Você está na página 1de 6

3

1. Introdução

Neste trabalho discorreremos e analisaremos a linguagem utilizada nas peças


trágicas gregas, relacionando o gênero ao seu contexto histórico. Buscamos
entender de que modo a linguagem, estrutura e outros elementos presentes no
gênero tem como influência o tempo em que foram produzidos e como as questões
presentes nessas obras refletem o pensamento vigente, valores e questionamentos
dos gregos.

2. Desenvolvimento

2.1 Origem e função

Como ponto de partida devemos entender que a tragédia estava muito ligada
à religião, pois fazia parte do culto à Dionísio nas festas dionísias urbanas. Não se
sabe ao certo quando ou quem produziu a primeira obra trágica, porém se atribui à
Téspio entre 536 e 533 em uma festa dionísia (ROMILLY, 1998, pág. 14-15). Romilly
ainda escreve que as festas dionisíacas eram festas nacionais, motivo pelo qual
eram financiadas pelo Estado, nos mostrando que seu princípio estava associado à
atividades cívicas. Logo, seu público era constituído por cidadãos gregos, e
consequentemente as peças eram voltadas para este público.
Com o significado da palavra tragédia sendo "o canto do bode", temos
hipóteses que giram em torno de onde o bode se encaixava na tragédia. Se
destacam duas hipóteses mais aceitáveis: o bode era oferecido como prêmio, ou
eram os sacrifícios. Porém, Romilly aponta uma dificuldade nestas hipóteses, em
que "o culto a Dioniso aparece muito mais ligado aos cabritos que e às coças que ao
nosso infeliz bode" (1998, p.18).

2.2 Temas
4

De acordo com Louis Gernet, filósofo e autor do livro "Antropologia de la


Grecia Antiga", o pensamento social da cidade é a essência da tragédia. Louis
Gernet, estudando minuciosamente cada obra trágica grega e sua linguagem,
chegou a conclusão de que a recorrência de temas jurídicos em obras trágicas e o
constante linguajar técnico jurídico reforçam a afinidade dos gregos dessa época
com o tema. Porém, essa constante presença de temas jurídicos se dão não
somente como fundo, como algo estável e nunca questionado, os autores de
tragédia buscam sempre apontar os conflitos, refletir sobre a moral e como essa não
é uma só, e muda dependendo da instância que se dê e é julgado numa balança
entre as leis do mundo e a justiça de Zeus.
A tragédia tem como tema além de questões jurídicas, a “Diké”. Diké, Dice ou
até Astreia, é uma deusa grega, filha de Zeus e Têmis, era a personificação da
justiça e representava também o julgamento, como quem sempre busca a aplicação
da justiça, ela vigiava os que violavam a lei e apontava para Zeus. Na tragédia, há
várias personagens que tentam se orientar em um mundo onde os valores nem
sempre estão muito bem definidos, o mundo apresenta vários valores ambíguos e
isso é algo constantemente colocado em cheque nas obras.
Os temas presentes na tragédia se concentram nisso, sempre tentam apontar
contradições, questionar e denunciar a ambiguidade dos valores e como esses
eventualmente geram conflitos, principalmente para os personagens entenderem
sua existência. Os autores buscam colocar os valores antigos em contraponto ao
vigente da pólis, também colocam em confronto o pensamento jurídico e social da
época com os mitos e heróis, apontando assim os conflitos entre os humanos e
deuses

2.3 Tragédia X Epopéia

Passamos agora a falar acerca do gênero literário tragédia. Romilly escreve


que a tragédia se inspirou na epopéia e este que já existia muito antes das
encenações: "Se a epopéia narra, a tragédia mostrava, o que acarretou uma série
de inovação" (1998, p.21) e é isso que torna a tragédia tão impactante. A epopéia e
5

a tragédia tratam do mesmo assunto, os mitos. Como estes já eram conhecidos, a


epopéia e a tragédia era uma interpretação pessoal do autor sobre os mitos.

2.4 Ésquilo

Como traços originais temos os coros e os personagens. No começo da


tragédia grega, o coro era extenso e um elemento essencial e emoção que este
transmitia tinha como objetivo tocar o espectador. O coro tinha um papel importante,
e uma prova disso é que as peças levam o nome dos coro em seus títulos, como as
coéforas, de Ésquilo. No entanto, mesmo interessado no desfecho dos
acontecimentos, o coro é incapaz de influenciar qualquer ação. O coro é na maioria
das vezes composto por mulheres e idosos e isso remonta na visão que os gregos
tinham acerca de quem tinha ou não o direito de influenciar na pólis, de ser um
cidadão. "O sexo era outro factor decisivo para a determinação de quem podia
tornar-se cidadão adulto no sentido pleno do termo: as mulheres eram excluídas"
(VERNANT & VIDAL-NAQUET, 1991, p.81). Porém, o coro que antes era extenso
com Ésquilo, passa a ser curto e até inexistente e isso demonstra a evolução da
própria tragédia.
Partindo da definição de Aristóteles sobre a tragédia, Menezes (2007, p.4)
diz: "o que importa em uma tragédia é a ação que se desenvolve através dos
personagens ", logo o produto principal da peça trágica é a existência humana. Nas
primeiras tragédias haviam poucos personagens, e um elemento que aponta a sua
evolução como gênero é como esses recebem mais destaque, tendo como motivo
também o enfoque que a existência humana passa a ter nas obras de Sófocles.
Menezes diz também que o coro na época de Ésquilo era a representação dos
deuses.

