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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

FACULDADE DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS E LETRAS DO SERTÃO CENTRAL


CURSO DE GRADUAÇÃO EM LICENCIATURA EM HISTÓRIA
OFICINA DE INSTRUMENTOS DIDÁTICOS

BRUNO GUSTAVO MUNERATTO

ANTONIO ADEGILDO PINHEIRO DA SILVA JUNIOR

RESENHA

QUIXADÁ – CEARÁ
2022
O texto escolhido foi o primeiro capitulo “Música, RAP e ensino de História” do
trabalho de conclusão de curso intitulado “Ensino de História e RAP Classe, raça e gênero
como possibilidades de diálogo nas aulas de História”, que tem como autor o professor Esdras
da Silva Barbosa, que se formou em História em 2018 na UnB, desde 2020 cursa Pedagogia
no IESB (Instituto de Ensino Superior de Brasília) e atualmente trabalha como pedagogo
lecionando no ensino fundamental na Secretaria de Estado e Educação Infantil do Distrito
Federal. O texto em questão possui 23 páginas que rapidamente lemos, pois é uma leitura
bastante fluída e interessante, sendo o principal motivo da minha escolha.
O autor inicia falando sobre os desafios de apresentar um ensino de história mais
instigante e valorizado pelos estudantes de ensino fundamental e médio e sobre a ideia de
“consciência histórica” que é necessário desenvolver com os alunos trazendo esse diálogo
entre passado e presente através do RAP como uma das inúmeras ferramentas de ensino-
aprendizagem dentro desse contexto de ampliação de recursos didáticos para o ensino de
história e trazendo reflexões importantes, como por exemplo: Para que e para quem serve esse
conhecimento repassado nos livros de história? O que essas narrativas reforçam? São
perguntas que vem a mente ao ler esse início de texto.
Outra ideia central dessa leitura é como o RAP busca sua historicidade a partir de
outras perspectivas sempre buscando questionar os discursos da classe dominante de poder,
como os meios de comunicação e os canais de TV. Também procurando figuras centrais
diferentes das postas nos livros didáticos, um exemplo usado no texto é de “Dandara” e
“Zumbi”, dois personagens históricos conhecidos pela luta no Quilombo de Palmares, dentre
outros nomes citados nas letras de RAP que o autor não chega a citar como “Malcom X”,
“Mandela”, dentre vários outros nomes importantes para a cultura e o movimento negro não
só no Brasil, mas no mundo inteiro.
Um grupo de RAP citado no texto mais de uma vez é o grupo Tarja Preta, da cidade de
Santos em São Paulo, formado somente por mulheres negras e que trás em suas músicas letras
muito pesadas e necessárias, trazendo reflexões extremamente importantes para a formação
desse pensamento histórico e tendo diversas formas de se discutir em sala para provocar os
alunos de certa forma a ver como o passado escravista do Brasil influencia na atual condição
da população negra no país, sabendo que 75% a 90% da população carcerária é composta por
negros (as). Depois o autor trás uma breve história do RAP, desde seu início na Jamaica até o
RAP no Brasil em meados dos anos de 1988/90 em São Paulo e no Distrito Federal, dentro do
contexto do hip hop como cultura e tendo seus elementos (Street Dance, grafite o RAP)
disseminados em sua grande maioria em grandes capitais, mais especificamente nas periferias.
O gênero musical desde sua criação foi associado à criminalidade no Brasil, mas
atualmente é reconhecido e respeitado como uma forma de protesto em forma de música,
muito escutado pelos jovens também em decorrência das redes sociais o RAP tem uma cena
gigantesca no mercado fonográfico brasileiro mesmo em sua grande maioria trazendo
assuntos pesados como críticas ao sistema, denunciando violências policiais e racismo. E é
um excelente recurso de aproximação do professor com a turma, pois geralmente se os alunos
são acostumados a escutar a batida ou beat no seu cotidiano. Alguns rappers revelações dessa
cena atual que posso citar como exemplos são: Baco Exu do Blues e Djonga (Aluno do curso
de História na Universidade Federal de Ouro Preto) que em suas letras trazem uma carga
histórica enorme. Baco, por exemplo, em sua música Poetas no topo parte II faz diversas
analogias:
“Vai se foder para lá, mas você já se fodeu
Eu tenho fé no seu verso como Nietzsche crê em Deus
Minha existência é heresia, Espírito Sant
Morri e voltei no terceiro dia, Malcolm Afrosamurai X
MCs correm de mim: RUN DMC, RUN DMC
Querem patrocínio da Supreme, eu da Skol
Querem ser Gengis Khan, mas cês só são mongol”

"Bicho de sete cabeças


Eu assustei o Cérebros
Sua jaula já não me prende
Meus ancestrais todos foram vendidos
Deve ser por isso que meu som vende
Deve ser por isso que meu som vende
Escravizaram meu povo por dinheiro
Quero dinheiro pra não ser escravo
A lei áurea é todo verso que eu escrevo
Rótulos me dão medo".
(Baco exu do Blues – Poetas no topo parte II)

