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DRE: 118061370
Habilitação: Letras: Português/Literatura
Disciplina: Poesia Brasileira II
Professora: Anélia Montechiari Pietrani
Se Omar chegasse
esta manhã,
como veria a tua face,
Omar Khayyam,
tu, que és de vinho
e de romã,
e, por orvalho e por espinho,
aço de espada e Aldebarã?
Se Omar te visse
esta manhã,
talvez sorvesse com meiguice
teu cheiro de mel e maçã.
Talvez em suas mãos morenas
te tomasse, e dissesse apenas:
“É curta a vida, minha irmã”.
Interessante frisar, todavia, que Omar Khayyam, nesse poema, é uma metonímia
para o próprio eu lírico – o poeta que, em “Primeiro motivo da rosa”, propõe-se a cantá-
la com o claro objetivo de eternizá-la devido à brevidade de sua vida. Toda essa análise
só se faz possível a partir da depreensão de que Omar Khayyam foi um poeta,
matemático e astrônomo persa que escreveu o livro de poesias “Rubaiyat”, cujas
temáticas principais são a existência humana, a brevidade da vida, o êxtase e o amor. É
por essa razão, então, que se torna possível o contato entre a rosa, de existência efêmera
e fugaz, e o poeta persa: foi ele quem cantou tudo o que, por essência, tinha vida em
brevidade, foi ele quem cantou o amor, a beleza e a complexidade da existência humana
tão passageira – aqui, metaforizados na figura da rosa. Nada melhor, pois, que seja
Omar Khayyam a alcançar a beleza inquestionável da rosa ao tomá-la em suas mãos
morenas para, assim, dar-lhe vida. É nesse momento, aliás, que a rosa deixa de ser
descrita de uma forma mais delicada, como demonstrado nas referências à seda e ao
nácar, nos primeiros “Motivos da rosa”, e passa a ser associada ao vinho e à romã,
elementos que ratificam, até mesmo, uma leitura mais erótica da flor – esse objeto do
desejo fremente do eu lírico, esse instrumento de certa luxúria. O que se faz notar, com
isso, é que o processo de alteridade, tão latente em “Primeiro motivo da rosa”, dá lugar
à identificação plena entre rosa e poeta – metonimizado na figura de Omar Khayyam: a
rosa, assim como Omar Khayyam, seu irmão em brevidade de vida, está agora
eternizada por meio da performance poética dos versos escritos e, por isso, agora, viverá
para sempre na memória do povo.
Na segunda estrofe, bem como na primeira, a rosa apresenta a ideia de que seu
fim é inevitável; por outro lado, reafirma a tese de que existência e beleza, embora
breves, perdurarão de outra forma. Em seguida, com as terceira e quarta estrofes, a flor
passa a referir-se à brevidade de sua própria vida: todos são mortais, é claro, mas cabe a
ela dar voz à sua própria existência. Por meio da constante antítese presença versus
ausência, a rosa discorre sobre a inevitável morte da beleza, o que se estende para uma
reflexão intensa acerca da brevidade da vida. A beleza, assim como a vida, é passageira,
mas pode, sem dúvidas, eternizar-se de uma outra maneira: através da sabedoria, da
essência e da voz da flor, representados pela referência ao aroma, que permitem que seu
nome esteja para sempre cravado na experiência do poeta e daqueles que
compartilharam de sua breve, porém única, existência.
Assim, por meio de uma construção rítmica que se faz pela rima entre os últimos
versos de cada estrofe, a voz, agora da rosa, tenta acalentar o poeta ao mostrar que
ausência e presença são a linha tênue da existência de um ser. É na morte que se
encontra a vida. É na perda que se ganha o mundo – aqui, entendido como experiências
de vida. É, portanto, o inevitável destino da rosa – a saber, a morte – que a fará
permanecer para sempre na memória do poeta: incólume, única e potente.
Nas duas primeiras estrofes, pois, a flor aclara ao poeta que sua visão estava
equivocada, pois, ao focar apenas na beleza e, por consequência, entender a rosa como
metáfora desse ideal tão almejado, ele não percebe que não está dando importância ao
que realmente interessa: a essência da rosa. O poeta, ao fixar-se em cantar a beleza
finita da rosa, não percebe que há uma essência perene dentro da flor. Ele entende que
há um espelho que os coloca no mesmo patamar, afinal a vida de ambos é breve, e o
destino inevitável, mas não percebe que o que vai permanecer na eternidade é o que
fundamenta o “ser” de cada um. Embora veja “o prazo do criador na criatura”, o poeta
não consegue, pois, compreender que a existência é mais que o que transborda na
aparência. É dessa forma, aliás, que a rosa encaminha sua mais profunda constatação,
alcançada nas duas últimas estrofes: o que deve permanecer, quando o poeta cantá-la,
não é sua beleza, frágil e passageira, mas, sim, sabedoria e essência perpétuas e
incessantes da rosa.
Por fim, aproveita para, outra vez, acalentar o coração do poeta que lhe quis
eternizar e aproveita o ensejo para cutucar fundo a ferida aberta ao dizer que, em sua
vida, há mais sabedoria e sonhos do que na de qualquer homem. A flor, então, nesse que
é o último de seus motivos, mostra que somos incapazes de alterar o destino feroz e
implacável; pode-se, contudo, construir sua vida com base naquilo que se conserva.
Com isso, por meio de uma clara contestação do ímpeto do eu lírico, em “Primeiro
motivo da rosa” e “Segundo motivo da rosa”, ao querê-la eternizar ao deparar-se com
aquela que é a metáfora da beleza, a rosa demonstra ser, em verdade, a metáfora para os
questionamentos existenciais humanos mais profundos. Essas questões tão intensas e
com raízes tão fundas, que incitam ao homem à inquietude, mas que, de igual forma,
elevam-no ao sublime diante de revelações únicas: somos e não aparentemos, é essa a
dádiva da vida.
Conclui-se, assim, que se apresentam, nos “Motivos da rosa”, ao leitor toda a
possibilidade metafórica de uma rosa que é muito mais imaterial que física apenas. Nos
dois primeiros “Motivos da rosa”, o eu lírico – entendido como um poeta – tenta,
desesperadamente, eternizar a rosa em seus versos por enxergá-la como uma metáfora
para a beleza. Essa rosa, por outro lado, em sua presença instigante, distancia-se cada
vez mais do eu lírico quando este tenta, em vão, alcançá-la, o que corrobora o fazer
poético de Cecília Meireles – a ausência da rosa no mundo do eu lírico é a maior
presença que ela poderia dar ao poeta. O “Terceiro motivo da rosa”, contudo, rompe a
barreira da distância e, por meio de um processo não apenas de alteridade, mas também
de transmutação, o eu lírico consegue, enfim, tocar a rosa. Nesses que são os três
primeiros “Motivos da rosa”, entende-se que a beleza breve da flor permite ao eu lírico
entender sua própria existência como igualmente efêmera. Numa reviravolta
dilacerante, entretanto, a rosa assume a voz poética nos quarto e quinto “Motivos da
rosa” a fim de esclarecer ao poeta que não é seu canto que a eternizará na memória dos
que vivem, mas é, sim, a essência da flor que, assim como a do homem, tem o poder de
permitir que ambos resistam à passagem do tempo e permaneçam, irmãos, nas
experiências daqueles que o admiram.
BIBLIOGRAFIA:
BOSI, Alfredo. Céu, inferno: ensaios de crítica literária e ideológica. São Paulo. Duas
Cidades, ed. 34, 2003.