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HISTÓRIA

» FLAVIO DE CAMPOS
Graduado em História pela PUC/SP
Mestre em História Social pela USP
Professor Doutor do Departamento de História da USP
Coordenador Científico do LUDENS (Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas
sobre Futebol e Modalidades Lúdicas)
Autor de livros didáticos e paradidáticos

» JÚLIO PIMENTEL PINTO


Graduado em História pela USP
Mestre em História pela USP
Doutor em História pela USP
Livre-Docente em História pela USP
Professor Associado do Departamento de História da USP
Especialista em História da América e História da Cultura
Autor de livros didáticos e paradidáticos

» REGINA CLARO
Graduada em História pela USP
Mestra em História Social pela USP
Doutoranda Faculdade Educação da USP
Especialista em História e Cultura Africana e Afro-americana
Desenvolve projetos de capacitação para professores da rede pública em
atendimento à Lei 10.639/03
Autora de livros didáticos e paradidáticos

TÓRIA
2 MANUAL DO
PROFESSOR

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Oficina de História – volume 2
© 2013 Leya

Direção editorial Título original da obra:


Mônica Vendramin Oficina de História –­volume 2
Coordenação editorial de Humanas São Paulo * 2.ª edição * 2016
Ebe Christina Spadaccini Todos os direitos reservados:
Edição Leya Brasil
Leon Torres Avenida Angélica, 2318 – 11.º andar
CEP 01228-200 – São Paulo – SP – Brasil
Assistência editorial Fone + 55 11 3129-5448
Patricia Tierno Fax + 55 11 3129-5448
Felipe Bandoni de Oliveira www.leya.com.br
Tatiana Nunes leyaeducacao@leya.com
Coordenação pedagógica e projeto editorial
Cia. de Ética ISBN (aluno) 978-85-451-0362-2
ISBN (professor) 978-85-451-0337-0
Coordenação de arte
Thais Ometto
Impressão e acabamento
Projeto gráfico
A+ Comunicação
Projeto capa
Thais Ometto
Imagens da capa
ilustração Maria Bonita, de Cibele Queiroz
foto Benjamin Abrahão/ABA Film
Edição de imagens
Cia. de Ética
Tratamento de imagens
Pix Art Imagens
Iconografia
Cia. de Ética, Angelita Cardoso, Paulinha Dias
Editoração eletrônica
Cia. de Ética, Cláudia Carminati
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Fechamento de arquivo (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Jairo Souza
Campos, Flavio de; Pinto, Júlio Pimentel; Claro, Regina
Cartografia Oficina de História, volume 2 / Flavio de Campos, Júlio Pimentel Pinto, Regina
Allmaps Claro. – 2. ed. – São Paulo : Leya, 2016.

Gerência de revisão Suplementado pelo manual do professor.


Miriam de Carvalho Abões Bibliografia

Coordenação de revisão ISBN (aluno) 978-85-451-0362-2


ISBN (professor) 978-85-451-0337-0
Beto Celli
1. História (Ensino médio) I. Título. II. Série.
Revisão
Teresa Porto 12-03585 CDD-372.35

Ilustração Índice para catálogo sistemático:


Lucas C. Martinez 1. História : Ensino médio 372.35

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Apresentação

Esta não é apenas uma coleção de História. É uma proposta de ensino que se
pretende questionadora, aberta e estimulante. É um convite que procura ajudar o
leitor a desenvolver uma postura crítica, dinâmica e construtiva na sua formação
educacional e diante da sociedade contemporânea.

Pelo exame dos elementos sociais, políticos e econômicos destaca-se uma


perspectiva cultural que reconstrói a vida coletiva em todos os seus aspectos. Esta
coleção é marcada por sua postura interdisciplinar, estabelecendo nexos entre a
História e áreas do conhecimento como Antropologia, Psicologia, Estética, Filoso-
fia, Literatura e Ciências Naturais.

Concebida como uma obra aberta, os conceitos são apresentados e desenvol-


vidos ao longo dos capítulos, de forma a tornar operativa a elaboração do conhe-
cimento histórico. Os exercícios são escalonados e divididos em termos de desen-
volvimento de habilidades, aproximando a atividade escolar aos procedimentos
característicos dos historiadores.

São oferecidos roteiros de leitura de textos, imagens e mapas, orientações


para a organização de informações factuais, testes, questões de vestibulares e de
Enem e pesquisas na internet.

Uma História plural, repleta de olhares cruzados e por vezes antagônicos: tal é
a base de uma proposta de ensino de História que alimente a prática de uma cida-
dania crítica, participativa e democrática.

Este segundo volume se estende do século XVII, com as revoluções inglesas,


até o início do século XX, com os primeiros anos da república no Brasil. Seu eixo
temático está assentado nas revoluções burguesas, na montagem dos Estados
nacionais na Europa e na América após o processo de emancipação política e nas
movimentações político-sociais das camadas subalternas.

Bons estudos!

Os autores

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Sumário
ENEM: MATRIZ DE REFERÊNCIAS, 8 Dom Sebastião, 51
As profecias do Bandarra, 52
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS, 10
Manifestações sebastianistas, 53
MAPEANDO O LIVRO, 12
Verificação de leitura 2, 53
‣ Engenho e Arte, 54 • Radar, 59
RECAPITULANDO As fronteiras móveis da
idade média, 15 Quadros do capítulo
Henrique VIII e sua família, 35 / A crise espanhola, 48 / O reino
1 A África até o século XV, 16 de mil anos, 51 / A cultura dos sapateiros, 52
2 O feudalismo e a expansão marítima, 22
3 As reformas religiosas, 25 CAPÍTULO 2 Nem tudo que reluz é ouro, 61
4 O absolutismo, 28
1 A idade do ouro no Brasil, 62
5 A América e a escravidão, 30 O quilombo dos Palmares, 63
Tá na rede!, 63
CAPÍTULO 1 Inglaterra e Portugal: Caminhos e fronteiras, 64
destinos cruzados, 33 As ações dos bandeirantes, 64
1 As Revoluções Inglesas, 34 A expansão religiosa, 64
Os cercamentos, 34 As regras da exploração, 65
Uma nova classe social, 35 A Guerra dos Emboabas, 66
As divisões religiosas da sociedade inglesa, 36 Goiás e Mato Grosso, 67
A América do Norte, 36 Revoltas no Nordeste, 67
Coroa versus Parlamento, 37 Pernambuco e a Fronda dos Mazombos (1711-1712), 67
A Revolução Puritana, 38 Bahia: o Motim do Maneta, 67
Análise de imagem: A execução do rei Carlos I da Inglaterra Tá ligado?!, 68
(1600-1649) retratada por uma testemunha ocular, 38 A sociedade dos mineradores e o comércio interno, 68
A república, 39 A economia do Império Colonial, 68
Os Atos de Navegação e o início da hegemonia A Inglaterra e a economia portuguesa, 70
marítima inglesa, 39 Verificação de leitura 1, 70
Niveladores e diggers: os grupos radicais, 39 2 O Iluminismo, 71
A Restauração e a Revolução Gloriosa, 39 A ciência e a Ilustração, 71
A monarquia parlamentar, 40 Uma revolução cultural, 73
Thomas Hobbes: sobre homens e lobos, 40 Religião privada, razão pública, 73
Um Outro Olhar, 41 O Estado, segundo a Ilustração, 73
Verificação de leitura 1, 41 Reação e resistência, 74
A árvore da Enciclopédia, 74
2 Portugal e Brasil no século XVII, 42
As mulheres e o Iluminismo, 75
O Antigo Sistema Colonial, 43
Os direitos da mulher, 75
Os holandeses no Nordeste, 43
Adam Smith e o liberalismo econômico, 75
Protestantes, católicos e judeus, 44
O despotismo esclarecido, 76
A cidadela maurícia, 44
As reformas pombalinas, 78
África: o Reino dos Ngolas entre Holanda e Portugal, 46
Jinga: a rainha, 46 Análise de imagem: O marquês de Pombal, 78
Jinga: a guerreira, 46 A divisão política da América Portuguesa, 79
Jinga: o mito, 46 A extinção da Companhia de Jesus, 81
Análise de imagem: Cortejo da rainha Jinga, 47 Verificação de leitura 2, 81
Tá na rede!, 47 Um Outro Olhar, 82
A Restauração Portuguesa, 47 ‣ Engenho e Arte, 83 • Radar, 87
A Insurreição Pernambucana, 49 Quadros do capítulo
Tá ligado?!, 49 O Quilombo do Rio dos Macacos, 63 / São Paulo, 64 / Leibniz
O fim da supremacia ibérica, 50 e os computadores, 72 / Frederico II da Prússia e Voltaire, 76 /
A economia do Nordeste, 50 Cândido, ou a ingenuidade, 77
O Sebastianismo, 51

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CAPÍTULO 3 Na velocidade das luzes, 89 O desenvolvimento tecnológico, 119
1 O nascimento dos Estados Unidos, 90 Análise de imagem: O peregrino sobre o mar de brumas, 119
As 13 Colônias, 90 A transformação da sociedade, 120
A Guerra dos Sete Anos (1756-1763), 91 A situação dos pobres, 120
Os custos da guerra, 91 As cidades industriais, 120
A Independência das 13 Colônias, 92 Braços cruzados, máquinas paradas, 121
Os primórdios do socialismo, 122
Tá ligado?!, 93
Escravizados e a independência, 93 Verificação de leitura 3, 122
A Constituição dos Estados Unidos, 93 ‣ Engenho e Arte, 123 • Radar, 127
Verificação de leitura 1, 94 Quadros do capítulo
2 A Revolução Francesa, 95 Washington, Adams e Jefferson, 94 / Chapeuzinho Vermelho, 96
A França às vésperas da revolução, 95 / A Assembleia, 98 / Esquerda, centro e direita, 99 / Lavoisier:
Os Três Estados, 97 a química e a revolução, 101 / Mulheres revolucionárias, 105
/ França versus Inglaterra, 113 / A máquina a vapor, 118 / A
Os Estados-Gerais, 97
narrativa policial, 121
Eleições e reformas, 97
A Assembleia Nacional (1789), 98
A Assembleia Nacional Constituinte, 99 CAPÍTULO 4 O Diabo ronda as Colônias, 129
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
e a Constituição, 99 1 Conspirações e revoltas na América portuguesa, 130
Notícias da revolução, 100 A Inconfidência Mineira, 130
Os jacobinos, 100 A devassa, 131
A monarquia constitucional (1791-1792), 101 Opulência e miséria, 131
Traição e guerra, 102 A Conjuração Baiana, 132
A República, 102 O motim, 132
O Exército francês, 102 Tá ligado?!, 133
O terror, 103 Prisões e punições, 133
O fim da Convenção: a burguesia retoma o controle, 104 A Conjuração do Rio de Janeiro, 133
O golpe do 18 Brumário, 104 As elites e as revoltas, 133
Tá ligado?!, 105 Verificação de leitura 1, 134
As mulheres na revolução, 105 2 As independências na América espanhola, 135
Um Outro Olhar, 106 A invasão napoleônica, 135
Análise de imagem: Consagração do imperador Napoleão e A derrocada do Império espanhol, 135
coroação da imperatriz Josefine, 108 Haiti, 137
Tá na rede!, 109 Tá na rede!, 137
O período napoleônico (1800-1815), 109 Negros e mestiços, 137
Ecos da revolução, 109 A Revolução, 137
O liberalismo político, 110 Toussaint L’Ouverture: o General de Ébano, 138
As guerras napoleônicas, 110 México, 139
O Bloqueio Continental, 112 América Central, 139
Tá ligado?!, 112 A Região Platina e o Chile, 140
A queda de Napoleão, 113 A Grande Colômbia e o Peru, 140
O Congresso de Viena: a força das tradições, 113 O Congresso do Panamá e a Doutrina Monroe, 141
Verificação de leitura 2, 114 Unidade ou fragmentação?, 141
O caudilhismo, 142
3 A Revolução Industrial, 115
Tá ligado?!, 142
O mercado mundial, 115
Qual liberdade?, 142
A diminuição das distâncias, 116
O declínio da produção familiar, 116 Análise de imagem: Simón Bolívar, libertador
Um novo espaço de produção, 117 e pai da nação, 143
Por que a Revolução Industrial ocorreu na Inglaterra?, 117 Verificação de leitura 2, 143
Tá na rede!, 118 3A
 independência do Brasil, 144

Sumário 5

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A vinda da corte portuguesa ao Brasil, 145 A questão abolicionista, 175
A interiorização da Metrópole, 145 A eleição de Lincoln e a Guerra, 176
As transformações do Centro-Sul, 145 Os negros e a guerra, 176
Coroação de d. João VI, 146 A política de segregação racial, 177
A Insurreição Pernambucana de 1817, 146 Verificação de leitura 3, 177
A Revolução do Porto, 147 4 A forja da identidade: quem é brasileiro?, 178
A elite colonial e a revolução, 147
As definições do Estado nacional, 179
Os interesses da realeza, 148
Contestações a d. Pedro I e a abdicação, 180
Brasil independente, 148 A Regência, 181
A emancipação política do Brasil, 149
O público e o privado, 181
Piauí: a Batalha do Jenipapo, 149
A ideologia do favor, 182
Bahia e as lutas pela independência, 150
Negociações e conflitos, 183
África e Brasil, 150 A formação das oligarquias, 183
Um Outro Olhar, 151 Revoltas restauradoras e revoltas populares, 184
Verificação de leitura 3, 151 A Revolta Farroupilha (1835-1845), 185
‣ Engenho e Arte, 152 • Radar, 157 O avanço conservador, 185
Medidas centralizadoras, 185
Quadros do capítulo
Consolidação do Estado nacional, 186
A ideia de revolução no Brasil, 134 / Vodu e Créole: símbolos de
resistência, 138 / Hidalgo, 139 / Tupac Amaru, 140 / Mulheres Tá ligado?!, 186
políticas, 142 / A assembleia, 148 Verificação de leitura 4, 186
Um Outro Olhar, 187
‣ Engenho e Arte, 188 • Radar, 193
CAPÍTULO 5 Nações, Nacionalismo e
Internacionalismo, 159 Quadros do capítulo
Napoleão volta à França, 161 / Feminismo e revolução, 164 /
1 A nação como novidade, 160 Anarquistas, 168 / Música e nacionalismo, 171 / Ku Klux
História e nacionalismo, 161 Klan, 177 / A Confederação do Equador (1824), 180 / A Bahia
A França no século XIX, 162 em armas, 182
A Revolução de 1830, 162
1848: a Primavera dos Povos, 163
As mulheres e a Revolução de 1848, 163 CAPÍTULO 6 O Imperialismo, 195
A Segunda República Francesa, 164 1 A expansão imperialista, 196
Outro 18 Brumário, 164 O imperialismo, 197
O Segundo Império, 165 O imperialismo cultural, 197
Paris: fulgor e guerra, 165 Biologia como destino, 198
A Comuna de Paris, 165
Tá ligado?!, 198
Pela revolução, 166
O imperialismo estadunidense, 198
O socialismo de Marx e Engels, 166
América como fronteira, 199
Análise de imagem: II Quarto Stato [O quarto Estado], 167
Tá na rede!, 199
Tá na rede!, 167 Tio Sam, 200
O anarquismo, 167
Análise de imagem: Problemas em Cuba ou Tio Sam deseja
Verificação de leitura 1, 168 Cuba, 201
2 As unificações da Itália e da Alemanha, 169 Verificação de leitura 1, 202
A unificação italiana, 169 2 Corrida pela África e Ásia, 203
A Sicília e suas tradições, 170
África e os exploradores, 204
A unificação alemã, 170
A Conferência de Berlim, 204
O governo de Bismarck, 170
A partilha da África, 204
Verificação de leitura 2, 171 Portugueses versus britânicos, 205
3 A construção dos Estados Unidos no século XIX, 172 O impacto da conquista e ocupação, 206
Nacionalismo, 172 Resistências africanas, 206
Imigração e avanço territorial, 173 A questão da África do Sul, 208
Os povos indígenas e a Marcha para o Oeste, 173 Tá na rede!, 208
A Guerra de Secessão (1861-1865), 174 A Etiópia independente, 208
A questão tarifária, 175 A corrida pela Ásia, 209

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Índia e China, 209 Campanha civilista, 241
Tá ligado?!, 209 Tá ligado?!, 241
Japão, 210 A definição das fronteiras, 242
Um Outro Olhar, 211 O território nacional, 242
Verificação de leitura 2, 211 A questão da Amazônia, 242
‣ Engenho e Arte, 212 • Radar, 215 Verificação de leitura 3, 243
‣ Engenho e Arte, 244 • Radar, 249
Quadros do capítulo
O luxo da Belle Époque, 196 / Guantânamo: Base naval e campo Quadros do capítulo
de concentração, 199 / Contra o expansionismo, 200 / A O café, 219 / Tratamento aos colonos da Fazenda do Senador
questão da Libéria, 205 Vergueiro, 221 / Rebouças, 224 / Dragão do Mar, 224 / O povo
ao poder, 225 / Interesses do Brasil, 228 / Rei Dom Obá II da
África, 230 / Dia da República, 234 / Opulência e miséria na
CAPÍTULO 7 A costura da ordem Amazônia, 243
republicana no Brasil, 217
1 O Império do café e a República, 218 CAPÍTULO 8 Fora da ordem brasileira, 251
O café e o Estado nacional, 219
1 As armas da fé, 252
As ferrovias, 219
O questionamento à escravidão, 220 Lampião, 252
O sistema de parceria, 220 Canudos, 253
Padrão escravista, 221
A fundação de Belo Monte, 253
Santa Catarina e o falanstério de Fourier, 221
Os combates, 253
A transição para o trabalho assalariado, 222 A Guerra do Contestado, 255
A política de branqueamento, 222 Verificação de leitura 1, 255
As lutas pela abolição da escravidão, 223 Um Outro Olhar, 256
Abolicionistas negros, 223 2 A indústria do café, 258
A província do Ceará e a abolição, 224 As migrações e a Revolução Industrial, 259
As letras e as raças, 224 Tá na rede!, 259
O romantismo e a busca da identidade nacional, 224
Análise de imagem: Navio de emigrantes, 259
O realismo e as bases científicas da identidade nacional, 225
Complexo cafeeiro, 260
Identidade e diversidade, 226
Políticas econômicas, 260
Tá na rede!, 227
Tá ligado?!, 261
“Entre outras mil és tu Brasil”, 227
Verificação de leitura 2, 261
As intervenções brasileiras na região do Prata, 228
A Guerra do Paraguai, 228 3A
 classe operária vai ao paraíso?, 262
O Exército brasileiro, 229 A reurbanização do Rio de Janeiro, 262
O isolamento da monarquia, 230 Capoeira, Carnaval e espaço público, 263
A Questão Religiosa, 231 A Revolta da Vacina, 266
Tá ligado?!, 231 A Revolta da Chibata, 266
Republicanismos, 232 O proletariado, 266
Verificação de leitura 1, 232 Verificação de leitura 3, 267
Um Outro Olhar, 233 ‣ Engenho e Arte, 268 • Radar, 272
2 A república da espada, 234 Quadros do capítulo
Governo Provisório, 235 Religiosidade, messianismo e milenarismo, 254 / A desigualdade
A Constituição de 1891, 235 social, 263 / Carnaval em preto e branco, 265
O governo Deodoro, 236
O Encilhamento, 236
BIBLIOGRAFIA, 274
Floriano Peixoto, 237 ÍNDICE DE MAPAS E INFOGRÁFICOS, 276
O fim do poder militar, 238 ÍNDICE REMISSIVO E ONOMÁSTICO, 277
Verificação de leitura 2, 238
3 A institucionalização do regime, 239
A “degola” da oposição, 239
O coronelismo, 241

Sumário 7

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Enem: matriz
de referências
Os quadros a seguir trazem os elementos indispensáveis para a compreensão
das competências, habilidades e conteúdos propostos como referências para o
Enem. Utilizaremos as abreviaturas assinaladas a seguir nas atividades, repre-
sentadas pelo ícone →.
Disponível em: http://goo.gl/hpilca. Acesso em: 12 abr. 2016.

2.1. EIXOS COGNITIVOS (comuns a todas as áreas de conhecimento)


dominar a norma culta da Língua Portuguesa e fazer uso das linguagens
1. Dominar linguagens: (DL)
matemática, artística e científica e das línguas espanhola e inglesa.
construir e aplicar conceitos das várias áreas do conhecimento para a
2. Compreender
(CF) compreensão de fenômenos naturais, de processos histórico-geográficos, da
fenômenos:
produção tecnológica e das manifestações artísticas.
3. Enfrentar situações- selecionar, organizar, relacionar, interpretar dados e informações representados
(SP)
-problema: de diferentes formas, para tomar decisões e enfrentar situações-problema.
4. Construir relacionar informações, representadas em diferentes formas, e conhecimentos
(CA)
argumentação: disponíveis em situações concretas, para construir argumentação consistente.
recorrer aos conhecimentos desenvolvidos na escola para elaboração de
5. Elaborar propostas: (EP) propostas de intervenção solidária na realidade, respeitando os valores humanos
e considerando a diversidade sociocultural.

2.2. MATRIZ DE REFERÊNCIA DE CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS

COMPETÊNCIAS HABILIDADES
Competência de área 1. H1 - Interpretar historicamente e/ou geograficamente fontes documentais
Compreender os elementos acerca de aspectos da cultura.
culturais que constituem H2 - Analisar a produção da memória pelas sociedades humanas.
as identidades.
H3 - Associar as manifestações culturais do presente aos seus processos históricos.
H4 - C
 omparar pontos de vista expressos em diferentes fontes sobre
determinado aspecto da cultura.
H5 - Identificar as manifestações ou representações da diversidade do
patrimônio cultural e artístico em diferentes sociedades.
Competência de área 2. H6 - I nterpretar diferentes representações gráficas e cartográficas dos espaços
Compreender as geográficos.
transformações dos espaços H7 - I dentificar os significados histórico-geográficos das relações de poder
geográficos como produto entre as nações.
das relações socioeconômicas
e culturais de poder. H8 - A
 nalisar a ação dos estados nacionais no que se refere à dinâmica
dos fluxos populacionais e no enfrentamento de problemas de ordem
econômico-social.
H9 - C
 omparar o significado histórico-geográfico das organizações políticas e
socioeconômicas em escala local, regional ou mundial.

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COMPETÊNCIAS HABILIDADES
Competência de área 2. H10 - Reconhecer a dinâmica da organização dos movimentos sociais e
(continuação) a importância da participação da coletividade na transformação da
realidade histórico-geográfica.
Competência de área 3. H11 - Identificar registros de práticas de grupos sociais no tempo e no espaço.
Compreender a produção H12 - Analisar o papel da justiça como instituição na organização das
e o papel histórico das sociedades.
instituições sociais, políticas e
econômicas, associando-as aos H13 - Analisar a atuação dos movimentos sociais que contribuíram para
diferentes grupos, conflitos e mudanças ou rupturas em processos de disputa pelo poder.
movimentos sociais. H14 - C
 omparar diferentes pontos de vista, presentes em textos analíticos e
interpretativos, sobre situação ou fatos de natureza histórico-geográfica
acerca das instituições sociais, políticas e econômicas.
H15 - Avaliar criticamente conflitos culturais, sociais, políticos, econômicos ou
ambientais ao longo da história.
Competência de área 4. H16 - Identificar registros sobre o papel das técnicas e tecnologias na
Entender as transformações organização do trabalho e/ou da vida social.
técnicas e tecnológicas H17 - Analisar fatores que explicam o impacto das novas tecnologias no
e seu impacto nos processos de processo de territorialização da produção.
produção, no desenvolvimento
do conhecimento H18 - Analisar diferentes processos de produção ou circulação de riquezas e
e na vida social. suas implicações socioespaciais.
H19 - Reconhecer as transformações técnicas e tecnológicas que determinam as
várias formas de uso e apropriação dos espaços rural e urbano.
H20 - S
 elecionar argumentos favoráveis ou contrários às modificações impostas
pelas novas tecnologias à vida social e ao mundo do trabalho.
Competência de área 5. H21 - Identificar o papel dos meios de comunicação na construção da vida
Utilizar os conhecimentos social.
históricos para compreender H22 - Analisar as lutas sociais e conquistas obtidas no que se refere às
e valorizar os fundamentos da mudanças nas legislações ou nas políticas públicas.
cidadania e da democracia,
favorecendo uma atuação H23 - A
 nalisar a importância dos valores éticos na estruturação política das
consciente do indivíduo sociedades.
na sociedade. H24 - Relacionar cidadania e democracia na organização das sociedades.
H25 - Identificar estratégias que promovam formas de inclusão social.
Competência de área 6. H26 - Identificar em fontes diversas o processo de ocupação dos meios físicos e
Compreender a sociedade as relações da vida humana com a paisagem.
e a natureza, reconhecendo H27 - Analisar de maneira crítica as interações da sociedade com o meio físico,
suas interações no espaço em levando em consideração aspectos históricos e (ou) geográficos.
diferentes contextos históricos
e geográficos. H28 - Relacionar o uso das tecnologias com os impactos socioambientais em
diferentes contextos histórico-geográficos.
H29 - Reconhecer a função dos recursos naturais na produção do espaço
geográfico, relacionando-os com as mudanças provocadas pelas ações
humanas.
H30 - Avaliar as relações entre preservação e degradação da vida no planeta
nas diferentes escalas.

Enem: matriz de referências 9

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Procedimentos
metodológicos
Como analisar um Filme Como analisar uma Imagem

Os filmes contam histórias por meio de imagens, sons, Para interpretar uma imagem – obras de arte, fotos e
diálogos e efeitos especiais que conduzem o especta- ilustrações –, esteja atento a alguns procedimentos.
dor através de uma narrativa recheada de mensagens

THE BRIDGEMAN ART LIBRARY/GRUPO KEYSTONE


e informações. De olho em sua marcante presença na
sociedade em que vivemos, ao final de cada capítulo
há a subseção Em Cartaz, para que você possa explo-
rar os conteúdos a partir dessa linguagem.
Mesmo que baseados em fatos considerados reais, os
filmes que possuem como tema uma situação histó-
rica devem ser compreendidos como representações
dessa situação. Ou seja, não são “a História”, mas
discursos e visões “sobre a História”. Apesar disso,
podem auxiliar na produção de reflexões e conheci-
mentos, pois a partir deles podemos discutir deter-
minadas visões sobre uma dada sociedade e organi-
zar informações e conceitos a seu respeito. Il Quarto Stato (O Quarto Estado), Giuseppe Pellizza de
Volpedo. Óleo sobre tela, 1895-1896. (detalhe)
Mas, para que isso seja possível, antes de analisar
qualquer filme, é importante levar em consideração: Procure seguir estes procedimentos:

1 O momento em que foi produzido. 1 Identifique o que está no centro e à frente na figu-
2 Seu diretor e país de origem, pois, além de ima- ra. Geralmente, é o que o autor da imagem procu-
gens, as películas também projetam características rou destacar.
e pontos de vista do presente sobre o passado. 2 Verifique os espaços late­rais, aquilo que está
3 O tema do filme e seus personagens principais. mais longe do centro, ao fundo ou no alto.

4 O momento histórico em que transcorre a trama do 3 Note se há espaços fechados e espaços abertos.
filme. 4 Identifique todas as pessoas, animais, constru-
5 As mensagens transmitidas pelo filme e os pontos ções e demais figuras que compõem a imagem.
de vista expressados ao longo da sua narrativa. 5 Confira se há personagens ou figuras escondidas
ou encobertas.
6 Verifique as ações que estão sendo retratadas.
IMAGENS: DIVULGAÇÃO

Qual é a principal? Quais são as secundárias (se


houver)?
7 Preste atenção nas expressões faciais e atitudes
dos personagens. Não se esqueça dos pequenos
detalhes, pois eles podem revelar muito.
8 Procure identificar o tema ou o assunto da imagem.
9 Procure identificar o período e o contexto em que
a imagem foi produzida.
10 Procure formular hipóteses sobre as mensagens
apresentadas pela imagem.

10

OH_V2_Book.indb 10 13/05/16 12:03


Como interpretar um Texto
Para os textos, procure seguir estes procedimentos:
“Lutei contra a espoliação do
1 Faça uma primeira leitura do texto.
Brasil. Lutei contra a espoliação do
2 Faça uma lista com as palavras que não entendeu. povo. Tenho lutado de peito aberto. O
3 Agora, organize essa lista: palavras cujo significado você não ódio, as infâmias, a calúnia não aba-
sabe; palavras cujo significado você poderia arriscar; e pala- teram meu ânimo. Eu vos dei a minha
vras que, pelo texto, você já entendeu. vida. Agora ofereço a minha morte.
4 Consulte o dicionário de língua portuguesa. Tire suas dúvidas. Nada receio. Serenamente dou o pri-
5 Agora procure informações sobre o autor desse texto. Quem meiro passo no caminho da eternidade
é? A qual grupo social pertence(ia)? e saio da vida para entrar na História”.
6 Identifique o assunto do texto. “Carta-testamento de Getúlio Vargas”,
Diário de Notícias, Rio de Janeiro,
7 Faça uma nova leitura completa e resolva as questões pro- 24 de agosto de 1954.
postas.

Como analisar um Mapa


OH_U5_pag474a

MÁRIO YOSHIDA
O mapa é uma representação de determinado espaço AMÉRICA ESPANHOLA ANTES
geográfico, que utiliza texto e imagem. DAS INDEPENDÊNCIAS (1800)
OCEANO GLACIAL
ÁRTICO
Para os mapas, procure seguir estes procedimentos:

1 Leia o título do mapa. Nele está contido o assunto


representado. TERRA NOVA

2 Identifique quais são as partes do mundo retrata-


TERRA DE RUPERT’S St. Pierre e Miquelon
o

NEW BRUNSWICK
ou Á
re
oL D

Quebec ILHA PRÍNCIPE EDWARD


Sã A
N

das.
CA

Montreal NOVA ESCÓCIA


Rio

Boston
Nova Iorque

3 Observe quais são as partes destacadas (países, ESTADOS


UNIDOS Bermuda
OCEANO
ATLÂNTICO
continentes, regiões...).
4 Confira a posição relativa de localização em rela- Havana
Bahamas
Ilhas Virgens
VICE-REIN St. Martin
ção ao lugar onde você se encontra, ao norte, ao
ADO D A N CUBA Barbuda
OVA HAITI Antígua
ES Guadalupe
Jamaica PA
NH Dominica
sul, a leste ou a oeste. México
Belize
Bonaire
A
COSTA DO Curaçao St. Lucia
MOSQUITO Aruba
Martinica
Barbados
São Vicente
Granada

5 Note se há rios e mares representados. Tobago


Trinidad
DEMERARA
s

Caiena
de

6 Verifique se há indicação de cidades, reinos, VICE-REINADO DE SURINAME


An

NOVA GRANADA
OCEANO
impérios ou outra divisão política no mapa. PACÍFICO

7 Veja se há representação de relevo ou vegetação.


VICE-REINADO
DO PERU BRASIL
Lima

8 Leia com atenção as legendas. Identifique no La Paz


Andes

mapa os sinais e as cores na legenda. São infor-


VICE

Assunção
Rio de Janeiro
-REINADO DO PERU

mações muito importantes. VICE-REINADO DO


RIO DA PRATA

9 Identifique o momento histórico representado.


Santiago
Buenos Aires
Possessões inglesas

10 Faça agora uma leitura global do mapa. Procure Possessões francesas


Patagô

relacionar as informações oferecidas. Possessões espanholas


nia

Possessões portuguesas
11 Analise o assunto e as informações trazidas pelo Possessões holandesas
ESCALA
0 1 325 2650 km
mapa ao tema desenvolvido no capítulo.
Fonte: Elaborado com base em SELLIER, J. Atlas de los pueblos de America.
Barcelona: Paidós, 2007.

Procedimentos metodológicos 11

OH_V2_Book.indb 11 13/05/16 12:04


Mapeando o livro
É importante que você compreenda como organizamos este livro e as ferramentas
que ele contém. Cada uma das seções do capítulo tem uma função que vai ajudá-
-lo(a) a desenvolver um tipo de conhecimento e habilidade.

Estrutura deste volume


Coleção Capítulos
A coleção está dividida em Cada capítulo é composto
3 volumes. Neste segundo por um texto de
volume, os conteúdos abertura e uma lista dos
foram distribuídos em principais conceitos a ser
8 capítulos. Alguns compreendidos.
conteúdos do volume
anterior são revisados na
seção Recapitulando.

Estrutura de cada capítulo


Itens
Cada capítulo está
dividido em itens
numerados, nos quais
são desenvolvidos os
conteúdos conceituais.

Texto central Textos


O texto central de cada complementares
capítulo encontra-se O texto dos autores é
dividido em títulos entremeado por análises
e subtítulos para historiográficas e textos
melhor entendimento literários, em geral
do conteúdo. acompanhados por
documentos iconográficos,
gráficos, tabelas e mapas.

12

OH_V2_Book.indb 12 13/05/16 12:04


Interdisciplinaridade Para saber mais
Um Outro Olhar Tá na rede
Em cada capítulo há uma Dicas de sites para
seção chamada Um Outro aprofundar seus
Olhar. Ela não tem lugar conhecimentos. Também
fixo. Pode aparecer no pode ser acessado através
meio, logo no início de um aplicativo QrCode.
ou no final do capítulo e vai
estabelecer propostas de
atividades, estabelecendo
algum diálogo com
outras disciplinas.

Quadros Estante
interdisciplinares Dicas de livros para
Nesses quadros também aprofundar seus
são estabelecidas relações conhecimentos.
e contextualizações
com outras áreas do
conhecimento.

Organização visual dos conteúdos


Linhas de tempo
Principais datas para você
organizar seus estudos
e permitir uma melhor
compreensão dos capítulos.

Análise de imagens Infográficos


Um dos elementos mais Através dos infográficos
destacados da coleção é a e tabelas, são oferecidos
análise de fontes visuais. conteúdos sinteticamente
organizados e
sistematizados.

Mapeando o livro 13

OH_V2_Book.indb 13 13/05/16 12:04


Atividades diversificadas
Verificação de aprendizado Engenho e Arte
Verificação de leitura Leitura
Encontra-se ao final de cada complementar
item e contém exercícios Seção composta por
que trabalham a sua um texto que permite
compreensão leitora, tratando aprofundar questões e
das questões centrais que problemas referentes aos
foram apresentadas ao conteúdos desenvolvidos no
longo do texto. Cada questão capítulo. Classificados de
apresenta um código com a acordo com as habilidades e
classificação das habilidades competências envolvidas.
e competências envolvidas.
Mãos à Obra
Tá ligado?! Conjunto de atividades,
com exercícios elaborados
Questões relacionadas a
pelos autores, questões do
um conteúdo específico
Enem e de vestibulares.
do capítulo para reforçar
São atividades mais
a sua compreensão.
aprofundadas que visam
Classificadas de acordo
desenvolver habilidades de
com as habilidades e
análise, problematização,
competências envolvidas.
interpretação e
reflexão. Cada atividade
apresenta um código
com a classificação das
habilidades e competências
Radar envolvidas.
São apresentadas
questões de vestibulares Em Cartaz
de todo o Brasil sobre os Oficina de cinema, na qual
assuntos desenvolvidos propomos uma sequência
no capítulo. Cada questão didática para a análise
é classificada de acordo da narrativa fílmica.
com as habilidades e Classificada de acordo
competências envolvidas. com as habilidades e
competências envolvidas.

Referências e índices
Dividida em: Bibliografia,
com as principais referências
bibliográficas utilizadas para
elaborar a coleção; Índice
de mapas e infográficos,
para uma busca rápida por
mapas, infográficos e tabelas
do livro; e Índice remissivo e
onomástico, para uma busca
rápida por nomes, conceitos e
temas mais importantes.

14

OH_V2_Book.indb 14 13/05/16 12:04


Recapitulando

As fronteiras móveis
da Idade Média
DE OLHO nos

E
ssa introdução procura se constituir como uma espécie de
Conceitos
fronteira móvel entre o volume 1 e o volume 2 da nossa cole-
ção. Por um lado, recuperamos alguns conteúdos essenciais • Teocracia
que permitem uma utilização mais flexível, dependendo das neces- • Monoteísmo
sidades e características da programação curricular de cada escola e
de cada região do país. Por outro lado, a possibilidade de demarcar a
• Politeísmo
passagem do livro 1 para o livro 2 em capítulos diferentes revela uma • Feudo
característica peculiar do período estudado. • Senhorio
Trata-se de fronteiras móveis Por todas essas razões, há auto- • Expansão feudal
porque a questão de fundo é o pro- res que sustentam a existência de
• Protestantismo
cesso de transição do feudalismo
para o capitalismo e a demarca-
uma Longa Idade Média que só
teria se encerrado ao final do sécu- • Luteranismo
ção do fim da Idade Média e do iní- lo XVIII. • Anglicanismo
cio da Idade Moderna. O fim da Idade Média pode ser
• Calvinismo
Tal transição começou a se
desenhar a partir do século XIV e
demarcado no século XVIII com a
emergência da sociedade industrial. • Contrarreforma
só se completou na segunda meta- Ou então em 1492, com a chegada • Absolutismo
de do século XVIII, com a chama- de Cristóvão Colombo à América.
• Escravidão
da Revolução Industrial, com a
Ilustração e com a constituição de
A ruptura da cristandade ociden-
tal em 1517 com o início da Refor- • Tráfico negreiro
um conceito de soberania políti- ma Protestante pode servir de base
BIBLIOTECA REAL DE BRUXELAS, BÉLGICA
ca que daria sustentação aos regi- para essa delimitação. E até mesmo
mes liberais e constitucionais do a queda de Constantinopla em 1453.
século XIX. Qualquer uma dessas deli-
A rigor, tal transição combi- mitações oferece um conjunto de
na elementos feudais a elementos argumentos que merece ser con-
capitalistas. A conquista colonial siderado. Mas, de qualquer modo,
dos séculos XVI e XVII articula-se à o período que se estende entre os
expansão feudal dos séculos XI-XII séculos XV e XVIII apresenta uma
por suas motivações. A sociedade série de permanências e ruptu-
do Antigo Regime manteve muitas ras que o caracteriza como uma
características da sociedade feudal. época de transição e de fronteiras
O Estado absolutista pode ser defi- móveis, que a interpretação his-
Mapa-múndi, atribuído a Simon
nido como um Estado feudal em tórica deve demarcar através da Marmion. Iluminura, extraída do
função da sua natureza social. reflexão e da argumentação. manuscrito La fleur des histories,
Jean Mansel 1459-1463. (detalhe)

15

OH_V2_Book.indb 15 13/05/16 12:04


1 A África até o século XV
Por volta de 6000 a.C., o Saara, até então região de sava- drenagem de pântanos, para construção de diques e
nas habitada por caçadores, pescadores, pastores e agri- para os canais de irrigação. O empreendimento exigia
cultores, começou a sofrer um progressivo processo de trabalho organizado em larga escala, o que facilitou o
ressecamento. A diminuição do volume de chuvas levou desenvolvimento de uma estrutura administrativa local
as populações da região a se deslocar à procura de supri- em cada comunidade, que se tornou a base da estrutu-
mento permanente de água. Uma parte se dirigiu para ra política do Egito. Por outro lado, o rio Nilo favorecia
o norte, ocupando regiões montanhosas e vales, e ado- a comunicação natural entre as diferentes regiões, faci-
tou um modo de vida pastoril e seminômade próximo do litando o desenvolvimento de uma unidade linguística
Mediterrâneo. Outros migraram para o sul e instalaram- e cultural.
-se nas savanas, na curva do rio Níger e ao redor do lago Ergueu-se, assim, das margens férteis do Nilo, uma
Chade, formando pequenas comunidades agrícolas. Por sociedade nova, diversificada e complexa cujos habitan-
fim, uma parte se dirigiu para leste e se concentrou no tes chamavam-se a si próprios kmt (negros). Ao final do
vale do Nilo. IV milênio a.C., formava-se um Estado centralizado que
As grandes mudanças climáticas e ambientais ocor- se organizou por meio de uma teocracia, ou seja, um tipo
ridas entre 6000 e 2500 a.C. marcaram e alteraram pro- de governo que se apresenta como a expressão da divin-
fundamente a distribuição dos agrupamentos humanos no dade na Terra. No caso do Egito, uma teocracia dirigida
continente africano. A vida em comunidade não poderia pelos faraós.
ser a mesma nas grandes zonas desérticas, nas florestas Abaixo dos faraós encontrava-se uma nobreza com-
equatoriais, nas regiões montanhosas, nas bacias fluviais posta da família real, dos altos funcionários e dos altos
ou nos grandes lagos. sacerdotes. A seguir, apareciam os escribas, funcionários
Assim, no IV milênio a.C., ao mesmo tempo em que mais modestos, sacerdotes dos pequenos templos, oficiais
a região saariana se encontrava em processo de deser- militares, artistas e artesãos especializados a serviço do
tificação, o continente africano apresentava uma gran- faraó ou da corte. Na base da sociedade encontravam-se
de diversidade de formações sociais. No delta do Nilo, os trabalhadores que prestavam serviços nas pedreiras,
havia núcleos urbanos e comunidades que praticavam minas, oficinas artesanais e nos campos agrícolas. Por fim,
a agricultura irrigada. Mais ao sul, na região da Núbia, os escravizados estrangeiros utilizados nas obras públicas
concentravam-se comunidades de agricultores e pasto- e nos serviços domésticos.
res seminômades. Nos planaltos etíopes, formavam-se Ao sul da primeira catarata estendia-se uma região
pequenas comunidades sedentárias agricultoras e pas- chamada de Kush pelos egípcios. Região povoada também
toris. Na região subsaariana, as comunidades viviam da por povos que fugiam da desertificação do Saara. Entre-
caça e da coleta, enquanto as comunidades de cultura tanto, o vale nessa região era mais árido, mais acidenta-
pastoril seminômade espalhavam-se por toda região ao do e repleto de cataratas. Suas riquezas, no entanto, atraí-
norte do Saara. ram e despertaram cobiça dos governantes do Egito. Em
determinado momento o vizinho Reino de Kush tornou-se
O vale do Nilo e o Egito Antigo um potente concorrente político e soube impor seu domí-
A grande concentração populacional ao longo das mar- nio a todo o vale.
gens do Nilo, entre a primeira catarata e o delta, favore- O grande Império egípcio se constituiu como centro
ceu o surgimento e o desenvolvimento de uma das primei- dinâmico de relações mercantis desenvolvidas no mar
ras e mais importantes sociedades organizadas do mundo Mediterrâneo, no Saara oriental, no corredor sírio-pales-
antigo e certamente a mais duradoura, prolongando-se por tino. Ao sul, através da Núbia, estabeleceram-se rotas em
mais de três mil anos: o Egito Antigo. direção à África subsaariana. Os afluentes do Nilo propor-
Por meio de seus monumentos, textos e iconografia, o cionaram, a leste, o acesso às terras altas da Etiópia, ao
Egito nos deixou informações sobre a maneira de pensar, mar Vermelho e ao oceano Índico.
sentir e viver de seus habitantes, mas, sobretudo, não nos Na encruzilhada de caminhos africanos, o antigo Egito
deixou dúvidas de que essa sociedade resplandecente era constituía-se o ponto de intersecção entre as formações
de base negro-africana. sociais da Ásia e da Europa. Por meio de uma imensa e
A grande realização desses povos foi o controle da intrincada rede comercial, circulavam produtos, matérias-
terra e do rio, com o desenvolvimento de técnicas para -primas, técnicas e outros saberes.

16

OH_V2_Book.indb 16 13/05/16 12:04


OH_RECAP_p17a

MÁRIO YOSHIDA
submeteram cartagineses e gregos transformando o mar
ÁFRICA (IV MILÊNIO a.C.)
Mediterrâneo em mare nostrum (nosso mar). Ou seja, um
Ri
oT
mar no interior de suas províncias.
M a r M M
Entretanto, uns e outros ocuparam as bordas da Áfri-
e E

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Eu SO

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o
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e
frat PO
e r r es T
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â n e o M
ca do Norte. Os cartagineses se mantiveram nas planí-
IA

popu
populações
pop cies, sem chegar a penetrar o deserto, que continuava a

Ri
saarianas
saar

M
oN
ser território de formações sociais que se desenvolviam

ar
Saara:
Saa
Saar a: processo
proce
oces
oce
cess
ces
esso
ess
sso
so de desertificação 6000-2500 a.C.

ilo

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semitas

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Núbia
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úbbia
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Península
Pennín
n
autonomamente.

elh
Arábica

o
Ri
tba

oA
ra
No grande Império construído por Alexandre, o Gran-

o Branco
Ri o
Lago Chade
Ri

Nil
o

o
de, o Egito, apesar de derrotado militarmente e incorpora-

Azu
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Nil
r

l
Rio
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Planaltos
P la
an
nalto
alto
alt
tos
Etí
Etío
E
Ettí
tío
tío
íoppe
pes
Etíopesess
e
do politicamente, continuava a irradiar saberes através da
OCEANO
Rio
Congo cidade de Alexandria, considerada a capital intelectual do
ATLÂNTICO pigmeus
mundo mediterrânico.
Limite de expansão o Vitória
Lago ria
do pastoreio
OCEANO
OCEANO
Mas os gregos, com esforço, atingiram a primeira cata-
Núcleos urbanos
caçadores-coletores
ÍNDICO rata. Para além, seguindo o curso do Nilo, florescia o Reino
Agricultura
de Kush e Meroé (284-266 a.C.), que se consolidou como
R
CA
Transição caça-coleta Rio Zambez
para agricultura ÁS
a capital do reino, onde as mulheres de sangue real deti-
e

G
DA

caçadores-coletores
Caça-coleta
MA

Deslocamentos
Deserto do
Kalahari nham o poder. No nordeste, a partir do século I a.C., nos
Cataratas Rio Orange ESCALA planaltos, nascia outra grande potência, o Reino de Axum.
pigmeus Povos 0 1 310 2620 km
Na confluência entre os rios Níger e Benué e o lago
Fonte: Elaborado com base em ADE AJAYI, J. F.; CROWDER, M. Historical Atlas Chade, florescia uma cultura que se caracterizou pela
of Africa. Essex: Longman, 1985; BLACK, J. World history atlas. London: Dorling produção de refinada arte estatuária de terracota. Os
Kindersley, 2008; JOLLY, J. L'Afrique et son environnement européen et asiatique.
Paris: L'Harmattan, 2008. povos de língua bantu que haviam iniciado sua longa
expansão rumo ao sul do continente, chegavam à região
África e o mundo mediterrâneo: fenícios, em torno dos grandes lagos. Na África austral, caçado-
gregos e romanos res coletores mantinham o mesmo modo de vida de seus
As riquezas do Egito atraíram para a África dois dos mais ancestrais do Período Neolítico.
importantes povos marítimos e mercantis do mar Mediter- OH_RECAP_p17b

MÁRIO YOSHIDA
râneo oriental, os gregos e os fenícios. ÁFRICA (250 a.C.)
Por meio das trocas comerciais entre Creta e Egito,
comunidades gregas passaram a estabelecer colônias, a Tingis Cartago
Berbere Tiro
iro
Cyrene
partir do século VII a.C., nos vales férteis da Cirenaica. Os re
na
ica Gaza
za
a
Ci
Alexandria
grandes concorrentes dos gregos no comércio mediterrâ- S a a r a
R
io

nico foram os fenícios. Fenícia foi o nome dado pelos gre-


Nilo

Garama Península
Arábica
gos ao litoral da Síria e do Líbano, região habitada por povos
de língua semita. Os fenícios utilizaram o mar como alter- Adulis
Rio

Djenné
Meroé

nativa para suas atividades econômicas e, devido a sua


ge

Povos do
r

Atlântico
Ocidental
posição privilegiada, passaram a servir de intermediários
Nok

Núcleo Povos
Nilóticos
comerciais entre as sociedades da Mesopotâmia e do Egito. Bantu

Enquanto os gregos se expandiram para o Ocidente ao longo Domínio


OCEANOcartaginês
OCEANO
o

da costa do mar Mediterrâneo, os fenícios foram para oeste


ng

ATLÂNTICO
Domínio ptolomaico ÍNDICO
Co

Reino de Kush
io

R
acompanhando o litoral africano. Reino de Axum

As relações comerciais e culturais estabelecidas entre os Confederação Garamante


Cultura Nok
povos das planícies costeiras do norte com os fenícios carac- Núcleo Bantu original
Za
mbeze
Rio

Expansão Bantu
terizaram-se pela consolidação de uma cultura mestiça de (500-250 a.C.)
Regiões auríferas
origem fenícia e berbere. Dessa inter-relação surgiu uma O
Oásis
Ri
o Limp
op

Khoisan
o

grande potência: Cartago, que se constituiu num império S


Salinas
nge
Rotas terrestres Rio Ora
sediado na África do Norte e assumiu a liderança comercial Rotas marítimas
ESCALA
0 1 150 2300 km
do Mediterrâneo nos séculos IV e III a.C. Khoisan Povos

Mas, enquanto os cartagineses se expandiam e domi- Fonte: Elaborado com base em ADE AJAYI, J. F.; CROWDER, M. Historical Atlas
navam a costa oeste da África setentrional, os gregos se of Africa. Essex: Longman, 1985; BLACK, J. World history atlas. London: Dorling
Kindersley, 2008; SMITH, S. Atlas de L'Afrique. Un continent jeune, révolté,
estabeleciam na costa leste. Posteriormente, os romanos marginalizé. Paris: Autrement, 2005.

Recapitulando 17

OH_V2_Book.indb 17 13/05/16 12:04


OH_RECAP_p18

Entre 500 a.C. a 1000 d.C., boa parte do continente


MÁRIO YOSHIDA

ÁFRICA (SÉCULO III d.C.)


sofreu influência das três maiores religiões monoteístas:
judaísmo, cristianismo e islamismo. No Egito, uma prós-
EUROPA
pera comunidade judaica esteve instalada na ilha de Ele-
fantina, no século V a.C. No período macedônico, os judeus
ocuparam dois grandes bairros na cidade de Alexandria.
OCEANO À medida que o comércio se desenvolvia no período
ATLÂNTICO
Cesareia
Tingis
Cartago
Mar
greco-romano, os mercadores judeus se espalhavam pelo
Leptis Medi

Mauro
Númida Magna
terrâneo
Alexandria
Tiro ÁSIA
interior das planícies centrais da África do Norte. Poste-
Gétulo
Farfúsio
Líbio Nasamão
EGITO
Petra
riormente, quando os povos Berbere passaram a criar
Península
Garama
Tebas Arábica
camelos e desenvolveram rotas pelo interior do deserto, os
Berenice Para
Índia comerciantes judeus se estabeleceram onde as caravanas
Tichitt-Walata
Djenné
Para
transaarianas tinham seus pontos de encontro.
Meroe
Kumbi Saleh
Soninké Lago Chade
Sennar
Adulis
Axum
Índia
Enquanto o judaísmo aparecia como uma religião das
Núcleo
Povos
Nilóticos
Avalitae Emporium
rotas de comércio, o cristianismo foi também uma religião
Povos do Atlântico
Bantu Para
Ocidental
Zanzibar de agricultores estabelecidos no campo. Quando o Egito
foi submetido pelos romanos, a aceitação do cristianismo
OCEANO como religião oficial do Império Romano contribuiu para a
ATLÂNTICO OCEANO
Pigmeu ÍNDICO propagação da nova religião nas províncias africanas.
A partir do Egito, o cristianismo se expandiu para o sul,
pelo curso do Nilo, por volta do século V d.C. Para além das
fronteiras do Egito, nos planaltos etíopes, o rei de Axum tor-
Império Romano Khoisan
Império de Kush nou-se o primeiro a se converter ao cristianismo, mas o nasci-
Confederação Garamante
Reino de Axum
mento lendário desse reino se reporta ao judaísmo.
Pigmeu
ESCALA
Segundo a tradição, a poderosa rainha de Sabá, cujos
Khoisan
Rotas transaarianas
0 1135 2 270 km domínios se estendiam dos planaltos etíopes, Sudão, Ará-
Principais direções
do tráfico do ouro Fonte: Elaborado com base em ADE AJAYI,
bia, Síria até as regiões da Índia, foi a Jerusalém a convi-
Expansão Bantu J. F.; CROWDER, M. Historical Atlas of Africa. te do rei Salomão. Lá estabeleceram relações comerciais.
Expansão dos povos nilóticos Essex: Longman, 1985; BLACK, J. World history
Limite sul do deserto atlas. London: Dorling Kindersley, 2008; JOLLY, A rainha controlava o comércio de ouro, marfim, ébano,
Minas de ouro J. L’Afrique et son environnement européen et pedras preciosas, óleos e especiarias.
Rotas comerciais asiatique. Paris: L’Harmattan, 2008; SMITH, S.
Estradas romanas Atlas de L’Afrique. Un continent jeune, révolté, Logo que voltou para seu reino, a rainha teria tido um
Salinas
marginalizé. Paris: Autrement, 2005.
O
Oásis filho, a quem deu o nome de Menelique. Menelique teria
C
Caravana
Soninké Povos sido educado sob as leis de Moisés e teria retornado ao
Reino de Axum com uma réplica da Arca da Aliança do
África: confluência de religiões Grande Templo de Jerusalém.
Por volta do século III d.C., através de seu porto de Adu-
Formou-se no Egito umas das primeiras experiências de
monoteísmo, de que se tem notícia na história da humani- lis, o Reino de Axum teve por algum tempo poder suficien-
dade. Por volta do século XIV a.C., subiu ao trono um jovem te para alargar seus domínios no mar Vermelho até o Iêmen.
faraó chamado Amenotep IV, responsável por uma reforma Os comerciantes árabes faziam de Adulis o principal porto
religiosa que abalou o Império egípcio. Amenotep IV insti- do mar Vermelho e do oceano Índico desde o século III a.C.,
tuiu a crença na existência de um único deus, o deus Aton, para o comércio com os gregos de Alexandria, cuja presença
que significava “disco solar”. O faraó posteriormente mudou introduziria o cristianismo no reino. No século IV d.C. o reino
seu nome para Akhenaton (“deus está satisfeito”). Decretou alcançou o auge de seu poder e converteu-se ao cristianismo.
que todos os egípcios, incluindo sírios, palestinos e núbios, No século V d.C., a cristandade do Império Romano na
que estavam sob o domínio do Egito, adorassem somente ao África sofreu uma grande investida. Povos vândalos cru-
deus Aton e nomeou-se como o único capaz de interpretar a zaram o Estreito de Gibraltar a partir da Espanha e promo-
vontade divina. Proibiu o culto de todos os outros deuses, até veram uma grande desordem para leste até Cartago, onde
mesmo o do popular Osíris, rompendo, assim, com tradições estabeleceram um principado que duraria um século.
e costumes milenares. Mas o reinado de Akhenaton durou Mas a expansão da cultura cristã na África foi inter-
somente dezessete anos e, depois de sua morte em 1358 a.C., rompida com o surgimento e expansão de outro movimen-
a nova religião foi aparentemente abandonada. to religioso que dominou boa parte do mundo conhecido.

18

OH_V2_Book.indb 18 13/05/16 12:04


A África e o impacto do Islã a lugares onde podiam penetrar animais de carga. A pere-
A religião muçulmana esteve presente no continente grinação, por sua vez, fazia com que muçulmanos de dife-
africano desde 639 d.C., quando os exércitos árabes inva- rentes lugares se mantivessem em contato com o desen-
diram o Egito e derrotaram as forças bizantinas. Do Egito volvimento dos grandes centros urbanos.
avançaram rumo ao ocidente, que seria denominado, a A religião muçulmana atingiu a África ocidental atra-
partir de então, Magreb. Com rapidez, a expansão islâ- vés do deserto, mas chegou à África oriental pelas rotas
mica levou os árabes até o Atlântico. Ao sul, penetraram comerciais do oceano Índico. Os mercadores vindos da
as savanas, que chamaram de Bilad Al Sudan, “o país dos Arábia e do golfo Pérsico abriram a costa oriental africana
negros”. Os muçulmanos descobriram o rico Sudão, domi- ao comércio intercontinental.
nado pelos povos Soninké, cujo soberano tinha sob sua Partindo do Egito, o Islã expandiu-se rumo ao Reino de
autoridade as regiões desde a curva do rio Níger à embo- Kush ou à chamada Núbia (“terra do ouro”) e em direção ao
cadura do rio Senegal. A partir do século XI, a documenta- Sudão oriental. Nesse ponto, os muçulmanos encontraram
ção escrita relativa à África ao sul do Saara torna-se cada a resistência dos reinos cristãos, que, durante algum tempo,
vez mais abundante. obstruíram sua marcha sobre o Nilo. Do mar Vermelho, o
A prática da religião muçulmana na África alastrava- Islã difundiu-se para o interior, favorecendo a emergência
-se entre agricultores, habitantes das cidades, negocian- de reinos muçulmanos ao redor dos reinos cristãos.
tes e nômades. O comércio transaariano foi a chave para A luta seria árdua nessa região. A Etiópia iria expres-
um movimento crescente de circulação de pessoas, ideias sar resistência entre os séculos XII e XV, quando seus
OH_V1_C5_m09
e práticas religiosas, que, por volta do século XI, começava soberanos obtiveram o apoio de uma nova força cristã
a afetar todas as partes da África. A religião de Alá chegava representada por Portugal.

MÁRIO YOSHIDA
ÁFRICA (1000 d.C.)
Córsega EUROPA
Sardenha

Sevilha Túnis Sicília


Tânger Ceuta Númida M a Antioquia
Kairuan r M e Creta Chipre
Mauro dite Beirute
Fez Trípoli Barca rrâneo Tiro ÁSIA
Gaza Bagdá
Marrakesh
Gadamés Jerusalém
Sijilmasa Nasamão Alexandria Basra
Farúsio Siwa Cairo

Go
Tuaregue
Nilo

Siraf Hormuz

lfo
Murzuk


Lamtuna Kufra Medina

r sic
Idjil Ghat Faras
Península

o
Teghazza
Ma

Sanhadja Muscat
Arábica
r Ve

Tubu Dongola Meca


rm

Beja
Bilma
elh

Mande NÚBIA
Awill
o

Walata Agades Kushita


Salalah
OCEANO Audagost
S Tombuctu Zaghawa
TEKRUR ene Soninké Gao Meroé Mar
Wolof gal Ash-Shirir
ATLÂNTICO Gâm Kumbi Djenné
SONGHAI
Haússa
KANEM al-Fasher Sennar Arábico
Adulis
Njimi
bia Saleh Mossi Fur Kordofani Axum Áden
GHANA Lago Chade
Mandinga Niani Kano Povos ETIÓPIA
Mandinga Nilóticos Ilha de
Zeila Berbera
r

MALI e Socotra
ge

nu u

Be nt
B a
Akan Ifé
Igbo gi n Lago
Juba

ba Rodolfo
U
Oromo
Mundo islâmico
Mogadíscio
Capital do Império
Lago
Comunidade em processo Vitória
de islamização o
Ka
sai Malindi
ng Lago
Reinos cristãos da Núbia e Etiópia Co Tanganica
Mombasa OCEANO
Zanzibar
Cidades ÍNDICO
Bantu Kilwa
Regiões auríferas
Lago
Soninké Ambilobe
Wolof Povos Malawi

Reinos subsaarianos Nosy-Mamuk Iharana


Zambeze Sambawa
Rotas comerciais Nosy-Manfa
Zafy Ramina
Sofala
Migrações
Núcleo original Bantu po
po
Lim
Expansão Bantu Khoisan

Núcleo original povos nilóticos (c. 600 a.C.) Orange


Migração povos nilóticos
ESCALA
Populações Khoisan 0 835 1670 km

Fonte: Elaborado com base em SMITH, S. Atlas de l'Afrique. Paris: Autrement, 2005.

Recapitulando 19

OH_V2_Book.indb 19 13/05/16 12:04


Do século XII ao XVI, a África manteve-se como uma conhecidas somente em uma cidade ou região, outras
encruzilhada privilegiada do comércio intercontinen- eram conhecidas numa grande zona cultural.
tal. Por outro lado, não menos intensas foram as rela- Os Ioruba acreditavam que os homens descen-
ções inter-regionais. O Saara era percorrido de norte a sul diam dos orixás e cada um herdaria de seu orixá as mar-
por grandes caravanas. Entre as savanas sudanesas e as cas, características, desejos e defeitos. Os orixás amam e
regiões da floresta mais ao sul, do rio Casamance ao golfo odeiam, vivem em constante luta com os outros, defen-
do Benin, desenvolveu-se um intenso comércio de cuja dem seus governos e procuram ampliar seus domínios uti-
existência os árabes pouco suspeitavam. Intercâmbios lizando-se de artimanhas, intrigas, dissimulações, con-
foram favorecidos pelos deslocamentos das populações e quistas amorosas ou traições. Suas histórias fazem parte
os contatos entre feiras e mercados. de poemas cultivados pelos babalaôs. As tradições ioruba
Ao sul do Equador, a influência muçulmana era ínfi- transpuseram os limites da África e influenciaram diver-
ma. Uma diversidade de formações sociais se desenvolveu sas práticas religiosas na América desde o século XVI até
em regiões que se estendiam dos grandes lagos até os rios os dias de hoje.
Congo, Zambeze e Limpopo, vastas zonas que quase não
sofreram a influência do Islã. A África e o início da expansão marítima
O continente africano conheceu zonas de grande desen-
Terras de muitas divindades volvimento entre os séculos XII e XVI. Entretanto, os euro-
e de muitos orixás peus, que até então se contentavam com as intermedia-
Se por um lado o continente africano recebia as influên- ções e os relatos dos árabes sobre o continente africano,
cias de religiões de palavra escrita,OH_V1_C7_m02
por outro lado grande passaram a cobiçá-lo também. De início, procuravam por
parte mantinha concepções próprias sobre religiosidade. “cristãos” e “especiarias”.
Os povos africanos desenvolve-

MÁRIO YOSHIDA
ram variadas maneiras de expe- ÁFRICA (SÉCULO XV)
rimentar o sagrado, que eram
passadas de geração a geração E U R O P A

por meio da palavra falada. Tra- M a r M


Conquista
e
ta-se de relações com o sagrado Árabe
de Ceuta
1415
Berbere d
i t
e r r â
n e o
que pressupunham a existência Árabe
Cabo Bojador

Go
fo
de muitas divindades (politeís- 1434

l

Cabo Branco Berbere rsic
o
1441
mo), atribuíam alma às forças Tubu EGITO

Berbere M Península
ar
da natureza (animismo) e trans- Arguim
1443
Ve
rm
Arábica
Tuaregue
elh
formavam determinados objetos Fula
Senegal Jalofo Tucolore CIDADES HAÚSSA MAKURIA
o

1450 TUCOLOR SONGHAI Gobir Beja


Katsina
em símbolos ancestrais (tote- deArquipélago JALOFO
Cabo Verde Serere Bambara
Soninké
Fula Songhai Haússa
Fula Kebi Kano
Daura Kanuri ALODIA
Zanzara KANEM- Agau
mismo). 1445
Arquipélago
Jola MALI
Baga Mandinga MOSSI
Mossis
Zaria
-BORNU Fur ETIÓPIA
dos Bijagós Fula Agau
Os diferentes ambientes – 1446
BORGU NUPE
Nupe
Nuer
Oromo
ADEL
Serra Leoa OYO Somali
deserto, savana, floresta – influen- 1460 Vai Akan
Ioruba IFÉ
Igbo
Azande
PEQUENOS
PRINCIPADOS
Kru AKAN BENIN
ciaram a cultura de cada povo Costa do
Ouro
Costa do
Benin Dinka Mogadíscio
1472
1471
africano, produzindo um vasto e Teke Masai
Fang Teke Pigmeu PRINCIPADOS Kikuyo Melinde
variável conjunto mítico. Bobangi
s

Vili (Mbuti) INTERLACUSTRES


li

LOANGO Tio TIO


hi

KAKONGO Mombaça
Os Ioruba, por exemplo, a Iaca
Swa

NGOYO Bakongo Swahili


Estuário KONGO Zanzibar
OCEANO
partir da cidade sagrada de Ifé, do Congo Dembo Jinga luba
Makonde
Quiloa OCEANO
s

1482 Ambundo MATAMBA


ATLÂNTICO
de

NDONGOImbangala Bemba
passaram a cultuar inúmeras ÍNDICO
C ida

Kissama Pigmeu Lunda


Ovimbundo (Twa) Makua
divindades, que denominaram Quioco Nyanja Yao
Marave
Moçambique

Reinos islâmicos Ganguela


orixás. Para eles, os orixás são MUTAPA
Herero
Reinos africanos islamizados
deuses que receberam de Olodu- Shona
Sofala MADAGÁSCAR
Reinos africanos cristianizados
maré ou Olorum, o Ser Supremo, Reinos subsaarianos
Bosquímano
Tsonga
Hotentote Sotho
a incumbência de criar e gover- Périplo Africano
Tswana Zulu
Ndebele
nar o mundo, ficando cada um MOSSI Reinos
Nguni

deles responsável por alguns Zulu Povos Xhosa


ESCALA
Feitorias Cabo da Boa
aspectos da natureza e certos Esperança
1487-1488
0 750 1500 km

aspectos da vida em socieda-


de. Algumas divindades eram Fonte: Elaborado com base em BLACK, J. World history atlas. London: Dorling Kindersley, 2008; SMITH, S. Atlas de
l’Afrique. Paris: Autrement, 2005.

20

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Seria o início de um longo período no qual não se A partir do século XV, os europeus que não conse-
tomavam apenas as riquezas e as populações africanas, guiam entrar na África pelo Mediterrâneo contornaram
mas a própria história da África. Mais do que a submissão seu litoral, suas bordas. O Périplo Africano se constituiu
do continente, elaborou-se um discurso que visava subju- como um desvio em relação ao mundo muçulmano. Esse
gar as memórias africanas. avanço europeu iria se completar no século XIX.

Atividades → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 As pinturas apresentam uma hierarquia. Geralmente, História Moderna da Universidade de Oxford, Hugh
faraós, rainhas e membros da nobreza são retrata- Trevor-Roper, em uma série de ensaios, sentenciou:
dos com cabeça, quadril, pernas e pés em perfil,
“Pode ser que, no futuro, haja uma história da África
enquanto o torso e olhos são retratados de frente.
para ser ensinada. No presente, porém, ela não exis-
Outros integrantes da sociedade egípcia são retra-
te; o que existe é a história dos europeus na África.
tados geralmente em posições mais naturais e, por
O resto são trevas e as trevas não constituem tema
vezes, totalmente de perfil. Figuras da realeza são de história. O mundo atual [...] está a tal ponto domi-
retratadas em posição estática; em contraste, tra- nado pelas ideias, técnicas e valores da Europa oci-
balhadores em geral e escravizados são comumen- dental que, pelo menos nos cinco últimos séculos, na
te mostrados em ação (colhem uvas, caçam pássa- medida em que a história do mundo tem importância,
ros, aram a terra, tocam e dançam). Independente é somente a história da Europa que conta. Por conse-
de classe social, as mulheres eram retratadas com a guinte, não podemos nos permitir divertirmo-nos com
pele mais clara, uma vez que viviam dentro de casa, o movimento sem interesse de tribos bárbaras nos
enquanto os homens, incluindo os reis, eram retrata- confins pitorescos do mundo, mas que não exerceram
dos com pele escura, própria da vida fora de casa. Na nenhuma influência em outras regiões”.
cena a seguir são retratados indivíduos de diferentes
posições dentro da hierarquia social egípcia: nobres, Apud FAGE, J. D. “A evolução da historiografia da África”.
In: História Geral da África. Metodologia e Pré-História
serviçais e músicos. Com base na observação da ima- da África. v. I. São Paulo: Ática/Unesco, 1982. p. 51.
gem, responda:
a) O historiador Trevor-Roper nega a existência de
uma historicidade própria dos povos do conti-
MUSEU BRITÂNICO, LONDRES, INGLATERRA

nente africano? Justifique sua resposta.


→ DL/CF/H1/H2/H3
b) Há, nesse trecho, elementos que apontem para
uma desqualificação dos povos africanos?
Exemplifique. → DL/H1
c) A perspectiva de Trevor-Roper pode ser consi-
derada eurocêntrica? Por quê? → DL/CF/H1/H2
3 Uma operação recorrente inclui a sociedade egíp-
cia, juntamente com a Mesopotâmia e a Palestina,
no conceito de Crescente Fértil, criado pelo pes-
quisador estadunidense James Henry Breasted, na
Cena de banquete. Pintura-mural, Tumba de Nebamun, década de 1920. Por mais operativo e didático, tal
XVIII dinastia, c. 1400-1350 a.C. (fragmento) conceito tem claras implicações ideológicas, provo-
cando o esvaziamento da importância da História
a) De que maneira os egípcios são retratados? Africana. Ele não é diretamente eurocêntrico, mas
Quais eram suas características físicas? é etnocêntrico.
→ DL/H1/H2/H15 a) Qual seria a definição de Crescente Fértil?
b) De que maneira se organizava a sociedade → DL/CF/H1/H2/H26/H29
egípcia? → DL/H2
b) Por que tal conceito provocaria o esvaziamento
2 Na década de 1960, em pleno processo de emanci- da importância da História da África?
pação política das colônias africanas, o professor de → DL/H1/H2/H26/H27

Recapitulando 21

OH_V2_Book.indb 21 13/05/16 12:04


2 O feudalismo e a expansão marítima
O feudalismo constituiu-se num sistema social e econô- tendia à autossuficiência. Ou seja, cada senhorio procu-
mico que se estabeleceu na Europa Ocidental em torno do rava produzir todos os itens necessários à sobrevivência
ano 1000. No topo da escala social, figuravam os clérigos humana: alimentação, vestuário, armamentos e demais
e os nobres. Os clérigos encarregavam-se da direção espi- utensílios. Os senhorios dividiam-se em três partes:
ritual e os nobres possuíam a direção militar da sociedade • A reserva senhorial: onde se localizavam os princi-
medieval. Ambos eram sustentados pela posse de terras pais terrenos cultiváveis (cuja obrigação servil era
e pelo trabalho agrícola dos camponeses. Quanto maior denominada corveia); os moinhos para a moagem dos
fosse a capacidade militar de um nobre, maior a possibi- grãos e os celeiros para a sua estocagem; as oficinas
lidade de conquistar mais terras. A guerra era, portanto, artesanais: os fornos; os estábulos e o castelo que ser-
uma forma regular de atividade econômica. via de moradia para o possuidor do senhorio e de pro-
Em função disso, no interior da nobreza desenvolve- teção para os trabalhadores.
ram-se relações de subordinação pessoal e compromis-
• O manso servil: dividido em pequenos lotes de terra
sos militares recíprocos. Desde o século IX, através de
denominados mansos. Cada unidade era concedida a
um acordo denominado contrato feudo-vassálico, nobres
uma família de camponeses que devia, por essa con-
poderosos cediam a outros guerreiros alguns benefícios,
cessão, uma série de obrigações ao senhor do domí-
em geral terras, para que pudessem garantir seu sustento
nio, como a entrega de parte da produção realizada no
e sua condição social, em troca de auxílio militar. O nobre
manso servil (talha).
que cedia o bem (feudo) passava a ser designado de suse-
rano. Aquele que recebia o feudo e obrigava-se a prestar • As terras comunais: de uso comum ao senhor e aos
auxílio militar a seu suserano, chamava-se vassalo. camponeses, eram áreas destinadas à pastagem dos
Abaixo dessas duas ordens figuravam todos os traba- animais, com pequenos bosques, de onde se retirava
lhadores (servos, artesãos, pequenos camponeses e comer- lenha e onde se praticava a caça.
ciantes), social e politicamente submetidos aos detentores
de terras. Formavam a imensa maioria da população e eram
As cidades
encarregados das atividades manuais necessárias à sua Apesar da tendência à autossuficiência dos senhorios, as
sobrevivência e ao sustento da nobreza e do clero. atividades mercantis nunca cessaram completamente. As
Com a difusão das relações feudo-vassálicas, o poder do trocas efetuavam-se em feiras estabelecidas, em geral, nas
rei enfraqueceu. Cada senhor feudal comportava-se como se proximidades de castelos. Restritas a determinados locais
fosse rei em suas terras, exercendo funções políticas, jurídi- e de frequência irregular, as transações comerciais garan-
cas e administrativas. Apesar de ser considerado o senhor tiam o abastecimento de gêneros fundamentais não pro-
de todos os senhores, o monarca era apenas mais um senhor duzidos em todas as regiões — como sal e metais — ou
feudal. Na prática, seus poderes restringiam-se aos seus então de artigos de luxo consumidos pela aristocracia.
domínios. Assim, o poder político na maior parte do período A partir do século XI, com o desenvolvimento de novas
medieval apresentou-se fragmentado e descentralizado. técnicas agrícolas e com um significativo crescimento
A partir do século XI, uma verdadeira ofensiva cleri- demográfico, as trocas ocasionais começaram a tornar-se
cal, denominada Reforma Gregoriana, procurou estabe- mais frequentes e transformaram alguns pontos de encon-
lecer claramente as fronteiras sociais entre os clérigos e os tro de comerciantes em locais permanentes de transações
leigos. A reforma baseava-se na ideia da existência de uma comerciais: as cidades. Além de verdadeiras aglomerações
autoridade espiritual (papado) que seria superior aos de comerciantes, as cidades desenvolveram os diversos
poderes temporais (império, monarquias e principados). ramos do artesanato e uma série de serviços para receber
Ou seja, a ideia de uma soberania espiritual que deveria e alojar os negociantes. Esse conjunto de transformações é
submeter os poderes políticos; maior rigor com relação ao designado como expansão feudal.
celibato clerical; combate à simonia (venda de objetos e Encravadas no mundo feudal e resultantes do desen-
funções sagradas) e controle sobre a investidura dos bis- volvimento dessa economia, as cidades acabaram por ace-
pos foram as principais características dessa ofensiva. lerar as alterações sociais do período. A vida urbana atraía
parcela dos trabalhadores rurais, estimulando a fuga de
O senhorio servos e o estabelecimento de artesãos. O trabalho assala-
O senhorio (ou domínio) era o tipo predominante de orga- riado começava então a desenvolver-se, minando um dos
nização econômica durante a Idade Média. A economia pilares da sociedade feudal.

22

OH_V2_Book.indb 22 13/05/16 12:04


Os muçulmanos e as Cruzadas tra os “infiéis”. Uma guerra santa, semelhante às Cruza-
Fundada por Maomé no século VII, a religião muçulmana faz das, era travada em solo ibérico. No caminho até Santia-
parte de uma tradição religiosa monoteísta iniciada com o go, diversas outras pequenas localidades receberam um
judaísmo e continuada pelo cristianismo. Segundo o seu livro novo impulso econômico. O comércio e os serviços urba-
sagrado, o Corão, Deus teria tornado Maomé seu apóstolo e o nos ampliavam-se para atender os peregrinos. A popu-
encarregado de pregar aos árabes em seu nome. Os princípios lação cristã cresceu, fixando-se em áreas até então deso-
da doutrina são muito semelhantes aos da tradição judaico- cupadas. A Reconquista representou, para a península
-cristã: monoteísmo; onipotência, onisciência e onipresença Ibérica, uma primeira expansão feudal.
de Deus (Alá); iminência do Juízo Final e a recompensa do
A centralização monárquica
Paraíso para os fiéis. As regras do culto são bastante simples.
O crente deve realizar preces, dar esmolas, praticar jejum e A Reconquista trouxe importantes consequências para a
peregrinar à cidade de Meca, onde se encontra o principal organização das sociedades ibéricas. Do ponto de vista polí-
santuário islâmico. “Não há outro Deus senão Alá e Maomé tico, o poder foi centralizado pelos monarcas, sobretudo no
é seu profeta”, é a sentença máxima da religião muçulmana, caso de Portugal e Castela. Dispondo de novas terras que
que foi um elemento de coesão e unificação das diversas tri- podiam conceder a seus vassalos, os monarcas ibéricos con-
bos de beduínos e comunidades sedentárias árabes. A guer- trolaram o poder da alta nobreza e obtiveram a fidelidade de
ra contra os pagãos (politeístas) e infiéis (judeus e cristãos) cavaleiros e membros da pequena nobreza. Gradativamen-
serviu como incentivo às conquistas e canalizava as tensões te, os reis foram esvaziando as atribuições da aristocracia,
sociais para fora de seus domínios, que levou o Islã a se esten- transformando os vassalos em súditos e assumindo a con-
der até a península Ibérica no século VIII. dução das questões jurídicas e administrativas. Ao contrário
Nesse processo de expansão, a Palestina, região mais do que ocorria em outras partes da Europa, no feudalismo
sagrada para os cristãos, caiu sob o domínio muçulma- ibérico o rei deixava de ser apenas mais um senhor feudal.
no desde o século VII. Muitos cristãos dirigiam-se à Terra Ao final do século XIII, Portugal tinha completado a
Santa para conhecer e adorar a região onde Cristo teria conquista de seu território e já apresentava avançados tra-
vivido. Outros, participantes de verdadeiras peregrinações ços de centralização política. No restante da península, os
armadas, as Cruzadas, procuraram conquistar pela força reinos cristãos procediam a uma série de fusões, por meio
das armas os lugares considerados sagrados pela fé. de casamentos, que culminariam na criação da Espanha,
Além da intensa religiosidade vivida pelo homem com a união das monarquias de Castela e Aragão no século
medieval, uma série de outras motivações esteve por trás XV. Começava a surgir o Estado moderno, pioneiramen-
das expedições armadas à Terra Santa, realizadas entre os te na península Ibérica, em Portugal e depois em Castela.
séculos XI e XIII. Controle das rotas do comércio Oriental,
conquista de terras e riquezas, possibilidade de fortaleci-
A expansão marítima
mento do poder dos monarcas feudais; ampliação do poder A expansão marítima realizada pelos europeus nos séculos
da Igreja. As Cruzadas exportavam, para além das frontei- XV e XVI foi um dos acontecimentos mais importantes da
ras da cristandade, duas fontes de tensão social. A primei- história universal. Pela primeira vez, os destinos particulares
ra dizia respeito às camadas empobrecidas e marginaliza- dos povos das mais diferentes regiões do planeta passaram
das, capaz de envolver-se em revoltas populares e heresias. a estar integrados numa história comum, verdadeiramente
A segunda fonte de tensão era provocada por representan- universal. Os oceanos que isolavam os continentes tornaram-
tes da pequena nobreza desprovidos de terras, ou de poucos -se a principal via para o transporte de pessoas, mercadorias
recursos, que viviam da pilhagem a senhorios e do assalto a e culturas. Economias de diversas partes do mundo começa-
comunidades camponesas. vam a articular-se numa grande rede de negócios e transa-
ções montada a partir da Europa: uma economia mundial.
A Reconquista Ibérica Davam-se os primeiros passos do sistema capitalista, que
A partir do século XI, a descoberta de restos mortais atri- hoje conhecemos e sob cujas regras vivemos.
buídos ao apóstolo São Tiago teve notável repercussão em Em 1415, o próprio rei d. João comandava uma expedi-
toda a cristandade e decisiva importância para a história ção ao norte da África contra os muçulmanos de Ceuta, dando
ibérica. Santiago de Compostela, como passou a ser cha- início à expansão marítima portuguesa. Ao mesmo tempo
mada a localidade, atraía anualmente milhares de pere- em que abria uma nova fase da história europeia, a aventu-
grinos de todos os cantos da Europa. A proximidade dos ra marítima retomava as motivações básicas da Reconquis-
domínios mulçumanos aumentava os perigos e a impor- ta e das Cruzadas de tempos passados: combater em nome da
tância das peregrinações. Cavaleiros cristãos dirigiam-se fé e obter mais terras e riquezas. Por isso, pode-se entender a
também à região, ampliando o contingente militar con- expansão marítima como uma segunda expansão feudal.

Recapitulando 23

OH_V2_Book.indb 23 13/05/16 12:04


O rico comércio das especiarias e as informações sobre ficou a organização de expedições para o litoral africa-
as maravilhas orientais estimulavam os portugueses. Como no. Marinheiros, matemáticos e cartógrafos de diversas
os mercadores genoveses e venezianos exerciam o mono- partes do mundo foram reunidos pelo infante para viabi-
pólio da rota mediterrânea, restava ao reino português pro- lizar as explorações marítimas na localidade de Sagres.
curar caminhos alternativos, explorando a costa ocidental O desenvolvimento dos conhecimentos cartográficos, bem
da África. como das embarcações e de novas técnicas e instrumentos
As viagens marítimas tornaram-se desde cedo um de navegação, foram permitindo o avanço dos portugueses
empreendimento do Estado. A cargo do infante d. Henrique em direção ao sul do continente africano.

