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Discente: Fernanda Pimenta Matoso Nunes

Docente: Marise Berta


HACC20 - Culturas Brasileiras
Avaliação I

A depreciação dos negros no meio cultural e artístico.

Escrever sobre um assunto como o título propõe, sendo uma pessoa branca,
é no mínimo desafiante! São vivências que essas pessoas tiveram/têm que
eu jamais poderei descrever os sentimentos de fato. Mas certamente, posso
trazer minha perspectiva sobre a problemática como alguém que busca a
consciência em si e no próximo para uma sociedade mais justa e com
equidade.

Diante de tudo o que foi debatido até então em sala de aula, dois momentos
me marcaram bastante: O primeiro foi de alguns colegas - em sua maioria
negros - contestarem sobre algumas cenas do filme Macunaíma (1969), em
que haveria a possibilidade da personagem de Macunaíma ter sofrido uma
desvalorização quando estivesse em sua versão como negro ainda no início
do filme, se isso era intencional por parte do diretor não sabemos, mas refleti
o quanto essa análise não foi perceptível aos meus olhos. E o segundo
momento foi em ter assistido o primeiro episódio de “5x Favela - Agora por
Nós Mesmos”. Isso foi o suficiente para entender e reafirmar ainda mais, o
quanto eu e muitas pessoas são abarrotadas de privilégios. Questionamentos
como:

Quando falo sobre a depreciação dos negros no meio cultural e artístico, não
é só sobre menosprezar o talento que eles detém nesse contexto, mas
também sobre a apropriação cultural, em que nesse processo sistêmico e
estrutural, a indústria (seja ela musical, cultural, de beleza e cosméticos, etc)
é quem mais se alimenta dos ganhos, dos bônus. E o ônus, sabemos com
quem fica! O que isso quer dizer? Bom, um dos primeiros exemplos mais
claros que vem em mente é o do Samba e a Bossa Nova. O Samba foi criado
no Brasil, mas sua origem são dos negros escravizados vindos da África se
tornando um ritmo musical que geraria preconceito pela burguesia, mesmo
depois da abolição da escravidão em 1888. Já a Bossa Nova, criada na
década de 50 a partir do Samba e com influência do Jazz, passava a ser bem
vista justamente por ter sido concebida por brancos e compositores da classe
média da Zona Sul do Rio de Janeiro. Ou seja, querendo ou não, existiu um
processo de embranquecimento do Samba, porque historicamente foi um
movimento feito por negros e isso causava aversão em grande parte da
população branca que por consequência eram e são mais privilegiados em
sua maioria.

No livro SILVA; T.T. (org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos


culturais, os autores permeiam no conceito de que a identidade é relacional, e
não só concordo em relação a isso sobre identidade, mas também sobre
como se forma uma cultura. Penso que a identidade de um indivíduo é
plasmada através das distinções culturais de determinados grupos, logo,
pode-se afirmar que independente da cor de um ser humano, ele sempre será
único e representará uma soma de culturas. O que quero afirmar com isso é
que independente das histórias que se conta de um povo, cada indivíduo tem
sua unicidade, e que a sociedade parece ainda não estar preparada para
aprofundar e mesclar as etnias de forma consciente.

