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11.

FIGURAS DE ESTILO (função)

O poeta cultiva a comparação e a metáfora, em muitos casos, de forma a propor


semelhanças
entre aspetos da cidade (e os seus habitantes) e outros elementos que dão sentido
ou
criticam: «Semelham-se a gaiolas, com viveiros / As edificações», «Como morcegos
[…] Saltam

de viga em viga os mestres carpinteiros», «Que grande cobra, a lúbrica pessoa», «E


tem marés,
de fel». • Algumas metáforas têm uma natureza fortemente visual ou pictórica,
decorrente do
carácter descritivo desta poesia e de ela ter pontos de contacto com a pintura;
muitas destas
ocorrências são mesmo imagens: «homens de carga», «Lançam a nódoa negra e fúnebre
do
clero». •

Também o recurso à enumeração se associa ao carácter descritivo de alguns poemas de


Cesário Verde («O sentimento dum ocidental», «Num bairro moderno»). Nestas
composições,
o poeta elenca elementos do real, em muitos casos de forma justaposta, para depois
os
analisar ou criticar: « Cercam-me as lojas […] Com santos e fiéis, andores, ramos,
velas.» As
enumerações contribuem para criar o efeito de que o eu poético procura representar
a
totalidade do real.

Já a sinestesia (o cruzamento de perceções sensoriais de tipos diferentes) resulta


do processo
de captação de sensações para a caracterização da vivência de um lugar: «brancuras
quentes»,
«luz macia» (visão e tato). Desta forma se dá conta do modo complexo como alguém
experiencia, por exemplo, a cidade.

Não sendo um recurso muito comum, a hipérbole surge para representar de forma
expressiva
e gritante alguns aspetos da cidade: «De prédios sepulcrais, com dimensões de
montes, / A
Dor humana busca os amplos horizontes».

É de forma surpreendente e original que Cesário utiliza os adjetivos, sobretudo


quando
surgem antes de nomes ou quando ocorrem em pares ou em grupos de três: «E sujos,
sem
ladrar, ósseos, febris, errantes, / Amareladamente, os cães parecem lobos» («O
sentimento
dum ocidental»). A sucessão de quatro adjetivos assume uma forte expressividade e
representa uma tentativa de definir com rigor o elemento que caracterizam. Como
antecedem
o nome, adquirem um significado que vai para além do seu sentido literal.

O advérbio é também muito usado de forma surpreendente e, por isso, muito


expressiva:
«Amo, insensatamente, os ácidos, os gumes / E os ângulos agudos». Nos versos «E
sujos, sem
ladrar, ósseos, febris, errantes, / Amareladamente, os cães parecem lobos», o
advérbio traduz
engenhosamente a condição faminta e enferma destes animais que erram pela cidade. É
de
forma muito criteriosa que Cesário seleciona os adjetivos e os advérbios que
utiliza. A
subjetividade no uso destas classes de palavras representa, em vários momentos, uma
técnica
da pintura impressionista aplicada à literatura. Com o advérbio «amareladamente», a
cor
ganha importância e, como numa tela impressionista, o elemento é retratado tal como
o
observador o perceciona e nas condições (de visibilidade, do clima) que o rodeiam.
Vejamos
outros exemplos do uso da técnica impressionista: «Mas, todo púrpuro a sair da
renda / […] O
ramalhete rubro de papoulas» («De tarde»), e «Mas, depois duns dias de
aguaceiros, / Vibra
uma imensa claridade crua.» («Cristalizações»). A aproximação entre a poesia e a
pintura
afirma-se também pelo facto de Cesário explorar uma linguagem plástica, com um
forte apelo
visual, e cultivar o recurso expressivo da imagem com um acentuado valor simbólico:
«

Cercam-me as lojas, tépidas. Eu penso / Ver círios laterais, ver filas de capelas.»
(«O sentimento dum ocidental») Ao observar uma realidade (a rua iluminada pelas
lojas), a
imaginação leva-o a conceber uma outra cena (as capelas, lado a lado, iluminadas):
é claro que
esta justaposição de elementos convida a uma relação crítica entre ambos.

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