Faça
Atividades → conforme tabelas das páginas 8 e 9. em se
cadernu
o

1 O texto abaixo é um documento medieval atribuído câmara; este se faz quan-


Maravedis: moeda
a Afonso X, monarca de Castela e Aragão durante o do o rei doa maravedis a castelhana no período
século XIII. Nesse documento estão descritas algu- algum vassalo seu, todo medieval.
mas das características da relação feudo-vassálica ano em sua câmara, e este
nesses reinos. Leia-o com atenção e depois respon- feudo pode o rei cancelar
da às questões propostas: quando quiser”.
“Feudo é o benefício dado pelo senhor a algum homem Afonso X, o Sábio. “Las Siete Partidas”. In: PEDRERO-SÁNCHEZ,
M. G. História da Idade Média. Textos e testemunhas.
porque se tornou seu vassalo, lhe fez homenagem de
São Paulo: Ed. Unesp, 1999. p. 97-98.
ser-lhe leal, tomou este nome de fé que deve o vassa-
lo guardar ao senhor. São duas as formas de feudo; a) Como o texto define feudo? → DL/H1/H2
uma é a outorga, uma vila, ou castelo, ou outra coisa b) Quais eram os dois tipos de feudo apontados
que se constitua um bem de raiz e este feudo não pode no texto? → DL/H1/H2
ser tomado do vassalo a não ser se falecer o senhor c) O texto não designa expressamente senhorio
com o qual tratou ou se fizer algum erro pelo qual o ou domínio. Quais seriam as diferenças entre o
deva perder [...] Outra maneira é o chamado feudo de feudo e o senhorio? → DL/H1/H2

2 Analise as imagens abaixo e depois responda às questões propostas:


MUSEU CONDÉ, CHÂTEAU DE CHANTILLY, FRANÇA

BIBLIOTECA NACIONAL, PARIS, FRANÇA

O mês de março, Barthélemy van Eyck. Marido e esposa trabalham no comércio de ouro,
Iluminura extraída do manuscrito As mui ricas anônimo. Iluminura, século XV. (detalhe)
horas do Duque de Berry, 1416-1440.

a) Quais são as atividades econômicas retratadas c) Considerando essas imagens, como se pode
em cada uma das imagens? → DL/H1/H2 caracterizar o feudalismo do ponto de vista
b) Em que tipo de ambientes tais atividades se econômico? Justifique sua resposta.
desenrolam? → DL/H1/H2 → DL/CF/H1/H2/H16/H19

24

OH_V2_Book.indb 24 13/05/16 12:04


3 As reformas religiosas
Críticas à Igreja de Roma e ao comportamento do clero ele, em questões de fé, não havia diferença entre padres e
já haviam se manifestado em vários momentos da época leigos. Todos podiam receber sua fé diretamente de Deus.
medieval. Mas no início do século XVI, tais críticas leva- Em 1517, Lutero escreveu as 95 teses manifestando sua
ram à divisão da cristandade ocidental e ao aparecimento oposição às posturas da Igreja.
de diversas outras práticas religiosas normalmente defini- O papa respondeu ameaçando Lutero de excomunhão,
das como protestantes. através de uma bula (carta pontifical de caráter solene).
Enquanto na península Ibérica as relações entre a Lutero replicou destruindo a bula em praça pública. Exco-
Igreja e as monarquias se intensificaram, em outras par- mungado pelo papa, não restava a Lutero outra alternati-
tes da Europa, as tensões religiosas e políticas chegaram a va senão esconder-se para não ser preso. Nesse tempo de
culminar num rompimento completo. Em ambos os casos, reclusão, cerca de um ano, traduziu para o alemão o Novo
no entanto, os Estados monárquicos mostravam-se mais Testamento e estabeleceu os princípios fundamentais do
fortes que o papado. A religião passava a se constituir num luteranismo: aboliu a confissão, considerada obrigatória
instrumento das monarquias. pelos católicos, o jejum, o celibato clerical, o culto aos san-
tos e estabeleceu a livre interpretação da Bíblia.
A Reforma Protestante e as críticas à Igreja
A Reforma Protestante é um dos marcos para o início da O anglicanismo
Idade Moderna. O movimento, marcado por severas críti- Em 1527, o rei inglês Henrique VIII solicitara do papa a
cas à Igreja, rompeu a unidade cristã em torno da Igreja de anulação de seu primeiro casamento, de maneira que
Roma na Europa Ocidental. pudesse casar-se novamente. A recusa de Roma foi utiliza-
Em determinadas regiões da Europa, burgueses, reis da como pretexto para o rompimento com o papa e o esta-
e nobres tinham seus interesses contrariados pelo poder belecimento de uma Igreja independente na Inglaterra.
eclesiástico: a burguesia via-se limitada pela condenação A implementação do anglicanismo significou a submis-
da usura; os monarcas desejavam apropriar-se das rendas são da Igreja ao poder do monarca. Em 1534, foi aprova-
da Igreja e transformar a religião num instrumento de cen- do na Inglaterra o Ato de Supremacia, que transformava
tralização política; os nobres confrontavam-se com os reli- o rei no chefe supremo da Igreja da Inglaterra, retirando
giosos a respeito de terras e arrecadação de tributos e pelo do papa de Roma o controle e o poder sobre os eclesiásti-
exercício de determinados privilégios. cos ingleses.
De outra parte, criticava-se a infalibilidade papal – Ao longo do século XVI, o anglicanismo apresentou-
dogma que considera o papa sempre correto quando deli- -se como uma combinação de elementos católicos e pro-
bera sobre a fé – e também a venda de cargos e relíquias testantes, que variava de acordo com os reis e rainhas que
sagradas. Mas o alvo que desencadeou a ruptura foi a ocupavam o trono inglês. Por fim, estabeleceu-se o celi-
venda de indulgências, perdão pelos pecados cometidos. bato voluntário dos sacerdotes, a manutenção do batis-
Para a Igreja, os que oravam, compareciam à missa e rea- mo e da eucaristia como sacramentos, a supremacia das
lizavam boas obras, inclusive doações de dinheiro à insti- Escrituras Sagradas, a celebração das missas em inglês,
tuição, recebiam o indulto. Tais doações causavam a má e a condenação da venda de indulgências e do culto
impressão de que as pessoas estavam, literalmente, com- das relíquias.
prando sua entrada no Céu.
Para Martinho Lutero (1483-1546), a fé, dada gratui- O calvinismo
tamente por Deus através de Cristo, proporcionaria a salva- Em 1533, o monge francês João Calvino (1509-1564)
ção. Lutero questionava a ideia da venda de indulgências conheceu o luteranismo e converteu-se. Perseguido na
por implicar uma prática corrupta e também por conside- França católica por suas posições religiosas, buscou refú-
rá-la frágil do ponto de vista teológico. Como a salvação gio em Genebra. Bem recebido, Calvino estabeleceu na
poderia ser conseguida por meio de boas ações? No cen- cidade uma religiosidade na qual a Igreja regularia a vida
tro da argumentação de Lutero estava a convicção de que política e social dos cidadãos.
o ser humano alcançaria a salvação pela sua fé pessoal. Calvino instituiu uma disciplina social aprovada pelos
Enquanto a Igreja sustentava que só o clero — intermediá- comerciantes que governavam a cidade. As atividades eco-
rio entre os seres humanos e Deus — podia interpretar ade- nômicas foram particularmente beneficiadas, liberadas do
quadamente a Bíblia, Lutero dizia que, para descobrir seu preceito religioso de pecado, e a cobrança de juros, prática
sentido, não era necessária a ajuda de padres. Segundo condenada pela Igreja Católica, foi consentida.

Recapitulando 25

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Os calvinistas foram chamados de huguenotes na a proibição do casamento para padres e freiras e a valida-
França e puritanos na Inglaterra. Após a morte de Calvi- de das práticas piedosas e da participação nos sacramentos
no, seus seguidores foram, lentamente, tornando a pre- para a salvação da alma (batismo, crisma, eucaristia, matri-
destinação algo crucial e estabelecendo parâmetros lógi- mônio, confissão, ordem, extrema-unção). Além disso, res-
cos para uma pessoa reconhecer os sinais de Deus. O tabeleceu o Tribunal do Santo Ofício (Inquisição), órgão
trabalho passou a ser visto como uma vocação divina, e o responsável por julgar atos dos católicos considerados con-
sucesso decorrente dele, um sinal da predestinação. O que trários à fé e que tinha sido instituído pelo papa Gregório IX
levou muitos teóricos a considerar o calvinismo a religião no século XII. Além disso, a Igreja católica elaborou o Index
do capitalismo, por não condenar o comércio, o emprésti-
OH_SUMA_p26 librorum proibitorum, uma lista de livros proibidos, cujos
mo a juros e valorizar o trabalho. exemplares eram retirados de circulação e queimados e
cujos autores eram encaminhados a julgamento.
MÁRIO YOSHIDA

A DIFUSÃO DA REFORMA NO SÉCULO XVI Outro instrumento importante da Reforma Católica foi
a Companhia de Jesus, fundada em 1534 pelo espanhol
Inácio de Loyola (1491-1556). Seus membros, os jesuí-
tas, seguiam uma rígida disciplina, que lembrava a das
organizações militares, e destacaram-se por seu papel mis-
sionário na América, África e Ásia, e pela ação educativa
desenvolvida em seus colégios.
Outra marca fundamental da Reforma Católica foi a
manutenção da presença das imagens nas igrejas. Enquan-
ESCALA to na cultura protestante a pintura religiosa era proibida,
0 400 800 km as imagens católicas valorizavam a dramatização da fé.
A disputa por fiéis levou, ao longo do século XVI, os
cristãos de diferentes correntes a se envolverem em guer-
ras, que, além das motivações religiosas, traziam à tona as
divergências entre os grupos sociais (burgueses, campo-
neses, nobres e clérigos), bem como os interesses expan-
Principais centros de difusão da Reforma
sionistas e comerciais dos Estados europeus. Foi o período
Luteranismo Áreas atingidas pelo protestantismo
Anglicanismo Áreas de preponderância católica das chamadas guerras de religião.
Outros centros Áreas retomadas pela Contrarreforma
Áreas de maioria protestante, mas com
Calvinismo forte minoria católica

Fonte: Elaborado com base em DUBY, G. Atlas historique. Paris: Larousse, 1987.
Guerras de religião
A Reforma Católica ou a Contrarreforma Nesse quadro, François Dubois representa o massacre inicia-
do em Paris em 24 de agosto de 1572 e que se estendeu por
Com a Reforma Protestante, que retirou do controle da meses por diversas cidades francesas. Calcula-se que mais de
Santa Sé milhares de seguidores na Inglaterra, França, atual 30 mil calvinistas franceses tenham sido mortos nesses con-
Alemanha, Holanda e diversas outras partes da Europa, o flitos que foram planejados pelo poder monárquico e acaba-
poder pontifício apoiou-se fundamentalmente sobre Espa- ram por acentuar o ódio entre católicos e protestantes.
nha e Portugal. A vinculação entre a Igreja de Roma e as
MUSEU DE BELAS ARTES, LAUSANNE, SUÍÇA

monarquias ibéricas ampliou-se no decorrer do século XVI.


Em parte como resposta ao movimento protestante,
mas também atendendo à necessidade de adaptação aos
novos tempos e de correção de algumas condutas, a Refor-
ma Católica (Contrarreforma) constituiu um movimento
de reformulação doutrinal e administrativa no interior da
Igreja. Pela ótica católica, era preciso combater a heresia
protestante e impedir sua proliferação no continente euro-
peu, e, além disso, reafirmar os dogmas da Igreja e estabe-
lecer a vigilância sobre as práticas religiosas dos fiéis.
Essa nova orientação foi estabelecida pelo Concílio de
Trento, assembleia de religiosos que se reuniu de 1545 a O massacre do dia de São Bartolomeu, François Dubois.
1563. O concílio manteve o latim como a língua litúrgica Óleo sobre madeira, 1574. (detalhe)
e dos textos bíblicos e reafirmou a infalibilidade do papa,

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Faça
Atividades → conforme tabelas das páginas 8 e 9. em se
cadernu
o

1 Leia quatro das 95 teses propostas por Lutero: Anteriormente, o trabalho fazia parte das ativida-
des pertencentes à vida material; ele se impunha por-
21. Erram, portanto, os pregadores de indulgências
que, de uma forma ou de outra, não se podia dispen-
que afirmam que a pessoa é absolvida de toda
pena e salva pelas indulgências do papa. sá-lo; mas, como atividade temporal, nenhuma rela-
ção tinha com a salvação eterna ou com a vida espi-
27. Pregam doutrina mundana os que dizem que,
ritual. Para o calvinismo, ao contrário, o trabalho,
tão logo tilintar a moeda lançada na caixa, a
alma sairá voando. considerado uma vocação, torna-se atividade religio-
sa. Importa trabalhar, custe o que custar, haja ou não
33. Deve-se ter muita cautela com aqueles que
necessidade de prover seu sustento, porque trabalhar
dizem serem as indulgências do papa aquela
inestimável dádiva de Deus através da qual a é uma ordem de Deus”.
pessoa é reconciliada com Ele. WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo.
52. Vã é a confiança na salvação por meio de cartas São Paulo: Pioneira, 1996. p. 53.
de indulgências, mesmo que o comissário ou a) Enumere elementos do calvinismo que sirvam
até mesmo o próprio papa desse sua alma como para justificar a tese de Weber. → DL/CF/H1/H2
garantia pelas mesmas. b) Agora, enumere elementos que justifiquem a
Disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/ posição daqueles que defendem que o desen-
034/34tc_lutero.htm. Acesso em: 12 abr. 2016. volvimento do capitalismo teria gerado o calvi-
nismo. → DL/CF/H1/H2/H4
a) Que posição Lutero assume em relação às indul-
gências? → DL/CF/H1/H2 3 Na escultura abaixo, o artista Bernini retratou
b) Analise duas características do luteranismo. Santa Teresa (1515-1582), fundadora de vários
mosteiros. Santa Teresa tinha visões e experiên-
→ DL/CF/H1/H2
cias místicas repletas de dor, emoção e fervor reli-
2 Ao longo da história, criou-se uma controvérsia gioso. Procure interpretar a escultura com base nas
sobre como se relacionam o Calvinismo e o capita- ideias da Reforma Católica. → DL/CF/CA/H1/H2
lismo. A discussão popularizou-se a partir do estudo

DEAGOSTINI/GETTY IMAGES/CAPELA CORNARO, SANTA MARIA DA VITÓRIA, ROMA, ITÁLIA


do sociólogo alemão Max Weber (1864-1920) intitu-
lado A ética protestante e o espírito do capitalismo,
publicado em 1904-1905.

Weber concluiu que a religião exerce uma profunda


influência sobre a vida econômica. Mais especifi-
camente, ele afirmou que o calvinismo foi um fator
essencial no desenvolvimento do capitalismo do
norte da Europa e dos Estados Unidos.
Ele partiu da constatação de que, em certos países
da Europa, um número desproporcional de protes-
tantes estavam envolvidos com ocupações ligadas ao
capital, à indústria e ao comércio. Além disso, algu-
mas regiões de fé calvinista ou reformada estavam
entre aquelas onde mais floresceu o capitalismo.
Muitos discordaram da tese de Weber argumentando
que o fator econômico era determinante de todas as
estruturas sociais e culturais, inclusive a religião, ou Êxtase de Santa Teresa, Gian Lorenzo
seja, o desenvolvimento capitalista é que teria gera- Bernini. Escultura em mármore, 1646.
do as condições para o surgimento do calvinismo. 4 No contexto da Reforma Católica, qual o papel da
Leia com atenção um trecho da obra de Max Weber: Companhia de Jesus? → DL/H1/H2/H11
“[…] o calvinismo é, precisamente, a primeira ética 5 Qual a posição do Concílio de Trento em relação
cristã que deu ao trabalho um caráter religioso. aos dogmas católicos? → DL/CF/H1/H2

Recapitulando 27

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4 O absolutismo
Desde o século XIV, à medida que o prestígio do papado • A constituição de um corpo de funcionários também
diminuía, ocorria o fortalecimento dos poderes monár- permanente (burocracia estatal).
quicos. O poder político, que estivera subordinado ao • A implementação de um sistema fiscal e tributário,
poder espiritual ao longo da Baixa Idade Média, desven- a padronização de pesos e medidas e o estabeleci-
cilhava-se gradativamente. Esse processo se caracterizou mento de moedas nacionais que facilitavam as tran-
pela subordinação dos poderes eclesiásticos aos pode- sações econômicas e permitiram a constituição de um
res monárquicos. mercado nacional unificado.
Os monarcas passaram a interferir nas questões reli- • A forte intervenção do Estado na economia, orientado
giosas, legislativas, administrativas e judiciárias. Os reis pelo conjunto de ideias e práticas mercantilistas.
escolhiam seus colaboradores. Nomeavam bispos. Distri- • A codificação do direito, o que permitia a aceleração
buíam rendas e privilégios. Concediam títulos de nobreza. da passagem de uma legislação baseada nos costumes
Definiam sentenças judiciais. Formulavam leis e declara- e na tradição para um conjunto de leis escritas a servi-
vam guerra a outros reinos. ço da centralização do poder.
Em torno dos monarcas havia uma verdadeira cen- • A padronização dos idiomas nacionais e o estabele-
tralização de funções e atribuições. Para completar, a cimento das primeiras regras gramaticais das línguas
natureza do poder absolutista era considerada divina e vulgares (português, castelhano, inglês, francês etc.).
os monarcas apresentavam-se como representantes de Todos esses aspectos parecem apontar para a vin-
Deus na Terra e como possuidores de uma verdadeira culação entre os Estados absolutistas, o capitalismo e
missão espiritual. os interesses da burguesia. No entanto, há que se pen-
sar a respeito da natureza social do Estado absolutista.
Os Estados absolutistas A nobreza e o clero continuavam a ser as classes domi-
Sob diversos aspectos, o aparecimento dos Estados abso- nantes, como haviam sido durante o período medieval.
lutistas revelam transformações nas antigas monarquias A dominação social residia na posse da terra e na produ-
feudais. Com a existência das chamadas relações de suse- ção de tipo feudal, baseada na exploração dos campone-
rania e vassalagem, que criavam redes de compromissos ses/servos.
no interior da nobreza, o poder monárquico era, na verda- A centralização política não alterou as bases dessa
de, mais um poder simbólico que um poder efetivo. A par- dominação. Pelo contrário, o Estado absolutista permi-
tir do final do século XVI em Portugal, Castela, França e tiu maior controle social sobre a massa camponesa, tor-
Inglaterra, além de outros Estados europeus, os monarcas nando-se eficiente para reprimir revoltas populares por
haviam se tornado a própria expressão do poder. meio dos seus exércitos e, por meio da Inquisição, con-
As alterações se processaram em momentos diferen- trolar comportamentos inadequados. Os principais car-
tes, conforme as características históricas de cada região gos e funções eram ocupados pela aristocracia. Ela forne-
europeia. Na península Ibérica, a chamada Reconquis- ceu os quadros para a burocracia monárquica. Integrantes
ta (séculos XI-XV) contribuiu para a centralização políti- do mundo urbano e da burguesia também compunham
ca dos reinos de Portugal e Castela. Na França, a Guerra a burocracia absolutista, mas não se tornaram o grupo
dos Cem Anos contra a Inglaterra (1337-1453) e as Guer- dominante desses Estados.
ras de Religião (século XVI) permitiram o enquadramen- Por tudo isso, alguns autores classificaram o Esta-
to e a subordinação do clero e da nobreza. Na Inglaterra, a do absolutista como um aparelho de dominação feudal
mesma Guerra dos Cem Anos, a Guerra das Duas Rosas alargado e reforçado. De modo que o essencial no processo
(1455-1489) e a Reforma Anglicana (século XVI) também de centralização política não foi a ascensão da burguesia e,
enfraqueceram a nobreza e o clero e permitiram o avanço sim, o fortalecimento da aristocracia feudal.
do poder monárquico. Em todos os casos, ocorria a trans- Não significa dizer que o Estado não tenha permitido
formação dos antigos vassalos em súditos, evidenciando o o desenvolvimento das atividades mercantis e manufatu-
poderio dos Estados absolutistas. reiras. Aliás, as transformações econômicas apontam para
Os principais elementos constitutivos desses Estados um longo processo de transição de uma economia feudal
foram: para uma economia capitalista. Processo que só se con-
• A montagem de exércitos permanentes em lugar dos cluiria na passagem do século XVIII para o XIX, com o sur-
pequenos e aristocráticos exércitos medievais. gimento da sociedade industrial.

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Faça
Atividades → conforme tabelas das páginas 8 e 9. em se
cadernu
o

1 A interpretação do passado é cheia de polêmicas. Em cas, nem como grupo de pensadores da economia com
torno do absolutismo, visões distintas alimentaram uma filosofia comum. De fato, sob a definição de mer-
discussões acaloradas. cantilismo foram reunidos pelos críticos diferentes
autores e diferentes políticas econômicas, com pouco
Para o sociólogo grego Nicos Poulantzas (1936-1979), em comum a não ser o fato de pertencerem a países
“[...] do ponto de vista do Estado, o estágio inicial da absolutistas.
transição do feudalismo para o capitalismo consiste no
fato de comportar um Estado com traços marcadamen- As teorias e práticas mercantilistas estão inseri-
te capitalistas”. das no contexto da transição do Feudalismo para o
Capitalismo, possuindo ainda características mar-
POULANTZAS, Nicos. Poder político e classes sociais.
Trad. São Paulo: Martins Fontes, 1977. p. 204.
cantes das estruturas econômicas feudais e já diver-
sos fatores que serão mais tarde identificados com
a) Que características do absolutismo justificariam
características capitalistas, não sendo nenhum dos
a posição de Poulantzas? → DL/CF/H1/H2
dois sistemas, no entanto. O termo mercantilismo defi-
O historiador inglês Perry Anderson (1938-) discorda ne os aspectos econômicos desse processo de transi-
da posição de Poulantzas. Leia o trecho com sua ção. Se o mercantilismo tem sua contraparte política
posição: no Estado absoluto, no campo social tem relação com
“Essencialmente, o absolutismo era apenas isto: um a estrutura social comumente conhecida como socie-
aparelho de dominação feudal recolocado e reforçado, dade do Antigo Regime. [...]
destinado a sujeitar as massas camponesas à sua posi- Muitas vezes, a definição de mercantilismo vem acom-
ção social tradicional [...]: ele era a nova carapaça polí- panhada de um esboço das principais práticas do
tica de uma nobreza atemorizada.” período, como o metalismo, a balança comercial favo-
ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado absolutista.
rável e o protecionismo. Mas devemos ter cuidado com
Trad. São Paulo: Brasiliense, 1998. p. 18. o anacronismo ao abordar essas práticas. O metalis-
mo, por exemplo, é definido frequentemente como
b) Qual a discordância de Anderson em relação a
uma concepção que atrelava a riqueza de um Estado
Poulantzas? → DL/CF/SP/H1/H2/H4
à quantidade de metais preciosos por ele acumulado.
c) Que características do absolutismo justificariam
Mas o metalismo, que como prática econômica pre-
a opinião de Anderson? → DL/CF/H1/H2
dominou sobretudo na França e na Espanha do sécu-
2 A centralização favoreceu a forte intervenção esta- lo XVI, dificilmente queria dizer que riqueza era igual
tal da economia, característica central do que cha- à moeda acumulada. As concepções metalistas [...]
mamos de mercantilismo. Leia o texto abaixo sobre interpretavam a moeda como um meio para obter
o tema. riqueza em terras e em títulos, não a riqueza finan-
ceira em si. Para a mentalidade capitalista, moeda e
“A definição mais aceita de mercantilismo informa que
riqueza são sinônimos, mas não para a mentalidade
esse termo compreende um conjunto de ideias e práti-
barroca do Antigo Regime. Essa diferença pode pare-
cas econômicas dos Estados da Europa ocidental entre
cer sutil, mas é a distinção entre interpretar as práti-
os séculos XV, XVI e XVII voltadas para o comércio, prin-
cas em seu significado original, ou atribuir-lhes signi-
cipalmente, e baseadas no controle da economia pelo
ficados que elas nunca tiveram, e estão mais em con-
Estado. Mercantilismo dá nome, nesse sentido, às dife-
sonância com nossa realidade atual. [...]”
rentes práticas e teorias econômicas do período do
absolutismo europeu. SILVA, K. V. e SILVA, M. H. Dicionário de conceitos históricos.
São Paulo: Contexto, 2006. p. 283-284.
Mas tal conceito não existiu no período mesmo que cha-
a) De que forma se institui o nome mercantilismo?
mamos de mercantilista. Na verdade, a palavra mercan-
tilismo só começou a ser usada pelos economistas clás- → DL/CF/H1/H2
sicos do final do século XVIII para se referir às rígidas b) Retire do texto as principais características do
práticas de intervenção do Estado na economia, práti- mercantilismo. → DL/H1/H2
cas que eles consideravam danosas e às quais faziam c) Explique a ressalva feita ao metalismo.
severa oposição. Assim, o mercantilismo não existiu → DL/CF/H1/H2
como um conjunto coeso de ideias e práticas econômi-

Recapitulando 29

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5 A América e a escravidão
A unidade produtiva predominante nos domínios espanhóis lucros do tráfico negreiro para a metrópole, o que o cativei-
e portugueses na América foi denominada plantation. Pro- ro indígena estava longe de oferecer. Como afirmou o his-
dução em larga escala, latifúndio, trabalho escravo e mono- toriador Fernando Novais: “Paradoxalmente, é a partir do
cultura formaram os quatro elementos básicos dessa estru- tráfico negreiro que se pode entender a escravidão africana
tura econômica que se espalhou pelo continente e alterou colonial, e não o contrário”. Mesmo assim, os indígenas con-
profundamente a história dos povos americanos e africanos. tinuaram a ser escravizados e a trabalhar nos engenhos, ao
lado dos africanos, até o final do século XVIII.
A América Espanhola Além da lucratividade, a introdução de escravizados
A história da conquista dos povos americanos foi escri- africanos foi fundamental para o controle da Coroa portu-
ta com brutal violência. Para a exploração da mão de obra guesa sobre as terras americanas. Limitar a escravidão indí-
indígena, os espanhóis usaram um sistema que tinha suas gena e implementar a escravidão africana trouxe resultados
raízes na Reconquista: a encomienda. Na América, o enco- mais positivos para o controle metropolitano que a inicial
mendero tornava-se beneficiário do trabalho forçado dos divisão em Capitanias Hereditárias ou até mesmo a instau-
nativos em troca de, em princípio, prestar-lhes assistên- ração do Governo-Geral em 1548. Os colonos e os poderosos
cia religiosa e material. Os nativos eram entregues à Coroa da terra estariam subordinados ao domínio metropolitano
espanhola ou aos colonos para trabalharem obrigados nos porque desta dependia o fornecimento contínuo de mão de
campos, nas minas e nas casas, devendo dedicar boa parte obra necessária para a produção da América.
de seu tempo para atender às exigências dos seus senhores. Nesse sentido, torna-se mais claro o papel do clero e,
Na região do Peru, os encomenderos, normalmente
em especial, dos jesuítas. Defensores da causa indígena,
residentes nas cidades, recebiam do kuraqa (chefe indí-
interessados na direção dos seus braços e das suas almas, os
gena) um grupo de nativos para a prestação de serviços
jesuítas foram importantes aliados do Estado português até
durante três meses ao longo do ano. Essa obrigação, deno-
o século XVIII. Ao condenarem as injustiças cometidas con-
minada mita, consistia em efetuar tarefas e trazer produ-
tra os indígenas, ao mesmo tempo que defendiam a entrada
tos ao encomendero. Teoricamente, os nativos estavam
de africanos nas terras americanas, os membros da Compa-
prestando um serviço semelhante àquele a que se subme-
nhia de Jesus auxiliavam politicamente a Coroa no exercício
tiam à época do Império Inca.
de seu poder sobre os colonos. A escravidão africana e o trá-
O controle sobre os impérios Asteca e Inca propiciou,
fico, além de medidas econômicas, eram peças do arsenal
além da exploração agrícola, o acesso às abundantes minas
político metropolitano para controlar sua Colônia.
de ouro e prata que enriqueceram a Coroa espanhola e sus-
A sociedade colonial assentava-se sobre a oposição
tentaram sua empresa colonial. À medida que a mortan-
entre duas classes sociais: senhores e escravos. Todos os
dade afetava a população nativa (primeiro nas Antilhas e
depois no resto do continente), os espanhóis passaram a demais grupos definiam-se a partir de sua proximidade ou
introduzir escravizados africanos. afastamento desse núcleo fundamental. Os homens livres
em suas diversas categorias diferenciavam-se pela condição
A América Portuguesa de poderem desfrutar liberdade jurídica.
A Coroa portuguesa iniciou sua política de povoamento para Os escravizados, pelo contrário, podiam ser proprie-
garantir a defesa do território americano, dar sustentação ao dade, comprados da mesma forma como se adquire uma
escambo do pau-brasil e empreender a descoberta de metais ferramenta ou um animal. Tanto seu trabalho quanto sua
e pedras preciosas. A intensificação do plantio de cana-de- vontade pessoal pertenciam ao seu proprietário. Como mer-
-açúcar permitiu o desenvolvimento da ocupação lusitana. A cadoria, podia ser vendido, emprestado, alugado ou doado,
produção de açúcar atraiu portugueses que formaram os pri- de acordo com o desejo de seu senhor. A condição de escra-
meiros núcleos populacionais. Até o século XVI, a escravi- vizado transmitia-se de forma hereditária até que, por ini-
dão indígena foi amplamente empregada nos engenhos de ciativa do proprietário, fosse concedida a alforria, ou seja, a
açúcar. Nos séculos seguintes, ela continuou a ser utilizada interrupção do cativeiro.
nas capitanias do Sul e nas regiões do Grão-Pará e Maranhão. Como formas de resistência, os negros escravizados
Gradativamente, foram introduzidos negros africanos promoviam sabotagens ao processo de produção do açú-
escravizados, que acabaram por se tornar a mão de obra car, organizavam fugas coletivas ou individuais, executa-
característica da produção açucareira. Além da resistência vam assassinatos de senhores e de feitores, suicidavam-se,
indígena, com deslocamentos de tribos para o sertão, fugas e promoviam revoltas nas plantations e povoações e organiza-
ataques aos portugueses, a decisão repousava nos altíssimos vam quilombos. Além disso, muitos alimentavam o banzo,

30

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uma atitude apática, de recolhimento, que os tornava ine- Daomé e de Oyo disputaram incessantemente, até o século
ficazes para o trabalho. Outra forma de resistência foi a XIX, o controle do comércio negreiro com a costa litorânea.
manutenção de crenças e ritos africanos, apesar da conde- Na Europa, o acúmulo de riquezas proporcionado pelo
nação e vigilância do clero colonial. tráfico e pela produção colonial foi um dos principais ins-
Embora os europeus tivessem encontrado práticas de trumentos de acumulação de capital. O escravismo consti-
escravidão no continente africano, o que ocorreu com o trá- tuiu-se numa das alavancas do capitalismo.
fico atlântico a partir do século XV não pode ser tratado

A+ COMUNICAÇÃO
como sendo o mesmo fenômeno. A escala do tráfico interna- TRÁFICO NEGREIRO (em milhares de pessoas)
anos
cional de escravos marcou o estabelecimento de uma rede
1526-1550
gigantesca de comércio de seres humanos (o tráfico negrei-
1551-1575 Antilhas francesas
ro) e da montagem de um sistema produtivo assentado na
1576-1600 América britânica e Estados Unidos
escravidão (o escravismo) no continente americano.
O escravismo marcou decisivamente a história huma- 1601-1625 América espanhola
na. Na América, eixo da conquista colonial, tornou-se o 1626-1650 Brasil
instrumento de produção de riquezas. Mais ainda: foi em 1651-1675
torno desse sistema que se lançaram as bases da organiza- 1676-1700
OH_V1_C10_m05
ção social da maior parte do continente. Desde os primeiros
1701-1720
tempos da conquista até o século XIX, a escravidão tornou-
-se a base das relações de trabalho no Brasil. Suas conse- 1721-1740

quências sociais podem ser identificadas até hoje. 1741-1760


Na África, o tráfico negreiro favoreceu a desagregação 1761-1780
E U R O P A

de estruturas políticas e a formação de outras. Estimulou 1781-1810 M a r


M
Tânger Argel e
rivalidades entre povos e permitiu a exploração do conti- 1811-1830
MARROCOS
IMP
ÉR
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e r r â n e o

AMÉRICA
nente porDOeuropeus. Na região da Costa do Ouro, diversos O
TO Alexandria

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NORTE MA NO fo
1831-1850

l

pessoas
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povos passaram a trocar ouro e cativos por armas de fogo
o
Península
Arábica

M
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0
S A A R A
com as quais Havana
ampliaram o negócio de escravos
OCEANO e expandi-

ar
10

20

30

40

50

60

70
Ve
rm
OH_V1_C10_m05

elh
ram os territórios sob o seu controle. Os reinos de Achanti,
ATLÂNTICO

o
Fonte: Elaborado
KAARTA AIRcom base em ALENCASTRO, L. F. O trato dos viventes. São Paulo:
WALO
Antilhas
tilhas Cia.SEGU
das Letras, 2000. p. 43. FUNJ
KAABU FUTA S a h e l QUADAI KORDOFAN
Cacheu TORO ESTADOS CIDADES
FUTA KONG MOSSI HAÚSSA BORNU DARFUR ETIÓPIA

MÁRIO YOSHIDA
JALLON BORGU
O TRÁFICO NEGREIRO (SÉCULO XVIII) ACHANTI OYO SHILLUK
DAOME
BENIN Á F R I C A
São Luís São Jorge
E U R O P A
da Mina
BUNYORO
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MARROCOS NGOYO
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DO NORTE Luanda A NO
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Antilhas
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ATLÂNTICO QUADAI Inhambane
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FUTA KONG MOSSI HAÚSSA BORNU DARFUR ETIÓPIA
JALLON BORGU
ACHANTI OYO SHILLUK
DAOME
BENIN COLÔNIA DO CABO
São Luís São Jorge Cidade
Á F R I C A
ESCALA do Cabo
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0 1 385 2 770 km BUNYORO
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Olinda BUGANDA
AMÉRICA
AM Salvador LOANGO
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DO SUL
S KAKONGO KUBA
NGOYO OCEANO
OCEANO KONGO YAKA LUNDALUBA
Luanda MATAMBA QuiloaÍNDICO
PACÍFICO Rio
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KASSANJE
Benguela LOZI KALONGA
UNDI Moçambique
LUNDU
Quelimare
Buenos
Aires BUTUA Sofala MADAGÁSCAR
OCEANO Deserto de
Kalahari Inhambane
ATLÂNTICO
Domínio português
Império Otomano
COLÔNIA DO CABO
Cidade
Entrepostos ESCALA do Cabo
Entrepostos portugueses 0 1 385 2 770 km

Tráfico negreiro para as Américas


Fonte: Elaborado com base em BLACK, J. (Org.). World history a tlas. London: Dorling Kindersley, 2008;
BENIN Reino
JOLLY, J. L'Afrique: atlas historique et son environnement européen et asiatique. Paris: L'Harmattan, 2008.

Recapitulando 31

OH_V2_Book.indb 31 13/05/16 12:04


Domínio português
Faça
Atividades → conforme tabelas das páginas 8 e 9. em se
cadernu
o

1 Quais são as diferenças entre escravidão e escravis- c) Quais modalidades de trabalho obrigatório
mo? → DL/CF/H1/H2 foram utilizadas pelos espanhóis na América?
→ DL/CF/H1/H2
2 A imagem abaixo se refere a atividades desenvolvi-
das em Potosí, Bolívia, durante o período colonial. 3 Leia o texto abaixo com atenção:
Observe a imagem com atenção: “Na sua estratégia de evangelização dos índios, os
jesuítas entram em conflito com os colonos, com o epis-
BIBLIOTECA JOHN CARTER BROWN, UNIVERSIDADE
DE BROWN, PROVIDENCE, ESTADOS UNIDOS

copado e com a Coroa [...] No plano interno, os jesuí-


tas ajudam a reduzir a autonomia paulista nos anos
1650 e favorecem a restauração da autoridade régia
no Maranhão, após o levante de Beckman (1683-84)”
ALENCASTRO, L. F. de. O trato dos viventes.
São Paulo: Cia. das Letras, 2000. p. 24.

A participação jesuítica nos assuntos coloniais


envolve o questionamento da escravidão indígena
e a defesa, ou pelo menos a conivência, com rela-
ção à escravidão africana.
a) Em que medida tal posicionamento reforça os
interesses da Coroa portuguesa?
→ DL/CF/SP/H1/H2/H11
Cerro de Postosí, Pedro de Cieza de Leon. Gravura b) Os bandeirantes e outros colonos laicos esta-
extraída de Chrónica del Peru, Sevilha, 1553. beleceram frequentes conflitos com os jesuítas.
Esses conflitos podem revelar a existência
a) Em seu caderno, descreva a imagem detalhada- de práticas e projetos coloniais diversos?
mente. → DL/H1/H2/H16/H17/H19/H27/H28/H29 Justifique sua resposta.
b) Que atividade econômica é representada nessa → DL/CF/SP/CA/H1/H2
gravura? → DL/H1/H2

4 Analise a imagem abaixo com atenção e depois responda às questões propostas:

a) Que tipo de construção é retratada


COLEÇÃO PARTICULAR, SÃO PAULO, BRASIL

em primeiro plano nessa imagem?


Quais atividades podem ser identifi-
cadas?
→ DL/SP/H1/H2/H11/H16/H27/H28/H29
b) Identifique os grupos sociais e étni-
cos presentes nessa imagem. → DL/
CF/H1/H2/H11
c) Que tipos de construção são retrata-
das acima, no segundo plano? → DL/
CF/H1/H2
d) Que outras partes importantes de um
engenho não foram retratadas nessa
pintura? → DL/H1/H2

Engenho, Frans Post. Óleo sobre madeira,


1668. (detalhe)

32

OH_V2_Book.indb 32 13/05/16 12:05


Capítulo

10
1 Inglaterra e Portugal:
destinos cruzados
DE OLHO nos

R
evoluta saecula. Essa expressão não significa "o século das Conceitos
revoluções", como pode parecer à primeira vista. Na verdade,
quer dizer "os séculos passados". A palavra revolução come- • Revolução
çou a ser utilizada no século XVI para descrever o movimento regu- • Cercamentos
lar das estrelas estudado por Nicolau Copérnico no seu livro Das revo- • Proletariado
luções das esferas celestes. Nessa obra, publicada no ano da sua morte,
em 1543, Copérnico defende a concepção heliocêntrica e afirma que • Sociedade civil
o planeta Terra cumpria uma revolução em torno do Sol, ou seja, um • Antigo Sistema
movimento orbital de retorno periódico em volta desse astro. Rompia, Colonial
dessa forma, com a visão geocêntrica, sustentada durante séculos. • Messianismo
Do mesmo modo, na Geometria, Entre revoluções e restaura- • Sebastianismo
na física e na medicina, o sentido do
termo "revolução" é de um movimen-
ções, os movimentos sociais pas-
saram a ser nomeados de mui- • Utopia
to circular, do retorno a uma posi- tas maneiras: revoltas, rebeliões,
ção inicial, do fim de um ciclo. A par- levantes, insurreições, conjurações,
UNIVERSIDADE DE UTRECHT, HOLANDA
tir dos acontecimentos transcorridos inconfidências, golpes de Estado.
no século XVII, com as Revoluções A história dos movimentos sociais
Inglesas, a palavra "revolução" pas- foi marcada por tais denominações,
sou a ser utilizada para caracterizar muitas vezes imprecisas.
determinados acontecimentos políti- No século XVII, revolução e res-
cos. Ainda nesse período, referia-se à tauração eram termos ainda muito
ideia de retorno a um estado de coisas semelhantes. No entanto, as Revo-
que havia sido modificado por abu- luções Inglesas e a Restauração Por-
sos e desmandos de um determinado tuguesa (ambas iniciadas em 1640)
governante. Ou seja: uma restaura- foram muito diversas. A primeira
ção, um movimento de retomada de representava um conjunto de trans-
uma situação do passado. formações profundas em termos
O conceito de revolução como econômicos, sociais e políticos. A
mudança drástica e ruptura com o segunda, em Portugal, significou a
passado só se consolidaria ao longo restauração da autonomia monár-
do século XVIII com a Ilustração e quica com o fim da União Ibérica
com a Revolução Francesa. De certo (1580-1640), mas não acarretou
modo, um tributo a Copérnico, que, mudanças drásticas na sociedade
ao identificar um movimento cícli- lusitana. Curiosamente, foi a partir
co da Terra, estabelecia uma profun- desses acontecimentos que a histó-
da ruptura com relação aos conheci- ria de ambos os Estados começaria Planisfério de Copérnico. Cosmografia
extraída de Harmonia Macrocósmica,
mentos até então reconhecidos. Uma a se entrelaçar profundamente. Andreas Cellarius, Amsterdam, Ed.
verdadeira Revolução Científica. Johannes Janssonius, 1660. (detalhe)

33

OH_V2_Book.indb 33 13/05/16 12:05


1 As Revoluções Inglesas

O
Estado absolutista inglês era composto por duas instituições concor-

◀ ANOS
Revoluções rentes e complementares. Desde o século XIII, a Coroa, expressão da
Inglesas autoridade real, e o Parlamento, assembleia representativa das pro-
1534 víncias do reino, dividiam as funções de comando. À monarquia cabia o exer-
Ato de Supremacia. ▾
cício do governo. Ao Parlamento, o controle sobre a tributação e a aprovação
A católica Maria Tudor 1553
sobe ao poder. ▾ de qualquer nova lei proposta pelos monarcas.
Perseguição a anglicanos A particularidade do Parlamento medieval inglês residia no fato de se divi-
e calvinistas.
dir em duas câmaras na passagem do século XIV para o século XV (Câmara
Reinado de Elizabeth I e 1558
consolidação do poder anglicano. ▾ dos Lordes e Câmara dos Comuns), ao contrário da divisão tripartida das cor-
tes medievais europeias (nobreza, clero e comuns). Além disso, o Parlamento
Derrota da Invencível 1588
Armada espanhola. ▾ apresentava-se como uma instituição unificada do ponto de vista geográfico,
Fundação da colônia da 1607 coincidindo com o território do Estado, e não como várias instituições provin-
Virgínia na América do Norte. ▾ ciais, característica das assembleias do continente europeu.
Grupo de famílias de puritanos 1620 A ausência de um exército permanente (compensado pela montagem de
estabelecem-se em Plymouth, ▾
na América do Norte. uma poderosa marinha) obrigava os monarcas a recorrerem a tropas mercená-
Dissolução do Parlamento 1626 rias. Muitas vezes, para obter recursos para sua contratação, necessitavam de
pelo rei Carlos I. ▾
tributos extraordinários que deveriam ser aprovados pelo Parlamento.
Reunião de novo Parlamento. 1628 Desde 1534, durante o reinado de Henrique VIII, o Estado passara a con-
Aprovação da Petição de Direitos. ▾
trolar as instituições religiosas com a adoção do anglicanismo, que tornava o
Dissolução do novo 1629 monarca chefe da Igreja inglesa. Além do rompimento com o papado de Roma
Parlamento pelo rei Carlos I. ▾
e interferências nas práticas religiosas, a Reforma Anglicana permitiu à Coroa
Convocação de novo Parlamento 1640 apropriar-se de um vasto e rico patrimônio.
e sua dissolução um mês depois. ▾
Conflitos entre partidários
Tal situação acelerou as mudanças econômicas em curso desde o século
1642
do rei Carlos I e o Parlamento ▾ XV. A lenta desestruturação dos domínios feudais e a transformação das terras
levam a uma guerra civil.
em mercadoria foi uma das principais características desse processo que ante-
1645
Derrota das tropas leais à Coroa. ▾ cedeu as Revoluções Inglesas do século XVII.
O Parlamento condena o 1648
monarca inglês por traição. ▾
Carlos I é executado. 1649
Os cercamentos
A Inglaterra torna-se República. ▾ No início do século XVI, a situação social inglesa era desoladora. Bandos huma-
1651 nos arrastavam-se pelas estradas, mendigando e roubando. As prisões estavam
Atos de Navegação. ▾
cheias. Campos agrícolas haviam sido substituídos por pastagens para criação
Cromwell dissolve o Parlamento.
1653 de ovelhas (de onde se obtinha lã). No lugar de muitos braços para o cultivo da

Restauração da Monarquia. 1660
terra agora se empregavam poucos pastores para cuidar de enormes rebanhos.
Carlos II sobe ao poder. ▾ Grande parte dos antigos senhorios medievais modificava suas caracterís-
ticas. Aldeias de camponeses desapareciam, e com elas as terras comunais. As
Coroação de Jaime II, católico e 1685
partidário do absolutismo. ▾ terras transformavam-se, cada vez mais, em mercadoria.
Tais alterações na Inglaterra, em curso desde o final da Idade Média, acele-
Revolução Gloriosa. 1688
Guilherme de Orange é declarado ▾ raram-se com a Reforma Anglicana. Senhorios, paróquias, mosteiros e terras da
rei pelo Parlamento. Igreja Católica inglesa passaram ao controle da monarquia e ao patrimônio do
Monarquia parlamentar. Estado. Boa parte dessas terras foi vendida para obter recursos para a montagem
Carta de Direitos (Bill of Rights) 1689 de uma marinha de guerra e financiava piratas que pudessem trazer riquezas de
assegura o poder do Parlamento. ▾
outros continentes, exploradas, principalmente, pelas monarquias ibéricas.

34 Capítulo 1  Inglaterra e Portugal: destinos cruzados

OH_V2_Book.indb 34 13/05/16 12:05


A criação de ovelhas permitia o crescimento da pro- ção de ovelhas e, através de casamentos com os filhos
dução de lã, matéria-prima necessária para as ativida- das "boas famílias", incorporaram-se à gentry. Eram
des têxteis que se desenvolviam rapidamente, ao final nobres pelo nome, mas burgueses em espírito.
do século XV, nos Países Baixos e em cidades ao sul da O segundo resultado dos chamados cercamentos foi
Inglaterra. a produção em massa de um outro tipo de mercadoria, a
O vestuário tornava-se um ramo em expansão com o única capaz de criar riquezas e outras mercadorias: o tra-
desenvolvimento da vida urbana, as viagens marítimas balho assalariado. Milhares de camponeses destituídos
e o estabelecimento de colônias em outros continentes. de suas terras vagavam pelas estradas inglesas. Trabalha-
Os antigos campos de cultivo, abertos, e as terras dores sem terra tornavam-se mendigos, cometiam roubos
comuns, que favoreciam o trabalho coletivo, cediam e outros crimes ou sujeitavam-se a trabalhos nas cidades
lugar à apropriação individual. Cercas demarcavam e mesmo nos campos em troca de baixos salários.
os limites dos latifúndios, as grandes propriedades. Formava-se, assim, uma outra classe social. Gente que
Demarcavam também a área de pequenos sítios, peque- nada possuía além de sua força de trabalho e sua família,
nas extensões de terras que alguns camponeses haviam sua prole. Estava começando a surgir o proletariado, que
conseguido manter sob sua propriedade. Os cercamen- vendia sua força de trabalho em troca de outra mercado-
tos das terras (enclosures), como tais mudanças foram ria, o dinheiro, capaz de ser trocado por mercadorias.
denominadas, constituíram-se num dos aspectos mais Com todas essas mudanças, o preço dos alimentos
importantes do longo processo de transição do feudalis- subiu vertiginosamente. Com menos áreas para cultivo, a
mo para o capitalismo. produção agrícola tornou-se menor e seu preço, mais alto.
A situação dos trabalhadores era cada vez mais crítica.
Uma nova classe social Formou-se também uma camada de pequenos e médios
Uma nova classe social começou a surgir na Inglater- proprietários de terras constituída por comerciantes mais
ra, constituída por comerciantes ricos que compravam modestos, que investiam seus recursos na terra. Junta-
terras. Criadores de ovelhas e, portanto, produtores de mente com os antigos camponeses, proprietários forma-
lã, essa nova classe social passou a ser conhecida por vam a yeomanry, uma espécie de burguesia rural que dire-
gentry, gente de boa família, e seus integrantes, gentle- cionaria a produção para o mercado e que, juntamente
men, cavalheiros. Com o tempo, membros da pequena e com a gentry, utilizaria a força de trabalho dos trabalhado-
média nobrezas também passaram a dedicar-se à cria- res assalariados.

Henrique VIII e sua família


Retratado no centro da cena, Henrique VIII está acompanhado, e Elizabeth I (esquerda). No fundo, foram retratados a babá de
à sua direita, por seu filho Eduardo VI, herdeiro do trono, e, à Eduardo VI e o bufão da corte. Note-se que Henrique VIII, quan-
sua esquerda, por Jane Seymour, mãe de Eduardo. Em segundo do se deixou retratar ao lado de Jane Seymour, estava casado
plano, as filhas e futuras rainhas, Maria I (à direita do soberano) com Catarina Parr, sexta e última esposa do rei.

COLEÇÃO REAL DE SUA MAJESTADE RAINHA


ELIZABETH II, PALÁCIO DE HAMPTON, INGLATERRA

Henrique VIII e sua família, anônimo. Óleo sobre tela, 141 cm x 355 cm, c. 1545.

As Revoluções Inglesas 35

OH_V2_Book.indb 35 13/05/16 12:05


Colonizacao americana

MÁRIO YOSHIDA
A COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA DO NORTE
As divisões religiosas (SÉCULO XVII)
da sociedade inglesa NEW FOUNDLAND
(TERRA NOVA)

Nessa economia em transformação durante os séculos TERRA DE RUPERT

XVI e XVII, a mineração de carvão e o comércio de lã ILHA ROYAL


(I. CAPE BRETON)

fortaleciam os homens vinculados às atividades mer- NOVA

A
Quebec 1608


A F nço
(Capital da Nova França) ESCÓCIA

RA
e
ur
cantis. Porém, tais grupos econômicos possuíam uma
Lago
Penobscot

Lo
Superior
1628

o
NOV

E

IN
IRE
pequena participação política. No controle do Estado,

MA
PSH

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Lago NOVA H AM SETTS Boston (1630)
E W CHU

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Huron IORQUE N
Lago SSA

Lago Michig
MA
estavam o rei absolutista e a corte inglesa, composta por Ontário
CONNECTICUT
New Haven 1640
Plymouth
Providence (1636)

Lago 1620
uma nobreza tradicional, membros da Igreja Anglicana Erie
ILV
ÂN
IA
Filadélfia1682
Nova York (1626)
NS Chester 1682 NOVA OVA JERSEY
PE
e funcionários ligados ao rei. DELAWARE
LAAWARE
Anápolis MARYLAND
ARYLAND
Rio Ohio 1708 Jamestown
Na Inglaterra, houve uma forte aceitação da dou- mestown

ES
VIRGÍNIA 1607
1607

CH
trina calvinista entre os comerciantes. Os calvinistas see

A
es CAROLINA
nn

L
A DO NORTE
LUISIANA Te
ingleses denominavam-se puritanos. Opunham-se ao
P

A
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CAROLINA

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siss

ES
DO SUL
cerimonial católico presente no anglicanismo, defen-

NT
Rio Mi

M ON
diam a purificação da Igreja Anglicana e criticavam os OCEANO
ATLÂNTICO
poderes absolutistas. Golfo
do
Os puritanos dividiam-se em dois grandes grupos. N México
Colônias inglesas

De um lado os presbiterianos, dirigidos por pastores O L


ESCALA
Colônias francesas

e presbíteros (leigos idosos). De outro, os puritanos S


0 400 800 km Colônias espanholas

independentes , que propunham organizações reli-


Fonte: Elaborado com base em BLACK, J. (Org.). World history atlas. Londres:
giosas mais abertas e com menor controle, em que os Dorling Kindersley, 2008.
fiéis assumissem as funções de pastores e pregadores
da palavra divina. Entre esses puritanos radicais surgi-
ram propostas sociais mais contundentes, que questio- A América do Norte
navam não apenas o catolicismo e o anglicanismo, mas As tensões sociais e religiosas vividas na Inglaterra aca-
também a concentração de riquezas e até mesmo a pro- baram estimulando também, em momentos diversos, a
priedade das terras. partida de grupos para o continente americano.
Os pares, a alta nobreza e o alto clero eram predo- Há dois marcos iniciais para o estabelecimento dos
minantemente anglicanos, mas havia ainda um núme- ingleses na América. Em 1607, um grupo de particulares
ro considerável de aristocratas ligados ao catolicismo. organizou uma primeira tentativa de fixação no Novo
A gentry, basicamente composta por comerciantes Mundo, numa localidade denominada Jamestown (veja
e nobres dedicados à produção de lã, era em sua maior no mapa), em homenagem ao rei inglês Jaime I. Como
parte presbiteriana. Outros comerciantes e setores bur- tantas outras colônias, essa história é marcada pela con-
gueses, bem como pequenos e médios proprietários quista de territórios que pertenciam a povos indígenas.
rurais (yeomanry), artesãos, trabalhadores assalaria- A região era habitada pelos powhatans. O chefe desse
dos e camponeses, eram predominantemente purita- grupo indígena acabou por ajudar os ingleses por inter-
nos independentes. Em todos esses grupos sociais, no ferência de sua filha, Pocahontas, enamorada por um
entanto, havia católicos e anglicanos. dos viajantes. Em pouco tempo, os powhatans foram
Comerciantes e empresários da próspera e peque- praticamente exterminados. Mas Pocahontas entrou
na nobreza rural não tinham uma participação polí- para a história como a nativa simpática que ajudou os
tica proporcional à sua riqueza. Qualquer rei que ingleses. Virou até desenho animado.
ignorasse seus interesses econômicos e seu desejo Em 1620, um grupo de famílias de puritanos arren-
de poder político estaria alimentando uma oposição dou um pequeno navio, o Mayflower, e estabeleceu-se
potencialmente perigosa. em Plymouth. Esses colonizadores ficaram conhecidos
Nesse contexto, a insatisfação de vários setores como pais peregrinos. A leitura individual das Sagra-
sociais, divididos em vários grupos religiosos, acabaria das Escrituras, uma característica das religiões protes-
por constituir a base das revoltas e insurreições vividas tantes, contribuiu para que uma atenção especial fosse
na Inglaterra ao longo do século XVII. dada à formação educacional da comunidade.

36 Capítulo 1  Inglaterra e Portugal: destinos cruzados

OH_V2_Book.indb 36 13/05/16 12:05


Em 1636, era fundada a sua primeira instituição de ser consultado sobre questões tributárias, sobre a ques-
ensino superior, a hoje conceituada escola de Harvard. tão religiosa e sobre temas que envolvessem julgamen-
Até 1764, outras seis instituições seriam estabelecidas tos por júri. Carlos I considerou tais exigências um ata-
em terras dominadas pelos ingleses: William and Mary, que à sua autoridade e ordenou que o Parlamento fosse
Yale, Princeton, Pensilvânia, Colúmbia e Brown. fechado.
O Novo Mundo era tido como uma terra de opor- O Exército escocês derrotou com facilidade as
tunidades. Na visão profundamente religiosa comum improvisadas tropas que o monarca inglês conseguiu
aos diversos setores da sociedade inglesa, seria "a Terra formar. Um acordo provisório obrigava a Coroa inglesa
Prometida", como é anunciada no Antigo Testamento. a arcar com as despesas do Exército escocês. Diante da
Mas além de grupos religiosos perseguidos na Ingla- crise, Carlos I convocou novamente o Parlamento. Mas,
terra, a migração para a América também contou com a partir de então, o controle político da Inglaterra esca-
degredados, mulheres e crianças raptadas, crimino- paria às mãos do rei.
sos e aventureiros das mais diversas camadas sociais. O Parlamento retomava seu antigo papel na estru-
Parte da massa de miseráveis ingleses, resultado dos tura do Estado inglês, revogava tributos estabelecidos
cercamentos, teve a América como seu destino. Muitas pelo rei sem a sua aprovação e tornava automática a sua
vezes, contra a sua vontade. convocação independentemente do monarca.
A situação política agravou-se ainda mais com
Coroa versus Parlamento uma nova rebelião, desta vez na Irlanda católica, em
A oposição à política centralizadora da monarquia 1641. Impunha-se, mais uma vez, a necessidade de
Stuart, aliada à recusa em aceitar o anglicanismo do montar um exército. Porém, temendo que o coman-
Estado, resultou numa visão político-religiosa de com- do desse exército pelo rei se voltasse contra as con-
bate ao absolutismo. quistas do Parlamento, os parlamentares decidiram
As tensões econômicas, sociais e religiosas contri- por controlar as tropas militares. Os conflitos políti-
buíram para estimular rebeliões e revoluções contra cos entre a Coroa e o Parlamento desembocaram, em
os monarcas Jaime I (1603-1625) e seu filho Carlos I 1642, numa guerra civil.
(1625-1649), da dinastia Stuart. Tanto Jaime I como Car-
los I procuraram reverter o espaço político conquistado

THE BRIDGEMAN ART LIBRARY/GRUPO KEYSTONE


pelo Parlamento e implantar um programa centraliza-
dor. Defendiam a visão de que os reis governavam em
nome de Deus e, por isso, tentaram desconsiderar os
interesses dos parlamentares.
O reinado de Jaime I foi marcado por disputas áspe-
ras com o Parlamento e pelo descontentamento dos
diversos grupos sociais, devido à imposição de taxas
alfandegárias, à distribuição de privilégios e aos gastos
luxuosos da corte.
O reinado de seu filho, Carlos I, caracterizou-se
por uma tentativa frustrada de estender o anglicanis-
mo para a Escócia e por mais conflitos com o Parlamen-
to, culminando na sua dissolução por ordem do rei em
1629. Além disso, utilizou-se de todos os meios possí-
veis para perseguir seus opositores.
Em 1640, a Escócia calvinista, que recusava o angli-
canismo, rebelou-se contra o domínio inglês. Para
enfrentar a rebelião e montar um exército, o rei preci-
sava aumentar os impostos. Sem outra alternativa, o
rei convocou o Parlamento. Após onze anos sem se reu-
nir, o Parlamento impôs condições para aceitar o pedido
Árvore genealógica de Jaime I, Mark Fiennes. Óleo sobre
real. Exigiu que lhe fossem concedidos certos direitos: tela, c. 1603.

As Revoluções Inglesas 37

OH_V2_Book.indb 37 13/05/16 12:05


A Revolução Puritana grantes eram compostos por voluntários que lutavam
motivados por convicções políticas e religiosas. Basi-
A guerra civil apresentou, de um lado, o rei, seus nobres
fiéis e a hierarquia da Igreja Anglicana, denominados camente recrutados entre os pequenos e médios pro-
realistas ou cavaleiros, numa referência aos caballeros prietários rurais, eram financiados por comerciantes e
espanhóis, ferrenhos adversários dos protestantes nas comandados por Oliver Cromwell (1599-1658), líder
lutas religiosas dos séculos XVI e XVII. puritano. Esse exército plebeu derrotou as tropas leais
De outro lado, havia os cabeças-redondas, porque os ao rei em 1645.
primeiros voluntários do exército parlamentar foram arte- A derrota dos realistas acentuou, porém, as dispu-
sãos aprendizes de Londres que usavam os cabelos bem tas entre os puritanos. Os presbiterianos controlavam a
curtos, deixando à vista a forma redonda da cabeça. Do maior parte do Parlamento. Os puritanos independen-
ponto de vista religioso, anglicanos e católicos mantive- tes comandavam o Exército. Os presbiterianos, temendo
ram-se ao lado do rei Carlos I, enquanto os puritanos com- a radicalização da revolução, procuravam negociar com
puseram as forças políticas e militares do Parlamento. o rei. Os independentes aproximavam-se cada vez mais
No interior das forças do Parlamento formava-se dos setores mais radicais da revolução. Uma nova divi-
um novo tipo de exército, o New Model Army. Seus inte- são político-social formava-se entre 1646 e 1647.

ANÁLISE DE IMAGEMpintura

A execução do rei Carlos I da Inglaterra (1600- Datação: 1649


-1649) retratada por uma testemunha ocular
Autoria: John Weesop
Material: Óleo sobre tela
A obra pertence a uma coleção particular.

1 Primeiro olhar: O título da obra e a data de execução indicam que o autor teria presenciado o acontecimento.
O autor conferiu grande dramaticidade ao momento, reforçando a crença da ilegitimidade do ato.

2 No alto, em destaque, o momento da execução.


THE BRIDGEMAN ART LIBRARY/GRUPO KEYSTONE

Em primeiro plano, no meio da Os medalhões colocados nos quatro cantos da tela reforçam a ideia de
aglomeração, uma mulher desmaia 3 via crucis. Em sentido anti-horário, a partir do alto à esquerda: retrato 7
no momento em que o carrasco ergue do rei; caminho da execução; multidão molha os lenços no sangue real/
a cabeça decapitada do rei. divino para guardar como relíquia; o executor com a cabeça do rei.

38 Capítulo 1  Inglaterra e Portugal: destinos cruzados

OH_V2_Book.indb 38 13/05/16 12:05


A república Niveladores e diggers:
Capturado pelo Exército, Carlos I foi executado publica-
os grupos radicais
mente por ordem do Parlamento em janeiro de 1649 por A derrota do absolutismo havia eliminado o inimigo
ter quebrado o contrato político com a sociedade inglesa. A comum que antes unia grupos religiosos divergentes, e o
Câmara dos Lordes foi abolida e a Inglaterra tornou-se uma sucesso militar e comercial inglês no exterior não impedia
república. Durante onze anos, a Inglaterra foi efetivamen- a continuidade dos conflitos internos. O exército era com-
te governada por um exército revolucionário e um Parla- posto por jornaleiros e artesãos pobres, que desejavam
mento puritano, do qual os monarquistas foram banidos. ampliar as conquistas sociais. Parte deles aderiu a um
Cromwell tornou-se a ponte entre o Parlamento e o novo partido, criado em Londres em 1646: os niveladores.
Exército. Assumiu o controle total do Exército após per- Sob a liderança de John Lilburne, propunham a repúbli-
seguir soldados radicais, que desejavam redistribuir a ca, com a separação total entre Estado e Igreja e a elimi-
propriedade e dar o direito de voto a todos os homens. nação do dízimo. Os niveladores eram defensores do livre-
Mas em 1653, dissolveu o Parlamento de maioria presbi- comércio e da redistribuição das propriedades, com apoio
teriana, instaurando uma ditadura na Inglaterra. O novo governamental aos pequenos proprietários. Exigiam,
Parlamento, expurgado de opositores, concedeu-lhe o ainda, participação no parlamento e ampliação do direito
título de "Lorde Protetor da Inglaterra". Alguns partidá- de voto para toda a população masculina livre. As mulhe-
rios ofereceram-lhe a coroa de rei, por ele recusada. res e aqueles que não fossem proprietários de seus meios
Enquanto duraram os recursos obtidos com o con- de produção não participariam das decisões políticas.
fisco dos bens da Coroa e dos realistas, o Estado e o Exér- Havia também os diggers (cavadores), que que-
cito puderam ser custeados sem recorrer ao Parlamen- riam levar mais a fundo as transformações sociais. Seus
to. Quando tais recursos acabaram, o elevado custo da líderes criticavam o que chamavam de "modos vis" da
manutenção do poder provocou reações dos parlamen- terra. Ou seja, o fato de que aqueles que lavravam as ter-
tares, ainda em sua maioria ligados aos grandes proprie- ras e nelas moravam fossem controlados por proprietá-
tários de terras. rios, que podiam aumentar, a qualquer tempo e hora, as
Até 1658, no entanto, a república consolidou as con- taxas pelo uso da terra, ou ainda despejá-los a qualquer
quistas de uma revolução burguesa. Os privilégios feu- momento. Os trabalhadores rurais teriam o direito de
dais foram abolidos. Houve uma intensa circulação de cultivar o solo por conta própria. O digger Gerrard Wins-
joias, peças de ouro e bens de valor para custear os exér- tanley escreveria: "O homem mais pobre da Inglaterra
citos que se enfrentaram durante a guerra civil, amplian- tem tanto direito à terra quanto o mais rico".
do o capital em circulação e estimulando o comércio e a Assim como os principais chefes niveladores foram
produção artesanal. executados em 1649, após uma fracassada revolta, os
diggers não tiveram melhor sorte e também foram dura-
Os Atos de Navegação e o início da mente reprimidos.
hegemonia marítima inglesa
Em 1651, atendendo aos interesses comerciais ingleses,
Oliver Cromwell promulgou os Atos de Navegação, por
A Restauração
meio dos quais estabelecia que as mercadorias somen- e a Revolução Gloriosa
te poderiam entrar em portos da Inglaterra e de suas Oliver Cromwell morreu em 1658 e foi sucedido por seu
colônias se transportadas por navios ingleses ou em filho Richard. A república, no entanto, continuava bas-
navios dos seus próprios países de origem. Procurava- tante dependente do exército. O Parlamento era con-
se garantir o monopólio comercial a partir das práticas trolado pelos setores socialmente hegemônicos e temia
e ideias mercantilistas da época.Tais medidas afeta- o crescimento dos grupos radicais. A centralização do
vam diretamente os interesses da Holanda, que dispu- poder nas mãos do ditador e os custos de manutenção do
nha da maior frota mercante da Europa e realizava o aparato militar também incomodavam os grandes pro-
transporte de produtos em todo o mundo. A reação con- prietários, que rejeitavam aumentos de impostos para
trária do governo holandês provocou a eclosão de uma arcar com essas despesas.
guerra que se estendeu de 1652 a 1654, tendo como Em 1660, o Parlamento aprovou o retorno da monar-
resultado a vitória da Inglaterra e o fortalecimento de quia e convidou Carlos II, filho de Carlos I, a voltar à
suas atividades mercantis e de sua marinha de guerra. Inglaterra e assumir o trono. A Restauração monárquica,
Era o início da hegemonia marítima inglesa. no entanto, não representou o retorno ao absolutismo:

As Revoluções Inglesas 39

OH_V2_Book.indb 39 13/05/16 12:05


Carlos II respeitou o poder do Parlamento. Vingou-se, Thomas Hobbes: sobre homens e lobos
no entanto, de Cromwell, determinando a exumação de
Enquanto a Inglaterra se consumia em disputas internas
seu corpo, para que fosse enforcado. A exibição pública
e as ideias de absolutismo, república e democracia ocu-
de sua cabeça decepada, defronte ao Parlamento, servia
pavam o debate político, Thomas Hobbes (1588-1679)
para mostrar que os Stuart haviam retornado, ainda que
desenvolvia seus principais trabalhos. Matemático e
sem todo o poder de antes.
pensador, Hobbes apoiava o poder absoluto de Carlos I
O absolutismo, de qualquer forma, não estava total-
e rejeitava a ampliação do espaço político do Parlamen-
mente banido da vida política britânica. Com a morte
to. No início da rebelião de 1640, Hobbes fugiu para a
de Carlos II, em 1685, seu irmão assumiu o trono como
França. Lá, desenvolveu seu pensamento lógico e racio-
Jaime II e tentou impor seu comando ao Parlamento e
nal, que aplicava tanto aos cálculos numéricos quanto à
aos governos locais. O novo monarca era católico e seu
teoria política. Durante seu exílio, também atuou como
conselho de governo era composto por católicos. O esfor-
professor de matemática do futuro rei Carlos II.
ço do restabelecimento absolutista, porém, fracassou. O
Originário de um país em que as divergências reli-
temor de uma nova guerra civil, que colocasse em risco a
giosas moviam parte importante do processo revolucio-
estabilidade e o poderio comercial inglês, levou os angli-
nário, Hobbes foi muitas vezes acusado de ateísmo, pois
canos, os proprietários de terras e demais opositores do
associava certos comportamentos religiosos a supersti-
absolutismo a articular a derrubada do rei. Eles apoia-
ções e defendia a submissão do poder espiritual ao poder
ram o protestante Guilherme de Orange (genro de Jaime
temporal. Diante da guerra civil inglesa, ele constata-
II), que, em 1688, invadiu a Inglaterra e assumiu o trono,
va, ainda, que a divisão de atribuições e da capacidade
com apoio do Parlamento.
decisória entre nobres e comuns, monarca e parlamento,
O movimento tornou-se conhecido como Revolução
abria espaço para a desagregação social e política. Falta-
Gloriosa. O nome veio do fato de não ter ocorrido derra-
va, na sua opinião, um centro claro e definido de poder.
mamento de sangue. Mais importante que isso, para a
Sua principal obra, Leviatã, foi publicada em 1651,
elite inglesa, era que o fim do reinado de Jaime II não
havia implicado choques internos, nem reavivado as quando Hobbes já voltara à Inglaterra e o país vivia sob
lutas sociais. o comando de Cromwell. No Leviatã, o autor inglês afir-
mava que os seres humanos eram incapazes de se unir de
A monarquia parlamentar forma natural, como ocorre com abelhas ou formigas. Os
Após a Revolução Gloriosa, o país emergiu de quase homens, segundo ele, buscavam sempre a competição e
cinquenta anos de lutas com um novo Estado, que faci- usavam a razão para destruir os semelhantes e confron-
litava o avanço do capitalismo. Em 1689, o Parlamen- tar o governo. Nesse estado de natureza, todos guerrea-
to aprovou a Carta de Direitos (Bill of Rights): ela conso- riam contra todos, a propriedade seria inviável e não exis-
lidava a transformação da Inglaterra numa monarquia tiria justiça. Para impedir que os homens agissem como
parlamentar. O rei passava a dividir o poder com o Par- “lobos” de si mesmos, seria necessário, para Hobbes, que
lamento, dominado pelos grandes proprietários rurais se estabelecesse um contrato social. Por meio dele, as pes-
e pelos comerciantes, que se valiam do controle militar soas se organizariam em comunidades dotadas de uma
e comercial dos mares para ampliar suas atividades e autoridade central, forte e rigorosa. Essa autoridade seria
ganhos. A Carta também assegurava a liberdade religio- o Estado, capaz de impedir a destruição recíproca entre os
sa, eliminando outro foco de tensão e conflitos. homens e de conter rebeliões, que poderiam fazê-los retro-
Desde seu estabelecimento até hoje, o modelo ceder ao estado de natureza.
monárquico inglês conheceu mudanças pequenas em Embora Hobbes seja muitas vezes considerado um
sua composição e dinâmica. Diversos países reproduzi- teórico do poder absoluto dos reis, ele não defendia que
ram sua estrutura, que assegurou o acesso da burguesia esse poder central e pleno devesse ser necessariamen-
às principais decisões políticas. As ideias de John Locke te exercido por um monarca. O pensador inglês chegou
(1632-1704), fundamentais para o desenvolvimento do a afirmar que a guerra universal poderia ser contida pela
novo Estado, e as mudanças trazidas pelas revoluções do ação de uma assembleia. Independentemente de o poder
século XVII influenciaram outros países europeus, como central ser exercido por uma pessoa ou por um conjun-
a França, e os Estados Unidos, principal colônia britâ- to de pessoas, era fundamental, segundo sua lógica, que
nica na América. Quando o Bill of Rights fez cem anos, ele fosse soberano e eliminasse toda forma de questiona-
no final do século XVIII, os Estados Unidos já tinham mento ou contestação. Os governados só poderiam reagir
conquistado sua independência e a França iniciava um ao governante se este fosse incapaz de assegurar a prote-
longo e decisivo processo revolucionário. ção e a sobrevivência dos membros da comunidade.

40 Capítulo 1  Inglaterra e Portugal: destinos cruzados

OH_V2_Book.indb 40 13/05/16 12:05


Um Outro Olhar Filosofia
[A teoria liberal do Estado]
John Locke acompanhou todo o processo de transforma- ser uma forma qualquer de governo civil, porque o obje-
ção da Inglaterra no século XVII e, a partir das turbulên- tivo da sociedade civil consiste em evitar e remediar os
cias políticas, religiosas e sociais, formulou sua filosofia inconvenientes do estado de natureza que resultam neces-
política, que afirmava os conceitos de sociedade civil e de sariamente de poder cada homem ser juiz em seu próprio
que o governo devia ter o consentimento dos governados. caso, estabelecendo-se uma autoridade conhecida para a
Locke defendeu a tolerância religiosa e os direitos natu- qual todos os membros dessa sociedade podem apelar [...]
rais do ser humano à vida, à liberdade à propriedade. Onde quer que existam pessoas que não tenham semelhan-
" [...] qualquer sociedade política não pode existir nem te autoridade a que recorrerem para
subsistir sem ter em si o poder de preservar a propriedade decisão de qualquer diferença
e, para isso castigar as ofensas de todos os membros dessa entre elas, estarão tais pes-
sociedade, haverá sociedade política somente quando cada soas no estado de natu-
um dos membros renunciar ao próprio poder natural, pas- reza; e assim se encon-

Galeria Nacional, Londres, inglaterra


sando-o às mãos da comunidade [...] Os que estão unidos tra qualquer príncipe
em um corpo, tendo lei comum estabelecida e judicatura absoluto em relação
– para a qual apelar – com autoridade para decidir con- aos que estão sob o
trovérsias e punir os ofensores, estão em sociedade civil seu domínio."
uns com os outros; mas os que que não têm essa apelação LOCKE, J. "Segundo trata-
em comum [...] ainda se encontram no estado de natureza, do sobre o governo". Locke.
sendo cada um [...] juiz para si e executor, o que constitui Os Pensadores. Trad. São
Paulo: Abril Cultural,
[...] o estado perfeito de natureza [...] 1978. p. 67-68.
[...] é evidente que a monarquia absoluta, que alguns
consideram o único governo do mundo, é, de fato, incom- Retrato de John Locke, Herman
patível objetivo da sociedade civil, não podendo por isso Verelst. Óleo sobre tela, 1689.

Faça
em se → conforme tabelas das páginas 8 e 9.
cadernu
o

1 Indique as características da sociedade civil para incompatível com a sociedade civil? → DL/H1/H24
Locke. → DL/H1/H24 4 Em que medida a visão de Locke se diferencia dos
2 Na visão de Locke, qual é o principal objetivo da socie- argumentos de Hobbes para quem o estado de natu-
dade civil? Como tal objetivo articula-se ao desenvol- reza faz com que os homens vivam em luta permanen-
vimento social inglês no século XVII? → DL/H1/H24 te e o corpo político é necessário para cessar esses
3 Por que, na sua perspectiva, a monarquia absoluta é conflitos? → DL/H1/H24

Verificação de leitura 1 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 Aponte as características do absolutismo inglês. → DL/SP/H8/H11


→ DL/CF/H9/H12 4 Apresente as consequências da promulgação dos
2 Apresente as consequências econômicas provoca- Atos de Navegação de 1651. → DL/CF/SP/H8/H13
das pela Reforma Anglicana. → DL/CF/SP/H1/H8/H9 5 Compare, no plano político, a Revolução Puritana e
3 Explique as consequências dos cercamentos para a a Revolução Gloriosa. → DL/SP/H9/H13
maioria dos camponeses da Inglaterra.

As Revoluções Inglesas 41

OH_V2_Book.indb 41 13/05/16 12:05


2 Portugal e Brasil
no século XVII

A
incorporação de Portugal aos domínios espanhóis, a partir de 1580,

◀ ANOS
O Império
Português provocou grandes alterações nos destinos do Império lusitano. O
governo lusitano passou a ser exercido por portugueses escolhidos
D. Sebastião assume o trono 1568
português aos 14 anos. ▾ pelo monarca espanhol, em sua maioria clérigos e representantes do Tribu-
nal do Santo Ofício. A ação inquisitorial tornou-se mais intensa na Metrópole
Batalha de Alcácer-Quibir. 1578
Rei d. Sebastião desaparece ▾ portuguesa, provocando a fuga de judeus e cristãos-novos para outros Estados
durante a batalha. europeus e para a América, onde, apesar das perseguições, os representantes
União Ibérica. 1580 da nação hebreia eram menos vigiados.
Felipe II, rei da Espanha, ▾
proclamado soberano de Portugal. Com o advento da União Ibérica, os comerciantes portugueses obtiveram
Criação da Companhia 1602 livre trânsito nas terras espanholas e o asiento, privilégio de fornecimento de
das Índias Orientais. ▾
escravizados às colônias americanas. A nobreza recebeu auxílio para resga-
Monarquia espanhola 1605 tar os prisioneiros mantidos pelos muçulmanos após a derrota na Batalha de
proíbe relações mercantis ▾
entre Holanda e Portugal. Alcácer-Quibir (1578) e pôde manter sua participação nos principais postos da
Franceses estabelecem 1612 burocracia imperial lusitana. Na América portuguesa, todos os cargos e fun-
a França Equinocial em torno ▾
de São Luís, no Maranhão. ções, bem como as decisões sobre a condução da economia colonial, continua-
Expulsão dos franceses 1615 vam a ser da alçada lusitana. Para os grupos dominantes portugueses, a união
do Maranhão. ▾
das Coroas foi, sem dúvida, um ótimo negócio.
Criação da Companhia 1621 No entanto, rapidamente apareceram as primeiras dificuldades decorren-
das Índias Ocidentais. ▾
tes da incorporação de Portugal ao Império espanhol.
A cidade de Salvador 1624
é tomada pelos holandeses. ▾ Os franceses frequentavam a costa nordeste da América do Sul, sendo
1630 desalojados seguidamente pelas forças luso-espanholas. Em 1612, no entanto,
Pernambuco é tomado
pelos holandeses. ▾ conseguiram estabelecer a França Equinocial em torno do Forte de São Luís,
1637 por eles erguido na região do Maranhão, sendo posteriormente expulsos, em
Governo de Maurício de Nassau. ▾ 1615. Ingleses e franceses procuravam minar o poderio ibérico aproveitando-
Restauração Portuguesa: d. João 1640 -se da imensidão de seu Império.
IV assume o trono português. ▾
Holandeses no Maranhão 1641
▾ Brasiliana, Biblioteca nacional, rio de janeiro, brasil
e em Angola.
As forças luso-brasileiras 1644
retomam a região maranhense. ▾
Primeira Batalha dos Guararapes. 1648
Retomada portuguesa de Luanda, ▾
Benguela e São Tomé, na África.
1649
Segunda Batalha dos Guararapes. ▾
1654
Restauração Pernambucana. ▾
Acordo de paz entre 1661
Portugal e Holanda. ▾
Portugal cede à Inglaterra suas 1662
possessões de Tânger (norte da ▾
África) e Bombaim (Índia).
A Espanha reconhece a 1668
independência de Portugal. ▾
Tratado anglo-português 1703
de Methuen. ▾ Caravelas, Jean de Léry. Gravura extraída do manuscrito Histoire d'un
voyage fait en la terre du Brésil, século XVI.

42 Capítulo 1  Inglaterra e Portugal: destinos cruzados

OH_V2_Book.indb 42 13/05/16 12:05


à Metrópole, um dos elementos básicos do colonialis-
O Antigo Sistema Colonial mo mercantilista da Época Moderna. Mas foi a intensifi-
O ano de 1580 também pode ser considerado o início do cação do tráfico negreiro que não apenas garantiu uma
funcionamento do Antigo Sistema Colonial. A amplia- grande lucratividade, como também permitiu à Coroa
ção das atividades canavieiras, a adoção de uma polí- o exercício de maior controle sobre seus próprios colo-
tica monopolista, que garantia a exclusividade aos nos. As restrições à escravização indígena tornavam os
OH_C1_p43a metropolitanos, a proibição da produção
comerciantes colonos brancos cada vez mais dependentes do tráfico
de manufaturas na Colônia (para resguardar os interes- negreiro e, consequentemente,
OH_C1_p43c
mais dependentes dos
ses da Metrópole) e o controle político-administrativo mecanismos do sistema colonial.
OH_C1_p43b
da Coroa ajudaram a garantir a subordinação
OH_C1_p43a da Colônia
MÁRIO YOSHIDA

AMÉRICA PORTUGUESA AMÉRICA PORTUGUESA AMÉRICA PORTUGUESA


(1574-1578) (1608-1612) (1621)

Belém
São Luís
Meridiano de Tordesilhas

ESTADO DO Natal
MARANHÃO Olinda

Meridiano de Tordesilhas
Meridiano de Tordesilhas
Meridiano de Tordesilhas

OCEANO
ATLÂNTICO
Salvador
OCEANO
São Jorge dos Ilhéus ATLÂNTICO
ESTADO Porto Seguro
DO BRASIL
OCEANO
ATLÂNTICO Vitória OCEANO
ATLÂNTICO
OCEANO
PACÍFICO São Paulo
Rio de Janeiro
Santos
São Vicente

ESCALA
0 460 920 km

Fonte dos mapas: Elaborados com base em CAMPOS, F. de;


Estado do Norte Jê Tupi-Guarani DOLHNIKOFF, M. Atlas História do Brasil. São Paulo: Scipione,
Tronco linguístico
Estado do Sul Caribe Outros grupos 1994; JOFFILY, B. (Org.). Isto É Brasil, 500 anos. Atlas Histórico
do Brasil. São Paulo: Três, 1998.

Estado do Norte Jê Tupi-Guarani


Tronco linguístico
Os holandeses no Nordeste
Estado do Sul Caribe Refúgio
Outros grupos de judeus, cristãos-novos e comerciantes
ibéricos perseguidos pela Inquisição, a Holanda tor-
As maiores dificuldades de Portugal com a União Ibérica
nou-se o principal centro de transações econômicas da
residiam nas relações com a Holanda, parceira dos lusita-
Europa no início do século XVII. O Banco de Amsterdã
nos nos negócios do açúcar e em luta com os espanhóis.
A situação embaraçosa não tardou a transformar-se em era a mais sólida e prestigiada instituição financeira
conflito aberto. Os ataques dos holandeses ao Recife, em europeia no período. As intensas atividades mercantis,
1595, e à Bahia, em 1599, antecipavam o que estaria por financeiras e manufatureiras propiciaram um grande
vir. A proibição de relações mercantis entre Holanda e acúmulo de capitais, que, por sua vez, tornou possíveis
Portugal, por ordem da monarquia espanhola, em 1605, as operações coloniais e marítimas.
aprofundou as desavenças. Em 1624, a cidade de Salva- A criação de companhias de comércio (1602, Com-
dor caía em poder dos holandeses, sendo recuperada só panhia das Índias Orientais; 1621, Companhia das
no ano seguinte. Em 1630, foi a vez de Pernambuco, prin- Índias Ocidentais) permitiu que o governo e associações
cipal área canavieira da América portuguesa. de comerciantes explorassem as colônias sob regime de

Portugal e Brasil no século XVII 43

OH_V2_Book.indb 43 13/05/16 12:05


exclusividade, empregando maciçamente seus capitais na dos engenhos. Mas foram suas intervenções arquite-
nessas atividades. A Companhia das Índias Ocidentais, tônicas que mais impressionaram seus contemporâneos.
dirigida para a região atlântica, promoveu a conquista Áreas alagadiças próximas ao que hoje é a cidade do Reci-
militar de áreas canavieiras e sustentou a guerra contra fe foram drenadas por canais, com técnicas semelhantes
as forças luso-brasileiras na América e na África. às utilizadas na Holanda. Sobre o terreno ergueu um par-
Ao mesmo tempo em que ocupavam áreas produto- que com jardim botânico e zoológico.
ras de açúcar, os holandeses tomaram pontos do litoral No centro do parque mandou construir Friburgo
africano, de onde retiravam negros escravizados para os (free bourg: Cidadela da Liberdade), seu imponente palá-
engenhos do Nordeste brasileiro. Controlando a produ- cio e sede do governo. Idealizada por Maurício de Nas-
ção, o refino e a distribuição, bem como a reposição da sau e projetada por Pieter Post, a obra foi concluída em
mão de obra envolvida, os holandeses tornavam o negó- 1642 e ficou conhecida como Palácio das Torres, devido
cio do açúcar cada vez mais exclusivo. às duas torres altas, quadrangulares, de cinco pavimen-
Em 1637, consolidada a presença holandesa no tos, ligadas por uma passarela coberta. As torres também
Nordeste, foi enviado o conde João Maurício de Nassau- serviam como marco para os navegantes. Uma delas era
-Siegen, que se tornou governador e comandante militar utilizada como farol e a outra como observatório astronô-
das possessões holandesas. mico, o primeiro fundado na América. O palácio era pro-
Mantendo o mesmo sistema de produção das plan- tegido por canhões e um fosso e por um forte. Em seus
tations, o governo de Nassau conseguiu estabelecer boas salões luxuosos, poderiam ser encontrados, entre outras
relações com os produtores luso-brasileiros que viviam preciosidades, obras de Frans Post e Albert Eckhout.
nas regiões ocupadas pelos holandeses. Com o retorno de Maurício de Nassau para a Holan-
da, o palácio foi utilizado como quartel, durante as lutas
Protestantes, católicos e judeus entre luso-brasileiros e holandeses, ficando pratica-
Apesar de protestante, Nassau defendia a tolerância mente destruído durante a Restauração Pernambucana,
religiosa. Assim, católicos e judeus que desejassem em 1654. Entre 1774 e 1787, devido ao mau estado, foi
manter suas propriedades e atividades poderiam pro- demolido por ordem do então governador da província
duzir como membros dos domínios holandeses. Uma José César de Menezes. Sobre suas fundações, foi cons-
parcela considerável preferiu formalizar essa espécie de truído o Erário Régio, que serviria de sede de governo
pacto de convivência a retirar-se da região e abandonar aos insurgentes da Revolução de 1817.
seu patrimônio. Mais ainda, o governador ofereceu faci-
lidades de crédito para que os engenhos abandonados

ACERVO ICONOGRAPHIA
e devastados pela guerra pudessem voltar a funcionar
plenamente nas mãos de holandeses e luso-brasileiros.
A conquista de grande parte da região Nordeste e o
controle de áreas produtoras de açúcar permitiram aos
holandeses obter grandes lucros. De parte a parte, as
principais estratégias consistiam em utilizar os rendi-
mentos obtidos com o açúcar para sustentar as neces-
sidades militares e atacar áreas produtoras do inimigo e
suas embarcações, que realizavam o transporte de pro-
dutos e escravizados. Como escreveu Gaspar Barléu, os
luso-brasileiros infestavam "com rapinas e devastações
as terras vizinhas pertencentes aos nossos, a tal ponto
que nem era seguro o trajeto entre Olinda e Recife".

