Você está na página 1de 2

LINGUAGEM, ESTILO E ESTRUTURA

1. Estrutura
• Cesário Verde investe grande cuidado na busca da perfeição formal dos seus poemas. Essa é
uma das razões que levaram alguns estudiosos a aproximar a poesia deste autor da dos poetas
do Parnasianismo (ver glossário).
• Em termos de estrutura estrófica, Cesário recorre frequentemente à quadra, sejam os poemas
longos («O sentimento de um ocidental», «Nós») ou curtos («Sardenta»). Mas o poeta revela
também o seu gosto pela quintilha (estrofe de cinco versos), com que compõe «Cristalizações» ou
«Num bairro moderno»
• Quanto à métrica, a preferência de Cesário incide nos versos alexandrinos (verso de doze sílabas
métricas) e nos decassílabos. Em alguns poemas — como «Cristalizações» ou «O sentimento
dum ocidental» — surgem os dois tipos de verso na mesma estrofe. Os alexandrinos e os
decassílabos são versos mais extensos e permitem ao poeta, de forma mais folgada e distendida,
descrever a cidade e refletir sobre as perceções que dela tem; mas estas são também estruturas
métricas usadas porque permitem criar uma cadência musical.
• As composições poéticas de Cesário recorrem sempre à rima como forma de as organizar
formalmente e de lhes incutir musicalidade. Nos poemas constituídos por quadras, encontramos
rima cruzada (abab) ou interpolada e emparelhada (abba). As quintilhas estruturam-se geralmente
num tradicional e ritmado abaab.

2. Linguagem e estilo
• Cesário Verde inovou a literatura portuguesa, em fins do século XIX, ao trazer para o domínio da
poesia uma nova linguagem, menos retórica e menos elevada. Esta coaduna-se com o tratamento
original e novo de temas antigos (campo, mulher) e modernos (cidade) e com o tipo de arte que o
autor cultivava.
• Uma estranheza imediata que um leitor do século XIX teria sentido ao entrar na poesia de Cesário
Verde emergiria do discurso pouco ornamentado e pouco rebuscado que contrastava com a
retórica pesada e sentimental de alguma lírica romântica. Ao representar a realidade moderna da
segunda metade de Oitocentos, Cesário socorre-se de vocábulos e expressões da vivência
citadina, sobretudo a que se associa ao povo. E a poesia começa a ser frequentada por termos
que até então não tinham aí entrada, como «via-férrea», «varinas», «infeção», «esguedelhada»,
«macadamizada », etc.
• A lírica de Cesário Verde aproxima-se da prosa não apenas pelo seu tom coloquial e
antideclamatório mas também, e como vimos, pelo uso do verso longo — como o decassílabo e o
alexandrino e do encavalgamento.
• Ainda assim, a poesia de Cesário não é despida de recursos expressivos. O poeta cultiva a
comparação e a metáfora, em muitos casos, de forma a propor semelhanças entre aspetos da
cidade (e os seus habitantes) e outros elementos que dão sentido ou criticam: «Semelham-se a
gaiolas, com viveiros / As edificações», «Como morcegos […] Saltam de viga em viga os mestres
carpinteiros», «Que grande cobra, a lúbrica pessoa», «E tem marés, de fel».
• Algumas metáforas têm uma natureza fortemente visual ou pictórica, decorrente do carácter
descritivo desta poesia e de ela ter pontos de contacto com a pintura; muitas destas ocorrências
são mesmo imagens: «homens de carga», «Lançam a nódoa negra e fúnebre do clero».
• Também o recurso à enumeração se associa ao carácter descritivo de alguns poemas de Cesário
Verde («O sentimento dum ocidental», «Num bairro moderno»). Nestas composições, o poeta
elenca elementos do real, em muitos casos de forma justaposta, para depois os analisar ou criticar:
« Cercam-me as lojas […] Com santos e fiéis, andores, ramos, velas.» As enumerações
contribuem para criar o efeito de que o eu poético procura representar a totalidade do real.
• Já a sinestesia (o cruzamento de perceções sensoriais de tipos diferentes) resulta do processo
de captação de sensações para a caracterização da vivência de um lugar: «brancuras quentes»,
«luz macia» (visão e tato). Desta forma se dá conta do modo complexo como alguém experiencia,
por exemplo, a cidade ou a relação com uma mulher.
• Não sendo um recurso muito comum, a hipérbole surge para representar de forma expressiva e
gritante alguns aspetos da cidade: «De prédios sepulcrais, com dimensões de montes, / A Dor
humana busca os amplos horizontes».
• É de forma surpreendente e original que Cesário utiliza os adjetivos, sobretudo quando surgem
antes de nomes ou quando ocorrem em pares ou em grupos de três: «E sujos, sem ladrar, ósseos,
febris, errantes, / Amareladamente, os cães parecem lobos» («O sentimento dum ocidental»). A
sucessão de quatro adjetivos assume uma forte expressividade e representa uma tentativa de
definir com rigor o elemento que caracterizam. Como antecedem o nome, adquirem um significado
que vai para além do seu sentido literal.
• O advérbio é também muito usado de forma surpreendente e, por isso, muito expressiva: «Amo,
insensatamente, os ácidos, os gumes / E os ângulos agudos». Nos versos «E sujos, sem ladrar,
ósseos, febris, errantes, / Amareladamente, os cães parecem lobos», o advérbio traduz
engenhosamente a condição faminta e enferma destes animais que erram pela cidade.
• É de forma muito criteriosa que Cesário seleciona os adjetivos e os advérbios que utiliza. A
subjetividade no uso destas classes de palavras representa, em vários momentos, uma técnica da
pintura impressionista aplicada à literatura. Com o advérbio «amareladamente», a cor ganha
importância e, como numa tela impressionista, o elemento é retratado tal como o observador o
perceciona e nas condições (de visibilidade, do clima) que o rodeiam. Vejamos outros exemplos
do uso da técnica impressionista: «Mas, todo púrpuro a sair da renda / […] O ramalhete rubro de
papoulas» («De tarde»), e «Mas, depois duns dias de aguaceiros, / Vibra uma imensa claridade
crua.» («Cristalizações»).
• A aproximação entre a poesia e a pintura afirma-se também pelo facto de Cesário explorar uma
linguagem plástica, com um forte apelo visual, e cultivar o recurso expressivo da imagem com um
acentuado valor simbólico: « Cercam-me as lojas, tépidas. Eu penso / Ver círios laterais, ver filas
de capelas.» («O sentimento dum ocidental») Ao observar uma realidade (a rua iluminada pelas
lojas), a imaginação leva-o a conceber uma outra cena (as capelas, lado a lado, iluminadas): é
claro que esta justaposição de elementos convida a uma relação crítica entre ambos.

Você também pode gostar