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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL

SUELLEN MONTEIRO DA COSTA

PENSAMENTO LIBERAL EM SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA E CULTURA


POLÍTICA BRASILEIRA

PARANAÍBA
2011
SUELLEN MONTEIRO DA COSTA

PENSAMENTO LIBERAL EM SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA E A CULTURA


POLÍTICA BRASILEIRA

Trabalho entregue como exigência parcial para


a avaliação a disciplina de Política III,
ministrada pelo Prof. Me. Alexandre de
Castro, elaborado pela graduanda Suellen
Monteiro da Costa, 3º ano do curso de
Ciências Sociais, RGM: 20420. Período
Diurno, Unidade Universitária de Paranaíba-
UEMS

PARANAÍBA
2011
PENSAMENTO LIBERAL EM SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA E A CULTURA
POLÍTICA BRASILEIRA

Resumo: Conhecer o povo brasileiro, buscar aspectos do processo de formação do povo


brasileiro e com isso entender o Brasil que se constitui nas cidades, com seus novos sujeitos,
sua nova organização social e sua nova mentalidade, esse era o objetivo central na produção
intelectual do historiador Sérgio Buarque de Holanda. Seu pensamento político sobre a
construção de uma sociedade nova apresenta a exigência da adequação do pensamento à
realidade – categorias sempre separadas em nossas análises histórico-sociológicas – passando
pela discussão do que somos, de onde viemos, de que espírito fomos feitos. A realidade
brasileira é a ferramenta essencial do pensamento de Holanda, compõe o ponto de partida e
chegada para identificar causas e possibilidades para a construção de nossa sociedade
moderna. Tendo como objeto de análise a obra Raízes do Brasil, intentamos com esse
trabalho investigar aspectos dessa articulação entre realidade e pensamento na obra de S. B.
de Holanda, bem como aspectos do pensamento liberal, procurando identificar as origens do
pensamento sociológico brasileiro, e o papel deste na ampliação dos saberes sobre as novas
configurações sociais do Brasil da primeira metade do século XX.
Palavras-chave: Dominação tradicional. Cultura política. Sociedade moderna. Pensamento
liberal.

Introdução

Tendo demonstrando através de suas obras enorme erudição em ciências sociais,


literatura e artes, Sérgio Buarque de Holanda, nas palavras do historiador José Carlos Reis, é
lembrado como o “modelo de historiador brasileiro”. Parece ter sido um “intelectual feliz”,
obtendo sempre os recursos e reconhecimento necessário, publicando obras muito importantes
e não tendo criado com elas polêmicas e tensões graves. (REIS, 2007, p. 116) Sua produção
intelectual consolida-se em meio ao momento de intenso debate político dos anos 30, época
de radicalização ideológica e política, de contestação do projeto republicano e de
aceleramento da transição para uma nova organização espacial da sociedade brasileira, que
vivia a transição de uma sociedade baseada na economia agropecuária para uma sociedade
dominada pelo capitalismo industrial. (REIS, 2007, p. 117)
No ensaio intitulado Sobre o óbvio, datado de 1986, Darcy Ribeiro afirma que o tema
do pesquisador não é outro senão aquilo que já existe enquanto obviedade. Para Ribeiro,
[...] Nosso tema é o óbvio. Acho mesmo que os cientistas trabalham é com o óbvio.
O negócio deles – nosso negócio – é lidar com o óbvio. Aparentemente, Deus é
muito treteiro, faz as coisas de forma tão recôndita e disfarçada que se precisa desta
categoria de gente – os cientistas – para ir tirando os véus, desvendando, a fim de
revelar a obviedade do óbvio. O ruim deste procedimento é que parece um jogo sem
fim. De fato, só conseguimos desmascarar uma obviedade para descobrir outras,
mais óbvias ainda. (RIBEIRO, 1986, p. 1)
Na obra Raízes do Brasil, temos essa reflexão sobre a realidade social, marcada pelo
senso dos contrastes e mesmo dos contrários, numa análise dos fundamentos reais do nosso
destino histórico, das raízes do modo-de-ser de nossa estrutura social e política. (CÂNDIDO,
1967, apud HOLANDA, 1995, p.13) É a partir do “óbvio”, daquilo que fomos e somos, numa
composição resultante de nossas raízes ibéricas, que Sérgio Buarque de Holanda empenha-se
na aventura de compreender o Brasil e o povo brasileiro.
Seu olhar sobre o Brasil não é desinteressado, tampouco resume-se à conclusão de que
o Brasil estava condenado a ser o que sempre foi. Na verdade, sua análise sobre esse espírito
brasileiro constata que a mudança já está ocorrendo e há muito tempo. A constatação das
mudanças em curso na nossa organização cultural, econômica e política é o que justifica o
trabalho de conhecer a realidade como condição para que essa mudança seja mais bem
produzida e acelerada. Nessa perspectiva, “a mudança em S. B. de Holanda se radicaliza e se
amplia, o horizonte brasileiro se abre, e o seu espírito se enche de otimismo.” (REIS, 2007, p.
142)
Pela sua importância na construção do conhecimento sobre nossa formação enquanto
povo brasileiro, é que objetivamos identificar a partir da obra Raízes do Brasil, bem como
com o auxílio de autores que dialogam com os temas trabalhados por S. B de Holanda – tais
como Antonio Cândido, Ângela de Castro Gomes e José Carlos Reis – os elementos da nossa
formação histórico-social que ditaram o sentido e o ritmo da revolução que conduz o país à
modernidade econômico-social, afinada com as tradições de nossa mentalidade patriarcalista.
(GOMES, 1998, p. 535)