A cidadela maurícia
Cercado de artistas, cientistas e letrados, Nassau criou
uma verdadeira "corte intelectual" no Novo Mundo. Esti-
mulou uma série de atividades culturais durante o seu
governo, com pesquisas sobre a fauna e a flora da Améri- Palácio de Friburgo, Frans Post. Gravura em metal, 1645.
ca e pinturas das paisagens nordestinas e da vida cotidia- (detalhe)

44 Capítulo 1  Inglaterra e Portugal: destinos cruzados

OH_V2_Book.indb 44 13/05/16 12:05


OH_V2_C1_p45

MÁRIO YOSHIDA
AS GUERRAS DO AÇÚCAR (1624-1654)

Nova Amsterdã
(1625)

VICE-REINO DE Is. Cabo


NOVA ESPANHA Verde Cabo Verde
OCEANO Is. Curaçao
PACÍFICO São Jorge
OCEANO
da Mina
VICE-REINO DE ATLÂNTICO
NOVA GRANADA
São Luís I. São Tomé
Fortaleza
Olinda
VI

Luanda
Recife
CE
-RE

Salvador Benguela
INO
DO P

Rio de Janeiro
ERU

OCEANO
Cidade do Cabo ÍNDICO
Área produtora de açúcar (1652)
Área de apresamento de escravizados
Áre ade refino e distribuição de açúcar

Destino do produto ESCALA


Destino dos escravizados 0 1 215 2 430 km

Fonte: Elaborado com base em CAMPOS, F. de; DOLHNIKOFF, M. Atlas História do Brasil. São Paulo: Scipione, 1994.

A+ COMUNICAÇÃO
PRODUÇÃO DE AÇÚCAR DO BRASIL HOLANDÊS (em arrobas*)

Etapas da produção
Moendas Cozinha Casa de purgar Secagem e embalagem *1 arroba = 15 kg
1 feitor-pequeno 1 mestre de açúcar 1 purgador 1 caixeiro
1 lavandeiro 1 banqueiro 5 escravizados 19 escravizados 447 562
15 escravizados 2 caldereiros
de melar
1 caldereiro
de escumar
28 escravizados

298 914
265 789 282 286
273 090
252 128

207 711
HENRY KOSTER/CREATIVECOMMONS

196 098

144 207

85 352 75 590
64 062 65 972

18 200 23 100
1631 1632 1633 1635 1636 1637 1638 1639 1640 1641 1642 1643 1644 1645 1646

Obs.: Não há dados disponíveis para o ano de 1634.


Fonte: Elaborado com base em MELLO, Evaldo Cabral. Olinda restaurada. Rio de Janeiro: Topbooks, 1998. p. 301.

Portugal e Brasil no século XVII 45

OH_V2_Book.indb 45 13/05/16 12:05


medidas legitimavam seu poder perante a comunidade,
África: o Reino dos Ngolas mas afrontavam os interesses dos portugueses.
entre holandA e portugAL Diante do impasse, os portugueses rapidamente
No final do século XVI, os portugueses avançaram em colocaram como sucessor ao trono do Ndongo um soba
direção ao sul do Reino do Kongo à procura de metais aliado, com a justificativa de que Jinga havia abando-
preciosos e escravizados, território dominado pelos nado a fé cristã, e assim seus súditos estavam livres de
povos ambundos. Os portugueses referiam-se ao Reino quaisquer obrigações para com ela.
do Ndongo como o Reino do Ngola ou Angola, confun- A rainha impedida de assumir o trono aliou-se à
dindo o título do rei com o nome do reino. comunidade dos jagas, tornando-se rainha do Reino de
O reino era dividido em unidades políticas meno- Matamba e assumindo a chefia da sociedade guerrei-
res, chamadas de senzalas (vilarejos), que eram governa- ra até então comandada por homens. Esses guerreiros
das pelos sobas (senhores das armas). As senzalas eram organizavam-se em torno de quilombos, espécie de cam-
construídas em torno da capital (mbanza). O controle das pos militares e lugares de iniciação de novos guerrei-
jazidas de ferro e das minas de sal da região formaram ros. Utilizavam o ferro na fabricação de seus armamen-
OH_C1_p46 tos e repartiam-se em esquadrões de ataques que eram
a base econômica que proporcionou ao reino expansão
territorial e capacidade de formar grandes exércitos. temidos tanto por outros povos quanto pelos portugue-
ses. Mas vale notar que os combativos jagas eram anti-
gos aliados dos portugueses na captura de escravizados.
MÁRIO YOSHIDA

ÁFRICA CENTRAL (SÉCULOS XVI-XVII)


Jinga: a guerreira
Mpango Durante mais de trinta anos, Jinga resistiu aos portu-
LOANGO Nsundi Cas
Rio gueses, aliando-se inclusive aos holandeses. De 1639 a
go

sai n
Co
Mbanza
Ri
o 1648, a rainha liderou a coligação dos reinos de Matam-
KONGO Kongo
KA REINO DO ba, Ndongo e Kongo juntamente com os aliados holan-
NGOYO KONGO
Mpemba deses contra as forças portuguesas. Aproveitando-se da
Wembu
Mbamba ocupação de Luanda pelos aliados, recuperou parte de
Ri
oC

OCEANO
seu território. Por fim, o Exército português acabou por
ua

ATLÂNTICO NDONGO
ng

Rio
vencer os adversários e Jinga teve de renunciar às terras
o

Cuanza MATAMBA

do Ndongo e retirar-se para Matamba.


Jinga morreu em 1663, aos 82 anos de idade, com o
Legenda Reino de Matamba ainda independente, mas com o Reino
EL
A

Rio Cuban

GU NDONGO - reino tributário


de Ndongo sendo anexado sob o nome de "Reino Portu-
BE N
Rio

ne
Mpango
ua - província
C

ESCALA nd
o guês de Angola". Muitos dos seus soldados guerreiros
Rio Cune

Capital
0 235 470 km o
g

foram escravizados e trazidos para a América portuguesa.


Fonte: Elaborado com base em BLACK, J. (Org.). World history atlas. Londres:
Dorling Kindersley, 2008; JOLLY, J. L'Afrique: atlas historique et son environnement
européen et asiatique. Paris: L'Harmattan, 2008.
Jinga: o mito
Nos dias de hoje, Jinga, rainha de Matamba e do Ndongo,
Jinga: a rainha é cultuada como heroína angolana das primeiras resis-
O Reino do Ndongo e os povos ambundos se opuseram tências contra os dominadores. No Brasil, a rainha Jinga
durante muito tempo ao avanço dos portugueses. Entre- continua presente, não somente na "ginga" da capoei-
tanto, de todos os governantes, a mais famosa foi a rainha ra, mas também nas congadas encenadas nas diversas
Nzinga Mbandi (1587-1663), ou Jinga, como também é regiões do país em que as cantigas celebram a grande
conhecida, rainha dos reinos do Ndongo e Matamba. guerreira africana.
Com uma política astuta, Jinga não hesitou em se A história de Jinga se tornou popular também entre
converter ao cristianismo a fim de conseguir um acor- os negros estadunidenses. Reggaes, raps e sites da inter-
do de paz com os portugueses, nem de assassinar seu net são feitos em honra de Jinga, que também foi trans-
irmão para usurpar-lhe o trono, após os portugueses formada em heroína pelas feministas. Na literatura, na
terem rompido o acordo. religião popular, na capoeira, nas canções, na internet,
Contudo, como rainha, rejeitou o cristianismo e pro- nos movimentos negros e feministas, Jinga figura como
moveu o fechamento dos entrepostos de tráfico. Essas a rainha guerreira que lutou contra os brancos.

46 Capítulo 1  Inglaterra e Portugal: destinos cruzados

OH_V2_Book.indb 46 13/05/16 12:05


ANÁLISE DE IMAGEMaquarela Tá na rede!
A Rainha Jinga
Cortejo da rainha Jinga
Digite o endereço abaixo na
Material: Aquarela sobre papel barra do navegador de internet:
http://goo.gl/jbxN6L. Você pode
Datação: 1687 também tirar uma foto com um
aplicativo de QrCode para saber Cerca de 1280 ima-
Autoria: Giovanni Antonio Cavazzi de mais sobre o assunto. Acesso gens sobre reinos
africanos e a escra-
Montecuccolo em: 12 abr. 2016. Em inglês. vidão.

Aquarela extraída do manuscrito Istorica


descrizione de tre regni Congo, Matamba et Angola,
publicado pela primeira vez em Bolonha (Itália). A Restauração Portuguesa
Edição conservada em coleção particular da
Uma série de acontecimentos iria provocar uma nova
família Araldi, Módena (Itália). reviravolta nas relações entre holandeses, portugue-
ses e espanhóis. A contínua queda do volume de metais
1 Primeiro olhar: A obra refere-se à missão extraídos da América espanhola, desde o início do sécu-
capuchinha, nos reinos africanos de Matamba, lo XVII e mais pronunciada entre 1631-1640 foi tornan-
Kongo e Angola, no período entre 1645 e 1670. do menos interessante para os portugueses a associação
Pode-se observar que poder e feminilidade estão
representados na forma de Nzinga conduzir seu
das Coroas ibéricas.
governo. Sugere-se uma hierarquia de autoridade A presença holandesa na América e na África abala-
ligada à feminilidade, modelo distinto na região, va os negócios lusitanos, diminuindo seus rendimentos.
especialmente no Reino de Ndongo. Por fim, a intensificação das guerras europeias coloca-
va no centro dos conflitos o poderio ibérico. As constan-
COLEÇÃO CARLO ARALDI, MÓDENA, ITÁLIA

tes guerras esgotavam as finanças do Império espanhol


e punham em risco as possessões portuguesas espalha-
das pelo mundo.
No Oriente, holandeses e ingleses tomavam impor-
tantes praças lusitanas, desferindo duros golpes no
comércio de especiarias de Portugal. Cada vez mais, for-
ças militares e recursos portugueses eram solicitados
para defender os interesses do Império em seus confli-
tos no interior da Europa.
Toda essa situação acarretou o declínio acentua-
do dos rendimentos da Coroa portuguesa, compensado,
em parte, com o aumento da carga tributária por Feli-
pe IV, que recaía sobre os setores não aristocráticos da
sociedade, ou seja, burgueses, camponeses, artesãos e
pequenos proprietários.
2 3 4
Nessa conjuntura de retração econômica, a misé-
O autor retratou As favoritas da Os músicos
a rainha Jinga rainha seguem e oficiais da ria da maior parte da população ampliava-se e provo-
como uma grande imediatamente rainha seguem cava insatisfações que, muitas vezes, descambavam em
guerreira, portando atrás dela. atrás das revoltas populares.
arco e machadinha, favoritas.
A responsabilidade pela crise socioeconômica pas-
símbolo de poder
dos Jaga, no sou gradativamente a ser atribuída à União Ibérica.
comando do cortejo. O sentimento anticastelhano ampliava-se e espalhava-
-se pelos mais diversos grupos da sociedade lusitana.
Em 1639, representantes da nobreza ligados à Casa de

Portugal e Brasil no século XVII 47

OH_V2_Book.indb 47 13/05/16 12:05


Bragança começaram a tramar a revolta separatista que O Império espanhol entrava em colapso. Às revol-
eclodiria no ano seguinte. tas da Catalunha e de Portugal, em poucos anos soma-
Agentes franceses, enviados secretamente a Por- riam-se sublevações em Nápoles, Sicília e Andaluzia.
tugal, procuravam estimular o movimento com o obje- Na região das Antilhas, ingleses, franceses e holande-
tivo de enfraquecer o Império espanhol. Por fim, com o ses conquistaram várias ilhas e possessões espanholas.
levante da Catalunha, região da Espanha que tentou vin- Na Europa, envolvida na chamada Guerra dos
cular-se ao reino francês, os portugueses tiveram a opor- Trinta Anos (1618-1648), a Espanha era fustigada
tunidade ideal para desencadear a revolta separatista. pelas forças da Holanda, Inglaterra, Dinamarca, Suécia
Em 1.o de dezembro de 1640, o duque de Bragan- e França. Mesmo assim, a paz com os portugueses só foi
ça assumia o trono português com o título de d. João IV, oficialmente firmada em 1668.
deflagrando o movimento denominado Restauração.

História E Economia>> A
 crise espanhola
"As próprias minas estavam sujeitas a uma profunda dos, que a Espanha não podia fornecer, trazidos de con-
crise desde a segunda década do século XVII. Em parte trabando por mercadores ingleses e holandeses; o capi-
por causa do colapso demográfico da força de traba- tal local estava a ser mais reinvestido localmente do
lho índia, em parte devido à exaustão dos veios, a pro- que transferido para Sevilha […]. O resultado nítido foi
dução de prata começou a diminuir. O declínio a partir um calamitoso decréscimo do comércio espanhol com
dos máximos do século anterior começou por ser gra- suas possessões americanas, cuja tonelagem decresceu
dual. Mas a composição e orientação do comércio entre 60 por cento de 1606-1610 a 1646-1650."
o Velho e o Novo Mundo alteravam-se irreversivelmente ANDERSON, P. Linhagens do Estado absolutista. São Paulo:
em prejuízo de Castela. O modelo de importação colo- Brasiliense, 1985. p. 85-86.
nial tendia para artigos manufaturados mais sofistica-

A+ COMUNICAÇÃO
VOLUME DE EXTRAÇÃO DE PRATA DA AMÉRICA ESPANHOLA

2 707 626 kg de prata


2 213 631 2 192 255 2 145 339
1 396 759
1 056 430
449 258

Período 1591 a 1600 1601 a 1610 1611 a 1620 1621 a 1630 1631 a 1640 1641 a 1650 1651 a 1660
A+ COMUNICAÇÃO

VOLUME DE EXTRAÇÃO DE OURO DA AMÉRICA ESPANHOLA

19 451 kg de ouro

8 855

3 889
1 240 1 549
469

Período 1591 a 1600 1611 a 1620 1621 a 1630 1631 a 1640 1641 a 1650 1651 a 1660

Fonte: Elaborados com base em VILAR, P. Ouro e moeda na História: 1450-1920. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. p. 237-238.

48 Capítulo 1  Inglaterra e Portugal: destinos cruzados

OH_V2_Book.indb 48 13/05/16 12:05


A Insurreição Pernambucana Mas para isso era necessário deter a ação dos luso-
-brasileiros na América.
A guerra entre Portugal e Espanha provocou uma nova
No entanto, a escalada crescente dos conflitos cul-
situação diplomática. Os portugueses procuravam con-
minou na surpreendente vitória militar luso-brasileira
centrar seus recursos na independência do reino e ten-
na primeira Batalha dos Guararapes, em 1648, em Per-
taram firmar uma trégua com os holandeses por dez
nambuco. Meses depois, sob o comando de Salvador
anos, a contar de 1641, de forma a não dispersar suas
Correia de Sá, foram reconquistadas as localidades de
forças em duas grandes frentes de combate.
Luanda, Benguela e São Tomé, na África. No ano seguin-
No entanto, na América e na África, luso-brasileiros e
te, na segunda Batalha dos Guararapes, nova vitória
holandeses continuavam em luta. Em 1641, Nassau con-
luso-brasileira. Sitiados no Recife, os holandeses foram
quistou o Maranhão e Angola. As forças luso-brasileiras
definitivamente expulsos do Brasil em 1654.
iniciaram a retomada da região maranhense em 1642,
concluída dois anos depois. Apesar dos ataques recípro-

MUSEU HISTÓRICO NACIONAL, RIO DE JANEIRO, BRASIL


cos, a guerra não estava ainda oficialmente declarada.
Aproveitando-se dos conflitos luso-espanhóis,
ingleses e holandeses abocanharam os domínios lusita-
nos no Oriente. Assim, de forma inconstante, as forças
portuguesas continuaram dispersas, combatendo em
vários pontos do mundo.
A guerra prolongada, as devastações de áreas pro-
dutivas, as fugas de negros escravizados e os custos das
operações militares enfraqueciam tanto holandeses Batalha de Guararapes, anônimo. Ex-voto, óleo sobre tela,
quanto luso-brasileiros. 1758. (detalhe)
Deixados praticamente à própria sorte pelas autorida- Faça
des metropolitanas, os colonos estabelecidos sob o domí- Tá ligado?! em se
cadernu
o
nio de Nassau também começaram a ter dificuldades com
os governantes holandeses. Uma conjuntura de queda do (Cásper Líbero – adaptado) Sobre as invasões
holandesas do nordeste brasileiro, assinale a
preço do açúcar, sobretudo em relação ao preço dos escra-
alternativa correta.
vizados, diminuiu sua capacidade de obter financiamento
a) Os holandeses desempenhavam um papel
para aquisição de engenhos, negros escravizados e equi- secundário na economia canavieira brasileira
pamentos. Dívidas antigas foram cobradas e as proprieda- do século XVI, atuando como financiadores de
des dos colonos passaram a estar sujeitas a confisco. produtores rurais do Brasil.
Esse quadro levou os proprietários luso-brasilei- b) Maurício de Nassau, governador das regiões
ros do Recife a iniciar uma conspiração para expulsar ocupadas pelos holandeses, ficou conhecido pela
os holandeses. A insurreição estourou em 1645, um prática de intolerância religiosa nos territórios
ano após a partida de Nassau para a Europa. As opera- sob o seu controle.
ções militares colocavam em risco a política diplomáti- c) O movimento com objetivo de expulsar os
holandeses do Brasil e restaurar o domínio
ca portuguesa. Em 1648, com o encerramento da Guer-
português contou com a participação da
ra dos Trinta Anos na Europa, estabeleceu-se a paz entre Inglaterra, interessada em ampliar sua influência
Espanha e Holanda, complicando ainda mais a situação na região.
de Portugal. Em Lisboa, discutia-se a proposta de ceder d) As invasões holandesas foram motivadas pelo
Pernambuco aos holandeses. A engenhosa argumenta- conflito entre a dinastia de Bragança, inaugurada
ção do principal defensor do projeto, o padre Antônio com a ascensão de d. João IV ao trono português,
Vieira, tentava convencer seus conterrâneos de que, e a dinastia de Guilherme I, príncipe de Orange.
controlando-se o tráfico de escravos, controlava-se a e) A União Ibérica, pela qual o rei da Espanha se
produção da América: "porque de Pernambuco não se tornou também o rei de Portugal, foi fundamental
para desencadear as investidas militares da
pode tirar proveito algum sem escravos, e sendo nós senho-
Companhia das Índias Ocidentais no Brasil.
res de Angola, não podem ter escravos senão pela nossa
mão, que é outro gênero de dependência, que sempre os há → DL/CF/H7
→ conforme tabelas das páginas 8 e 9.
de obrigar a nos guardarem o prometido".

Portugal e Brasil no século XVII 49

OH_V2_Book.indb 49 13/05/16 12:05


foram oferecidas isenções tributárias, concessões para
O fim da supremacia ibérica a construção de navios e garantias de que não haveria
A perda de Pernambuco e das possessões africanas mar- confisco de bens dos cristãos-novos. No entanto, grupos
caram o declínio do poderio holandês. Ao mesmo tempo mais conservadores da sociedade portuguesa acabaram
que combatiam os luso-brasileiros, os holandeses esta- por alterar as características da Companhia, derrubando
vam envolvidos numa guerra contra a Inglaterra (1552- as garantias dadas aos cristãos-novos e transformando-
-1554), vencida pelos britânicos. A partir de então, a -a, em 1662, num órgão da administração pública por-
hegemonia internacional passaria a ser disputada pela tuguesa denominado Junta do Comércio, que acabaria
Inglaterra e pela França, cabendo à Holanda, a Portugal extinto em 1720. Na aristocrática sociedade portuguesa
e à Espanha um papel secundário em termos mundiais. do Antigo Regime, o conservadorismo sociorreligioso era
A guerra e os acordos diplomáticos à época da Res- mais poderoso até que os adversários europeus.
tauração tiveram um preço muito alto para o reino por-
tuguês. Em 1661, firmou-se a paz definitiva entre Holan- A economia do Nordeste
da e Portugal. Os holandeses levaram suas técnicas de A reconstrução do Nordeste açucareiro vai se realizar
plantio da cana e de produção do açúcar para as Anti- numa fase de queda internacional do preço do açúcar,
lhas, onde disseminaram as atividades açucareiras em de concorrência comercial crescente e de progressiva
suas próprias possessões e até mesmo em domínios subordinação da economia do reino português à Inglater-
ingleses e franceses. A concorrência antilhana foi outro ra. Apesar dos abalos gerais, a economia colonial atlânti-
duro golpe na abalada economia portuguesa. ca manteve sua importância para o Império português. O
Isolado do ponto de vista da política internacio- açúcar, mesmo com a concorrência antilhana e a queda
nal – até o papa recusava-se a reconhecer sua indepen- de preços no mercado mundial, teve sua produção regula-
dência –, Portugal acabou estabelecendo acordos com a rizada e até estendida a outras áreas produtoras. O tabaco
Inglaterra que lhe garantiram apoio militar necessário e a pecuária tiveram um desenvolvimento considerável.
para enfrentar as forças espanholas. Em troca, os ingle- Outras atividades, como a extração de pau-brasil, a coleta
ses obtiveram concessões para abastecer os mercados OH_C1_p50
de drogas do sertão (ervas e plantas encontradas na região
portugueses com suas manufaturas, o que significou o amazônica, como cacau, cravo, baunilha, canela, gengi-
rompimento do monopólio português sobre suas pos- bre e salsaparrilha) e o plantio de algodão completavam o
OH_C1_p50
quadro da economia colonial no século XVII.
sessões. Além disso, em 1662 foram cedidas aos ingle-
ses Tânger – marco inicial da expansão portuguesa no

MÁRIO YOSHIDA
ATIVIDADES ECONÔMICAS NA AMÉRICA
norte da África, conquistada por d. João I em 1415 – e PORTUGUESA
Rio Neg (SÉCULO XVII)
Belém
r
zonas
Bombaim, na Índia, como dote de casamento de dona Ama Alcântara
o

Rio
Cametá Fortaleza
s

ra
Catarina de Bragança, filha do rei d. João IV, com Carlos

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Rio Xingu
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Natal
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II, rei da Inglaterra. Era o momento mais difícil da histó-


Rio

Rio Neg Olinda


a

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Alcântara
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ria portuguesa desde o início da Idade Moderna. cis


rag

Rio Penedo
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Cametá Fortaleza
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a São Cristóvão
Em 1668, quando se encerraram definitivamente as udea
po Tap
Rio Xingu
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Salvador
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Rio

lutas entre Portugal e Espanha, os dois reinos já haviam Ilhéus Olinda


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Porto Seguro
i

perdido a supremacia internacional e passaram a cons-


Rio Paragua

Penedo
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Rio G
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ua São Cristóvão
po
tituir peças mais frágeis de uma disputa que opunha Vitória

R
ra Salvador
S

Pa São João da Barra


Taubaté
Rio

Sorocaba Rio de Janeiro


Inglaterra e França. O Império português ficava quase à Ilhéus
Rio

Curitiba São Vicente


Porto Seguro
i

OCEANO
io Paragua

Iguape Itanhaém
mercê dos interesses ingleses, o mesmo ocorrendo com ai Cananeia
Laguna
ATLÂNTICO
Vitória
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o Império espanhol em relação aos franceses. ra


ru

Pa Taubaté São João da Barra


RioRU

Sorocaba Rio de Janeiro


Rio

Como alternativa à crise e à desorganização do Impé- Curitiba


Iguape
São Vicente
OCEANO
ESCALA
Itanhaém
Cananeia
rio foi criada, em 1649, a Companhia Geral de Comércio ai
Laguna 0 ATLÂNTICO
615 1230 km
gu
ru

do Brasil. Constituída por capitais particulares, sobre-


Rio U

Área de ocorrência
tudo de cristãos-novos portugueses e estrangeiros resi- do pau-Brasil ESCALA
0 615 1230 km
dentes em Portugal, destinava-se a proteger a navegação Cana-de-açúcar
Pecuária
atlântica e a atrair recursos para o desenvolvimento do Área de ocorrência
Fonte: Elaborado com base em CAMPOS, F.
Tabaco
do pau-Brasil
de; DOLHNIKOFF, M. Atlas História do Brasil.
comércio colonial e o custeio da guerra contra os holan- Mineração
São Paulo: Scipione, 1994.
Cana-de-açúcar
deses. Para estimular os investimentos particulares, Drogas do sertão
Pecuária
Tabaco
Mineração
50 Capítulo 1  Inglaterra e Portugal: destinos cruzados Drogas do sertão

OH_V2_Book.indb 50 13/05/16 12:05


vente reconheceu ter visto o rei ser morto – se o fizes-
EXPORTAÇÕES DO BRASIL PARA PORTUGAL
(EM RÉIS) (APROX. 1 700) se seria imediatamente acusado de não tentar salvar a
vida de seu monarca –, disseminou-se a crença de que
Produtos Valores estimados d. Sebastião permanecia vivo.
Açúcar 2 535,142 800 Estaria, nas muitas versões que circulavam oral-
Tabaco 344,650 000 mente em Portugal e em seus domínios ultramarinos,
Ouro 614,400 000 preso pelos muçulmanos ou por espanhóis, ou, ainda,
Curtumes 201,800 000 numa representação mais curiosa, escondido por Deus,
Pau-brasil (de Pernambuco) 48,000 000 em companhia do lendário rei Artur, na ilha mágica de
Total 3 743,992 800 Avalon, de onde retornaria para restabelecer a ordem e
dirigir Portugal rumo a seu destino glorioso. O rei dese-
Fonte: Elaborado com base em HANSON, C. A. Economia e sociedade no Portugal
Barroco (1668-1703). Lisboa: Dom Quixote, 1986. p. 272. jado passava a rei encoberto.

O reino de mil anos


O Sebastianismo "Vi então um Anjo descer do céu trazendo na mão a
O nascimento de um futuro rei era sempre cercado de chave do Abismo e uma grande corrente. Ele agar-
muita expectativa e gerava inúmeras interpretações rou o Dragão, a antiga Serpente – que é o Diabo,
religiosas na Europa da Idade Moderna. Em Portugal, Satanás – acorrentou-o por mil anos e o atirou den-
tro do Abismo, fechando-o e lacrando-o com um selo
uma das principais bases da Reforma Católica, não era
para que não seduzisse mais as nações até que os
diferente. Mas o nascimento de d. Sebastião transfor- mil anos estivessem terminados. Depois disso, ele
mou-se num acontecimento sem igual. deverá ser solto por pouco tempo.
Os primeiros dias de 1554 foram tomados por uma Vi então tronos, e aos que neles se sentaram foi
intensa comoção. Chorava-se a morte, ocorrida a 2 de dado poder de julgar. Vi também as vidas daqueles que
janeiro, do herdeiro do trono português, o último filho foram decapitados por causa do Testemunho de Jesus
e da Palavra de Deus, e dos que não tinham adorado
varão de d. João III, o príncipe João. Sua mulher, dona
a Besta, nem a sua imagem, e nem recebido a marca
Joana, grávida e prestes a dar à luz, carregava então sobre a fronte ou na mão: eles voltarão à vida e reina-
aquele que poderia ser o futuro rei de Portugal. De todos rão com Cristo durante mil anos."
os filhos do monarca d. João III, só restara dona Maria, A Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulinas, 1985.
casada com Felipe, príncipe de Castela e herdeiro do Apocalipse, 20: 1-4.

trono espanhol, o mesmo que, anos mais tarde, realiza-

MUSEU NACIONAL DE ARTE ANTIGA, LISBOA, PORTUGAL


ria a União Ibérica. No reino, rezava-se e esperava-se o
fruto do ventre de dona Joana. Desejava-se um menino
que pudesse dar continuidade à dinastia de Avis. Um rei
querido antes de nascer, um rei desejado e esperado.
Em meio a choros, rezas e procissões, em 20 de
janeiro de 1554 nasceu d. Sebastião, neto de d. João III.
Muitos interpretaram seu nascimento como um sinal
divino: Deus oferecia aos portugueses a continuidade
da dinastia de Avis após tanta apreensão e sacrifícios.

Dom Sebastião
Influenciado pela religiosidade missionária e militante
dos jesuítas, d. Sebastião assumiu o trono português em
1568, com 14 anos de idade. Sua obsessão era comba-
ter os muçulmanos no norte da África. Para tal cruzada
não poupou esforços nem deu atenção aos que desacon-
selhavam a empreitada. Sua derrota e desaparecimento
Julgamento das almas, mestre anônimo da escola
na Batalha de Alcácer-Quibir, em 1578, alimentou ainda
portuguesa. Óleo sobre madeira de carvalho, c. 1537.
mais a mística em torno dele. Como nenhum sobrevi-

Portugal e Brasil no século XVII 51

OH_V2_Book.indb 51 13/05/16 12:05


As profecias do Bandarra e verdadeiro profeta. Tal proibição não inibiu as cons-
Na verdade, a crença no rei encoberto vinculava-se a tantes indagações sobre o "encoberto" e sobre o Quin-
outras crenças difundidas em Portugal havia muito to Império. O rei encoberto poderia ser o Messias da
tempo. Entre 1530 e 1540, foram compostas algumas tro- tradição judaica, um novo Messias ou o próprio Cristo
vas por um sapateiro conhecido por Bandarra. Cristão- para os cristãos, ou d. Sebastião, que não teria morrido
novo da localidade de Trancoso, ele profetizava a vinda e retornaria para trazer a glória aos lusitanos e coman-
de um rei encoberto, uma espécie de messias, que esta- dar o Quinto Império.
beleceria a justiça e inauguraria uma época de felicidades Além dos setores populares, o sebastianismo tam-
nunca vivida. Um verdadeiro reino de Deus na Terra, à bém foi acolhido por representantes da nobreza e de
semelhança do que fora anunciado pelos profetas bíblicos letrados em Portugal. O neto do vice-rei da Índia, d. João
(principalmente Daniel): a sucessão de cinco impérios por de Castro, escreveu em 1603 Paráfrase e concordância
toda a história da humanidade. Os quatro primeiros impé- de algumas profecias de Bandarra, sapateiro de Tranco-
rios caracterizavam-se pelas perseguições aos seguidores so. Procurava demonstrar, a partir das Trovas, que d.
de Deus. O Quinto Império seria a recompensa dos justos Sebastião não estava morto e que os cristãos portugue-
e a punição dos pecadores. Por mil anos, os crentes goza- ses deveriam aguardá-lo brevemente para livrá-los do
riam na Terra as delícias de Deus. Em razão disso, costu- jugo espanhol. À medida que as dificuldades de Portu-
ma-se identificar a crença nesse reino de mil anos com a gal aumentavam, sobretudo a partir de 1620, o sebas-
denominação de milenarismo. tianismo proliferava, tornando-se, ao longo dos anos,
A grande circulação das Trovas por todo o reino expressão dos sentimentos anticastelhanos e de des-
levou a Inquisição a proibir Bandarra de tratar de temas contentamentos sociais.
bíblicos e a condenar seus escritos por judaísmo. Para o Em 1624, o cristão-novo Manuel Bocarro Francês,
Tribunal do Santo Ofício, o sapateiro estava "mais para ilustre matemático e astrólogo, tornava-se o primeiro
ser ovelheiro que para falar palavra alguma de razão sebastianista a vincular as profecias do Bandarra à Casa
natural", enquanto para seus ouvintes – cristãos-novos, de Bragança, anunciando em uma de suas obras poéti-
judeus e gente do povo – era um "grandíssimo teólogo" cas que o rei encoberto seria d. Teodósio.

University of Toronto, Canadá


A cultura dos sapateiros
"Há também boas razões para se falar na existência de uma cultura sapa-
teira, visto que os sapateiros constituíam um outro grupo letrado e auto-
consciente. No século XVIII, 68% dos sapateiros de Lyon sabiam assi-
nar seus nomes, proporção que não os deixa muito atrás dos tecelões.
[…] O estereótipo do sapateiro-filósofo remonta pelo menos até Luciano,
no século II d.C., mas é fácil encontrar nos inícios da Europa moderna
casos reais de sapateiros que, ao invés de se aferrarem às suas fôrmas de
sapato, faziam-se remendões de heresias. Jakob Boehme, de Görlitz, na
Lusácia, é sem dúvida o sapateiro heterodoxo mais famoso desse período,
seguido por Gonçalo Anes Bandarra, português do século XVI, cujas profe-
cias foram levadas a sério durante séculos, apesar de ter sido preso pela
Inquisição e ter abjurado de seus erros. Bandarra não foi o único sapateiro
português do século XVI a se tornar famoso pelas suas opiniões religiosas.
Luís Dias, de Setúbal, foi julgado, em 1542, por ter se proclamado messias,
e o 'santo sapateiro' Simão Gomes fez suas profecias no final do século
XVI. A heterodoxia desses três homens pode ser explicada pela experiên-
cia de 'cristãos-novos', descendentes de judeus; já a dos outros sapateiros,
não. […] O que os sapatos têm a ver com heresias e revoluções? Talvez seja
simplesmente porque essa atividade sedentária oferecia tempo livre para
Gravura extraída do frontispício da
refletir sobre a vida – era o equivalente urbano do pastoreio de carneiros." obra de d. João de Castro, Paraphrase
BURKE, P. Cultura popular na Idade Moderna: Europa, 1500-1800. et Concordancia de algvas propheçias
São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 64-65. de Bandarra, çapateiro de Trancoso,
1603. Edição fac-símile, Porto, 1901.

52 Capítulo 1  Inglaterra e Portugal: destinos cruzados

OH_V2_Book.indb 52 13/05/16 12:05


Manifestações sebastianistas

Vitor Oliveira
A Restauração de 1640 não diminuiu os ânimos sebastia-
nistas. Conduzida ao trono português, a Casa de Bragança
foi envolvida pela mística messiânica. D. João IV era anun-
ciado para os portugueses como o rei encoberto e Bandar-
ra era considerado o profeta da Restauração, tendo uma
imagem sua colocada na Sé de Lisboa, como se fosse um
santo. O rei encoberto anunciado pelo sapateiro não seria
mais d. Sebastião, e sim o duque de Bragança.
Nem mesmo a morte de d. João IV pôs fim à cren-
ça messiânica. Vários outros monarcas e príncipes por-
tugueses foram investidos do papel de rei encoberto.
No começo do século XIX, com as tropas francesas de
Napoleão Bonaparte controlando o território português,
panfletos animavam o povo anunciando a vinda de d.
Sebastião para realizar a libertação de Portugal.
Inúmeras outras manifestações sebastianistas
podem ser identificadas na história e na literatura luso-
-brasileiras. Tal permanência levou o historiador por-
tuguês João Lúcio de Azevedo a cunhar uma excelente
definição do sebastianismo: "Nascido da dor, nutrindo-
se na esperança, ele é na história o que é na poesia a
saudade, uma feição inseparável da alma portuguesa". Estátua de Bandarra, Trancoso, Portugal, 2012.

Verificação de leitura 2 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 A dispersão geográfica do Império luso-espanhol, a) Explique tal situação.


ao mesmo tempo que expressava o seu imenso → DL/CF/SP/CA/H7/H8
poderio, representava também sua maior fragilida- b) Dentre as ideias e práticas mercantilistas que
de. Você concorda com tal afirmação? Justifique sua sustentavam as relações entre as metrópoles
resposta. → DL/CF/SP/CA/H7/H8 e as colônias, que aspecto foi alterado com a
2 "Por todos esses motivos, em outubro de 1643 influência inglesa sobre Portugal? Por quê?
Portugal viu-se envolvido naquilo que hoje chama- → DL/CF/SP/H7/H8
ríamos de guerra quente, com a Espanha, e numa 6 Diferencie messianismo e milenarismo.
guerra fria com a Holanda." → DL/CF/SP/H1/H2
BOXER, C. R. Salvador de Sá e a luta pelo Brasil e Angola 7 "O rei encoberto poderia ser o Messias da tradição
(1602-1686). Lisboa: Dom Quixote, 1986. p. 183.
judaica, um novo Messias ou o próprio Cristo, para
Quais são os motivos que levam Boxer a conside- os cristãos, ou d. Sebastião, que não teria morri-
rar os conflitos com os holandeses em 1643 como do e retornaria para trazer a glória aos lusitanos e
uma espécie de guerra fria? → DL/CF/SP/CA/H7/H8 comandar o Quinto Império."
3 Como a questão da tolerância religiosa interferiu A partir dessa afirmação, podemos estabelecer
no desenvolvimento econômico da Holanda e de algumas características da mentalidade da socie-
Portugal? → DL/CF/SP/H7/H11 dade portuguesa no século XVII? Quais são essas
4 A Restauração em Portugal pode ser considerada características? → DL/CF/SP/H2
uma revolução? Justifique sua resposta. 8 O sebastianismo pode ser definido como uma cren-
→ DL/CF/SP/CA/H7/H8 ça de pessoas humildes e desprovidas de cultura?
5 Na segunda metade do século XVII, Portugal passou Justifique sua resposta. → DL/CF/SP/H1/H2
a ser área de influência da Inglaterra.

Portugal e Brasil no século XVII 53

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Engenho Arte
Engenho E Arte
Leitura complementar

UTOPIA
Thomas Morus, ou Thomas Moore, (1478-1535) foi Chanceler Nós sabemos o valor que damos ao ouro em nosso
da Inglaterra durante o reinado de Henrique VIII. Católico, país, e como o escondemos cuidadosamente! Eles, ao con-
posicionou-se contra o Ato de Supremacia de 1534, que trário, comem e bebem em pratos e taças de barro ou de
estabelecia o monarca inglês como chefe da Igreja inglesa. vidro, extremamente graciosos mas sem nenhum valor; e o
Por esse motivo, foi preso e executado em Londres, em 1535. ouro e a prata servem, nos edifícios comuns e nas habita-
Uma de suas obras mais conhecidas é Utopia, de 1516 ções particulares, à fabricação de vasilhas destinadas aos
(alguns apontam 1518 como a data de sua publicação). usos mais mesquinhos, como urinóis [...].
Na primeira parte do livro, Morus descreve a situação da Na Utopia, nem os prisioneiros de guerra, salvo se são
Inglaterra no início do século XVI e questões como a pena agressores, nem os filhos dos escravos são reduzidos à escra-
de morte, jogos de azar, miséria e governo. Seus relatos ser- vidão. Os que são vendidos como tais em outros países, aí são
vem como fontes para a compreensão do processo de trans- considerados livres. Apenas são escravizados homens cujo
formação agrária conhecida como enclosures (cercamen- crime merece esta punição, ou então aquele que uma falta
tos). Na segunda parte de sua obra, apresenta um lugar grave condenou ao suplício, numa cidade estrangeira [...].
imaginário denominado Ilha da Utopia. Leia com atenção Os utopienses não se contentam em afastar seus con-
os trechos selecionados: cidadãos do crime com leis penais, mas também encora-
"[...] Há um ofício que todos os utopienses exercem jam-nos à virtude com honrarias prometidas como recom-
indistintamente: a agricultura. Ninguém é dispensado de pensa [...].
fazê-lo. Todo mundo recebe a instrução dele na infância [...]. Há diversas religiões, não somente em toda a ilha, mas
A função mais importante – quase única – dos sifogran- também em cada cidade. Uns adoram o sol como um deus;
tes [magistrados] é de velar para que ninguém fique sem outros, a lua, outros algum planeta errante. Para outros,
trabalhar e que todos exerçam, conscienciosamente, seu um homem, outrora ilustre pela sua virtude e glória, não é
ofício, sem todavia se cansar, como um animal de carga, somente um deus, mas o deus supremo. [...].
penando, desde o amanhecer até a noite fechada. Porque Com efeito, um dos princípios mais antigos estabe-
isso já seria trabalhar mais que um escravo. Tal é, entretan- lecidos na Utopia é que ninguém deve ser inquietado por
to, mais ou menos em toda a parte, a vida dos trabalhado- causa da religião. Desde a fundação do reino, Utopus tinha
res. A Utopia é exceção. conhecimento das guerras religiosas que avassalavam o
[...] o tempo consagrado ao trabalho é estritamente país, antes da sua chegada, e percebeu que essas diversas
fixado: pela manhã, três horas; depois do que, há o almo- seitas, incapazes de se entenderem para uma ação comum
ço, seguido de um repouso de duas horas, durante o dia; e batendo-se, isoladamente, para defender o solo pátrio,
em seguida, mais três horas de trabalho e, enfim, a refei- davam-lhe a possibilidade de subjugá-las todas. Depois da
ção da noite [...]. vitória proclamou a liberdade de culto. O proselitismo era
Quando os utopienses têm suficientes reservas para permitido, com a condição de ser exercido com moderação
si mesmos (eles acham que devem se aprovisionar para e doçura, de propagar a própria fé com argumentos sensa-
dois anos, a fim de prevenirem-se para o que possa acon- tos e de não destruir, brutalmente, a religião dos outros [...]
tecer no ano seguinte) eles exportam o excedente para A intolerância nas controvérsias religiosas era punida com
outros países [...] Eles doam a sétima parte de todos esses o exílio ou a escravidão [...].
produtos aos pobres de cada país e vendem o resto a Na Utopia [...] tudo é comum a todos. Uma vez tomadas
preço moderado [...]. as medidas para que os celeiros públicos estejam cheios,
Eles mesmos não se utilizam do dinheiro. Guardam o ninguém receia que lhe falte o necessário [...] lá não se vê
numerário prevendo acontecimentos que possam advir, e nem pobre nem mendigo; embora ninguém tenha nada de
que, talvez, não se produzam nunca. O ouro e a prata, de seu, todo mundo é rico. Haverá maior riqueza do que levar
que é feito este numerário, não têm, em seu país, valor uma existência tranquila, alegre e sem inquietação? [...]."
superior ao que a natureza lhes deu [...]. MORUS, T. A Utopia. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1980. p. 37-84.

54 Capítulo 1  Inglaterra e Portugal: destinos cruzados

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Faça
em se → conforme tabelas das páginas 8 e 9.
cadernu
o

1 Nos trechos selecionados há várias passagens sobre Regime? Justifique sua resposta.
economia. Em seu caderno, escreva com suas pró- → DL/CF/SP/CA/H1/H7/H8/H9
prias palavras as características da vida econômica na 5 A partir de Thomas Morus, o termo "utopia" passou a
Utopia com relação: ter duas definições: um lugar inexistente e imaginá-
a) À principal atividade econômica. rio; um lugar ou um momento de perfeição e felicida-
→ DL/H1/H8 de. Em ambos os casos, a utopia esteve relacionada a
b) Ao trabalho. → DL/H1 esperanças coletivas e tornou-se portadora de críticas
c) À escravidão. → DL/H1/H8 sociais. Liste em seu caderno os movimentos descritos
nesse capítulo que você considera utópicos. Aponte as
d) Ao valor atribuído ao ouro e à prata. → DL/H1/H8 características de cada um deles.
2 Com relação à religião, quais são as características da → DL/CF/SP/CA/H1/H7/H9/H11/H15
Utopia? → DL/CF/H1
6 Como seria a sua sociedade ideal? Elabore uma utopia.
3 Do ponto de vista social, como aparece a questão da Lembre-se que ela deve ser um lugar ideal, de perfei-
pobreza e da distribuição de riquezas na Utopia? ção e felicidade e que também deve ser portadora de
→ DL/CF/H1 críticas sociais. → DL/CF/SP/CA/EP/H1/H7/H9
4 As características apontadas por Morus na Utopia são
semelhantes às das sociedades europeias do Antigo

Faça
Mãos à Obra em se
cadernu
o

1 (UERJ) "Assim, ninguém pode negar que a 'Revolução 3 (UERJ) "O rei é vencido e preso. O Parlamento tenta
Puritana' era uma luta tão religiosa quanto política; mas negociar com ele, dispondo-se a sacrificar o exérci-
era mais que isso. Aquilo por que os homens lutavam era to. A intransigência de Carlos, a radicalização do exér-
toda a natureza e o desenvolvimento futuro da socieda- cito, a inépcia do Parlamento somam-se para impedir
de inglesa. essa saída 'moderada'; o rei foge do cativeiro, afinal,
HILL, Christopher. A Revolução Inglesa de 1640. e uma nova guerra civil termina com a sua prisão pela
Lisboa: Presença, 1981. segunda vez. O resultado será uma solução, por assim
a) Indique um fator político que contribuiu para o dizer, moderadamente radical (1649): os presbiteria-
desenvolvimento das Revoluções Inglesas do nos são excluídos do Parlamento, a Câmara dos Lordes
século XVII. → DL/CF/SP/H1/H7/H8 é extinta, o rei decapitado por traição ao seu povo após
b) Estabeleça a relação existente entre a Revolução um julgamento solene sem precedentes, proclamada a
Puritana e a colonização das possessões inglesas República; mas essas bandeiras radicais são tomadas
no litoral atlântico da América do Norte. por generais independentes, Cromwell à testa, que as
esvaziam de seu conteúdo social."
→ DL/CF/SP/CA/H1/H7/H8/H9 Renato Janine Ribeiro. In: HILL, Christopher.
2 (Ufscar-SP) "Eu vos exorto, soldados do exército da O mundo de ponta-cabeça: ideias radicais durante a Revolução
Inglesa de 1640. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
República Inglesa! O inimigo não poderia vencer-vos no
campo de batalha, porém pode derrotar-vos nos mean- O texto faz menção a um dos acontecimentos mais
dros de sua política se não conservardes firme atenção importantes da Europa no século XVII: a Revolução
de estabelecer a liberdade de todos. Pois, se ele vencer, Puritana (1642-1649). A partir daquele aconteci-
a autoridade régia retornará a vossas leis, o rei Carlos mento, a Inglaterra viveu uma breve experiência
vos terá vencido e à vossa posteridade pela sua políti- republicana, sob a liderança de Oliver Cromwell.
ca, terá ganho a batalha, embora aparentemente lhe Dentre suas realizações mais importantes, destaca-
tenhais cortado a cabeça." -se a decretação do Primeiro Ato de Navegação.
Winstanley, 1652.
Explique a importância do Ato de Navegação para a
a) Quais são as ideias defendidas pelo autor no
economia inglesa e aponte duas ações políticas da
texto? → DL/CF/H1/H2/H7/H8
República Puritana.
b) Qual é o contexto histórico tratado no texto?
→ DL/CF/SP/CA/H1/H7/H8/H9/H13/H22
→ DL/CF/SP/H1/H2/H7/H8

Engenho e Arte 55

OH_V2_Book.indb 55 13/05/16 12:05


4 O processo revolucionário que pôs fim ao absolutismo 6 Analisando o texto, podemos concluir que se trata de
na Inglaterra data seu início em quase 150 anos antes um pensamento:
da Independência Americana e da Revolução Francesa. a) do liberalismo.
As divergências entre a Coroa anglicana e os partidá-
b) do socialismo utópico.
rios de Oliver Cromwell acabaram por levar a Inglaterra
a uma guerra civil, que, por sua vez, levou à deposi- c) do absolutismo monárquico.
ção de Carlos I e à sua execução em praça pública d) do socialismo científico.
pelos revolucionários. Explique como a Revolução de → DL/SP/H1
Cromwell e as medidas econômicas e políticas por ele
adotadas ajudaram a tornar a Inglaterra uma potência 7 Todo o processo de desenvolvimento da economia,
militar e econômica que só deixaria de ser hegemônica como nós a conhecemos hoje, foi uma lenta jornada
com o final da Primeira Guerra Mundial. através da história do homem. Entretanto, algumas
mudanças nas relações e comportamentos sociais
→ DL/CF/CA/H1/H2/H7/H8/H9/H13/H15/H22 acabaram por provocar permanentes mudanças eco-
nômicas, que, por sua vez, mudaram diversos compor-
(Enem) Texto para as questões 5 e 6. O texto
tamentos sociais.
abaixo, de John Locke (1632-1704), revela algumas
características de uma determinada corrente de Observe o que Karl Marx escreveu sobre o processo
pensamento. que conhecemos como cercamentos (enclosures):
"Se o homem no estado de natureza é tão livre, con- "[...] Na Inglaterra, a servidão tinha na última parte
forme dissemos, se é senhor absoluto da sua própria do século XIV, de fato, desaparecido. A grande maio-
pessoa e posses, igual ao maior e a ninguém sujeito, ria da população consistia naquela época, e mais ainda
por que abrirá ele mão dessa liberdade, por que aban- no século XV, de camponeses livres, economicamente
donará o seu império e sujeitar-se-á ao domínio e autônomos, qualquer que fosse a etiqueta feudal que
controle de qualquer outro poder? ocultasse sua propriedade. Nos domínios senhoriais
maiores, o bailiff outrora
Ao que é óbvio responder que, embora no estado de
ele mesmo servo, foi desalo- Bailiff: bailio, espécie
natureza tenha tal direito, a utilização do mesmo é
jado pelo arrendatário livre. de administrador
muito incerta e está constantemente exposto à invasão feudal.
Os trabalhadores assala-
de terceiros porque, sendo todos senhores tanto quanto Cottage: pequena casa
riados da agricultura con-
ele, todo homem igual a ele e, na maior parte, pouco rural.
sistiam, em parte, em cam-
observadores da equidade e da justiça, o proveito da
poneses que aproveitavam
propriedade que possui nesse estado é muito inseguro
seu tempo de lazer trabalhando para os grandes pro-
e muito arriscado. Essas circunstâncias obrigam-no a
prietários, em parte numa classe independente, relati-
abandonar uma condição que, embora livre, está cheia
va e absolutamente pouco numerosa de trabalhadores
de temores e perigos constantes; e não é sem razão que
assalariados propriamente ditos. Também esses eram,
procura de boa vontade juntar-se em sociedade com
ao mesmo tempo, de fato camponeses economicamente
outros que estão já unidos, ou pretendem unir-se, para
autônomos, pois recebiam, além de seu salário, um ter-
a mútua conservação da vida, da liberdade e dos bens
reno arável de 4 ou mais acres além do cottage. Além
a que chamo de propriedade."
disso, junto com os camponeses propriamente ditos
Os pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1991.
gozavam o usufruto das terras comunais, em que pas-
5 Do ponto de vista político, podemos considerar o tava seu gado e que lhes forneciam ao mesmo tempo
texto como uma tentativa de justificar: combustível como lenha, turfa e etc. [...]
a) a existência do governo como um poder oriundo O prelúdio do revolucionamento, que criou a base do
da natureza.
modo de produção capitalista, ocorreu no último terço
b) a origem do governo como uma propriedade do rei. do século XV e nas primeiras décadas do século XVI.
c) o absolutismo monárquico como uma imposição Uma massa de proletários livres como pássaros foi
da natureza humana. lançada no mercado de trabalho pela dissolução dos
d) a origem do governo como uma proteção à vida, séquitos feudais [...] Foi muito mais em oposição tei-
aos bens e aos direitos. mosa à realeza e ao Parlamento, o grande senhor feu-
e) o poder dos governantes, colocando a liberdade dal quem criou um proletariado incomparavelmente
individual acima da propriedade. maior mediante expulsão violenta do campesinato da
base fundiária [...] e usurpação de sua terra comunal.
→ DL/SP/H1
O impulso imediato para isso foi dado na Inglaterra,

56 Capítulo 1  Inglaterra e Portugal: destinos cruzados

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nomeadamente pelo florescimento da manufatura fla- b) Sob o governo de Nassau, os holandeses carac-
menga de lã. [...] Por isso, a transformação de terras de terizaram-se por uma política de tolerância reli-
lavoura em pastagem de ovelhas tornou-se sua divisa." giosa. Explique a diferença de atitudes entre os
holandeses e os luso-brasileiros nesse aspecto.
MARX, Karl. O capital. → DL/CF/SP/H8/H11
São Paulo: Abril Cultural, 1984. v. I, tomo 2. p. 263-4.
10 Leia a formulação do padre Antônio Vieira a respeito
Os cercamentos, descritos parcialmente por Marx, do papel de Angola e do Brasil para a manutenção do
fazem parte do processo de transição do feudalismo Império Colonial português no século XVII:
para a sociedade capitalista. Aponte os principais
"Bastava a restauração de Angola para Portugal dever
resultados dos cercamentos para essa transição.
as orações deste grande servo de Deus não só a mesma
→ DL/CF/CA/H1/H9 Angola se não também o estado do Brasil que dela vive
8 (Enem) "Quando tomaram a Bahia em 1624-5, os e se sustenta, podendo-se com muita razão dizer que o
holandeses promoveram também o bloqueio naval de Brasil tem o corpo na América e a alma na África."
Benguela e Luanda, na costa africana. Em 1637, Nassau Apud AZEVEDO, João Lúcio de. "Sobre o Padre João de Almeida".
enviou uma frota do Recife para capturar São Jorge In: História de Antônio Vieira. Lisboa: Livraria Clássica, 1918. p. 404.
da Mina, entreposto português de comércio de ouro e
Por que, nas guerras do açúcar, o controle de Angola
de escravos no litoral africano (atual Gana). Luanda,
era tão importante? → DL/CF/SP/CA/H1/H7/H8
Benguela e São Tomé caíram na mão dos holandeses
entre agosto e novembro de 1641. A captura dos dois 11 Leia os trechos a seguir e, em seguida, responda às
polos da economia de plantações mostrava-se indispen- questões propostas.
sável para o implemento da atividade açucareira." "Em meados do século XVI até meados do século XVII,
ALENCASTRO, L. F. "Com quantos escravos se constrói um país?" a Holanda, ou Províncias Unidas dos Países Baixos, ini-
In: Revista de História da Biblioteca Nacional. ciava sua expansão marítima e econômica que culmina-
Rio de Janeiro, ano 4, n. 39, dezembro de 2008. (adaptado) ria na sua derrota diante da Inglaterra pela hegemonia
Os polos econômicos aos quais se refere o texto são: do comércio marítimo europeu. Os holandeses iniciaram
sua expansão econômica ao utilizarem sua pequenez ter-
a) As zonas comerciais americanas e as zonas agrí-
ritorial aliada às tensões religiosas da Europa, abalada
colas africanas.
por constantes guerras de religião. Assim, atraíram inú-
b) As zonas comerciais africanas e as zonas de trans-
meros imigrantes, dentre os quais estavam membros da
formação e melhoramento americanas.
recém-formada burguesia europeia. Esses, em virtude de
c) As zonas de minifúndio americanas e as zonas suas atividades acumulavam grandes quantias em capi-
comerciais africanas. tal e investiam nos projetos de expansão da coroa. Assim,
d) As zonas manufatureiras americanas e as zonas de o governo das Províncias Unidas utilizou-se deste capi-
entreposto africanas no caminho para a Europa. tal com a estratégia de tentar controlar centros produto-
e) As zonas produtoras escravistas americanas e as res de matérias-primas e incrementar sua frota mercante
zonas africanas reprodutoras de escravos. para, então, transportar grande parte da riqueza comer-
cial europeia, principalmente a portuguesa. Essa estraté-
→ DL/CF/H1/H7/H9
gia foi empregada de maneira diversa dos países ibéricos,
9 "As guerras holandesas foram inegavelmente guerras do que preferiram tentar conquistar grandes quantidades de
açúcar e isto não apenas no sentido, que é o geralmente novos territórios. Dessa forma, moldou em seus domínios
posto em relevo, de guerras pelo açúcar, vale dizer, pelo o primeiro mercado financeiro da Europa e despontou no
controle das suas fontes brasileiras de produção, mas
domínio dos mares até sua derrota final ante os ingleses
também no sentido que é o deste livro, de guerras sus-
na Terceira Guerra Anglo-Holandesa."
tentadas pelo açúcar ou, antes, pelo sistema econômico
e social que se desenvolvera no Nordeste com o fim de Dentre as tentativas de domínio holandês sobre centros
produzi-lo e exportá-lo para o mercado europeu." produtores, Boris Fausto faz o seguinte comentário:
MELLO, Evaldo Cabral de. Olinda restaurada. "A história da ocupação flamenga [no NE brasileiro] é
Rio de Janeiro: Topbooks, 1998. p. 12. um claro exemplo das relações entre produção colonial
a) Havia alguma diferença fundamental entre a pro- e tráfico de escravos. Tão logo conseguiram estabilizar
dução açucareira dos domínios holandeses com razoavelmente a indústria açucareira no Nordeste, os
relação àquela desenvolvida nas possessões por- holandeses trataram de garantir o suprimento de escra-
tuguesas da América? Justifique sua resposta. vos, controlando suas fontes na África."
→ DL/SP/H7/H16 FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 2006. p. 88.

Engenho e Arte 57

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a) Diferencie a expansão dos países ibéricos da 12 (Unicamp-SP) A respeito do Estado moderno, o pen-
expansão holandesa. sador político inglês John Locke (1632-1704) escre-
b) Explique, através do texto, como os holandeses veu: "Considero poder político o direito de fazer leis
conseguiram estabelecer sua hegemonia. para regular e preservar a propriedade". (Citado por
c) Além da produção açucareira e de outros gêneros Kazumi Munakata, A legislação trabalhista no Brasil,
advindos das possessões ultramarinas, qual foi a 1984.)
grande fonte de riqueza holandesa? Explique a função do Estado segundo essa tese de
→ DL/CF/CA/H1/H7/H8/H9/H11/H15 Locke. → DL/CF/SP/CA/H1/H8/H10/H12

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Em Cartaz em se
cadernu
o

Morte ao rei Câmera


Lembre que um filme é composto por elementos formais
Diretor: Mike Barker
DIVULGAÇÃO

País: Inglaterra
e técnicos que são fundamentais para o desenvolvimen-
Ano: 2003 to da trama e para a compreensão, pelo espectador, da
representação oferecida sobre aquele período histórico.
• Caracterize os principais personagens: Carlos I,
Thomas Fairfaix e Oliver Cromwell. Avalie como os
atores que os interpretam apresentam-se, se suas
atuações soam naturais ou parecem artificiais (ava-
O filme aborda a guerra civil que marcou a Revolução lie a entonação da voz, a combinação entre o texto e
Puritana. Após a queda do rei Carlos I, o país ainda se o gestual dos personagens).
encontrava dividido em relação aos rumos que a nação • Identifique os recursos sonoros (ruídos, trilha musi-
deveria tomar. O foco da película são as aproximações e cal etc.) e de luz empregados no filme. Localize as
os distanciamentos entre o lorde General Thomas Fairfaix cenas que contam com maior presença de sons e/
(1612-1671), um aristocrata inglês que lutou ao lado das ou mais iluminadas e aquelas em que prevalece o
tropas parlamentares na revolução, e o General Oliver silêncio e a obscuridade. Analise o emprego desses
Cromwell. Ambos desejavam transformar o país, mas recursos na narrativa.
com propostas distintas. Fairfaix aparece como um aris- • Observe o vestuário e a maquiagem utilizados no
tocrata que almejava uma reforma moderada, enquanto filme. Analise sua adequação para o período repre-
Cromwell como um republicano radical que desejava a sentado e seu efeito no desenvolvimento do enredo.
execução do rei. Carlos I é apresentado como um monar-
ca que ainda acreditava ser possível retomar o poder. Ação
Elabore um texto a partir do seguinte tema: "Conspiração
Luzes
e lealdade na Revolução Inglesa: os diversos projetos
Retome as instruções para análise de filmes, apresenta- políticos".
das nos Procedimentos metodológicos da página 10. Seu texto deverá incluir:
Releia os textos sobre as As Revoluções Inglesas, • A caracterização dos três personagens principais e
entre as páginas 34 e 41. Após a leitura: a forma como eles são desenvolvidos no decorrer
• Identifique as principais características do reinado do filme.
de Carlos I. • A relação entre elementos públicos e particulares na
• Localize os conflitos religiosos e políticos, durante atuação política dos personagens principais.
esse reinado e a guerra civil. • As disputas entre a monarquia e o Parlamento.
• Caracterize os setores sociais que participam das • O lugar das mulheres na revolução.
revoluções inglesas e suas propostas (incluindo os
• O reconhecimento da diversidade de projetos políti-
movimentos populares). cos e sociais no interior da revolução.
• Analise o período da república e a ditadura de Oliver → DL/CF/SP/CA/H2/H5/H9/H11/H15/H23
Cromwell.

Estante • FLORENZANO, Modesto. As revoluções burguesas. São Paulo: Brasiliense, 1982.

58 Capítulo 1  Inglaterra e Portugal: destinos cruzados

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1 (UFRN) "Os Cabeças Redondas (round-heads) europeias, às quais foi obrigada a conceder
receberam esse nome pelo corte de cabelo que usa- uma série de vantagens comerciais.
vam: curto, de forma arredondada, desprezando a b) Cromwell, no intuito de proteger a econo-
moda corrente dos cabelos longos entre os mem- mia interna, elaborou diversas restrições
bros da corte... A partir das vitórias militares sobre comerciais que o colocaram em conflito
os Cavaleiros, conseguiram a rendição do rei em direto com os holandeses.
Radar
1646. Entretanto, Carlos I reorganizou seus solda- c) a morosidade com que Cromwell implan-
dos e recomeçou a guerra, sendo derrotado defini- tou sua política econômica contribuiu para
tivamente pelos Cabeças Redondas de Cromwell. a curta duração de seu governo.
Preso, Carlos I foi julgado pela Alta Corte de Justiça
a mando do Parlamento, sendo condenado à d) ele teve como particularidade o retroces-
morte. Em janeiro de 1649 o rei foi decapitado em so do puritanismo religioso, característica
frente ao palácio de Whitehall, em Londres." marcante nos tempos do monarca Carlos I.
HILL, C. O eleito de Deus: Oliver Cromwell e a Revolução e) ele representou uma fase de distensão
Inglesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p. 179. entre a Inglaterra e as oposições irlande-
sas e escocesas.
Com relação aos fatos citados no texto acima,
é correto afirmar que → DL/SP/CF/H7/H9
a) o Parlamento, ao executar o rei, atacava 4 (PUC-SP) O "Ato de Navegação", de 1651,
um princípio central do Estado absolutista, estabelecia que mercadorias compradas da
que era a ideia da origem divina do poder Inglaterra ou vendidas a ela só poderiam ser
Faça real e de sua incontestável autoridade. transportadas em navios ingleses. Essa medi-
em se
cadernu b) os Cabeças Redondas defendiam não ape- da pode ser considerada
o
nas a extinção do regime monárquico a) a cristalização da hegemonia inglesa sobre
→ conforme como também a luta armada contra nações o Mediterrâneo e sobre os mares europeus,
tabelas das que tivessem esse regime. que só cessou com a descoberta de novos
páginas 8 e 9. c) a Revolução Inglesa questionava a legi- caminhos para o Oriente pelos navegado-
timidade do Antigo Regime Monárquico res ibéricos.
e desencadeou uma série de revoluções, b) a imposição, a países como França e
Tá na rede! pondo fim ao Estado Moderno na Europa. Holanda, da hegemonia mercantil ingle-
d) a Revolução Inglesa estava afinada com os sa, impedindo-os de manterem relação de
QUESTÕES monopólio com suas possessões coloniais
interesses da nascente burguesia, manten-
DE ENEM nas Américas e na África.
do alguns privilégios da nobreza, ligada à
Digite o endereço
Igreja Anglicana. c) a vitória da burguesia liberal inglesa sobre
abaixo na barra
do navegador de → DL/CF/SP/H11/H15/H22 a aristocracia, que preferia incentivar o
internet: http://goo. comércio interno a investir no comércio
2 (PUC-MG) Após a decapitação de Carlos I em externo e no aparato militar-naval.
gl/xog0Jb. Você
1649, o governo inglês foi entregue a Oliver
pode também tirar d) a consolidação do domínio inglês sobre
Cromwell, permanecendo no poder até sua
uma foto com um os mares, que deu à Inglaterra, por vários
aplicativo de QrCode morte em 1658. Essa fase da história britânica
séculos, claro predomínio naval e mercan-
para saber mais sobre pode ser encarada como:
til, especialmente no Oceano Atlântico.
o assunto. Acesso em: a) uma definitiva derrota dos puritanos.
4 abr. 2016. e) a superação definitiva do feudalismo e o
b) um período de instabilidade econômica. reinício de atividades comerciais, arti-
c) uma vitória dos princípios democráticos. culando a ilha em que está localizada a
d) uma espécie de experiência republicana. Inglaterra e a parte continental da Europa.
→ DL/CF/SP/H9/H22 → DL/SP/H7/H8
3 (UFRGS-RS) Ao longo da Revolução Inglesa, 5 (PUCCamp-SP) Os conflitos político-sociais do
ocorrida no século XVII, emergiu um regime século XVII foram o meio pelo qual a Inglaterra:
republicano, que durou cerca de uma déca- a) transformou o absolutismo de direito em
Página dedicada a da, sob o comando de Oliver Cromwell, o "Lord absolutismo de fato.
questões já aplica- Protector" da Inglaterra.
das em provas do b) promoveu a substituição do Estado liberal-
ENEM. Busque exer- Sobre esse período republicano, é correto -capitalista pelo Estado absolutista.
cícios sobre os temas afirmar que
desenvolvidos neste c) organizou o exército do Parlamento, con-
a) a Inglaterra, enfraquecida pela transição de ferindo postos de comando segundo o cri-
capítulo.
regime, ficou à mercê das demais potências

Radar 59

OH_V2_Book.indb 59 13/05/16 12:05


tério de origem familiar e não pelo merecimento c) mais que a violência da década de 1640, com
militar. suas execuções, a tradição liberal inglesa desejou
d) consolidou os interesses da nobreza agrária tradi- celebrar a nova monarquia parlamentar consoli-
cional rompendo com os ideais da burguesia. dada em 1688.
e) diluiu os obstáculos para o avanço capitalista, d) as forças radicais do movimento, como Cavadores e
marcando o início da desagregação do absolutis- Niveladores, que assumiram o controle do governo,
mo monárquico. foram destituídas em 1688 por Guilherme de Orange.
e) só então se estabeleceu um pacto entre a aristo-
→ DL/SP/H8
cracia e a burguesia, anulando-se as aspirações
6 (UFRJ) Leia o texto a seguir, sobre algumas das razões políticas da "gentry".
que levaram à chamada Revolução Gloriosa, e respon-
da à questão a seguir. → DL/SP/H7/H9/H22
8 (PUC-RS) As invasões holandesas no Brasil, no sécu-
"Satisfeitos com a política de Carlos II contra a Holanda,
lo XVII, estavam relacionadas à necessidade de os
os capitalistas ingleses não se sentiam entretanto con-
Países Baixos manterem e ampliarem sua hegemo-
tentes com a sua atitude, e ainda menos com a de Jaime nia no comércio do açúcar na Europa, que havia sido
II, em relação à França, que se transformara na mais interrompido
temível concorrente da Inglaterra no comércio e nas
colônias. [...] A luta econômica contra a França, a luta a) pela política de monopólio comercial da Coroa
por uma religião mais adaptada ao espírito capitalista, Portuguesa, reafirmada em represália à mobiliza-
provocaram a revolução de 1688." ção anticolonial dos grandes proprietários de terra.
MOUSNIER, R. História geral das civilizações. b) pelos interesses ingleses que dominavam o
Os séculos XVI e XVII. São Paulo: Difel, 1973. v. 9. p. 324. comércio entre o Brasil e Portugal.
Sobre a Revolução Gloriosa de 1688-1689, pode-se c) pela política pombalina, que objetivava desenvol-
afirmar que ela ver o beneficiamento do açúcar na própria colô-
nia, com apoio dos ingleses.
a) representou a vitória de setores reacionários no
espectro político inglês e o retorno à descentrali- d) pelos interesses comerciais dos franceses, que esta-
zação política típica do mundo medieval. vam presentes no Maranhão, em relação ao açúcar.
b) significou, após a afirmação temporária de gover- e) pela Guerra de Independência dos Países Baixos
nos protestantes, um retorno à tradição britânica contra a Espanha, e seus consequentes reflexos na
de governos católicos. colônia portuguesa, devido à União Ibérica.
c) foi o momento no qual o anglicanismo afirmou- → DL/CF/H7/H8
-se definitivamente como religião de Estado na 9 (UFPE) A presença holandesa no Brasil colonial é
Inglaterra. tema que se destaca nos estudos historiográficos.
d) representou uma derrota da teoria do direito divi- Sobre o governo de Nassau (1637-44) e sua época,
no e o triunfo da teoria do contrato entre o sobe- sempre surgem comentários e debates; porém, pode-
rano e o povo. mos afirmar que:
e) representou a vitória da teoria da separação dos a) a recuperação da autonomia política de Portugal,
três poderes e de um Estado democrático basea- nesse período, deu mais condições para este país
do no sufrágio. desenvolver relações com os holandeses no Brasil.
→ DL/SP/H7/H10/H13 b) Nassau não teve qualquer conflito com os nativos;
apenas se desentendeu com o comando europeu
7 (Fuvest-SP) No século XVII, a Inglaterra conheceu con- da Companhia das Índias.
vulsões revolucionárias que culminaram com a execu-
ção de um rei (1649) e a deposição de outro (1688). c) a atuação de Nassau em nada modificou as rela-
Apesar das transformações significativas terem se ções dos holandeses com os senhores de enge-
verificado na primeira fase, sob Oliver Cromwell, foi nho, fracassando, porém, na expansão militar e
o período final que ficou conhecido como "Revolução na exportação de açúcar.
Gloriosa". Isso se explica porque: d) sua administração se restringiu a fazer benefícios
a) em 1688, a Inglaterra passara a controlar total- à parte central do Recife, onde habitava com a sua
mente o comércio mundial tornando-se a potên- família e onde construiu as obras mais importantes.
cia mais rica da Europa. e) não houve na sua administração nenhuma preocu-
pação com as conquistas militares; seus interesses
b) auxiliada pela Holanda, a Inglaterra conseguiu con-
se voltavam sobretudo para a arte renascentista.
ter em 1688 forças contrarrevolucionárias que, no
continente, ameaçavam as conquistas de Cromwell. → DL/CF/H7/H8

60 Capítulo 1  Inglaterra e Portugal: destinos cruzados

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Capítulo

10
2 Nem tudo que
reluz é ouro
DE OLHO nos

O
jesuíta André João Antonil (1649-1716), um dos principais Conceitos
cronistas do período colonial, descreveu a chegada de milha-
res de pessoas de Portugal, de outras partes da Europa e das • Ilustração/Iluminismo
cidades, vilas, recôncavos e sertões do Brasil em busca do ouro e das • Comércio interno
pedras preciosas que haviam sido descobertas no início do século • Liberalismo
XVIII. Na sua descrição, chama atenção a diversidade de pessoas:
brancos, mestiços, negros, indígenas, homens, mulheres, moços, • Despotismo
esclarecido
velhos, ricos, pobres, leigos, clérigos, nobres e plebeus. Uns ocupa-
dos em catar ouro, outros em mandar catar ouro nos ribeiros e minas,
e alguns vendendo e comprando ouro e produtos que se tornavam
necessários para o desenvolvimento da mineração no Brasil.
Uma verdadeira febre, definida Significativamente, a maioria
por Antonil como uma "sede insa- dos filósofos ilustrados não ques-
ciável" por ouro, que estimulava tionou a escravidão com a mesma
as pessoas a se meterem por cami- disposição. Voltaire afirmava que a
nhos ásperos e em uma vida dificul- escravidão era tão antiga quanto a
tosa. Uma "insaciável cobiça" pelo guerra. Ambas, elementos da natu-
brilho das riquezas que estimulava reza humana. Montesquieu acredi-
comportamentos pecadores e fazia tava que a escravidão justificava-se
FUNDAÇÃO VOLTAIRE, OXFORD, INGLATERRA
os jesuítas procurarem uma razão nos trópicos, onde o calor tornava
oculta nessa situação, concluin- os seres humanos preguiçosos.
do que se tratava de um castigo de Assim, os filósofos que trou-
Deus ao Brasil. xeram à luz as injustiças da época
No mesmo período, entre os mantiveram a escravidão na escu-
séculos XVII e XVIII, um conjunto ridão. De forma semelhante, o
de ideias se desenvolveu na Europa brilho das riquezas extraídas da
à procura de explicações racionais região das minas no Brasil também
para fenômenos naturais e sociais. encobria a manutenção do traba-
Seus integrantes questionaram tra- lho escravo dos negros africanos e
dições, atacaram as intolerâncias de indígenas, os principais respon-
religiosas e não pouparam explica- sáveis pela extração de metais e
ções supersticiosas, que chamavam pedras preciosas.
de obscurantistas. Em seu lugar, O jantar dos filósofos, Jean Huber.
defendiam as luzes da razão. Óleo sobre tela, c. 1772. (detalhe)

61

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1 A idade do ouro
no Brasil

A
nhanguera, Fernão Dias, Raposo Tavares, Domingos Jorge Velho,

◀ ANOS
Brasil no Borba Gato, Paes de Barros, Cardoso de Almeida, Cunha Gago, Amaral
século XVIII Gurgel, Bandeirantes. Quem já circulou pelas rodovias, avenidas, pra-
Tratado de Lisboa: 1681 ças e ruas do estado de São Paulo e de sua capital, com certeza está habituado
Colônia do Sacramento passa ▾
ao Império português.
a esses nomes. Os mais conhecidos são facilmente associados a uma espécie
1684 de imagem heroica de desbravadores do sertão brasileiro, de alargadores das
Revolta de Beckman
no Maranhão. ▾ fronteiras do território nacional, de responsáveis pela grandeza de nosso país
Fundação dos Sete 1687 e incansáveis líderes de expedições em busca de metais e pedras preciosas.
Povos das Missões (RS). ▾ De fato, desde o século XVI, colonos e aventureiros dirigiam-se em expedi-
Destruição do Quilombo 1695 ções rumo ao interior do continente à procura de riquezas minerais. As cons-
dos Palmares. ▾
tantes informações das minas da América espanhola alimentavam os sonhos
Descoberta de ouro 1701 dos luso-brasileiros de encontrar a montanha do Eldorado e serras resplande-
no rio das Velhas (MG). ▾
1707 centes, cobertas de ouro, prata, diamantes, rubis, esmeraldas e outras pedras
Guerra dos Emboabas (MG). ▾ preciosas. As permanências medievais no imaginário dos conquistadores – é
Guerra dos Mascates (Fronda dos 1710 só lembrar das riquezas das viagens de São Brandão e Marco Polo – eram refor-
Mazombos) em Pernambuco. ▾
çadas por narrativas que os conquistadores ouviam dos indígenas.
Motim do Maneta em Salvador 1711
contra o monopólio do sal. ▾ No entanto, passaram-se quase dois séculos para que as áreas minera-
doras fossem descobertas pelos conquistadores, ligados diretamente à his-
Tratado de Utrecht 1713
ratifica pretensões ▾ tória da vila de São Paulo. Nesse período, a ação dos bandeirantes teve sem-
de Portugal na Amazônia.
pre como horizonte a busca dessas riquezas. Mas seu papel na estruturação
Revolta de Felipe dos Santos 1720 da Colônia foi muito mais complexo. O caráter heroico com que impreg-
em Vila Rica (MG). ▾
naram a imagem desses aventureiros e as homenagens que se prestam a
Bandeira de Anhanguera 1722
descobre ouro em Goiás. ▾ eles ainda nos dias de hoje dificultam a compreensão do funcionamento da
Monopólio estatal sobre extração 1731 sociedade colonial.
de diamantes em Minas Gerais. ▾ Desde o início, a gente de São Paulo – em geral mamelucos (filhos de
Tratado de Madri: Espanha recebe 1750 portugueses com índias) – lançou-se ao apresamento de indígenas em tribos
a Colônia de Sacramento, Portugal, ▾
os Sete Povos das Missões.
próximas ou em aldeamentos, as Missões Jesuíticas, onde religiosos reorga-
1753 nizavam a vida nativa. Os paulistas estavam de tal maneira ligados à cultura
Guerra Guaranítica
no Rio Grande do Sul (até 1757). ▾ indígena que, durante todo o período colonial, a língua dominante entre eles
Expulsão dos jesuítas. 1759 não era o português, e sim o tupi.
Reforma Pombalina em Portugal. ▾ Os indígenas eram vendidos para outras capitanias ou utilizados como
Rio de Janeiro: sede do governo 1763 força de trabalho nas roças, nos serviços domésticos e nos engenhos da região.
do Estado do Brasil. ▾
Vale lembrar que, devido à distância da Metrópole, os custos do transporte
Tratado de Santo Idelfonso 1777 encareciam as atividades canavieiras no Sul, limitando sua produção.
redefine fronteira platina. ▾
1789 Durante a ocupação holandesa em Angola e em outros pontos do litoral
Conjuração Mineira. ▾ africano – quando o fornecimento de escravizados tornou-se mais irregular e
Tiradentes enforcado 1792 seu preço bem superior ao do açúcar –, os suprimentos de negros da terra con-
e esquartejado. ▾
tribuíram para manter a produção canavieira luso-brasileira. Mas estes eram
1798
Conjuração Baiana. ▾ também uma espécie muito particular de mercadoria. Além de trabalharem
Enforcamento de líderes 1799 na produção, eram empregados como carregadores de outras mercadorias e
da Conjuração Baiana. ▾
de munição, ferramentas, cordas e mantimentos nas bandeiras. Muitos indí-
genas da vila de São Paulo tomavam parte, ao lado dos mamelucos, dos assal-
tos a tribos do sertão.

