmero
o rosto meu, nas lágrimas
do teu orvalho... E frágil.

Em “Primeiro motivo da rosa”, o eu lírico dirige-se a um interlocutor específico:


a rosa. A partir de versos construídos com seis sílabas poéticas, essa voz que canta a
poesia de Cecília Meireles tem o seu primeiro momento de aproximação com relação à
rosa e declara querer eternizá-la, por meio de seus versos, ao constatar que esse
elemento da natureza é frágil e sua vida, portanto, efêmera. O interessante de se
observar, entretanto, é que, embora reconhecida pela constante musicalidade de seus
versos, nesse poema em especial, Cecília Meireles não lança mão da construção de
rimas para auxiliar o andamento rítmico de sua poesia, mas sim de algumas estruturas
em paralelismo – como se nota na repetição de “seda e nácar,/ e tão de orvalho trêmula”
nas primeira e terceira estrofes – e da aliteração em “t”, presente em “e tão de orvalho
trêmula”.
É interessante constatar, contudo, que a metáfora da brevidade da vida da rosa
caminha, de igual modo, para a simbologia da beleza – grifada textualmente com letra
maiúscula, inclusive, para confirmar a metonímia do ideal de formosura associada a
esse elemento. O que se percebe, nesse processo, é que a escolha lexical do eu lírico
conversa diretamente com a imagem de delicadeza e beleza associada à rosa –
evidenciada não apenas pela referência textual à “Beleza”, grifada por letra maiúscula
por ser a representação do ideal em questão, mas também aos vocábulos “seda” e
“nácar”. É nesse sentido que o eu lírico decide, então, oferecer-se para eternizar a rosa
não apenas através de seus olhos, mas também a partir de seus versos para que ninguém
esqueça a graciosidade da flor. Nota-se, assim, o primeiro momento em que a voz
poética constata a brevidade da vida metamorfoseada na figura da rosa, algo que, em
seguida, será relacionado à própria existência humana – que passa a ser entendida como
frágil e passageira.

É possível compreender, então, que, conforme esclarece Alfredo Bosi, em “Em


torno da poesia de Cecília Meireles”, há muito da presença dos dois polos principais da
poética da modernista: o outro e o eu. No caso, todavia, esse outro, metaforizado na
figura da rosa, permite que eu lírico reflita sobre sua própria existência ao contemplar,
pois, a partir da simbologia desse elemento da natureza, a transitoriedade da vida e a
inevitabilidade do destino. Ao chegar a essas constatações, porém, o eu poético
transforma o deslumbramento diante da beleza da rosa em eternidade ao propor
eternizá-la da maneira que lhe é possível – a partir de sua poesia, portanto. Conclui-se,
desse modo, que o “Primeiro motivo da rosa” é o primeiro passo em direção à
aproximação entre o eu lírico e a rosa – e, consequentemente, o primeiro momento de
uma espécie de processo de alteridade. É por meio desse procedimento que a voz
poética, consternada pela brevidade da vida da rosa, consegue enxergar-se na mesma
condição: sua própria vida é, tal qual a da rosa, efêmera, breve e frágil. É ao eternizar a
rosa em sua poesia, portanto, que o eu lírico pode, de igual forma, eternizar-se.

Por mais que te celebre, não me escutas,


embora em forma e nácar te assemelhes
à concha soante, à musical orelha
que grava o mar nas íntimas volutas.

Deponho-te em cristal, defronte a espelho,


sem eco de cisternas ou de grutas...
Ausências e cegueiras absolutas
ofereces às vespas e às abelhas.

e a quem te adora, ó surda e silenciosa,


e cega e bela e interminável rosa,
que em tempo e aroma e verso te transmutas!

Sem terra nem estrelas brilhas, presa


a meu sonho, insensível à beleza
que és e não sabes, porque não me escutas...