2.5 Eurípides e suas mudanças


6

Com Eurípides, o coro foi feito como personagens. Essas mudanças têm
como explicação também o que o coro ocasionava na tragédia, que era o pouco
desenvolvimento da obra(ROMILLY, 1998, p. 28), e com a perda de valorização do
coro, as obras passam a ter profundidade, "os personagens já não se contentam
mais em agir: eles se explicam" (ROMILLY, 1998, p. 36). Vemos isto na discussão de
Electra de Sófocles com a irmã, na qual podemos observar suas personalidades
opostas. A multiplicação dos personagens elevam os confrontos entre os
protagonistas, e dessa maneira os personagens tinham seus ideais desenvolvidos.
Segundo Romilly sobre as obras de Sófocles " esses contrastes e desafios servem,
acima de tudo, para destacar as diferenças entre um ideal de vida e outro, ou para
ilustrar a força de alma dos personagens" (1998, p.36). Assim, a tragédia evolui ao
ponto em que o sucessor de Sófocles, Eurípides, cria seus personagens que
defendiam seus sentimentos e ideias.
Esse vislumbre mais profundo sobre os sentimentos dos personagens
proporcionam uma elaboração mais completa da ação. Segundo Romilly, esta ação,
de fragmentar notícias e as alternâncias de alegria e desesperos, tão presentes nas
obras de Sófocles, são o que Aristóteles chamava de peripécia. O exemplo que
Aristóteles dá é o do mensageiro em Édipo rei, onde o personagem chega com uma
notícia que pensa ser alegre, mas que tem um efeito contrário. Tal artifício era a
trama, e mais tarde se tornou regra do gênero com as obras de Eurípides.
Algo já citado foi que as peças na época de Ésquilo eram mais longas e
estáticas. A trama transformou as peças em algo mais fechado e emocionante.
Antes, as peças eram trilogias, característica que se modificou.
Com ela também houve a intensificação do patético, que era uma maneira de
provocar emoções. Um exemplo que Romilly dá desses personagens são os
infelizes refugiados conduzidos à morte. Em relação a construção de uma situação
patética, Romilly destaca dois passos:

O primeiro consiste em levar uma situação


ameaçadora até o seu limite extremo, até o
momento em que o desastre é inevitável; o
segundo consiste em tornar a situação
particularmente horrível, ao atribuir, a princípio, um
erro à pessoa. (ROMILLY, 1998, p. 42-43)
7

O primeiro é denominado um golpe teatral e chega a um reconhecimento,


respectivamente. O reconhecimento pode levar a um golpe teatral, mas não é
sempre. Vale ressaltar que as cenas de reconhecimento já eram utilizadas na
epopéia.
Uma ação complexa seria a utilização da peripécia, do reconhecimento, ou
de ambos. Para Aristóteles, um bom reconhecimento, diz Romilly, "é preciso que a
verossimilhança e o natural aliem ao patético”. As obras de Eurípides estão repletas
destes artifícios, logo podemos dizer que ele é um especialista no assunto e
inconscientemente criou o clichê do salvador. Quando uma cena é levada ao
extremo, esperamos um salvador, que eventualmente é a notícia que mudará o rumo
da cena.

3. Conclusão

Estas mudanças datam o fim da tragédia grega que teve duração de 80 anos
e uma explicação talvez pode ser em como a religião foi perdendo seu valor na
Grécia Antiga. Nas últimas obras de Eurípides, as bancantes em específico, vemos
uma tentativa de retorno ao esquema original da tragédia, com o coro tem grande
importância, e com grande inspiração religiosa, pois a religiosidade sempre esteve
presente na tragédia grega, apesar disso, não foi o suficiente para impedir o fim da
tragédia grega.
Se a tragédia reflete várias questões do imaginário de sua época, ela se dá
então em um tempo de constante questionamento dos valores e do que significa ser
um cidadão, ela expõe essas contradições e conflitos que estão presentes no
8

REFERÊNCIAS

ROMILLY, Jacqueline de. A Tragédia Grega. Tr. Ivo Martinazzo. Brasília: UnB, 1998.

VERNANT, J-Pierre & VIDAL-NAQUET, P. Mito e Tragédia na Grécia Antiga. São


Paulo: Perspectiva, 1999.

“Existência e Arte”- Revista Eletrônica do Grupo PET - Ciências Humanas, Estética e


Artes da Universidade Federal de São João Del-Rei - Ano III - Número III ­janeiro a
dezembro de 2007. Acessado em: 27 dez 2022.

VERNANT, Jean-Pierre. et al. O Homem Grego. 1. ed. Lisboa: Presença, 1994.

Você também pode gostar