62 Capítulo 2  Nem tudo que reluz é ouro

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Os bandeirantes também formaram verdadeiros Jorge Velho. Ainda assim, nos anos seguintes, a região
grupos de mercenários contratados para atacar tribos manteve-se como abrigo de pequenos grupos de escra-
hostis aos portugueses e destruir quilombos. Caçadores vizados fugitivos, que promoviam incursões e ataques a
de gente numa sociedade escravista, eram responsáveis povoados e viajantes. Mesmo com a exposição pública
pela "ordem social", ou seja, pela manutenção da escra- da cabeça de Zumbi, não se dissiparam as controvérsias
vidão e por seu tráfico interno.
OH_V2_C2_p63 em torno de sua morte. Guerreiros negros continuaram
a ser identificados como Zumbi, denominação que pos-
MÁRIO YOSHIDA

QUILOMBO DE PALMARES (SÉCULO XVII) sivelmente não diz respeito a um indivíduo em especial,
mas sim a uma função militar ou a uma divindade guer-
reira. É possível que o termo derive da palavra angola-
na nzumbi, que significa "defunto". De certo modo, os
BRASIL ALDEIAS DO QUILOMBO negros também produziram o seu rei encoberto.
Amaro
Arotirene Serinhaem
Dambrabanga
Zumbi

Subupira Aqualtene História E Atualidades>> O


 Quilombo do
Porto
Rio dos Macacos
Macaco
Calvo
ALAGOAS São Tomé de Paripe. Essa região localiza-se na Baía
Andalaquituche
de Todos os Santos, no limite entre Salvador e Simões
Filho, no estado da Bahia. Lá, há uma disputa de terras
PERNAMBUCO OCEANO
ATLÂNTICO envolvendo cerca de 50 famílias e a Marinha do Brasil.
União dos
Palmares
Alagoas
Os moradores alegam ser descendentes de quilombo-
Viçosa Porto do Sul
ALAGOAS Calvo ESCALA las estabelecidos na região há mais de 150 anos. Para
Maceió 0 65 km
os comandantes militares, trata-se de uma ocupação
SERGIPE
Região onde
ficava Palmares
irregular de pessoas que se "autointitulam quilombo-
ESCALA OCEANO las" e que ameaçam o funcionamento das organiza-
0 130 km ATLÂNTICO ções militares da Base Naval de Aratu.
Em 2012, o Instituto Nacional de Colonização e
Fonte: Elaborado com base em CARNEIRO, E. O quilombo dos Palmares. São Reforma Agrária (Incra) reconheceu o local como área
Paulo: Brasiliense, 1947.
remanescente de quilombo e delimitou 301 hectares
o quilombo dos Palmares para seus moradores. A Marinha deseja que essa área
seja reduzida para 21 hectares (cada hectare equivale
Palmares, tido como o maior quilombo estabelecido na a 10 mil m2).
América portuguesa, era na realidade uma confedera- Além da disputa judicial, líderes da comunidade
ção de quilombos que reuniu milhares de habitantes denunciam violação dos direitos humanos, violências,
(alguns autores falam em 20 mil), governados por um perseguições, ameaças e intimidações por parte de
rei guerreiro e por um conselho formado pelos chefes de militares. O comando da Marinha nega as acusações.
cada um dos quilombos confederados.
Localizado numa extensa área serrana, que abran-
gia parte de Alagoas e Pernambuco, seus primeiros
acampamentos devem ter sido criados em 1629. Seu Tá na rede!
contingente foi ampliado com as lutas entre luso-bra-
sileiros e holandeses, que propiciaram uma constante Quilombo do Rio dos
fuga de escravizados. Macacos
O primeiro rei foi Ganga-Zumba, assassinado em Digite o endereço abaixo na barra
1678 devido à sua disposição de negociar com as auto- do navegador de internet: http://
goo.gl/1iWjsP. Você pode também Denúncia de jornal
ridades coloniais. A partir de então, foi dirigido por baiano Correio so-
tirar uma foto com um aplicativo
Zumbi, chefe guerreiro morto em 1695. bre agressões da
de QrCode para saber mais sobre Marinha ao quilom-
Após diversas tentativas de destruição de Palma- o assunto. Acesso em: 12 abr. bo do Rio dos Ma-
res, em 1694 iniciou-se a campanha que levaria ao fim 2016. Em português. cacos.
do reduto rebelde, dirigida pelo bandeirante Domingos

A idade do ouro no Brasil 63

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São Paulo
As ações dos bandeirantes
Após varrer as reduções próximas à vila de São Paulo, os
"Ao longo do século XVII, colonos de São Paulo e de paulistas atacaram as missões de Itatim e Guairá, fun-
outras vilas circunvizinhas assaltaram centenas de
dadas por jesuítas espanhóis, levando seus habitantes
aldeias indígenas em várias regiões, trazendo milha-
res de índios de diversas sociedades para suas fazen- a se deslocarem para o Sul, onde organizaram as redu-
das e sítios na condição de 'serviços obrigatórios'. ções de Tape. Aos novos ataques, os indígenas respon-
Estas frequentes expedições para o interior alimen- deram com armas de fogo, derrotando os paulistas na
taram uma crescente base de mão de obra indígena Batalha de M'Bororé, em 1641. Mesmo assim, as redu-
no planalto paulista, que, por sua vez, possibilitou a ções ficaram arrasadas e seus habitantes tiveram de se
produção e o transporte de excedentes agrícolas, arti-
deslocar, desta vez para além do rio Uruguai. Os reba-
culando – ainda que de forma modesta – a região a
outras partes da colônia portuguesa e mesmo ao cir- nhos que eram criados em Tape espalharam-se e repro-
cuito mercantil do Atlântico meridional. Sem este duziram-se livremente nas pastagens naturais, dando
fluxo constante de novos cativos, a frágil população origem à Vacaria del Mar, manadas de gado selvagem
indígena do planalto logo teria desaparecido, porque, que se encontram no atual estado do Rio Grande do Sul
a exemplo da escravidão negra do litoral nordestino, e no Uruguai. Ao final do século, jesuítas e indígenas
a reprodução física da instituição dependia, em últi-
atravessaram mais uma vez a região, fundando os cha-
ma instância, do abastecimento externo. Porém, ao
contrário da sua contrapartida senhorial do litoral, os mados Sete Povos das Missões.
paulistas deram as costas para o circuito comercial do No Norte, além das incursões dos temidos paulistas,
Atlântico e, desenvolvendo formas distintivas de orga- as reduções enfrentaram o assédio dos colonos da própria
nização empresarial, tomaram em suas próprias mãos região. Após uma série de conflitos entre jesuítas e colo-
a tarefa de construir uma força de trabalho." nos laicos, em 1684 iniciou-se a Revolta de Beckman,
MONTEIRO, J. M. Negros da terra. na qual senhores de engenho tomaram o poder no Mara-
São Paulo: Cia. das Letras, 1994. p. 57.
nhão e expulsaram os membros da Companhia de Jesus.
Os colonos alegavam que os jesuítas impediam a escra-
BIBLIOTECA NACIONAL, RIO DE JANEIRO, BRASIL

vização dos nativos e a Companhia de Comércio do Esta-


do do Maranhão, criada em 1682, não supria suficiente-
mente a região com africanos escravizados. Os irmãos
Manoel e Tomás Beckman, líderes do movimento, foram
enforcados e muitos participantes foram degredados
para outras partes do Império português.
Uma verdadeira campanha de extermínio dos indí-
genas janduís contou com a participação dos paulistas.
Aliados dos holandeses, os janduís mantiveram hosti-
lidades contra os portugueses, sendo liquidados por
sucessivas incursões que contaram com a presença de
Desenho por Idea da cidade de São Paulo, anônimo.
Domingos Jorge Velho e Matias Cardoso de Almeida.
Gravura aquarelada, 1765.
A expansão religiosa
Os jesuítas e membros de outras ordens religiosas tam-
bém participaram dessa expansão, penetrando, com
suas missões, nos vales do São Francisco e do Amazo-
Caminhos e fronteiras nas e, em ambos os casos, entraram em conflito com os
As buscas pelo interior intensificaram-se a partir da colonos laicos. No Nordeste, a expansão para o interior
União Ibérica, rompendo, na prática, as imprecisas foi marcada pelo avanço da pecuária, removida do lito-
demarcações do Tratado de Tordesilhas (1494). As fron- ral pela produção de açúcar. No entanto, o sertão era
teiras internas da América foram transpostas não só por controlado por tribos quase sempre hostis às investi-
paulistas, mas também por luso-brasileiros das regiões das dos colonos. Expedições militares, das quais toma-
Norte e Nordeste, expandindo, assim, os limites das vam parte membros do clero, foram abrindo caminho
possessões lusitanas no continente. para as manadas bovinas. Os indígenas que escapavam

64 Capítulo 2  Nem tudo que reluz é ouro

OH_V2_Book.indb 64 13/05/16 12:05


à escravização pelos colonos laicos eram destinados às nos povoados ficaram praticamente desabitados. Cerca
reduções religiosas. de 600 mil portugueses deixaram a Metrópole para se
Apesar de caminhar juntos, clérigos e leigos diver- aventurarem no interior do Brasil. Inúmeras bandeiras
giam sobre o papel dessas reduções. Para os primeiros, cruzavam o sertão e informações sobre novas minas cir-
tratava-se de uma experiência missionária que precisa- culavam por toda a Colônia, alimentando ainda mais a
va ser sustentada pela utilização da mão de obra indíge- febre do ouro que contaminou a população colonial.
na. Para os leigos, eram instituições de fronteira e reser- Encravado em rochas ou espalhado em grãos no
va de mão de obra para o desenvolvimento da produção solo e no leito de rios, o ouro era facilmente extraído da
colonial. Deviam, portanto, obedecer às estratégias de região das minas. Nas gargantas das montanhas e no
combate às tribos hostis e suprir as necessidades dos leito dos córregos e rios do Arraial do Tijuco, o brilho
colonos em suas plantações. dos diamantes atordoava os garimpeiros. Com alguns
A corrida para a região das minas envolveu milha- séculos de atraso, os sonhos de riqueza dos conquista-
res de pessoas de todas as capitanias. Vilas e peque- dores estavam se realizando.

MÁRIO YOSHIDA
JESUÍTAS E BANDEIRANTES (SÉCULOS XVI-XVII)

1661 Área de apresamento


Calçoene de indígenas
Bandeiras de caça aos
1684 indígenas
Belém Expedições contra quilombos
São Luís
e indígenas rebelados
(sertanismo de contrato)
Turiaçu
Gurupi Missões portuguesas
1661 1
1595
Alcobaça
Missões espanholas
raíba
Paraíba
Quilombos
Olinda
inda
Recife
c
cife Revolta de Beckman (1684)
Palmares Expulsão de jesuítas
Xique-Xique

Principais guerras
Andaraí
Salvador Guerra dos Tamoios
1562-1567
Carlota Jaguaribe Guerra dos Aimoré
Paraopeba 1555-1573
OCEANO
ATLÂNTICO Levante Tupinambá
Bambuí
1617-1621
Caeté
Guerra dos Potiguares
1586-1599
OCEANO Ambrósio
PACÍFICO Itatim Confederação dos Cariri
1676-1692
São Paulo
Rio de Janeiro
Tronco linguístico
Guairá
1640 Aruak Tucano

Caribe Tupi-Guarani
Sete Povos
das Missões Chibchano Charrua
Tape
Jê Outros grupos

ESCALA Pano Línguas não


classificadas
0 395 790 km Quechua

Fontes: Elaborado com base em CAMPOS, F. de; DOLHNIKOFF, M. Atlas História do Brasil. São Paulo: Scipione, 1994; JOFFILY, B. (Org.). Isto É Brasil, 500 anos. Atlas
Histórico do Brasil. São Paulo: Ed. Três, 1998.

As regras da exploração das pelos garimpeiros. Cada jazida era dividida em lotes,
denominados datas. O descobridor da jazida tinha direi-
Até 1709, a divisão das minas, o escoamento da produ-
ção, o abastecimento, enfim, todas as regras para o fun- to a duas datas e uma era destinada à Coroa. As outras
cionamento das muitas atividades ligadas à mineração datas eram sorteadas entre os interessados. Aqueles que
dependiam do poder dos envolvidos. Aqueles que con- possuíssem pelo menos 12 escravizados podiam receber
trolassem o maior número de homens armados impu- uma data inteira. Os demais tinham de se contentar com
nham seus interesses. Desde 1702, a Metrópole procurara lotes menores, proporcionais ao número de escravizados
regulamentar a distribuição das áreas a serem explora- que possuíssem. Para fazer valer as regras, impedir o con-

A idade do ouro no Brasil 65

OH_V2_Book.indb 65 13/05/16 12:05


trabando e recolher os impostos devidos, a Coroa montou desejavam que os baianos, liderados por Manuel Nunes
seu aparelho administrativo e fiscal, deslocando tropas de Viana, fossem impedidos de entrar na região minera-
soldados da Metrópole para a região das minas. dora. Durante quase três anos, organizaram-se expedi-
Em poucos anos, o ouro de aluvião, ou seja, aque- ções armadas por ambas as partes, com vantagem para
le encontrado nos leitos do rios, esgotou-se. Para extraí Nunes Viana. Aproveitando-se do conflito, a Coroa por-
-lo, mineradores com poucos recursos precisavam ape- tuguesa, procurando exercer maior controle adminis-
nas de um pouco de sorte e de rústicos instrumentos, trativo sobre a região, resolveu delimitá-la, criando
como as bateias, bacias feitas de madeira ou metal. Cha- a capitania real de São Paulo e Minas, em 1709. Onze
mados de faiscadores, esses garimpeiros perambula- anos depois, houve uma divisão e foram criadas duas
vam pela região, tentando suprir sua modesta sobrevi- capitanias distintas: a de São Paulo e a de Minas Gerais.
vência. Os poderosos dispunham de vasta mão de obra Era uma tentativa de fechar as fronteiras e controlar os
escrava, máquinas hidráulicas para lavagem do casca- caminhos que levavam às minas.
lho e obras de represamento de rios. Com mais recursos, Os impostos cobrados pela Coroa provocaram des-
suas possibilidades de extração eram muito maiores. E contentamento e revoltas. A Coroa estabeleceu um
os escravizados continuavam a ser "as mãos e os pés de imposto sobre a quantidade de escravizados emprega-
seus senhores". da pelo minerador, denominado capitação. Na maior
Descobertas por paulistas, as minas foram, no iní- parte do tempo, o ouro extraído era obrigatoriamen-
cio, um empreendimento dos moradores da capitania te encaminhado para as Casas de Fundição, controla-
de São Vicente. O abastecimento dos garimpos fazia- das pelo poder imperial, onde se cobrava o quinto, ou
se pelos diversos caminhos abertos a partir das vilas seja, a quinta parte do ouro fundido. Em 1720, devido
vicentinas, pelas quais passavam rústicos comercian- à cobrança desse tributo, ocorreu um levante em Vila
tes, com suas tropas de mulas e de indígenas, levando Rica (hoje Ouro Preto) liderado pelo tropeiro Filipe dos
panos grosseiros, sal, farinha, marmelada, couro, car- Santos. Rapidamente as forças imperiais sufocaram o
nes e aguardente. A produção paulista, anteriormente movimento e Filipe dos Santos, depois de morto, teve
ligada ao consumo local, ampliava-se para atender os seu corpo retalhado e espalhado pelos caminhos da
mineiros. Os tropeiros vindos do Sul pousavam na vila região. Os paulistas aliaram-se às forças repressoras e
de Sorocaba, ponto de encontro dos comerciantes de se valeram da revolta para vingar a derrota sofrida onze
OH_C2_p66
grosso trato e local de venda de animais, de onde se diri- anos antes.
giam para as minas.

MÁRIO YOSHIDA
Em poucos anos brotaram inúmeras vilas e cidades ÁREAS DE MINERAÇÃO NO SÉCULO XVIII
na região mineradora. O ambiente urbano ali contrasta-
va com o das atividades açucareiras: os grandes mine-
radores ostentavam seu poder e riqueza nas cidades. O
n as
mazo
luxo e as joias eram expostos como insígnias de poder. Rio A Belém São
ão Luiz

Fo
Fort aleza
alez
Fortaleza
Também os escravizados, mercadorias valiosas capazes
Natal
de extrair as preciosidades da terra e acalentar a pompa Oeiras
Campina
Grande
João Pessoa
is co Olinda
tins

nc
de seus senhores, eram exibidos pelas ruas, como ador- ra Recife
n
Araguaia

F
Rio Toca

ão

nos dos poderosos.


Rio S

Feira de Santana
São Vicente Salvador
Rio

A Guerra dos Emboabas Cuiabá Tranqueira


Vila Boa
Cáceres (Goiás) Rio das Velhas
(Vila Maria) OCEANO
Em 1707, as rivalidades entre os paulistas, que conside- ba
Belo Horizonte Diamantina
aí (Curral del Rei) Sabará
ATLÂNTICO
n

ravam ter direitos exclusivos sobre a região, e forastei-


ra

São João del Rei Vila Rica


Pa

Taubaté (Ouro Preto)


o
Ri

ros, denominados emboabas, pessoas vindas de várias São Paulo


Sorocaba Santos
Rio de Janeiro

Curitiba Itanhaém
OCEANO
partes da Colônia e de Portugal, atraídos pela possibi-
PACÍFICO Máxima expansão administrativa
lidade de enriquecimento, culminaram num conflito da capitania paulista – 1709
Áreas de mineração
armado conhecido como Guerra dos Emboabas. Em dis- Porto Alegre Rptas de abastecimento das minas

puta estavam a exploração das minas e o abastecimen- ESCALA


Guerra dos Emboabas – 1707

to da região. Os paulistas, que contavam com o apoio 0 520 1 040 km Revolta de Filipe dos Santos – 1720

do superintendente das minas, Manuel da Borba Gato, Fonte: Elaborado com base em SIMONSEN, R. C. História econômica do Brasil:
(1500-1820). 8. ed. São Paulo: Nacional, 1978.

66 Capítulo 2  Nem tudo que reluz é ouro

OH_V2_Book.indb 66 13/05/16 12:05


Goiás e Mato Grosso locais e, por outro lado, pretendia "redefinir os vínculos
coloniais" com a Metrópole. Esse último aspecto signifi-
As incursões bandeirantes em busca de nativos acabaram
cava o controle sobre as funções da administração colo-
resultando na descoberta de ouro na região da atual cidade
nial e o abrandamento da carga fiscal e tributária.
de Cuiabá, em 1718. O pequeno povoado seria eleva-
Os mazombos, como eram conhecidos os aristocra-
do à condição de vila em 1727 e denominado Vila Real
de Cuiabá. Poucos anos depois, eram descobertos veios tas do açúcar, controlavam o poder da Capitania a partir
minerais numa área controlada pelos indígenas goiás, de Olinda. Recife, uma espécie de bairro de Olinda, era
onde surgiria o Arraial de Santana, em 1727, depois a base do poder dos comerciantes locais e reinóis, pejo-
denominado Vila Boa de Goiás (1737). rativamente denominados mascates. O termo mazom-
A ligação com São Paulo era realizada pelo "Caminho bo, possivelmente derivado do idioma bantu, designava
de Goiás", também conhecido como "Caminho dos Guaia- originalmente o indivíduo mal-humorado, mal-educa-
nazes". Na região noroeste da capitania paulista, forma- do e rude. Posteriormente, passou a indicar o filho de
ram-se pequenos povoados que permitiam o abasteci- português nascido em terras brasileiras, semelhante ao
mento das tropas de viajantes. O declínio da mineração, termo criollo da América espanhola. As oscilações do
verificado na segunda metade do século XVIII, foi com- preço do açúcar acabaram por levar ao endividamento
pensado com o desenvolvimento da pecuária. dos senhores de engenho.
Os mascates não tinham a tradição aristocrática
dos poderosos de Olinda, mas possuíam as hipotecas,
Revoltas no Nordeste as dívidas dessa nobreza da terra e o direito de cobrar
O período imediatamente posterior à expulsão dos os impostos em nome da Coroa. A presença holandesa
holandeses, ocorrida em 1654, foi marcado pela crise no contribuíra para o fortalecimento econômico de Recife,
Nordeste. A concorrência do açúcar nas Antilhas ingle- sede do governo holandês. A elevação de Recife à cate-
sas e holandesas provocava a baixa do preço do produto goria de vila em 1710 foi o estopim dos conflitos, que
em relação ao preço dos africanos escravizados. As lutas duraram até o final de 1711 e ficaram conhecidos como
com os holandeses estimularam a fuga de escravizados Guerra dos Mascates. Na verdade, a revolta foi lidera-
e o crescimento de Palmares. As guerras de Restaura- da pelos senhores de engenho endividados, que se dis-
ção haviam sido custeadas pelas taxas coloniais que tinguiam entre aqueles que exigiam a anistia das dívi-
recaíam sobre os produtores de açúcar, que manifesta- das e os que postulavam a separação de Pernambuco
vam o seu descontentamento crescente com a diminui- do Império Colonial português. Após reveses de parte
ção de seus lucros. a parte, as autoridades do império conseguiram restabe-
A discussão sobre a tributação, o elemento mais lecer a paz na região. A revolta aristocrática fracassou.
concreto da dominação colonial, começava a despon- O conflito é revelador, no entanto, do enfraquecimento
tar com mais ênfase no início do século XVIII. O rigor social e político dos anteriormente poderosos senhores
das autoridades metropolitanas provocava resistên- de engenho e, de outro lado, da vinculação dos comer-
cia dos colonos. Essa questão estava na base das ten- ciantes aos interesses da Coroa portuguesa.
sões e revoltas que começaram a surgir no Nordeste e na
região mineradora. Bahia: o Motim do Maneta
Em 1711, outra revolta foi desencadeada em Salvador,
Pernambuco e a Fronda dos em razão do estabelecimento de novos tributos sobre
Mazombos (1711-1712) mercadorias vindas do reino, da elevação dos impostos
Desde a vitória sobre os holandeses, as rivalidades entre sobre a compra de escravizados e do aumento de 50%
Olinda e Recife compunham o quadro político da Capi- no preço do sal.
tania de Pernambuco. Nessa revolta, liderada por um negociante portu-
A derrota do inimigo era compreendida pelos gran- guês, João de Figueiredo Costa, conhecido como Mane-
des senhores de engenho pernambucanos como uma ta, tomaram parte soldados, homens livres e pequenos
ação independente dos poderes imperiais, que teriam comerciantes que assaltaram as residências dos gran-
vacilado frente aos holandeses. A memória da expulsão des comerciantes de sal. Diante das pressões, o gover-
dos holandeses servia para fundamentar um discurso nador da Bahia voltou atrás na implementação dessas
político que justificava seu poder frente a outros grupos medidas impopulares.

A idade do ouro no Brasil 67

OH_V2_Book.indb 67 13/05/16 12:05


OH_V2_C2_p68
Muitos arraiais e vilas tinham sua importância econô-
MÁRIO YOSHIDA

REVOLTAS NO NORDESTE (1710-1711)


mica diminuída por essa constante peregrinação ambicio-
sa. Senhores de engenho do Nordeste vendiam suas pro-
São Luís
priedades e aventuravam-se à cata de ouro e diamantes.
OCEANO
Fortaleza
ATLÂNTICO
O enriquecimento de alguns contrastava com a
CAPITANIA miséria da maioria. A comercialização dos metais fez
GERAL DO
MARANHÃO
Natal
os preços dos gêneros de subsistência e dos escraviza-
Oeiras
UCO
dos subirem vertiginosamente. A riqueza extraída da
NAMB Guerra dos Mascates
E PER 1710-1711 terra atraiu mercadorias europeias de alto luxo.
A LD Olinda
ER Recife O padrão social dos grupos dominantes era altíssi-
G
A

São Cristóvão
mo e tudo custava muito caro. Muitos endividavam-se
I
AN

CAPITANIA
PI T

GERAL
para sustentar sua posição social sem ter conseguido
CA

DA BAHIA Salvador
Guerra do Maneta
1711
obter riqueza suficiente. Jogos de azar, prostituição,
rivalidades e diversas práticas ilegais conturbavam
o ambiente dessa sociedade, marcada pela antítese
ESCALA
0 300 600 km opulência/miséria.
A exploração das minas provocou o aquecimento
Fontes: Elaborado com base em CAMPOS, F. de; DOLHNIKOFF, M. Atlas História
do Brasil. São Paulo: Scipione, 1994; JOFFILY, B. (Org.). Isto É Brasil, 500 anos. do comércio interno colonial. Todas as regiões sofre-
Atlas Histórico do Brasil. São Paulo: Ed. Três, 1998. ram o impacto da extração de suas riquezas e da urba-
nização do interior. Além da corrida de colonos e escra-
Faça
vizados, de alimentos e outros artigos, estabeleceu-se
Tá ligado?! em se
cadernu
o um verdadeiro sistema de transportes terrestres basea-
(Mackenzie-SP) Duas atividades econômicas desta- do nas tropas de mulas, rústico, mas adequado à econo-
caram-se durante o período colonial brasileiro: a açu- mia de então. O aparecimento de uma elite com poder
careira e a mineração. Com relação a essas atividades de adquirir manufaturas e artigos europeus desenvol-
econômicas, é correto afirmar que: veu as atividades portuárias.
a) na atividade açucareira, prevalecia o latifúndio e a A pequena vila de São Sebastião do Rio de Janeiro
ruralização; a mineração favorecia a urbanização tornou-se porta de entrada de mercadorias estrangeiras
e a expansão do mercado interno. para a região mineradora.
b) o trabalho escravo era predominante na atividade Em 1763, devido ao desenvolvimento urbano e à
açucareira e o assalariado na mineradora. proximidade maior com a Capitania das Minas Gerais,
c) o ouro do Brasil foi para a Holanda e os lucros do açú- tornou-se sede do Governo do Estado do Brasil. A
car serviram para a acumulação de capitais ingleses. Colônia, que nos primeiros séculos teve uma estrutu-
d) geraram movimentos nativistas como a Guerra dos ra econômica voltada principalmente para o merca-
Emboabas e a Revolução Farroupilha. do externo, vivia agora uma realidade mais comple-
e) favoreceram o abastecimento de gêneros de primei- xa. Novos interesses surgiam e os conflitos passaram
ra necessidade para os colonos e o desenvolvimento a ser mais constantes.
de uma economia independente da Metrópole.
No entanto, para controlar a região mineradora e
→ DL/SP/H9 evitar o contrabando, o governo proibiu, em 1702, o
→ conforme tabelas das páginas 8 e 9. acesso de negociantes provenientes da Bahia às minas.
Exceção feita apenas aos comerciantes de gado.

A sociedade dos mineradores


A economia do Império
e o comércio interno
O mundo da sociedade mineradora era marcado pela Colonial
instabilidade. A descoberta de uma região repleta de Com a entrada do ouro e dos diamantes do Brasil e a inten-
riquezas atraía os aventureiros, mas depois de esgotada sificação dos negócios coloniais decorrente principalmen-
a extração de minérios, eles se dirigiam a outras partes te da mineração, a economia portuguesa viveu algumas
em busca do enriquecimento. décadas de prosperidade. A crise do século XVII, provo-

68 Capítulo 2  Nem tudo que reluz é ouro

OH_V2_Book.indb 68 13/05/16 12:05


cada pela concorrência de outros Estados europeus e pela diamantes, foi vedado a negros forros, mulatos livres
Guerra da Restauração, era superada por uma nova arran- e garimpeiros pobres. Apenas aqueles que obtivessem
cada da economia colonial brasileira. O tráfico de escravos autorização direta da Coroa podiam dedicar-se à procu-
foi intensificado para suprir a região mineradora. Os tri- ra de diamantes. O comércio e o deslocamento das pes-
butos e contratos feitos pela Coroa proporcionavam altos soas eram controlados. A Coroa procurava impedir, com
rendimentos para o poder metropolitano. práticas violentas, o escoamento ilegal das pedras e
Superada a crise, a aristocracia lusitana entre- garantir a cobrança da tributação devida.
gou-se aos prazeres do consumo de artigos de luxo e O aperfeiçoamento do aparelho administrativo
da ostentação. Grandes obras foram erguidas em Por- colonial, acompanhado de uma série de medidas fis-
tugal, como o Palácio-Convento de Mafra, de 1300 cais, realizava-se numa conjuntura de aumento acen-
dependências, entre salas, quartos e celas conven- tuado do preço dos africanos escravizados – para o qual
tuais, que levou mais de 30 anos para ser construído contribuiu a mineração – e de deslocamento de recur-
e contou com mais de 50 mil trabalhadores para sua sos, mão de obra e colonos para a região das minas.
conclusão. Os gastos da Coroa e da aristocracia gera- Apesar das oscilações do preço do açúcar no mercado
vam um crescente déficit na balança comercial, equi- mundial e da concorrência antilhana, a atividade cana-
librada graças ao ouro brasileiro. vieira ainda mantinha sua importância, ao lado do taba-
OH_V2_C2_p69
A Metrópole passou a exercer um controle cada co, no Norte e Nordeste. O problema da mão de obra e
vez maior sobre as suas colônias na América. Os cami- a cobrança de tributos acabaram por suscitar descon-
nhos das minas eram intensamente vigiados. O acesso tentamento e revolta, o que fazia os colonos se voltarem
OH_V2_C2_p69
ao Arraial do Tijuco, área de exploração de jazidas de contra as autoridades metropolitanas.
MÁRIO YOSHIDA

a+ comunicação
A ECONOMIA NA AMÉRICA PORTUGUESA (SÉCULO XVIII) PRODUÇÃO DE OURO NO BRASIL
SÉCULO XVIII (EM kg)

anos Mato Grosso


Goiás
Minas Gerais

1775

1750

ESCALA
0 430 860 km

1725
ESCALA
0 430 860 km

Fonte: Elaborado com base em MEC. Atlas Histórico Escolar.


Rio de Janeiro: FAE, 1978.

1700
Fonte: Elaborado com base em PINTO, V. N. kg
O ouro brasileiro e o comércio anglo-português.
0

2 0

4 0

6 0

8 0

1 0

São Paulo: Nacional, 1979. p. 114.


00
00

00
00

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A idade do ouro no Brasil 69

OH_V2_Book.indb 69 13/05/16 12:05


Apesar de fortalecer um setor da burguesia lusita-
A Inglaterra e a economia na, o tratado selou a sorte dos grupos manufatureiros
portuguesa portugueses. Carentes de recursos técnicos e de capi-
Se, de um lado, a Coroa apertava os laços do controle tais, e vistos com desconfiança pelos representantes
sobre a Colônia, de outro, abria brechas para a intensa da Inquisição, os comerciantes e produtores de tecidos
participação de outros Estados europeus em seu Impé- sofriam agora com a concorrência direta da manufatu-
rio Colonial. A Inglaterra foi a maior beneficiada, com ra inglesa. Assim, além de não realizar seu desenvolvi-
vários acordos que acabaram por vincular a economia mento industrial, Portugal abria a fenda de escoamento
portuguesa aos interesses britânicos. O mais célebre de do ouro brasileiro para a economia inglesa. Com isso, os
todos foi o Tratado de Methuen, celebrado ao final de ingleses puderam contar com maior circulação monetá-
1703, no qual a Coroa portuguesa consentia em redu- ria e uma impressionante movimentação de sua econo-
zir as barreiras alfandegárias para os artigos de lã prove- mia mercantil, fatos que iriam oxigenar suas atividades
nientes da Inglaterra em troca do mesmo procedimento econômicas e promover sua industrialização.
em relação aos vinhos portugueses.
a+ comunicação

COMÉRCIO ENTRE INGLATERRA E PORTUGAL (em milhões de libras)


Importações da Inglaterra para Portugal
819 Exportações de Portugal para a Inglaterra
Total 781 794
entre 1697-1715 763
732
714

10 666 4 637
628 625
615 615
576 565

538
460

365
338 336 331 333
277 281
279 272
257 252
242 241 247
223
207 194 192 202 196
155 165
125
87
16

17

17

17

17
97

00

05

10

15

Fonte: Elaborado com base em HANSON, C. A. Economia e sociedade no Portugal barroco. Lisboa: Dom Quixote, 1986. p. 221.

Verificação de leitura 1 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 Indique as atividades desenvolvidas na vila de São em nossa sociedade? → DL/SP/H2


Paulo no período colonial. → DL/SP/H11 5 Quais foram as principais mudanças na economia
2 Compare o comércio praticado em São Paulo e as interna colonial provocadas pela descoberta de
atividades econômicas desenvolvidas no Nordeste ouro e pedras preciosas? → DL/H7/H9/H11/H12
açucareiro. → DL/CF/SP/H9 6 Explique por que o Tratado de Methuen foi um obs-
3 Defina o papel dos bandeirantes na sociedade táculo ao desenvolvimento econômico de Portugal.
escravista colonial. → DL/SP/H9/H11 → DL/CF/SP/H7/H11
4 Como os bandeirantes são geralmente lembrados

70 Capítulo 2  Nem tudo que reluz é ouro

OH_V2_Book.indb 70 13/05/16 12:05


2 O Iluminismo

N
enhuma ideia nasce de repente, nenhum movimento de ideias apare-
ce sem que algum sinal tenha se manifestado anteriormente. Com o
Iluminismo não foi diferente.
Em geral, associa-se o pensamento ilustrado ao século XVIII, à ascensão
da burguesia e à construção de um novo mundo. Alguns autores, porém, já
insinuavam uma nova visão e concepção do mundo e das relações físicas, polí-
ticas e sociais muito antes dos filósofos franceses que, nesse período, assumi-
ram a frente do pensamento ocidental europeu e passaram a criticar sistema-
ticamente o universo de privilégios que cercava a aristocracia. Desenhava-se,
aos poucos, a chamada Ilustração, ou Iluminismo. Por trás dos dois termos, a
mesma metáfora: a luz, associada à razão e em combate contra as trevas do
absolutismo e da intolerância religiosa.

A ciência e a Ilustração
Várias teorias sociais e políticas que os ilustrados difundiram no decorrer do
século XVIII e que tiveram importância central nas transformações ocorridas
nesse período foram influenciadas por estudos da física e da natureza.
Mais de um século antes do Iluminismo, Francis Bacon (1561-1626) pro-
pôs uma ampla reforma do conhecimento por meio da valorização da prática
e da experimentação científica, que ele considerava o caminho adequado para
que o homem alcançasse a conquista e o controle da natureza. René Descartes
(1596-1650) enfatizou, pouco tempo depois, a centralidade da dúvida como
meio de encontrar a verdade. Para ele, as certezas prévias ou naturais deviam
ser descartadas e tudo precisava ser submetido a experimentações. A própria
existência do homem derivava de sua capacidade racional.
Locke, ao formular a teoria política em que defendia o respeito de todo
governante aos direitos naturais e o limite do
CORBIS/LATINSTOCK/GALERIA NACIONAL, LONDRES, INGLATERRA

poder dos reis, comparava os humanos aos áto-


mos, para compreender a relação de cada indi-
víduo com o conjunto da sociedade.
Isaac Newton (1643-1727) formulou, no
final do século XVII, a lei da gravidade. A partir
da observação de que os corpos eram atraídos
para o solo, Newton desenvolveu pesquisas
que identificaram leis gerais do Universo. Ele
conseguiu desenvolver cálculos matemáticos
relativos aos movimentos celestes e atestou a
existência de forças a que estavam submetidos
tanto os astros quanto os seres que viviam na
Terra. O Universo deixava de ser um mistério
só acessível às leis e ao pensamento e místicos
Experimento com pássaro em bomba de ar, Joseph Wright. Óleo sobre
tela, 1768. ou religiosos.

O Iluminismo 71

OH_V2_Book.indb 71 13/05/16 12:05


Immanuel Kant (1724-1804) deu um dos últimos à chegada dos homens à vida adulta: “Iluminismo é a
passos para que uma nova filosofia se afirmasse. Ele saída do homem da sua menoridade de que ele próprio
sustentou que todos trazemos repertórios informativos é culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir
e conceituais, historicamente construídos, que orien- do entendimento sem a orientação de outrem”. Enfati-
tam nossa percepção da natureza e dos homens. Reco- zava, desse maneira, a importância da consciência e da
nhecia, assim, o caráter relativo de toda proposição e autonomia do pensamento e a necessidade de rejeitar
compreensão. Na abertura do ensaio O que é o Ilumi- qualquer submissão passiva a ideias políticas, estéticas
nismo? (1784), ele comparou o movimento iluminista ou religiosas.

História E Matemática>> L eibniz e os computadores


Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) nasceu em matemáticas o levaram, ainda, a aperfeiçoar a máquina de
Leipzig (atual Alemanha) e foi contemporâneo de Isaac calcular inventada por Blaise Pascal (1623-1662), acres-
Newton. Os dois desenvolveram métodos de cálculo centando as operações de divisão e multiplicação.
matemático e chegaram a trocar cartas. A correspon- Além das experimentações com máquinas de calcu-
dência, no entanto, podia demorar meses para ir de lar e do avanço na aritmética, Leibniz formulou a teoria
um a outro e um desses atrasos levou Newton a acre- da arte combinatória, que sustentava que todo raciocí-
ditar que Leibniz estava se apropriando dos resultados nio poderia ser simplificado numa combinação ordenada
de seus estudos para desenvolver novas teorias. Era um de números, palavras, sons ou cores. Ele buscava "uma
equívoco. O germânico trilhara caminhos diferentes dos espécie de linguagem ou escrita universal, mas infinita-
do britânico para estabelecer as bases do cálculo inte- mente diversa de todas as outras concebidas até agora,
gral e diferencial. isso porque os símbolos e até mesmo as palavras nela
Os dois pensadores também desenvolveram, parale- envolvidas dirigir-se-iam à razão, e os erros, exceto os
lamente, experiências sobre estática e dinâmica e desem- factuais, seriam meros erros de cálculo. Seria muito difí-
bocaram em resultados divergentes: Newton considerava cil formar ou inventar essa linguagem, mas também seria
o espaço como absoluto e Leibniz especulava sobre sua muito fácil compreendê-la sem quaisquer dicionários".
relatividade. Os textos teóricos de Leibniz incompreendi- Nenhum de seus contemporâneos levou muito a sério
dos na época, só puderam ser melhor avaliados no sécu- a proposta de uma linguagem universal de Leibniz e nem
lo XX, depois da formulação da teoria da relatividade por ele mesmo encontrou utilidade prática para sua teoria, que
Albert Einstein. Einstein, inclusive, confirmou vários dos permitia o aprimoramento do sistema binário de aritméti-
princípios que ele enunciara três séculos antes. ca. Três séculos depois, uma aplicação de suas ideias foi
Leibniz foi o primeiro matemático a utilizar o termo encontrada: o desenvolvimento de computadores.
"função" para designar a dependência de algumas curvas
geométricas. Só depois de sua morte, porém, é que a pala-
vra passou a ser empregada para definir a relação entre
Biblioteca Gottfried Wilhelm Leibniz, Hanover, Alemanha

uma certa variável e algumas constantes. Suas pesquisas


Museum Herrenhausen Palace

Imago creationis – imagem da criação como


Máquina de calcular, G. W. Leibniz. Hanover, Alemanha, adição e multiplicação de números binários,
1695. G. W. Leibniz. Medalhão, Alemanha, 1697.

72 Capítulo 2  Nem tudo que reluz é ouro

OH_V2_Book.indb 72 13/05/16 12:05


Pierre Bayle (1647-1706) publicou, em 1697, seu Dicioná-
Uma revolução cultural rio histórico e crítico, no qual fazia um amplo balanço da filo-
O movimento intelectual denominado Ilustração ins- sofia desde a Antiguidade e defendia os grupos religiosos
creve-se no processo de transformações determinado ou políticos que eram alvo de perseguições e preconceitos.
pela emergência da sociedade capitalista. Foi levado a De formação calvinista, Bayle recusava todo tipo de
cabo por filósofos que se consideravam a vanguarda da condenação prévia e irrefletida, celebrava a razão, concla-
cultura e das ciências, capazes de apontar o caminho mava as pessoas de espírito independente a não respeitar
para uma nova era e construir uma nova humanidade. as autoridades régias ou eclesiásticas e pregava a tolerân-
A felicidade, vista ao mesmo tempo como um direi- cia. Seu livro teve grande circulação na Europa ocidental e
to e um dever dos homens, era o grande objetivo a ser contribuiu para afirmar um conceito central da Ilustração:
atingido pelo aprimoramento da vida coletiva, pelo pro- a religião era um assunto privado, pertencia ao universo
gresso social garantido pela educação. A tirania, a tor- do indivíduo e não deveria ser imposta ou transformada
tura, a desigualdade jurídica e os limites à liberdade de em motivo de perseguição.
expressão desrespeitariam os direitos mais elementares

FUNDAÇÃO VOLTAIRE, OXFORD, INGLATERRA


e fundamentais do ser humano, próprios da sua nature-
za: o direito à vida, à liberdade individual, à igualdade
jurídica, à propriedade e à busca da felicidade.

Religião privada, razão pública


Na Antiguidade, as crenças religiosas contribuíam para
construir os vínculos internos de uma comunidade, para
definir quem pertencia a ela. Já na Idade Média, o cristia-
nismo havia se tornado um dos traços centrais da men-
talidade coletiva e ajudado a criar a própria ideia de
Europa. Camponeses, artesãos, comerciantes e aristocra-
cias deviam pertencer à cristandade, seguir as orienta-
O jantar dos filósofos, Jean Huber. Óleo sobre tela, c. 1772.
ções da Igreja e participar de seus rituais. Não era pos-
sível escolher a religião que se desejava seguir e não
existia a noção de liberdade religiosa. Judeus e islâmicos O Estado, segundo a Ilustração
que viviam no continente europeu continuaram a sofrer Para os iluministas, o Estado não podia ser a expressão
segregações ou perseguições e, muitas vezes, precisa- de um direito divino ou do poder de um monarca isola-
vam esconder sua origem ou crença. do. O Estado devia representar a vontade coletiva. Sua
A Reforma Protestante provocou o surgimento de legitimidade derivava da capacidade de exigir de todos
novas religiões, mas dentro da tradição cristã. No cená- os indivíduos os mesmos deveres e de assegurar a eles
rio do Renascimento, artistas e pesquisadores, como Leo- os mesmos direitos. O comando desse Estado poderia
nardo da Vinci e Galileu Galilei, desrespeitaram regras ser exercido por um conjunto de pessoas ou mesmo por
da Igreja, ao desenvolverem pesquisas sobre anatomia uma só pessoa: muitos pensadores consideravam acei-
humana ou sobre o movimento dos corpos celestes. Eles tável o poder absoluto dos reis, desde que ele não fosse
conheciam, no entanto, os riscos que corriam e mais de fundado em princípios religiosos e que os monarcas se
uma vez foram obrigados a abdicar de suas teorias. guiassem pelo uso da razão. Em outras palavras, o regi-
A Ilustração contestou a hegemonia do cristianismo me político era secundário em relação à preocupação
e rompeu o sentido coletivo da religiosidade. Os pensado- racionalista dos pensadores ilustrados.
res ilustrados distanciavam-se dos conhecimentos de base Alguns teóricos conceberam formas políticas e sociais
religiosa, temiam os dogmas e as superstições que eles ideais. Charles de Montesquieu (1689-1755) elaborou a
incluíam e defendiam a superação dos limites que o cristia- doutrina dos três poderes: executivo, legislativo e judi-
nismo impunha a seus seguidores. Criticavam, também, os ciário. Cada um desses poderes teria funções específicas,
juramentos de fidelidade que os governantes deviam pres- deveria dispor de autonomia e, ao mesmo tempo, seria
tar à Igreja e sua submissão formal ou real a ela. vigiado pelos outros dois. Ao legislativo, composto por
Alguns nomes ligados ao Iluminismo chegaram a pre- assembleias representativas, cabia a confecção das leis.
gar a rejeição a todas as igrejas, como Kant, que defendia Ao executivo, a aplicação dessas leis. Ao judiciário, a ava-
o deísmo: a possibilidade de acreditar em Deus sem seguir liação e eventual punição àqueles que desrespeitassem as
qualquer tipo de instituição ou regra religiosa coletiva. regras. Dessa forma, segundo Montesquieu, o poder não

O Iluminismo 73

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seria exercido de forma isolada e a vida e a liberdade dos ou artistas eram forçados a se esconder e a expor suas
indivíduos estariam garantidas. O pensador, no entanto, ideias em pequenos círculos literários ou salões reserva-
mantinha uma concepção aristocrática de governo. Para dos. Panfletos e pasquins contribuíam para a difusão das
ele, o acesso aos postos, nos três poderes, devia ser reser- novas ideias, mas raramente se conseguia distribui-los
vado aos nobres e àqueles que tivessem propriedades. livremente. Censurados e recolhidos, eles acabavam por
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), leitor de Daniel circular clandestinamente, misturados com relatos eróti-
Defoe, foi mais longe e sugeriu um sistema que se apro- cos e espessos livros que criticavam o absolutismo.
ximava da democracia. Ele acreditava que a liberdade A trajetória de François-Marie Arouet (1694-1778),
estava na origem dos homens: estes nasciam livres, mas conhecido como Voltaire, é exemplar desse embate con-
eram corrompidos pela sociedade e submetidos ao jugo tínuo entre censura e resistência. Seus contos, peças e
alheio. Deviam, portanto, lutar pela reconquista da liber- textos filosóficos atraíam e escandalizavam o público.
dade, sendo a educação um dos principais caminhos para Mais de uma vez ele foi recolhido à prisão da Bastilha
isso. Para Rousseau, a liberdade era o supremo bem dos ou forçado a se exilar. Durante uma temporada de exí-
homens, superior até à razão, e renunciar a ela equivalia a lio em Londres, conheceu a obra de Shakespeare e che-
abdicar da própria humanidade. gou a encená-la. Também passou a admirar a tolerân-
A obra Do contrato social (1757) traz sua concepção de cia religiosa e de expressão que havia na Inglaterra.
soberania. Para Rousseau, as sociedades deveriam esco- Após a década de 1750 e, de volta à França, desenvolveu
lher seus governantes que, durante um determinado uma espécie de cruzada anticristã: criticava duramente a
período de tempo, teriam a incumbência de representar Igreja católica, que ele chamava de “A Infame”.
o povo e de garantir que a vontade coletiva se impusesse
sobre a individual. Para ele, o prevalecimento dos direi- A árvore da Enciclopédia
tos coletivos sobre os desejos de cada individuo era, inclu- Denis Diderot (1713-1784) e Jean D’Alembert (1717-
sive, o que garantiria a liberdade individual. Em nenhum -1783) levaram ao extremo o sonho iluminista de acu-
momento e sob nenhuma condição, o governo poderia se mular conhecimentos e celebrar o triunfo da razão.
considerar soberano. A soberania estava no povo, reunido Durante quase vinte anos, organizaram e editaram 35
como um corpo político de cidadãos. volumes, que reuniam mais de 70 mil artigos e quase
três mil imagens. Era a Enciclopédia ou Dicionário racio-
Reação e resistência nal das ciências, das artes e dos ofícios. Entre os colabora-
Embora a Ilustração seja geralmente associada à Fran- dores estavam Montesquieu, Rousseau e Voltaire.
ça, as novas ideias circularam por diversas partes da Diderot e D’Alembert dividiram os conhecimentos
Europa e atravessaram o Oceano Atlântico, chegan- em categorias, hierarquizando-os. Eles partiam de três
do à América. Nos reinos germânicos, marcados pelo grandes eixos, intitulados “Memória”, “Razão” e “Imagi-
reformismo, a questão religiosa raramente apare- nação”. Cada um desses grupos continha divisões e sub-
cia nos escritos ilustrados. O filósofo e teatrólogo Got- divisões, compondo uma espécie de árvore do conheci-
thold Lessing (1729-1781) defendia o livre pensamento mento. O primeiro associava-se à história; o segundo, à
e denunciava o antissemitismo. O escocês David Hume filosofia; o terceiro, à poesia. Respeitavam, dessa forma,
(1711-1776) contestava a metafisica e contribuía para o algumas distinções propostas por Aristóteles, na Anti-
desenvolvimento do empirismo. Em Portugal, Sebastião guidade clássica, e retomavam sua disposição de alcan-
José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal (1699- çar a totalidade do conhecimento.
-1782), endossou o pensamento iluminista e agiu con- A Enciclopédia teve grande divulgação: calcula-se
tra a Companhia de Jesus. Os principais teóricos e líderes que 4 225 exemplares foram impressos na primeira edi-
da independência dos Estados Unidos – Thomas Paine, ção (quase o triplo das tiragens da época, que dificilmen-
Thomas Jefferson, Benjamin Franklin, por exemplo – te ultrapassavam 1 500 exemplares) e que, até o final do
eram leitores dos iluministas europeus e construíram século XVIII, outros 20 mil tenham saído das gráficas. A
seus projetos políticos a partir dos princípios das Luzes. obra também provocou polêmica: o “Conhecimento de
Evidentemente, a ampla divulgação das ideias ilus- Deus”, por exemplo, é subordinado à filosofia e, entre
tradas provocou reação rápida e forte dos reis absolutis- suas subdivisões, inclui “Adivinhação” e “Magia negra”.
tas e do clero. Livros foram censurados, autores foram Diderot e D’Alembert pretendiam ordenar o mundo.
presos, perseguidos e, em diversos casos, tiveram de É interessante notar que, independentemente das reações
fugir de seus países de origem e buscar abrigo em Esta- que ocorreram na época (a Igreja rejeitou e baniu a obra),
dos mais tolerantes. Mesmo em Paris, considerada o os princípios da Enciclopédia persistiram e até hoje seguem
centro do pensamento ilustrado, muitos pensadores vivos. Nas escolas e nas obras didáticas, os conhecimentos

74 Capítulo 2  Nem tudo que reluz é ouro

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são divididos em disciplinas. Os jornais e livros separam publicada em 1789, no início da Revolução Francesa.
as informações em cadernos e as hierarquizam por meio Em 1791, ingressou numa associação pela luta e igual-
do uso de manchetes e tipos diferentes de letra. A própria dade de direitos políticos e legais para as mulheres,
ideia de reunião de conhecimentos continuou viva em cujas reuniões ocorriam na casa de Sophie Condorcet,
outras coleções, publicadas nos séculos XIX e XX e, mais esposa do filósofo ilustrado Nicholas Condorcet.
recentemente, nas enciclopédias disponíveis na internet. Decepcionada com os caminhos que a revolução
propunha para as mulheres, publicou, ainda em 1791,
As mulheres e o Iluminismo
a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã. O
Muitas mulheres participavam das conversas nos cafés texto era uma versão feminista da Declaração dos Direi-
e salões em que as ideias iluministas eram debatidas. tos do Homem e do Cidadão.
Nem todos os homens que compareciam a esses even- Defendia a participação da mulher na vida política
tos, porém, concordavam com a presença feminina. Para e civil em condição de igualdade com os homens. Por
alguns, elas não alcançavam a complexidade das refle- seus escritos foi condenada pelo tribunal revolucioná-
xões. O próprio Rousseau defendia a estrutura patriar- rio e guilhotinada em 3 de dezembro de 1793. Dois anos
cal das famílias, que ele considerava natural, e equipara- depois de sua morte, em 1795, a Assembleia Nacio-
va as mulheres às crianças, concluindo que deviam viver nal francesa promulgou um decreto, confinando as
sob a proteção e as ordens dos homens. Kant associava as mulheres no espaço doméstico e proibindo-as de redi-
mulheres às atividades fúteis e prosaicas e as considerava gir manifestos, protestar e participar de clubes políti-
capazes de sentir, mais do que pensar. cos. O decreto impedia formalmente a participação das
Já os filósofos David Hume (1711-1776) e Jeremy Ben- mulheres francesas na vida pública.
tham (1748-1832) encaravam de outra maneira a condição
da mulher. Hume afirmou que a Igreja e os homens incu-

museu do louvre, paris, frança


tiam nas mulheres valores como a castidade, a abstinência
sexual e a mortificação da carne. Esses princípios busca-
vam garantir a manutenção da ordem patriarcal, mas não
eram naturais, nem contribuíam para a melhoria da socie-
dade ou para a felicidade. Para ele, a submissão da mulher
ao homem e a repressão sexual eram formas sociais e his-
tóricas de preservação do poder e patrimônio masculinos.
Bentham rejeitava a adoção de regras e padrões
morais distintos para homens e mulheres e defendia a
igualdade de direitos entre os sexos. Para ele, as mulheres
deveriam ter direito à plena participação política, exercida
tanto através do voto quanto no exercício de cargos públi-
cos e governamentais.

Os direitos da mulher Olympe de Gouges, anônimo. Aquarela


e lápis, 28 x 21,3 cm, s/d.
Em 1792 saiu um livro extraordinário: Uma reivindica-
ção dos direitos da mulher. Sua autora era a inglesa Mary
Wollstonecraft (1759-1797). Ela reagia aos educadores Adam Smith e o liberalismo
do século XVIII, que recomendavam uma educação sim-
plificada e limitada para as mulheres. Wollstonecraft econômico
criticava a ideia de que as mulheres devessem preparar- A política mercantilista começou a ser criticada na meta-
-se apenas para o casamento e a vida conjugal, conside- de do século XVII, quando William Petty (1623-1687)
rava o patriarcado corruptor e defendia o amplo acesso afirmou que a verdadeira riqueza não era o comércio, e
das mulheres ao ensino e ao mundo do trabalho. Racio- sim o trabalho. Um século depois, Adam Smith (1732-
nalista e precursora do feminismo, ela pregava a isono- -1790) aprofundou a discussão, diferenciando as noções
mia entre os sexos nas questões morais. de valor de uso e valor de troca. O valor de uso equiva-
Marie Gouze, mais conhecida como Olympe de Gou- leria à riqueza de uma nação, que poderia ser expres-
ges (1748-1793), foi escritora, jornalista e dramaturga. sa no produto per capita. O valor de troca, por sua vez,
Em 1785, escreveu uma peça de teatro antiescravista dependeria do trabalho empregado na produção da mer-
intitulada A escravidão dos negros. A obra somente foi cadoria. Uma nação enriqueceria proporcionalmente ao

O Iluminismo 75

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aumento da produtividade no trabalho e o crescimento (1740-1786), transformou Berlim num centro de deba-
dependeria da capacidade de estruturar adequadamente tes culturais e acolheu intelectuais e protestantes que
a produção e de obter, dos trabalhadores, o máximo pos- eram perseguidos em seus países de origem – princi-
sível de resultados. palmente franceses. Ele afirmava que o principal obje-
Justamente por isso, Smith afirmou, em seu livro mais tivo do governante devia ser a garantia da liberdade e
importante, A riqueza das nações (1776), que a lógica e a da felicidade dos cidadãos. Frederico promoveu ampla
racionalidade deviam guiar o funcionamento do aparato reforma educacional, suprimiu tributos que incidiam
produtivo e todas as etapas precisavam ser minuciosamen- sobre o trabalho nos campos, extinguindo a corveia, e
te calculadas e executadas. O capitalista ideal combinaria unificou o sistema jurídico.
características de Robinson Crusoe e Gulliver: capacidade A combinação de governos fortes com reformas
de planejamento e cálculo, lucidez, individualismo, dispo- ilustradas ganhou o nome de despotismo esclarecido.
sição para o trabalho, agilidade, uso contínuo da razão, crí- Nesses tempos de transição, a metáfora da luz (“esclare-
tica aos gastos desnecessários. A ficção antecipara o perfil cido” vem de claridade), marca da razão, passava a adje-
do empreendedor com que Smith sonhava. tivar um termo, despotismo, que denunciava a ausência
O Estado, por sua vez, devia assegurar ao empreen- de liberdade política.
dedor uma total liberdade de ação, eliminando os meca-
nismos protecionistas defendidos pelos governos mer-
cantilistas. Todo tipo de restrição à livre circulação de Frederico II da Prússia e Voltaire
mercadorias precisava ser eliminado, desde as tributa- Frederico II chegou a receber Voltaire em sua corte. Os dois
ções sobre importação e exportação até o pacto colonial. já se correspondiam há alguns anos e a transferência do
francês para a Prússia, em 1750, deveria reforçar a imagem
As bases hegemônicas da economia desde o século
do prussiano como um rei preocupado com a filosofia e as
XV, quando se iniciaram as Grandes Navegações, come- artes. Durante o período em que viveu na futura Alemanha,
çavam a ruir. No seu lugar, erigia-se uma nova lógica, Voltaire ensinou francês para seu anfitrião e frequentou
que privilegiava as forças do mercado, que os pensa- os eventos culturais realizados no Palácio de Sanssouci,
dores liberais consideravam naturais. Elas representa- em Potsdam. Em 1753, no entanto, Voltaire envolveu-se
numa polêmica com Malpertuis, presidente da Academia
vam a “mão invisível” que guiaria os rumos financeiros
de Berlim, desferiu um violento ataque satírico contra ele
e sustentaria a economia internacional. e foi preso por algumas semanas. Libertado, tentou retor-
Smith acompanhava a Revolução Industrial e tudo nar à França, mas foi impedido de entrar no país. Deslocou-
que o mundo das fábricas implicava de aumento de pro- se então para Genebra, onde fixou residência. Seis anos
dutividade, redução de preços e mudança nas relações depois, Voltaire publicou Cândido, que não menciona direta-
mente Frederico II, mas satiriza duramente os governantes.
de trabalho. Para ele, o mundo avançava e o progresso

THE BRIDGEMAN ART LIBRARY/KEYSTONE


traduzia-se nessa nova organização da produção.

O despotismo esclarecido
Rousseau chegou a lastimar, em alguns escritos, que pen-
sadores ilustrados ficassem fascinados diante da osten-
tação e do fulgor das cortes. Ele temia que os filósofos se
corrompessem e, no lugar de lutar pela liberdade, se pres-
tassem a assessorar tiranos. A preocupação era correta.
Muitos iluministas acreditavam que um governante forte,
sem as limitações ou o controle de um Parlamento, pode-
ria realizar as reformas econômicas e educacionais de
forma ágil e rápida. Do outro lado, monarcas percebiam
que as alterações sugeridas pelos defensores das Luzes
poderiam ampliar a capacidade econômica de seus paí-
ses, reduzir as interferências do clero nos assuntos políti-
cos e as tensões e disputas entre aristocratas e burgueses.
O rei sueco Gustavo III (1771-1792) adotou medi-
das liberais na organização da economia, assegurou a Frederico II, o Grande, e Voltaire em Sanssouci,
tolerância religiosa a judeus e católicos e estimulou a Georg Schöbel. Litografia colorida, 1900.
produção cultural. Na Prússia, Frederico II, o Grande

76 Capítulo 2  Nem tudo que reluz é ouro

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História E Literatura>> C
 ândido, ou a ingenuidade
Em 1759, Voltaire publicou Cândido, lançado simulta- Robinson Crusoe, protagonista do mais conhecido
neamente em Paris, Londres, Amsterdã e Genebra e, no romance do inglês Daniel Defoe (1660-1731), publicado
mesmo ano, traduzido para o inglês e o italiano. Em Paris e em 1719, consegue agir sozinho e com extrema lucidez,
Genebra, a obra foi proibida e acusada de blasfêmia, trai- quando seu navio naufraga e ele acaba numa ilha deser-
ção política e “hostilidade a comportamentos ingênuos”. ta. Robinson rapidamente identifica suas necessidades e
Numa época em que as histórias de aventuras em ter- planeja suas ações. Constrói abrigo, para obter proteção.
ras desconhecidas eram muito populares, Cândido as paro- Aprende a caçar, a pescar, a colher e a plantar, para adqui-
diava e as combinava com a picaresca e o romance de for- rir alimentos. Desenvolve diversos apetrechos que facili-
mação. O livro mostrava a trajetória do personagem-título, tam sua vida no isolamento. Crusoe sente prazer no que
ao longo de suas viagens por lugares distantes e exóticos, faz e enxerga os progressos que obtém como contribuição
como Europa ocidental, América e Turquia, mexendo com divina. O livro conta que o personagem é anglicano e sua
os sonhos e as utopias dos europeus que ainda viviam sob ética do trabalho alude a pressupostos do protestantismo.
o impacto das conquistas da América e de parte da África Em suma, Robinson é um homem comum que, numa
e da Ásia. A disposição iluminista manifestava-se também situação de emergência, consegue controlar a natureza e
na exposição de culturas e pessoas diferentes, no reconhe- extrair dela os recursos econômicos de que precisa. Seu
cimento da diversidade e da alteridade. trabalho e sua racionalidade, segundo os iluministas, mos-
O principal compromisso do livro, no entanto, era travam uma qualidade moral. Também seu empenho como
com a celebração da razão e com a crítica à inconsciên- educador do nativo que encontrou após muitos anos de iso-
cia e à percepção ingênua e simplista do mundo. O mes- lamento na ilha parte do princípio ilustrado de que a educa-
tre de Cândido é Pangloss, que o orienta a partir das ideias ção transforma. Por meio da instrução recebida de um euro-
filosóficas e religiosas de Leibniz. Inicialmente ingênuo e peu e baseada em valores europeus, Sexta-Feira – nome
crédulo, Cândido transforma-se no decorrer da aventura, que Crusoe deu ao indígena – passa do estado de “selva-
e os leitores percebem o efeito cômico gerado pelo con- geria” em que se encontrava à condição de “civilizado”. A
traste entre as convicções otimistas de Cândido e as duras Europa iluminista reconhecia, assim, a diversidade, mas
experiências que enfrenta, as tragédias humanas que tes- não abdicava de seu papel de liderança e comando.
temunha. Ao acompanhar o itinerário do personagem em As viagens de Gulliver, publicado em 1726, traz elemen-
direção à desilusão, ao ceticismo, ao total individualismo tos semelhantes aos do livro de Defoe. Escrito pelo irlan-
e à não-reflexão, esses leitores reconhecem a armadilha da dês Jonathan Swift (1667-1745), o livro conta a aventura
inocência e o perigo das crenças fixas e rígidas. Por meio de um náufrago que desemboca numa ilha, Lilliput. A ilha
da sátira, Voltaire expunha, assim, o ridículo dos teólogos, não é deserta: ela é ocupada por habitantes minúsculos, de
governantes, militares e até dos filósofos, com sua preten- cerca de quinze centímetros. Eles arrastam Gulliver para
são de explicar e salvar o mundo. Para o autor, os ingênuos terra firme e pretendem usá-lo como arma na ininterrup-
eram incapazes de compreender o horror e as desgraças. ta guerra que mantêm com um povo vizinho. Gulliver con-
Voltaire usou um procedimento comum na época: segue fugir, viaja por outras terras e conhece outros povos:
destacar e deslocar um personagem para concentrar, um povo de gigantes, uma ilha flutuante, uma raça de cava-
numa figura pequena e simbólica, grandes questões do los inteligentes. A cada passo das aventuras de Gulliver, os
seu tempo. Na obra, o narrador se opõe ao protagonista: leitores europeus do livro reconheciam traços de seu passa-
enquanto Cândido tem certezas, o narrador tem dúvidas; do e de seu presente. Por trás da irracionalidade e da futili-
se Cândido é ingênuo demais e age sem pensar, o narrador dade da guerra dos liliputianos, havia a menção aos confli-
reflete e é irônico. Assim, o narrador permitie diferenciar tos por que a Europa passava, especialmente os que envol-
o plano da trama narrada (concentrada no personagem) viam França e Inglaterra. A terra dos gigantes ridiculariza a
do plano do discurso do narrador, que é crítico e racional. pretensa grandeza que os ingleses atribuíam a si mesmos.
A fantasia de um combina-se com a razão do outro. A ágil O episódio da ilha flutuante é uma crítica violenta ao domí-
aventura do enredo presta-se ao desenvolvimento de um nio inglês sobre a Irlanda e ao pensamento científico des-
conjunto renovador de ideias e a um diagnóstico do mundo. vinculado de preocupações e fins sociais. Os cavalos repre-
sentam a valorização iluminista da razão.
Robinson Crusoe e Gulliver
Em Voltaire, Defoe ou Swift, a ficção mistura-se com
Se o recolhimento de Cândido ao individualismo exacer- o pensamento filosófico. Num mundo em turbulência,
bado é uma caricatura, outros personagens populares no como a Europa do século XVIII, escrever e ler eram gestos
princípio do século XVIII representavam um individualis- políticos fundamentais.
mo heroico.

O Iluminismo 77

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moradores deveriam arcar com a derrama, ou seja, uma
As reformas pombalinas outra taxação que deveria completar as 100 arrobas
Com amplos poderes, o Marquês de Pombal empreendeu fixadas pelo poder metropolitano e que seria cobrada de
em Protugal uma série de reformas, combinando os princí- acordo com as posses de cada habitante.
pios mercantilistas com orientações de caráter iluminista. Impopulares na Colônia, as novas orientações polí-
Pombal procurou estimular e fortalecer as ativida- tico-econômicas provocaram reações também na Metró-
des econômicas de setores da burguesia manufatureira pole. Tratava-se de uma luta política que se desenrola-
e mercantil portuguesa e limitar ao máximo o volume de va no interior do absolutismo português. Para enfrentar
importações da Inglaterra. Novas companhias de comér- a ideologia aristocrática, apegada a seus privilégios e
cio foram criadas na América: Grão-Pará e Maranhão, em parasitária em relação às atividades mercantis e indus-
1755, e Pernambuco e Paraíba, em 1759. No Norte, a cultu- triais, Pombal realizou reformas no ensino e, principal-
ra do algodão foi estimulada para atender às manufaturas mente, combateu a influência dos jesuítas na sociedade
têxteis inglesas que começavam a se desenvolver. portuguesa. Novos letrados, denominados pejorativa-
No Brasil, os mineradores da capitania de Minas mente pelos grupos conservadores de "estrangeirados",
tinham de pagar uma cota mínima de 100 arrobas de porque estariam influenciados pelas ideias francesas,
ouro anualmente para a Coroa portuguesa. Se a quinta cercaram a nova administração. Eram, sem dúvida,
parte da produção não atingisse tal volume, os demais indícios de novos tempos em Portugal.

ANÁLISE DE IMAGEMpintura

O marquês de Pombal Autoria: Louis-Michel van Loo

Material: Óleo sobre tela Atualmente exposto no Museu da Cidade, Palácio


Pimenta, Lisboa (Portugal).
Datação: 1766

1 Primeiro olhar: Em 1755, ocorreu um terremoto em Lisboa que destruiu grande parte da cidade.
O quadro retrata o marquês de Pombal como o responsável pela reconstrução da cidade. A ima-
gem reforça Portugal como uma monarquia ilustrada, administrada com planejamento científico.
MUSEU DA CIDADE DE LISBOA, PORTUGAL

2 O marquês.

O marquês aponta para o


3 fundo, apresentando uma
Lisboa completamente
reconstruída.

5 4
Estátua do rei d. José I. Em primeiro plano, os projetos da reconstrução.

78 Capítulo 2  Nem tudo que reluz é ouro

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A divisão política da América guiu as capitanias hereditárias em 1759, transferiu a
Portuguesa capital para o Rio de Janeiro em 1763 e elevou toda a
área colonial à categoria de Vice-Reino em 1774.
Desde a União Ibérica, a linha de Tordesilhas já não cor-
A divisão da América criava fronteiras políticas des-
respondia aos domínios luso-espanhóis e, com a mine-
ração brasileira, diversos núcleos populacionais situa- considerando as áreas ocupadas pelos diversos povos
ram-se para além de sua demarcação. Na prática, as indígenas. Desde o século XV, a conquista colonial euro-
missões religiosas serviam como referências fronteiri- peia promoveu o extermínio, a escravização e a fuga de
ças para as autoridades coloniais de ambas as Coroas. povos nativos para o coração do continente americano.
Desde o início do século XVIII, representantes das Dos cerca de 5 milhões de nativos, que viviam no terri-
duas monarquias negociavam a delimitação das frontei- tório que corresponde hoje ao Brasil, restaram menos de
OH_V2_C2_p78
ras coloniais, levando em consideração a posse efetiva 300 mil, e estes ainda lutam pela demarcação de suas
dos territórios e os limites naturais dessas áreas. terras. Em nome da civilização e do progresso, perspec-
Em disputa estavam as regiões amazônica e platina tivas tão características do pensamento ocidental a par-
e a presença das missões. Internamente, a administra- tir do século XVIII, promoveu-se uma brutal destruição
ção pombalinaOH_V2_C2_p78
também alterou o mapa do Brasil. Extin- dos povos indígenas. Até os dias atuais.
MÁRIO YOSHIDA

OS TRATADOS DE LIMITES

AMÉRICA
PORTUGUESA
OCEANO
ATLÂNTICO

OCEANO
PACÍFICO
AMÉRICA
AMÉRICA PORTUGUESA
OCEANO
ESPANHOLA ATLÂNTICO

OCEANO
PACÍFICO
Porto Alegre ESCALA
0 405 810 km
AMÉRICA
ESPANHOLA

Porto Alegre ESCALA


Principais conflitos (séc. XVIII) 0 405 810 km
Rebelião de Mandu Ladino
1723-1728

Guerra dos Manau


1723-1728

Ataques dos Guaikuru


1725-1744

Guerrilha fluvial dos


Principais Mura (séc. XVIII)
conflitos Tronco-linguístico
1701-1789 Aruak Tucano Outros grupos
Rebelião de Mandu Ladino Jê
1723-1728
Guerra Guaranítica Caribe Pano Tupi-Guarani Línguas não
classificadas
1753-1756 Chibchano Quechua
Guerra dos Manau
1723-1728
Fonte:Ataques
Elaborado
dos com base em CAMPOS, F. de; DOLHNIKOFF, M. Atlas História do Brasil. 3. ed. São Paulo: Scipione, 1994;
Guaikuru
RESENDE, M. E. Lage; MORAES, A. M. Atlas Histórico do Brasil. Belo Horizonte: Vigília, 1987.
1725-1744

Guerrilha fluvial dos Mura Tronco-linguístico


1701-1789 Tucano
79
Aruak Jê Outros grupos
Guerra Guaranítica Caribe Pano
O IluminismoLínguas não
Tupi-Guarani
classificadas
1753-1756 Chibchano Quechua

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OH_V2_C2_p80

MÁRIO YOSHIDA
DIVISÃO POLÍTICA DO VICE-REINO DO BRASIL (1774-1815)

CAPITANIA DO
SÃO JOSÉ DO Belém
RIO NEGRO São Luís CAPITANIA
CAPITANIA DO CEARÁ CAPITANIA DO
São José GERAL RIO GRANDE
do Rio Negro DO PARÁ CAPITANIA Fortaleza DO NORTE
GERAL DO
MARANHÃO Natal
Oeiras
CAPITANIA
CAPITANIA DA PARAÍBA
DO PIAUÍ E R NAMBUCO
E P
D
AL Recife
ER
CAPITANIA

G
A
DE SERGIPE

NI
CAPITANIA CAPITANIA

A
GERAL DE CAPITANIA GERAL São Cristóvão

PIT
MATO GROSSO GERAL DA BAHIA Salvador

CA
DE GOIÁS

Vila Real
Vila Boa
CAPITANIA
GERAL DE
MINAS GERAIS
CAPITANIA DO
ESPÍRITO SANTO
OCEANO Ouro Preto Vitória
CAPITANIA
PACÍFICO GERAL DE CAPITANIA GERAL
SÃO PAULO DO RIO DE JANEIRO
São Paulo Rio de Janeiro

CAPITANIA DE
SANTA CATARINA OCEANO
Vila do Desterro ATLÂNTICO
CAPITANIA DO
RIO GRANDE DE
SÃO PEDRO
Porto Alegre

ESCALA
Capitanias
0 465 930 km subordinadas

Fonte: Elaborado com base em CAMPOS, F. de; DOLHNIKOFF, M. Atlas História do Brasil. São Paulo: Scipione,
OH_U4_pag399b
1994; JOFFILY, B. (Org.). Isto É Brasil, 500 anos. Atlas histórico do Brasil. São Paulo: Ed. Três, 1998.

MÁRIO YOSHIDA
TERRAS INDÍGENAS NO BRASIL
RAPOSA/SERRA
DO SOL

TUMUCUMAQUE
YANOMAMI
WAIÃPI

ALTO DO
RIO NEGRO
UNEIUXI WAIMÍRI-
ATROARI AL
LTO
O
ALTO
TU AÇU
TURIAÇU
ANDIRÁ
MARAU

RIO-BIÁ ARARA
COATÁ ARAWETÉ ARARIBÓIA
VALE DO LARANJAL
JAVARI KANAMARI BAÚ

IPIXUNA
CAITITU MUNDURUKU KAYAPÓ
KRAOLÂNDIA
KULINA
XERENTE
MAMOABATE ARIPUANÃ
CAPOTO
URUEU-WAU-WAU JARINA ARAGUAIA

XINGU
NAMBIQUARA

OCEANO
ATLÂNTICO
OCEANO KADIWÉU
PACÍFICO

Terras indígenas
Áreas não representáveis nesta escala
Principais conflitos nos últimos anos
(Problemas com garimpeiros, fazendeiros,
políticos locais, madeireiros, posseiros e
sem terra)
RAPOSA/SERRA DO SOL - Terras indígenas ESCALA
A superfície total das terras indígenas hoje equivale 0 405 810 km
a 12,7% da área do Brasil

Fonte: Elaborado com base em dados do Instituto Socioambiental, 2009.

80 Capítulo 2  Nem tudo que reluz é ouro

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consideráveis na segunda metade do século XVIII. A
A extinção da Companhia longa transição do feudalismo para o capitalismo esta-
de Jesus va se encerrando em algumas partes da Europa, sobre-
tudo na Inglaterra, onde a sociedade industrial já come-
Pombal voltou-se contra a Companhia de Jesus, cuja
çava a despontar. Por isso, mesmo tentando diminuir a
influência na sociedade portuguesa era imensa na
participação dos britânicos no Império luso, as ações de
segunda metade do século XVIII. Na América, os jesuí-
Pombal não tinham como deter o avanço do Estado que
tas controlavam vastas áreas e as atividades econômicas
possuía a economia mais dinâmica da época, liderada
de milhares de índios em suas missões religiosas. Se, de
por um poderoso setor têxtil, capaz de lhe assegurar a
um lado, eles eram importantes para impedir o massa-
hegemonia internacional por mais de cem anos.
cre dos ameríndios, de outro, impediam sua plena inte-
Em Portugal, o poder pombalino não resistiu à
gração na economia colonial.
morte do rei d. José I, em 1777. Com o reinado de d.
Além disso, após o Tratado de Madri, em 1750, a
Maria I, conhecida anos mais tarde como Maria, a
região dos Sete Povos das Missões passara a integrar
Louca, setores conservadores promoveram a viradeira,
os domínios lusitanos. Nos anos seguintes, tropas por-
movimento político que destituiu o primeiro-ministro
tuguesas e espanholas enfrentaram os indígenas, que
e alterou várias de suas medidas político-econômicas.
foram auxiliados por jesuítas descontentes com os ter-
mos do tratado. O conflito, conhecido como Guerras

MICHAL MAÑAS/IGREJA NOSSA SENHORA DAS NEVES, OLOMOUC, REPÚBLICA TCHECA


Guaraníticas, terminou em 1757, com a destruição das
missões da região. Os jesuítas foram, então, acusados
de terem interesses particulares na América, contrários
aos da Coroa portuguesa. Ainda em 1757, Pombal decre-
tou o fim da escravidão dos indígenas no Maranhão e no
Grão-Pará, estendendo a medida para o Estado do Bra-
sil no ano seguinte. A administração das aldeias passou
às autoridades civis. Em 1759, por alvará régio, a Com-
panhia de Jesus foi extinta em Portugal, teve seus bens
confiscados e seus membros expulsos de todos os domí-
nios lusitanos. O Império português deixou, assim, ape-
nas de ser justificado por suas atribuições divinas. Não
era mais o Império de Deus pelos portugueses.
Apesar de todas essas iniciativas, a modernização
pombalina não foi capaz de alterar profundamente a Inácio de Loyola recebe do Papa Paulo III a aprovação dos
sorte de seu Império. Além das dificuldades internas, estatutos da Companhia de Jesus, Johann Christoph Handke.
o sistema econômico mundial apresentava mudanças Afresco, 1743. (detalhe)

Verificação de leitura 2 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 Qual foi a importância de Bacon, Descartes, Locke e 6 O monarca d. José I, que teve Pombal como seu
Newton para o Iluminismo? ministro, pode ser enquadrado como um déspota
→ DL/SP/CA/H4/H11/H14/H24/H27 esclarecido? Por quê? → DL/SP/CA/H8
2 Caracterize a proposta de tripartição do poder for- 7 Explique três medidas econômicas adotadas por
mulada por Montesquieu. → DL/SP/H11/H13 Pombal para controlar a economia colonial.
3 Por que é possível afirmar que os personagens → DL/SP/H7/H8/H12
Cândido, Robinson Crusoe e Gulliver representam 8 Os ataques de Pombal aos jesuítas eram motivados
alguns dos debates centrais do Iluminismo? por uma certa lógica política. Explique tal afirmação.
→ DL/CF/SP/CA/H1/H5/H11/H14/H23 → DL/SP/H7/H8/H9/H11
4 Identifique os objetivos da Enciclopédia e associe- 9 Entre os vários impostos instituídos por Pombal,
-os ao pensamento iluminista. → DL/SP/CA/H10/H12 estava a derrama. Como funcionava esse imposto?
5 Qual era, para Adam Smith, a importância do traba- → DL/SP/H7/H8/H12
lho e do mercado? → DL/SP/CA/H8/H11/H18

O Iluminismo 81

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Um Outro Olhar Biologia
QUE MEDICINA É ESTA?
"Pode-se dizer – como dizem alguns, em uma perspectiva aparecimento de uma doença epidêmica etc., e, finalmente,
que pensam ser política, mas que não é por não ser históri- emitir ordens em função dessas informações centralizadas.
ca – que a medicina moderna é individual porque penetrou Subordinação, portanto, da prática médica a um poder admi-
no interior das relações de mercado? Que a medicina moder- nistrativo superior. […]
na, na medida em que é ligada a uma economia capitalista, é A segunda direção no desenvolvimento de uma medi-
uma medicina individual, individualista, conhecendo unica- cina social é representada pelo exemplo da França, onde,
mente a relação de mercado do médico com o doente, igno- em fins do século XVIII, aparece uma medicina social que
rando a dimensão global, coletiva, da sociedade? […] não parece ter por suporte a estrutura do Estado, como na
Minha hipótese é que com o capitalismo não se deu Alemanha, mas um fenômeno inteiramente diferente: a
a passagem de uma medicina coletiva para uma medici- urbanização. É com o desenvolvimento das estruturas urba-
na privada, mas justamente o contrário: que o capitalis- nas que se desenvolve, na França, a medicina social. […].
mo, desenvolvendo-se em fins dos século XVIII e início do E isso por várias razões. Em primeiro lugar, certamente,
século XIX, socializou um primeiro objeto que foi o corpo por razões econômicas. Na medida em que a cidade se torna
enquanto força de produção, força de trabalho. O controle um importante lugar de mercado que unifica as relações
da sociedade sobre os indivíduos não se opera simplesmen- comerciais, não simplesmente no nível de uma região, mas
te pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo. Foi no nível de uma nação e mesmo internacional, a multiplicida-
no biológico, no somático, no corporal que, antes de tudo, de de jurisdição e de poder torna-se intolerável. A indústria
investiu a sociedade capitalista. O corpo é uma realidade nascente, o fato de que a cidade não é somente um lugar de
biopolítica. A medicina é uma estratégia biopolítica. […] mercado, mas um lugar de produção, faz com que se recorra
[No século XVIII] Tanto na Prússia quanto nos outros a mecanismos de regulação homogêneos e coerentes."
Estados alemães, ao nível do Ministério ou da administra- Michel Foucault. Microfísica do poder.
ção central, um departamento especializado é encarregado Rio de Janeiro: Graal, 1988. p. 79-80, 84-86.
de acumular as informações que os médicos transmitem, ver Michel Foucault (1926-1984), filósofo, historiador, crítico
como é realizado o esquadrinhamento médico da população, literário, desenvolveu trabalhos sobre o surgimento dos
verificar que tratamentos são dispensados, como se reage ao hospitais, a história da loucura e da sexualidade.
Faça
em se → conforme tabelas das páginas 8 e 9.
cadernu
o

1 "[...] um departamento especializado é encarregado de talista. O corpo é uma realidade biopolítica. A medici-
acumular as informações que os médicos transmitem, na é uma estratégia biopolítica". A afirmação do autor,
ver como é realizado o esquadrinhamento médico da relativa ao século XVIII, pode ser aplicada aos dias de
população, verificar que tratamentos são dispensados, hoje? Justifique. → DL/CF/SP/EP/H3/H8/H10/H11/H23/H24
como se reage ao aparecimento de uma doença epidê-
4 "Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos.
mica, etc., e, finalmente, emitir ordens em função des-
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
sas informações centralizadas". Como é possível rela-
Tosse, tosse, tosse.
cionar o funcionamento da medicina social nos reinos
germânicos com a lógica do Iluminismo? Mandou chamar o médico:
→ DL/CF/SP/CA/H8/H11/H14/H17/H19/H22 – Diga trinta e três.
– Trinta e três... trinta e três... trinta e três...
2 "Na medida em que a cidade se torna um importante – Respire.
lugar de mercado que unifica as relações comerciais,
– O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e
não simplesmente no nível de uma região, mas no nível
o pulmão direito infiltrado.
de uma nação e mesmo internacional, a multiplicidade
– Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
de jurisdição e de poder torna-se intolerável. A indústria
– Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino."
nascente, o fato de que a cidade não é somente um lugar
de mercado, mas um lugar de produção, faz com que se Manuel Bandeira. “Pneumotórax”. In: Estrela da vida inteira.
Poesias reunidas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1982. p. 97.
recorra a mecanismos de regulação homogêneos e coe-
rentes". Relacione a medicina social francesa com as Identifique e classifique, com seu(sua) professor(a)
preocupações do liberalismo. de Biologia, a doença citada no poema e discuta com
→ DL/CF/SP/CA/H8/H11/H14/H17/H19/H22 ele o irônico diálogo final entre médico e paciente.
→ DL/SP/EP/H3
3 "O controle da sociedade sobre os indivíduos não se
opera simplesmente pela ideologia, mas começa no 5 Explique, com a ajuda do(a) professor(a) de Biologia,
corpo, com o corpo. Foi no biológico, no somático, no a diferenciação, proposta pelo autor, entre “medicina
corporal que, antes de tudo, investiu a sociedade capi- individual” e “medicina social”. → DL/CF/SP/CA/H14

82 Capítulo 2  Nem tudo que reluz é ouro

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Engenho Arte
Engenho E Arte
Leitura complementar

No texto a seguir, o autor estabelece uma articulação vidos na Guerra dos Mascates, ocorrida em Pernambuco
entre o sentimento decorrente da luta dos pernambucanos entre 1711 e 1712. Leia-o com atenção e depois responda
contra os holandeses e a posição de um dos grupos envol- às questões propostas.

[Pernambuco e a Revolta dos Mascates]


"Muitos anos há – dizia um 'Manifesto a favor dos Guerra de Restauração (1645-1654), a ideia de pacto esta-
Mascates', enviado à Coroa por ocasião da crise de 1710 va contida em germe na afirmação de que a restauração
– […] que anda introduzida em Pernambuco uma propo- de Pernambuco fora o resultado exclusivo do esforço dos
sição temerária mas abusória: que os naturais daquela seus habitantes [...]."
conquista são vassalos desta Coroa mais políticos do que MELLO, E. C. de. Olinda restaurada.
naturais, por haverem restaurado seus pais e avós aque- Rio de Janeiro: Topbooks, 1998. p. 11, 73-82.
le Estado da tirânica potência de Holanda no tempo da
sempre felicíssima aclamação do Sereníssimo Senhor Rei Evaldo Cabral de Mello (1936-) foi embaixador do Brasil e é
d. João IV'. [...] [Existia] a vigência no Nordeste da ideia um dos mais renomados historiadores brasileiros. Especialista
de um pacto político entre os seus moradores e a Coroa em história do Nordeste e de Pernambuco, é autor de uma
portuguesa, a cuja sujeição eles haviam retornado volun- série de importantes estudos como O Norte agrário e o Império
tariamente [...]. Mesmo sem ter explicitada durante a (1871-1889), de 1984, e A Fronda dos Mazombos, de 1995.

Faça
em se → conforme tabelas das páginas 8 e 9.
cadernu
o

1 Aponte os grupos sociais envolvidos nesse conflito do expulsão dos holandeses. Que proposição é essa? Ela
século XVIII. → DL/SP é realmente abusiva com relação à história das lutas
contra os holandeses? Por quê? → DL/CF/SP/H7/H11/H13
2 Identifique as disputas político-econômicas envolvi-
das entre esses grupos. → DL/SP/H7/H11 4 A Guerra dos Mascates evidencia as tensões e os meca-
nismos do Antigo Sistema Colonial? Justifique.
3 O manifesto classifica como abusiva uma proposição
→ DL/SP/H7/H9/H11
corrente em Pernambuco àquela época, a respeito da

Faça
Mãos à Obra em se
cadernu
o

1 A ação dos paulistas na região mineradora foi extre- alguns efeitos na mesma Capitania, como são os panos
mamente importante. Um documento de 1783 retrata de algodão e açúcar e vão vender as minas, labutando
suas atividades nessa região: nesta forma todos naquilo a que se aplicam."
"[…] vivem de várias negociações: uns se limitam a ABREU, C. de. "Divertimento admirável". Apud ZEMELLA, M. P.
O abastecimento da capitania das Minas Gerais
negócios mercantis, indo à cidade do Rio de Janeiro no século XVIII. São Paulo: Hucitec/Edusp, 1990. p. 61.
buscar as fazendas para nela venderem; outros da a) Qual é a principal atividade dos paulistas descrita
extravagância de seus ofícios; outros vão a Viamão bus- nesse documento? → DL/CF/SP/H1/H11
car tropas de animais cavalares ou vacuns para vende-
b) Pode-se afirmar que a integração de várias áreas
rem não só aos moradores da mesma cidade, como tam- coloniais deveu-se à iniciativa dos paulistas e
bém aos andantes de Minas Gerais e exercitam o mesmo tinha como principal motivação a busca de gló-
negócio vindo comprar os animais em São Paulo para rias e uma disposição heroica desses homens?
ir vender a Minas Gerais e outros, finalmente, compram Justifique sua resposta. → DL/CF/SP/CA/H1/H11

Engenho e Arte 83

OH_V2_Book.indb 83 13/05/16 12:05


2 Quando se cultua a atuação dos bandeirantes, há que em dizer que é cristão, e não obstante o haver-
uma série de preconceitos culturais e raciais que são -se casado de pouco, lhe assistem sete índias concu-
difundidos e acabam formando muitos dos valores de binas, e daqui se pode inferir como procede no mais;
nossa sociedade. tendo sido a sua vida, desde que teve uso da razão –
a) A partir da imagem abaixo, descreva as caracte- se é que a teve, porque, se assim foi, de sorte a per-
rísticas raciais, culturais e comportamentais que deu que entendo a não achará com facilidade –, até o
o pintor exaltou em Domingos Jorge Velho, fazen- presente, andar metido pelos matos à caça de índios,
do um paralelo com os elementos do quadro que e de índias, estas para o exercício das suas torpeças,
justifiquem sua observação. → DL/SP/H1 e aqueles para os granjeios dos seus interesses."
Apud CARNEIRO, E. O quilombo dos Palmares.