No primeiro pequeno verso, o artista faz uma analogia à crítica que o filósofo
Friedrich Nietzsche fez a religião cristã em suas obras e também fala sobre Gengis Khan, um
dos maiores imperadores da humanidade. E no verso seguinte, Baco Exu do Blues faz uma
crítica direta à escravidão dos negros no Brasil. Já sobre Djonga, apenas escute Ladrão ou
Histórias da minha área, dois álbuns que são sem dúvidas obras primas da música brasileira.
Durante todo o texto o autor trás exemplos claros de como o RAP é uma boa
ferramenta para o ensino de História por diversos motivos como forte adesão na população
jovem dos centros urbanos. Sua musicalidade, ora simples, seca e direta, ora dançante e
contagiante, caiu no gosto popular. Outro ponto de identificação bastante forte são os temas
abordados nas letras que se referem a problemas sociais presentes em grande parte das
cidades brasileiras, as vivencias do passado e do presente, pois como o próprio autor cita:

“Além disso, a linguagem e os exemplos cotidianos trazidos pelo RAP, refletem a


realidade e as vivências de muitas das pessoas que o ouvem. Tal característica pode
apresentar ou estimular o/a ouvinte a refletir sobre as bases estruturantes das várias
violências cotidianas sofridas nas periferias das grandes cidades e interiores brasileiros onde
o descaso estatal, infelizmente, ainda não deixa de ser a marca do Estado”
(BARBOSA, Esdras. 2018)

Outra questão que podemos perceber no texto é a proposta de um ensino com um


pensamento mais no âmbito da decolonialidade, ou seja, um pensamento para resistir e
desconstruir padrões impostos aos povos marginalizados/subalternizados durante o processo
de colonização, tendo como um de seus principais pontos à critica direta ao sistema capitalista
e à modernidade, como o autor fala sobre o rap enquanto movimento contra as elites, que
geralmente reforçavam a ideia de criminalização no estilo musical, citando Facção Central,
gostaria de citar Racionais Mc’s:

“[...] Nas ruas da sul eles me chamam Brown Maldito


Vagabundo, mente criminal [...]
Playboy bom é chinês, australiano fala feio e mora longe
Não me chama de mano
E aí, brother, hey, uhul, pau no seu **
Três vezes seu sofredor, eu odeio todos vocês”.
Racionais Mc’s – Da ponte pra cá

O RAP é um movimento de resistência em sua essência, feito pra incomodar


realmente, sejam as elites, os colonizadores ou a polícia, o gênero musical sempre buscar
protestar e falar das angústias e indignações do povo que sempre foi marginalizado, e sendo
uma música feita por esse povo, não seria diferente com o estilo nos seus anos iniciais, como
já dito, sendo sempre ligado ao crime, pois tratava das realidades das favelas nos anos 90. O
próprio álbum dos Racionais Mc’s com o título “Sobrevivendo no inferno” de 1997, que tem
grandes hinos como “Diário de um detento” que fala justamente da vida no presídio brasileiro,
e “Mundo mágico de Oz”, que retrata a vida de uma criança que nasceu e cresceu na favela. O
grupo tem grande parte de seus integrantes do bairro de Capão Redondo na periferia de São
Paulo e considerado nos anos de 1996 o bairro mais perigoso do mundo junto com o bairro
vizinho Jardim Ângela, e hoje grande polo do RAP nacional.
Outro artista que acho importantíssimo citar para podermos usar nas aulas de história é
Kleber Cavalcante Gomes, mais conhecido sob o nome artístico de Criolo ou, anteriormente,
Criolo Doido, que trás em suas letras diversas formas de se discutir em sala de aula como, por
exemplo, na sua canção “Esquiva da Esgrima”, que trás analogias tanto do passado quanto do
futuro:

“Uma bola pra chutar, país pra afundar


Geração que não só quer maconha pra fumar
Milianos, mal cheiro e desengano
Cada cassetete é um chicote para um tronco
Alqueires, latifúndios brasileiros
Numa chuva de fumaça só vinagre mata a sede
Novas embalagens pra antigos interesses
É que o anzol da direita fez a esquerda virar peixe”.
Criolo – Esquiva da Esgrima

Já na reta final do texto o autor reforça ainda mais a importância do RAP como peça
fundamental para discussões sobre racismo e relações étnico-raciais, e também da uma breve
introdução para o próximo tópico de sua monografia intitulado “Mulheres no RAP do DF –
lutas, desafios e um pouco de história”, falando sobre o machismo estrutural e a mentalidade
patriarcal, citando referências como Ângela Davis, e também expõe suas ideias a cerca do
aumento do numero de mulheres rappers nos últimos anos no movimento hip-hop, assim
buscando outras discussões além do racismo, mas também busca criticar o próprio movimento
do RAP, que sempre reproduziu e representou as mulheres com essa mentalidade machista. E
encerro essa resenha parafraseando com o grande ícone do RAP brasileiro, que infelizmente
se foi muito cedo, no auge da sua carreira aos trinta anos de idade, Mauro Mateus dos Santos
ou Sabotage:

“Mas o rap é compromisso, ladrão, não é viagem


Se pá fica esquisito, aqui, Sabotage”
Sabotage – O rap é compromisso!

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