Em “Segundo motivo da rosa”, por outro lado, o que se faz presente é, ao


contrário de “Primeiro motivo da rosa”, um processo de distanciamento da rosa com
relação ao eu lírico, o que revela certa frustração por parte da voz poética em questão.
Assim, o eu lírico queixa-se, claramente, sobre a surdez da rosa, uma figura para o
afastamento entre eles, mesmo diante da celebração que ofereceu a ela através de sua
poesia – responsável por eternizar a flor –, demonstrando, de forma clara, pela primeira
vez, as temáticas constantes do distanciamento com relação às coisas do mundo e da
ausência na presença nas quais se pauta a poética de Cecília Meireles. O interessante de
ser observado, entretanto, é que, no caso desse poema, a estrutura escolhida pela autora
– o uso de soneto aliado a versos heroicos e alexandrinos e à estrutura de cavalgamento
– conversa com as tradições mais clássicas da literatura da mesma maneira que o fazem
as rimas ricas presentes no poema. Nesse ponto, portanto, podemos entender a opção
pelo clássico, realizada pela poeta, como uma forma de associar a metáfora alavancada
pela figura da rosa – a questão da beleza que se faz fugaz – àquilo que a tradição
literária considera como o mais sublime; as formas clássicas e eruditas da poesia, tão
associadas ao belo, corroboram, pois, a beleza da rosa. Por esse motivo, não há forma
melhor para cantar esse elemento ecopoético. Por essa razão também, essa escolha
valida, de igual modo, a postura distanciada da rosa: embora tão valorizada pelos
acadêmicos, assim como ocorre com a rosa nesse poema, as formas mais clássicas da
literatura são de difícil acesso.

Nesse motivo, portanto, a rosa é transformada em uma espécie de ideal de beleza


inalcançável que, embora desejado por muitos – já que não só o poeta, mas também
abelhas e vespas a cobiçam –, faz-se ausente em sua presença sublime e única, razão
pela qual o eu lírico decide eternizá-la em seu primeiro motivo. Assim, ao apresentar
uma rosa distanciada, devido ao fato de estar retirada de seu locus amoenus, a natureza,
o eu lírico demonstra que, em verdade, espera certa reciprocidade da flor. É ele,
portanto, em “Segundo motivo da rosa”, quem precisa que a rosa lhe dê algo em troca
da eternização que propôs a ela em “Primeiro motivo da rosa”: a voz poética espera que
a rosa oferte sua beleza, mas o que ganha, em contrapartida, é a indiferença de uma flor
que se apresenta cega, surda e muda – uma imagem sinestésica que potencializa a
construção poética de impassibilidade da rosa diante de qualquer coisa. Dessa forma,
nota-se que é o próprio eu poético que, por um processo de identificação com a rosa,
fruto da constatação da brevidade da vida que compartilham, em “Primeiro motivo da
rosa”, precisa desesperadamente cantar a flor a fim de não apenas eternizá-la em seus
versos, mas também de eternizar-se por meio da performance poética.

O que se conclui, portanto, é que a antítese da presença que se faz ausente


corrobora com a definição de Cecília Meireles acerca de sua poesia. Isso porque, ao
entender que seu fazer poético apresenta “uma certa ausência de mundo”, a autora,
conforme esclarece Alfredo Bosi, em “Em torno da poesia de Cecília Meireles”, valida
uma postura de distanciamento com relação ao mundo; aqui, entendido como a
conjuntura de experiências vivenciadas pelo eu lírico. Essas experiências não ocorrem
no nível cronológico, segundo o crítico, mas são espécies de abstrações que contribuem
para a construção da personalidade da voz poética. É importante, contudo, entender que
esse distanciamento não significa necessariamente uma ausência plena, pois todas as
experiências são carregadas pelo eu lírico, ao longo da jornada breve de sua vida, a
partir do momento em que subsistem em sua memória como uma espécie de
aprendizado e constituem, pois, uma espécie de processo metapoético por meio do qual
o eu lírico consegue evocar suas memórias – e, portanto, o passado – de modo a
construir uma abordagem mais imaterial e espiritual a partir de uma memória que só é
acessada pelo ato performativo da poesia no presente. Assim, a rosa, em “Segundo
motivo da rosa”, conversa, da forma mais direta possível, com esse ideal antitético da
poética ciciliana: é a própria metáfora do fazer poético da autora, é a presença da
efemeridade da vida eternizada em linhas etéreas e eternas.

Se Omar chegasse
esta manhã,
como veria a tua face,
Omar Khayyam,
tu, que és de vinho
e de romã,
e, por orvalho e por espinho,
aço de espada e Aldebarã?

Se Omar te visse
esta manhã,
talvez sorvesse com meiguice
teu cheiro de mel e maçã.
Talvez em suas mãos morenas
te tomasse, e dissesse apenas:
“É curta a vida, minha irmã”.

Mas por onde anda a sombra antiga


do amargo astrônomo do Irã?

Por isso, deixo esta cantiga


- tempo de mim, asa de abelha -
na tua carne eterna e vã,
rosa vermelha!

Para que vivas, porque és linda,


e contigo respire ainda
Omar Khayyam.