1. Uma cultura política marcada pela separação entre pensamento e realidade

Essa realidade social de carne e osso pincelada no pensamento do autor traduz-se


numa tentativa de superar a separação entre cultura e política, entre pensamento e realidade,
entre projeto político e a vida do povo. A necessidade de uma política empírica baseada na
constatação direta dos problemas da vida nacional também fora assinalada por Alberto Torres,
quando este fala que a política enquanto arte de governar era a arte de observação, que requer
o estudo direto dos problemas do Brasil e da República. Para Torres,
[...] a arte de governar era uma arte de observação, de previsão, de superintendência
dos fenômenos reais da vida coletiva, e que esta arte tinha de encarar os elementos,
os fenômenos, os interesses, as necessidades, as relações e os movimentos da
sociedade, com a mesma atenção com o que o botânico estuda as formas de vida do
vegetal, e os fisiologistas, as formas e a vida do corpo humano [...]. (TORRES,
1978, p. 152)
Citado por Reis, Octávio Ianni fala dos sujeitos e do espaço presentes na obra de S. B.
de Holanda, afirmando que este pensa a história do Brasil na perspectiva do Rio de Janeiro, da
capital do país, do todo visto a partir do centro político e cultural. (IANNI, 1989 e 1994 apud
REIS, 2007, p. 141). Em Raízes do Brasil, o autor parece falar do Brasil do ponto de vista do
homem médio urbano, comerciante, funcionário público, profissional liberal, empresários,
enfim, do homem livre da dominação do rural e dono de uma média cultura intelectual e
política.
Nesse sentido, entendemos que o pensamento S. B. de Holanda pode ser visto como
símbolo de uma tendência do pensamento político mais voltado para o social, pautada por
análises que abrem um novo debate sobre as características e o futuro da realidade brasileira,
numa compreensão empírica a respeito de nossa configuração social e do novo cenário que se
forma com a chegada da nossa modernidade tardia. Sobre a revolução política nacional dos
anos 30, Ângela de Castro Gomes assinala que seu ponto central residia justamente em
propósitos sociais, em contraposição às preocupações políticas dominantes até então,
compondo, assim, um novo projeto político de reconhecimento e enfrentamento da questão
social do Brasil. (GOMES, 1988, p. 197
Por conseqüência, a trajetória de análise presente em Raízes do Brasil denuncia aquela
literatura romântica empenhada em criar um “mundo fora do mundo”, forjado a partir do
horror à nossa realidade cotidiana. (HOLANDA, 1995, p. 162)