MUSEU PAULISTA, SÃO PAULO, BRASIL


São Paulo: Brasiliense, 1947. p. 134-135.

Este trecho de uma carta do bispo de Pernambuco ao


rei descreve, em 1697, Domingos Jorge Velho, mestre
de campo das operações contra Palmares.
a) Que aspectos do paulista são criticados pelo
bispo? → DL/SP/H1/H11
b) Monte um quadro, como o do modelo abaixo, e
faça uma lista desses aspectos, ordenando-os em
colunas. → DL/SP/H1/H11
morais culturais econômicos/sociais
c) É possível perceber a posição do bispo dian-
te da questão da escravidão nesse documento?
Justifique sua resposta. → DL/SP/H1/H11
d) Que tipo de tensão social existia entre parte do
clero colonial e os paulistas? → DL/SP/H9/H11
e) Em que aspectos a visão do bispo sobre Domingos
Jorge Velho diferencia-se da visão do pintor
Domingos Jorge Velho, Benedito Calixto.
Óleo sobre tela, 1923.
Benedito Calixto? → DL/SP/H1/H4/H14
f) A exaltação da memória dos bandeirantes tem
características raciais elementos do quadro implicações no comportamento social e cultu-
características ral da sociedade brasileira nos dias de hoje?
elementos do quadro
culturais Justifique. → DL/CF/SP/CA/H2/H3/H11
características 4 (Unicamp-SP) Em 1770, um
elementos do quadro
comportamentais advogado chamado Séguier
Erigir: instituir, con-
comentava, a propósito de siderar.
b) Compare agora o tipo racial apresentado na ima-
um movimento do século Preceptores: mestres,
gem com o que dominava entre os paulistas do
XVIII: "Os filósofos se eri- mentores.
período colonial. Que tipo de preconceito acaba
giram como preceptores do
sendo difundido na representação de Calixto?
gênero humano. Liberdade
→ DL/CF/SP/CA/H1/H11 de pensar, eis seu brado, e esse brado se propagou
c) A imagem heroica com que os paulistas são repre- de uma extremidade à outra do mundo. Com uma das
sentados em nossos monumentos e pinturas é mãos tentaram abalar o trono; com a outra, quiseram
uma forma de minimizar suas ações escravistas? derrubar os altares."
Justifique sua resposta. → DL/CF/SP/CA/H1/H11/H21 a) Identifique o movimento ao qual Séguier se refere.
3 "Este homem é um dos maio- → DL/CF/H1/H2/H11
Língua: intérprete que
res selvagens com que tenho auxiliava na comunica- b) Que características desse movimento podem ser
topado: quando se avis- ção entre indígenas e retiradas do texto acima? → DL/CF/H1/H2/H11/H13
tou comigo trouxe consigo portugueses.
língua, porque nem falar Granjeio: trabalho rea- 5 (UERJ) "[...] Minuciosas até o exagero são as descrições
sabe, nem se diferencia do
lizado com o objetivo das operações manuais de Robinson: como ele escava a
de receber vantagens e
mais bárbaro tapuia mais casa na rocha, cerca-a com uma paliçada, constrói um
comodidades.
barco [...] aprende a modelar e a cozer vasos e tijolos.

84 Capítulo 2  Nem tudo que reluz é ouro

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Por esse empenho e prazer em descrever as técnicas ao Império português, a um outro padre em Roma.
de Robinson, Defoe chegou até nós como o poeta da Nessa carta você deve:
paciente luta do homem com a matéria, da humildade a) designar o lugar de onde você está escrevendo e
e grandeza do fazer, da alegria de ver nascer as coisas colocar a data;
de nossas mãos. [...] A conduta de Defoe é, em Crusoé b) citar o destinatário da carta e discriminar suas
[...], bastante similar à do homem de negócios respei- qualidades pessoais e espirituais;
tador das normas que na hora do culto vai à igreja e
c) fazer todas as críticas que um jesuíta deveria ter
bate no peito, e logo se apressa em sair para não per-
contra Pombal, contando tudo o que presenciou
der tempo no trabalho."
e ainda aquilo que lhe chegou por testemunhos
CALVINO, Í. Por que ler os clássicos. indiretos;
São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
d) explicar por que Portugal foi considerado o reino
Daniel Defoe, no romance Robinson Crusoé, deixa escolhido por Deus para ser seu império na Terra
transparecer a influência que as ideias liberais pas- e por que, com as mudanças implementadas por
saram a exercer sobre o comportamento de parcela Pombal no século XVIII, o país deixou de ser esse
da sociedade europeia ainda no século XVIII. reino escolhido;
e) responder às críticas que se faziam aos jesuítas e
Com base no fragmento citado, identifique um
salientar o papel destes no estabelecimento desse
ideal liberal expresso nas ações do personagem
império cristão;
Robinson Crusoé. Em seguida, explicite como esse
ideal se opunha à organização da sociedade do f) referir-se aos castigos que Deus poderia aplicar
aos portugueses como já o fizera com os judeus.
Antigo Regime. → DL/SP/CA/H1/H11/H13
6 (Fuvest-SP) Examinando as mudanças que marca- → DL/CF/SP/H7/H8/H11/H21
ram a passagem do século XVII para o XVIII, o histo- 8 (Unicamp-SP) "Todo o poder vem de Deus. Os gover-
riador francês Paul Hazard disse que os novos filó- nantes, pois, agem como ministros de Deus e seus
sofos tentaram substituir uma civilização baseada representantes na terra. Consequentemente, o trono
na "ideia de dever" por uma civilização baseada na real não é o trono de um homem, mas o trono do pró-
"ideia de direito". prio Deus."
Com base nas afirmações acima, e utilizando seus BOSSUET, Jacques. Política tirada
das palavras da Sagrada Escritura, 1709.
conhecimentos de História, explique o que o autor
quer dizer com "[...] que seja prefixada à Constituição uma declaração
a) "ideia de dever"? → DL/CF/SP/CA/H1/H2/H11 de que todo o poder é originalmente concedido ao povo
b) civilização baseada na "ideia de direito"? e, consequentemente, emanou do povo."
→ DL/CF/SP/CA/H1/H2/H11
Emenda Constitucional proposta por Madison
7 A arte de escrever cartas era uma das imposições em 8 de junho de 1789.
da vida da corte na Idade Moderna. Os letrados e a) Explique a concepção de Estado em cada um dos
funcionários dos diversos impérios coloniais tinham textos. → DL/SP/H1/H2/H4/H9
obrigação de prestar contas de sua administração e
b) Qual a relação entre indivíduo e Estado em cada
informar os principais acontecimentos às autorida-
um dos textos? → DL/SP/H1/H2/H4/H9
des superiores e, às vezes, aos monarcas. Mas, pelos
oceanos, em viagens que poderiam demorar meses, 9 (Unesp) Ao final da Época Moderna, a civilização
também circulavam cartas entre amigos e até mesmo europeia expandia e se transformava. A ação coleti-
cartas de amor. va da salvação começou a ser suplantada pela busca
da felicidade individual. Nova concepção acerca do
Imagine que você é um jesuíta sobrevivente dos Sete
mundo repercutia em vários setores do conhecimen-
Povos das Missões e está absolutamente indignado
to. A partir deste contexto, demonstre que a burguesia
com as medidas tomadas pela Coroa portuguesa
já podia encontrar a expressão de suas necessidades
(Tratado de Madri, ofensivas de tropas luso-espa-
e aspirações nas páginas do livro Investigações sobre
nholas contra os indígenas, administração pom-
balina, expulsão dos jesuítas). Você foi expulso do a natureza e as causas da riqueza das nações (1776),
escrito pelo escocês Adam Smith.
Brasil e escreve, de algum lugar não pertencente
→ DL/CF/SP/CA/H1/H13

Engenho e Arte 85

OH_V2_Book.indb 85 13/05/16 12:05


10 (Fuvest-SP) "Quando na mesma pessoa, ou no mesmo o de fazer as leis, o de ordenar a execução das reso-
corpo de magistrados, o poder legislativo se junta ao luções públicas e o de julgar os crimes e os conflitos
executivo, desaparece a liberdade [...] Não há liberda- dos cidadãos."
de se o poder judiciário não está separado do legislati-
MONTESQUIEU. Do espírito das leis, 1748.
vo e do executivo [...]
a) Qual o tema do texto? → DL/SP/H1
Se o judiciário se unisse com o executivo, o juiz pode-
b) Explique o contexto histórico em que foi produzido.
ria ter a força de um opressor. E tudo estaria perdido
se a mesma pessoa ou o mesmo corpo de nobres, de → DL/CF/SP/H1/H9
notáveis, ou de populares, exercesse os três poderes:

Faça
Em Cartaz em se
cadernu
o

• Releia os itens As mulheres e o Iluminismo (p. 75)


O amante da rainha e Os direitos da mulher (p. 75). Identifique como
Diretor: Nicolaj Arcel os iluministas encaravam o papel e a posição das
DIVULGAÇÃO

País: D
 inamarca, Suécia, mulheres na sociedade e na política.
República Tcheca • Releia o item O despotismo esclarecido (p. 76) e
Ano: 2012
defina o conceito de despotismo esclarecido.

Câmera
Faça anotações durante a exibição do filme, concentran-
Filme de época, que narra um escândalo sexual ocor- do-se nos seguintes temas e questões:
rido na corte dinamarquesa, na segunda metade do sécu- • Os três principais personagens (Cristiano VII,
lo XVII, durante o reinado de Cristiano VII. A rainha Carolina Matilde e Johann Struensee) passam por
Carolina Matilde inicia um romance com o médico da transformações ao longo do filme? Compare a
corte Johann Struensee. As turbulências afetivas que maneira como eles são representados no início e
envolvem o trio são acompanhadas por debates e pro- identifique as mutações que sofrem.
postas políticas e sociais. Struensee é leitor e defensor • Que princípios do Iluminismo são mencionados no
das ideias iluministas e aproveita a proximidade com o filme? Compare as ideias de Johann Struensee com
monarca, torna-se seu conselheiro e, aliado à rainha e as dos pensadores que estudou.
amante, estimula a realização de um conjunto de refor-
mas liberais.
Ação
1 Analise a relação entre o monarca e o médico. Qual
Luzes deles demonstra maior força e poder? Justifique.
Retome as instruções para análise de filmes, apresenta- 2 Existem resistências às reformas propostas pelo
das nos Procedimentos metodológicos (página 10). médico? Que setores da sociedade dinamarquesa as
Antes de analisar o filme, é necessário retomar infor- apoiam e quais as rejeitam?
mações e conceitos contidos no capítulo.
3 De que maneira a educação recebida pela rainha
• Releia os itens A ciência e a Ilustração (p. 71) e
Carolina Matilde contribuiu para que ela valorizasse
Uma revolução cultural (p. 73). Estabeleça as rela-
os princípios do iluminismo?
ções entre o desenvolvimento científico e as ideias
ilustradas. → DL/CF/H1/H15

Estante • FORTES, Luiz Roberto Salinas. O Iluminismo e os reis filósofos. São Paulo: Brasiliense, 1985.

86 Capítulo 2  Nem tudo que reluz é ouro

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1 (UFMG) Leia este trecho: "De acordo com um 2 (FGV-SP) "[...] assistimos no final do século
documento de 1781, era a Capitania de Minas XVII, após a descoberta das minas, não a uma
Gerais povoada 'de mineiros, negociantes e ofi- nova configuração da vila nem à ruptura brusca
ciais de diferentes ofícios'. Os mineiros eram os com o padrão anterior, ao contrário, à consoli-
que davam maior lucro à Coroa, em razão dos dação de todo um processo de expansão econô-
quintos, mas eram os 'mais pensionados, pelas mica, de mercantilização e de concentração de
Radar
grandes despesas que fazem em escravos, ferro, poder nas mãos de uma elite local. A articula-
aço, pólvora e madeiras, tudo indispensável ção com o núcleo mineratório dinamizará este
para a laboração de suas feitorias'. Os roceiros quadro mas não será, de forma alguma, respon-
e fazendeiros ocupavam-se das suas culturas e sável por sua existência."
da criação de gado, pagando dízimo de sua pro- BLAJ, Ilana. A trama das tensões.
dução. Os negociantes, por sua vez, eram 'utilís- São Paulo: Humanitas, 2002. p. 125.
simos', deles redundando a 'S. Majestade a utili-
O texto acima refere-se:
dade do contrato das entradas'. Finalmente, 'os
mais povos das minas se ocupa cada um no exer- a) À vila de São Luís e ao seu papel de núcleo
cício que têm, e dão a Sua Majestade a utilida- articulador entre a economia exportadora
de conforme o uso de seu viver, ainda que haja e o mercado interno colonial.
muitos vadios, e pela sua vadiação, chegam a b) À vila de São Paulo, cuja integração a uma
ser facinorosos e homicidas, o que não acontece- economia de mercado teria ocorrido antes
ria se houvesse modo de os reprimir e conservar da descoberta dos metais preciosos.
Faça
em se debaixo de uma rigorosa sujeição, porém, como c) À vila de Ouro Preto, importante centro
cadernu
o nas minas têm os seus habitantes a liberdade de agrícola e pecuarista encravado no inte-
→ conforme darem de comer a todos aqueles, que às horas o rior da América Portuguesa.
tabelas das procuram, dão assim causa a muitas desordens'.' d) À vila de Cuiabá, principal entreposto de
páginas 8 e 9. "Descrição geographica, topographica, histórica tropeiros e comerciantes que percorriam
e política da Capitania de Minas Geraes". Revista as precárias rotas do Centro-Sul.
do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 71,
e) À vila de Mariana, importante centro distri-
Tá na rede! 1908. p. 190. (adaptado)
buidor de indígenas apresados pelos ban-
QUESTÕES A partir das informações contidas nesse tre- deirantes.
DE ENEM cho de documento, é correto afirmar que: → DL/SP/H9/H11/H21
Digite o endereço a) os roceiros e fazendeiros, ocupados com
3 (PUC-SP) Segundo o historiador Eric Hobs-
abaixo na barra suas terras de plantar e de criar, eram
bawm, para o liberalismo clássico o homem
do navegador de isentos do pagamento de impostos, o que
era um animal social apenas na medida em que
internet: http://goo. lhes possibilitava um lucro maior que o dos
gl/xog0Jb. Você coexistia em grande número. Por isso, conside-
mineradores.
pode também tirar ra que o símbolo literário do "homem" dessa
uma foto com um b) os segmentos da sociedade mineira dedi- corrente de pensamento foi Robinson Crusoé,
aplicativo de QrCode cados a outros negócios e ofícios, além dos que conseguiu, após um naufrágio, viver quase
para saber mais sobre de minerar, plantar e criar, não geravam três décadas numa ilha deserta, criando, sozi-
o assunto. Acesso em: riquezas para Portugal, porque não paga- nho, as condições de sua sobrevivência.
4 abr. 2016. vam os direitos de entrada na Capitania.
Em consonância com esse perfil, o pensamen-
c) os vadios, que tendiam, em razão do seu
to liberal pressupõe:
ócio, a se tornar malfeitores, eram perse-
a) a crença no progresso, que deveria asse-
guidos pela população e duramente repri-
gurar, através da intervenção governamen-
midos pelas autoridades, que temiam a
tal na atividade econômica, a felicidade
generalização das desordens nos núcleos
e o conforto ao maior número possível
urbanos.
de pessoas.
d) os mineradores, responsáveis por grandes
Página dedicada a b) a crença no racionalismo, na livre ini-
questões já aplica- investimentos na atividade de extração do
ciativa e no progresso, daí decorrendo a
das em provas do ouro, eram aqueles que, por meio do paga-
ENEM. Busque exer- necessidade de manter a menor interfe-
mento do quinto, mais contribuíam para o
cícios sobre os temas rência governamental possível na ativida-
desenvolvidos neste enriquecimento do Real Erário.
capítulo. de econômica.
→ DL/SP/H7/H8/H11

Radar 87

OH_V2_Book.indb 87 13/05/16 12:05


c) a crença de que o bem-estar social seria assegu- 6 (Fuvest-SP) Sobre o chamado despotismo esclarecido
rado pelo respeito aos costumes tradicionalmente é correto afirmar que:
aceitos e estabelecidos.
a) foi um fenômeno comum a todas as monarquias
d) a ideia de que a sociedade seria formada por uma europeias, tendo por característica a utilização
teia de relações, tornando necessário ao homem dos princípios do Iluminismo.
agir em função dos seus semelhantes.
b) foram os déspotas esclarecidos os responsáveis
e) a ideia de que só um governo centralizado e forte pela sustentação e difusão das ideias iluministas
poderia assegurar a liberdade econômica e a elaboradas pelos filósofos da época.
obtenção dos objetivos individuais.
c) foi uma tentativa bem-intencionada, embora fra-
→ DL/SP/H9 cassada, das monarquias europeias reformarem
4 (Unesp) Adam Smith, autor de A riqueza das nações estruturalmente seus Estados.
(1776), referindo-se à produção e à aquisição de d) foram os burgueses europeus que convenceram
riquezas, observou: os reis a adotarem o programa de modernização
proposto pelos filósofos iluministas.
"Não é com o ouro ou a prata, mas com o trabalho que
toda a riqueza do mundo foi provida na origem, e seu e) foi uma tentativa, mais ou menos bem-sucedida,
de algumas monarquias reformarem, sem alterá-
valor, para aqueles que a possuem e desejam trocá-la
-las, as estruturas vigentes.
por novos produtos, é precisamente igual à quantidade
de trabalho que permite alguém adquirir ou dominar". → DL/SP/H8
7 (UFPB) O Iluminismo, corrente de pensamento nas-
Os pontos de vista de Adam Smith opõem-se às
cida na Europa ocidental do século XVIII, fundamen-
concepções
tou uma nova organização política, social e econômi-
a) mercantilistas, que foram aplicadas pelos diver- ca, que inaugurou a chamada Idade Contemporânea.
sos estados absolutistas europeus.
b) monetaristas, que acompanharam historicamente Sobre essa corrente de pensamento, é correto afir-
as economias globalizadas. mar que
a) defendeu uma teocracia, supremacia do poder
c) socialistas, que criticaram a submissão dos traba-
divino nos governos, e uma teologia universalis-
lhadores aos donos do capital.
ta, Deus como fundamento e explicação de tudo
d) industrialistas, que consideraram as máquinas o na sociedade e na natureza.
fator de criação de riquezas.
b) professou uma crença na Razão humana, associa-
e) liberais, que minimizaram a importância da mão da a uma teologia para a explicação da sociedade,
de obra na produção de bens. mas não da natureza, que só podia ser compreen-
→ DL/SP/H1/H8 dida pela Razão humana.
5 (UFMG) A administração pombalina caracterizou-se c) propagou os ideais da Razão humana como o fun-
pela combinação do racionalismo da Ilustração com damento de todo conhecimento do mundo natural
os interesses do absolutismo. Todas as alternativas e social, na luta contra o domínio da Igreja e do
apresentam medidas da administração pombalina no poder divino dos reis.
Brasil, exceto: d) significou a primeira grande crítica ao eurocen-
a) a criação das Companhias Gerais e Privilegiadas trismo por estabelecer ideais racionalistas, uni-
de Comércio do Norte e Nordeste do país. versalistas e cosmopolitas em diálogo com as
culturas não europeias.
b) a expulsão dos jesuítas do Brasil e a introdução
do ensino promovido pelo Estado. e) estabeleceu o relativismo da verdade em contra-
posição ao absolutismo das monarquias divinas,
c) a melhoria do sistema de arrecadação de tributos
o que fundamentou a Declaração dos Direitos do
e a coibição do contrabando nas Minas.
Homem.
d) a proibição da política de integração dos índios à
civilização portuguesa por meio de casamentos. → DL/CF/H11/H13/H22

→ DL/SP/H7/H8

88 Capítulo 2  Nem tudo que reluz é ouro

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Capítulo

10
3 Na velocidade
das luzes
DE OLHO nos

A
celeração. Tecnologia. Produtividade. Ruptura. Revolução. O Conceitos
mundo tornou-se mais rápido na passagem do século XVIII
para o XIX. Transformações em curso desde o século XV • Federalismo
foram aceleradas pela Independência dos Estados Unidos, pela • Democracia
Revolução Francesa e pela Revolução Industrial, completando a • Estados-Gerais
transição do feudalismo para o capitalismo e favorecendo o apareci-
mento da sociedade burguesa, na qual vivemos ainda hoje. • Liberalismo político
Após séculos de domínio do vida social, questionava-se a legitimi- • Governo
representativo
mundo rural e agrícola sobre as cida- dade dos Estados e impérios coloniais
des e as atividades artesanais, o em se apropriarem, por meio de taxas • Bloqueio Continental
mundo ocidental presenciou o sur-
gimento da indústria. A busca de
e impostos, de parte das riquezas pro-
duzidas. Estavam em causa a liberda- • Sistema fabril
mecanizado
novas tecnologias, o desenvolvimen- de da produção burguesa, a liberdade
to de novas formas de organização do controle da burguesia sobre a clas- • Revolução Industrial
do trabalho, a intensa utilização do
trabalhador assalariado e o controle
se operária, a livre circulação de mer-
cadorias, a relação entre cidadãos e • Acumulação primitiva
de capitais
do capital sobre a produção concreti- seus respectivos Estados e das antigas
zaram a máxima "tempo é dinheiro", colônias e suas metrópoles. • Encolhimento
acelerando o ritmo de vida das socie- A tributação não era o único do mundo
dades europeias.
Na mesma velocidade com que
motivo de divergência entre aristo-
cratas e burgueses e trabalhadores ou • Socialismo
circulavam e eram produzidas as entre colonizadores e colonos, mas
mercadorias, novas ideias cruzavam simbolizava o poder dos primeiros CHRISTOPHER PASATIERI/REUTERS/LATINSTOCK

o Atlântico e alimentavam, na Amé- e exauria os demais. Diferentemen-


rica e na Europa, diversos movimen- te do que acontece hoje, quando as
tos revolucionários contestadores da cobranças de impostos alcançam, em
ordem vigente. Entre as novas pala- menor ou maior grau, toda a popula-
vras e lemas que passaram a fazer ção, até o século XIX, elas atingiam
parte do vocabulário das socieda- apenas os destituídos de privilégios.
des, o termo liberdade foi repetido Não por acaso, contestações a cobran-
à exaustão, entoado como uma espé- ças de impostos estiveram presen-
cie de hino da nova era. No entanto, tes, na Europa, durante a Revolução
variava de significado e alcance de Inglesa e a Revolução Francesa. Nas
acordo com o ritmo das composições lutas pela independência na Améri-
e dos arranjos que os diversos gru- ca de colonização inglesa, espanhola
Anel de vapor em torno do avião
pos sociais em luta eram capazes de ou portuguesa, a questão fiscal tam-
F/A – 18F Super Hornet ao quebrar
estabelecer. bém esteve em primeiro plano e con- a barreira do som, Christopher
Ao mesmo tempo em que o capi- tribuiu para acirrar as tensões políti- Pasatieri. Syracuse, Nova York,
talismo passava a reger o compasso da cas e sociais. Estados Unidos, 23 de maio de 2009.

89

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1 O nascimento
dos Estados Unidos

O
s conflitos por que a Inglaterra passou no século XVII afetaram dire-
tamente a colonização dos Estados Unidos. As perseguições políticas
e religiosas, durante as revoluções Puritana e Gloriosa, provocaram
a fuga de católicos e puritanos para a América. Também o forte crescimento
populacional inglês e os cercamentos nos campos alimentavam, em muitos
ingleses, a disposição de enfrentar os riscos da travessia oceânica e da vida
numa terra nova e desconhecida.

As 13 Colônias
Os primeiros esforços britânicos de ocupação da América ocorreram ainda
no século XVI, por meio da ação de corsários que, apoiados pela Coroa, ten-
tavam estabelecer colônias no novo continente. Essas empreitadas, porém,
◀ ANOS

A FORMAÇÃO dos
estados unidos quase sempre fracassaram e a efetiva presença inglesa nas terras dos futuros
Estados Unidos só se ampliou no decorrer do século XVII. A Coroa autoriza-
Fundação de 1607
Jamestown (Virgínia), ▾ va as companhias de comércio a estimular e organizar a viagem de ingleses
primeiro assentamento para o Novo Mundo. Em alguns casos, as autoridades aproveitavam a situa-
permanente na América.
ção e esvaziavam prisões, embarcando detentos à força em navios que ruma-
1608
Presença francesa em Quebec. ▾ vam para a América.
O Estado inglês, no entanto, não determinou um modelo de ocupação
Núcleos de povoação 1620
na Nova Inglaterra. ▾ das terras, nem a coordenou diretamente. A colonização inglesa da América
do Norte desenvolveu-se sobretudo a partir da iniciativa individual dos via-
Conflitos entre colonos 1756
franceses e ingleses na região ▾ jantes, que, até a metade do século XVIII, se concentraram na costa atlân-
do Canadá desencadeiam a
Guerra dos Sete Anos.
tica do continente. A primeira colônia foi a Virgínia, criada em 1607, ao
sul dessa faixa litorânea. A ocupação efetiva, porém, iniciou-se treze anos
1764
Lei do Açúcar. ▾ depois, com a fundação do povoado de Plymouth, mais ao norte, onde se
estabeleceram os puritanos que vieram no navio Mayflower. A colonização
1765
Lei do Selo. ▾ irradiou-se a partir desses dois pontos – Virgínia e Plymouth.
Nas áreas mais ao Norte, que passaram a ser chamadas de Nova Ingla-
Festa do Chá. 1773
Grupo de colonos jogam ▾ terra, prevaleceu a diversificação da economia: caça, pesca, extração de
carregamento de chá no mar. madeiras, agricultura, pecuária, atividades comerciais e alguma manufatu-
Publicação das leis intoleráveis.
ra. Portos foram abertos, aproveitando a facilidade de navegação na região,
Primeiro Congresso 1774 e a vida urbana prevalecia. A mão de obra empregada era sobretudo livre e
Continental na Filadélfia. ▾
assalariada. Os habitantes locais comercializavam tecidos e alimentos com
Início da Guerra 1775 as colônias do Sul e não respeitavam os princípios do pacto colonial, estabe-
de Independência. ▾
lecendo contato com possessões espanholas ou francesas nas Antilhas. Lá
Publicada a Declaração 1776 eles vendiam seus produtos e compravam rum ou melaço.
de Independência. ▾
As comunidades que viviam na Nova Inglaterra eram regidas por severos
Fim da Guerra 1783 padrões morais, definidos pelos puritanos que lá se estabeleceram. A Igreja
de Independência. ▾
constituía o centro da vida social e a participação das pessoas nas atividades
Constituição dos 1787 religiosas definia seu efetivo pertencimento ao grupo. A ética do trabalho e o
Estados Unidos da América. ▾
princípio da boa administração dos bens de Deus na Terra, marcas do purita-
nismo, também orientavam o cotidiano e as decisões dos colonos.

90 Capítulo 3  Na velocidade das luzes

OH_V2_Book.indb 90 13/05/16 12:06


Nas colônias do Sul, o panorama era bastante
diferente. Havia população menor, as cidades eram A Guerra dos Sete Anos
poucas e inexpressivas, a atividade econômica con- (1756-1763)
centrava-se no campo. Grandes propriedades rurais A presença francesa na América do Norte avançou
adotavam o modelo de plantation , com produção gradualmente. No início, os franceses ocuparam parte
extensiva e emprego de mão de obra predominante- do atual Canadá e tentaram, sem sucesso, estabelecer-
mente escrava. se na Flórida, região de colonização espanhola. No final
O principal mercado para algodão, anil, arroz e do século XVII, grupos de franceses avançaram do Cana-
tabaco que saíam dessas terras era a metrópole, onde dá em direção à foz do rio Mississipi, no Sul, e navega-
as mercadorias chegavam pelas mãos das companhias ram por seus afluentes. Lá fundaram a colônia da Lui-
de comércio inglesas. A grande população escrava e siana, batizada assim em homenagem ao rei Luís.
o controle estrito que os senhores de terras exerciam Além de territorialmente grande, a Luisiana tinha
sobre ela explicitavam a desigualdade e agravavam a localização estratégica: ela ligava as áreas francesas do
tensão social. Canadá ao Golfo do México, fazia fronteira com a colo-
Um terceiro grupo de colônias localizava-se no nização espanhola do México (na altura do atual esta-
meio do caminho entre as áreas do Norte e as do Sul. do estadunidense do Texas) e continha a expansão das
Sua ocupação e as atividades econômicas assemelha- colônias inglesas para o Oeste.
vam-se mais ao que ocorria no Norte, com predomínio Os colonos ingleses, mais numerosos (cerca de 1,5
de comércio, pecuária e manufatura. milhão ante pouco mais de 50 mil franceses), recorreram
A população era diversificada: além de colonos ao apoio da metrópole e iniciaram uma guerra contra os
ingleses, havia holandeses, suecos e alguns alemães. franceses e os povos indígenas, sobretudo cherokees e iro-
Essa heterogeneidade garantia maior tolerância reli- queses, que viviam a oeste das treze colônias. A disputa
giosa e permitiu o convívio de puritanos, católicos
OH_U5_pag428 provocou a Guerra dos Sete Anos, que se encerrou com a
e judeus. vitória inglesa. Os ingleses abriram, dessa forma, o cami-
nho em direção ao oeste e ocuparam parte do Canadá.
MÁRIO YOSHIDA

AS 13 COLÔNIAS NA AMÉRICA DO NORTE


Os custos da guerra
Quebec
NOVA
ESCÓCIA Após a vitória sobre a França e os nativos, a Inglaterra
Lago
Superior
aumentou os impostos cobrados aos colonos. O objeti-
Montreal
vo era compensar os gastos com a guerra. A Coroa bri-
Lago
Huron Lago
Ontário Boston tânica tentou, também, ampliar o controle direto sobre
Lago hurones
Michigan Lago Nova York
as colônias e assegurar o respeito ao pacto colonial. Os
comanches Erie
Filadélfia colonos reagiram, principalmente no Norte, e encararam
iroqueses Baltimore
as novas medidas da metrópole como ameaças à autono-
sioux
TERRITÓRIO mia política e econômica de que desfrutavam.
Saint Louis INDÍGENA Yorktown
Em 1765, a Inglaterra emitiu a Lei do Selo, que deter-
LUISIANA
OCEANO minava que todo impresso que circulasse na colônia con-
cherokees ATLÂNTICO
Charleston
tivesse um selo vendido pela metrópole. Colonos destruí-
Savannah
nah ram postos de venda dos selos e agrediram os fiscais que
FLÓRIDA
OCIDENTAL deviam controlar a aplicação da lei. Por meio de negocia-
NOVA
ESPANHA Nova Orleans
FLÓRIDA ções, conseguiram que o Parlamento inglês abrisse mão de
ORIENTAL
alguns dos tributos – a própria Lei do Selo foi revogada.
Golfo do México A tensão, porém, persistia. A metrópole insistia na
Território francês
cobrança de outros impostos e na imposição do mono-
Território espanhol pólio comercial da Companhia das Índias Ocidentais.
Fronteira das 13 colônias 1763
ESCALA
Rejeitava, também, a exigência dos colonos de que tives-
Direção da conquista
sioux Povos 0 580 1160 km sem representação no Parlamento inglês ou que as deci-
Fonte: Elaborado com base em FRANK, A. K. The Routledge historical atlas of
sões de suas assembleias locais fossem respeitadas. Na
América. New York: Routledge, 1999. década de 1770, ganhou força o lema "No taxation without

O nascimento dos Estados Unidos 91

OH_V2_Book.indb 91 13/05/16 12:06


representation" ("Nenhuma taxação sem representa- as reuniões para debater as relações com a Inglaterra.
ção"), que aludia justamente à relação entre representa- O primeiro Congresso Continental da Filadélfia reali-
ção política e tributação. zou-se em 1774 e teve a participação de representan-
No porto de Boston, na noite de 16 de dezembro de tes de doze colônias – faltou apenas a Geórgia. As dis-
1773, ocorreu um dos episódios mais marcantes do agra- cussões privilegiaram as estratégias de negociação com
vamento das relações: um grupo de colonos, disfarçados a metrópole e expressaram repúdio às leis intoleráveis.
de indígenas, penetrou em embarcações da Companhia Paralelamente, organizavam-se milícias armadas para
das Índias e despejou a carga de chá no mar. O episódio defender os direitos dos colonos.
tornou-se conhecido como a “festa do chá” (Tea Party). O silêncio da Inglaterra ante o encontro de 1774 e
Eles reagiam a uma das determinações britânicas que os o agravamento da tensão levaram os colonos a se reu-
colonos chamavam de leis intoleráveis: a Lei do Chá, que nir novamente, no ano seguinte, no Segundo Congres-
visava impedir o comércio interno do produto e obrigava so Continental. Decidiu-se então pela emancipação e
os colonos a adquiri-lo da Companhia Inglesa das Índias pela formação de um exército, a ser comandado por
Orientais. A Inglaterra respondeu prontamente: fechou George Washington, herói da Guerra dos Sete Anos.
o porto, exigiu compensação financeira pelas perdas e No dia 4 de julho de 1776, foi lançada a Declaração de
ampliou os contingentes militares nas colônias. Independência.
Iniciava-se a luta que oporia as tropas britânicas
aos voluntários estadunidenses. Os colonos aliaram-se
A Independência aos franceses, que treze anos antes haviam sido derro-
tados pelos ingleses e que passaram a fornecer armas e
das 13 Colônias
recursos financeiros aos rebeldes. A guerra durou até
A maior cidade inglesa na América localizava-se na
outubro de 1782, quando a Inglaterra reconheceu a
Pensilvânia, uma das colônias do centro: a Filadélfia,
derrota militar e a independência dos Estados Unidos,
com cerca de 30 mil habitantes. Foi lá que se iniciaram
abrindo mão de seus territórios na América do Norte.

BETTMANN/CORBIS/LATINSTOCK

Destruição do carregamento de chá no porto de Boston em 16 de dezembro de 1773, Nathaniel Currier. Litografia colorida,
1846.

92 Capítulo 3  Na velocidade das luzes

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Faça ou negros. Segue daí que é certo escravizar um homem
Tá ligado?! em se
cadernu
o por ser negro? Pode-se extrair alguma inferência lógica
(FGV-SP) "São verdades incontestáveis para nós que em favor da escravidão a partir de um nariz chato, de um
todos os homens nascem iguais; que lhes conferiu o rosto curto ou comprido? Não se pode dizer nada de bom
Criador certos direitos inalienáveis, entre os quais o de sobre um tráfico que é a violação mais chocante da lei da
'vida, o de liberdade e o de buscar a felicidade'." natureza, e que tem uma tendência direta a menospre-
Declaração de Independência, 4 de julho de 1776. zar a ideia do valor inestimável da liberdade [...]".
Acerca da Independência das 13 colônias, é correto SCHAMA, S. Travessias difíceis. Grã Bretanha, os escravos e a
afirmar que: Revolução Americana. São Paulo: Cia. das Letras, 2011. p. 22.
a) a ruptura com a metrópole foi efetivada pelas clas-
Mas poucos pensavam como Ottis. O próprio Jeffer-
ses sociais dominantes coloniais, o que fez com
que as demandas dos mais pobres fossem barradas son considerava os negros inferiores e perigosos e chegou
e que não houvesse solução imediata para a ques- a defender sua expulsão dos Estados Unidos. John Adams,
tão escravista. outro líder patriota, confessou que se “arrepiava” com as
b) comandada pelos setores mais radicais da pequena doutrinas que propunham que a liberdade devia incluir os
burguesia, os colonos criaram uma república fede- negros escravizados. Em outros casos, patriotas chegaram
rativa, considerando, como pilares fundamentais
a oferecer a liberdade aos escravizados, em troca de seu
da nova ordem institucional, as igualdades política
e social. apoio à luta contra os ingleses, e alguns negros aderiram
c) sua efetivação só foi possível devido à fragilida- à guerra de independência. Parte deles recebeu alforria e
de econômica e militar da Inglaterra, envolvida até terras como prêmio após a derrota inglesa, mas mui-
com a Guerra dos Sete Anos com a França, além tos foram traídos e continuaram sujeitos a seus senhores.
da aliança militar dos colonos ingleses com a forte A maior parte dos escravizados, no entanto, preferiu
marinha de guerra da Espanha.
lutar ao lado dos ingleses. Oficiais britânicos apresenta-
d) o desejo por parte dos colonos de emancipar-se
vam documentos impressos com a assinatura do rei Geor-
da metrópole Inglaterra nasceu em uma conjuntu-
ra de abertura da política colonial, na qual, a par- ge, em que o monarca oferecia liberdade e uma viagem
tir de 1770, as 13 Colônias foram autorizadas a para a Inglaterra para aqueles que engrossassem suas tro-
comerciar com as Antilhas. pas. Muitos afro-americanos, segundo Schama, acredita-
e) o processo de ruptura colonial foi facilitado em vam que a Inglaterra representasse uma terra de liberda-
decorrência das identidades econômicas e políti- de, embora ainda existisse escravidão por lá.
cas entre as colônias do Norte e as do Sul.
A ambiguidade da luta pela liberdade na independên-
→ DL/CF/SP/H1/H2/H7/H8/H9/H11/H13/H15/H22 cia estadunidense ressoou por muito tempo depois de con-
→ conforme tabelas das páginas 8 e 9. quistada a emancipação. A rigor, até hoje persiste a questão
que o orador negro Frederick Douglass lançou aos brancos
Escravizados e a independência no final dos anos 1840, quando os Estados Unidos já esta-
Os defensores da independência nomeavam-se "patrio- vam independentes há mais de sessenta anos, mas ainda
tas". Em seus discursos, acusavam a Inglaterra, entre havia escravidão: "O que é o Quatro de julho para o Escravo?
outros fatores, de ter introduzido a escravidão na América. Sua excelsa independência apenas revela a distância intrans-
Um panfleto que circulou na época da Festa do Chá dizia ponível entre nós [...]. você pode se rejubilar, eu devo chorar".
que "as nocivas arcas [de chá] trazem dentro delas algo pior SCHAMA. S., op. cit. p. 16.
do que a morte – as sementes da escravidão". Thomas Jeffer-
son, na Declaração de Independência, sustentou que todos
os homens foram criados iguais e que a escravidão era um
A Constituição
mal trazido pelos ingleses. Essas denúncias, no entanto, dos Estados Unidos
não significavam que de fato houvesse respeito pelos afri- Após a vitória ante os ingleses, o Congresso Continen-
canos escravizados, nem ações efetivas pela sua libertação. tal não conseguiu governar o país. Era necessário esta-
Alguns patriotas chegaram a mostrar a contradição belecer acordos e tratados comerciais, controlar a dívida
entre a defesa da liberdade e a persistência da escravidão. pública e assegurar a estabilidade da moeda. As dificul-
James Ottis, de Boston, foi enfático: dades políticas também eram claras: as antigas colônias
"Os colonos são, pela lei da natureza, livres por nas- sempre haviam desfrutado de autonomia não apenas face
cimento, como de fato o são todos os homens, brancos à metrópole, mas também umas em relação às outras.

O nascimento dos Estados Unidos 93

OH_V2_Book.indb 93 13/05/16 12:06


Com a independência, era necessário fundar um Estado da Carta era claro: equilibrar os eixos e níveis de poder,
capaz de uni-las e criar regras para as relações internas. A evitando que um segmento se impusesse aos demais.
base dessa unidade foi dada por uma Constituição, obtida Segundo o documento, as decisões do executivo deviam
a partir de intensas negociações entre representantes das ser debatidas e aprovadas pelo legislativo para que se tor-
ex-colônias. Ela evitou tratar de temas em que as diver- nassem leis, e vice-versa. O judiciário fiscalizava os outros
gências fossem insuperáveis – por exemplo, a escravi- dois poderes e podia contestar suas decisões.
dão, que era criticada pelos estados do Norte e defendida Em vigor até hoje, a Constituição dos Estados Uni-
pelos representantes do Sul. O resultado foi um documen- dos é a base da nação e da sociedade estadunidenses. Nos
to sucinto e breve, de apenas 4 mil palavras, que oferecia seus mais de duzentos anos de vigência, recebeu acrésci-
ampla margem a desdobramentos e interpretações. mos importantes, como a Quinta Emenda, que instituiu
A Constituição criava um sistema político novo, que garantias aos indivíduos contra abusos da autoridade
se tornou conhecido como federalismo: ao mesmo tempo estatal, e a Décima-Terceira Emenda, que aboliu a escra-
que as unidades da federação reconheciam a existência vidão (1865).
de um governo central, elas continuavam a ter autonomia Da mesma forma que a Declaração de Independên-
de decisão em diversos setores. Tinham liberdade para cia, a Constituição assumiu valores e princípios ilumi-
legislar sobre o emprego de mão de obra, inclusive se ela nistas. Amplos debates acompanharam sua elaboração
deveria ser livre ou escrava, sobre os processos eleitorais e prosseguiram depois da votação que a confirmou. Um
e sobre as punições a quem infringisse as leis. Por outro grupo de pensadores conhecidos como “federalistas”
lado, o governo central responsabilizava-se pela política e escreveu mais de oitenta artigos, analisando cada aspec-
pelo comércio externos e pela defesa territorial. to da Carta e associando-o às ideias de autores europeus,
A Constituição determinava ainda a igualdade jurí- como John Locke e Jean-Jacques Rousseau. O iluminis-
dica entre todos os cidadãos e estabelecia que o gover- mo havia cruzado o oceano e afirmava-se na América. O
no devia expressar a vontade da maioria dos membros caminho de volta também foi rápido. Muitos franceses
da sociedade civil. Nascia a democracia liberal estaduni- acompanharam a independência dos Estados Unidos e
dense, que também adotou o princípio da tripartição dos os documentos estadunidenses influenciaram as lutas
poderes, enunciado pelo francês Montesquieu. O objetivo que desembocaram na Revolução Francesa.

museu casa da moeda, filadélfia, Estados unidos


Washington, Adams
e Jefferson
Os três líderes da luta pela indepen-
dência dos Estados Unidos foram
os primeiros presidentes. George
Washington governou entre 1789 e
1797, foi sucedido por John Adams
(1797-1801) e Thomas Jefferson
(1801-1809). As efígies dos três Moedas com a representação dos três primeiros presidentes dos Estados
aparecem em moedas e cédulas que Unidos (George Washington, John Adams e Thomas Jefferson), s/d.
circulam ainda hoje.

Verificação de leitura 1 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 Explique as diferenças entre as colônias do Norte e 4 Explique por que alguns autores consideravam con-
do Sul dos Estados Unidos. → DL/CF/SP/CA/H7/H9/H11 traditória a defesa da liberdade realizada pelos
2 Justifique como as lutas dos colonos contra os patriotas. → DL/CF/SP/H8/H10/H11/H13
impostos estimularam o movimento de indepen- 5 Caracterize a Constituição estadunidense e suas rela-
dência dos Estados Unidos. → DL/SP/H8/H13/H16 ções com o Iluminismo francês. → DL/SP/H7/H8/H9
3 Estabeleça uma relação entre a Guerra dos Sete 6 Explique o que é federalismo e as razões que leva-
Anos e o avanço das lutas de emancipação na ram os Estados Unidos a adotar tal sistema.
América do Norte. → DL/CF/CA/H7/H8/H9 → DL/SP/H8/H9

94 Capítulo 3  Na velocidade das luzes

OH_V2_Book.indb 94 13/05/16 12:06


2 A Revolução Francesa

N
o século XVII, o rei inglês Carlos I foi decapitado e estabeleceu-se um

◀ ANOS
A Revolução
Francesa regime republicano. Ao final do processo revolucionário, uma monar-
quia limitada pelo Parlamento selava um arranjo político que encerra-
Convocação dos Estados-Gerais 1788
pelo rei Luís XVI. ▾ va o regime absolutista na Inglaterra e promovia uma relativa tolerância polí-
Proclamação da Assembleia 1789 tica e religiosa. Seus efeitos foram sentidos na Europa e na América inglesa.
Nacional Constituinte. ▾ Em 1776, a independência dos Estados Unidos também provocou uma
Destruição da Bastilha.
forte repercussão em todo o mundo ocidental, principalmente nas Améri-
Motins e revoltas camponesas.
Nobreza e clero renunciam cas, onde serviria de modelo para as tensões e divergências entre colonos e
aos seus privilégios. autoridades metropolitanas. Serviria também de referência para a organiza-
Declaração dos Direitos ção do Estado ao impedir a concentração excessiva de poderes.
do Homem e do Cidadão.
Mas a grande referência para os movimentos políticos ocidentais a par-
Robespierre assume a liderança 1790
do clube dos jacobinos. ▾ tir do final do século XVIII foi a Revolução Francesa. Como afirmou o histo-
Massacre no Campo de Marte. 1791 riador britânico Eric Hobsbawm, a Revolução Francesa forneceu "a ideologia
Constituição francesa. ▾ do mundo moderno".
França declara guerra à Áustria. 1792 Matriz simbólica das revoluções sociais, a França, que já estava asso-
Estabelecimento da República. ▾
ciada às ideias ilustradas, forneceria, a partir de então, o vocabulário polí-
Convenção Girondina.
Definido o sufrágio universal tico (esquerda e direita, por exemplo), as imagens republicanas (a bandei-
para a eleição da Convenção. ra tricolor) e o modelo para o nacionalismo e passaria a representar, como
Execução do rei Luís XVI. 1793 nenhum outro movimento, o conceito de revolução. Mais uma vez, nas pala-
Criação dos Comitês ▾
de Salvação Pública vras de Hobsbawm: "A Revolução Francesa é assim a revolução do seu tempo, e
e do Tribunal Revolucionário. não apenas uma".
Marat é assassinado.
A Revolução Francesa demarcou, como nenhum outro movimento, a
Novo calendário da República.
transformação das referências a respeito da soberania. O absolutismo ope-
Execução de Danton. 1794
Lei do Grande Terror contra ▾ rara a transferência de atribuições da Igreja para o Estado. O poder e a auto-
todos os suspeitos. ridade dos monarcas eram tidos como atributos conferidos por Deus. Tanto
Robespierre é guilhotinado.
o direito divino, que justificava a soberania monárquica, quanto a própria
Clube dos jacobinos é fechado.
Sans-culottes invadem
soberania política seriam transformados no século XVIII. A soberania passa-
1795
a Convenção exigindo pão e a ▾ ria a ser vinculada ao povo, à nação e ao conjunto de cidadãos.
aplicação da Constituição.
Instalado o Diretório, novo
órgão do Poder Executivo.
Napoleão Bonaparte comanda 1796
A França às vésperas da revolução
o Exército francês na Itália. ▾ A designação Ancién Régime (Antigo Regime) foi elaborada durante o pro-
Golpe do 18 Brumário. 1799 cesso revolucionário francês, e seu primeiro registro foi encontrado em
Bonaparte toma o poder. ▾ um documento escrito de 1788. Difundida, sobretudo, a partir de 1790,
1800
Nova Constituição. ▾ a expressão revelava uma forma pejorativa de designar um conjunto de
1804 características de uma sociedade que se pretendia ver extinguido. Vislum-
Napoleão é coroado imperador. ▾ brava-se uma "nova" sociedade, um "novo regime", em contraposição ao
1806
Bloqueio Continental. ▾ "velho regime" de ordens e privilégios.
Máxima extensão do Império. 1812 Os principais privilégios do Primeiro e do Segundo Estados (clero e
Derrota francesa na ▾ nobreza respectivamente) eram as isenções de tributos e repasses de recur-
campanha da Rússia.
sos por meio de pensões, subsídios e concessões. Sobre o Terceiro Estado
Congresso de Viena. 1814
▾ (burguesia, sans-cullotes, camponeses etc.) recaíam todos os impostos dire-
Exílio de Napoleão.
tos cobrados pela monarquia e as taxas devidas aos aristocratas e ao clero.

A Revolução Francesa 95

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Numa França que mantinha, quase no fim do sécu- direitos feudais aos nobres. Diante da crise econômi-
lo XVIII, uma estrutura socioeconômica agrária e com ca, muitos senhores de terras aumentaram o valor e a
fortes resquícios feudais, o campesinato representava variedade dos tributos, provocando ainda mais insatis-
cerca de 80% da população. A situação da maioria des- fação popular.
ses camponeses era bastante precária e as revoltas pro- A mesma crise que se via nas ruas e nos campos
vocadas pela escassez de comida, constantes. Na segun- mostrava-se no funcionamento do Estado absolutis-
da metade dos anos 1780, a inflação e o custo de vida ta francês. A dívida pública crescia de forma descon-
subiram bastante e, em 1788 e 1789, problemas climá- trolada, a máquina burocrático-administrativa consu-
ticos fizeram com que a colheita do trigo fosse bastan- mia grandes recursos financeiros, as guerras – como as
te ruim. O cereal ficou escasso e o preço do pão, princi- travadas pela França na América, durante o processo
pal alimento dos franceses, disparou. A gabela, imposto de independência dos Estados Unidos – esvaziavam o
sobre o sal (gênero de primeira necessidade, utilizado tesouro. Panfletos e jornais circulavam pelas principais
na conservação de alimentos), era odiada. cidades e denunciavam, ainda, o custo de manutenção
Os efeitos da pequena produção de alimentos che- da corte, com todo luxo e requinte que a envolvia.
gava também às cidades. Paris era uma cidade gran- Entre 1774 e 1787, quatro ministros das finanças
de, com quase 600 mil habitantes, e nela viviam, entre (Robert Turgot, Jacques Necker, o Visconde de Calon-
outros, mendigos e trabalhadores que dependiam de ne e Loménie de Brienne) tentaram promover reformas
auxílio alheio ou de uma jornada de trabalho que lhes que eliminassem privilégios e isenções tributárias, mas
garantisse a alimentação do dia. fracassaram diante da omissão do rei e da oposição de
Os impostos agravavam o cenário de pobreza e clérigos e nobres, que controlavam o parlamento. Além
insatisfação. Fora o clero e a aristocracia, que dispu- de rejeitar as mudanças fiscais, o parlamento exigiu
nham de privilégios, todos pagavam dízimo à Igreja e que o rei Luís XVI convocasse os Estados-Gerais. Em
tributos ao Estado. Embora a maior parte dos campone- meio a um colapso econômico e social, a França imer-
ses fosse livre no final do século XVIII e alguns dispu- gia ainda numa profunda crise política.
sessem de lotes próprios de terras, eles deviam pagar

História E Literatura>> C
 hapeuzinho Vermelho
Um conto bem conhecido pode nos ajudar a compreen- XVIII, um lobo era apenas um lobo: ele mostrava o risco
der a mentalidade dos camponeses franceses no sécu- que se corria ao percorrer sozinho uma estrada ou atra-
lo XVIII: Chapeuzinho Vermelho. A história, contada às vessar uma floresta. Os relatos de ataques de animais sel-
crianças da época, tinha estrutura e desfecho bem dife- vagens eram comuns e a trágica história de Chapeuzinho
rentes dos que a atual versão apresenta. Na origem, não Vermelho servia como advertência aos desprevenidos.
havia caçadores, e a vovó e a menina eram devoradas
National Gallery of Victoria, Melbourne, Austrália
pelo lobo. Além disso, a história envolvia sugestões eró-
ticas e canibalismo.
Independentemente das diferenças, é interessan-
te notar a persistência de dois elementos do conto que
revelam preocupações centrais da época: o cuidado com
a alimentação e o temor diante das ameaças que exis-
tiam nos campos e nas florestas. A comida, para os cam-
poneses franceses, era incerta: as dificuldades climáti-
cas e perdas de safra provocavam frequentes tempora-
das de fome. Quando, no conto, a mãe envia leite e pão
para a avó, ela tenta garantir a alimentação da pessoa
mais velha. Quando o lobo, disfarçado de vovó, oferece
comida a Chapeuzinho, ela prontamente a aceita, pois o
alimento presente jamais deve ser rejeitado.
Embora alguns estudiosos contemporâneos tenham
Chapeuzinho Vermelho, Gustave Doré. Óleo sobre tela,
interpretado a figura do lobo como uma referência sim- 65,3 × 81,7 cm, c. 1862.
bólica, diversos historiadores sustentam que, no século

96 Capítulo 3  Na velocidade das luzes

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Os Três Estados

MUSEU DO LOUVRE, PARIS, FRANÇA


De acordo com as características do Antigo Regime euro-
peu, as classes sociais francesas encontravam-se divididas
em três grupos: Primeiro Estado (clero), Segundo Estado
(nobreza) e Terceiro Estado (todos os demais). No interior
de cada um desses Estados havia diversas subdivisões:
Primeiro Estado: o alto clero, composto pelos ocu-
pantes dos principais cargos da estrutura da Igreja, como
bispos, cardeais e abades, em geral originários de famí-
lias da nobreza; o baixo clero, constituído pelos vigários,
párocos e monges, via de regra, provenientes da peque-
na nobreza e de setores intermediários e populares da
sociedade. Constituíam cerca de 1% da população.
Segundo Estado: a alta nobreza, formada pela aris-
tocracia que frequentava a corte monárquica e ocupa-
va os principais postos na administração do Estado e do
Retrato do cardeal Richelieu, Philippe de
Exército; a nobreza provincial, constituída por nobres
Champaigne. Óleo sobre tela, c. 1639.
de diversos níveis de poder e prestígio, que, no entanto,
se encontrava afastada da vida da corte; a nobreza toga-
MUSEU VITÓRIA E ALBERT, LONDRES, INGLATERRA

da, constituída por burgueses enriquecidos que haviam


comprado títulos visando adquirir privilégios e prestígio
social. Constituíam cerca de 2% da população.
Terceiro Estado: a alta burguesia (grandes empre-
sários, comerciantes e banqueiros), média burguesia
(profissionais liberais, médios empresários e comer-
ciantes), pequena burguesia (mestres de ofícios e
comerciantes locais); trabalhadores urbanos; campone-
ses e servos. Constituíam cerca de 97% da população.

O balanço, Nicolas Lancret. Óleo sobre tela, c. 1735. Os Estados-Gerais


Os Estados-Gerais franceses surgiram na Idade Média,
MUSEU CARNAVALET, PARIS, FRANÇA

mas não eram convocados desde 1614. Constituíam uma


assembleia que reunia representantes das três ordens, ou
estados. No momento das deliberações, cada estado tinha
direito a um voto.
Diante da pressão do parlamento, em julho de 1788,
o rei convocou os Estados-Gerais. Para a aristocracia,
mais do que buscar caminhos para superar os impas-
ses, os Estados-Gerais representavam uma oportunida-
de de aumentar seu próprio poder e limitar o absolu-
tismo monárquico. O historiador Michel Vovelle avalia
que os aristocratas tinham certeza de conseguir contro-
lar, com os dois votos de que dispunham (o da nobreza e
o do clero), as decisões que seriam tomadas na reunião.
No entanto, o mesmo Vovelle constata: "Quando, ao pedir
ao rei a convocação dos Estados-Gerais para resolver o pro-
blema das reformas, o parlamento de Paris caiu naquilo que
Retrato de um sans-culotte, Louis- se tornaria sua própria armadilha, surgiu uma grande espe-
-Léopold Boilly. Óleo sobre tela, 1792. rança: o país iria ser ouvido [...]"

A Revolução Francesa 97

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Os grupos integrantes do Terceiro Estado aprovei- ceiro Estado pretendia que todos os representantes atuas-
taram a ocasião e articularam-se politicamente para sem no mesmo espaço e discutissem conjuntamente.
ampliar sua participação nos Estados-Gerais e sua capa-
cidade de pressão. A eleição dos representantes mobi-
A Assembleia Nacional (1789)
lizou a França. Os eleitores dos três estados tendiam a Pouco mais de um mês depois do início das atividades
defender a redução dos poderes monárquicos. As maio- dos Estados-Gerais, o Terceiro Estado propôs que a reu-
res reivindicações, no entanto, concentravam-se no Ter- nião se transformasse em assembleia. O objetivo era
claro: numa assembleia, o voto por estado seria substi-
ceiro Estado. Cada ordem tinha seus Cahiers de Doléan-
tuído por votação individual. Com um número de repre-
ce (Cadernos de Queixas), que reuniam as reclamações
sentantes próximo da soma das representações dos
da população. Os membros do Terceiro Estado orienta-
Primeiro e do Segundo Estados, o Terceiro poderia inter-
vam as pessoas que viviam nas aldeias e os membros
ferir de fato nas decisões.
das corporações profissionais a relatar, nesses Cadernos,
Sem obter resposta do clero e da nobreza, o Terceiro
os problemas que enfrentavam. Elas registravam, prin-
Estado declarou aberta a Assembleia Nacional. O depu-
cipalmente, sua insatisfação com os impostos e com os
tado Honoré de Mirabeau fulminou: "Estamos aqui pela
privilégios do Primeiro e do Segundo Estados. Setores
vontade do povo e só sairemos com a força das baionetas".
da burguesia também defendiam a elaboração de uma
No dia 20 de junho, porém, ao chegar para a nova sessão,
Constituição, a formação de um novo Parlamento e pro-
os representantes do Terceiro Estado encontram a porta
fundas reformas administrativas, com a adoção de prin-
fechada. Ocuparam uma sala vazia ao lado, destinada ao
cípios liberais na economia.
jogo de pela, e lá, entre discursos, firmaram o compro-
Quando os Estados-Gerais foram instalados, no início
misso de não se desmobilizar até que se escrevesse uma
de maio de 1789, contavam com quase 300 representan-
Constituição para o país. O forte apoio que recebiam da
tes tanto do Primeiro quanto do Segundo Estados e cerca população de Paris fez com que Luís XVI, mais uma vez,
de 600 do Terceiro Estado. O conflito entre as ordens cedesse. O rei autorizou a Assembleia e determinou que
manifestou-se já na definição da forma como transcorre- nobres e clérigos participassem dela. Nas ruas, os protes-
riam as sessões. Os dois primeiros estados defendiam que tos eram constantes e, em várias partes do país, ocorriam
cada ordem debatesse separadamente e levasse apenas levantes. A revolução desenhava-se e a aristocracia per-
suas conclusões ao conhecimento geral, enquanto o Ter- cebia a armadilha em que caíra.

A Assembleia

BIBLIOTECA NACIONAL, PARIS, FRANÇA


Segundo a liturgia que orientava os
encontros de representantes dos três
estados com o monarca, o membro do
alto clero seria sempre o primeiro a se
dirigir ao rei, seguido do nobre e, final-
mente, do representante do Terceiro
Estado. Perante o governante, o cléri-
go podia manter-se ereto, o nobre devia
curvar-se ligeiramente e o membro do
Terceiro Estado tinha a obrigação de
ajoelhar-se. Na perspectiva do rei e da
aristocracia, o direito à manifestação
e às decisões tanto nos Estados-Gerais
quanto na Assembleia deveria respei-
tar simbolicamente essa hierarquia.
Ao desrespeitar as regras de funciona-
mento das duas instituições, o Terceiro
Estado mostrava, também simbolica-
mente, que muitos rituais do Antigo A abertura dos Estados-Gerais, Isidore Helman. Gravura feita a partir de
Regime estavam perto do fim. um desenho de Charles Mounet, 1790.

98 Capítulo 3  Na velocidade das luzes

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A Assembleia Nacional Esquerda, centro e direita
Constituinte A tradição judaico-cristã estabeleceu o lado esquerdo
como um lugar inferior. Eva teria saído do lado esquerdo
No dia 9 de julho, os deputados abriram a primeira ses- de Adão. Na Idade Média, o lado esquerdo, feminino por
são da Assembleia Nacional Constituinte: a França excelência, era tido como imagem satânica em oposição
finalmente teria um conjunto de leis que organizassem ao lado direito, considerado divino.
A noção política de esquerda originou-se na França
a sociedade e definissem os espaços e limites de atua-
durante a Constituinte. Os defensores do direito a veto
ção do rei e dos organismos políticos. das deliberações constituintes pelo monarca estavam sen-
A agitação fora da Assembleia era ainda maior. tados à direita no plenário. Os opositores à ideia de veto
Desde o dia 12, corriam notícias de que a aristocracia estavam à esquerda. Desde então, os defensores da tra-
dição, da manutenção das condições sociais, da ordem e
armava-se e buscava apoio externo para fechar a Cons- da autoridade são identificados como portadores de uma
tituinte. Diante da ameaça, proliferaram os protestos e ideologia de direita. Aqueles que são defensores de rei-
ações em Paris. vindicações populares, mudanças sociais, inovações, jus-
tiça social são tidos como portadores de uma ideologia
Em 14 de julho, um grupo de pessoas dirigiu-se à Bas- de esquerda. Entre ambos, identificam-se setores de cen-
tilha. A Bastilha era uma prisão que, naquele dia, estava tro, aqueles que oscilam entre as duas posições opostas.
quase vazia, mas que sempre fora um símbolo do abso- Direita e esquerda, apesar das simplificações e impreci-
sões dessas designações, ainda marcam o vocabulário
lutismo. Além disso, era um depósito de armas. O diretor
político contemporâneo.
da prisão recusou-se a abrir as portas para os manifestan-

DESIGN PICS
tes. Iniciou-se então um conflito que vitimou vários rebel-
des, mas resultou na ocupação do prédio pelos populares.
O diretor e alguns carcereiros foram mortos e seus corpos,
exibidos pelas ruas ou lançados ao rio Sena.
A tomada da Bastilha deu força aos representantes
do Terceiro Estado na Assembleia. Alguns historiadores
acreditam que, sem a iniciativa popular, os deputados
poderiam ser sufocados pela pressão do rei e da aristo-
cracia. Para Guy Chaussinand-Nogaret:
"A Queda da Bastilha inaugurara a revolu-
ção da liberdade: afirmação dos direitos huma- Queda de braço, Kelly Redinger, s/d.
nos, igualdade de oportunidades em condições
A foto representa a polarização política na França entre a
de honesta concorrência, garantia dos bens e das UMP (União por um Movimento Popular), de centro-direi-
liberdades do cidadão." ta, e o PS (Partido Socialista), de centro-esquerda.

CHAUSSINAND-NOGARET, G. A queda da Bastilha.


Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1989. p. 10.
A Declaração dos Direitos do Homem
No início de agosto, a Constituinte, fortalecida pela e do Cidadão e a Constituição
ação popular, decretou o fim da obrigação do dízimo e Em meio aos conflitos que tomavam quase todo o país, a
dos privilégios da nobreza, que incluíam a isenção do Assembleia aprovou, no final do mesmo mês, a Declara-
pagamento de tributos, as obrigações feudais e a exclu- ção dos Direitos do Homem e do Cidadão. A Declaração
sividade do direito de caça. Enquanto isso, a tensão se baseava-se nas ideias liberais e ilustradas e retomava
alastrava nos campos. Surgiram boatos de que agrupa- princípios da Declaração de Independência dos Esta-
mentos de bandidos circulavam pelas estradas, atacan- dos Unidos. O documento proclamava o direito à igual-
do pessoas e ocupando terras. Alguns desses relatos dade jurídica, à liberdade religiosa, de pensamento e de
chegavam a afirmar que os bandidos estavam unidos à expressão. Reconhecia a instrução como valor universal
aristocracia, que conspirava para conter as ações popu- e defendia o direito de propriedade. A Declaração tam-
lares e permitir que a nobreza reassumisse o controle bém afirmava que todo governo resultava da vontade do
político e social. Os camponeses, tomados pelo pânico povo e que nenhum governante poderia considerar-se
(que depois seria chamado de "o Grande Medo"), arma- possuidor do poder absoluto. Caso isso ocorresse, o povo
ram-se, atacaram e incendiaram castelos. tinha o direito de rebelar-se contra o opressor.

A Revolução Francesa 99

OH_V2_Book.indb 99 13/05/16 12:06


O rei hesitou em aceitar os decretos aprovados pela Notícias da revolução
Assembleia, mas, pressionado por mobilizações popu-
O historiador Robert Darnton pesquisou, durante décadas,
lares, acabou por acatá-los. Gradualmente, os poderes
um conjunto de impressos produzidos durante a Revolu-
monárquicos eram reduzidos e a aristocracia percebia o
ção Francesa. Quase todos haviam sido proibidos e circu-
avanço das conquistas populares. Muitos nobres come-
laram clandestinamente. Alguns deles eram assinados por
çaram a deixar a França e o próprio rei enviou repre-
associações de trabalhadores, filósofos, escritores; outros
sentantes ao exterior para negociar apoio de outros paí-
eram anônimos. Eles expunham, às vezes de forma brutal,
ses. A Igreja recusou-se a aceitar a Constituição Civil
o descontentamento dos franceses diante do Antigo Regi-
do Clero, que, além da supressão do dízimo, determina-
me e sua violenta disposição de transformar a sociedade.
va a redução do número de bispos e padres e sua subor-
A circulação desses panfletos certamente era ampla e eles
dinação ao Estado.
contribuíam para difundir os ideais revolucionários e con-
A Constituição foi promulgada dois anos depois,
clamar as pessoas à revolta. Papel semelhante tiveram os
em setembro de 1791. Ela encerrou o absolutismo, ins-
jornais, que circularam durante a revolução e levavam as
taurando um regime monárquico constitucional. A tri-
notícias das jornadas parisienses ao interior do país, esti-
partição dos poderes em executivo, legislativo e judi-
mulando a adesão à luta.
ciário contribuía para controlar o monarca.
Os juízes passavam a ser escolhidos entre os advo- Os jacobinos
gados formados, e não mais indicados pelo rei, e o Códi- As origens do clube dos jacobinos encontram-se em
go Penal foi reformado, com a abolição da tortura. O rei Versalhes, e não em Paris. Entre os representantes dos
mantinha seu posto, mas seu poder estava limitado e comuns, vindos de todas as partes da França para par-
devia ser exercido em nome dos franceses, e não pela ticipar dos Estados-Gerais, um pequeno grupo da Bre-
graça de Deus ou em função de sua origem. Ele fora for- tanha resolveu formar o Clube Bretão. Nas reuniões pro-
çado a abandonar o relativo isolamento de Versalhes, curavam discutir e adotar uma linha comum de ação
nas proximidades de Paris e retornar à capital. em defesa dos interesses do Terceiro Estado. Quando a
A Revolução liquidava a percepção paternal da rea- Assembleia Constituinte, em outubro de 1789, deslocou-
leza, e os franceses deixavam de ser súditos e passavam -se para Paris, o grupo foi forçado a procurar outro lugar
a ser considerados cidadãos, dotados de direitos e deve- para as reuniões. Um dos integrantes encontrou o espa-
res sociais e políticos. Sua participação direta na política ço ideal: a sala de refeitório do convento de Saint Jacques
institucional, no entanto, continuava restrita. (em latim: Sanctus Jacobus), cedida pelos monges. Ofi-
A implementação do voto censitário impedia que cialmente denominado Sociedade dos Amigos da Cons-
os milhões de franceses que não dispunham de riquezas tituição, ficou conhecido como o clube dos jacobinos.
ou propriedades votassem. Era uma vitória da burguesia, Em 1790, Robespierre assumiu a liderança do clube dos
setor hegemônico dentro do Terceiro Estado, que conse- jacobinos e tornou-se, no ano seguinte, um dos princi-
guira que seus objetivos prevalecessem na Assembleia. Ela pais oradores da Assembleia Constituinte.
alcançava o acesso aos cargos políticos, antes controlados BIBLIOTECA NACIONAL, PARIS, FRANÇA

pela aristocracia, e ganhava força, ao mesmo tempo que


evitava a interferência dos setores populares na política.
A burguesia também conquistava, com as mudan-
ças, a eliminação das barreiras mercantilistas ao comér-
cio e o estímulo à livre iniciativa, implantando uma eco-
nomia de mercado.
A aprovação da Constituição devia encerrar, na pers-
pectiva da burguesia, o processo revolucionário. A Igre-
ja e a aristocracia haviam perdido seus privilégios e sua
ampla interferência nas decisões políticas. O rei gover-
nava sob o controle das leis e das novas instituições.
Para os burgueses, o único risco vinha das agitações
populares, que continuavam a ocorrer em diversas par-
tes da França. Reunião no Clube dos Jacobinos em janeiro de 1792, Vilette.
Litografia, século XVIII.

100 Capítulo 3  Na velocidade das luzes

OH_V2_Book.indb 100 13/05/16 12:06


História E Química>> L avoisier: a química e a revolução
Uma das bases da Química moderna foi enunciada fora, olha para a esposa. Os diversos instrumentos de
por um participante da Revolução Francesa: Antoine- laboratório simbolizam o apreço pela ciência e o álbum
Laurent Lavoisier (1743-1794), que sintetizou o prin- de desenhos ao fundo, o interesse pela arte. David, ao
cípio da conservação da matéria na frase “Na nature- retratar a cena, não poderia imaginar que poucos anos
za, nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”. mais tarde o cientista se tornaria uma das muitas vítimas
Lavoisier foi também o primeiro pesquisador a obser- do terror jacobino.
var que o oxigênio, em contato com alguma substân-
cia inflamável, produz combustão e a descobrir que a

MUSEU METROPOLITANO, Nova York, Estados Unidos


água não era um elemento primordial, como se acredi-
tava desde a Antiguidade, e sim composta pela associa-
ção de dois átomos de hidrogênio com um de oxigênio.
Em 1789, Lavoisier divulgou seu Tratado elementar
de Química, que apresentava a nomenclatura moderna
e afastava a Química da Alquimia. Os ventos da revolu-
ção, que se iniciou no mesmo ano da publicação de sua
obra, arrastaram Lavoisier para a desgraça. Para obter
recursos para si e para suas pesquisas, ele havia adquiri-
do, anos antes, ações da Ferme Générale, uma sociedade
que tinha o direito de recolher impostos. Embora o cien-
tista tenha apoiado a revolução no seu início, ele foi acu-
sado de corrupção, juntamente com outros membros da
Ferme Générale. Preso no dia 7 de maio de 1794, duran-
te o período do Terror, foi guilhotinado no dia seguinte.
Na imagem ao lado, o casal ilustrado é retratado
numa cena doméstica aparentemente despretensiosa. A
senhora Lavoisier, amiga do pintor Jacques-Louis David,
aparece num delicado vestido branco que ilumina todo
o ambiente. Seu olhar direciona-se para o observador. Retrato do Sr. Lavoisier e sua esposa, Jacques-Louis
David. Óleo sobre tela, 2,60 m X 1,96 m, 1788.
Lavoisier, confortavelmente sentado com a perna para

luto. Em junho de 1791, ele tentou fugir da França. Antes


A monarquia constitucional de cruzar a fronteira, foi identificado, preso e levado de
(1791-1792) volta a Paris. Apesar da tentativa de fuga, a alta burgue-
Muitos camponeses contentaram-se com as conquis- sia preferiu mantê-lo no trono. Qualquer mudança polí-
tas que haviam obtido nos primeiros anos da Revolu- tica, naquele momento, podia representar uma radicali-
ção: abolição dos direitos senhoriais, redução dos impos- zação da revolução e maior espaço para a expressão das
to, reformulações no regime de propriedade rural. Com propostas populares.
isso, o campesinato assumiu posição mais conservadora Em outubro do mesmo ano, foi eleita a Assembleia
e a revolução popular passou a concentrar-se nas cida- Nacional Legislativa: a França tinha agora um novo
des. A proibição das greves e das associações de operá- parlamento, composto por 745 deputados. Eles divi-
rios pela burguesia, agora dominante, revoltava os tra- diam-se em blocos políticos: pouco mais de um terço
balhadores, que exigiam controle de preços, aumento de deles posicionavam-se à direita, um quinto postava-
salários e melhor distribuição de renda. Os sans-culot- se à esquerda e os demais, quase a metade da Assem-
tes, grupos urbanos compostos predominantemente por bleia, assumiam posições intermediárias e, em geral,
artesãos, assalariados e operários, ampliavam a lista de não tinham programa político claro. A direita reunia
reivindicações, propondo o fim da monarquia, a implan- os girondinos, representantes da alta burguesia, e os
tação da República e do voto universal masculino. feuillants, dissidência jacobina que sustentava a defe-
Obrigado a aceitar formalmente a nova situação, o sa do rei e da monarquia. A esquerda incluía os jacobi-
rei Luís XVI continuou a negociar, com países estran- nos e os cordeliers, setores radicais que mantinham pro-
geiros, apoio militar para tentar retomar o poder abso- ximidade com os sans-culottes.

A Revolução Francesa 101

OH_V2_Book.indb 101 13/05/16 12:06


Traição e guerra provocavam sublevações, contando, ocasionalmen-
te, com o apoio de camponeses, e conseguiram assu-
Muitos aristocratas franceses haviam se exilado na Áus-
mir o controle da maioria dos departamentos em que
tria e na Prússia e articulavam uma ação armada con-
tra a França revolucionária. O próprio Luís XVI jamais a França se dividia.
deixara de manter contato com as realezas austríaca e Embora fossem procedentes de setores intermedi-
prussiana, que, por sua vez, temiam que as ideias e pro- ários da sociedade, os jacobinos e seus aliados, os cor-
postas da revolução ultrapassassem as fronteiras fran- deliers, mantinham proximidade com os setores popu-
cesas e estimulassem movimentos semelhantes em lares e dialogavam com os sans-culottes. A tensão social
outros países. ampliava o prestígio da proposta jacobina de compor
Dentro da França, feuillants e girondinos defen- um governo forte, capaz de conter a contrarrevolução e
diam a guerra contra os inimigos estrangeiros, pois reestruturar a economia nacional.
acreditavam que o conflito ajudaria a conter as lutas Em junho daquele ano, a esquerda conseguiu obter a
sociais e facilitaria a unidade interna. A esquerda, por maioria na Convenção e aprovou a prisão das principais
sua vez, rechaçava a guerra e concentrava seus esfor- lideranças girondinas. Foram criados os Comitês de Sal-
ços nas ações e reivindicações populares. Em abril de vação Pública, que deviam atuar como poder executivo,
1792, a França entrou em guerra contra Áustria e Prús- e o Tribunal Revolucionário, incumbido de julgar os sus-
sia. Os exércitos franceses, fragilizados pela debandada peitos de trair os ideais revolucionários.
da maioria dos oficiais, que eram de origem nobre, não Uma nova Constituição, de caráter democrático, foi
conseguiram conter o avanço das tropas inimigas, que promulgada, implantando o sufrágio universal masculi-
invadiram o território francês, decretaram a inviolabili- no, o confisco das propriedades dos nobres que tivessem
dade da família real e ameaçaram atacar Paris. fugido da França e daqueles que lutaram contra a revolu-
Uma imensa mobilização popular, liderada pelos ção. Decretou-se o aumento dos salários, o congelamen-
sans-culottes, reagiu ao ultimato austro-prussiano e ata- to dos preços do pão e de outros alimentos de primeira
cou o palácio das Tulherias, que abrigava o rei. Depois necessidade. Aboliu-se a escravidão nas colônias e a pri-
de combates sangrentos, a família real foi aprisionada. são por dívidas. Foi lançado um plano de implantação
A rebelião popular também provocou a dissolução da de um sistema educacional público e gratuito. Em toda
Assembleia e sua substituição pela Convenção Nacio- a França, surgiram comitês revolucionários, encarrega-
nal, um novo parlamento, escolhido a partir do voto dos de vigiar a aplicação das novas leis e denunciar sus-
direto e universal masculino. peitos e atividades contrarrevolucionárias. Quatro anos
Acusado de traição, o rei foi levado a julgamento em depois da tomada da Bastilha, a França ingressava na
dezembro daquele ano e condenado à morte. Três meses fase mais intensa e radical da revolução.
antes, a Assembleia abolira a monarquia e implantara a
O Exército francês
república. Quando o monarca foi decapitado, em janeiro
de 1793, a França era outro país, muito diferente tanto O exército francês também passou, sob a lideran-
do que assistira à convocação dos Estados-Gerais, cinco ça jacobina, por uma completa reformulação. Não
anos antes, quanto do que acreditara que a Revolução se dependia mais dos títulos de nobreza ou dos víncu-
encerrava com a Constituição. los com a realeza; agora era composto por voluntá-
rios, que formavam um corpo hierarquizado e orga-
A República nizado de forma profissional. O recrutamento militar
O confronto entre girondinos e jacobinos prosseguiu era amplo e todos os homens solteiros de 18 a 25 anos
depois da proclamação da república. No primeiro deviam se alistar. Frente à necessidade de defender o
semestre de 1793, os girondinos controlavam a Con- país, dissolveu-se a distinção entre civis e soldados:
venção Nacional e impuseram uma política de mode- todos tinham que lutar.
ração. Enquanto isso, a crise financeira avançava, o As promoções na carreira militar baseavam-se nos
país sofria derrotas militares na guerra, os portos esta- atributos individuais e na capacidade demonstrada
vam bloqueados, o comércio externo, fragilizado, e a
em ação. Jovens profissionais das armas conseguiam,
política externa não conseguia reverter a situação de
em tempo relativamente curto, ascender rapidamen-
inferioridade francesa no cenário europeu. No inte-
te a postos de comando. Um bom exemplo da nova
rior do país, defensores da antiga realeza e católicos
realidade do exército francês foi o fato de, em 1796,

102 Capítulo 3  Na velocidade das luzes

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um rapaz com menos de trinta anos ter sido nomea- ção militar, expulsar as forças inimigas e passar à ofen-
do comandante do Exército na península itálica. Seu siva. De fato, como desejava a direita, o conflito unia o
nome era Napoleão Bonaparte. país, mas, sob o comando da Convenção, essa união se
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Foram essas tropas renovadas que conseguiram dava contra o retorno ao Antigo Regime e pelo avanço
levar adiante a guerra estrangeira, melhorar sua posi- no processo de mudanças.
MÁRIO YOSHIDA

EXPANSÃO DO DOMÍNIO FRANCÊS (até 1812)

A França em 1789 REINO DA REINO DA SUÉCIA


NORUEGA
O Grande Império (1812) São Petersburgo
Estocolmo
Reinos governados pela
família Bonaparte
Reinos dependentes Mar do
Norte REINO DA
Reinos aliados DINAMARCA Riga
Copenhague Mar
Território ocupado
Báltico
Moscou
GRÃ-BRETANHA REINO DA
OCEANO PRÚSSIA
ATLÂNTICO Londres
REINO DE Varsóvia IMPÉRIO RUSSO
VESTFÁLIA Berlim
GRÃO-DUCADO
DE VARSÓVIA
Hanover Praga
Paris
Frankfurt
CONFEDERAÇÃO Peste
Viena
DO RENO
FRANÇA Buda
SUÍÇA Munique
Milão IMPÉRIO
Veneza AUSTRÍACO
REINO DE
REINO DE REINO DE ITÁLIA Mar
PORTUGAL ESPANHA Florença Belgrado Negro

Madri

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Lisboa Roma
Constantinopla

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Nápoles O
REINO DA TO
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SARDENHA REINO DE AN
Tânger M a r M e d i t e NÁPOLES O
Ceuta r r â Palermo
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Argel REINO DA
ESCALA
Túnis SICÍLIA
ÁFRICA 0 230 460 km

Fonte: Elaborado com base em PARKER, G. Atlas Verbo de História Universal. Lisboa: Verbo, 2000.

O terror
É difícil calcular com precisão quantas pessoas morre- Assim como Danton e Robespierre, muitos dos con-
ram durante o chamado período do Terror, quando o denados morreram na guilhotina. O instrumento havia
Tribunal Revolucionário prendeu, julgou e executou sido idealizado pelo médico Joseph-Ignace Guillotin.
todos os que eram suspeitos de colocar a revolução em Seu propósito era humanitário: assegurar uma morte
perigo. O historiador Olivier Blanc afirma que o núme- rápida e indolor aos condenados, evitando o sofrimen-
ro de mortos não deve ter ultrapassado 40 mil pessoas. to das execuções na forca, na roda ou na fogueira. A
Só na cidade de Paris, o Tribunal pronunciou mais de guilhotina também tinha caráter democrático, pois ofe-
2 600 sentenças de morte. São cifras impressionantes. recia morte igual a todos, independentemente de sua
O Terror devorou girondinos, federalistas, religiosos, origem ou condição social (antes da revolução, apenas
negociantes que escondiam alimentos ou elevavam os nobres, quando condenados à morte, tinham direi-
irregularmente seus preços e até homens que haviam to à degola). As execuções na guilhotina eram públi-
defendido a instalação do Tribunal, como Camille Des- cas e um grande público assistia, empolgado, a elas.
moulins (1760-1794) e Jacques Hébert (1757-1794) ou A cabeça, depois de decepada, era exibida pelo carras-
mesmo Georges Jacques Danton (1759-1794) e Maximi- co, sob gritos de alegria do público. Tratava-se de uma
lien de Robespierre (1758-1794), que foram membros celebração da violência que, provavelmente, revelava
do Comitê de Salvação Pública. o acúmulo, por séculos, de opressão e insatisfações, e

A Revolução Francesa 103

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mostrava a disposição à vingança de muitos franceses. sia, por sua vez, valia-se do descontentamento com
Mesmo alguns revolucionários assustavam-se com a as medidas radicais e do medo instaurado pelo clima
festa que cercava as execuções. de perseguição e vingança, para arregimentar aliados.
Para os jacobinos, as perseguições e condenações Aproximou-se, assim, dos setores camponeses, des-
eram o único instrumento para impedir as traições, contentes com o tabelamento do preço de seus produ-
consolidar as conquistas sociais e políticas e assegurar tos, do clero católico, insatisfeito com a perseguição à
a unidade nacional. Os princípios que os guiavam era Igreja, e dos monarquistas, que desejavam o retorno do
o da inevitabilidade da violência revolucionária e o da Antigo Regime ou rejeitavam a república.
situação de guerra. A estratégia de Robespierre de eliminar sistemati-
camente seus opositores também terminou por isolá-
MUSEU CARNAVALET, PARIS, FRANÇA

-lo politicamente. Em junho de 1794, ele foi preso e, no


dia seguinte, executado, junto com seus últimos alia-
dos. Meses depois, o clube dos jacobinos foi fechado. O
jacobinismo chegava ao fim.
A Convenção ainda persistiu até o final de 1795,
mas sob comando da alta burguesia, representada pelos
deputados do centro e da direita. Os sans-culottes foram
desarmados e contidos militarmente. Diversos mem-
bros da esquerda foram presos e executados. Abando-
nou-se o controle dos preços dos alimentos e uma nova
Constituição foi elaborada. Ela determinava o retorno
do voto censitário, encerrando o período democrático da
revolução. O poder executivo passou a ser exercido por
A prisão de Robespierre, F. H. Harriet e J. J. F. Tassaert. Óleo um grupo de cinco pessoas, escolhidas pelos próprios
sobre tela, século XIX. deputados: era o Diretório. Mesmo reprimidos, os movi-
mentos populares continuavam a se manifestar e sur-
PHOTOGRAPHERS DIRECT

giam denúncias de corrupção praticada pelos membros


do Diretório. A França ainda vivia sob a mesma tensão
política de 1789 ou 1791.