Em “Terceiro motivo da rosa”, no entanto, todo o distanciamento entre a rosa e o


eu lírico parece ser desfeito pela chegada de um novo elmento, Omar Khayyam. É esse
terceiro elemento da conjuntura poética que permite que o eu lírico possa, enfim,
alcançar a rosa – reverenciada em “Primeiro motivo da rosa” e distanciada em
“Segundo motivo da rosa”. Aqui, faz-se mister analisar que ocorre a construção de uma
poesia em muito associada aos ideais modernistas: a estruturação escolhida por Cecília
Meireles conversa com a estética dos heroicos modernistas da primeira fase quando se
estrutura a partir de uma irregularidade métrica, alcançada pelo uso de versos livres, e
pelo abandono da estrofação regular. Entende-se, pois, que, ao optar por uma estrutura
poética menos clássica, a autora pode estar tentando indicar um novo movimento de
aproximação entre o eu lírico e a rosa. Isso porque a estética modernista conversa
diretamente com a tentativa de melhor alcançar o povo brasileiro a partir de estruturas
poéticas de mais fácil acesso – motivo pelo qual, segundo os primeiros autores do
Modernismo brasileiro, o povo ver-se-ia mais bem retratado na poesia da época. A
poeta opta, desse modo, por essa construção a fim de demonstrar a aproximação entre os
dois polos poéticos: o outro e o eu. Diante disso, entende-se que não apenas a estrutura
poética, mas também a presença de Omar Khayyam é a responsável por aproximar,
mais uma vez, a rosa e o eu poético.

O que se observa, portanto, é que, se, anteriormente, a rosa era a representação


de um ideal de beleza inalcançável e, consequentemente, intocável, em “Terceiro
motivo da rosa”, o toque torna-se possível a partir da plena identificação entre a figura
da flor e de Omar Khayyam. É esse homem, inclusive, que enxerga a rosa como uma
igual ao se referir a ela como “irmã”; não somente a brevidade da vida os aproximam
agora, como também a presença tátil do contato que se estabelece entre esses dois
elementos. Rosa e Omar Khayyam são iguais: o homem é a personificação da rosa, a
rosa é a metáfora do homem. Aqui, nota-se que a relação, que, antes, era plenamente
construída a partir dos sentidos da visão, do olfato e do paladar, ganha contornos mais
intensos – e, de certa forma, erotizados – pela introdução do sentido do tato e, assim,
logra o status de transmutação plena do “eu” no “outro”.

Interessante frisar, todavia, que Omar Khayyam, nesse poema, é uma metonímia
para o próprio eu lírico – o poeta que, em “Primeiro motivo da rosa”, propõe-se a cantá-
la com o claro objetivo de eternizá-la devido à brevidade de sua vida. Toda essa análise
só se faz possível a partir da depreensão de que Omar Khayyam foi um poeta,
matemático e astrônomo persa que escreveu o livro de poesias “Rubaiyat”, cujas
temáticas principais são a existência humana, a brevidade da vida, o êxtase e o amor. É
por essa razão, então, que se torna possível o contato entre a rosa, de existência efêmera
e fugaz, e o poeta persa: foi ele quem cantou tudo o que, por essência, tinha vida em
brevidade, foi ele quem cantou o amor, a beleza e a complexidade da existência humana
tão passageira – aqui, metaforizados na figura da rosa. Nada melhor, pois, que seja
Omar Khayyam a alcançar a beleza inquestionável da rosa ao tomá-la em suas mãos
morenas para, assim, dar-lhe vida. É nesse momento, aliás, que a rosa deixa de ser
descrita de uma forma mais delicada, como demonstrado nas referências à seda e ao
nácar, nos primeiros “Motivos da rosa”, e passa a ser associada ao vinho e à romã,
elementos que ratificam, até mesmo, uma leitura mais erótica da flor – esse objeto do
desejo fremente do eu lírico, esse instrumento de certa luxúria. O que se faz notar, com
isso, é que o processo de alteridade, tão latente em “Primeiro motivo da rosa”, dá lugar
à identificação plena entre rosa e poeta – metonimizado na figura de Omar Khayyam: a
rosa, assim como Omar Khayyam, seu irmão em brevidade de vida, está agora
eternizada por meio da performance poética dos versos escritos e, por isso, agora, viverá
para sempre na memória do povo.

Não te aflijas com a pétala que voa:


também é ser, deixar de ser assim.

Rosas verá, só de cinzas franzida,


mortas, intactas pelo teu jardim.

Eu deixo aroma até nos meus espinhos


ao longe, o vento vai falando de mim.

E por perder-me é que vão me lembrando,


por desfolhar-me é que não tenho fim.