São diversos questões sociológicas complexas discutidas já há algum tempo


e que sempre irão remeter aos anos de escravidão e as marcas deixadas ao
longos dos anos até hoje. E, em meio a esse contexto e os exemplos trazidos
até o momento, não poderia deixar de citar o caso do embranquecimento de
Machado de Assis. Um escritor renomado que redigiu exemplares como Dom
Casmurro e Memórias Póstumas de Brás Cubas teria sofrido racismo na
Literatura por o descreverem de uma forma distinta do que ele era realmente:
um homem negro. Fotografias de retrato na orelha dos seus livros que
sofreram edições para que mostrassem ele com cabelos mais lisos e nariz
mais fino a fim de o tornar aceito pela sociedade, principalmente, e provável
que unicamente, pela burguesia que leria suas obras e assim haveria certa
aceitação por um homem “negro” escritor, que fora tão inteligente e
fundamental para cultura e literatura brasileira. Humberto de Campos, escritor
e colega de Machado de Assis, o descreve em 1933 como “miúdo de figura,
mulato de sangue, escuro de pele, e usava uma barba curta e de tonalidade
confusa, que dava ares de antigo escravo brasileiro, filho do senhor e criado
na casa de boa família”.
Não precisamos voltar tão distantes para se analisar alguns casos, porque
essa depreciação ela acontece ainda e infelizmente está viva em nossa
sociedade. Desta forma, discorro sobre uma experiência que tive em meu
trabalho como fotógrafa nos últimos meses em um Festival de Danças
Urbanas que aconteceu em Salvador, mais precisamente no Pelourinho em
apoio com a FUNCEB - Fundação Cultural do Estado da Bahia. Lá pude
presenciar discussões de uma sociedade negra que luta para ter seu espaço
e representação no meio artístico e cultural, mas que muitas vezes são
apenas utilizados como marionetes. Um dos exemplos que mais me marcou
foi da facilidade das pessoas em aceitar um corpo de baile 100% branco, ou
50% branco e 50% negro, mas quando fosse 100% negro isso se tornaria um
problema. E se torna um problema pra muita gente justamente pela cultura da
superioridade dos brancos acima dos negros e que eles não podem e nem
devem cogitar em ter um espaço para eles e em mostrar o talento que têm,
por vaidade e poder de uma sociedade completamente racista.

No entanto, devemos olhar também para os pequenos movimentos de


transformação e de ascensão que os negros vem tendo (um adendo a isso é
que, na minha opinião, deveria ser uma esforço vindo do povo que os
inferiorizaram: os brancos). Não apenas movimentos, mas representações
cada vez mais fortes nesse meio cultural, e o primeiro exemplo que vem em
mente é de um conterrâneo que faz história em diversas categorias da arte,
Lázaro Ramos. Sua trajetória como dramaturgo, escritor, cineasta e diretor é
espetacular e em seu livro “Na minha pele”, ele explicita sobre questões
raciais no Brasil e de como instituições artísticas o acolheu e o quanto isso foi
importante para se reconhecer como negro e se impor na sociedade. Além
desse ponto, ele reconhece o receio que é problematizar a questão racial,
sendo assim, é possível afirmar que existem milhares de pessoas que sentem
o mesmo e não conseguem se expressar da mesma forma, porque
simplesmente são oprimidos, em seja lá qual for o meio, não só o artístico e
cultural nesse quesito.

Assim como a representação de Lázaro Ramos, retorno à citação no início do


texto sobre o filme passado em sala de aula “5x Favela - Agora por Nós
Mesmos”, que foi dirigido por cinco cineastas moradores de favela do Rio de
Janeiro, sendo o primeiro longa-metragem brasileiro totalmente concebido e
realizado por moradores de favelas. E a importância de olhar pra isso tudo
que fizeram e de onde vieram é basicamente pela automática marginalização
criada aos moradores de favela e o quão positivo é ter pessoas como eles
que quebram esse tipo de paradigma. A marginalização acomete aos negros
e aos mais pobres de fato, mas não por culpa deles, e sim de um problema
sistêmico e estrutural, em que os que estão no poder são novamente os
brancos tentando monopolizar empresas, serviços, produtos e etc.
Para mim, apagar ou não validar a história e as memórias de um povo negro
(ou qualquer outro povo) é um dos piores tipo de genocídio que possa existir.
E há um caminho extenso pela frente para que consigamos enxergar uma
mudança profunda em nossa convivência e sociedade, mas a partir do
momento em que paramos de depreciar, e passamos a valorizar e
reconhecer a inserção dos negros nesse meio artístico e cultural, certamente
já será um passo de grande valia.

Por fim, deixo uma imagem que me marca muito sobre o assunto:
(Foto: Projeto Favelagrafia. Incentivado pela Prefeitura do Rio de Janeiro,
através da Secretaria Municipal de Cultura).

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