O golpe do 18 Brumário
Dentro da França prevalecia a instabilidade dos
tempos do Diretório e, embora os movimentos popu-
lares estiverem fragilizados, a burguesia continua-
va a temê-los. Os raros levantes eram reprimidos com
violência, como a que sufocou a revolta liderada por
Babeuf, defensor da formação de uma sociedade iguali-
tária. As intervenções do exército em assuntos internos
tornaram-se frequentes e demonstravam o prestígio
das tropas que lutavam na península itálica e venciam
Execução de Robespierre em 28 de julho de 1794, anônimo. seguidas batalhas. O sucesso militar no exterior fazia
Litografia aquarelada, século XVIII. (detalhe) crescer o prestígio político e popular do jovem gene-
ral Napoleão Bonaparte. Para muitos, ele representa-
O fim da Convenção: a burguesia va uma liderança forte, capaz de interromper o ciclo
revolucionário e de promover a tranquilidade política
retoma o controle e social, tão desejada pela burguesia.
O poder jacobino foi amplo, mas breve. A lógica do ter- Em outubro de 1799, Napoleão retornou à Fran-
ror e da violência que o embasava inviabilizava qual- ça, consagrado por uma bem sucedida campanha
quer negociação ou acordo político. A alta burgue- militar no Egito. Ele assumiu a liderança de um com-

104 Capítulo 3  Na velocidade das luzes

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plô, já em processo, con- res só passaram a votar em 1945, ao final da Segunda
Brumário: segundo mês do
tra o Diretório e desfechou calendário revolucionário, Guerra Mundial.
o Golpe do 18 Brumário . implantado em 1792, du- No entanto, com o movimento revolucionário, as
rante a Primeira República.
Com Napoleão no poder, a Esse novo calendário francesas alcançaram alguns direitos, como o divór-
revolução transformava-se partia do advento da cio. Mais do que isso, houve exemplos de mulheres
revolução e nomeava os
num processo militarizado meses de acordo com esta-
que se alistaram no exército e chegaram a receber gra-
e a burguesia consolidava ções e fenômenos naturais. tificações oficiais. Muitas mulheres também parti-
A palavra é derivada de
sua hegemonia política e cipavam das mobilizações internas. Um grupo delas
bruma ou névoa.
social. marchou em direção a Versalhes, em outubro de 1789,
para pressionar o rei Luís XVI a resolver o problema
Faça da escassez de pão. A escritora Olympe de Gouze par-
Tá ligado?! em se
cadernu
o
ticipou de associações pelos direitos da mulher, mas
seu apoio aos girondinos acabou por levá-la à prisão e
(UFMG) Leia este texto: "Antes, Napoleão havia à guilhotina.
levado o Grande Exército à conquista da Europa. Se No livro Virtuosas e perigosas: as mulheres na revolu-
nada sobrou do império continental que ele sonhou
ção francesa, a historiadora Tania Machado Morin des-
fundar, todavia, ele aniquilou o Antigo Regime, por
taca o fato de que, durante a revolução, formou-se um
toda parte onde encontrou tempo para fazê-lo; por
clube popular feminino, a Sociedade das Cidadãs Repu-
isso, também, seu reinado prolongou a revolução, e
ele foi o soldado desta, como seus inimigos jamais blicanas Revolucionárias. Já outra historiadora, Arlet-
cessaram de proclamar". te Farge sintetiza a condição da mulher sob a revolu-
ção: para ela, a revolução reproduziu a ambiguidade
LEFEBVRE, Georges. A Revolução Francesa.
São Paulo: Ibrasa, 1966. p. 573. do século XVIII francês, em que as mulheres ganharam
bastante espaço na vida social, mas não houve reco-
Tendo-se em vista a expansão dos ideais revolucio- nhecimento de seus direitos de cidadania e de seus
nários proporcionada pelas guerras conduzidas por
direitos profissionais.
Bonaparte, é CORRETO afirmar que:
a) os governos sob influência de Napoleão investi-
ram no fortalecimento das corporações de ofício Mulheres revolucionárias
e dos monopólios.
As mulheres tiveram participação ativa na Revolução:
b) as transformações provocadas pelas conquistas organizaram clubes políticos, discursaram na
napoleônicas implicaram o fortalecimento das Assembleia Nacional, participaram das jornadas revo-
formas de trabalho compulsório. lucionárias. Mas, sobretudo, foram as mulheres do
c) Napoleão, em todas as regiões conquistadas, derru- povo (cerca de sete mil) que marcharam a pé de Paris
bou o sistema monárquico e implantou repúblicas. a Versalhes para protestar contra a falta de alimentos.

BRIDGEMAN ART LIBRAY/KEYSTONE


d) o domínio napoleônico levou a uma redefinição do
mapa europeu, pois fundiu pequenos territórios,
antes autônomos, e criou, assim, Estados maiores.
→ DL/SP/H7
→ conforme tabelas das páginas 8 e 9.

As mulheres na revolução
A revolução não incorporou plenamente as mulheres
francesas à vida pública e, em vários momentos, mos-
trou-se bastante distante das reivindicações femininas.
As mulheres estavam sujeitas às mesmas penas e puni-
ções que afetavam os homens, mas continuaram proi-
Marcha das mulheres revolucionárias até o palácio real
bidas de ocupar cargos públicos e de alistar-se na Guar- de Versalhes em 5 de outubro de 1789, anônimo. Gravura
da Nacional. As conquistas sociais e políticas também aquarelada, 1789. (detalhe)
não incluíram o voto feminino. Na França, as mulhe-

A Revolução Francesa 105

OH_V2_Book.indb 105 13/05/16 12:06


Um Outro Olhar Sociologia
Justiça na Revolução Francesa e nos dias de hoje
A violência
"Seria ótimo se pudéssemos associar a Revolução exclu- maram o desfile com a cabeça de Bertier ao lado da de
sivamente à Declaração dos Direitos do Homem e do Foullon. 'É assim que os traidores são punidos', dizia uma
Cidadão, mas ela nasceu na violência e imprimiu seus gravura, representando a cena.
princípios num mundo violento. Os conquistadores da Gracchus Babeuf, o futuro conspirador esquerdis-
Bastilha não se limitaram a destruir um símbolo do des- ta, descreveu o delírio geral numa carta à sua mulher.
potismo real. Entre eles, 150 foram mortos ou feridos no Multidões irrompiam em aplausos ao ver as cabeças nas
assalto à prisão, e, quando os sobreviventes apanharam o lanças, escreveu ele:
diretor, cortaram sua cabeça e desfilaram-na por Paris na 'Oh! Aquela alegria me deu náuseas. Sentia-me ao mesmo
ponta de uma lança. tempo satisfeito e descontente. E eu disse, tanto melhor e tanto
Uma semana depois, num paroxismo de fúria pelos pior. Eu entendia que o povo comum estava tomando a justi-
altos preços do pão e boatos sobre conspirações para ça em suas mãos. Aprovo essa justiça [...] mas poderia não ser
matar os pobres de fome, uma multidão linchou um funcio- cruel? Castigos de todos os tipos, arrastamentos e esquarteja-
nário do Ministério da Guerra chamado Foullon de Doué, mentos, tortura, a roda, o cavalete, a fogueira, verdugos pro-
degolou-o e desfilou com sua cabeça sobre uma lança, o liferando por toda parte trouxeram tanto prejuízo aos nossos
feno enfiado na boca como sinal de cumplicidade na cons- costumes! Nossos senhores [...] colherão o que semearam'."
piração. Em seguida, um grupo de amotinados capturou o DARNTON, Robert. O beijo de Lamourette. Mídia, cultura e revolução.
genro de Foullon, intendente de Paris, Bertier de Sauvigny, São Paulo: Companhia das Letras, 1990. p. 31.
e fizeram-no marchar pelas ruas com a cabeça na sua fren- Robert Darnton (1939-) é historiador, professor e diretor da
te, cantando 'Beije papai, beije papai'. Eles mataram Bertier Biblioteca da Universidade de Harvard e autor de diversos
defronte ao Hôtel de Ville, arrancaram seu coração e atira- livros sobre a Revolução Francesa e sobre a circulação de
ram-no para os lados do governo municipal. A seguir reto- livros e práticas de leitura no Ocidente.

O teatro
"Bem antes do cadafalso, que constitui apenas a última Honoré. Três charretes pintadas de vermelho, atreladas com
cena, montada sobre cavaletes, o espetáculo da guilhoti- dois cavalos, escoltadas por cinco ou seis policiais, atraves-
na começa com o percurso que, através da cidade, leva saram com seu passo uma multidão imensa e silenciosa [...].
da prisão ao lugar da execução. Fase mais longa da ceri- Cada carro continha cinco ou seis condenados. Eu só me lem-
mônia, já que ela dura, em média, entre uma hora e meia bro claramente do primeiro, porque duas figuras me choca-
e duas horas, ela é também aquela de que os relatórios ram pela surpresa e pelo horror. Uma era a de Danton [...], a
da polícia falam mais abundantemente. As exigências do grande vítima do dia. Sua enorme cabeça redonda fixava-se
espetáculo determinam, aliás, que seu trajeto seja relati- orgulhosamente na multidão estúpida, a insolência estava
vamente fixo, que ele seja claramente regulamentado. [...] refletida no seu rosto e sobre seus lábios um sorriso que mal
Ele é objeto de uma curiosidade considerável. Como dissimulava a raiva e a indignação. A outra era [...] Hérault de
nota o barão de Frémilly, em 20 de abril de 1794, 'ao baru- Séchelles, triste, abatido, a vergonha e o desespero no rosto
lho das charretes, todo mundo correu às janelas'; e ele conta que ele baixava até os joelhos, os cabelos negros, curtos e eri-
em detalhes o espetáculo de 5 de abril: 'Foi na rua Saint- çados, o colarinho desabotoado, vestido pela metade com

Faça
em se → conforme tabelas das páginas 8 e 9.
cadernu
o

1 Caracterize a ideia de justiça que o texto de Robert daqueles que assistiam ao cortejo dos condenados à
Darnton identifica entre as pessoas que atacaram morte na guilhotina? → DL/CF/SP/CA/H1/H8/H11/H12
a Bastilha e a que Babeuf expressa na carta à sua 3 Explique a seguinte frase de José de Souza Martins:
mulher. → DL/CF/SP/CA/H1/H8/H11/H12/H21 "A Justiça formal e oficial deixou de aplicar a pena de
2 O que poderia justificar a alegria e a festividade morte, ainda no Império, abolida por lei, mas o povo

106 Capítulo 3  Na velocidade das luzes

OH_V2_Book.indb 106 13/05/16 12:06


um roupão escuro. Ele me apareceu de repente tal como eu o Essas peripécias às vezes são patéticas e elas podem
havia visto no Parlamento, quando ele me recebeu como advo- consistir um último reconforto às vítimas, graças à sim-
gado: bonito, jovem, elegante, na mais nobre moda do pentea- patia de algumas pessoas isoladas na multidão; embora,
do e dos ornamentos [...].' mais frequentemente, seja o ódio ou a alegria vingadora
[O jornal] Le Magicien républicain dá uma versão repu- que se manifestem de maneira mais estrondosa. Assim, à
blicana exemplar [sobre as lições que devem ser tiradas da altura do Oratório, uma mãe mantém no alto de seus bra-
passagem do percurso de Luís XVI]: 'Jamais, jamais, o univer- ços a seu filho da mesma idade que o filho menor de Maria
so viu um espetáculo tão imponente e tão majestoso. A ordem e Antonieta, para quem ele envia um beijo; mas, do átrio da
a tranquilidade que reinam em todos os lugares foram objetos igreja de Saint-Rohc, uma mulher tenta cuspir na rainha. O
de surpresa e de admiração, para todos aqueles que foram tes- cortejo de Robespierre se detém à altura da casa onde ele
temunhas: nem uma única pessoa elevava a voz; todos, ao con- viveu por longo tempo; danças surgiram em torno da char-
trário, conservavam o mais resignado e religioso silêncio, que, rete enquanto se aspergiam os muros da casa com vassou-
com o tempo calmo, mas sombrio e nebuloso desse momento, ras embebidas de sangue de boi."
produzia o efeito mais surpreendente que jamais um mortal ARASSE, Daniel. A guilhotina e o imaginário do terror.
pôde ver. Nenhum outro ruído senão o dos tambores e dos trom- São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 24.
petes se fazia ouvir, durante todo o espaço de tempo que levou o
Daniel Arasse (1944-2003) foi um historiador da arte
cortejo para dirigir-se a seu destino'. [...] especialista no Renascimento e na arte italiana.

A VINGANÇA
"Os enforcamentos, sentença comum da Justiça brasilei- ra, divórcio entre o poder e o povo, entre o Estado e a socie-
ra até 1874, como aconteceu em outros lugares, tinham dade. Os linchamentos, de certo modo, são manifestações
estrutura de espetáculo público, o que também aconte- de agravamento dessa tensão constitutiva do que somos.
cia nos autos de fé da Inquisição. Não lhes faltava nem Crescem numericamente quando aumenta a inseguran-
mesmo a decapitação dos sentenciados e a decepação ça em relação à proteção que a sociedade deve receber do
das mãos junto ao patíbulo, salgamento de cabeças e Estado, quando as instituições não se mostram eficazes no
mãos e seu acondicionamento em caixas de madeira leva- cumprimento de suas funções, quando há medo em relação
das, por capitães do mato, em excursões a lugares remo- ao que a sociedade é e ao lugar que cada um nela ocupa.
tos das províncias para escarmento dos povos, como se Os linchamentos expressam uma crise de desagregação
dizia. Verdadeiro funeral de horror. Espetáculo ainda visí- social. São, nesse sentido, muito mais do que um ato a mais
vel nos linchamentos de hoje, no açulamento de executo- de violência dentre tantos e cada vez mais frequentes episó-
res, como se fazia com o carrasco de antigamente, não só dios de violência entre nós. Expressam o tumultuado empe-
homens adultos coadjuvando os mais ativos na execução, nho da sociedade em ‘restabelecer’ a ordem onde ela foi rom-
mas também mulheres e crianças. Nos linchamentos, a pida por modalidades socialmente corrosivas de conduta
presença de mulheres e de crianças, acolitando e até par- social. É que o intuito regenerador da ordem, que os lincha-
ticipando das execuções, aparentemente confirma o cará- mentos pretendem, fracassaram, tanto quanto a República
ter ritual que os linchadores querem dar à punição. [...] fracassou no afã de modernizar e de ordenar, de instituir o
Há uma demora cultural na mentalidade que perma- equilíbrio de que toda sociedade carece na legítima aspira-
nece, ainda que impregnada de disfarces de uma atuali- ção de paz social e de garantia dos direitos da pessoa."
dade que não é a do novo, mas a do persistente. A Justiça MARTINS, José de Souza. Linchamentos: a justiça popular no Brasil.
formal e oficial deixou de aplicar a pena de morte, ainda São Paulo: Contexto, 2015. p. 10-11.
no Império, abolida por lei, mas o povo continuou a ado- José de Souza Martins (1938-), sociólogo, professor da
tá-la em sua mesma forma antiga através dos linchamen- Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, é
tos. Trágica expressão do divórcio entre o legal e o real que um dos mais destacados pesquisadores brasileiros e autor de
historicamente preside os impasses da sociedade brasilei- dezenas de obras sobre problemas sociais e políticos do Brasil.

continuou a adotá-la em sua mesma forma antiga atra- → DL/SP/CA/EP/H3/H11/H12/H14/H23


vés dos linchamentos." → DL/SP/CA/H3/H11/H12 5 Analisando casos recentes de linchamento no Brasil, é
4 Agora, compare a ânsia de justiça manifesta entre possível afirmar que "Os linchamentos expressam uma
aqueles que viveram a revolução francesa e os lincha- crise de desagregação social"?
dores citados no texto de José de Souza Martins. → DL/SP/CA/EP/H3/H10/H11/H12/H22/H24

A Revolução Francesa 107

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ANÁLISE DE IMAGEMpintura

Consagração do imperador Napoleão e coroação Autoria: Jacques-Louis David


da imperatriz Josefina
Encontra-se exposto no Museu do Louvre, em
Material: Óleo sobre tela Paris, na França. O principal foco de atenção do
quadro é seu tamanho. Uma cópia da composição
Dimensão: 9,79 m x 6,29 m
foi feita pelo próprio pintor e encontra-se no
Datação: 1805-1807 palácio de Versalhes.

1 Primeiro olhar: Jacques-Louis David (1748-1825) pertenceu 2 O pintor procurou fixar o exato momento em que
ao clube dos jacobinos e sua arte serviu aos ideais republica- Napoleão, de costas para o papa, está prestes a
nos. Com o fim da República, foi preso e se afastou da política. coroar sua esposa Josefina, que aguarda ajoelha-
À época de Napoleão, retornou à cena artística como pintor ofi- da. Ao coroá-la e também a si próprio, Napoleão
cial da corte. As formas simples e austeras do período revolucio- expressa sua autoridade sobre a Igreja.
nário deram lugar à pompa e ao requinte da época do Império.
FINE ART IMAGES/GLOW IMAGES/MUSEU DO LOUVRE, PARIS, FRANÇA

6 5 4 3
A composição Madame de La A distribuição dos personagens À direita do papa, o cardeal
monumental Rochefoucauld, segue uma ordenação de Giovanni Caprara. À sua esquerda,
reúne mais de e Madame importância, que é destacada o cônsul Charles-François Lebrun
200 figuras e foi Lavalette, pelas gradações de cor e luz. David usando manto roxo bordado a ouro,
inspirada na cena damas de honra, distribui os grupos com jogo de segurando na mão esquerda um
da Coroação de carregam o luz e foco nas cenas principais, bastão encimado pela águia impe-
Maria de Médici, pesado manto diminuindo até a escuridão à rial. À direita de Lebrun, o chanceler
pintada por Peter da imperatriz. esquerda. Casal imperial, papa, Jean-Jacques-Régis de Cambacérès,
Paul Rubens. cardeais e marechais estão em de perfil, segurando a mão da justi-
plena luz enquanto os cortesãos e os ça, e ao lado dele, marechal Louis-
irmãos estão na sombra. -Alexandre Berthier segurando a
almofada com a esfera imperial.

108 Capítulo 3  Na velocidade das luzes

OH_V2_Book.indb 108 13/05/16 12:06


Para ele, a religião facilitava a coesão e a unidade
Tá na rede! nacional, mas não devia interferir nas decisões políti-
cas. Anos antes, Napoleão havia assinado com o papa a
consagração de napoleão
Concordata de 1801, que estabelecia que o catolicismo
Digite o endereço abaixo na era a religião da maioria dos franceses, mas, ao mesmo
barra do navegador de internet:
tempo, não se atribuía a ela a condição de religião ofi-
http://goo.gl/wXcttL. Você pode
Página do Museu do cial da França. Dessa forma, haveria liberdade religio-
também tirar uma foto com um
Louvre que disponi- sa dentro do país, o clero devia submeter-se à autorida-
aplicativo de QrCode para saber biliza a imagem da
mais sobre o assunto. Acesso de política e o Estado garantia seu caráter secular, sem
Consagração de Na-
em: 12 abr. 2016. Em inglês. poleão por Jacques- sofrer interferências religiosas.
-Louis David em de- Embora fosse militar e se dedicasse às questões
talhes.
estratégicas, Napoleão preocupava-se em consolidar
sua autoridade política e separar as funções civis e mili-
tares:
O período napoleônico "Não é como general que eu governo, mas por-
que a nação considera que eu tenho as qualidades
(1800-1815) civis necessárias para o governo; se ela não tivesse
"Naquela tarde eu me vi pela primeira vez não essa opinião, o governo não se sustentaria."
mais como um simples general, mas como um homem
Citado por RICHET, Denis. "A Campanha da Itália". In: FURET,
chamado a influir sobre o destino de um povo. Eu me François; OZOUF, Mona (Org.). Dicionário crítico da Revolução
vi na história." Francesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989. p. 16.

A declaração acima foi dada por Napoleão Bonaparte,


Ecos da revolução
tempos depois da campanha da Itália, em 1796. Ele se
À frente do governo francês, Napoleão consolidou
referia ao dia em que venceu a importante Batalha de
diversas conquistas da revolução, por meio de um
Lodi. Pouco depois da vitória, ele dirigiu-se a seu oficial
Código Civil que confirmava o confisco das terras de
Auguste Marmont e foi categórico: "Meu caro, eles ainda
origem feudal, assegurava igualdade perante a lei,
não viram nada [...] Em nossos dias, ninguém concebeu
proteção à propriedade e abolição da servidão. O Códi-
nada de grandioso: cabe a mim dar o exemplo."
go, no entanto, atribuía posição superior aos patrões
As frases expõem duas características bastante
nas negociações trabalhistas com os empregados e
conhecidas do general francês: o orgulho pessoal e a
mantinha a hegemonia masculina perante mulheres
disposição de assumir papel de liderança. Elas mostram
e filhos. Uma ampla reforma educacional, de base ilu-
que ele começava a se ver como mais do que um líder
minista, permitiu a reestruturação do ensino. Os pri-
militar. Não estava sozinho. A aclamação que recebeu,
meiros anos do ciclo escolar eram administrados por
ao entrar em Paris, em 1799, revelava que muitos fran-
religiosos e a formação secundária e superior tornava-
ceses também enxergavam em Napoleão um líder capaz
se tarefa do Estado.
de controlar o país, interromper o ciclo de lutas internas
Embora a defesa da liberdade constasse do jura-
e promover a conciliação nacional.
mento feito na coroação, a forte autoridade exercida
Um ano depois do Golpe de 18 Brumário, uma nova
por Napoleão e a concentração de poderes nas mãos
constituição concentrou poderes no Executivo. Nascia o
do Estado acabaram por limitar drasticamente o direi-
Consulado. Três cônsules passavam a tomar as decisões
to à livre expressão e participação política dos fran-
e Napoleão era o principal deles. Dois anos depois, ele
ceses. Os republicanos radicais e os defensores do
recebeu o título de primeiro-cônsul vitalício. Em 1804,
retorno da monarquia absolutista eram duramente
tornou-se imperador numa cerimônia realizada na igre-
reprimidos: muitos foram presos, julgados sumaria-
ja de Notre Dame, em Paris. Jurou, sobre a Bíblia, o res-
mente e executados. A censura à imprensa foi rein-
peito ao direito à liberdade, à igualdade e à propriedade,
troduzida e os tipógrafos eram forçados a jurar obe-
recebeu a Coroa das mãos do papa e colocou-a sobre sua
diência e fidelidade ao imperador, transformando os
própria cabeça, coroando a si mesmo, num gesto que
jornais em porta-vozes do governo.
demonstrava que não se submeteria ao poder religioso.

A Revolução Francesa 109

OH_V2_Book.indb 109 13/05/16 12:06


A burguesia prosperou no período de Napoleão. A de liberdade não se aplicava a todos os homens indis-
condução da economia, baseada em princípios libe- criminadamente.
rais, privilegiou o estímulo à livre iniciativa. O Banco O liberalismo deu origem a uma nova forma de
da França, criado para limitar a emissão de papel governo: o governo representativo . Seu ponto de
moeda e controlar a inflação, facilitava os financia- partida é uma nova relação do Estado com o indiví-
mentos para a agricultura e para a indústria. Obras duo. Este passa a ser considerado um sujeito portador
públicas, como a construção de estradas e pontes, de direitos naturais (liberdade, propriedade, direi-
e a melhoria das comunicações também contribuí- to à vida), que constituem um limite para a atuação
ram para a dinamização da economia. No meio rural, do Estado, cuja obrigação é protegê-los. Além disso, o
Napoleão manteve a política de distribuição de terras, governo representativo se organiza de modo a garan-
iniciada na revolução. tir a participação dos indivíduos nas decisões polí-
ticas. Isto se dá por meio do voto. Ao escolher seus
O liberalismo político representantes em eleições, o indivíduo participa do
O termo liberal é utilizado hoje em vários sentidos. Em governo por meio deles.
termos econômicos, está associado àqueles que defen- Assim, a característica fundamental de um gover-
dem a liberdade comercial e a autonomia dos merca- no representativo é a existência de uma instância ele-
dos, ou seja, que as atividades econômicas sejam regu- tiva em que os representantes se reúnem para legislar,
ladas pelo mercado, sem muita intervenção do Estado, ou seja, tomar decisões e transformá-las em leis. Essa
de acordo com os preceitos do liberalismo econômi- instância é o Parlamento, e todos devem se submeter
co. É usado também para definir certo tipo de ativida- às leis promulgadas por ele, mesmo aqueles que ocu-
de profissional. Advogados, médicos, dentistas e outros pam os mais altos cargos. Uma monarquia pode cons-
são chamados de profissionais liberais. O termo tam- tituir um governo representativo, desde que seja cons-
bém se aplica a pessoas consideradas tolerantes do titucional, ou seja, o rei e todos os demais que ocupam
ponto de vista moral e àquelas que defendem a liber- cargos não eletivos se submetem às leis promulgadas
dade de expressão. pelos representantes eleitos. Outra forma de governo
No entanto, o termo "liberal" tem uma origem his- representativo é a república, na qual também o chefe
tórica que remete ao período napoleônico. Aplicado à do Executivo – o presidente – é eleito.
política, foi registrado pela primeira vez na proclama- Portanto, além dos direitos naturais do homem, o
ção de Napoleão Bonaparte, no 18 Brumário. A partir liberalismo político cria um novo direito: o de partici-
de então, foi incorporado à linguagem política na Euro- pação nas decisões de Estado, tanto por meio do voto
pa, na América e nos demais continentes. quanto por meio do direito de ser candidato ao cargo
Muitos, ao longo da História, autodenominaram-se eletivo. Emergem assim duas concepções liberais de
(e autodenominam-se) liberais. Isso cria uma grande cidadania, complementares entre si: a cidadania civil,
confusão, pois o termo acabou sendo utilizado por mui- que remete ao conjunto dos direitos naturais de cada
tas correntes políticas diferentes. Isso ocorre porque o indivíduo, e a cidadania política, que remete ao direito
pensamento liberal não constitui um conjunto homo- de participação política.
gêneo de ideias e práticas. Pode-se dizer que existem
vários liberalismos. As guerras napoleônicas
Mas, apesar dessa diversidade, existem alguns A estabilidade política interna, obtida por meio da cen-
conceitos básicos presentes em todas as tendências tralização do poder e da repressão à oposição e aos
liberais: direito à liberdade individual, direito à pro- movimentos populares, permitiu que Napoleão dire-
priedade, igualdade de todos perante a lei . As dife- cionasse sua atenção às guerras contra os inimigos
renças aparecem na interpretação que se dá a estes externos. Áustria, Prússia e Rússia, temendo a difusão
princípios. Por exemplo, no século XIX existiam libe- das ideias iluministas e o expansionismo militar fran-
rais que condenavam a escravidão em nome do direito cês, declararam guerra à França. Napoleão conseguiu,
de liberdade de todos os indivíduos, ao mesmo tempo em poucos anos, reagir à ameaça estrangeira e impor
que existiam liberais que defendiam a escravidão derrotas categóricas aos inimigos. Em 1807, os france-
em nome do direito de propriedade (a propriedade ses já controlavam boa parte da Europa. Nos discursos,
do escravo pelo senhor), considerando que o direito ele identificava os soldados com os cidadãos e afirmava

110 Capítulo 3  Na velocidade das luzes

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que suas tropas lutavam contra o Antigo Regime, disse- nham apoio das populações antes oprimidas pela rea-
minando a liberdade pelo continente: leza, pela nobreza e pelo clero e ofereciam espaço para
o avanço da burguesia.
"Nós somos trinta milhões de homens reunidos
A ideia de que os soldados-cidadãos lutavam por
pelas luzes, a propriedade e o comércio. Trezentos
ideais, porém, não impedia que muitos denuncias-
ou quatrocentos mil militares nada são nessa massa.
sem a imensa concentração de poderes nas mãos do
Além do fato de o general comandar exclusivamente
imperador e a crescente hegemonia territorial france-
pelas qualidades civis, a partir do momento em que
sa. Ela também não escondia o fato de que o sucesso
não está mais na função, ele retorna à ordem civil.
militar de Napoleão derivava sobretudo de sua capa-
Os próprios soldados não passam de filhos dos cida-
cidade estratégica. Ele renovou a maneira de fazer a
dãos. O exército é a nação."
guerra. Publicava notícias falsas em jornais e fazia cir-
Napoleão Bonaparte. Sobre a guerra. cular documentos enganosos para confundir os inimi-
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015. p. 500.
gos. Analisava prévia e detidamente os campos onde
Em várias partes da Europa, a burguesia, as classes as batalhas iriam transcorrer, para estabelecer a táti-
médias e muitos pensadores de fato encaravam o avan- ca adequada de luta. Assegurava a existência de rotas
ço militar napoleônico como uma luta contra o despo- de fuga e a possibilidade de avançar sobre o adversá-
tismo monárquico. Nas áreas ocupadas pelos exércitos rio por um flanco inesperado. Valorizava o ataque forte
franceses, os administradores nomeados por Napo- e rápido para evitar as guerras longas travadas em trin-
OH_V2_C3_p108
leão aboliam a servidão e os direitos senhoriais, padro- cheiras. Sua vitória em Austerlitz (1805), contra as for-
nizavam a coleta de impostos, eliminando privilégios ças da Áustria e da Rússia, tornou-se objeto de estudo
aristocráticos, estabeleciam tolerância religiosa e pro- militar, dada a peculiar organização das tropas e a velo-
OH_V2_C3_p108 cidade dos ataques.
moviam a educação pública. Com tais medidas, obti-

MÁRIO YOSHIDA
O IMPÉRIO NAPOLEÔNICO E O MUNDO EM 1812

Estados
Unidos

Estados
Unidos

ÁFRICA

ÁFRICA

ESCALA
0 1710 3 420 km

ESCALA
Império Russo 0 1710 3 420 km
e expansão

Império Russo
e expansão
Fonte: Elaborado com base em KINDER, H.; HILGEMANN, W. Atlas histórico mundial. Madrid: Akal, 2006.

A Revolução Francesa 111

OH_V2_Book.indb 111 13/05/16 12:06


O Bloqueio Continental tando o abastecimento das tropas invasoras. Em setem-
bro daquele ano, o exército francês finalmente chegou
Se na guerra por terra, as tropas napoleônicas pareciam
a Moscou. Era, porém, tarde demais para prosseguir:
imbatíveis, sua capacidade de lutar no mar era significa-
o inverno aproximava-se, as tropas estavam cansadas
tivamente menor. Justamente por isso, a Inglaterra era
e famintas. Napoleão determinou a retirada. No retor-
um objetivo inalcançável: a poderosa marinha britânica
no, as forças russas realizaram frequentes ataques aos
protegia a ilha. Napoleão recorreu, então, a estratégias
franceses, que também enfrentaram temperaturas bai-
comerciais para debilitar a Inglaterra e impor a hegemo-
xíssimas. Sem ter alcançado seu objetivo, Napoleão
nia econômica e militar francesa em toda a Europa. Em
retornou à França com cerca de 60 mil homens: mais
1806, ele decretou o Bloqueio Continental, que deter-
de 90% de seus soldados haviam morrido na aventu-
minava que os países europeus não poderiam mais man-
ra militar.
ter relações comerciais com a Inglaterra. Caso desrespei-
tassem a ordem, seriam atacados pelas tropas francesas. Faça
A reação inglesa não tardou. A marinha alterou o Tá ligado?! em se
cadernu
o
posicionamento e o itinerário de suas embarcações, difi-
cultando o contato dos países europeus com suas colô- (UFRGS-RS) Por volta de 1811, o Império napoleônico
atingiu o seu apogeu. Direta ou indiretamente,
nias do além-mar. A medida napoleônica também forçou
Napoleão dominou mais da metade do continente
os ingleses a valorizarem mais os mercados coloniais.
europeu. Tal conjuntura, no entanto, reforçou os
Eles passaram a estimular o contrabando através do sentimentos nacionalistas da população dessa
Atlântico e a defender a emancipação política das pos- região. A ideia de nação, inspirada nas próprias
sessões espanholas e portugueses na América. concepções francesas, passou a ser uma arma desses
O Bloqueio também trazia dificuldades de abaste- nacionalistas contra Napoleão.
cimento dentro da Europa. Os países que comercializa- Assinale a afirmação correta, relativa à conjuntura
vam prioritariamente com a Inglaterra passaram a ter acima delineada:
dificuldades para escoar sua produção. As manufatu- a) Após o Bloqueio Continental, em todos os
ras e indústrias francesas tampouco conseguiam abas- Estados submetidos à dominação napoleônica,
tecer os mercados europeus, antes alimentados pelos os operários e os camponeses, beneficiados pela
produtos britânicos. As burguesias nacionais, que até prosperidade econômica, atuaram na defesa de
então viam Napoleão como um libertador, assistiam à Napoleão contra o nacionalismo das elites locais.
redução e à paralisia de seus negócios e, em decorrên- b) A Inglaterra, procurando manter-se longe dos
cia, de seus lucros. problemas do continente, isolou-se e não
O próprio aparato militar francês acabou por se tor- interveio nos conflitos desencadeados pelos
anseios de Napoleão de construir um Império.
nar um instrumento da manutenção do Bloqueio. A
Espanha foi incorporada à força ao império francês, por c) A Espanha, vinculada à França pela dinastia dos
Bourbons desde o século XVIII, não reagiu à
não contribuir para o esforço de guerra e não conseguir
dominação francesa. Em nome do respeito às suas
impedir que Portugal mantivesse relações comerciais tradições e ao seu nacionalismo, a Espanha aceitou
com a Inglaterra. Em 1808, o rei Carlos IV abdicou ao a soberania estrangeira imposta por Napoleão.
trono e José Bonaparte, irmão de Napoleão, foi coroado d) Em 1812, Napoleão estabeleceu sólida aliança
rei espanhol. A maioria da população espanhola, cató- com o papa, provocando a adesão generalizada
lica, rejeitava o liberalismo francês e lutou arduamen- dos católicos. Temporariamente, os surtos
te com os invasores. A guerra prolongou-se por meses e nacionalistas foram controlados, o que o levou a
consumiu grandes recursos financeiros da França. garantir suas progressivas vitórias na Rússia.
No início do verão de 1812, diante do repetido des- e) Herdeira da Filosofia das Luzes, a ideia de nação,
respeito russo ao Bloqueio, Napoleão desencadeou sua tal como difundida na França, fundou-se sobre
mais ousada e temerária campanha: a invasão da Rús- uma concepção universalista do homem e de
sia. Durante meses, os franceses, com mais de 600 mil seus direitos naturais. Essa concepção, porém,
pressupunha o princípio do direito dos povos de
soldados mobilizados, avançaram no território russo,
dispor sobre si mesmos.
quase sem enfrentar resistência. Os russos recolhiam-
-se para o interior, atraindo o exército de Napoleão, → DL/SP/H7
mas antes destruíam as plantações e os pastos, dificul- → conforme tabelas das páginas 8 e 9.

112 Capítulo 3  Na velocidade das luzes

OH_V2_Book.indb 112 13/05/16 12:06


Seu novo governo foi breve: meros cem dias. Em
França versus Inglaterra junho daquele ano, seu exército foi derrotado em Water-
O Primeiro Ministro britânico William Pitt (esq.) e loo por tropas prussianas e inglesas. Napoleão rumou
Napoleão Bonaparte (dir.) repartem o globo. A charge novamente para o exílio, agora na distante ilha de Santa
representa o clima de tensão entre França e Inglaterra, no
momento em que Napoleão Bonaparte decretou o Bloqueio
Helena, ao largo da costa atlântica da África, onde viveu
Continental (1806). até a morte, cinco anos depois.
The Plumb-pudding in danger or State epicures taking
un petit souper / the great Globe itself and all which it
inherit, is too small to satisfy such insatiable appetites
(Em tradução livre: "O pudim de Natal em perigo ou gastrô-
O Congresso de Viena:
nomos estatais experimentando um pequeno jantar" / "o
grande Globo e tudo que ele herda é pequeno demais para
a força das tradições
satisfazer tais insaciáveis apetites". O fim do governo napoleônico trouxe a necessidade de
reorganização territorial e política do continente euro-
BIBLIOTECA DO CONGRESSO, WASHINGTON D.C., Estados Unidos

peu. Ao mesmo tempo, as famílias reais viam a possibi-


lidade de retomar sua antiga hegemonia e o equilíbrio
prévio à revolução francesa e ao expansionismo fran-
cês. Entre 1814 e 1815, representantes de vários reinos
reuniram-se no Congresso de Viena, debateram o futu-
ro da Europa e formularam um acordo de paz.
Muitos dos participantes do Congresso defendiam
que as ideias iluministas e liberais fossem abandona-
das e que as mudanças e conquistas sociais das últi-
mas décadas fossem revertidas. Para Klemens Metter-
nich (1773-1859), príncipe austríaco, a ordem anterior
The Plumb-pudding in danger, James Gillray. Gravura a 1789 precisava ser restaurada e as famílias reais
colorida, 1805.
depostas pelas guerras e revoluções deviam retornar ao
poder. Para ele, esse era o caminho para que se resta-
A queda de Napoleão belecesse o equilíbrio existente antes do período napo-
Os anos de vitórias militares deram a Napoleão força, leônico e para que se evitassem novos conflitos. O czar
prestígio e recursos financeiros para manter a França russo Alexandre I (1777-1825) defendeu a criação de
política e comercialmente estável. Mas as guerras na um liga de Estados, cujo propósito era combater as
Espanha e, sobretudo, na Rússia exauriram as finanças manifestações liberais, revolucionárias e nacionalistas
francesas e fragilizaram a liderança política do impe- em toda a Europa e garantir o prevalecimento dos prin-
rador. O exército de cidadãos também enfrentava séria cípios cristãos e aristocráticos: a Santa Aliança.
dificuldade de reorganização e recomposição após a O Congresso endossou parte importante dessas
campanha russa. Em outubro de 1813, Áustria, Prússia, propostas: os tronos tomados por Napoleão foram res-
Rússia e Suécia aliaram-se e derrotaram Napoleão na tituídos às famílias que antes os controlavam e a Fran-
cidade germânica de Leipzig. No mês seguinte, tropas ça foi condenada a indenizar, por cinco anos, os países
britânicas, com apoio espanhol, invadiram o território que haviam sofrido ataques e invasões. As decisões do
francês. Em abril de 1814, Paris foi tomada e Napoleão, Congresso permitiram a formação de um novo equilí-
deposto. Vinte e um anos depois da execução de Luís brio na Europa: nenhum país tinha condições políticas
XVI, seu irmão Luís XVIII assumia o trono da França. ou militares para romper o acordo e partir para a guer-
O retorno dos Bourbon, porém, inquietou a popula- ra. Tal equilíbrio resistiu por décadas e só foi rompido
ção francesa, que temia um retrocesso em relação às con- na segunda metade do século XIX, durante o processo
quistas da revolução. Napoleão acompanhava a situação de Unificação da Alemanha.
francesa desde seu exílio em Elba, uma ilha na costa da O sucesso da reunião parecia também consolidar a
península itálica, e articulou sua volta. Desembarcou no vontade de antigos nobres, que buscavam a revanche e
litoral francês no dia 1.º de março de 1815 com cerca de pretendiam retornar à lógica, à dinâmica e às tradições
mil homens e não chegou a combater. Diante do general, do Antigo Regime. O mundo, porém, era outro, excessi-
as forças enviadas por Luís XVIII renderam-se e se alia- vamente distinto do que existia antes de 1789. A Revo-
ram a Napoleão, que marchou triunfalmente para Paris. lução Francesa o havia virado de ponta-cabeça.

A Revolução Francesa 113

OH_V2_Book.indb 113 13/05/16 12:06


OH_V2_C3_p111

MÁRIO YOSHIDA
A EUROPA APÓS O CONGRESSO DE VIENA (1815-1852)
10°

REINO DA SUÉCIA
A Europa após o Congresso
Co de
Viena (1815-1852)
Oslo
mo
mo
Estocolmo Confederação alemã
Confederaç
ESCÓCIA
Fronteiras em
e 1815
Edimburgo
IRLANDA
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Dublin


INGLATERRA DINAMARCA Ma
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SCHLESWIG- IMPÉRIO
PAÍS DE -HOLSTEIN Hamburg
GALES RUSSO
Amsterdã HANÔVER
Londres HOLANDA Berlim Posen Varsóvia
PRÚSSIA Brest-Litovsk
Bruxelas PRÚSSIA
Colônia SAXÔNIA
OCEANO Kiev
Paris BAVIERA Praga
ATLÂNTICO BAVÁRIA Cracóvia
Stutgart
WÜRTTENBERG
Baden Viena IMPÉRIO AUSTRÍACO
FRANÇA Munique
Buda Peste Odessa
Bordeaux Genebra SUÍÇA
Lyon
PIEMONTE Milão
Veneza
MASSA E MÓDENA Bucareste
Marselha CARRARA Belgrado
PORTUGAL ESTADO Mar Negro
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Lisboa REINO DO dr PÉ
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Mar Mediterrâneo

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Palermo

DU REI ESCALA
ÁFRICA 0 335 670 km

Fonte: Elaborado com base em VIDAL-NAQUET, P. Atlas histórico. Lisboa: Círculo de Leitores, 1990.

Verificação de leitura 2 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 Por que os nobres pressionaram Luís XVI a convocar → DL/SP/CA/H9/H12/H24


os Estados-Gerais, em 1788? → DL/SP/H8/H11/H12 7 Analise a seguinte frase de Napoleão dentro do con-
2 "É uma revolta?" "Não, senhor, é uma revolução!" (diá- texto da revolução francesa: "Não é como general
logo atribuído a Luís XVI e ao duque de Liancourt). que eu governo, mas porque a nação considera que eu
Estabeleça, com suas palavras, a diferença entre tenho as qualidades civis necessárias para o governo;
revolta e revolução. se ela não tivesse essa opinião, o governo não se sus-
tentaria". → DL/CF/SP/CA/H1/H7/H9/H12
→ DL/CF/H9/H13/H15/H22
3 Quais foram as principais mudanças introduzidas 8 Identifique o sentido e os desdobramentos do
pela Constituição francesa de 1791? decreto expedido por Napoleão em 1806 e citado
abaixo
→ DL/CF/SP/H10/H11/H12/H23
4 Caracterize a participação e as conquistas das "Decretamos o que segue:
mulheres durante a revolução francesa. Artigo 1.º As Ilhas Britânicas são declaradas em
→ DL/SP/CA/EP/H8/H10/H11/H13/H24/H25 estado de bloqueio.
5 "Era permitido temer que a revolução, tal como Artigo 2.º Qualquer comércio e qualquer correspon-
Saturno, devorasse sucessivamente todos os seus dência com as Ilhas Britânicas ficam interditados [...]"
filhos." Essa frase do líder girondino Pierre
MATTOSO, K. M. de Q. Textos e documentos
Vergniaud aplica-se ao período da Convenção para o estudo da história contemporânea (1789-1963).
Jacobina? Justifique sua resposta. São Paulo: Hucitec/Edusp, 1977. p. 49.
→ DL/CF/SP/CA/H9/H11/H12/H13/H22
→ DL/CF/SP/H1/H7/H9/H26
6 Explique a seguinte frase do texto: "O rei mantinha
9 Elabore um pequeno texto desenvolvendo a ideia de
seu posto, mas seu poder, agora, era limitado e devia
Eric Hobsbawm, para quem a Revolução Francesa
ser exercido em nome dos franceses, e não pela graça
teria fornecido "a ideologia do mundo moderno".
de Deus ou em função de sua origem".
→ DL/CF/SP/CA/H3/H9

114 Capítulo 3  Na velocidade das luzes

OH_V2_Book.indb 114 13/05/16 12:06


3 A Revolução Industrial

O
ritmo da vida coletiva foi acelerado a partir da segunda metade
do século XVIII. Com a industrialização, consolidava-se o pro-
cesso de acumulação primitiva de capitais decorrente das ativi-
O encolhimento do mundo dades comerciais marítimas iniciadas no século XVI, do tráfico negrei-
ro desde o século XVII e das transformações na posse da terra
A verificadas na Inglaterra no século XVII e na França após 1789.
A+ COMUNICAÇÃO/CIA. de ÉTICA

Iniciada na Inglaterra na segunda metade do século


XVIII, a Revolução Industrial foi caracterizada pela consti-
tuição do sistema fabril mecanizado, isto é, pelo apareci-
mento de fábricas que utilizavam máquinas no lugar de fer-
ramentas e substituíam gradativamente a força motriz humana
por outras (vapor, carvão e, posteriormente, eletricidade e moto-
1500-1840
res a combustão interna).
A Revolução Industrial, no entanto, não foi uma ruptura técnica,
B mas a herdeira de um lento processo de aprendizagem em um longo per-
curso de surgimento de inovações técnicas. Essas inovações levaram à
multiplicação acelerada de mercadorias e serviços. O impacto sobre as
1840-1930 estruturas econômicas foi brutal. Criaram-se necessidades de consumo:
o surgimento de novos produtos e a redução dos custos de produção dos
C já existentes ampliaram o mercado consumidor. A aceleração do cresci-
anos 50 mento econômico, marcada pelo investimento de capitais em tecnologia
visando maior produtividade, tornou-se a regra da sociedade capitalista.
D
anos 60

Carruagem E o mercado mundial


1995
O carro-chefe dessas transformações foi a manufatura têxtil. A produ-
imagens: istock

ção de tecidos de algodão rústicos articulou-se à rede ultramarina, for-


A 16 km/h
Locomotiva necendo as mercadorias que seriam trocadas por africanos escraviza-
a vapor dos. O rentável tráfico negreiro proporcionava grande parte dos capitais
aplicados nas manufaturas e em seu desenvolvimento tecnológico. Pos-
B 100 km/h teriormente, tanto em áreas coloniais diretamente controladas quanto
Avião a
propulsão em colônias de outros Estados europeus, a Inglaterra conseguiu impor a

C 480-640 km/h
Avião
a jato

D 800-1 100 km/h
Concorde
Voos comerciais do Concorde começaram em 21 de janeiro 6 horas era o tempo de viagem entre Rio
de 1976 e terminaram em 24 de outubro de 2003. de Janeiro e Paris em um Concorde.
E 2 652 km/h

0 200 1 500 8 000 15 000 32 000


Quilômetros percorridos em 12 horas
Fonte: Elaborado com base em HARVEY, D. Condição
pós-moderna. Trad. São Paulo: Loyola, 1992. p. 220.

A Revolução Industrial 115

OH_V2_Book.indb 115 13/05/16 12:06


entrada de sua produção têxtil, monopolizando a maior ciam todas as etapas do processo produtivo, desde a
parte do mercado mundial. obtenção da matéria-prima até a comercialização final
Desde então, a América Latina, a África e a Ásia da mercadoria pronta. O ritmo de trabalho no artesana-
figuraram como regiões dependentes da economia to era irregular. Muitas vezes, os artesãos preferiam con-
inglesa, sendo escoadouro de manufaturas e fornecedo- centrar suas atividades semanais em três ou quatro dias
ras de produtos primários. Até 1850, aproximadamen- e descansar no restante do tempo. Não existiam os con-
te, a Inglaterra foi a grande oficina do mundo. Principais ceitos de jornada de trabalho ou de horário de trabalho.
exportadores de produtos industrializados e importado- Os artesãos reuniam-se em corporações. Elas exis-
res de matérias-primas, os ingleses ocuparam o centro tiam desde a Idade Média e chegavam a determinar os
da economia mundial, integrando, a partir de seus cir- métodos empregados na produção. No século XVIII,
cuitos mercantis, áreas potencialmente industrializá- elas também procuravam controlar a produtividade
veis e outras marcadamente dependentes. das oficinas. Cada artesão devia produzir para um mer-
cado local limitado e evitar concorrer com os demais
membros da corporação.
A diminuição das distâncias Dentro de sua casa, o artesão não trabalhava sozi-
A Revolução Industrial,com seus desdobramentos, nho: recebia o auxílio de sua família e de aprendizes,
representou a redução das distâncias, alterando, a partir cujo principal objetivo era aprender o ofício e, no futu-
de então, as relações espaço-tempo. Entre 1500 e 1840, ro, tornar-se mestre e dirigir sua própria oficina. Alguns
a média de velocidade de carruagens e barcos a vela era artesãos contratavam, ainda, trabalhadores assalaria-
de 16 km/h. Entre 1850 e 1930, os barcos a vapor chega- dos, que ajudavam na produção, sobre as ordens do mes-
vam à média de 57 km/h e as locomotivas alcançavam tre. Parte da historiografia dos séculos XIX e XX idea-
100 km/h. Nos anos 1950, aviões a propulsão desloca- lizou o artesanato, associando o trabalho a relações
vam-se a 640 km/h. A partir dos anos 1960, jatos de pas- afetuosas e fraternas. Hoje sabemos que nem sempre era
sageiros atingem 1 100 km/h. Um avião Concorde era assim: a hierarquia do artesanato era rigorosa.
capaz de chegar a 2 652 km/h. Tal situação foi sugestiva- Um documento encontrado pelo historiador Robert
mente definida pelo geógrafo David Harvey como enco- Darnton mostra conflitos e tensão numa oficina pari-
lhimento do mundo (ver ilustração da página anterior). siense, em 1730:
Vivemos num tempo de velocidade. O historiador "A vida de aprendiz era dura. [...] Dormiam num
francês Pierre Nora afirmou que a aceleração desorienta quarto sujo e gelado, levantavam-se antes do amanhe-
até nossa memória e dificulta pensar no passado. Nosso cer, saíam para executar tarefas o dia inteiro, tentando
trabalho, nosso sono, nossas refeições e até os diverti- furtar-se aos insultos do patrão (mestre), e nada rece-
mentos e o lazer são regrados pelo relógio: têm horário biam para comer, a não ser sobras. Achavam a comi-
definido para começar e para terminar. O relaxamento da especialmente mortificante. Em vez de jantar à mesa
depois do trabalho, no final da tarde, por exemplo, foi do patrão, tinham de comer os restos de seu prato na
nomeado “happy hour”, hora feliz. Herdamos o fascínio cozinha. Pior ainda, o cozinheiro vendia, secretamente,
pela velocidade da Revolução Industrial, mas também as sobras, e dava aos rapazes comida de gato – velhos
herdamos a opressão que a angústia diante do tempo pedaços de carne podre que não conseguiam tragar e,
nos provoca e que nos leva a usar expressões como “o então, passavam para os gatos, que os recusavam".
tempo voa” ou “perda de tempo”. O ritmo frenético DARNTON, R. O grande massacre de gatos e outros episódios da
imposto pelas máquinas do século XVIII e de hoje nos história cultural francesa. Rio de Janeiro: Graal, 1986. p. 103-104.
libertam e nos aprisionam.
O relato prossegue com a informação de que os gatos
tinham privilégios e atrapalhavam, com miados, o sono
O declínio da e o cotidiano dos aprendizes e assalariados. Numa noite,
revoltados, eles resolveram vingar-se e mataram deze-
produção familiar nas deles. A partir daí, passaram a se divertir com a repe-
Muito antes das fábricas e de suas máquinas, os artesãos tida encenação do julgamento e execução da gata favori-
comandavam a produção dos objetos utilizados no coti- ta da dona da oficina.
diano. Eles trabalhavam geralmente em suas casas e uti- Já desde o final da Idade Média, o artesanato convi-
lizando as ferramentas necessárias. Além disso, conhe- via com outro modelo de produção, o chamado sistema

116 Capítulo 3  Na velocidade das luzes

OH_V2_Book.indb 116 13/05/16 12:06


ESCALA
0 380 760 km

doméstico. Ele introduzira a figura do intermediário

MÁRIO YOSHIDA
EVOLUÇÃO DAS FERROVIAS NA EUROPA
entre o artesão e o mercado. Esse novo personagem leva- NO SÉCULO XIX
1880
va a matéria-prima para o artesão, que deveria transfor-
má-la e entregar a mercadoria pronta num determinado 1840
prazo. No dia combinado, o intermediário comparecia à
oficina, recebia o produto e pagava o trabalho do artesão.
O sistema doméstico representava uma mudança signifi-
cativa e funcionava como um estágio de transição entre Ferrovias
o trabalho doméstico e a manufatura ou a fábrica: o arte-
são ainda dispunha dos meios de produção e do controle
sobre a totalidade do processo e sobre seu ritmo de traba-
lho, mas perdia a ligação direta com a fonte de matérias
-primas e com o mercado.

Um novo espaço de produção


ESCALA
Inicialmente limitado a alguns casos, o sistema domés- 0 380 760 km
tico avançou bastante durante o século XVII. Dos dois
lados da relação, no entanto, havia insatisfação. Os
1840
intermediários acusavam os artesãos de trocar a maté-
ria-prima fornecida por outra, de pior qualidade, e de 1850
frequentemente desrespeitar os prazos de entrega da
1880
mercadoria. Os artesãos, por sua vez, percebiam a signi-
ficativa redução nos ganhos e sua gradual subordinação Ferrovias

a alguém que, a rigor, desconhecia as artes do ofício.


Um terceiro sistema de organização da produção
ganhou gradualmente força, aumentando a satisfação e
os lucros do intermediário e agravando a dependência
do trabalhador. Eram as manufaturas. Sua origem tam-
bém remontava à Idade Média, mas no princípio reu-
niam poucos trabalhadores. No final do século XVII, elas ESCALA
0 380 760 km
haviam se ampliado e chegavam a concentrar centenas
de pessoas num mesmo espaço. Os produtores deviam
trabalhar com as ferramentas oferecidas pelos patrões
e durante um número determinado de horas. Recebiam
um salário fixo e não executavam mais a totalidade da
produção: cada uma delas exercia uma tarefa dentro do 1880
processo. A especialização acelerava a produção e, em
consequência, a produtividade. Por outro lado, retirava
1850
dos trabalhadores o controle pleno do processo, do ritmo
e, sobretudo, dos frutos e ganhos do trabalho. Nas manu-
faturas, o antigo artesão passava a vender sua força de
trabalho e o intermediário tornava-se patrão.

Por que a Revolução Industrial


ocorreu na Inglaterra?
Na Inglaterra, a agricultura tornara-se uma empresa capi-
talista, isto é, produzia-se para um mercado e não mais
para subsistência. A terra, aos poucos, foi se livrando das
obrigações tradicionais e tornando-se algo que podia ser
comprado, vendido, enfim, comercializado. Invenções, Fonte: Elaborado com base em VIDAL-NAQUET, P.; BERTIN, J. Atlas histórico. Lisboa:
Círculo de Leitores, 1990. p. 206-207.

A Revolução Industrial 117


1850

OH_V2_Book.indb 117 13/05/16 12:06


como melhores arados, ceifeiras, grandes ancinhos puxa- rança, expondo a riscos somente o montante real de seu
dos por cavalos e debulhadoras, aumentavam a produtivi- estoque de ações, e não todos os fundos que possuíam.
dade e diminuíam a quantidade de mão de obra necessá- Em 1844, após aproximadamente um século de progres-
ria para produzir alimentos e matérias-primas. Aliado aos so industrial, a Inglaterra contava com quase mil des-
cercamentos (ver p. 35), esse processo acabou liberan- sas companhias. Por fim, o Estado burguês, estabeleci-
do grandes contingentes de trabalhadores para a indús- do pela Revolução Gloriosa (1689), proporcionava lei,
tria. Além disso, os grandes suprimentos de carvão e ferro ordem e proteção à propriedade privada, auxiliando
do país tinham dado aos ingleses uma longa tradição de na industrialização.
metalurgia e mineração.
Outro fator foi a abundância de capitais acumu-
lados no decorrer da Idade Moderna por mercado- Tá na rede!
res prósperos e senhores de terras, que faziam emprés-
timos para investimento a juros baixos. Ao mesmo Máquina a vapor
tempo, prosperavam as sociedades anônimas, empre- Digite o endereço abaixo na
sas às quais grande número de pessoas associava seu barra do navegador de internet:
capital sem assumir responsabilidade individual por http://goo.gl/j6104U. Você pode
todas as dívidas e mantendo o direito de transferir também tirar uma foto com um
Página com a histó-
aplicativo de QrCode para saber
suas ações sem o consentimento de outros acionistas. ria da máquina a va-
mais sobre o assunto. Acesso em: por, demonstrações
Eram empresas compostas de inúmeras pessoas uni- 12 abr. 2016.Em português. e experimentos.
das para fins comerciais. Seus associados tinham segu-

História E Física>> A
 máquina a vapor
"A máquina a vapor, tornando possível o uso da ener- há quase um século – a teoria adequada das máquinas
gia em todos os artifícios mecânicos, em quantidades a vapor só foi desenvolvida ex post facto pelo francês
muito maiores do que qualquer outra coisa conseguira Carnot na década de 1820 – e podia contar com várias
realizar no passado, foi a chave para tudo o que ocorreu gerações de utilização, prática de máquinas a vapor, prin-
em seguida, sob o nome de Revolução Industrial. A face cipalmente nas minas. Dadas as condições adequadas, as
do mundo mudou mais drástica (e mais rapidamente) inovações técnicas da revolução industrial praticamente
do que em qualquer outra época desde a invenção da se fizeram por si mesmas, exceto talvez na indústria quí-
agricultura, cerca de 10 mil anos antes." mica. Isto não significa que os primeiros industriais não
ASIMOV, I. Cronologia das ciências e das descobertas. estivessem constantemente interessados na ciência e em
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1993. p. 395. busca de seus benefícios práticos."
"Qualquer que tenha sido a razão do avanço bri- HOBSBAWM, Eric. A era das revoluções.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. p. 45-47.
tânico, ele não se deveu à superioridade tecnológica
e científica. Nas ciências naturais os franceses esta-
HULTON ARCHIVE/GETTY IMAGES

vam seguramente à frente dos ingleses, vantagem que


a Revolução Francesa veio acentuar de forma marcante,
pelo menos na matemática e na física, pois ela incenti-
vou as ciências na França enquanto que a reação sus-
peitava delas na Inglaterra. [...]
Felizmente poucos refinamentos intelectuais foram
necessários para se fazer a revolução industrial. Suas
invenções técnicas foram bastante modestas, e sob hipó-
tese alguma estavam além dos limites de artesãos que
trabalhavam em suas oficinas ou das capacidades cons-
trutivas de carpinteiros, moleiros e serralheiros; a lan-
çadeira, o tear, a fiadeira automática. Nem mesmo sua
máquina cientificamente mais sofisticada, a máquina a
vapor rotativa de James Watt (1784), necessitava de mais Desenho de James Watt (1736-1819) de um motor a
conhecimentos de física do que os disponíveis então vapor, 1769.

118 Capítulo 3  Na velocidade das luzes

OH_V2_Book.indb 118 13/05/16 12:06


rador, movimentos disciplinados e regulares. Na mesma
O desenvolvimento época, surgiu o invento que, para muitos, foi o decisivo: a
tecnológico máquina a vapor de James Watt. A força do vapor substi-
A maquinização da produção trazida pela Revolu- tuía a humana, simplificava a operação e potencializava a
ção Industrial impôs em definitivo a necessidade de velocidade e o ritmo produtivos. Mulheres e crianças pas-
concentrar os trabalhadores no mesmo espaço e sob saram a ser contratados para operá-la, com salários ainda
as ordens de um patrão. As máquinas eram grandes mais baixos do que os dos homens e em condições de tra-
e caras. O artesão não possuía os recursos suficientes balho igualmente terríveis.
para adquiri-las. A burguesia mercantil, até então con- A siderurgia crescia junto com as fábricas, ofere-
centrada apenas nas atividades de circulação de merca- cendo recursos para as máquinas e acelerando a distri-
dorias, passou a investir também na produção. Os bur- buição das mercadorias. Os transportes também avan-
gueses eram atraídos pela perspectiva de articular as çaram, num esforço de distribuir mais mercadorias e
atividades produtivas à comercialização de forma mais de forma mais rápida. Na Inglaterra e na França dos
ampla e direta e viam no novo sistema de produção a séculos XVIII, abriam-se estradas que ligavam as zonas
chance de ampliar sua hegemonia financeira. industriais aos portos e a outras cidades. A tecnologia
No ritmo frenético das fábricas, o mercado para os do vapor foi aplicada aos transportes e provocou o sur-
produtos industrializados crescia rapidamente. A maior gimento dos barcos a vapor e dos trens, que, no século
produtividade baixava o preço do produto final, tornan- XIX, pelas águas e pelos trilhos, agilizaram ainda mais
do-o acessível a mais pessoas. A indústria têxtil inglesa o deslocamento de pessoas e produtos. Os novos meios
expandia-se com as novas máquinas. A lançadeira volan- de transporte também apressaram as comunicações,
te, criada por John Kay, em 1735, acelerou o trabalho de barateando o custo postal e aumentando imensamen-
tecelagem. Na década de 1760, a imensa water-frame, de te a troca de correspondências. A invenção do telégra-
Richard Arkwright, movida por água, esticava e torcia o fo completou o avanço das comunicações: embora caro,
algodão de forma ainda mais veloz e exigia, de seu ope- tornou-se essencial para os negócios.

ANÁLISE DE IMAGEMpintura

3 As cores frias e ácidas, com brilhante luminosidade,


O peregrino sobre o mar de brumas (detalhe) aumentam o sentimento de melancolia e isolamento.

KUNSTHALLE, HAMBURGO, ALEMANHA


Material: Óleo sobre tela

Dimensão: 0,98 m x 0,74 m

Datação: 1818

Autoria: Caspar David Friedrich

Exposta atualmente no Kunsthalle Museum,


Hamburgo (Alemanha).

1
Primeiro olhar:
Friedrich tratou, como nenhum outro pintor, do isola-
mento do homem civilizado diante da natureza. Ao con-
trário do personagem Robinson Crusoé, que, no século
anterior, confiava em sua capacidade individual e racio-
nal de interferir e dominar a natureza, o personagem de
Friedrich apresenta-se angustiado diante de uma natu-
reza indomável. O pintor retrata um momento em que se
colocava em questão o progresso e o racionalismo como
bases dessa transformação.

2 O solitário homem de costas contempla


um mundo que lhe parece estranho.

A Revolução Industrial 119

OH_V2_Book.indb 119 13/05/16 12:06


longas e exaustivas, alcançavam 15 ou 16 horas. Muitos
A transformação operários não chegavam a ver a luz do dia: entravam nas
da sociedade fábricas antes de o sol nascer e saíam de lá à noite.
A industrialização transformou o sistema da produção, Quando voltavam para casa, a situação não era
o universo do trabalho, o funcionamento dos mercados muito melhor. Os relatos da época falam de zumbidos
e o cotidiano das pessoas. No entanto, a sociedade euro- ininterruptos no ouvido, dores no corpo, dificuldades
peia continuava a ser predominantemente rural e a pro- para dormir, alimentação precária e insuficiente, des-
priedade de terras ainda era vista como a principal fonte mantelamento de laços familiares. O trabalho passava
de prestígio e riqueza. a interferir em todas as esferas da vida.
Conforme a urbanização avançava e novas cida-

SUPERSTOCK
des surgiam, tornava-se claro que o mundo passava por
uma transformação mais ampla e mais profunda. Per-
dia-se a sensação de pertencer a uma comunidade res-
trita e relativamente uniforme e cada vez mais as pes-
soas percebiam-se como indivíduos que deviam agir
por si mesmos, isoladamente. A ideia de pertencer a
uma nação, que ganharia força na metade do século
XIX, ainda era frágil demais para sustentar algum sen-
tido de coletividade, especialmente no país que viu as
fábricas surgirem.
O historiador Edward P. Thompson analisou a expe-
riência daqueles tempos:
"Todo processo de industrialização é doloroso,
porque envolve a erosão de padrões de vida tradi-
cionais. Contudo, na Grã-Bretanha, ele ocorreu com
uma violência excepcional, e nunca foi acompanha-
Londres sob a linha do trem, Paul-Gustave Doré. Xilografia,
do por um sentimento de participação nacional num
extraída de Londres: uma peregrinação. Londres: Grant &
esforço comum, ao contrário do que se pode observar Co., 1872. (detalhe)
em países que atravessam uma revolução nacional.
Sua única ideologia foi a dos patrões". As cidades industriais
THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa. II.
As cidades fabris reuniam burgueses e operários, mas
A maldição de Adão. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. p. 344-345.
os espaços de moradia das duas classes eram diferen-
A situação dos pobres ciados, traduzindo a diferenciação social em segregação
A sensação de perda e derrota prevalecia no mundo do espacial. O centro geralmente abrigava a população rica
trabalho. O novo sistema alienava o trabalhador. Em e os trabalhadores eram alojados em bairros construí-
geral, os operários vinham do meio rural e desconhe- dos nas proximidades das próprias fábricas. O cuidado
ciam o funcionamento da produção. Contratados para da administração pública com os dois setores era visivel-
exercer uma tarefa específica, jamais conseguiam com- mente diferente: no centro, ruas alargadas e melhor ilu-
preender a totalidade da processo produtivo. Eles tor- minadas; nos bairros operários, ruas estreitas, sombrias
navam-se peças das máquinas que, com seu movimen- e sujas, marcadas pela presença da fumaça e da fuligem
to acelerado, condicionavam as ações e deformavam os expelidas quase ininterruptamente pelas chaminés das
corpos dos trabalhadores. As tarefas mecanizavam seus fábricas e pelo lixo acumulado. As condições sanitárias
gestos. Os ruídos e a fumaça, dentro das fábricas, provo- eram precárias na cidade toda, e mais graves nos bair-
cavam doenças e desconforto ininterrupto. Havia o risco ros operários, onde casas pequenas, em geral com um
constante de acidentes, ferimentos e mortes. Os capa- só cômodo no andar de cima e outro no andar de baixo,
tazes eram, em geral, brutais no trato e muitas vezes abrigavam diversas pessoas. O abastecimento de água,
espancavam os trabalhadores que não correspondiam feito por meio de bicas e fontes públicas, era insuficiente
às suas expectativas. As jornadas diárias de trabalho, para a grande população urbana. Epidemias de tubercu-

120 Capítulo 3  Na velocidade das luzes

OH_V2_Book.indb 120 13/05/16 12:06


lose e cólera, entre outras doenças, grassavam com fre- para forçar as pessoas a se recolherem e se preservarem
quência e dizimavam milhares de pessoas. para o dia seguinte na fábrica.
A Igreja e o Estado contribuíam para disciplinar o O crime alastrava-se nessas cidades que cresciam
cotidiano dos trabalhadores. Na Inglaterra do século desmedidamente e escapavam do controle das auto-
XIX, pregadores descreviam os benefícios do trabalho ridades. Londres, que no início do século XIX já tinha
regular e associavam o bom uso do tempo à produção, mais de um milhão de habitantes, reformou totalmen-
difundindo a máxima liberal de que "tempo é dinheiro". te seu aparato policial e, a partir da década de 1820,
Leis proibiam o funcionamento dos pubs (public houses: passou a contar com policiamento ininterrupto das
bares) após um determinado horário, para evitar brigas e ruas.

História E Literatura>> A
 narrativa policial
A literatura captou logo os sinais da nova vida urbana Pernas de estátua, era-lhe a imagem nobre e fina.
e os impasses enfrentados por seus habitantes. Dois Qual bizarro basbaque, afoito eu lhe bebia
escritores foram especialmente precisos no diagnóstico No olhar, céu lívido onde aflora a ventania,
dos dramas e das virtudes urbanas: o francês Charles A doçura que envolve e o prazer que assassina.
Baudelaire (1821-1867) e o estadunidense Edgar Allan
Que luz... e a noite após! – Efêmera beldade
Poe (1809-1849).
Cujos olhos me fazem nascer outra vez,
Baudelaire expôs, em diversos poemas, o ritmo e a
Não mais hei de te ver senão na eternidade?
despersonalização das grandes cidades. Seu poema “O
crepúsculo vespertino” caracterizou a noite como um Longe daqui! tarde demais! nunca talvez!
refúgio do crime e dos criminosos, revelando uma cidade Pois de ti já me fui, de mim tu já fugiste,
marcada pelo perigo. “Uma carniça”, “Mártir” e “O vinho Tu que eu teria amado, ó tu que bem o viste!”
do assassino” trazem perfis terríveis dos habitantes urba- BAUDELAIRE, Charles. As flores do mal. Trad. Ivan Junqueira.
nos. Em “A uma passante”, ele registra o encontro fugidio Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006. p. 321.
entre uma mulher, elegante e de luto, e um homem, que Edgar Allan Poe é geralmente considerado o cria-
narra o episódio e constata que a breve troca de olhares dor da narrativa policial. Em três contos publicados na
o fez apaixonar-se à primeira vista. Numa cidade em que década de 1840 (“Os assassinatos da rua Morgue”, “O
todos estão em movimento, porém, essa paixão – o narra- mistério de Marie Roget” e “A carta roubada”), ele criou
dor reconhece – também foi à última vista: o primeiro grande detetive da literatura, Auguste Dupin,
“A rua em torno era um frenético alarido. desenvolveu o método analítico de decifração de mis-
Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa, térios e mostrou as cidades do século XIX como locais
Uma mulher passou, com sua mão suntuosa misteriosos e ameaçadores, em que o crime pode ocor-
Erguendo e sacudindo a barra do vestido. rer a qualquer momento e em qualquer lugar.

Braços cruzados, res de máquinas. O mais conhecido deles foi o ludismo.


Eles invadiam as fábricas durante a noite e destruíam
máquinas paradas os equipamentos. A repressão aos quebradores foi vio-
As fábricas geravam riquezas, mas os trabalhadores lenta: depois de um ataque a uma fábrica, em 1812,
penavam dentro e fora delas. A reação não demorou. No mais de cinquenta trabalhadores foram presos, jul-
decorrer do século XIX, surgiram movimentos e associa- gados e treze deles acabaram condenados à morte. O
ções de trabalhadores que, com diferentes estratégias, mundo das fábricas não podia tolerar que o espaço da
resistiam às novas condições de vida e trabalho. A pri- produção fosse afetado pelos protestos.
meira forma de contestação foi a sabotagem das máqui- A documentação que conhecemos sobre o ludismo
nas: alguns registros mostram que os operários colo- é bastante pequena. Não se sabe sequer se Ned Ludd,
cavam seus tamancos (sabots, em francês) dentro das suposto líder que deu origem ao nome e movimento,
engrenagens para paralisá-las. de fato existiu. Essa carência documental torna difí-
Entre as décadas de 1780 e 1820, a Inglaterra assis- cil compreender exatamente o que os luditas pen-
tiu ao surgimento de outros movimentos de quebrado- savam ou pelo que lutavam. Muitos historiadores

A Revolução Industrial 121

OH_V2_Book.indb 121 13/05/16 12:06


chegaram a afirmar que eles eram nostálgicos dos Os primórdios do socialismo
tempos do artesanato e tinham uma compreen-
Os primeiros pensadores sociais surgiram com o avanço
são equivocada do mundo das fábricas, atribuindo a dos sindicatos e do movimento cartista. Eles defendiam
exploração que sofriam às máquinas, e não aos donos que a produção e os benefícios com ela obtidos fossem
delas. Desde o final do século XX, porém, novas cor- coletivos, e não individuais. Criticavam a concorrência e
rentes historiográficas passaram a enxergar, nesses defendiam a distribuição de bens e riquezas. Três auto-
movimentos de quebradores, uma percepção aguda res tornaram-se mais relevantes: Saint-Simon (1760-
de que a reação precisava ser direcionada ao coração 1825), Charles Fourier (1772-1837) e Robert Owen (1771-
do novo sistema e de que a resistência deveria aconte- 1858). Para alguns, eles criaram utopias; para outros,
cer dentro do espaço de produção. foram os primeiros socialistas.
Muitos trabalhadores, porém, preferiram agir fora Saint-Simon participou da Revolução Francesa. De
das fábricas, por meio da organização em associações origem nobre, renunciou a seu título e aderiu à causa
de trabalhadores e sindicatos. Eles não lutavam contra a dos trabalhadores, criticando o Iluminismo, que ele
existência em si das fábricas, como os ludistas, mas pela considerava insuficiente para o mundo da burguesia
melhoria dos salários, das condições de trabalho e pela e da fábrica. Saint-Simon propôs a construção de uma
criação de leis que regulassem as atividades profissio- nova sociedade, fundada no conhecimento cientifico.
nais. Em 1838, um grupo de trabalhadores ingleses ela- Nela, as pessoas viveriam sob a liderança de cientistas,
borou a Carta do Povo, divulgou-a pelo país e a ende- pensadores, artistas e escritores, capazes de mostrar os
reçou ao Parlamento. Na Carta, eles reivindicavam a rumos da vida ideal e de consolidar a união de todos na
ampliação dos direitos políticos, incluindo sufrágio uni- crença em um cristianismo renovado, e não dogmático.
versal masculino, voto secreto e representação operária Charles Fourier foi mais longe e imaginou o aban-
no legislativo – o que implicava a supressão da lei que dono das grandes aglomerações urbanas e a organiza-
determinava que apenas os proprietários eram elegíveis. ção da nova vida em comunidades pequenas, os falans-
O Parlamento ignorou o pedido. Os cartistas prossegui- térios. Cada um trabalharia na atividade que preferisse,
sem obrigações ou exigências, e produziria para si e para
ram na sua luta, realizaram greves e protestos e incor-
os outros. Na sociedade ideal de Fourier, poderiam exis-
poraram exigências trabalhistas à petição inicial, como
tir diferenças sociais e financeiras, desde que construí-
redução da jornada de trabalho, liberdade de organiza-
das a partir do trabalho e do esforço pessoal.
ção sindical e aumento de salários.
Robert Owen baseou sua teoria social na experiência
A conquista desses direitos foi lenta. O trabalho
de proprietário e gerente de uma indústria têxtil. Ao se
infantil, por exemplo, foi gradualmente regulamentado:
deparar com as más condições de vida e trabalho, tomou
em 1819, estabeleceu-se a idade mínima de nove anos,
medidas para superá-las: aumentou salários, garantiu
que aumentou para 10, em 1833. Em 1842, foi proibi- moradia, alimentação e vestuário dignos a preços que
do o trabalho infantil nas minas. A legalização da livre os trabalhadores pudessem pagar e ofereceu instrução e
organização sindical, no entanto, só se deu na década de ensino aos operários e a suas famílias. Seu esforço era
1870, quando a jornada de trabalho também passou a mostrar que a vida dentro e fora das fábricas poderia
ser limitada: 60 horas semanais. transcorrer de forma harmoniosa.

Verificação de leitura 3 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 Ofereça uma definição para a Revolução Industrial. Industrial impôs em definitivo a necessidade de con-
→ DL/CF/H1/H2/H18/H19 centrar os trabalhadores no mesmo espaço e sob as
2 Por que a manufatura têxtil foi o carro-chefe da ordens de um patrão". → DL/SP/CA/H11/H16/H17/H18
Revolução Industrial? → DL/CF/H1/H16/H19 5 Identifique as principais dificuldades que os traba-
3 Como se organizava o trabalho no artesanato e no lhadores das primeiras fábricas enfrentavam dentro
sistema doméstico? → DL/CF/SP/H11 e fora do espaço de produção. → DL/SP/H11/H20
6 Diferencie as estratégias de luta dos quebradores
4 Explique a seguinte frase do texto: "A maquiniza-
de máquinas e dos cartistas. → DL/SP/H9/H10/H11/
ção da produção ocorrida trazida pela Revolução
H13/H14

122 Capítulo 3  Na velocidade das luzes

OH_V2_Book.indb 122 13/05/16 12:06


Engenho Arte
Engenho E Arte
Leitura complementar

O manual e o mecânico
"Do século XV ao XVIII verificou-se verdadeira mudan- reiras, ou mesmo as comerciais […]. Curioso lembrar como
ça de mentalidade. A mecânica e a técnica, de menospre- os médicos, forrados de humanismo, não tinham respeito
zadas, passaram a supervalorizadas. Não é generalizada pelos cirurgiões, pois exerciam labor mecânico. Até 1743 –
essa aceitação, pois os preconceitos têm raízes fundas, repare na data – eram vistos como espécie de barbeiros."
dificilmente removíveis. Ainda no século XVIII e mesmo IGLÉSIAS, F. A Revolução Industrial.
nos seguintes, até o atual, encontra-se certa atitude de São Paulo: Brasiliense, 1981. p. 40-41.
suspeita ante o manual ou mecânico, enquanto se realça o
ócio, o lazer, a condição de nobreza, que não trabalha ou Francisco Iglésias(1923-1999), historiador, professor da
só trabalha com a inteligência e exerce o comando. Daí a UFMG, foi um renomado especialista em história econômica e
desconsideração com tarefas como as agrícolas – revol- autor de diversos livros e artigos acadêmicos.
ver as terras com as mãos –, as artesanais ou manufatu-

Faça
em se → conforme tabelas das páginas 8 e 9.
cadernu
o

1 Como a nobreza enxergava o trabalho? → DL/SP/H11 3 Compare a visão de trabalho expressa no texto com a
2 Por que os cirurgiões eram chamados de barbeiros? visão de trabalho no mundo capitalista industrial.
→ DL/SP/H9/H10/H11 → DL/SP/H9/H10/H11

Faça
Mãos à Obra em se
cadernu
o

1 Leia atentamente os textos a seguir: tar alianças, instituir o comércio e fazer todas as outras
leis e coisas que os Estados independentes têm o direi-
"As colônias […] devem: primeiro, dar à metrópole um
to de fazer. […]"
maior mercado para seus produtos; segundo, dar ocupa-
ção a um maior número dos seus [da metrópole] manu- Declaração da Independência dos Estados Unidos da América.
Documentos Históricos dos Estados Unidos.
fatureiros, artesãos e marinheiros; terceiro, fornecer-lhe São Paulo: Cultrix, 1988. p. 67.
uma maior quantidade dos artigos de que precisa."
Quais são os princípios básicos que diferenciam os
POSTLETHWAYT (letrado inglês em 1747). Apud NOVAIS, dois discursos?
Fernando A. Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial
(1777-1808). 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1983. p. 59. → DL/CF/SP/H1/H7/H9

"Nós, portanto, representantes dos Estados Unidos da


2 (Enem) "Em 4 de julho de 1776, as 13 Colônias que
vieram inicialmente a constituir os Estados Unidos da
América, em congresso geral, reunido […] solenemen-
América (EUA) declararam sua independência e justi-
te, publicamos e declaramos, em nome do bom povo
ficaram a ruptura do Pacto Colonial. Em palavras pro-
destas colônias e pela autoridade que ele nos confe-
fundamente subversivas para a época, afirmaram a
riu, que estas Colônias Unidas são, e por direito devem
igualdade dos homens e apregoavam como seus direi-
sê-lo, Estados Livres e Independentes, que estão libera- tos inalienáveis: o direito à vida, à liberdade e à busca
das de toda e qualquer lealdade à Coroa britânica […] e da felicidade. Afirmavam que o poder dos governantes,
que, como Estados livres e independentes, elas têm ple- aos quais cabia a defesa daqueles direitos, derivava
nos poderes para fazer guerra, concluir a paz, contra- dos governados.