Em “Quarto motivo da rosa”, o leitor se depara com um novo eu lírico cantando


os versos: a rosa, pela primeira vez, toma voz dentro da poesia e decide, então, dirigir-se
ao antigo eu poético como forma de acalentá-lo pela inevitabilidade de seu destino. Por
meio de quatro estrofes, construídas por dois versos apenas, que se alternam entre dez e
doze sílabas poéticas, a rosa defende sua tese e, consequentemente, o ideal da poética
ciciliana: a ausência pode, sim, configurar presença, a brevidade pode, sim, configurar
eternidade. Prova disso é que a própria rosa, esclarece ao fim do poema, que é na perda
de si mesma que ela não encontra um fim, pois é constantemente lembrada e cantada.
Assim, ao trazer à tona um novo ideal de existência, presente na ausência, como se
observa no verso construído a partir de uma antítese “também é ser, deixar de ser
assim.”, da primeira estrofe, a flor apresenta ao seu interlocutor, o poeta, um novo ideal
de beleza: aquele que se encontra presente na ausência do fugaz.

Na segunda estrofe, bem como na primeira, a rosa apresenta a ideia de que seu
fim é inevitável; por outro lado, reafirma a tese de que existência e beleza, embora
breves, perdurarão de outra forma. Em seguida, com as terceira e quarta estrofes, a flor
passa a referir-se à brevidade de sua própria vida: todos são mortais, é claro, mas cabe a
ela dar voz à sua própria existência. Por meio da constante antítese presença versus
ausência, a rosa discorre sobre a inevitável morte da beleza, o que se estende para uma
reflexão intensa acerca da brevidade da vida. A beleza, assim como a vida, é passageira,
mas pode, sem dúvidas, eternizar-se de uma outra maneira: através da sabedoria, da
essência e da voz da flor, representados pela referência ao aroma, que permitem que seu
nome esteja para sempre cravado na experiência do poeta e daqueles que
compartilharam de sua breve, porém única, existência.

Assim, por meio de uma construção rítmica que se faz pela rima entre os últimos
versos de cada estrofe, a voz, agora da rosa, tenta acalentar o poeta ao mostrar que
ausência e presença são a linha tênue da existência de um ser. É na morte que se
encontra a vida. É na perda que se ganha o mundo – aqui, entendido como experiências
de vida. É, portanto, o inevitável destino da rosa – a saber, a morte – que a fará
permanecer para sempre na memória do poeta: incólume, única e potente.

Antes do teu olhar, não era,


nem será depois, - primavera.
Pois vivemos do que perdura,

não do que fomos. Desse acaso


do que foi visto e amado: - o prazo
do Criador na criatura...

Não sou eu, mas sim o perfume


que em ti me conserva e resume
o resto, que as horas consomem.

Mas não chores, que no meu dia,


há mais sonho e sabedoria
que nos vagos séculos do homem.

No “Quinto motivo da rosa”, último poema dessa coletânea, confirma-se a


temática central de todos os “Motivos da rosa”: a fugacidade da vida e da beleza. Nele,
contudo, mais uma vez, é a rosa quem se dirige ao eu lírico dos “Primeiro motivo da
rosa” e “Segundo motivo da rosa” a fim de consolidar sua visão de mundo e, de igual
modo, consolá-lo acerca da brevidade da vida e da inevitabilidade do destino.
Estruturado em estrofes com três versos, que tendem ao uso de seis, sete ou oito sílabas
poéticas, o poema de Cecília Meireles apresenta uma estrutura de rima extremamente
interessante: a poeta escolhe rimar os dois primeiros versos de cada estrofe enquanto os
últimos rimam entre si. Assim com a temática central da brevidade da vida, “perdura”
rima com “criatura” e “consomem” rima com “homem” em uma potencialidade que
denota a preciosidade da poética ciciliana dado o uso de rimas ricas. Mais que isso,
entretanto, mais uma vez, a flor começa a construção de seus argumentos referindo-se à
brevidade da vida de toda e qualquer criatura para, em seguida, voltar os olhos para suas
próprias questões, igualando poeta e palavra ecopoética em um mesmo patamar. Tudo é
breve, passageiro e efêmero, mas, de igual modo, perdura no campo da memória; eis o
paradoxo da vida etérea e eterna.