2. Pensamento liberal e categorias de análise weberianas


As análises histórico-sociológicas desse período republicano demonstravam que a
forma de organização de nossa sociedade não se pautava pelos princípios individualistas,
racionalistas e materialistas, tampouco seguia um modelo hierárquico tradicional, em que as
“distâncias” verticais, ou a distância entre o público e privado, estava claramente fixadas,
impedindo a comunicação desses espaços.
Ao falar dessa fronteira entre o público e o privado e da nossa política brasileira em
busca da modernidade, a historiadora Ângela de Castro Gomes registra que
O Brasil não preenchia exatamente nenhum desses modelos polares. De um lado
porque, em nossa sociedade, razões culturais de fundo moral, nascidas da
mentalidade ibérica de nossas classes agrárias, e razões políticas, expressas na
organização corporativa inaugurada pelo Estado Novo e mantidas pela Constituinte
de 1946, afastavam-nos da lógica individualista do cálculo e do lucro material. [...]
(GOMES, 1998, p. 536)
No pensamento de Sérgio Buarque de Holanda podemos observar a racionalidade
como um aspecto necessário para o desenvolvimento das sociedades modernas, fundadas
sobre as novas configurações dos processos de industrialização e urbanização, bem como
numa burocracia composta por especialistas capazes de gerar um funcionamento eficaz desses
departamentos necessários ao desenvolvimento do capitalismo moderno, como já ressaltava
Max Weber, sobretudo na obra Economia e sociedade e na palestra proferida em 1919
Ciência e política: duas vocações. Aludindo ao pensamento weberiano sobre a especialização
como condição para o desenvolvimento de uma ordem econômico-social assentada no modelo
capitalista moderno, S. B. de Holanda assinala que
No trabalho não buscamos senão a própria satisfação, ele tem o seu fim em nós
mesmos e não na obra: um finis operantis, não um finis operis. As atividades
profissionais são, aqui, meros acidentes na vida dos indivíduos, ao oposto do que
sucede em outros povos, onde as próprias palavras que indicam semelhantes
atividades podem adquirir acento quase religioso. (HOLANDA, 1995, p. 155-156)

Através do grau de racionalização das relações burocráticas, as pessoas conseguiriam


acelerar o progresso de determinada sociedade. Em sua perspectiva liberal, Weber coloca que
o capitalismo ocidental é pautado pelo grau de racionalização. Para que haja o bom
funcionamento do andamento do capitalismo é necessário que haja um grau de especialização.
Essa sociedade já pensada por Weber como sendo pautada na racionalidade e intenso grau de
especialização requer à oposição ao modelo fundado pela mentalidade ibérica. Somente com a
superação dessa dominação tradicional fundada na ideologia do favor, ao Brasil lido por
Sérgio Buarque de Holanda seria possível avançar nesse grau de desenvolvimento da
sociedade capitalista, a partir da década de trinta, quando dava seus primeiros sinais a
perspectiva racionalista da política de Vargas.
Sobre a formação de uma nova configuração social, paralela à permanência de certos
traços da dominação tradicional ibérica S. B. de Holanda traz que
[...] os valores sociais e espirituais, tradicionalmente vinculados a essa condição,
também se tornariam apanágio da burguesia em ascensão. Por outro lado, não foi
possível consolidarem-se padrões éticos muito diferentes dos que já preexistiam para
a nobreza, e não se pôde completar a transição que acompanha de ordinário as
revoluções burguesas para o predomínio de valores novos. (HOLANDA, 1995, p.
112)