Engenho e Arte 123

OH_V2_Book.indb 123 13/05/16 12:06


Esses conceitos revolucionários que ecoavam o entre os que não se satisfaziam, estava o pai de Mozart.
Iluminismo foram retomados com maior vigor e ampli- Mas ele também se curvou às circunstâncias a que não
tude 13 anos mais tarde, em 1789, na França." podia escapar."
COSTA, Emília Viotti da. "Apresentação da Coleção". In: POMAR, ELIAS, Norbert. Mozart: sociologia de um gênio.
Wladimir. Revolução Chinesa. São Paulo: Unesp, 2003. (adaptado) Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995. p. 18. (adaptado)
Considerando o texto anterior, acerca da Considerando-se que a sociedade do Antigo Regime
Independência dos EUA e da Revolução Francesa, dividia-se tradicionalmente em estamentos: nobre-
assinale a opção correta: za, clero e Terceiro Estado, é correto afirmar que o
a) A independência dos EUA e a Revolução Francesa autor do texto, ao fazer referência à "classe média",
integravam o mesmo contexto histórico, mas se descreve a sociedade utilizando a noção posterior de
baseavam em princípios e ideais opostos. classe social a fim de:
b) O processo revolucionário francês identificou-se a) Aproximar da nobreza cortesã a condição de classe
com o movimento de independência norte-ameri- dos músicos, que pertenciam ao Terceiro Estado.
cana no apoio ao absolutismo esclarecido. b) Destacar a consciência de classe que possuíam os
c) Tanto nos EUA quanto na França, as teses iluministas músicos, ao contrário dos demais trabalhadores
sustentavam a luta pelo reconhecimento dos direitos manuais.
considerados essenciais à dignidade humana. c) Indicar que os músicos se encontravam na mesma
d) Por ter sido pioneira, a Revolução Francesa exer- situação que os demais membros do Terceiro Estado.
ceu forte influência no desencadeamento da inde- d) Distinguir, dentro do Terceiro Estado, as condições
pendência norte-americana. em que viviam os criados de libré e os camponeses.
e) Ao romper o Pacto Colonial, a Revolução Francesa e) Comprovar a existência, no interior da corte, de uma
abriu o caminho para as independências das colô- luta de classes entre os trabalhadores manuais.
nias ibéricas situadas na América.
→ DL/SP/H11
→ DL/SP/H9/H10/H13/H24
5 (Enem) Algumas transformações que antecede-
3 (Enem) Na década de 30 do século XIX, Tocqueville ram a Revolução Francesa podem ser exemplifica-
escreveu as seguintes linhas a respeito da moralida- das pela mudança de significado da palavra "restau-
de nos EUA: "A opinião pública norte-americana é par- rante". Desde o final da Idade Média, a palavra res-
ticularmente dura com a falta de moral, pois esta des- taurant designava caldos ricos, com carne de aves e
via a atenção frente à busca do bem-estar e prejudica de boi, legumes, raízes e ervas. Em 1765 surgiu, em
a harmonia doméstica, que é tão essencial ao suces- Paris, um local onde se vendiam esses caldos, usados
so dos negócios. Nesse sentido, pode-se dizer que ser para restaurar as forças dos trabalhadores. Nos anos
casto é uma questão de honra". que precederam a revolução, em 1789, multiplicaram-
TOCQUEVILLE, Alexis de. Democracy in America. Chicago: -se diversos restaurateurs, que serviam pratos requin-
Encyclopædia Britannica, Inc., Great Books 44, 1990. (adaptado)
tados, descritos em páginas emolduradas e servidos
Do trecho, infere-se que, para Tocqueville, os norte não mais em mesas coletivas e malcuidadas, mas indi-
-americanos do seu tempo: viduais e com toalhas limpas. Com a revolução, cozi-
a) Buscavam o êxito, descurando as virtudes cívicas. nheiros da corte e da nobreza perderam seus patrões,
b) Tinham na vida moral uma garantia de enriqueci- refugiados no exterior ou guilhotinados, e abriram
mento rápido. seus restaurantes por conta própria. Apenas em 1835,
o Dicionário da Academia Francesa oficializou a utili-
c) Valorizavam um conceito de honra dissociado do zação da palavra restaurante com o sentido atual.
comportamento ético.
d) Relacionavam a conduta moral dos indivíduos A mudança do significado da palavra restaurante ilustra:
com o progresso econômico. a) A ascensão das classes populares aos mesmos
padrões de vida da burguesia e da nobreza.
e) Acreditavam que o comportamento casto pertur-
bava a harmonia doméstica. b) A apropriação e a transformação, pela burguesia,
de hábitos populares e dos valores da nobreza.
→ DL/H1/H2/H11
c) A incorporação e a transformação, pela nobreza,
4 (Enem) "O que chamamos de corte principesca era, dos ideais e da visão de mundo da burguesia.
essencialmente, o palácio do príncipe. Os músicos
d) A consolidação das práticas coletivas e dos ideais
eram tão indispensáveis nesses grandes palácios quan-
revolucionários, cujas origens remontam à Idade
to os pasteleiros, os cozinheiros e os criados. Eles eram
Média.
o que se chamava, um tanto pejorativamente, de cria-
dos de libré. A maior parte dos músicos ficava satisfei- e) A institucionalização, pela nobreza, de práticas
ta quando tinha garantida a subsistência, como acon- coletivas e de uma visão de mundo igualitária.
tecia com as outras pessoas de 'classe média' na corte; → DL/SP/H10/H11

124 Capítulo 3  Na velocidade das luzes

OH_V2_Book.indb 124 13/05/16 12:06


6 (Unicamp-SP) Äs primeiras vítimas da Revolução a) A expansão do capitalismo e a consolidação dos
Francesa foram os coelhos. Pelotões armados de paus regimes monárquicos constitucionais.
e foices saíam à cata de coelhos e colocavam armadi- b) A expressiva diminuição da oferta de mão de
lhas em desafio às leis de caça. Mas os ataques mais obra, devido à demanda por trabalhadores espe-
espetaculares foram contra os pombais, castelos em cializados.
miniatura; dali partiam verdadeiras esquadrilhas con- c) A capacidade de mobilização dos trabalhadores
tra os grãos dos camponeses, voltando em absoluta em defesa dos seus interesses.
segurança para suas fortalezas senhoriais. Os campo-
neses não estavam dispostos a deixar que sua safra se d) O crescimento do Estado ao mesmo tempo que dimi-
transformasse em alimento para coelhos e pombos e nuía a representação operária nos parlamentos.
afirmavam ser a 'vontade geral da nação' que a caça e) A vitória dos partidos comunistas nas eleições
fosse destruída. Aos olhos de 1789, matar caça era um das principais capitais europeias.
ato não só de desespero, mas também de patriotismo, → DL/SP/H3/H9/H10/H11/H12/H22
e cumpria uma função simbólica: derrotando privilé-
9 (Enem) Até o século XVII, as paisagens rurais eram
gios, celebrava-se a liberdade."
marcadas por atividades rudimentares e de baixa pro-
Adaptado de SCHAMA, Simon. Cidadãos:
dutividade. A partir da Revolução Industrial, porém,
uma crônica da Revolução Francesa.
São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 271-272. sobretudo com o advento da revolução tecnológica,
houve um desenvolvimento contínuo do setor agro-
a) De acordo com o texto, por que os camponeses
pecuário. São, portanto, observadas consequências
defendiam a matança de animais?
econômicas, sociais e ambientais inter-relacionadas
→ DL/H1/H8/H11 no período posterior à Revolução Industrial, as quais
b) Cite dois privilégios senhoriais eliminados pela incluem:
Revolução Francesa. → DL/H1/H8/H11/H22
a) A erradicação da fome no mundo.
7 (Unicamp-SP) Alguns contos infantis pertencem, b) O aumento das áreas rurais e a diminuição das
em sua origem, à tradição oral dos camponeses da áreas urbanas.
França do Antigo Regime. Naquela situação, quase
c) A maior demanda por recursos naturais, entre os
todos tinham as mesmas características de violência.
quais os recursos energéticos.
Na versão camponesa de A Bela Adormecida, um prín-
cipe casado violenta uma donzela e a engravida. Ela d) A menor necessidade de utilização de adubos e
entra em um sono profundo e só desperta quando é corretivos na agricultura.
mordida por um de seus filhos durante a amamenta- e) O contínuo aumento da oferta de emprego no setor
ção. Entretanto, décadas à frente, ao sair do universo primário da economia, em face da mecanização.
camponês e entrar no universo burguês, esse conto → DL/CF/H16/H18/H19
ganhou um final feliz.
10 (Enem) "A prosperidade induzida pela emergência
a) Relacione o caráter originalmente trágico desse
das máquinas de tear escondia uma acentuada perda
conto com a condição econômica e política dos
de prestígio. Foi nessa idade de ouro que os artesãos,
camponeses da França do Antigo Regime.
ou os tecelões temporários, passaram a ser denomi-
→ DL/CF/SP/H2/H9/H11/H21 nados, de modo genérico, tecelões de teares manuais.
b) Relacione o final feliz desse conto com a condição Exceto em alguns ramos especializados, os velhos arte-
econômica e política da burguesia após o Antigo sãos foram colocados lado a lado com novos imigran-
Regime. → DL/CF/SP/H2/H11/H13 tes, enquanto pequenos fazendeiros tecelões abando-
8 (Enem) A Revolução Industrial ocorrida no final do naram suas pequenas propriedades para se concentrar
século XVIII transformou as relações do homem com na atividade de tecer. Reduzidos à completa depen-
o trabalho. As máquinas mudaram as formas de tra- dência dos teares mecanizados ou dos fornecedores de
balhar e as fábricas concentraram-se em regiões pró- matéria-prima, os tecelões ficaram expostos a sucessi-
ximas às matérias-primas e grandes portos, originan- vas reduções dos rendimentos."
do vastas concentrações humanas. Muitos operários THOMPSON, E. P. The making of the english working class.
vinham da área rural e cumpriam jornadas de traba- Harmondsworth: Penguin Books, 1979. (adaptado)
lho de 12 a 14 horas, na maioria das vezes em condi- Com a mudança tecnológica ocorrida durante a
ções adversas. A legislação trabalhista surgiu muito Revolução Industrial, a forma de trabalhar alterou-
lentamente ao longo do século XIX e a diminuição da -se porque:
jornada de trabalho para 8 horas diárias concretizou-
a) A invenção do tear propiciou o surgimento de
-se no início do século XX.
novas relações sociais.
Pode-se afirmar que as conquistas no início desse
século, decorrentes da legislação trabalhista, estão b) Os tecelões mais hábeis prevaleceram sobre os
relacionadas com: inexperientes.

Engenho e Arte 125

OH_V2_Book.indb 125 13/05/16 12:06


c) Os novos teares exigiam treinamento especializa- e) Os trabalhadores não especializados se apropria-
do para serem operados. ram dos lugares dos antigos artesãos nas fábricas.
d) Os artesãos, no período anterior, combinavam a → DL/CF/H1/H11/H16/H18/H19
tecelagem com o cultivo de subsistência.

Faça
Em Cartaz em se
cadernu
o

• Os momentos mais representativos das divergências


Danton – O processo da revolução no interior da Convenção Jacobina;
Diretor: Andrzej Wajda • O comportamento do povo e dos deputados da

DIVULGAÇÃO
País: França/Polônia Convenção diante de discursos eloquentes como os de
Ano: 1982 Danton e Robespierre.

Ação
1 A conversa entre Danton e Robespierre pode ser
vista como a síntese das divergências no interior da
Do consagrado diretor polonês Andrzej Wajda, o longa- Convenção Jacobina. Discuta com seus colegas a manei-
-metragem narra os eventos da Revolução Francesa ocorri- ra como o diretor construiu esse conflito, considerando:
dos durante o Período do Terror (1793-1794), caracteriza- • Os acontecimentos que antecedem o diálogo (o
do pela instituição do Tribunal Revolucionário e do Comitê esvaziamento do recinto, a preparação do jantar,
de Salvação Pública. As divergências quanto aos rumos entre outros aspectos);
da revolução, protagonizadas por Georges Danton (líder • O encontro entre Danton e Robespierre (as diferen-
dos cordeliers, agrupamento radical que se reunia no anti- ças na maneira como estão vestidos, como reagem
go convento dos franciscanos de Paris, conhecidos por tal em face da presença do outro, como se comportam
denominação) e Maximilien Robespierre (líder jacobino), à mesa, entre outros aspectos);
então deputados da Convenção Nacional, são o principal
• Os assuntos tratados no encontro (principalmente a
foco do filme. Em face de tais divergências, o diretor revisi- questão dos desejos do povo);
ta os princípios dessa revolução, os quais marcaram a polí-
• A maneira como cada um se posiciona diante desses
tica contemporânea, nem sempre em primeiro plano nas
assuntos.
disputas empreendidas pelos dois personagens.
2 Em sua opinião, como o diretor caracterizou as posi-
Luzes ções de Danton e de Robespierre em relação aos
rumos da revolução? Houve parcialidade nessa carac-
Retome as instruções oferecidas para análise de filmes
terização? Justifique.
nos Procedimentos metodológicos da página 10.
Leia novamente o item A República (p. 102) e procu- 3 Em alguns momentos, por meio do contato com as pes-
re identificar: soas do povo, Danton e Robespierre notam falta de legi-
• O núcleo de conflitos entre girondinos e jacobinos; timidade em suas próprias posições. Cite pelo menos
• As divergências políticas desencadeadas nesse um momento em que isso ocorre com cada personagem
período. e explique em que consistiu a falta de legitimidade.
4 De que maneira a leitura do diretor pode nos ajudar a
Câmera compreender os eventos que marcaram o Período do
Durante a exibição do filme, é preciso ficar atento aos diálo- Terror na República? E em que medida seu trabalho
gos, mas também a outros aspectos da narrativa. A maneira pode interferir de maneira negativa na reconstrução
como o cenário e os figurinos foram confeccionados e utili- do passado?
zados pelo diretor nos dá pistas sobre sua leitura dos even- → DL/CF/SP/CA/H2/H10/H13/H12/H14/H15/H22/H24
tos. Considere estes aspectos ao tomar nota sobre:
• A percepção popular dos eventos recém-ocorridos na
cidade de Paris;

Estante • TEIXEIRA, F. M. P. Revolução Industrial. 12. ed. São Paulo: Ática, 2010.

126 Capítulo 3  Na velocidade das luzes

OH_V2_Book.indb 126 13/05/16 12:06


1 (Unifesp) "O que queremos dizer com a revolu- b) a Declaração de Independência defendeu
ção? A guerra? Isso não foi parte da revolução; a implantação de uma monarquia consti-
foi apenas um efeito e consequência dela. A revo- tucional para dirigir politicamente a futu-
lução estava nas mentes das pessoas e foi leva- ra nação.
da a cabo de 1760 a 1775, no curso de 15 anos, c) a França negou ajuda aos norte-america-
antes que uma gota de sangue fosse derramada nos, visto que pretendia manter sua par-
Radar
em Lexington." ceria com a Inglaterra na exploração
John Adams para Jefferson, 1815. comercial da América do Norte.
d) a Espanha negou ajuda aos norte-america-
O texto:
nos, dado que com a derrota da Holanda
a) considera que a Independência dos Estados
poderia intensificar seus acordos comer-
Unidos se fez sem ideias.
ciais com os colonos do Sul.
b) confirma que a guerra entre os Estados
e) a luta dos norte-americanos divulgou a
Unidos e a Inglaterra foi uma revolução.
perspectiva de se construir a unidade con-
c) sustenta que na Independência dos Estados tinental americana, baseada no ideal ilu-
Unidos não houve ruptura. minista de liberdade e igualdade social.
d) defende que a criação dos Estados Unidos
→ DL/CF/H7/H8/H9
foi precedida de uma revolução.
4 (UEL-PR) Leia o texto a seguir:
e) demonstra que os norte-americanos não
Faça
em se aceitaram as concessões inglesas. "[...] A independência e a construção do novo
cadernu
o
→ DL/SP/H1 regime republicano foi um projeto levado adian-
te pelas elites das colônias. Escravos, mulheres
→ conforme 2 (UFMG) Em 1776, após uma série de confli-
tabelas das
e pobres não são os líderes desse movimento.
tos, parcela expressiva das sociedades das 13
páginas 8 e 9. A independência norte-americana (EUA) é um
Colônias se articulou no sentido de romper
fenômeno branco, predominantemente masculi-
com o domínio inglês. Considerando-se esse
no e latifundiário ou comerciante. [...]"
processo, bem como seus desdobramentos, é
Tá na rede! CORRETO afirmar que ele se: KARNAL, L. Estados Unidos: da Colônia à Independência.
QUESTÕES a) notabilizou pela consolidação do latifún- São Paulo: Contexto, 1990. p. 67.
(Coleção Repensando a História)
DE ENEM dio, o que atendia aos interesses das elites
Digite o endereço religiosas, que se apropriaram de grandes Com base no texto e nos conhecimentos sobre
abaixo na barra glebas de terras.
o processo de independência dos Estados
do navegador de b) caracterizou-se, desde o início, pela intran-
internet: http://goo.
Unidos, é correto afirmar que:
sigente defesa da escravidão por parte dos a) O movimento de independência da América
gl/xog0Jb. Você
pode também tirar
americanos, no que eram contraditados do Norte não representou a união das 13
uma foto com um pelos interesses ingleses. Colônias por um sentimento único de nação,
aplicativo de QrCode c) configurou como uma primeira tentativa mas, sim, um movimento contra o domínio
para saber mais sobre de instalação de um regime socialista anti- da Inglaterra, potencializado pelo senti-
o assunto. Acesso em: -colonial, o que contrariava seriamente os mento antibritânico.
4 abr. 2016.
interesses dos comerciantes. b) A América do Norte independente, com as
d) destacou pela repercussão internacional reformas de caráter democrático, aboliu as
alcançada, tornando-se uma referência, na diferenças entre os habitantes da colônia,
prática, para outras colônias americanas. instituindo a prática da inclusão por meio
→ DL/SP/H7/H9 de uma Constituição Liberal.
c) A colonização da América do Norte pela
3 (UFPI) Com relação à Independência dos
Inglaterra diferenciou-se daquela feita na
Estados Unidos, em 1776, é correto afirmar que:
Página dedicada a América do Sul pelos espanhóis e portugue-
questões já aplica-
a) a primeira Constituição dos Estados Unidos ses porque contou com a organização e a
das em provas do adotou a república federalista e presiden- assistência da metrópole nesse empreendi-
ENEM. Busque exer- cial como modelo de governo.
cícios sobre os temas mento de conquista e exploração.
desenvolvidos neste
capítulo.

Radar 127

OH_V2_Book.indb 127 13/05/16 12:06


d) A força do catolicismo foi preponderante no pro- 6 (Fuvest-SP) A Declaração dos Direitos do Homem e do
cesso de emancipação, pois incentivava o cresci- Cidadão, votada pela Assembleia Nacional Constituinte
mento espiritual da população, a libertação dos francesa, em 26 de agosto de 1789, visava:
escravos e a expansão territorial – crescimen- a) romper com a Declaração de Independência dos
to que só seria possível cortando os laços com a Estados Unidos, por esta não ter negado a escra-
metrópole. vidão.
e) Um dos problemas apresentados no período de b) recuperar os ideais cristãos de liberdade e igual-
lutas pela independência dos EUA foi a falta de dade, surgidos na época medieval e esquecidos
um projeto comum entre as colônias do Norte e as na moderna.
colônias do Sul, que não se harmonizavam quanto
c) estimular todos os povos a se revoltarem contra seus
a um acordo na forma de promulgar a Constituição
governos, para acabar com a desigualdade social.
estadunidense do Norte e do Sul.
d) assinalar os princípios que, inspirados no Ilumi-
→ DL/CF/SP/H1/H2/H7/H8/H9/H11/H13/H15/H22 nismo, iriam fundar a nova constituição francesa.
5 (UFRGS-RS) Em junho de 1783, as Bodas de Fígaro, e) pôr em prática o princípio: a todos, segundo suas
peça teatral escrita por Beaumarchais, seria ence- necessidades, a cada um, de acordo com sua
nada diante da corte francesa. No último momento, capacidade.
a representação foi cancelada por ser considerada
excessivamente crítica à monarquia. Quando, enfim, → DL/SP/H9
a peça foi liberada, em 1784, obteve um retumbante 7 (UFC-CE) Leia o texto a seguir:
sucesso. Fígaro é espirituoso, inteligente e audacio-
"A cada 1.o de maio, lembramos de Parsons, Spies e
so, mas é um valete. Seu senhor é um aristocrata de
seus companheiros de patíbulo. Mas poucos lembram
maus vícios, manobrado pelo seu círculo. Já o autor da
do nome de James Towle, que foi, em 1816, o último
peça, Beaumarchais, defendia a liberdade e a igual-
'destruidor de máquinas' enforcado. Caiu pelo poço da
dade, demonstrando a inconformidade de parcela da
forca gritando um hino ludita [sic] até que suas cordas
sociedade francesa que ansiava por mudanças. Essas
viriam por ocasião da Revolução Francesa. vocais se fecharam num só nó."
FERRER, Christian. "Os destruidores de máquinas".
Em relação às motivações que desencadearam tais
In: Libertárias, n. 4, dez/1998, São Paulo, p. 5.
mudanças, assinale a alternativa correta:
a) A burguesia, quando da Assembleia-Geral, não Sobre os destruidores de máquinas, de que trata o
obteve a duplicação de seus representantes no texto acima, assinale a alternativa correta.
Terceiro Estado, nem conseguiu que as delibera- a) Foram trabalhadores ingleses que combateram
ções fossem feitas com base no voto individual. com ações diretas a mecanização dos teares
b) A interferência francesa na guerra de indepen- durante a Revolução Industrial.
dência americana provocou amplo enriquecimen- b) Eram grupos de rebeldes irlandeses liderados
to do Estado. pelos radicais jacobinos insatisfeitos com a res-
c) O século XVIII caracterizou-se pela reação aristo- tauração da monarquia dos Bourbons na França.
crática, com a qual esse segmento social tentou c) Eram integrantes das vanguardas das trade unions,
recuperar o espaço de poder político e econômi- os primeiros sindicatos de trabalhadores da Ingla-
co, já bastante comprometido pela centralização terra, que elaboraram a Carta do Povo.
do Estado e pelo avanço da diversificação social d) Foram trabalhadores anarquistas que morreram
e econômica. enforcados por terem lutado pela jornada de oito
d) Com a revolução, e baseados nos Direitos Universais, horas durante a greve geral de Haymarket Riot,
os camponeses e as classes populares francesas em Chicago.
viram reconhecidas as suas principais reivindica- e) Eram grupos de indígenas do Meio-Oeste dos
ções, como, por exemplo, a partilha da terra. EUA, entre eles os sioux, que atacavam os trens
e) Na reforma fiscal proposta pela monarquia france- (cavalos de aço) e dividiam as manadas de búfa-
sa para modernizar o Estado, o clero e a aristocracia los dentro de seus territórios.
aceitaram pagar os impostos, mas a burguesia não. → DL/CF/H1/H2/H11/H15/H16
→ DL/SP/H9/H11

128 Capítulo 3  Na velocidade das luzes

OH_V2_Book.indb 128 13/05/16 12:06


Capítulo

10
4 O Diabo ronda
as Colônias
DE OLHO nos

P
otência hegemônica na Europa, a Inglaterra tornara-se a van- Conceitos
guarda das transformações industriais e seus governos dita-
vam as novas regras em nome da liberdade de comércio. Ao • Caudilhismo
mesmo tempo, Portugal e Espanha ressentiam-se de suas manufatu- • Interiorização da
ras medíocres, incapazes de concorrer com a produção britânica em Metrópole
processo de desenvolvimento e expansão. • Elites
Por meio de guerras, contra- gia como obstáculo para a expansão
bando e acordos diplomáticos, a do capitalismo.
Inglaterra conseguia ampliar seu Num processo que se estendia
comércio com outras metrópoles desde o final do século XVII, Por-
e respectivas colônias, submeten- tugal dependia da parceria inglesa
do-as a uma dependência estru- para defender seu combalido Impé-
tural, ou seja, reservando-lhes os rio ultramarino e tornou-se uma
papéis de fornecedoras de gêneros das principais áreas de influência
agrícolas e matérias-primas, e de britânica. Dessa forma, as bases do
consumidoras de produtos indus- sistema colonial português foram
triais. Assim, as estruturas agrá- gradativamente solapadas até se
rias dos demais Estados e das suas romperem por completo no início MEMORIAL LIBRARY, WISCONSIN UNIVERSITY, MADISON, Estados Unidos

respectivas colônias ajustavam-se do século XIX.


às estruturas industriais da potên- Testemunhos de viajantes,
cia inglesa, numa nítida relação de rumores, notícias e livros eram
dependência econômica. No limite, agora os pregadores dos princí-
a Inglaterra procuraria estimular a pios liberais, que os antigos pode-
emancipação política das colônias rosos não tardaram a nomear de
para consolidá-las como mercados "diabólicos". As incendiárias ideias
consumidores livres das restrições satânicas, no entanto, representa-
comerciais do Pacto Colonial. vam para muitos o fim das tiranias
Com a Revolução Industrial, o cometidas em nome de Deus e o
Antigo Sistema Colonial, baseado começo de uma nova época da His-
na exclusividade de trocas mercan- tória. Uma época de questionamen-
tis entre Colônia e Metrópole, sur- tos e revoluções.

Toussaint L'Ouverture, Séraphin


Delpech. Litografia colorida,
século XIX.

129

OH_V2_Book.indb 129 13/05/16 12:06


1 Conspirações e revoltas
na América portuguesa

N
as capitanias de Minas Gerais, Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco,
ACERVO ITAÚ/COLEÇÃO BRASILIANA,
SÃO PAULO, BRASIL

o descontentamento dos colonos culminou na contestação do poder


metropolitano. A instabilidade das atividades mineradoras, as cres-
centes fiscalizações e tributação por parte da Coroa portuguesa, o desenvolvi-
mento de novos interesses econômicos ligados ao abastecimento interno das
regiões americanas e as notícias acerca da independência dos Estados Uni-
dos e da Revolução Francesa tornaram mais tensa e complexa a vida colonial.
Ouro Preto, Hermann Burmeister. Dos diversos movimentos e rebeliões ocorridos nos séculos anteriores,
Litografia em sépia, 1853. apenas a Fronda dos Mazombos (Guerra dos Mascates, em Pernambuco) havia
chegado a questionar a subordinação da Colônia ao poder da Coroa portugue-
sa. Ao fim do século XVIII, a Inconfidência Mineira (1789), a Conjuração do Rio
de Janeiro (1794) e a Conjuração Baiana (1798) puseram em xeque o domínio
português sobre determinadas regiões da América.

A Inconfidência Mineira
Muito mais que uma luta entre o bem e o mal, a Inconfidência Mineira foi uma
tentativa de rompimento dos laços com a Metrópole portuguesa. Enriquecidos
MUSEU DA INCONFIDÊNCIA,
OURO PRETO, MINAS GERAIS, BRASIL

pelas atividades mineradoras do início do século XVIII, os habitantes de Minas


Gerais viam-se agora às voltas com a queda da extração de ouro e pedras pre-
ciosas e as constantes ameaças de cobrança de tributos atrasados. Para Por-
tugal, era necessário recompor as finanças imperiais, abaladas na segunda
metade daquele século. Para os colonos, tornava-se difícil pagar as 100 arro-
bas anuais de ouro, valor estipulado pela Coroa portuguesa como tributo da
Capitania. As dívidas aumentavam na mesma proporção das ameaças. Nessa
Bandeira da Inconfidência Mineira. situação, o confronto era inevitável.
Paralelamente, muitos jovens, filhos da aristocracia local, foram envia-
dos às universidades europeias, principalmente à de Coimbra, onde tomaram
contato com as ideias ilustradas e liberais. Alguns deles retornaram trazendo
informações sobre a recém-criada República estadunidense.
Em 1788, a Coroa nomeou Luís Antônio Furtado de Mendonça, visconde de
Barbacena, para o governo de Minas Gerais. O novo governador recebeu ordens
expressas de estabelecer a derrama: a cobrança das 100 arrobas anuais devi-
das à Metrópole, que recairia sobre todos os habitantes da Capitania. O anúncio
das novas medidas acirrou os ânimos e aprofundou a insatisfação. Grande parte
ACERVO ITAÚ/COLEÇÃO BRASILIANA,
SÃO PAULO, BRASIL

da elite econômica e intelectual mineira figurava entre os devedores da Coroa


ou estava sendo perseguida por suas vinculações com o contrabando praticado
na região. Outros setores da sociedade também seriam atingidos pelo tributo.
Aproveitando-se desse clima, proprietários de terras e de minas, letrados
e membros da administração envolveram-se numa conspiração que pretendia
assassinar o governador e tornar Minas Gerais uma república independente.
Além disso, cogitava-se criar uma universidade em Vila Rica (seria a primei-
Mariana, Hermann Burmeister.
Litografia em sépia, 1853. ra nas terras americanas colonizadas por Portugal), desenvolver a manufatura

130 Capítulo 4  O Diabo ronda as Colônias

OH_V2_Book.indb 130 13/05/16 12:06


(limitada até então pelo Pacto Colonial), libertar os d. Maria I, conhecida como Maria, a Louca, o suposto líder
negros escravizados da capitania nascidos no Brasil, do movimento foi condenado à morte por enforcamento
perdoar as dívidas atrasadas, transferir a capital de Vila e teve seu corpo esquartejado e exposto para intimidar a
Rica para São João del Rey e criar uma guarda nacional população. Numa extraordinária festa barroca, em 21 de
composta de cidadãos. abril de 1792, Tiradentes foi executado no Rio de Janeiro.
Os planos começaram a ser elaborados em uma reu- Traidor da monarquia portuguesa que desejava separar
nião, em dezembro de 1788, na casa de Francisco de Paula as mãos e os pés coloniais da cabeça metropolitana, teve
Freire de Andrade, comandante militar da Capitania. Os em seu corpo a aplicação de uma pena exemplar. Para os
revoltosos marcaram o início da rebelião para feverei- demais envolvidos, pena de degredo na África. A Metrópo-
ro de 1789, quando imaginavam que seria cobrada a der- le bania os demônios coloniais para o outro lado do Atlân-
rama. No entanto, nesse entretempo, diante da insatisfa- tico, pois o sistema colonial já não funcionava mais como
ção geral, o governador adiou a data, que foi oficialmente o purgatório dos brancos.
comunicada em 14 de março de 1789. Alívio para gran-

ACERVO ITAÚ/COLEÇÃO BRASILIANA,


SÃO PAULO, BRASIL
de parte dos mineiros, que desse modo escaparam à pesa-
da tributação. Ainda assim, um grupo de endividados
teria de honrar seus compromissos. Eram os contratado-
res, homens que compravam da Coroa o direito de cobrar
alguns impostos (o dízimo da Igreja e os tributos de impor-
tação) por determinado tempo. Entre esses figurava Joa-
quim Silvério dos Reis, que, ao saber do adiamento da
derrama, procurou outra forma de aliviar seus débitos.
Denunciando seus companheiros no dia 15 de março de
1789, ele esperava ter suas dívidas perdoadas.
Igreja de São Francisco de Paula (Ouro Preto), Hermann
A devassa Burmeister. Litografia em sépia, 1853.
O visconde de Barbacena comunicou os fatos ao vice-
-rei, Luís de Vasconcelos e Sousa, no Rio de Janeiro, que Opulência e miséria
instituiu uma devassa para apurá-los. Imediatamente A crise vivida nas regiões mineradoras contrastava com
foi preso um dos conspiradores, Joaquim José da Silva a situação econômica de outras partes da América por-
Xavier, conhecido por Tiradentes, que, além de alferes, tuguesa. Nos estados do Grão-Pará e Maranhão, a pro-
era uma espécie de dentista da região. O mais entusias- dução algodoeira era estimulada pelas necessidades
mado propagandista da independência não pertencia crescentes de matéria-prima da indústria têxtil inglesa.
à elite colonial. Em seguida, ocorreram novas prisões Além disso, a guerra de independência estaduniden-
e interrogatórios. Os prisioneiros negaram seu envolvi- se provocou a interrupção temporária do fornecimento
mento na conspiração e muitos delataram seus compa- de algodão produzido no sul dos Estados Unidos para a
nheiros. Em 4 de julho, o poeta Cláudio Manuel da Costa Inglaterra, favorecendo os plantadores luso-brasileiros.
foi encontrado morto em sua cela. Suicídio, segundo a O cultivo da cana-de-açúcar, após décadas de pro-
versão das autoridades. blemas, experimentou uma conjuntura favorável até
Em janeiro de 1790, Tiradentes resolveu assumir 1830. Sua produção foi ampliada na região do Rio de
sozinho a iniciativa da rebelião, apresentando-se como o Janeiro e teve seu vigor retomado em Pernambuco e na
único líder do movimento. Evidentemente, não era ver- Bahia. Além disso, a lavoura de algodão avançava na
dade. Para a Metrópole, interessava caracterizar o movi- capitania pernambucana, enquanto o fumo trazia mais
mento como insignificante, chefiado por um simples alfe- prosperidade aos grandes proprietários baianos. Nessas
res inculto. Para a aristocracia mineira, Tiradentes era um capitanias, no entanto, artesãos e pequenos comercian-
excelente bode expiatório, que retirava dos poderosos a tes, cujas atividades econômicas eram limitadas pela
responsabilidade pela conspiração. A hierárquica estru- sociedade escravista colonial, ressentiam-se da falta de
tura do Império português produziria então um primeiro perspectivas de participação política. Opulência e misé-
acordo de elites, que seria uma das marcas da posterior ria continuavam a compor as características fundamen-
história brasileira. Por iniciativa da rainha de Portugal, tais da vida colonial.

Conspirações e revoltas na América portuguesa 131

OH_V2_Book.indb 131 13/05/16 12:06


MUSEU DA CIDADE, SALVADOR, BAHIA, BRASIL
A Conjuração Baiana
Os cuidados exagerados da Coroa com relação a movi-
mentos separatistas não impediram que em 1798 a
Bahia fosse sacudida por uma verdadeira revolução. A
Conjuração Baiana ou Revolta dos Alfaiates (ou ainda
Inconfidência Baiana), como ficou conhecida devido à
participação de alguns alfaiates, iniciou-se a partir de
um núcleo de letrados e oficiais que se reuniam numa
sociedade secreta denominada Cavaleiros da Luz.
Salvador, no século XVIII, apesar de não ser mais
capital desde 1763, tinha cerca de 40 mil habitantes e era Bandeira da Conjuração Baiana ou Revolta dos Alfaiates.
uma das mais importantes cidades do Brasil. Desenvol-
via um intenso comércio portuário na região do Recônca-
O motim
vo, reforçado pela intensificação da exportação do açúcar,
Na madrugada de 12 de agosto de 1798, foram afixa-
decorrente da Revolução Haitiana que, ao afetar a produ-
dos 11 boletins manuscritos que se tornaram conheci-
ção açucareira da maior exportadora do período, a ilha de
dos como boletins sediciosos. Os boletins, em nome
São Domingos, abriu novos espaços no mercado. Além
do "Supremo Tribunal da Democracia Baiana", trata-
disso, a cidade exportava couro e chifres para outras pro-
vam da situação da Bahia e continham erros de grafia
víncias do país. A mudança do eixo econômico e político
e redação confusa. No entanto, o tratamento das ques-
para o Centro-Sul, com a mineração e a capital sediadas
tões específicas sobre os tributos aplicados pela Coroa
no Rio de Janeiro, acirrou os ânimos na cidade.
e sobre os salários dos soldados e dos padres aparecia
A insatisfação em Salvador à época da Conjura-
ao lado de um sofisticado vocabulário revolucionário
ção Baiana era enorme. Setores da elite manifestavam característico da Revolução Francesa, cujas palavras e
seu descontentamento com a situação econômica, sol- ideias se espalhavam pela América: povo, liberdade,
dados da mílicia mostravam-se frustrados com os bai- igualdade, fraternidade, deputados, republicanos.
xos soldos e negros e mestiços reagiam cada vez mais às Além disso, termos como a "defesa da liberdade
demonstrações correntes de preconceito racial existen- de comércio", a "separação entre Igreja e Estado" e a
tes na cidade. "igualdade de direitos independentemente das dife-
Tais condições aglutinaram os militares Hermóge- renças raciais" também estavam contidos nos bole-
nes Pantoja e José Gomes de Oliveira, o letrado José da tins. Há relatos de que os principais líderes falavam
Silva Lisboa, o padre Agostinho Gomes, o farmacêuti- abertamente da Revolução Francesa e de Napoleão
co Ladislau Figueiredo Melo, o médico Cipriano Barata, Bonaparte e acreditavam que esquadras francesas
o professor Moniz Barreto e o senhor de engenho Iná- iriam aportar na Baía de Todos os Santos com tropas
cio de Siqueira Bulcão. Em comum, a leitura de obras para ajudar no levante.
da Ilustração e o projeto de emancipação política da A nítida inspiração nas medidas adotadas na
Bahia e de adoção do regime republicano. França pós-1792, período em que as investidas dos
Como forma de realizar seus planos, dedicaram-se revolucionários franceses se tornaram mais radicais,
a propagandear suas ideias a outros setores da socie- levou os líderes baianos a questionar a escravidão. Em
dade baiana: pequenos artesãos, modestos comercian- alguns manifestos falava-se no fim da escravatura. A
tes, militares de baixo escalão e homens livres pobres. diabólica ideia de liberdade ameaçava o Império de
Em virtude do descontentamento daqueles que não Deus por Portugal.
podiam desfrutar as riquezas produzidas na Colônia e O soldado Luís Gonzaga das Virgens foi preso
que não tinham perspectiva de ascensão social, a pro- como suspeito de ter colado os boletins. Isso motivou
paganda surtiu efeito. os alfaiates Manuel Faustino dos Santos Lira e João de
Com frequência, começaram a ocorrer agitações nas Deus do Nascimento, o soldado Lucas Dantas de Amo-
ruas de Salvador e, com o tempo, a direção do movimen- rim Torres e o ourives Luís Pires a buscar uma forma
to foi passando da elite branca para as mãos da popula- de libertar o soldado e desencadear um levante contra
ção negra e mestiça, tornando-se mais radical. a Coroa.

132 Capítulo 4  O Diabo ronda as Colônias

OH_V2_Book.indb 132 13/05/16 12:06


Faça Ao contrário da Inconfidência Mineira e da supos-
Tá ligado?! em se
cadernu
o
ta Conjuração do Rio de Janeiro, esta não era uma cons-
piração de elite. A maior parte dos prisioneiros era
(UFF-RJ) O lema liberal "Liberdade, Igualdade e composta de negros escravizados, artesãos e soldados.
Fraternidade" consagrado pela Revolução Fran-
Terminado o processo, as penas seguiram a lógica da
cesa influenciou, sobremaneira, as chamadas
sociedade escravista colonial e as punições foram esta-
Inconfidências ocorridas em fins do século XVIII no
Brasil Colônia. belecidas de acordo com a condição social dos envol-
vidos. Apenas quatro integrantes da sociedade secreta
Assinale a opção que apresenta informações corretas
sobre a chamada Conjuração dos Alfaiates. Cavaleiros da Luz foram presos.
a) Envolveu a participação de mulatos, negros Apesar de punidas, as pessoas "de mor-qualida-
livres e escravos, refletindo não somente a de" mereciam a consideração dos representantes da
preocupação com a liberdade, mas também com Coroa portuguesa. Não seria, então, muito arriscado
o fim da dominação colonial. abandonar uma monarquia tão "generosa" e "distin-
b) Esta inconfidência baiana caracterizou-se por ta" e se envolver em aventuras políticas com a "arraia-
restringir-se à participação de uma elite de -miúda"?
letrados e brancos livres influenciados pelos Alguns representantes do Movimento Negro na
princípios revolucionários franceses.
Bahia tentam trazer à memória esse fato histórico,
c) Em tal conjuração, a difusão das ideias liberais
comemorando a data de 12 de agosto como o dia para
não acarretou crítica às contradições da
sociedade escravocrata. relembrar a ação desses líderes negros e mestiços, con-
denados pela sociedade escravista do século XVIII.
d) Este movimento, também conhecido como
Inconfidência Mineira, teve um papel singular no
contexto da crise do sistema colonial, revelando
suas contradições e sua decadência. A Conjuração do
e) Um de seus principais motivos foi a prolongada Rio de Janeiro
crise do setor cafeeiro que se arrastou ao longo
Com as tensões latentes e após o exemplo da Inconfi-
da segunda metade do século XVIII.
dência Mineira, a Coroa portuguesa passou a vigiar mais
→ DL/SP/H13 de perto seus súditos da América.
→ conforme tabelas das páginas 8 e 9.
Em 1794, membros da Sociedade Literária do Rio de
Janeiro foram acusados de conspiração. Tratava-se de
uma entidade que reunia homens de letras, que, havia
Prisões e punições alguns anos, se debruçavam sobre obras de Rousseau,
Assim como a Inconfidência Mineira, a Conjuração Baia- Voltaire e outros intelectuais ilustres, debatendo ques-
na também teve um delator, o barbeiro Joaquim José de tões relativas à organização da sociedade, à indepen-
dência dos Estados Unidos e aos caminhos da Revolu-
Santana, que era também capitão da milícia de negros;
ção Francesa.
temendo ser apontado como suspeito, contou o que
Denunciados às autoridades pelas reuniões notur-
sabia ao desembargador e, na noite do dia 25 de agos-
nas e pela literatura subversiva encontrada, dez inte-
to de 1798, no Campo do Dique do Desterro, os rebeldes
grantes da Sociedade Literária permaneceram presos
foram presos.
por três anos. Para a Metrópole, desbaratava-se a supos-
Outros participantes da elite também foram inves-
ta Conjuração do Rio de Janeiro e afastava-se o risco de
tigados na devassa. Porém, apenas Luís Gonzaga,
uma nova rebelião.
Manuel Faustino, Lucas Dantas e João de Deus foram
enforcados e esquartejados. Seus corpos ficaram expos-
tos por cinco dias até que a Santa Casa de Misericór- as elites e as revoltas
dia interferiu por temer a propagação de doenças. Luís Algumas décadas após as revoltas coloniais do final do
Pires, também condenado, conseguiu fugir. Dois escra- século XVIII, Joaquim Nabuco, um dos membros mais
vizados e cinco negros mestiços foram chicoteados em destacados da elite brasileira, afirmava: "O problema
praça pública e depois remetidos à África, banidos das das revoluções é que sem os revolucionários não é possível
possessões portuguesas. fazê-las e com eles não é possível governar". Ao final do

Conspirações e revoltas na América portuguesa 133

OH_V2_Book.indb 133 13/05/16 12:06


século XIX, um representante da nobreza italiana pro- tornou os colonos poderosos mais precavidos. Refor-
duzia uma sentença, evidentemente com relação à Itá- mas seriam sempre preferíveis a revoluções. Romper os
lia, mas comparável em astúcia: "É preciso mudar para laços com a Metrópole implicava riscos de uma radica-
que as coisas permaneçam do mesmo modo". lização que poderia levar ao questionamento da escra-
Pode-se dizer que a elite branca, proprietária de ter- vidão ou a uma democratização do poder.
ras e de negros escravizados, possuía um traço carac- A subordinação à Coroa restringia os lucros dos
terístico: a extraordinária capacidade de se manter no negócios coloniais, mas garantia a preservação das
poder, efetuar algumas mudanças e afastar os grupos estruturas sociais que favoreciam a elite tropical. Por
sociais subalternos do processo político. outro lado, para Portugal tornara-se vital a manuten-
Talvez esse aprendizado tenha se iniciado exata- ção de suas possessões na América. Com a economia
mente ao final do século XVIII. A Conjuração Baiana atrelada aos interesses ingleses, a elite portuguesa
despertou na elite a preocupação com a participação do conseguia respirar graças aos rentáveis negócios colo-
povo "ignorante e rude" da sociedade colonial. Afinal de niais e ao tráfico de escravos. Nesse contexto, acordos
contas, para essa elite, o poder e a política eram privilé- entre as elites dos dois lados do Atlântico não eram
gios fundamentais para distingui-la dos demais. impossíveis. Afinal, tratava-se de garantir os privilé-
O risco de se repetirem no Brasil os acontecimentos gios sociais e políticos contra os grupos subalternos
do Haiti (como veremos nas páginas 137-138) também da Colônia e da Metrópole.

A ideia de revolução no Brasil


"A análise da extração social dos revolucionários indica, prietários de lavoura de cana, militares de baixo esca-
claramente, que em Minas a inquietação está lastreada lão. A Revolução é intentada contra a 'opulência'. O pro-
pela propriedade (de lavras, terras de lavoura, de gado blema é mais social que colonial. O modelo será busca-
e de escravos): a revolução é inventada por homens de do na história da França, em área não colonial. Por esse
posse. 'Homens de possibilidades', diria Tiradentes. Por motivo é que se verifica em Salvador maior frequência
esse motivo é que a Revolução das colônias inglesas, de conceitos como o de 'riqueza', 'miséria', 'opulência'
orientada pela classe dos proprietários, funcionou como que o de 'independência'. De alguma forma o proble-
estimulante e modelo. A afinidade não se dá por acaso. ma social anestesiou as consciências revolucionárias
O conceito de 'independência' surge mais límpido nas baianas, fazendo-as esquecer-se da situação colonial,
Minas: a situação colonial pesa para esses homens pro- na medida em que era valorizado um modelo metro-
prietários. O modelo é tomado em outra área colonial. politano europeu, qual era o francês. A Revolução, em
Por aí é que se entende a grande divulgação de histórias Salvador, foi intentada por camadas não proprietárias,
das colônias inglesas entre os mineiros: simplesmente e só nesse sentido foi mais profundo o movimento baia-
porque o problema é mais colonial que social. no que o de Minas."
Já na Bahia, em 1798, a inquietação é orientada por MOTA, C. G. A ideia de revolução no Brasil (1789-1801).
elementos de 'baixa esfera', pequenos artesãos, ex-pro- 3. ed. São Paulo: Cortez, 1989. p. 115.

Verificação de leitura 1 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 Quais eram as propostas dos integrantes da 4 "O problema das revoluções é que sem os revolucio-
Conjuração Baiana? → DL/H9/H11/H13/H15 nários não é possível fazê-las e com eles não é pos-
2 Por que a Coroa portuguesa não puniu com o mesmo sível governar." A frase de Joaquim Nabuco per-
rigor os envolvidos na Inconfidência Mineira e os mite compreender o comportamento das elites
revoltosos da Bahia? → DL/SP/H7/H8/H9/H11 da América portuguesa ao final do século XVIII?
Justifique sua resposta. → DL/CF/SP/H1/H9
3 A inspiração para a Inconfidência Mineira foi busca-
da nos Estados Unidos. Para a Revolta dos Alfaiates 5 Qual foi o principal aprendizado dos grupos domi-
o modelo foi dado pela França. Que conclusão pode- nantes brasileiros com as revoltas do final do sécu-
mos tirar dessas apropriações? → DL/CF/SP/H9/H10 lo XVIII? → DL/CF/SP/H2/H3/H7/H9/H10/H11/H13

134 Capítulo 4  O Diabo ronda as Colônias

OH_V2_Book.indb 134 13/05/16 12:06


2 As independências na
América espanhola

A
Coroa espanhola procurou, durante o século XVIII, aumentar os

◀ ANOS
INDEPENDÊNCIA DA
AMÉRICA ESPANHOLA ganhos que obtinha na América. Para tanto, enviou mais tropas
para as possessões de ultramar, ampliou suas estratégias de vigi-
Início da Revolta 1791
em São Domingos. ▾ lância, reprimiu com mais vigor o contrabando e aumentou os impostos
1794 sobre o comércio. A proibição à instalação de manufaturas foi mantida, para
Toussaint L'Ouverture assume a
liderança do movimento. ▾ forçar os colonos a adquirirem os produtos diretamente da metrópole. No
Morte de Toussaint L'Ouverture. 1803 geral, o esforço espanhol foi bem sucedido e provocou crescimento no volu-

Independência de São Domingos. me de recursos enviados à Espanha.
Proclamação da República do Haiti.
1804 A pressão metropolitana, no entanto, intensificou as tensões sociais e

Movimento de emancipação 1810 políticas dentro das colônias. A aceleração da exploração de minérios agra-
política em Caracas, ▾ vou a já penosa condição de vida dos indígenas, gerando revoltas mais fre-
Buenos Aires, Bogotá, Santiago.
quentes. A elite criolla por sua vez, continuava alijada dos principais postos
Primeira tentativa de independência
mexicana sob a liderança administrativos, incomodava-se diante das novas imposições dos chape-
do padre Miguel Hidalgo.
tones (espanhóis residentes na América) e exigia maior participação nas
Proclamação da independência 1811
da Venezuela. ▾ decisões políticas. Os criollos enriqueciam com a expansão da agricultura
1815 e a pecuária, mas percebiam as limitações que o monopólio metropolitano
A Coroa espanhola retoma
o controle das Colônias. ▾ impunha a seus lucros.
Independência da Argentina. 1816 As ideias liberais e iluministas circulavam pela América e alimentavam
Tropas luso-brasileiras invadem a ▾ a indisposição perante a hegemonia estrangeira. No final do mesmo século,
Banda Oriental (Uruguai).
os exemplos da independência dos Estados Unidos e da Revolução France-
Independência do Chile.
1818
▾ sa reforçavam a convicção de que os tempos do mercantilismo e da coloni-
Independência da Colômbia.
1819 zação aproximavam-se do fim.

Bolívar lidera a libertação 1821
da Venezuela. ▾
San Martín proclama em Lima A invasão napoleônica
a independência do Peru.
Os ecos dos conflitos europeus e do avanço das tropas de Napoleão sobre a
Uruguai anexado ao território
brasileiro com o nome Espanha, em 1808, chegaram rapidamente ao Novo Mundo e alteraram o pre-
de Província Cisplatina. cário equilíbrio político das colônias. Surgiram juntas rebeldes, em algumas
Independência do México.
partes, com o objetivo de impedir a interferência francesa na região. Os vice
Independência das Províncias 1823
Unidas da América Central. ▾ -reis espanhóis na América rejeitaram obedecer aos invasores e passaram a agir
Independência da Bolívia. 1824 com mais autonomia. Os cabildos, compostos pelas famílias criollas mais ricas e
Fim do Império hispano-americano. ▾ poderosas de cada localidade, assumiram mais funções e liberdade de ação. Até
Guerra entre Brasil e Argentina 1825 1813, quando as tropas napoleônicas foram expulsas da Espanha, a América
pela Banda Oriental. ▾
espanhola conheceu uma relativa autonomia política e comercial, o que gerou
Congresso do Panamá. 1826 mais lucros para os criollos e, mais importante, deu a eles uma noção mais clara
Fracassa a ideia de Bolívar ▾
de unificação das Américas. e profunda das perdas provocadas por sua submissão ao Pacto Colonial.
Acordo Brasil-Argentina reconhece a 1828
República do Uruguai. ▾ A derrocada do Império espanhol
Peru e Grande Colômbia entram Desde o princípio do século XVIII, a ideia e os movimentos de emancipação
em guerra pela disputa de Quito.
Independência do Equador. 1830 política floresciam na América espanhola. Do México a Buenos Aires, passan-
A Grande Colômbia ▾ do por Caracas, na Capitania Geral da Venezuela, e por Lima, no Vice-Reino
se desmembra em dois do Peru, havia agitações políticas e circulavam impressos clandestinos, con-
Estados: Venezuela e Colômbia.
Morre Simón Bolívar.
clamando os criollos a se organizarem para romper os laços com a metrópole.

As independências na América espanhola 135

OH_V2_Book.indb 135 13/05/16 12:06


Fernando VII (1772-1833) reassumiu o trono da Espa- e, na América Central, no México e no Rio da Prata, a guer-
nha em 1813 e tentou retomar o comando pleno das colô- ra contra a metrópole era aberta.
nias, reforçando a presença política e militar espanho- Iniciava-se aí um longo processo de separação. A guer-
la na América. O Congresso de Viena e a Santa Aliança ra prolongou-se, na maior parte dos casos, por cerca de dez
também agiam para assegurar a persistência da hegemo- anos e a Espanha esforçou-se bastante para não perder a
nia europeia no além-mar. A breve autonomia dos hispa- importante fonte de recursos das colônias. Em 1820, uma
revolta liberal encerrou o absolutismo na metrópole e esta-
no-americanos, no entanto, deixara marcas e as lutas pela
beleceu uma monarquia constitucional, sob o comando do
emancipação avançavam. Alguns cabildos depunham as
mesmo Fernando VII. Os ventos da mudança, no entanto,
autoridades metropolitanas e assumiam o comando local.
não atravessaram o Atlântico. Os liberais espanhóis não
Declarações de independência irrompiam pelo continente pretendiam abrir mão do Pacto Colonial.
As Americas em 1800
MÁRIO YOSHIDA

AMÉRICA ESPANHOLA ANTES DAS INDEPENDÊNCIAS (1800)


OCEANO GLACIAL
ÁRTICO

TERRA NOVA
TERRA DE RUPERT’S St. Pierre e Miquelon
ço

NEW BRUNSWICK
en
Lo Á
ur
ão AD

Quebec ILHA PRÍNCIPE EDWARD


oS N
CA

Montreal NOVA ESCÓCIA


Ri

Boston
Nova York
ESTADOS OCEANO
UNIDOS Bermuda
ATLÂNTICO

Bahamas Ilhas Virgens


St. Martin
Havana Barbuda
VICE REINA
DO D A NCUBA
O V A HAITI
Antigua
Guadalupe
Jamaica ESP Dominica
AN
H Martinica
México Belize Bonaire A Barbados
COSTA DO Curaçao St. Lucia
São Vicente
MOSQUITO Aruba Granada
Tobago
Trinidad
DEMERARA
Caiena
s

SURINAME
de

OCEANO VICE REINADO DE


An

NOVA GRANADA
PACÍFICO

VICE REINADO
DO PERU BRASIL
Lima
Possessões inglesas
La Paz
Possessões francesas
Andes
VICE

Possessões espanholas Assunção


Rio de Janeiro
Possessões portuguesas
REINADO DO PERU

VICE REINADO DO
Possessões holandesas RIO DA PRATA
Santiago
Buenos Aires
Patagô
nia

ESCALA
0 945 1890 km

Fonte: Elaborado com base em BLACK, Jeremy. World history atlas. London: Dorling Kindersley, 2005; SELLIER, J. Atlas de
los pueblos de America. Barcelona: Paidós, 2007.

136 Capítulo 4  O Diabo ronda as Colônias

OH_V2_Book.indb 136 13/05/16 12:06


negócios. Podiam até enviar seus filhos à Metrópole
Haiti para serem educados. A situação deles começou a sus-
O segundo movimento de emancipação política da Améri- citar ódio e medo na minoria branca.
ca (depois dos Estados Unidos, em 1776) aconteceu na ilha A partir de 1758, legislou-se sobre diversas proibi-
de São Domingos – e não se tratou apenas de uma inde- ções na Colônia a fim de retirar dos mestiços os mesmos
pendência política. Foi, sem dúvida, a principal revolução direitos dos colonos franceses. Os mestiços foram proi-
de negros escravizados da História Contemporânea. Uma bidos de usar armas e roupas europeias, de se reunir,
verdadeira revolução negra no continente americano. sob pena de multa, e de utilizar os títulos de senhor ou
Denominada Índias Ocidentais de São Domingos, a senhora. Se um branco comesse na casa de um mestiço,
colônia francesa respondia por dois terços do comércio este não poderia sentar-se à mesa com ele.
exterior de sua Metrópole e significava um dos principais Os negros livres não eram muitos, se comparados com
mercados para o tráfico negreiro. Em 1789, sua economia os mestiços, e eram violentamente desprezados por eles.
era sustentada pela exploração de meio milhão de escra- Havia desavenças e conflitos entre negros e mestiços. Estes
vizados dedicados à produção de açúcar, café, anil e algo- últimos tendiam a reproduzir preconceitos semelhantes
dão em larga escala. àqueles com os quais eram tratados pela elite branca.
Havia uma imensa massa de cativos oprimidos,
mestiços discriminados, negros livres marginalizados e
Tá na rede! uma minoria branca intolerante. Tal composição social
fazia de São Domingos um verdadeiro barril de pólvora.
haiti

estúdio kanno de infografia


Digite o endereço abaixo na POPULAÇÃO DE SÃO DOMINGOS (1789)
barra do navegador de internet: Habitantes por localidade Port-de-Paix Cap-Français
933 15000
http://goo.gl/YFQg3G. Você pode
também tirar uma foto com um Página que dispo-
nibiliza online uma Le Môle-
aplicativo de QrCode para saber
seleção de livros ra- Saint-Nicolas
mais sobre o assunto. Acesso ros, mapas e ima- 1 200 DOMÍNIO
em: 12 abr. 2016. Em inglês. gens sobre a histó- ESPANHOL
Fort-Dauphin DOMÍNIO
ria do Haiti. 904 FRANCÊS

50 km
Negros e mestiços
Les Cayes Port-au-Prince
A colônia francesa possuía uma composição social 4 550 6 200
explosiva. No topo, uma pequena elite branca proprie- 15000
tária de terras e negros escravizados, e composta de Brancos Negros
escravizados
Negros e
mestiços livres
População
total
funcionários e autoridades administrativas. A seguir,
Fonte: Elaborado com base em RODGERS, D. "Urban development in 18th Century
brancos pobres, que nas fazendas eram feitores, admi- Saint Domingue". In: Bulletin du CHEA, no 5, 1990. Barcelona: Paidós, 2007.
nistradores ou capatazes. Nas cidades eram escritu-
rários, artesãos, alfaiates, soldados rasos. Mas muitos A Revolução
deles não cumpriam função alguma na economia: eram As revoltas e as formas de resistência entre os escravizados
fugitivos, devedores, criminosos. Na base da sociedade eram cotidianas: envenenamentos, suicídios, pilhagens
havia uma imensa massa explorada de africanos e des- etc. Muitos acabavam fugindo para as florestas e monta-
cendentes escravizados. nhas, onde organizavam quilombos. Dos quilombos surgiu
Entre brancos e negros escravizados havia um a primeira revolta organizada contra os brancos, antes da
setor expressivo da sociedade composto de mestiços Revolução Francesa (1789), que foi conduzida pelo líder
livres, mas hostilizados pelos brancos. Apesar disso, quilombola François Mackandal, cujas forças rebeldes
no entanto, conseguiram se estabelecer praticando aterrorizaram os fazendeiros brancos durante seis anos.
algum ofício. O crescimento econômico da Colônia Durante a Revolução Francesa, o governo estendia a
facilitou a ascensão social dessa população. Eles não igualdade de direitos a todos os cidadãos livres das colô-
tinham direitos políticos, mas podiam comprar pro- nias. A notícia se espalhou rapidamente em São Domin-
priedades e negros escravizados e administrar seus gos. Em 1791, iniciou-se uma rebelião sem precedentes.

As independências na América espanhola 137

OH_V2_Book.indb 137 13/05/16 12:06


Muitas plantações e engenhos foram destruídos, houve liderança para ter início uma rebelião contra regime
milhares de mortos. Sem uma liderança definida, a tão desumano. A segunda, o livro do imperador romano
situação na ilha era de caos e desordem. A luta se organi- Júlio César sobre a guerra contra os gauleses, através do
zaria somente três anos depois, em 1794, sob o comando qual aprendeu táticas de manobras e confrontos milita-
de Toussaint L'Ouverture e de seus companheiros. res. Toussaint tinha 45 anos quando aderiu à Revolução
Entre 1791 e 1804, os negros (cativos e libertos) e Haitiana. No entanto, não assistiu à independência de
mestiços da ilha enfrentaram a elite branca local, os sol- seu país. Morreu antes, em 1803, um ano após ter sido
dados da monarquia francesa, uma invasão espanhola, preso e levado para a França.
uma expedição britânica com cerca de 60 mil integran-
tes e uma expedição francesa enviada por Napoleão
Bonaparte. Esta última, derrotada em 1803, permitiu Vodu e Créole: símbolos de resistência
a fundação do Estado do Haiti, nome indígena utiliza- Dois elementos culturais foram centrais na realização da
do para designar toda a ilha antes da chegada dos euro- independência haitiana: o vodu e o creóle. O vodu, como
peus. A revolução negra era bem-sucedida. Um exemplo religião, uniu e reuniu os africanos de diferentes etnias.
que assustaria as elites escravistas de outras colônias No vodu, os negros escravizados integraram crenças, ritos,
músicas, danças de diferentes origens africanas ao catoli-
europeias na América.
cismo. Ao mesmo tempo que representou um elemento de
coesão e força entre os soldados.
O mesmo aconteceu com o creóle, língua falada pelos
MEMORIAL LIBRARY, WISCONSIN UNIVERSITY, MADISON, Estados Unidos

negros escravizados, a partir do francês e dialetos africa-


nos, acrescido de vocábulos do português, inglês e o espa-
nhol. O creóle não se limitou a uma forma de comunica-
ção comum, mas funcionava como uma espécie de códi-
go entre os negros, muitas vezes incompreensível ao colo-
nizador branco.
Símbolo por excelência da cultura haitiana, o vodu
resistiu como a expressão cultural e religiosa mais forte do
país. Mas, apenas em 2003, no governo de Jean-Bertrand
Aristide, viu-se reconhecido legalmente como uma reli-
gião, com direito à proteção do Estado para os locais de
culto e seus participantes.
Introduzido nas escolas em 1979, o créole, só foi reco-
nhecido como língua oficial, em 1987. Atualmente 95% da
população haitiana fala o creóle.

museu etnográfico, berlim, alemanha

Toussaint L'Ouverture, Séraphin Delpech. Litografia


colorida, século XIX.

Toussaint L'Ouverture: o General de Ébano


François-Dominique Toussaint L'Ouverture (1743-
-1803), como outros criados domésticos escravizados
que viriam a se tornar líderes da revolução, pôde apren-
der francês, latim e matemática. Duas obras influencia-
ram Toussaint. A primeira foi o livro História filosófica
Bandeira vodu. Seda, veludo e miçangas, s/d.
e política, do padre francês Guilherme Raynal, crítico
feroz da escravidão, que afirmava faltar apenas uma

138 Capítulo 4  O Diabo ronda as Colônias

OH_V2_Book.indb 138 13/05/16 12:06


O temor de uma revolução social indígena fez com
México que os criollos freassem sua disposição emancipacio-
No México, a guerra contra a Espanha começou nista e buscassem apoio militar espanhol. A revolta foi
em setembro de 1810, quando o padre Miguel Hidalgo reprimida e Hidalgo, preso e executado em 1811. Outros
(1753-1811), conclamou os fieis que estavam à porta grupos mobilizaram-se para lutar pelos mesmos ideais.
da igreja de Dolores a aderir à luta de independência. O padre José Maria Morelos (1765-1815) foi o principal
Para Hidalgo, no entanto, a luta não se resumia ao fim líder dessa luta social até sua derrota e execução, qua-
dos vínculos coloniais e à expulsão dos chapetones: ela tro anos depois.
devia buscar uma transformação social mais ampla e Hidalgo e Morelos acreditavam que a emancipa-
libertar também os indígenas e mestiços que viviam ção não podia resumir-se à liberdade política em rela-
sob a dominação dos criollos. Hidalgo rejeitava a escra- ção à metrópole e ao fim do Pacto Colonial. Ela precisa-
vidão e os trabalhos forçados, e pregava o fim dos tri- va reconhecer os problemas e impasses herdados nos
butos sobre as comunidades indígenas e a distribuição séculos de colonização e conceber o ideal de liberdade
de terras para a população nativa – inclusive as terras de maneira mais ampla.
da Igreja. Não era essa, porém, a disposição dos criollos mexi-
canos. Após a repressão aos movimentos sociais, eles
retomaram a defesa do emancipacionismo, mas com o
Hidalgo cuidado de impedir a radicalização da luta. No início
da década de 1820, após alguns combates e uma longa
A imagem de Hidalgo tornou-se muito difundida no México,
desde a época da independência. Em geral, ela aparece mar-
negociação com a Espanha, o México tornou-se inde-
cada por símbolos das três lutas que enfrentou: a religiosa, a pendente. O líder desse processo foi Augustín de Itúr-
militar e a social. Na figura abaixo, respectivamente a cruz, bide, militar que havia participado da repressão aos
a espada e o cajado. movimentos de Hidalgo e de Morelos e que, por bas-
tante tempo, mantivera-se aliado à Coroa espanhola.
MUSEU VITÓRIA ALBERT, LONDRES, INGLATERRA

Itúrbide proclamou-se imperador do México em 1822 e


governou por pouco mais de um ano. Em 1823, a Repú-
blica foi proclamada e Itúrbide fugiu para a Europa.
Retornou no ano seguinte, quando foi preso e fuzilado.

América Central
O México independente anexou a Capitania da Guate-
mala e expôs outro dilema da emancipação política na
América espanhola: a independência manteria a unida-
de artificial que a Espanha impusera ao continente ou
provocaria fragmentação política?
Para o hondurenho José Cecilio del Valle (1780-1834),
um dos principais líderes centro-americanos, a resposta
devia ser dada com cautela. Ele defendia a unidade e lutou
por ela, mas temia que os países mais ricos e mais fortes
dominassem os menores. A ocupação mexicana da Guate-
mala revelava que a preocupação de del Valle era correta.
Entre as décadas de 1820 e 1830, a América Central
foi cortada por conflitos de várias ordens: além da guer-
ra contra a Espanha, lutava-se contra a invasão mexica-
na e os grandes proprietários tentavam conter os levan-
Hidalgo, Claudio Linatti. Litografia aquarelada extraída tes populares. Após a expulsão dos espanhóis e dos
da obra Costumes civils, militaires et réligieux du Méxique, mexicanos, a tentativa de impedir a divisão política da
Bruxelas, 1828.
região resultou na criação das Províncias Unidas, que
duraram até o final do anos 1830.

As independências na América espanhola 139

OH_V2_Book.indb 139 13/05/16 12:06


A Região Platina e o Chile A Grande Colômbia e o Peru
Buenos Aires proclamou sua independência em 1810. A Os exércitos de Simón Bolívar atuaram principalmen-
partir daí, a região platina imergiu numa longa tempora- te no antigo vice-reino de Granada, onde as lutas arras-
da de guerras contra a reação espanhola, que tentava res- taram-se de 1809 até a proclamação da independência,
tabelecer seu domínio. A emancipação definitiva de Bue- em 1819, quando surgiu a Grande Colômbia. Violentas
nos Aires deu-se apenas em 1816, quando a cidade, num disputas personalistas entre as lideranças políticas e
esforço de expandir sua hegemonia sobre a região, passou militares, porém, provocaram, ainda na década de 1820,
a liderar as Províncias Unidas do Rio da Prata. As forças a divisão da Grande Colômbia em três países: Venezuela,
emancipacionistas lideradas por José de San Martín, após Colômbia e Equador.
o sucesso no Prata, avançaram em direção ao Chile e con- O Alto Peru e o Peru foram os últimos focos de resis-
tribuíram para a independência da região, em 1818. tência da colonização espanhola na América do Sul. O
Em meio aos conflitos, o Paraguai separou-se da Espa- avanço das tropas de Bolívar para o Sul, consolidou, em
nha e conseguiu escapar da tutela de Buenos Aires. A Banda 1825, a independência do Alto Peru: nascia a Bolívia. A
Oriental (atual Uruguai), era alvo de diversos interesses: emancipação do Peru só aconteceu em 1826 e contou com
espanhóis, luso-brasileiros e de Buenos Aires. Em 1821, a a atuação decisiva do exército liderado por San Martín.
região foi anexada ao Brasil, como Província Cisplatina. Um
dos grupos que lá se enfrentavam era liderado por José Arti-
gas, que defendia a distribuição de terras para indígenas e Tupac Amaru
pobres. Perseguido por tropas brasileiras e espanholas, Arti- Em 1780, o cacique peruano de Tinta, José Gabriel
gas foi derrotado e forçado a se exilar no Paraguai. Condorcanqui, liderou uma rebelião de quase 50 mil
OH_U5_pag474b indígenas. Ele descendia do último líder inca, Tupac
MÁRIO YOSHIDA

AMÉRICA ESPANHOLA DEPOIS Amaru, assassinado pelos espanhóis em 1572.


DAS INDEPENDÊNCIAS (1900) Condorcanqui reagia aos tributos e aos trabalhos
OCEANO GLACIAL forçados a que os nativos eram submetidos. Seu levan-
ÁRTICO te não questionava a autoridade espanhola, mas a ação
dos seus administradores. Adotou o nome Tupac Amaru
ALASCA II e os rebeldes chegaram a executar o corregedor, José
de Arriaga. A reação espanhola foi violenta, o movimen-
TERRA NOVA
to foi debelado e Condorcanqui, preso e executado.
CANADÁ
St. Pierre e Miquelon Embora o movimento não tivesse caráter emanci-
pacionista, parte da historiografia saudou Tupac Amaru
OCEANO
ATLÂNTICO como um precursor da luta pela independência na
ESTADOS Bermuda
UNIDOS América espanhola. Sua ação também inspirou, na déca-
REP. DOMINICANA

Bahamas
Porto Rico da de 1960, um grupo de uruguaios de esquerda, que
Ilhas Virgens
Havana
St. Martin
Ilhas Leeward
lutavam pela revolução social e que passaram, em home-
MÉXICO
México
CUBA
Jamaica HAITI
Guadalupe
Dominica nagem ao líder indígena, a se denominar Tupamaros. Os
Belize Martinica
GUATEMALA HONDURAS
Curação
BARBADOS tupamaros foram brutalmente reprimidos pela ditadura
EL SALVADOR NICARÁGUA Ilhas Windward
COSTA RICA VENEZUELA Trinidad e Tobago
GUIANA INGLESA
militar que controlou o país nos anos 1970.
GUIANA HOLANDESA
COLÔMBIA
GUIANA FRANCESA
RADIO LIVRE LATINOS, PARIS, FRANÇA

Is. Galápagos
(EQU)
EQUADOR

OCEANO PERU ACRE BRASIL


Lima
PACÍFICO
BOLÍVIA
Andes

PARAGUAI
Rio de Janeiro

ARGENTINA
Santiago URUGUAI
CHILE Buenos Aires

Possessões inglesas
Patago

Possessões francesas Ilhas


Malvinas
nia

Possessões holandesas
ESCALA
Possessões estadunidenses 0 1325 2650 km

Fonte: Elaborado com base em BLACK, Jeremy. World history atlas. London:
Dorling Kindersley, 2005; SELLIER, J. Atlas de los pueblos de America.
Tupac Amaru, anônimo. Ilustração, 2009.
Barcelona: Paidós, 2007.

140 Capítulo 4  O Diabo ronda as Colônias

OH_V2_Book.indb 140 13/05/16 12:06


nas décadas seguintes e os Estados Unidos passaram a
O Congresso do Panamá realizar intervenções em outras partes do continente:
e a Doutrina Monroe México, Caribe, América Central. No começo do século
Em 1826, representantes de vários países americanos XX, outro presidente estadunidense, Theodore Roose-
reuniram-se no Congresso do Panamá para discutir a velt apresentou sua interpretação peculiar da Doutrina
organização do continente. A luta pela emancipação Monroe. Segundo ele, os Estados Unidos deveriam orga-
havia desencadeado conflitos internos e disputas ter- nizar o continente, sob sua liderança e hegemonia.
ritoriais entre áreas que antes viviam unificadas sob o Unidade ou fragmentação?
domínio espanhol. A independência abrira espaço para
Até hoje, o tema da unidade americana é objeto de dis-
antigas e novas rivalidades e provocava a fragmentação
cussões e sonhos. Durante as guerras de independên-
política da antiga América espanhola. Muitos considera-
cia, alguns pensadores formularam projetos para asse-
vam que as divisões internas fragilizavam os novos Esta-
gurar que os novos países se mantivessem ligados uns
dos frente às tentativas recolonizadoras da Espanha.
aos outros. José Cecilio del Valle chegou a afirmar que
Para os Estados Unidos, independentes desde
se alguns europeus sonhavam com a unificação da
1776, a emancipação política da América espanho-
Europa, também os americanos podiam sonhar com a
la representava a redução da influência da Europa no
união da América.
continente e a oportunidade de ampliação das relações
Alguns historiadores defendem que o principal
comerciais. Em 1823, o presidente James Monroe fez
defensor da unidade americana foi o venezuelano
um pronunciamento em que defendia o lema "A Amé-
Simón Bolívar (1783-1830). Bolívar foi um dos princi-
rica para os americanos".
pais pensadores e líderes políticos e militares da inde-
A chamada Doutrina Monroe repudiava as tentati-
pendência hispano-americana. Num de seus textos
vas de retomada dos laços coloniais e defendia as lutas
mais famosos, a Carta da Jamaica (1815), ele afirmou
dos criollos:
que a unidade era fundamental na luta contra a Espa-
"Os cidadãos dos Estados Unidos nutrem os mais nha. Em outros textos, esboçou dois projetos de unifi-
amistosos sentimentos em favor da liberdade e felici- cação. O primeiro incluiria a Grande Colômbia, o Peru
dade dos seus semelhantes deste lado do Atlântico. e a Bolívia. O segundo, mais ambicioso, reuniria desde
Nas guerras das potências europeias por questões a Guatemala até a Bolívia. Nos dois casos, o controle
que lhes dizem respeito nunca tomamos parte [...]. Só deveria ser exercido a partir de Caracas, e Buenos Aires
quando nossos direitos são violados ou seriamente e México ficariam de fora.
ameaçados nos revoltamos contra os males que nos Para Bolívar, a unidade asseguraria uma ação con-
causam ou nos preparamos para defender-nos. Esta-
junta da região na conquista de mercados consumi-
mos necessariamente mais ligados aos movimentos
dores para seus produtos, na Europa e nos Estados
neste hemisfério, e por motivos que hão de ser óbvios
Unidos, que ele considerava seus principais aliados.
a todos os observadores esclarecidos e imparciais.
Além disso, garantiria proteção contra alguma tenta-
[...] Devemos, portanto, à franqueza e às relações
amistosas entre os Estados Unidos e essas potências
tiva espanhola de recolonização e, sobretudo, contra
a declaração de que consideraremos a menor tenta- a ameaça que o Brasil representava. Bolívar temia que
tiva da parte delas de estender o seu sistema a qual- o Brasil, vinculado a Portugal ou independente, apro-
quer porção desse hemisfério perigosa para a nossa veitasse os conflitos nas regiões vizinhas para expan-
paz e segurança". dir seu território.
Apud: SYRETT, Harold C. (Org.). Documentos históricos Nenhuma das propostas de Bolívar foi aceita e ele
dos Estados Unidos. São Paulo: Cultrix, 1988. p. 141-142. morreu, em 1830, derrotado política e militarmente.
Uma década depois, quando poucos lembravam-se de
No pronunciamento, Monroe também afirmava que
seu papel nas guerras contra a Espanha, ele foi reabi-
os Estados Unidos não interfeririam em assuntos inter-
litado: o governo venezuelano de então passou a cele-
nos ou conflitos dos demais países americanos. Quando
brá-lo como herói, num esforço de construir, em torno
lançada, a Doutrina tinha, portanto, sentido estritamen-
de sua figura, uma unidade nacional. Desde então, na
te defensivo e sugeria a necessidade de a América arti-
Venezuela e em boa parte da América Latina, Bolívar é
cular-se internamente contra ameaças externas. A visão
chamado de "unificador" e de 'libertador".
estadunidense sobre a América, no entanto, se alterou

As independências na América espanhola 141

OH_V2_Book.indb 141 13/05/16 12:06


ma de forte dominação social e o sentido de liberdade
O caudilhismo variava conforme a posição social. Entre 1811 e 1879,
A palavra caudillo, no espanhol, significa “líder”. No a escravidão foi abolida em quase todo o continente –
entanto, quando alguém se refere a caudilhos ou ao apenas o Brasil continuava a ter negros escravizados.
caudilhismo do século XIX hispano-americano, está, Mas isso não impediu que as populações afrodescen-
na verdade, caracterizando um fenômeno político bas- dentes e indígenas continuassem a viver em condições
tante importante: a atuação de lideranças políticas e precárias e que a liberdade ainda parecesse distante.
militares locais que, aproveitando-se da instabilidade
provocada pelas lutas de independência, ampliaram Faça

seu poder e sua influência. Tá ligado?! em se


cadernu
o
Esses caudilhos, quase sempre, eram proprietá-
(PUC-RJ) Responda a esta questão assinalando a
rios rurais e recrutavam suas tropas entre aqueles que afirmativa CORRETA. Enquanto o processo de inde-
viviam em suas terras e dependiam deles. Alguns che- pendência da América portuguesa uniu as diferentes
gavam a apresentar-se como defensores de propostas facções oligárquicas estabelecendo um sistema uni-
que favorecessem os mais pobres, mas sua principal tário sob regime monárquico, na América espanhola
luta era contra a consolidação de um governo central havia diferentes frações de uma mesma oligarquia.
forte e unificado que se impusesse aos interesses das Esse fato:
localidades. Em algumas partes da América hispânica, a) evoluiu, justamente por não haver um poder forte,
como na região do Prata, a ação dos caudilhos prolon- numa forma de Estado Nacional moderno, inde-
pendente do capital internacional.
gou por décadas as guerras internas e retardou bastan-
b) levou a uma participação maior das camadas
te a consolidação dos novos Estados.
sociais mais baixas num movimento que ficou
Qual liberdade? conhecido como caudilhismo.
Os criollos alcançaram, com as independências, o poder c) consolidou, logo após a emancipação, um poder
político ainda mais centralizado e autoritário com
político e a liberdade comercial que almejavam. Mas
uma forma de ditadura militarista.
nem todos lutavam por essa liberdade. Para os indíge-
d) gerou um instável e difícil período com o progres-
nas, a ideia de liberdade equivalia ao fim do regime de sivo uso das forças para conter as massas a servi-
trabalhos forçados e dos tributos sobre as comunida- ço dos interesses das elites.
des. Para os africanos escravizados, liberdade era o fim → DL/CF/SP/H7/H9/H13/H15
da escravidão. Os novos Estados reproduziam a hierar- → conforme tabelas das páginas 8 e 9.
quia rígida do período colonial e mantinham o panora-

museu nacional, bogotá, colombia


Mulheres políticas
Policarpa Salavarrieta ou Pola (1795-1817)
é considerada por numerosos historiadores
da época como a mais representativa mulher
da independência da Colômbia, Policarpa
Salavarrieta alia-se à causa de Antonio
Nariño, um dos chefes militares do movimen-
to independentista, e torna-se informante
em Santa Fé de Bogotá. Recolhe informações
tanto em locais públicos como nas casas dos
realistas espanhóis onde trabalha como cos-
tureira. Transmite os dados a mulheres que
os comunicam aos soldados que combatem
na frente.
Mas acaba por ser detida e executada a Policarpa Salavarrieta, marcha para o suplício, anônimo. Óleo sobre
14 de novembro de 1817. Em sua homenagem, tela, 74,5 x 93,5 cm c. 1825.
em 1967, foi ratificada lei que tornou o 14 de
Policarpa Salavarrieta sacrificada pelos espanhóis nessa praça em 14 nov. de
novembro o "dia da mulher colombiana".
1817. Sua memória eternizada entre nós e sua fama ressoa pelo mundo todo.

142 Capítulo 4  O Diabo ronda as Colônias

OH_V2_Book.indb 142 13/05/16 12:06


ANÁLISE DE IMAGEMpintura

Simón Bolívar, libertador e pai da nação Artista: Pedro José Figueiroa

Material: Óleo sobre tela Exposta atualmente na Casa Museu Quinta de


Bolívar, em Bogotá (Colômbia).
Datação: 1819

QUINTA DE BOLÍVAR, BOGOTÁ, COLÔMBIA


Primeiro olhar:Diversas repre- 1
sentações da América, no perío-
do colonial, tinham a forma de
uma mulher indígena. O artista
reinterpretou esse motivo neste
quadro.

A jovem República é representa- 2


da como uma indígena, de cocar
de penas, carregando arcos e fle-
chas. Seus traços são de uma
mestiça e os trajes (pérolas, joias
e vestido), de uma europeia.

Bolívar acolhe sob o braço pater- 3


nal a nova pátria.

O quadro foi presenteado a


Bolívar na principal praça de 4
Bogotá, na festa da vitória pela
independência definitiva de
Nova Granada, em 18 de setem-
bro de 1819.

Verificação de leitura 2 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 Relacione a invasão napoleônica da Espanha com o 3 Explique a proposta de unidade americana por
crescimento dos movimentos emancipacionistas na Simón Bolívar e as controvérsias em torno dela.
América. → DL/CF/SP/H7/H10/H11 → DL/CF/SP/ H10/H11/H14
2 No que os movimentos liderados por Hidalgo 4 Qual foi o papel dos Estados Unidos na independên-
e Morelos, no México, e José Artigas, na Banda cia hispano-americana? → DL/CF/SP/H7/H9
Oriental, diferenciaram-se das demais lutas pela
5 Explique o que foi caudilhismo no século XIX hispa-
independência. → DL/SP/CA/H9/H10/H11
no-americano. → DDL/ SP/H10/H11

As independências na América espanhola 143

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3 A independência
do Brasil

D
esde o final do século XVIII, alguns letrados do Império português
retomavam a ideia, esboçada no século anterior, de mudança da
sede da Coroa para a América. Devido à importância econômica das
colônias americanas e à insegurança reinante na Europa, eles defendiam
uma profunda reforma na estrutura política do Império, que culminaria
nesse deslocamento geográfico do poder monárquico.
D. Rodrigo de Sousa Coutinho, Ministro dos Negócios do Ultramar, pro-
pusera, em 1798, uma política de reconciliação imperial, após as conspi-
rações de Minas, do Rio de Janeiro e da Bahia. O ilustrado conselheiro da
Coroa defendia o estabelecimento de uma federação de províncias, incluin-
◀ ANOS

A INDEPENDÊNCIA
DO BRASIL do as possessões coloniais, de forma que todas gozassem as "mesmas hon-
ras e privilégios", "a fim de que o português nascido nas quatro partes do mundo
Acordo prevê mudança 1807
da corte lusitana para o Brasil. ▾ se julgasse somente português". Em 1803, consultado sobre a situação euro-
A família real embarca peia, d. Rodrigo acrescentava: "Portugal não é a melhor parte da monarquia,
rumo ao Brasil.
nem a mais essencial". Isso significava que um poderoso Império sediado
Exército francês ocupa Lisboa.
na América do Sul seria mais capaz de responder a agressões da França, da
Transferência da corte portuguesa 1808
para o Rio de Janeiro. ▾ Inglaterra e da Espanha, e de defender seus domínios mais ricos.
Abertura dos portos brasileiros
às nações amigas.