Nas duas primeiras estrofes, pois, a flor aclara ao poeta que sua visão estava
equivocada, pois, ao focar apenas na beleza e, por consequência, entender a rosa como
metáfora desse ideal tão almejado, ele não percebe que não está dando importância ao
que realmente interessa: a essência da rosa. O poeta, ao fixar-se em cantar a beleza
finita da rosa, não percebe que há uma essência perene dentro da flor. Ele entende que
há um espelho que os coloca no mesmo patamar, afinal a vida de ambos é breve, e o
destino inevitável, mas não percebe que o que vai permanecer na eternidade é o que
fundamenta o “ser” de cada um. Embora veja “o prazo do criador na criatura”, o poeta
não consegue, pois, compreender que a existência é mais que o que transborda na
aparência. É dessa forma, aliás, que a rosa encaminha sua mais profunda constatação,
alcançada nas duas últimas estrofes: o que deve permanecer, quando o poeta cantá-la,
não é sua beleza, frágil e passageira, mas, sim, sabedoria e essência perpétuas e
incessantes da rosa.

Por fim, aproveita para, outra vez, acalentar o coração do poeta que lhe quis
eternizar e aproveita o ensejo para cutucar fundo a ferida aberta ao dizer que, em sua
vida, há mais sabedoria e sonhos do que na de qualquer homem. A flor, então, nesse que
é o último de seus motivos, mostra que somos incapazes de alterar o destino feroz e
implacável; pode-se, contudo, construir sua vida com base naquilo que se conserva.
Com isso, por meio de uma clara contestação do ímpeto do eu lírico, em “Primeiro
motivo da rosa” e “Segundo motivo da rosa”, ao querê-la eternizar ao deparar-se com
aquela que é a metáfora da beleza, a rosa demonstra ser, em verdade, a metáfora para os
questionamentos existenciais humanos mais profundos. Essas questões tão intensas e
com raízes tão fundas, que incitam ao homem à inquietude, mas que, de igual forma,
elevam-no ao sublime diante de revelações únicas: somos e não aparentemos, é essa a
dádiva da vida.
Conclui-se, assim, que se apresentam, nos “Motivos da rosa”, ao leitor toda a
possibilidade metafórica de uma rosa que é muito mais imaterial que física apenas. Nos
dois primeiros “Motivos da rosa”, o eu lírico – entendido como um poeta – tenta,
desesperadamente, eternizar a rosa em seus versos por enxergá-la como uma metáfora
para a beleza. Essa rosa, por outro lado, em sua presença instigante, distancia-se cada
vez mais do eu lírico quando este tenta, em vão, alcançá-la, o que corrobora o fazer
poético de Cecília Meireles – a ausência da rosa no mundo do eu lírico é a maior
presença que ela poderia dar ao poeta. O “Terceiro motivo da rosa”, contudo, rompe a
barreira da distância e, por meio de um processo não apenas de alteridade, mas também
de transmutação, o eu lírico consegue, enfim, tocar a rosa. Nesses que são os três
primeiros “Motivos da rosa”, entende-se que a beleza breve da flor permite ao eu lírico
entender sua própria existência como igualmente efêmera. Numa reviravolta
dilacerante, entretanto, a rosa assume a voz poética nos quarto e quinto “Motivos da
rosa” a fim de esclarecer ao poeta que não é seu canto que a eternizará na memória dos
que vivem, mas é, sim, a essência da flor que, assim como a do homem, tem o poder de
permitir que ambos resistam à passagem do tempo e permaneçam, irmãos, nas
experiências daqueles que o admiram.

É dessa maneira, portanto, que Cecília Meireles, em seus “Motivos da rosa”,


constrói, com referência metapoéticas, o ideal mais perfeito de sua poesia: um fazer
poético que, minimizado a uma estética, não se faz pleno, mas elevado à sublimação de
temáticas de questionamento existenciais constitui uma unidade perene na vida de cada
leitor. São, sem dúvida, os versos dessa poeta que emocionam e despertam os leitores
para a vida e, consequentemente, para o entendimento do que é esse mistério visceral
que nos mantém a todos inquietos na ânsia de viver.

BIBLIOGRAFIA:

Os cinco motivos da rosa de Cecília Meireles. Disponível em: <


http://juniverso.blogspot.com/2014/11/os-cinco-motivos-da-rosa-cecilia.html>. Acesso
em: 28.02.2021.

Quem foi Omar Khayyam? Disponível em: <


https://pt.wikipedia.org/wiki/Omar_Caiam>. Acesso em: 28.02.2021.

Rubaiyat. Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Rubaiyat>. Acesso em:


28.02.2021.
PIETRANI, Anélia Montechiari. A palavra ecopoética de Cecília Meireles.
Interdisciplinar, São Cristóvão, UFS, v. 32, p. 99-112, jul-dez. 2019.

BOSI, Alfredo. Céu, inferno: ensaios de crítica literária e ideológica. São Paulo. Duas
Cidades, ed. 34, 2003.

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