Nessa perspectiva, Holanda critica a sociedade brasileira fundada na tradição cultural


ibérica, no entanto não faz uma crítica ao sistema capitalista. Coloca que se superarmos essa
dominação tradicional, fundamentada em aspectos da mentalidade ibérica, nós avançaríamos
no desenvolvimento do capitalismo no sentido moderno. S. B. de Holanda critica a dominação
do sistema tradicional, mas não critica a dominação do capitalismo. Pois entende que para
avançar no capitalismo moderno era necessário romper com as tradições ibéricas,
fundamentadas na ideologia do favor. Utilizando a expressão weberiana “gaiola de ferro”, o
capitalismo, numa perspectiva mais racional do termo, constituiria esse destino do mundo,
esse sistema intransponível, ao qual não podemos resistir. É como se nós resistíssemos,
debatêssemos, mas, no entanto, não conseguíssemos superar. A transformação do sistema
tradicional fundamentada nas raízes ibéricas para uma dominação racional legal, necessária ao
desenvolvimento do capitalismo moderno, nessa época verificado nos países centrais do
capitalismo, tinha uma perspectiva liberal.

Considerações finais
Ao mesmo tempo em que percebe as mudanças políticas e econômicas desse novo
Brasil das primeiras décadas do século XX, marcas de descontinuidades contidas no projeto
varguista, Holanda assinala as permanências culturais que emperram o desenvolvimento do
país. O capitalismo moderno chegou ao Brasil de uma forma “hipertardia”, ocorrendo nas
esferas econômicas e políticas, e convivendo com as velhas formações culturais do nosso
povo. As formações culturais ibéricas incidem como permanências históricas que se não
modificadas emperram o desenvolvimento do capitalismo moderno no Brasil. Nesse sentido é
que Holanda coloca que a revolução brasileira se daria num ritmo muito mais lento e gradual,
enfim, num processo diferente das agitações européias. Outro fator que explica a ausência de
uma mudança revolucionária é a ausência de movimentos que alterassem a estrutura política
de forma revolucionária. Um progresso político, uma nova configuração do estado e da
economia, mas a permanência das tradições ibéricas, essa é a constatação presente nas
análises da obra Raízes do Brasil.
Em síntese, a perspectiva liberal de Holanda centra numa análise crítica da realidade,
porque ao mesmo tempo em que critica esses aspectos inerentes à tradição cultural no Brasil,
vinculadas às raízes luso-ibéricas, à ideologia do favor, às decisões resolvidas no âmbito das
trocas afetivas e pessoais – que cria um grau de dependência entre os indivíduos envolvidos –
pautado em laços afetivos, que não necessariamente contribuem para o desenvolvimento de
uma nova sociedade baseadas em critérios de modernização/modernidade.
Ao buscar aspectos da formação do povo brasileiro e utilizar em seu quadro teórico as
categorias weberianas como prisma analítico, Holanda contribui para a formação de uma
tendência de análise que marcou o pensamento social brasileiro na primeira metade do século
XX. Em Raízes do Brasil, o autor fomenta um debate fecundo sobre o passado e o futuro do
Brasil, tornando-se referência e um quadro teórico indispensável na pesquisa histórico-
sociológica nacional.

Referências bibliográficas

BRÜSEKE, Franz Josef. Romantismo, mística e escatologia política. Revista Lua


Nova, n. 62, São Paulo, 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?
pid=S010264452004000200003&script=sci_arttext Acesso em: 15 nov. 2011.

GOMES, Ângela de Castro. “A política brasileira em busca da modernidade: na fronteira


entre o público e o privado” in NOVAIS, Fernando (coord.) História da vida privada no
Brasil. vol. 4, São Paulo, Companhia das Letras, 1998, p. 489-558.
______. O redescobrimento do Brasil. In: GOMES, Ângela de Castro Gomes. A invenção do
trabalhismo. São Paulo: Vértice, 1988.
HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. 26 ed. São Paulo: Companhia das Letras,
1995.

REIS, José Carlos. As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC. 9 ed. ampl. Rio de
Janeiro: Editora FGV, 2007.

RIBEIRO, Darcy. Sobre o óbvio. In: RIBEIRO, Darcy. Ensaios insólitos. Rio de Janeiro:
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<http://www.biolinguagem.com/biolinguagem_antropologia/ribeiro_1986_sobreoobvio.pdf>
Acesso em: 23 mai. 2011.

TORRES, Alberto. A organização nacional. 3 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1978.

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