COLEÇÃO MUSEUS/BANCO SAFRA/MUSEU HISTÓRICO NACIONAL, RIO DE JANEIRO, BRASIL


1810
Tratado de Navegação e Comércio. ▾
Carta Régia eleva o Brasil a Reino 1815
Unido de Portugal e Algarve. ▾
1817
Insurreição Pernambucana. ▾
D. João VI aclamado rei de 1818
Portugal, do Brasil e Algarve. ▾
1820
Revolução do Porto. ▾
D. João VI deixa o Rio de Janeiro 1821
e passa a regência a d. Pedro I. ▾
Eleição para as cortes
Constituintes em Portugal.
D. Pedro I aclamado 1822
imperador do Brasil. ▾
Rio de Janeiro escolhida como
capital do Império.
Abertura da Primeira 1823
Assembleia Constituinte. ▾
Batalha do Jenipapo.
Em novembro, d. Pedro I dissolve
a Assembleia Constituinte.
D. Pedro I outorga 1824
a primeira Constituição. ▾
Portugal reconhece a 1825
independência do Brasil. ▾ Embarque para o Brasil de d. João VI e a família real, no porto de Belém, em 27
de novembro de 1807, Francisco Bartolozzi. Gravura em placa de metal, feita a
partir da tela de Nicolas Delariva, c. 1808. (detalhe)

144 Capítulo 4  O Diabo ronda as Colônias

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igualou em 15% o imposto aplicado sobre os produtos de
A vinda da Corte portuguesa ingleses e portugueses. O Brasil via aniquilada a chance
ao Brasil de desenvolver indústrias (apesar da liberdade) e torna-
Em 27 de novembro de 1807, cerca de 70 navios dei- va-se o principal mercado para a poderosa indústria da
xavam Lisboa com milhares de nobres, soldados e Inglaterra.
toda a família real, incluindo a rainha, d. Maria, a As transformações do Centro-Sul
Louca, e o príncipe d. João, que assumira a regência
A transferência da corte para o Rio de Janeiro trouxe
em 1792 devido à doença mental da mãe. Não se trata-
um significativo número das funções políticas e admi-
va de uma imensa excursão em direção às então con-
nistrativas. Desde 1763, a cidade era a capital do Vice-
sideradas exóticas terras tropicais. A sede da monar-
-Reino do Brasil, unido aos domínios do Norte (esta-
quia portuguesa estava de mudança para o Rio de
dos do Grão-Pará e Maranhão) apenas em 1774. Logo,
Janeiro. Apressadamente haviam sido embarcados
a primeira questão a ser resolvida era o abastecimen-
todo o tesouro real, metade das moedas em circulação
to da cidade, que recebera, de uma só vez, mais de 15
no reino, móveis, roupas e demais objetos de valor.
mil novos habitantes, sem contar os mercadores ingle-
Até mesmo a biblioteca real, de cerca de 60 mil livros,
ses e colonos de Angola e Moçambique, que não para-
animais de criação e alimentos foram levados para o
ram de desembarcar em seu porto desde 1808. Entre
porto de Lisboa. Uma multidão indignada assistia ao
1799 e 1821, a população urbana local passou de 43 mil
espetáculo. Seus governantes fugiam do Exército fran-
para 79 mil habitantes.
cês, que estava às portas da capital.
A solução encontrada foi a construção de estra-
das que permitissem o transporte de gêneros alimen-
A interiorização tícios produzidos em Minas Gerais e São Paulo. Com o
declínio da mineração, a Capitania de Minas passou de
da Metrópole região consumidora de produtos de primeira necessida-
Parte da frota portuguesa acabou aportando em Salva- de a área produtora de alimentos e criadora de gado. São
dor, em 22 de janeiro de 1808. Lá, o príncipe d. João Paulo, que já havia muito se desenvolvia nesse sentido,
decretou a abertura dos portos brasileiros a outras era rota das mercadorias vindas da região Sul do Brasil,
nações, ou seja, a livre entrada de produtos estrangei- principalmente de gado. Essas regiões articulavam-se
ros no Brasil. Com a Metrópole ocupada pelas tropas economicamente em torno da capital brasileira.
francesas, tornava-se necessária uma medida que per- Essa foi uma transformação importante, por-
mitisse o abastecimento da corte e a continuidade dos que até o final do século XVIII, apesar do comércio
negócios imperiais. Rompia-se na prática o monopó- intercolonial, não havia um polo econômico no inte-
lio metropolitano, núcleo do sistema colonial. O Bra- rior dos domínios portugueses da América com força
sil, passando a sede da monarquia, praticamente deixa- suficiente para integrar as regiões Sul e Centro-Sul de
va de ser Colônia e passava a negociar diretamente com forma duradoura. Na verdade, não existia Brasil, e sim
as nações amigas de Portugal, uma forma indireta de se uma série de domínios portugueses que estabeleciam
referir à Inglaterra. A corte portuguesa desembarcou no entre si um comércio mais ou menos circunstancial.
Rio de Janeiro em 8 de março. A cidade assumiu o papel Regiões dispersas, afastadas por longas distâncias,
de capital de todo o Império. Em 1815, o Brasil foi eleva- com realidades econômicas e sociais díspares, tal era
do à condição de Reino Unido de Portugal e Algarves, a herança colonial. Tanto que as revoltas de Minas e
formalizando seu novo estatuto político. da Bahia não propunham a independência das demais
Ainda em 1808, centenas de comerciantes ingleses Capitanias. Não havia, ainda, um projeto de unidade
instalaram-se no Rio de Janeiro, interessados no promis- política para o Brasil.
sor comércio brasileiro. Em 1810, mediante o Tratado de Ao mesmo tempo que se processava tal articula-
Navegação e Comércio, as mercadorias importadas da ção econômica, realizavam-se casamentos entre mem-
Inglaterra receberam um tratamento especial: pagavam bros da corte e filhos das principais famílias brasilei-
15% de imposto, contra os 16% cobrados dos comercian- ras. Funcionários reais e representantes da nobreza
tes lusitanos e os 24% dos demais países. Diante do pro- recebiam terras na região do Vale do Paraíba, entre
testo de seus súditos, a Coroa encontrou uma solução: São Paulo e Rio de Janeiro, e realizavam-se grandes

A independência do Brasil 145

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investimentos públicos: Jardim Botânico, Biblioteca controle econômico exercido por comerciantes por-
Real, Imprensa Régia, Academia da Marinha, Academia tugueses na região. Na verdade, apesar do decreto de
Militar, Academia de Belas-Artes e de Ofícios, Observa- abertura dos portos de 1808, a Coroa mantinha sua
tório Astronômico, Casa da Moeda, Banco do Brasil. política monopolista no Nordeste, acirrando a riva-
À medida que se estabeleciam os interesses dos lidade entre os produtores locais e os comerciantes
membros do governo na América, os representan- lusitanos. Os grandes proprietários pretendiam esta-
tes da aristocracia colonial do Centro-Sul contenta- belecer relações econômicas diretas com a Inglaterra
vam-se. Em pouco tempo, pela afinidade econômi- e os Estados Unidos, e, para tanto, chegaram a reme-
ca e social, surgiu uma elite dirigente, composta de ter uma carta ao presidente estadunidense oferecendo
comerciantes, proprietários rurais, traficantes de "liberdade absoluta de comércio" e afirmando que pro-
escravos e funcionários da Coroa. Essa elite aglutina- curavam imitar a "vossa brilhante revolução".
va-se em torno da administração central e do abaste- Em março de 1817, eclodiu a Insurreição Pernam-
cimento da corte e da monarquia. bucana, que se espalhou para a Paraíba, o Rio Gran-
No entanto, nas províncias do Norte e do Nordes- de do Norte, o Ceará e o Piauí. No Recife, os revoltosos
te, a presença da monarquia em terras brasileiras não assumiram o poder por 74 dias, chegando a procla-
estava sendo tão lucrativa. Os cargos administrativos mar a República. Da capital de Pernambuco, a insur-
mais cobiçados eram ocupados por nobres portugueses reição espalhou-se para o sertão e para as Capitanias
recém-chegados da Europa, e altos impostos continua- vizinhas. Em busca de apoio, representantes da nova
vam a recair sobre as atividades coloniais. O desconten- República foram enviados para a Argentina, os Esta-
tamento logo se faria sentir. dos Unidos e a Inglaterra. Esse movimento de elite,
dirigido por padres (a revolta é também denomina-
Coroação de d. João VI
da Revolução dos Padres), militares e proprietários
Com a morte de dona Maria I, em 1816, d. João VI tor-
rurais, foi duramente reprimido pelas autoridades
nou-se soberano com plenos poderes. A cerimônia de
imperiais.
aclamação realizou-se em 1818, ainda no Rio de Janei-
Entre os seus líderes figuravam João Ribeiro de
ro, provocando protestos entre os portugueses que
Melo Montenegro (padre), Domingos José Martins
viviam em Portugal. Os motivos eram simples: desde
(comerciante), Domingos Teotônio Jorge (militar), José
1811, as tropas francesas já haviam se retirado do reino,
Luís de Mendonça e Antônio Carlos de Andrada e Silva
Napoleão Bonaparte já fora derrotado definitivamente
(magistrados), Manuel Correia de Araújo e Antonio de
na famosa Batalha de Waterloo (1815) e a guerra termi-
Morais e Silva (proprietários rurais).
nara na Europa. Aparentemente não havia razão para a
Durante os combates, o governo provisório de Reci-
corte continuar sediada no Rio de Janeiro.
fe alforriou negros escravizados e organizou pequenos
Aproveitando-se da fragmentação do Império espa-
agrupamentos militares. As perigosas ideias de igual-
nhol e temeroso de que tais exemplos pudessem ser
dade social começaram a circular entre os homens
seguidos no Brasil, d. João ordenou a invasão e ane-
livres pobres e grupos intermediários e até mesmo
xação da Banda Oriental (Uruguai), que passou a ser
entre alguns dirigentes do levante. Foi o suficiente
designada Província Cisplatina. O objetivo era contro-
para que a maioria dos grandes proprietários retirasse
lar a região do Prata e alargar ainda mais as fronteiras
o apoio ao movimento. A abolição da escravatura não
de seu Império.
estava no programa. As ideias liberais, inspiradoras do
A Insurreição Pernambucana de 1817 movimento, foram mais uma vez adequadas à realida-
A expulsão dos holandeses em 1654 permitira a cons- de escravista.
trução de um discurso de autonomia em Pernambuco Em maio, Recife foi ocupada pelas forças leais à
que marcaria sua história posterior. Durante a Fron- Coroa portuguesa. O padre João Ribeiro de Melo Mon-
da dos Mazombos (Guerra dos Mascates), entre 1711 e tenegro, um dos principais participantes da insurrei-
1712, a ruptura com a Metrópole chegou a ser cogita- ção, suicidou-se. Domingos José Martins e José Luís de
da. A questão da autonomia pernambucana retorna- Mendonça foram fuzilados. Domingos Teotônio Jorge
ria com intensidade em 1817. Em uma conjuntura de e outros rebeldes foram enforcados. A repressão ainda
queda dos preços do açúcar e do algodão no merca- se abateu contra outros revoltosos das demais provín-
do mundial, a aristocracia nordestina ressentia-se do cias nordestinas, prendendo centenas de envolvidos.

146 Capítulo 4  O Diabo ronda as Colônias

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regionais da América e os funcionários e membros da
MÁRIO YOSHIDA
A INSURREIÇÃO EM PERNAMBUCO (1817)
corte real. Em jogo estava a seguinte questão: quem con-
seguiria exercer a hegemonia política nesse vasto Impé-
rio? De fora, muito atenta, a poderosa Inglaterra partici-
Cunhaú
pava como uma espécie de curinga, que poderia decidir
Vila Real
do Crato a partida para qualquer dos participantes, dependendo
Itambé
de seus interesses. Por outro lado, os "perigosos" setores
Limoeiro
Igaraçu
Paulista populares brasileiros, compostos de artesãos, pequenos
Olinda
Jaboatão Recife
Cabo
comerciantes, mulatos, homens livres pobres e escra-
vizados, alimentavam o temor de que a trama política
desembocasse numa péssima e irremediável cartada.
Pilão Arcado
Para a maioria dos deputados portugueses reunidos
nas cortes em Lisboa, tratava-se de controlar o poder
0
ESCALA
120 240 km
real por meio da monarquia constitucional e de recon-
duzir seus domínios americanos à condição de Colô-
nia. Os revoltosos não podiam proclamar a República,
simplesmente porque perderiam o controle das rique-
Fonte: Elaborado com base em JOFFILY, zas brasileiras. Em função disso, passaram a exigir o
B. Isto É Brasil, 500 anos. Atlas histórico
do Brasil. São Paulo: Três, 1998.
retorno de d. João VI a Portugal. Tentavam submetê-lo
Rio de Janeiro
às regras constitucionais e transformá-lo num símbolo
de unidade imperial, sem poderes de fato e a serviço dos
deputados, encarregados de elaborar as leis e de exer-
A Revolução do Porto cer o poder Executivo de todo o Império. Alguns, mais
Em agosto de 1820, na cidade do Porto, em Portugal, mili- conciliadores, até admitiam a possibilidade de manter
tares pronunciaram-se publicamente contra a ausência o Brasil como Reino Unido de Portugal, desde que fosse
do rei e sua corte em Portugal e a preponderância ingle- assegurada a hegemonia portuguesa no Império.
sa nos negócios do Império. Até mesmo o Conselho que
A elite colonial e a revolução
governava o reino durante a permanência do monarca na
A elite colonial vivia uma situação mais complexa. Não
Colônia era presidido por um marechal inglês, que se tor-
nara comandante do Exército nacional após a expulsão havia nela unidade de interesses, a não ser em torno
dos franceses. Em razão disso, o movimento obteve rápi- de duas questões fundamentais: manter o Brasil como
da aceitação. Reino Unido, garantindo assim a manutenção dos privi-
Seguiram-se deslocamentos de tropas e ajuntamen- légios que recebia desde 1808, e afastar o risco de radi-
tos populares em diversas localidades, entre elas, a capital calizações populares que pudessem levar à perda de
Lisboa. A economia de Portugal encontrava-se arruinada, seu poder socioeconômico. Liberdade de comércio com
não só pela guerra contra a França, mas principalmen- outros países, principalmente com a Inglaterra, era a
te porque sua maior fonte de renda, o comércio colonial, palavra de ordem dos cerca de 70 representantes bra-
havia sido drasticamente reduzida com a abertura dos sileiros escolhidos para participar das cortes de Lisboa.
portos brasileiros. Os revoltosos assumiram o governo e O medo de levantes de negros e mulatos que transfor-
convocaram eleições para as cortes, organismos parla- massem o Brasil num novo Haiti era o único sentimen-
mentares que deveriam elaborar uma Constituição e pôr to de unidade coletiva. Não havia entusiasmo nacional,
fim ao absolutismo monárquico. A onda revolucionária até porque ainda não havia uma nação brasileira. Na
chegava finalmente a Portugal com a Revolução Liberal verdade, cada deputado representava sua província ou
do Porto. A burguesia portuguesa tentava assumir o con- região, como afirmava com clareza o representante pau-
trole do Reino e do Império lusitanos. lista Antônio Feijó: "Não somos deputados do Brasil, por-
A revolução expunha a complexa realidade do que cada província se governa hoje independentemente".
Império luso-brasileiro. Na mesa do jogo político-revo- As divergências eram muitas. A elite do Centro-Sul,
lucionário havia três grandes grupos de participantes: que se articulara em torno da corte de d. João VI, defen-
os deputados portugueses, os representantes das elites dia a criação de uma monarquia dual, com o revezamento

A independência do Brasil 147

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da sede do Império entre Lisboa e Rio de Janeiro, como mesmo ano, mostraram que o Brasil estava vulnerável
foi sustentado pelo paulista José Bonifácio de Andrada e às ideias revolucionárias, e que sua unidade corria ris-
Silva. Para os baianos, a sede deveria ser Salvador, anti- cos. Era necessário lançar uma nova cartada: controlar
ga capital do Estado do Brasil. Para as províncias do Norte, as cortes e manter uma última base do absolutismo no
Maranhão e Grão-Pará, era preferível o controle de Lisboa Brasil, que, com pulso firme, enfrentaria as radicaliza-
à subordinação ao Rio de Janeiro. ções e ao mesmo tempo faria frente aos revolucionários
da Metrópole. O retorno a Portugal tornava-se inevitá-
Os interesses da realeza vel, mas não constituía uma derrota completa. No dia
Para os membros da corte instalada no Rio, o objeti- 26 de abril, d. João VI deixava o Rio de Janeiro, legando
vo era resistir a quaisquer tentativas de diminuição do a seu filho, d. Pedro, a regência do Brasil.
poder absolutista. Estabelecido na parte mais rica do Após a chegada de d. João VI a Portugal, as cortes de
Império, o monarca d. João VI tentava ganhar tempo e Lisboa passaram a exigir o retorno de d. Pedro e o fim de
desgastar a Revolução Liberal. Até o final de janeiro de sua regência. O Brasil deveria ser governado por comis-
1821, o monarca praticamente ignorou as ofensivas de sões de representantes eleitas nas várias regiões, deno-
Lisboa. No seu entender, a Metrópole, agora secundária minadas juntas provisórias, subordinadas diretamente
e marginal em termos político-econômicos, acabaria por às cortes de Lisboa. Procurava-se atrair a elite colonial
recuar, mesmo com toda a agitação revolucionária. para uma composição política com os líderes da Revolu-
No entanto, movimentações populares na Bahia, ção Portuguesa, ao mesmo tempo que se tentava enfra-
em fevereiro de 1821, e no Rio de Janeiro, em abril do quecer o poder do príncipe regente.

A assembleia
"O ponto culminante desse conflito de opiniões e inte- Arcos. O recinto da reunião foi invadido pelas tropas por-
resses antagônicos foram os acontecimentos verifica- tuguesas provocando uma debandada geral, muitos sal-
dos na noite de 21 para 22 de abril de 1821, na Praça do tando pelas janelas, diante da fuzilaria e das baionetas.
Comércio. Ao cair da tarde do dia 21 reuniram-se ali os Um morto e diversos feridos foi o saldo do evento."
eleitores dos deputados candidatos às cortes de Lisboa, FALCON, F. C.; MATTOS, I. R. "O processo de independência no
convocados pelo ouvidor da Comarca, a fim de tomarem Rio de Janeiro". In: MOTA, C. G. (Org.). 1822: dimensões.
conhecimento do real decreto relativo à partida da corte, 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1986. p. 295-296.
do projeto de instruções para a Regência e do Aviso de

BIBLIOTECA NACIONAL, RIO DE JANEIRO, BRASIL


Silvestre Pinheiro Ferreira relativo a tais assuntos. Não
foi possível ao ouvidor, contudo, evitar que a assembleia
assumisse, rapidamente, um caráter revolucionário. […]
Multiplicaram-se na assembleia as moções e ultimatos,
entremeados de gritos 'aqui governa o povo'. […]
Na assembleia, os mais exaltados, empolgados
com sua própria audácia, multiplicavam as exigências.
Durante quase toda a noite as deputações iam e vinham
de S. Cristóvão, levando novas reivindicações. […] De
madrugada, para surpresa dos que ainda se encontra- Terceiro Batalhão do Exército brasileiro em São
vam na Praça do Comércio, desencadeou-se a repressão Cristóvão, no Rio de Janeiro, Johann Moritz Rugendas.
rápida e brutal. Fora ordenada pelo príncipe d. Pedro, de Litografia aquarelada extraída de Viagem Pitoresca
através do Brasil, Paris, c. 1835.
acordo, provavelmente, com os conselhos do Conde de

Brasil independente exaltados, como os baianos Agostinho Gomes, Cipriano


Barata e Lino Coutinho. Os paulistas, além da monar-
A partir de agosto de 1821, começaram a desembarcar
em Lisboa os representantes das províncias brasileiras. quia dual, defendiam a igualdade do número de depu-
Pouco a pouco, as divergências foram se manifestando tados brasileiros e portugueses nas cortes (dos cerca de
até se intensificarem com a chegada da ruidosa bancada 200 parlamentares, 130 eram da Metrópole) e um gover-
paulista, que logo se articulou a outros deputados mais no executivo para o Reino do Brasil com autonomia em

148 Capítulo 4  O Diabo ronda as Colônias

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relação a Lisboa. Na verdade, eles pretendiam uma fede- Portugal, ocasião que foi denominada Dia do Fico. Em
ração de dois reinos independentes, Brasil e Portugal, maio do mesmo ano, após declarar que qualquer lei por-
com a supremacia político-econômica para o primeiro. tuguesa só teria validade na América com sua aprova-
A possibilidade de manter a ex-Colônia unida a Por- ção, passou a ser chamado de Defensor Perpétuo do
tugal tornava-se cada vez mais difícil. Separação e inde- Brasil. Em junho, convocou uma Assembleia Constituin-
pendência eram as palavras pronunciadas com mais te para elaborar as leis fundamentais do reino brasilei-
frequência nos debates parlamentares. Parte dos depu- ro. No dia 7 de setembro, durante sua passagem por São
tados brasileiros recusou-se a assinar e a jurar a Consti- Paulo, declarou oficialmente a ruptura dos laços colo-
tuição elaborada em Portugal. Nos meses de setembro niais, após ser informado de um desembarque de tro-
e outubro de 1822, começou a debandada destes, que pas portuguesas na Bahia. D. Pedro foi aclamado impe-
deixavam Portugal e regressavam ao Brasil. A ruptura rador em outubro de 1822 e, quase simultaneamente, as
já fora realizada. cortes de Lisboa decretaram a perda de seus direitos ao
Enquanto os debates se arrastavam em Lisboa, uma trono português, temendo, talvez, uma possível anexa-
composição política surpreendente selou o destino do ção de Portugal por sua ex-Colônia. O Brasil ganhava um
Império Colonial português e determinou a emancipação rei antes de elaborar sua Constituição e Portugal perdia a
política do Brasil. Com o objetivo de garantir a manuten- parte mais rica de seu Império.
ção da ordem escravista e propiciar a hegemonia políti-

BIBLIOTECA NACIONAL, RIO DE JANEIRO, BRASIL


ca da elite do Centro-Sul, grandes proprietários de ter-
ras e traficantes de escravos de São Paulo, Rio de Janeiro
e Minas Gerais articularam-se em torno de d. Pedro e da
burocracia portuguesa. Para o príncipe regente, a inde-
pendência do Brasil seria o último recurso para derrotar
as movimentações liberais em curso em Portugal.
Para ambos os setores, reformas eram preferíveis
às revoluções. A transferência da corte e o enraizamen-
to do Estado português no Centro-Sul permitiram à elite
colonial conquistar as reformas almejadas sem precisa- Coroação de d. Pedro, Imperador do Brasil, Jean-Baptiste
rem se arriscar com a luta armada. Esse era o requisito Debret. Litografia aquarelada extraída de Viagem Pitoresca
fundamental para evitar a mobilização dos demais seto- e Histórica ao Brasil, Firmin Didot Frères, Paris, França, c.
1835-1839.
res sociais. Mobilização perigosa, como ensinara a Con-
juração Baiana, pois trazia consigo reivindicações que
as classes dominantes não estavam dispostas a aten- Piauí: a Batalha do Jenipapo
der. Era esse arranjo que a Revolução do Porto colocava Em algumas regiões do Brasil, a presença de tropas
em perigo e que só a independência poderia preservar. portuguesas e as divisões entre os grupos dominantes
A interiorização da Metrópole permitiu que o movimen- resultaram em resistência à independência. O gover-
to pela emancipação permanecesse restrito aos grupos no português procurou reforçar sua presença no Norte,
dominantes e que o governo do Rio de Janeiro se tor- sobretudo nas regiões pertencentes aos antigos estados
nasse a base a partir da qual se estabeleceria um Esta- do Grão-Pará e Maranhão. Desde o início de 1822, circu-
do forte capaz de conter os demais setores sociais. Um lavam panfletos pelo Piauí defendendo a causa da inde-
pacto político com tempero tropical: um príncipe abso- pendência. A Junta de Governo da Província, vinculada
lutista e uma elite escravista e liberal. a Lisboa, procurava defender os interesses metropolita-
nos. Apesar disso, o governo português enviou para lá o
A emancipação política do Brasil major João José da Cunha Fidié, na condição de Gover-
As exigências das cortes de Lisboa possibilitaram a apro- nador das Armas do Piauí, em agosto de 1822.
ximação de d. Pedro da elite do Centro-Sul do Brasil, ape- A presença do comandante militar não impediu que
sar de todas as desconfianças a respeito de sua disposi- ocorressem saques a guarnições militares nem levan-
ção autoritária e absolutista, atestada pela repressão aos tes civis e militares contra a dominação lusitana no
manifestantes cariocas em abril de 1821. Em 9 de janeiro Piauí. A notícia da proclamação da independência em
de 1822, o príncipe regente recusou-se a embarcar para 7 de setembro só chegou à região em janeiro de 1823.

A independência do Brasil 149

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Motivados, os rebeldes intensificaram suas ações e Angola estava subordinada ao conjunto do sistema, cujo
ampliou-se a adesão ao movimento em toda a província. centro produtivo era o Brasil. O comércio negreiro, base de
O enfrentamento decisivo ocorreu a 13 de março toda a economia angolana, encontrava-se quase inteira-
de 1823, às margens do rio Jenipapo, na localida- mente controlado por traficantes estabelecidos nos portos
de de Campo Maior. As forças ligadas ao movimento brasileiros em associação com comerciantes estabelecidos
de independência contavam com cerca de 2 mil com- no litoral africano. Essa situação, até princípios do século
batentes. Vaqueiros e roceiros precariamente arma- XIX, foi favorecida pela fragilidade do controle efetivo de
dos em sua maior parte, liderados por militares que Portugal, permitindo à Colônia viver um certo isolamen-
haviam aderido à causa da independência. As tropas to em relação à Metrópole, ao mesmo tempo em que cria-
leais a Portugal somavam cerca de 1 100 soldados e va relações socioeconômicas mais estreitas com o Brasil.
onze peças de artilharia. Portanto, as tensões na política luso-brasileira não
Após horas de combate, as tropas portuguesas obti- deixariam de ter repercussão em Moçambique e, espe-
veram a vitória e deixaram um saldo de mais de 200 cialmente, em Angola. Logo após a declaração de inde-
mortos e 500 prisioneiros entre as forças piauienses pendência brasileira, diferentes grupos mercantis de
pró-independência. Durante mais de três meses, as tro- Luanda e Benguela aproveitaram a situação para dis-
pas de Fidié continuaram a sofrer emboscadas pelas for- putar entre si a futura filiação política da Colônia. Em
ças independentes. Refugiado no Maranhão, o coman- Benguela, devido à origem brasileira de grande parte
dante capitulou, foi preso e enviado ao Rio de Janeiro. de seus habitantes, houve uma forte reação em favor da
Apesar da derrota, a Batalha do Jenipapo é conside- união com o Brasil. Contudo, os "rebeldes" de Benguela,
rada o maior conflito pela independência do Brasil. sem apoio diplomático ou militar e divididos entre si,
não conseguiram reunir forças internas para resistir ao
Bahia e as lutas pela independência
governo colonial português.
A principal guerra de independência ocorreu na Bahia,
Temendo uma ruptura, Portugal enviou, em 1823,
entre junho de 1822 e julho de 1823. A contestação à
um batalhão expedicionário a Angola encarregado da
dominação portuguesa manifestada pela Conjuração
defesa da possessão contra eventual ataque brasileiro.
Baiana de 1798 ainda estava presente. Tropas compos-
Além disso, havia a forte pressão da Grã-Bretanha
tas de portugueses leais a d. Pedro I e voluntários dos
contra a anexação, por parte do Brasil, de qualquer das
mais diversos grupos sociais (homens livres pobres,
possessões africanas de Portugal, pois a ligação das
negros libertos e escravizados) ofereceram aos comba-
duas pontas do Atlântico prejudicaria os interesses
tes contra as forças portuguesas o caráter popular que
hegemônicos britânicos. Por outro lado, o Brasil, depen-
esteve ausente no "Grito do Ipiranga" de 7 de setembro
dendo da Grã-Bretanha para obter o reconhecimen-
de 1822. Apesar da precariedade dos equipamentos das
to internacional de sua independência, não teve como
forças baianas, as tropas portuguesas foram definiti-
recusar as imposições.
vamente derrotadas e, na madrugada de 2 de julho de
Assim, por meio do tratado luso-brasileiro de 1825,
1823, um desfile da vitória tomou as ruas de Salvador.
o governo do Rio de Janeiro renunciaria definitivamente
Uma vitória popular festejada até hoje na Bahia.
aos territórios africanos e os angolanos seriam impedi-
dos de pertencer ao Império brasileiro. E é nesse contex-
África e Brasil to que se desperta o interesse português pelos territó-
rios africanos. A partir daí e durante todo o longo século
Durante mais de três séculos, a função das possessões
XIX, iniciou-se um período marcado por transformações
da África no Império Colonial português foi essencial-
econômicas, políticas, sociais e culturais para as pos-
mente fornecer mão de obra escrava, garantindo a pro-
sessões portuguesas, mas principalmente para Angola.
dução colonial na América. De cada lado do Atlântico, o
tráfico negreiro, os interesses comerciais e as vincula- Período de intensas movimentações geopolíticas, com
ções familiares tornaram possível a montagem de um campanhas para a ocupação efetiva do território, com
Império sediado na América com possessões africanas. grandes explorações ao interior do continente que visa-
Desde o século XVII, Angola estivera incorporada vam transformar os enclaves litorâneos em linha contí-
aos destinos do Brasil. Ainda que assumisse uma posição nua de domínio entre Angola e Moçambique, localiza-
essencial e estratégica como fornecedora de escravizados, dos em lados opostos do continente.

150 Capítulo 4  O Diabo ronda as Colônias

OH_V2_Book.indb 150 13/05/16 12:07


Um Outro Olhar Sociologia
O cientista social Norberto Bobbio sintetizou as principais fato de que os membros da classe política, sendo pou-
características de um dos conceitos mais utilizados pelas cos e tendo interesses comuns, têm ligames entre si e
ciências humanas: as elites. Leia o trecho selecionado e são solidários pelo menos na manutenção das regras do
depois responda às questões propostas: jogo, que permitem, ora a uns, ora a outros, o exercício
alternativo do poder;
[Elites] 6) um regime se diferencia de outro na base do modo
diferente como as Elites surgem, desenvolvem-se e
"[…] Não obstante as divergências que dividem os defen- decaem, na base da forma diferente com que exercem
sores da teoria das Elites, pode-se indicar, a título de con- o poder;
clusão, alguns traços comuns que servem para distinguir 7) o elemento oposto à Elite, ou à não-Elite, é a massa,
esta teoria, que há dezenas de anos representa, com suces- a qual constitui o conjunto das pessoas que não têm
so alternado, uma tendência constante na ciência política: poder, ou pelo menos não têm um poder politicamente
1) em toda a sociedade organizada, as relações entre relevante, são numericamente a maioria, não são orga-
indivíduos ou grupos que a caracterizam são relações nizadas, ou são organizadas por aqueles que partici-
de desigualdades; pam do poder da classe dominante e estão portanto a
2) a causa principal da desigualdade está na distribuição serviço da classe dominante [...]."
desigual do poder, ou seja, no fato de que o poder
tende a ficar concentrado nas mãos de um grupo restri- BOBBIO, N. "Teoria das Elites". In: BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.;
to de pessoas; PASQUINO, G. (Org.). Dicionário de Política. Trad.
Brasília: Ed. da Universidade de Brasília, 1986. p. 391.
3) entre as várias formas de poder, a mais determinante é
o poder político;
4) aqueles que detêm o poder, especialmente o poder Norberto Bobbio(1909-2004) foi historiador, filósofo e
político, ou seja, a classe política propriamente dita, senador italiano. Nas décadas de 1930 e 1940, atuou como
são sempre uma minoria; opositor ao regime fascista de Benito Mussolini. É autor de
5) uma das causas principais por que uma minoria conse- uma extensa obra de diversos títulos sobre Filosofia Política,
Direito, Ética e Sociologia.
gue dominar um número bem maior de pessoas está no
Faça
em se → conforme tabelas das páginas 8 e 9.
cadernu
o

1 Identifique as características do conceito de elite que 2 No Brasil de hoje, quais grupos podem ser identifica-
podem ser aplicadas às lideranças políticas que reali- dos como componentes das elites? Justifique cada um
zaram a emancipação política da América espanhola dos exemplos apresentados.
e da América portuguesa. Justifique. → DL/CF/SP/CA/H1/H3/H11/H13/H22
→ DL/CF/H1/H11/H13/H22

Verificação de leitura 3 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 Por que a corte portuguesa deixou Portugal e veio não havia uma nação brasileira." Qual é o significa-
estabelecer-se na América em 1808? → DL/SP/H7/H8 do dessa afirmação? → DL/CF/SP/CA/H7/H9/H10/H11
2 Quais foram as consequências da abertura dos por- 6 Quais eram os receios das elites brasileiras?
tos promovida por d. João? → DL/SP/H7/H8 → DL/CF/SP/CA/H7/H9/H10
3 Como se deu a participação inglesa no proces- 7 Como foi possível celebrar o pacto político entre
so de instalação da corte portuguesa no Rio de d. Pedro e as elites do Centro-Sul?
Janeiro? Que vantagens os ingleses obtiveram → DL/CF/SP/H8/H9/H11
nessa operação? → DL/SP/H7/H8 8 O processo de independência brasileira foi seme-
4 Quais eram as propostas políticas da Insurreição lhante ao ocorrido no restante da América?
Pernambucana de 1817? → DL/SP Justifique sua resposta.
5 "Não havia entusiasmo nacional, até porque ainda → DL/SP/CA/H7/H9/H10/H11/H13

A independência do Brasil 151

OH_V2_Book.indb 151 13/05/16 12:07


Engenho Arte
Engenho E Arte
Leitura complementar

A HIERARQUIA SOCIAL NO RIO DE JANEIRO


O inglês John Luccock esteve no Brasil entre 1808 e 1818. contentar. Fez-se esperar por largo tempo, mas, afinal,
Comerciante, chegou ao Rio de Janeiro como outros tantos para compensar a demora, apareceu-me vestido de gran-
ingleses após a abertura dos portos, em 28 de janeiro de de gala, de tricórnio, fivelas nos sapatos e abaixo dos joe-
1808. Tinha o costume de anotar e descrever situações e lhos e outras quejandas mag-
pessoas dos lugares por onde passava. Neste pequeno tre- nificências. À porta da casa tor- Tricórnio: chapéu de
três bicos.
cho, relata, com ironia e surpresa, o comportamento social nou a estacar, na intenção de alu-
Quejandas: que têm a
dos habitantes da capital do Brasil e sede do Império por- gar algum preto para que lhe car- mesma qualidade.
tuguês. Leia-o com atenção: regasse o martelo, a talhadeira Solecismo: erro, falha.
"[…] O orgulho tolo e a presunção formalizada, que e uma outra ferramenta peque- Gazua: instrumento
dominavam em todas as classes da sociedade brasileira, na. Lembrei-lhe que, sendo leves, curvo de ferro, usado
atingiam nesta categoria de homens um absurdo singular eu me encarregaria de uma parte para abrir fechaduras;
chave falsa.
e ridículo. […] ou do todo, mas isso constituiria
Tornou-se necessário abrir uma fechadura de que se solecismo tão grande como o de
perdera a chave, e tão rara era a habilidade necessária usar ele próprio suas mãos. O cavalheiro esperou pacien-
para tanto que o gerente e o copeiro do hotel, onde então temente até que aparecesse um negro, tratou com ele e
morava, ficaram grandemente perplexos quando perguntei então prosseguiu em devida forma, seguido pelo seu criado
em que sítio se a poderia encontrar. Afinal, aconselharam- temporário. Em pouco tempo deu cabo da tarefa, quebran-
-me que me dirigisse a um carpinteiro inglês que se acha- do a fechadura em vez de abri-la com gazua, após o que o
va estabelecido no Rio fazia perto de dois anos e que tinha homem importante, puxando uma profunda referência, reti-
muitos empregados, dos quais um foi mandado ir comigo rou-se com seu lacaio."
(porque nesse tempo os mestres não se atreviam a execu- LUCCOCK, J. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do
tar trabalhos fora), com a garantia de que haveria de me Brasil. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1975. p. 73.

Faça
em se → conforme tabelas das páginas 8 e 9.
cadernu
o

1 Há vários personagens citados nesse relato. Quais são relato de Luccock e da imagem de Debret?
eles? → DL/SP/H1 → DL/CF/SP/H1/H11
2 Há uma hierarquia entre alguns deles? Justifique sua
BIBLIOTECA NACIONAL, RIO DE JANEIRO, BRASIL

resposta. → DL/SP/H1
3 Qual é o preconceito social existente no Brasil do sécu-
lo XIX que se pode identificar nesse relato? Por que o
inglês ficou tão surpreso com esse comportamento a
ponto de contá-lo como anedota? → DL/SP/H1/H11
4 Agora observe a situação retratada por Jean-Baptiste
Debret, um pintor francês que visitou o Brasil no
mesmo período:
a) Descreva cada uma das pessoas retratadas por
Debret. → DL/CF/SP/H1/H11
b) Estabeleça a hierarquia que pode ser identificada Um funcionário a passeio com sua família, Jean-Baptiste
Debret. Litografia aquarelada extraída de Viagem Pitoresca
na imagem. → DL/CF/SP/H1/H11
e Histórica ao Brasil, Firmin Didot Frères, Paris, França, c.
c) Quais são as características sociais comuns do 1835-1839.

152 Capítulo 4  O Diabo ronda as Colônias

OH_V2_Book.indb 152 13/05/16 12:07


Faça
Mãos à Obra em se
cadernu
o

1 (UFU-MG) "É uma ideia grandiosa pretender formar de Explique o chamado pan-americanismo na visão de
todo o Novo Mundo uma só nação com um só vínculo Simón Bolívar e da Doutrina Monroe, apontando
que ligue suas partes entre si e com o todo. Já que tem suas diferenças. → DL/CF/SP/CA/H1/H2/H4/H7/H8/H9
uma origem, língua, costumes e uma religião (comuns) 2 Em Lisboa, em 23 de março de 1822, durante os deba-
deveria, por conseguinte, ter um só governo que con- tes das cortes, o deputado Ferreira de Moura fez a
federasse os diversos Estados que hão de formar-se; seguinte afirmação em seu discurso:
mas não é possível porque climas distintos, situações
diversas, interesses opostos, caracteres dessemelhan- "Que homens são estes de São Paulo? São porventura
tes dividem a América." homens a cuja voz na América se agita, e se aplaca? São
homens a quem toda a América haja de seguir como um
BOLÍVAR, Simón. "Carta de Jamaica, Kingston,
6 de setiembre de 1815". In: ZEA, Leopoldo (Comp.). rebanho de gado após o que
Fuentes de la cultura latinoamericana. vai adiante, que salta pri- Aprisco: curral.
México: Fondo de Cultura Económica, 1993. p. 30. meiro a parede do aprisco?
"Julgamos propícia esta ocasião para afirmar, como Não; não são desta laia os homens de que se trata. São
um princípio que afeta os direitos e interesses dos homens que excitam à rebelião, e ao crime; são uns
Estados Unidos, que os continentes americanos, em poucos de facciosos, com quem não é lícito, nem polí-
virtude da condição livre e independente que adqui- tico transigir um momento."
riram e conservam, não podem mais ser considera- Apud ALEXANDRE, V. Os sentidos do império. Questão nacional e
dos, no futuro, como suscetíveis de colonização por questão colonial na crise do Antigo Regime Português.
nenhuma potência europeia [...]" Porto: Afrontamento, 1993. p. 617.
a) Quais eram as atividades econômicas dos paulis-
"Trecho da Mensagem de Monroe". In: AQUINO, R. S. L. e outros.
História das sociedades americanas. tas nesse momento? → DL/SP/H9
Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1990. p. 159. b) Quais eram os projetos políticos desses paulistas?
→ DL/SP/H7/H9/H10
3 Observe a imagem abaixo.

BIBLIOTECA NACIONAL, RIO DE JANEIRO, BRASIL

Passagem de um rio vadeável, Jean-Baptiste Debret. Litografia aquarelada extraída de Viagem Pitoresca e
Histórica ao Brasil, Firmin Didot Frères, Paris, 1835-1839.

a) Qual é a atividade retratada? → DL/CF/SP/H1 elite dirigente na América portuguesa?


b) Qual era a importância dessa atividade para a → DL/SP/H9/H11
economia brasileira a partir de 1808? d) A imagem permite considerar facilmente a impor-
→ DL/CF/SP/H8/H9 tância político-econômica dessa atividade? Por quê?
c) Como tal atividade ajudou a sedimentar uma nova → DL/CF/SP/CA/H1/H9/H11

Engenho e Arte 153

OH_V2_Book.indb 153 13/05/16 12:07


4 Observe as quatro imagens que seguem:

MUSEU MARIANO PROCÓPIO, JUIZ DE FORA, MINAS GERAIS, BRASIL


PHOTOGRAPHERS DIRECT

Execução de Robespierre em 28 de julho de 1794, anônimo. Litografia Tiradentes supliciado, Pedro Américo.
aquarelada, século XVIII. (detalhe) Óleo sobre tela, 1893.
THE BRIDGEMAN ART LIBRARY/KEYSTONE

A execução do rei Carlos I da Inglaterra (1600-1649) retratada por uma testemunha


ocular, John Weesop. Óleo sobre tela, 1649.

a) Descreva separadamente cada uma das imagens.


BIBLIOTECA NACIONAL, RIO DE JANEIRO, BRASIL

→ DL/CF/SP/H1/H2
b) Quais são os aspectos em que se diferenciam?
→ DL/CF/SP/H1/H2/H11
c) Quais são os aspectos em que se assemelham?
→ DL/CF/SP/H1
5 Leia, agora, o texto a seguir:
"Na realidade, entretanto, o que até então sustentara essa
prática dos suplícios não era a economia do exemplo, no
sentido em que isso será entendido na época dos ideólo-
gos (de que a representação da pena é mais importante
Punições públicas, Johann Moritz Rugendas. Litografia que o interesse pelo crime), mas a política do medo: tor-
aquarelada extraída de Viagem Pitoresca através do Brasil, nar sensível a todos, sobre o corpo do criminoso, a presen-
Paris, c. 1835.

154 Capítulo 4  O Diabo ronda as Colônias

OH_V2_Book.indb 154 13/05/16 12:07


ça encolerizada do soberano. O suplício não restabelecia ciados muitas vezes são colocados bem em evidência
a justiça; reativava o poder. No século XVII, e ainda no perto do local de seus crimes. As pessoas não só têm que
começo do XVIII, ele não era, com todo o seu teatro de ter- saber, mas também ver com seus próprios olhos. Porque
ror, o resíduo ainda não extinto de uma outra época. Suas é necessário que tenham medo; mas também porque
crueldades, sua ostentação, a violência corporal, o jogo devem ser testemunhas e garantias da punição, e por-
desmesurado de forças, o cerimonial cuidadoso, enfim, que até certo ponto devem tomar parte nela. Ser tes-
todo o seu aparato se engrenava no funcionamento polí- temunhas é um direito que eles têm e reivindicam; um
tico da penalidade. suplício escondido é um suplício de privilegiado, e mui-
Nas cerimônias do suplício, o personagem principal é tas vezes suspeita-se de que não se realize em toda a sua
o povo, cuja presença real e imediata é requerida para severidade. Todos protestam quando no último instante
sua realização. Um suplício que tivesse sido conheci- se retira a vítima aos olhares dos espectadores."
do, mas cujo desenrolar houvesse sido secreto não teria FOUCAULT, M. Vigiar e punir. 11. ed.
sentido. Procurava-se dar o exemplo não só suscitan- Petrópolis: Vozes, s/.d. p. 46 e 53.
do a consciência de que a menor infração corria sério a) Segundo Foucault, qual era o sentido fundamen-
risco de punição; mas provocando um efeito de terror tal dos suplícios públicos? → DL/CF/H1/H12
pelo espetáculo do poder tripudiando sobre o culpado. b) Por que nas cerimônias públicas o personagem
Mas nessa cena de terror o papel do povo é ambíguo. Ele principal é o povo? → DL/CF/H1/H8/H12/H21/H23
é chamado como espectador: é convocado para assistir c) Nas quatro imagens da questão anterior, quais
às exposições, às confissões públicas; os pelourinhos, são os poderes ofendidos e o que os castigos pre-
as forcas e os cadafalsos são erguidos nas praças públi- tendem simbolizar?
cas ou à beira dos caminhos; os cadáveres dos supli- → DL/CF/SP/CA/H1/H2/H9/H11/H12/H21/H22

6 Analise as duas imagens a seguir:

MUSEU IMPERIAL, RIO DE JANEIRO, BRASIL

Proclamação da Independência, François-René Moreaux. Óleo sobre tela, 1844.


MUSEU PAULISTA, SÃO PAULO, BRASIL

Independência ou morte ou O grito do Ipiranga, Pedro Américo. Óleo sobre tela, 1888.

Engenho e Arte 155

OH_V2_Book.indb 155 13/05/16 12:07


a) Descreva cada um dos quadros. → DL/H1/H2 b) De que modo essa revolução repercutiu na
b) Quais são as diferenças entre eles? → DL/H1/H2/H4 América escravista do ponto de vista da econo-
mia dos senhores? → DL/CF/H7/H9/H10/H13/H24
c) Relacione as mensagens ao contexto histórico em
que foram produzidas as imagens. c) Como essa revolução contribuiu para a luta dos
→ DL/CF/SP/H1/H2/H4/H7/H9 escravos nas Américas?
→ DL/CF/H7/H9/H10/H13/H24
7 (Unicamp-SP) "A partir da década de 1790, a alta dos
preços mundiais do açúcar após a Revolução Escrava 8 (UFBA)
de São Domingos (hoje, Haiti) e a derrocada da econo- "Atrás de portas fechadas, à luz de velas acesas, entre
mia de exportação dessa ilha somaram-se à queda dos sigilo e espionagem, acontece a Inconfidência."
preços dos africanos, provocando uma rápida expan-
são do açúcar no 'Oeste velho' de São Paulo: isto é, (Cecília Meireles, Romanceiro da Inconfidência)
no quadrilátero compreendido entre os povoados de Explique:
Sorocaba, Piracicaba, Mogi-Guaçu e Jundiaí." a) Por que a Inconfidência, acima evocada, não
SLENES, Robert. "Senhores e subalternos no Oeste Paulista". In: obteve êxito? → DL/CF/H7/H9/H10/H13/H24
NOVAES, Fernando A.; ALENCASTRO, Luís Felipe de. História da
vida privada. v. 2. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 239. b) Por que, não obstante seu fracasso, tornou-se o
movimento emancipacionista mais conhecido da
a) O que foi a Revolução de São Domingos?
história brasileira? → DL/CF/H7/H9/H10/H13/H24
→ DL/CF/H7/H9/H10/H13/H24

Faça
Em Cartaz em se
cadernu
o

• Os interesses da elite colonial.


Carlota Joaquina, Princesa do Brasil
Diretor: Carla Camurati Câmera
DIVULGAÇÃO

País: Brasil Durante a exibição do filme, anote os seguintes aspec-


Ano: 1995 tos: comportamentos da nobreza da corte na Europa e
no Brasil; dos brasileiros brancos; dos escravizados e da
população pobre do Rio de Janeiro.

Ação
O filme trata da história de Portugal durante o processo 1 Aponte as características do absolutismo apresentadas
de emancipação política brasileira. A ironia com relação à pelo filme.
espalhafatosa Carlota Joaquina, esposa de d. João VI, serve 2 Descreva a maneira como as ideias francesas são apre-
como elemento articulador da trama. sentadas no filme.
3 Demonstre, a partir de passagens do filme, a influên-
Luzes cia britânica nas decisões tomadas pela monarquia
Retome as instruções oferecidas para análise de filmes portuguesa.
nos Procedimentos metodológicos da página 10. 4 Como o filme apresenta as consequências da chegada
Releia o item A independência do Brasil (p. 144-150). da corte portuguesa ao Brasil?
Concentre-se, sobretudo, em alguns aspectos fundamentais:
5 Como os escravizados são representados no filme?
• O contexto europeu que estimulou a fuga da família
6 Em uma certa passagem, o narrador afirma que d.
real portuguesa.
Pedro tornou-se herói do Brasil e admirado pelos brasi-
• O conceito de interiorização da Metrópole e seus leiros. Discuta essa afirmação.
desdobramentos.
7 Discuta a presença de estereótipos acerca do Brasil
• As transformações econômicas e sociais no Centro- presentes no filme.
-Sul.
• As características da Revolução do Porto.
→ DL/CF/SP/CA/H1/H2/H11

Estante • GRODIN, Marcelo. Haiti: cultura, poder e desenvolvimento. São Paulo: Brasiliense, 1985.

156 Capítulo 4  O Diabo ronda as Colônias

OH_V2_Book.indb 156 13/05/16 12:07


1 (PUC-PR) A Conjuração Baiana (1798) diferen- a) graças à fraqueza temporária da Espanha,
ciou-se da Conjuração Mineira (1789), entre as emancipações políticas ocorreram de
outros aspectos, porque aquela: forma pacífica, mediante negociações
a) envolveu a alta burguesia da sociedade do diplomáticas.
Nordeste. b) as elites da América espanhola desejavam
b) pretendia a revogação da política fiscal do a emancipação para estabelecer monopó-
Radar
marquês de Pombal. lios mercantis, pois a Espanha praticava o
livre-comércio em suas colônias.
c) aglutinou a oficialidade brasileira insatis-
feita com seu soldo. c) influenciada pelos princípios franceses dos
Direitos Universais, a aristocracia criolla
d) teve um caráter popular, com preocupa-
pretendia, com o processo de independên-
ções sobretudo sociais.
cia, promover mudanças estruturais, instau-
e) ficou também conhecida como "revolta dos rando regimes democráticos e estendendo o
marinheiros". voto ao conjunto da sociedade.
→ DL/SP/H9/H10/H11 d) os processos de independência da América
2 (Unesp) Leia os itens a respeito da Revolução espanhola foram incentivados pela inde-
Pernambucana de 1817. pendência americana, pela Revolução
Francesa e pelo pensamento do Iluminismo.
I. possuiu forte sentimento antilusitano,
resultante do aumento dos impostos e e) o latifúndio e a escravidão foram aboli-
Faça
em se dos, pois foram considerados prejudiciais
cadernu dos grandes privilégios concedidos aos
o à modernização econômica do continente
comerciantes portugueses.
latino-americano.
→ conforme II. teve a participação apenas de sacerdotes
tabelas das e militares, não contando com o apoio de → DL/SP/H7
páginas 8 e 9. 4 (Fuvest-SP) A invasão da Península Ibérica
outros segmentos da população.
III. foi uma revolta sangrenta que durou mais pelas forças de Napoleão Bonaparte levou a
Coroa portuguesa, apoiada pela Inglaterra, a
Tá na rede! de dois meses e deixou profundas marcas
deixar Lisboa e instalar-se no Rio de Janeiro.
no Nordeste, com os combates armados
QUESTÕES Tal decisão teve desdobramentos notáveis
passando do Recife para o sertão, esten-
DE ENEM para o Brasil. Entre eles,
dendo-se também a Alagoas, Paraíba e
Digite o endereço Rio Grande do Norte. a) a chegada ao Brasil do futuro líder da inde-
abaixo na barra pendência, a extinção do tráfico negreiro e
do navegador de IV. a revolta foi sufocada apenas dois anos
a criação das primeiras escolas primárias.
internet: http://goo. depois por tropas aliadas, reunindo for-
b) o surgimento das primeiras indústrias,
gl/xog0Jb. Você ças armadas portuguesas, francesas e
pode também tirar muitas transformações arquitetônicas no
inglesas.
uma foto com um Rio de Janeiro e a primeira Constituição do
aplicativo de QrCode V. propunha a República, com a igualdade Brasil.
para saber mais sobre de direitos e a tolerância religiosa, mas
c) o fim dos privilégios mercantilistas portu-
o assunto. Acesso em: não previa a abolição da escravidão.
gueses, o nascimento das universidades
4 abr. 2016.
É correto apenas o afirmado em e algumas mudanças nas relações entre
a) I, II e III. senhores e escravos.
b) I, III e V. d) a abertura dos portos brasileiros a outras
c) I, IV e V. nações, a assinatura de acordos comerciais
favoráveis aos ingleses e a instalação da
d) II, III e IV. Imprensa Régia.
e) II, III e V. e) a elevação do Brasil à categoria de Reino
Página dedicada a → DL/SP/H9/H10 Unido, a abertura de estradas de ferro
questões já aplica- 3 (UFRGS-RS) A ocupação napoleônica na ligando o litoral fluminense ao porto do
das em provas do Rio e a introdução do plantio do café.
ENEM. Busque exer- Espanha criou condições propícias aos movi-
cícios sobre os temas mentos de libertação ocorridos na América → DL/SP/H7/H8/H9/H21
desenvolvidos neste
capítulo. espanhola. Em relação a esses processos de
emancipação, assinale a alternativa correta.

Radar 157

OH_V2_Book.indb 157 13/05/16 12:07


5 (UFRGS-RS) Considere as afirmações a seguir, refe- 7 (PUC-PR) Dentre os atos de d. João, na época também
rentes ao período napoleônico. conhecidos como Monarquia Joanina no Brasil (1808-
I. Um dos objetivos do Bloqueio Continental era -1821), NÃO é correto afirmar:
anular a defasagem industrial da França em a) reprimiu severamente a Confederação do Equador.
relação à Inglaterra. b) elevou o Brasil à categoria de Reino Unido a
II. As Guerras Napoleônicas produziram desdobra- Portugal e Algarves.
mentos de cunho político na América do Sul. c) invadiu a Guiana Francesa como represália à inva-
III. A expansão napoleônica debilitou os fundamen- são de Portugal por tropas napoleônicas.
tos do Antigo Regime europeu e estimulou o d) criou a Imprensa Régia, para a publicidade dos
surgimento dos nacionalismos. atos oficiais.
IV. O Bloqueio Continental possibilitou a hegemo- e) invadiu o Uruguai, anexando-o ao Brasil com o
nia do capitalismo industrial francês em toda a nome de Província Cisplatina.
Europa. → DL/SP/H7/H8/H21
V. O Congresso de Viena confirmou, na Europa, os 8 (FGV-SP) Com relação à África portuguesa, a emanci-
avanços sociais e políticos conquistados duran- pação política do Brasil em 1822:
te a Revolução Francesa.
a) provocou fortes reações nas elites angolanas, a
Quais estão corretas? ponto de alguns setores manifestarem interesse
a) Apenas I e II. em fazer parte do Império brasileiro.
b) Apenas I e III. b) acarretou a suspensão definitiva do tráfico negrei-
c) Apenas I, II e III. ro como uma forma de retaliação do governo por-
tuguês contra a sua ex-colônia.
d) Apenas III, IV e V.
c) levou ao aparecimento de movimentos pela inde-
e) I, II, III, IV e V.
pendência em Angola e Moçambique, que só se
→ DL/SP/H7/H9 tornariam vitoriosos ao final do século XIX.
6 (PUCCamp-SP) A transmigração da família real portu- d) levou a Coroa portuguesa a implementar regimes
guesa para o Brasil, em 1808, repercutiu de forma sig- de segregação racial em suas possessões africa-
nificativa, no que se refere à participação do Brasil no nas, inspirados na experiência inglesa na África
mercado mundial, porque: do Sul.
a) organizou-se uma legislação visando à contenção e) provocou o desinteresse português na manuten-
das importações de artigos supérfluos que naque- ção dos seus domínios no ultramar e o abandono
la época começavam a abarrotar o porto do Rio de dessas possessões a outras potências europeias.
Janeiro. → DL/SP/H9
b) o ministério de d. João colocou em execução um
9 (PUC-RS) A Carta Constitucional de 1824 fixou um
projeto de cultivo e exportação de algodão visan-
núcleo de poder político cujo exercício seria marcan-
do a substituir a exportação norte-americana,
te no parlamentarismo monárquico brasileiro e que
prejudicada pela Guerra de Independência.
incluía as seguintes atribuições: empregar a força arma-
c) o tráfico de escravos negros para o Brasil foi extin- da; escolher os senadores a partir de lista tríplice; san-
to em troca do direito dos comerciantes portugue- cionar e vetar atos do legislativo; dissolver a Câmara;
ses de abastecerem, com exclusividade, algumas nomear juízes. Segundo a referida Constituição, esse
das colônias inglesas, como a Guiana. conjunto de atribuições era exercido
d) o corpo diplomático joanino catalisou rebeliões a) pelo primeiro-ministro.
na Província Cisplatina, favorecendo, assim, a
b) pelo Supremo Tribunal de Justiça.
exportação de couro sulino para a Europa.
c) pelo monarca.
e) foi promulgada a abertura dos portos e foram rea-
lizados tratados com a Inglaterra. d) pela Câmara dos Deputados.
e) pelo Conselho de Estado.
→ DL/SP/H7/H8
→ DL/SP

158 Capítulo 4  O Diabo ronda as Colônias

OH_V2_Book.indb 158 13/05/16 12:07


Capítulo

10
5 Nações, Nacionalismo
e Internacionalismo
DE OLHO nos

A
o se tornar o principal símbolo da derrubada do absolutis- Conceitos
mo, a Revolução Francesa ofereceu também um novo impul-
so ao nacionalismo, sentimento e ideologia que começou a • Nacionalismo
se constituir no século XVIII. • Romantismo
O sentimento de identida- so que a Igreja impunha ao mundo • Monarquia
de nacional vinculara-se à revolu- medieval, ou do transnacionalis- constitucional
ção durante as guerras. A defesa
da pátria confundira-se com a defe-
mo absolutista que admitia que, por
meio de casamentos ou alianças, um
• Feminismo
sa da própria revolução. O recruta- nobre nascido na Inglaterra poderia • Comunistas
mento nacional e o engajamento assumir o trono francês ou um nobre • Marxismo
dos sans-culottes contribuíram para
tal identificação.
austríaco, o trono espanhol.
A construção desses Estados
• Anarquismo
Se na Idade Média o sentimen- nacionais marcou a política do • Abolicionismo/
to de pertencer à cristandade havia século XIX, na Europa e na Amé- campanha
oferecido as bases para a identidade rica. Ao mesmo tempo em que se abolicionista
coletiva, a partir do final do século
XVIII era o direito coletivo da nação
firmava a lealdade nacional, pro-
duziam-se elementos que justifica-
• Segregação racial
que passava a servir de referência vam a unidade nacional: idealiza- • Mandonismo local
para os Estados. ção do passado, afinidades étnicas
THE BRIDGEMAN ART LIBRARY/KEYSTONE MUSEU DO LOUVRE, PARIS, FRANÇA
Desse modo, no século XIX, e a recuperação da cultura popular.
momento em que o cristianismo se Tais elementos foram impulsiona-
fragilizava, o nacionalismo revelava dos pelo romantismo, movimento
sua força. Esse sentimento nacional cultural que esteve associado dire-
criava novos mitos, mártires e dias tamente ao nacionalismo.
"sagrados" que estimulavam a reve- Numa outra vertente, contra o
rência. A Revolução Francesa esta- nacionalismo e o Estado burguês,
beleceu o princípio de uma sobe- ativistas ligados ao movimento ope-
rania derivada da nação, do povo rário, socialistas e anarquistas pro-
como um todo – o Estado não era curavam denunciar a exploração da
propriedade particular do gover- classe trabalhadora. O internacio-
nante, mas a incorporação da von- nalismo era alimentado como uma
tade de seus cidadãos. forma de se criar uma identidade de
O Estado-nação estaria acima do classe, para além das identidades
rei, da Igreja, de grupos políticos, da nacionais. "A classe operária é inter-
corporação, da província. Seria supe- nacional" e "Nem pátria nem patrão"
rior a todas as outras lealdades. Bem foram slogans elaborados a partir Barricadas em 1830, Pierre
diferente do universalismo religio- dessa contestação. Manguin. Aquarela, 1834.

159

OH_V2_Book.indb 159 13/05/16 12:07


1 A nação como novidade

"N
ação" é uma palavra que aparece regularmente nas nossas
conversas. Políticos se referem à nação ao apresentarem suas
propostas e ideias. Locutores esportivos conclamam a "nação
brasileira" a torcer pelos nossos atletas em competições internacionais.
Há quem use a expressão "nação indígena" e até quem empregue a pala-
vra para designar uma torcida:"nação flamenguista", "nação tricolor" etc.
Mas o que é exatamente uma nação e no que consiste o sentimento que
animaria seus membros – o nacionalismo?
O historiador britânico Eric Hobsbawm considerou a questão numa pas-
sagem divertida:

"S uponha-se que um dia, após uma guerra nuclear, um historiador inter-
galáctico pouse em um planeta então morto para inquirir sobre as causas da
pequena e remota catástrofe registrada pelos sensores de sua galáxia. Ele, ou
ela – poupo-me de especular sobre o problema da reprodução fisiológica extra-
terrestre –, consulta as bibliotecas e os arquivos que foram preservados por-
que a tecnologia desenvolvida do armamento nuclear foi dirigida mais para
destruir pessoas do que a propriedade. Após alguns estudos, nosso observador
conclui que os últimos dois séculos da história humana do planeta Terra são
incompreensíveis sem o entendimento do termo 'nação' e do vocabulário que
dele deriva. O termo parece expressar algo importante nos assuntos humanos.
Mas o quê, exatamente?"
MUSEU DO LOUVRE, PARIS, FRANÇA

HOBSBAWM, E. J. Nações e nacionalismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990. p. 11.

Para Hobsbawm, a "nação" é determinada por seus próprios membros,


que valorizam certos elementos que têm em comum e, a partir deles, justi-
ficam a reunião e o sentido do grupo. Outro historiador britânico, Benedict
Anderson, detalhou um pouco mais a discussão:

"Proponho, então, a seguinte definição para nação: ela é uma comunidade


política imaginada – e imaginada como implicitamente limitada e soberana. Ela
é imaginada porque nem mesmo os membros da menores nações jamais conhece-
rão a maioria de seus compatriotas, nem os encontrarão, nem sequer ouvirão falar
deles, embora na mente de cada um esteja viva a imagem de sua comunhão. [...]
A nação é imaginada como limitada, porque até mesmo a maior delas, que
abarca talvez um bilhão de seres humanos, possui fronteiras finitas, ainda que
elásticas, para além das quais encontram-se outras nações."
ANDERSON, Benedict. Nação e consciência nacional. São Paulo: Ática, 1989. p. 14-15.

A brincadeira de Hobsbawm e a reflexão de Anderson ensinam-nos


algo importante: que a ideia de nação não é natural ou inevitável. Os auto-
res também mostram que uma nação inclui muitas pessoas, mas ela exclui
A Liberdade guiando o povo, Eugène todos aqueles que não possuam as qualidades ou características que justifi-
Delacroix. Óleo sobre tela, 1830. cariam a reunião do grupo.
(detalhe)

160 Capítulo 5  Nações, Nacionalismo e Internacionalismo

OH_V2_Book.indb 160 13/05/16 12:07


dias atuais. Foi utilizada, por exemplo, pelos nacionalis-
História e nacionalismo tas germânicos e itálicos que lutaram, respectivamente,
Mesmo que haja profundas diferenças internas, a ideia pela unificação da Alemanha e pela unificação da Itália.
de nação, insistiu Anderson, enfatiza o sentido de unida- Tornou-se uma bandeira importante de luta na França
de e proximidade: do século XIX e nas mãos de todos que rechaçaram os
invasores estrangeiros. Provocou guerras e revoluções.
"A nação é imaginada como comunidade por-
As primeiras manifestações do nacionalismo pare-
que, sem considerar a desigualdade e exploração que
cem ter surgido durante a Revolução Francesa, quan-
atualmente prevalecem em todas elas, a nação é sem-
do a defesa dos ideais revolucionários associaram-se à
pre concebida como um companheirismo profundo e
defesa da pátria na guerra contra inimigos externos. Os
horizontal. Em última análise, essa fraternidade é que
voluntários que, desde a Convenção Nacional, integra-
torna possível, no correr dos últimos dois séculos, que
ram as tropas francesas eram movidos por essa com-
tantos milhões de pessoas não só matem, mas morram
binação de ideais. No princípio do século XIX, pensa-
voluntariamente por imaginações tão limitadas".
dores liberais interpretaram o nacionalismo como um
ANDERSON, Benedict. Nação e consciência nacional.
São Paulo: Ática, 1989. p. 16. prolongamento da luta em defesa das liberdades indi-
viduais. Para eles, os indivíduos tinham o direito de
Morrer em nome de uma nação, excluir os não-per-
escolher a comunidade a que queriam pertencer e o
tencentes a ela e considerá-los ameaçadores ou inimi-
Estado devia caracterizar-se como um Estado-nação,
gos, ocasionalmente matá-los: essa lógica prevaleceu
em que a vontade dos cidadãos ditasse as decisões polí-
em muitos casos, desde o final do século XVIII e até os
ticas dos governantes.

Napoleão volta à França


Napoleão morreu no exílio, em 1821. Quase vinte de suas vitórias militares, transportou o sarcófago pelas
anos depois, seus restos mortais foram repatriados para ruas e levou os despojos até o memorial em que foram
a França. Em 15 de dezembro de 1840, o então rei fran- guardados. A cerimônia marcou a reabilitação oficial de
cês Luís Filipe liderou o cortejo das cinzas do imperador Napoleão pelo governo francês e representou a celebração
deposto. Uma carruagem, decorada com cenas de algumas dos valores nacionalistas franceses.

AKG-IMAGES/LATINSTOCK

Retorno das cinzas de Napoleão a Paris em 15 de dezembro de 1840, Adolphe Bayot/Eugene Guerard. Litografia colorida,
século XIX.

A nação como novidade 161

OH_V2_Book.indb 161 13/05/16 12:07


Da França, o nacionalismo expandiu-se para o res-

THE BRIDGEMAN ART LIBRARY/KEYSTONE/MUSEU DO LOUVRE, PARIS, FRANÇA


tante da Europa. Na década de 1820, houve movimen-
tações liberais e nacionalistas na Espanha, em Nápoles
e na Grécia. No fim da década, os nacionalistas gregos
proclamaram a independência do país, que estava sob
controle turco. A Grécia desrespeitava, assim, as deter-
minações do Congresso de Viena, que pretendia preser-
var o equilíbrio interno da Europa por meio da manu-
tenção dos limites e hegemonias anteriores à Revolução
Francesa. A conquista grega abria uma temporada de
reivindicações e lutas liberais-nacionalistas.

A França no século XIX


Após a derrota de Napoleão Bonaparte, em 1815, a coroa
francesa retornou às mãos dos Bourbon e Luís XVIII,
irmão de Luís XVI, assumiu o trono. A França passava a
viver sob uma monarquia constitucional. As disputas Barricadas em 1830, Pierre Manguin. Aquarela, 1834.
políticas internas, no entanto, prosseguiam. Os jacobi-
nos e os seguidores de Napoleão eram perseguidos e os Em julho de 1830, insuflados pelos liberais-nacio-
chamados ultras (de ultrarrealistas, defensores da rea- nalistas, milhares de pessoas saíram às ruas de Paris
leza forte) combatiam os liberais e defendiam o retorno para protestar contra as medidas de Carlos X. Homens,
ao Antigo Regime. Um dos principais ultras era Carlos, mulheres e crianças, burgueses ou trabalhadores, pega-
irmão do rei. Quando Luís XVIII morreu, em 1824, ele ram em armas e levantaram barricadas para resistir à
assumiu o trono com o título de Carlos X. ação repressora das forças reais. Quase dois mil pari-
sienses foram mortos em combate, mas a Revolução de
MUSEU DO LOUVRE, PARIS, FRANÇA

1830 foi vitoriosa. Carlos X abdicou no início de agosto


e partiu para o exílio.
A burguesia liderara a mobilização contra o rei, mas
tinha a lembrança dos episódios do final do século XVIII
e temia a radicalização da revolução. Os industriais e
banqueiros que coordenavam o processo de sucessão
real preferiram manter o regime monárquico e convida-
ram Luís Filipe, duque de Orléans, a assumir o trono. Ele
aceitou, restabeleceu o caráter constitucional do regime
e, por meio de um conjunto de reformas políticas, extin-
guiu a censura, estabeleceu o voto censitário e ampliou
A jangada do Medusa, Theodore Géricault. Óleo sobre tela, as atribuições do poder legislativo.
4,91 m x 7,16 m, 1819. A derrota dos ultras consolidou a hegemonia liberal
na França e eliminou os projetos de restauração abso-
A Revolução de 1830 lutista do Congresso de Viena e da Santa Aliança. Da
Com apoio da Igreja e dos setores conservadores, Carlos mesma forma como ocorrera na Revolução Francesa, o
X restringiu a liberdade de imprensa, transferiu parte exemplo francês estimulou levantes em outras partes
do ensino para a Igreja e aumentou a concentração de da Europa: Bélgica, Inglaterra, Polônia, Suíça e alguns
poderes nas suas mãos. A oposição liberal reivindicava reinos germânicos e da península itálica conheceram
o respeito às conquistas da Revolução Francesa e, com manifestações e, em alguns casos, houve reformas libe-
o controle do parlamento, tentou barrar o esforço cen- ralizantes. Com os movimentos liberais da década de
tralizador do rei. Carlos X reagiu, dissolvendo a assem- 1830, a burguesia completava seu triunfo sobre a aristo-
bleia, alterando a lei eleitoral e impondo total censura cracia e ainda conseguia conter as mobilizações de tra-
à imprensa. balhadores, que pretendiam ampliar seus direitos.

162 Capítulo 5  Nações, Nacionalismo e Internacionalismo

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favor de seu filho e partiu para o exílio. A assembleia, no
1848: a Primavera dos Povos entanto, rejeitou a indicação do sucessor e transferiu o
Luís Filipe I correspondeu perfeitamente aos interesses poder para um governo provisório que, na mesma noite,
e projetos da burguesia. Ele realizou reformas econômi- proclamou a república.
cas que estimularam a industrialização, permitindo um O impacto da nova revolução vivida pela França
aumento da produção voltada à exportação e ampliando mais uma vez afetou outras regiões. Os nacionalistas
significativamente os lucros tanto dos industriais quanto húngaros, por exemplo, conquistaram sua independên-
dos comerciantes. Facilitou as atividades bancárias e rea- cia do Império. Na península itálica e na Europa central,
lizou transformações nos campos, para aumentar a pro- ganhavam força as propostas que defendiam a unifica-
dução agrícola. ção e a criação de um Estado centralizado. Os liberais e
A insatisfação dos trabalhadores, porém, crescia nacionalistas levavam adiante a reivindicação da repú-
rapidamente. Os camponeses, atingidos pelas reformas blica e da ampliação dos direitos dos cidadãos. No final
rurais, migravam para as cidades, onde os empregos do inverno europeu, a primavera dos povos antecedia
não cresciam no mesmo ritmo da oferta de mão de obra. em poucos meses a chegada da estação das flores.
Os salários eram baixos e as reivindicações dos sindica-
tos e das associações de trabalhadores, raramente aten- As mulheres e a Revolução de 1848
didas. A partir da década de 1840, uma forte crise eco- Marianne tornou-se o símbolo da Revolução Francesa. A
nômica provocou carestia dos alimentos e aumentou o República, a Nação, a Liberdade, a Democracia, a Justiça
desemprego. A precariedade da condição dos trabalha- foram personificadas na figura de uma mulher. Apesar
dores urbanos era imensa e uma nova revolução parecia da intensa participação feminina na Revolução France-
iminente. No início de 1848, o pensador Alexis de Toc- sa, sua organização em clubes e suas reivindicações de
queville escreveu: "Estamos dormindo sobre um vulcão... igualdade presentes na declaração de Olympe de Gou-
Vocês não percebem que a terra treme mais uma vez? Sopra ges, as mulheres foram excluídas da cidadania política,
o vento das revoluções, a tempestade está no horizonte". seus clubes foram fechados e Olympe foi guilhotinada.
Em fevereiro daquele ano, Paris foi novamente palco Entre 1830 e 1848, a França conheceu um novo
de manifestações populares e as barricadas de estudan- período de agitação revolucionária que sacudiu as bases
tes e trabalhadores fecharam as ruas. Junto com as rei- da ordem estabelecida. Mais uma vez os clubes femini-
vindicações sociais, os revolucionários exigiam o fim da nos se espalharam e as mulheres, além de reivindica-
monarquia e a instalação da república. A repressão foi rem igualdade jurídica e direito a voto, também luta-
violenta, provocando centenas de mortos, mas não con- vam pelo direito à instrução, ao trabalho e à igualdade
teve o ímpeto popular. Acuado, Luís Filipe abdicou em de salários.
MUSÉE DU PETIT PALAIS, PARIS, FRANÇA

Lamartine recusa a bandeira vermelha em 25 de fevereiro de 1848, Félix Henri Emmanuel Philippoteaux. Óleo sobre tela,
século XIX. O escritor Lamartine foi um dos integrantes do governo provisório de 1848.

A nação como novidade 163

OH_V2_Book.indb 163 13/05/16 12:07


colônias francesas e adotou estratégias de contenção do
Feminismo e revolução desemprego, que avançava no país.
Jeanne Deroin (1805-1894) foi uma figura de destaque As eleições para a formação de uma Assembleia
durante a Revolução de 1848 na campanha pelos dire- Constituinte, no entanto, romperam a aparente har-
tos da mulher ao voto.
monia entre as principais forças políticas. A Assem-
Jeanne Deroin, anônimo. Ilustração extraída do jornal bleia reuniu-se em maio de 1848. A maior parte de seus
L'Opinion des femmes, n. 1, jan. 1849.
membros pertencia à burguesia e à aristocracia. Gru-
pos de trabalhadores, sentindo-se fragilizados diante
THE BRIDGEMAN ART LIBRARY/KEYSTONE BIBLIOTECA NACIONAL, PARIS, FRANÇA

do caráter conservador da Constituinte, tentaram lide-


rar novas sublevações. As tropas governamentais repri-
miram violentamente os protestos e milhares de pes-
soas foram mortas.
A nova Constituição, promulgada em novembro,
assumia os princípios da liberdade, igualdade e frater-
nidade – antes celebrados pela Revolução de 1789 – e
apresentava-se como baseada na família, no trabalho,
na propriedade e na ordem pública. A nova Carta tam-
bém instituiu o voto direto para a Presidência da Repú-
blica, mas não criou mecanismos que regulassem as
disputas e divergências entre o executivo e o legislati-
vo. No mês seguinte, Luís Napoleão Bonaparte, sobri-
nho de Napoleão Bonaparte, foi eleito presidente.

Outro 18 Brumário
As difíceis condições de trabalho impostas às
Durante a campanha, Luís Bonaparte defendeu a
mulheres conduziram-nas a reivindicações que coinci-
ampliação dos direitos dos trabalhadores e conclamou
diram com as da classe operária em geral, estabelecen-
os franceses a lutarem pela grandeza nacional. A som-
do uma relação entre o feminismo e os movimentos de
bra de seu tio certamente facilitou a ampla adesão do
esquerda. A palavra feminismo começou a ser veicu-
eleitorado, que lhe deu quase ¾ do total de votos. Seu
lada em francês (féminisme) no mesmo período que a
período presidencial, no entanto, foi breve. Três anos
palavra socialismo.
depois de tomar posse, Luís Bonaparte deu um golpe de
Nascidas durante a Revolução de 1830 e jovens
Estado, dissolveu o parlamento e proclamou-se impera-
durante a Revolução de 1848, essa geração de mulhe-
dor, com o título de Napoleão III. A França ingressava
res revolucionárias tornou-se a mais notável até então e
no Segundo Império.
a mais importante na luta pela emancipação feminina.
A Primeira República francesa durara nove anos
e se encerrara, em 1799, com o golpe de 18 Brumário,
A Segunda República liderado por Napoleão Bonaparte. A Segunda Repúbli-
ca durara menos ainda e se encerrava, novamente, com
Francesa o golpe e a coroação de um Bonaparte. Karl Marx (1818-
Com o afastamento de Luís Filipe e a proclamação da -1883), num texto de 1852, chamado O 18 Brumário de
Segunda República (a primeira foi em 1792), consti- Luís Bonaparte, comparou os dois episódios:
tuiu-se um governo provisório, que contava com a par-
"[O filósofo] Hegel observa em uma de suas grandes
ticipação da burguesia liberal, de democratas e socia-
obras que todos os fatos e personagens de grande impor-
listas. O objetivo era promover a conciliação entre as
tância na história do mundo ocorrem, por assim dizer,
diversas forças políticas e retomar algumas conquis-
duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez
tas da Revolução Francesa sem permitir a radicaliza-
como tragédia, a segunda como farsa." E completou: "E a
ção que, décadas antes, desembocara no Terror. Entre
mesma caricatura ocorre nas circunstâncias que acompa-
suas primeiras medidas, o governo provisório implan-
nham a segunda edição do 18 Brumário."
tou o sufrágio universal masculino, ampliou as liberda-
MARX, Karl. O 18 Brumário de Luís Bonaparte. Obras escolhidas.
des individuais, aboliu em definitivo a escravidão nas vol. 1. São Paulo: Alfa-Omega, s/d. p. 203.

164 Capítulo 5  Nações, Nacionalismo e Internacionalismo

OH_V2_Book.indb 164 13/05/16 12:07


OH_V2_C5_p161
Georges-Eugène Haussmann (1809-1891) comandou
MÁRIO YOSHIDA
A EUROPA E AS REVOLUÇÕES DE 1848
o processo de reurbanização. Restaurou prédios anti-
NORUEGA

Rebeliões de 1848 SUÉCIA gos, implantou rede de esgotos, eliminou focos epidê-
0DUGR micos, abriu grandes avenidas. As moradias populares

FR
1RUWH
do centro foram derrubadas e a população trabalhadora

iOWL
REINO DA

%
REINO DA DINAMARCA

DU
0
GRÃ-BRETANHA
REINO DA
foi deslocada para áreas periféricas da cidade. O alarga-
PAÍSES PRÚSSIA
2&($12
BAIXOS
Colônia Berlim
IMPÉRIO RUSSO
mento e calçamento das ruas foi trocado para inviabili-
$7/Ç17,&2 BÉLGICA

Paris
Frankfurt Praga zar a formação de barricadas e facilitar o deslocamento
Rastatt

FRANÇA
Stuttgart
Munique Viena
de pessoas e mercadorias.
SUÍÇA
Budapeste
Milão Veneza IMPÉRIO AUSTRÍACO Paris tornava-se uma cidade moderna e essen-
Turim
PORTUGAL Parma
ESTADOS
cialmente burguesa. Novos rituais sociais desenvolve-
Florença DA 0DU
ESPANHA REINO DO
PIEMONTE E
IGREJA 0
DU
$
IMPÉRIO OTOMANO 1HJUR ram-se: passeios pelas longas avenidas, com roupas e
SARDENHA Roma GU

0DU Nápoles
Li
WL F
R atitudes que exibissem a posição social; encontros e con-
7LUUHQR REINO
0 D U  DAS DUAS
0 Palermo SICÍLIAS
H
versação nas lojas, nos salões literários, cafés e restau-
0DU GRÉCIA
G -{QLFR
rantes. Depois da Revolução Francesa, muitos cozinhei-
L

ESCALA ÁFRICA
W H

0 415 830 km U
U k
Q H R 
ros, que antes trabalhavam em casas e palácios nobres,
Fonte: Elaborado com base em DUBY, G. Grand atlas historique. Paris: Larousse,
ficaram desempregados e, para sobreviver, começaram a
2008. cozinhar em albergues e tabernas, servindo durante todo
o dia. A ideia propagou-se e os primeiros restaurantes,
O Segundo Império com mesas individuais para os comensais, apareceram
O Segundo Império foi um período de autoritarismo políti- ainda no século XVIII. No Segundo Império, Paris já con-
co e de apogeu da burguesia francesa. Napoleão III estimu- tava com cerca de cinco mil restaurantes.
lou o desenvolvimento industrial e realizou grandes obras Todo esse fulgor, porém, tinha um custo. A reforma
públicas de construção civil, para melhorar a infraestrutu- urbana esgotara as recursos. A derrota contra a Prússia
ra: remodelação de portos, ampliação da rede ferroviária, deixou a cidade desprotegida e sitiada. No final de janei-
abertura de estradas, modernização dos meios de comuni- ro de 1871, um acordo selou o armistício com os prussia-
cação. Também promoveu uma reforma financeira, crian- nos, mas autorizou o ingresso das tropas inimigas em
do bancos que facilitavam o acesso ao crédito para a rea- Paris.
lização de grandes empreendimentos. O comércio interno

RUE DES ARCHIVES/COLLECTION BOURGERON/OTHER IMAGES


cresceu bastante e as barreiras protecionistas no comércio
externo foram eliminadas. No plano social, o imperador
aprimorou o sistema de educação pública, mas comandou
forte repressão ao movimento operário: implantou a cen-
sura, proibiu as greves e as organização sindicais, perse-
guiu lideranças dos trabalhadores e manteve a jornada de
doze horas diárias de trabalho.
O cenário mundial favorável permitiu que as reservas
monetárias francesas duplicassem até 1870. No entanto, a
disposição de expandir os domínios nacionais e reafirmar
a grandeza da França consumiu boa parte desses recursos.
Napoleão ampliou as posses coloniais na África, interveio Boulevard de Montmartre, anônimo. Cartão postal, Paris,
1905.
nas disputas políticas entre liberais e conservadores no
México e participou de vários conflitos na Europa. O maior
A Comuna de Paris
deles foi a Guerra Franco-Prussiana (1870-1871), em que
Em março de 1871, diante da ameaça do avanço prus-
as tropas francesas foram derrotadas e o próprio impera-
siano sobre a capital francesa, a população parisiense
dor foi feito prisioneiro pelo inimigo.
se sublevou. Os trabalhadores coordenaram a formação
Paris: fulgor e guerra da Comuna de Paris e assumiram o comando. Muitos
Durante o Segundo Império, a capital francesa pas- burgueses e aristocratas fugiram e as portas da cidade
sou por profunda transformação. Seu prefeito, o Barão foram fechadas, isolando-a do exterior. Durante dois

A nação como novidade 165

OH_V2_Book.indb 165 13/05/16 12:07


meses, operários lideraram assembleias em que todas O socialismo de Marx e Engels
as decisões eram debatidas e tomadas coletivamente.
Marx e Engels propunham que as riquezas fossem divi-
Os sindicatos foram legalizados, o trabalho noturno foi
didas entre todos os membros da sociedade. Para tanto,
abolido e a jornada diária, reduzida. Casas e empresas
era necessário que a classe trabalhadora conquistasse
abandonadas foram expropriadas e socializadas. O sis-
o poder político, e ela o faria por meio de uma inter-
tema educacional tornou-se inteiramente público, gra-
venção rápida e profunda, que rompesse e subvertes-
tuito e laico.
se a sociedade: uma revolução. Dessa forma, os autores
O isolamento de Paris e a decorrente dificuldade de
rejeitavam a ideia de que as conquistas sociais deves-
obtenção de alimentos, porém, tornava difícil a sobre-
sem ocorrer gradualmente e dentro da ordem, por meio
vivência dos moradores. A limitação dos armamentos e
de leis ou reformas.
de soldados fragilizava a proteção da cidade. No final de
Embora defendessem a tomada rápida do poder
maio, uma investida das forças francesas e prussianas
pelos trabalhadores, eles alertavam para a necessi-
sobre uma entrada desguarnecida da cidade massacrou
dade de uma preparação cuidadosa da revolução. Ela
os rebeldes e encerrou a experiência da Comuna.
se iniciaria pela construção da consciência de clas-
Os dois meses de duração do controle popular sobre
se entre os trabalhadores. Eles deveriam reconhecer a
Paris foram objeto de profunda análise. Os principais
diferença entre seus interesses e os das classes abasta-
pensadores sociais do período, como o russo Mikhail
das, perceber a insuficiência do capitalismo para aten-
Bakunin e o alemão Karl Marx, refletiram sobre o siste-
der às suas necessidades e agir de maneira articulada e
ma de assembleias e a coletivização das decisões. Pra-
coesa. A preocupação com um proletariado conscien-
ticamente um século depois da Revolução de 1789, as
te reapareceu em O 18 Brumário de Luís Bonaparte, que
mobilizações sociais na França continuavam a mover o
Marx publicou três anos depois da divulgação do Mani-
debate político internacional.
festo Comunista: ao analisar o apoio que a maioria dos
camponeses franceses deu a Luís Bonaparte na elei-
Pela Revolução ção de 1848 e no golpe de 1851, ele enfatizou que traba-
lhadores, além de identificar sua situação social e suas
No Manifesto do Partido Comunista, divulgado em 1848,
necessidades, deviam saber-se comprometidos com
Karl Marx e Friedrich Engels (1820-1895) afirmavam:
os mesmos objetivos e ideais dos demais membros da
"Um espectro ronda a Europa – o espectro do comu- classe a que pertenciam; ou seja, não era a origem de
nismo. Todas as potências da velha Europa unem-se numa alguém que determinava sua classe, mas a consciência
Santa Aliança para conjurá-lo: o papa e o czar, Metternich e que tinha da luta comum.
Guizot, os radicais da França e os policiais da Alemanha." A partir dos textos de Marx, muitas lideranças ope-
MARX, Karl. Manifesto do Partido Comunista. Obras escolhidas. rárias passaram a se denominar comunistas. Outros
vol. 1. São Paulo: Alfa-Omega, s/d. p. 21.
teóricos incorporaram suas ideias e as desenvolveram,
Eles anunciavam, dessa forma, o temor que os pode- ampliando o pensamento marxista, que partia do prin-
rosos europeus sentiam perante a emergência de uma cípio de que a sociedade era movida pela luta de clas-
forte mobilização política e social dos trabalhadores. ses e que a burguesia, proprietária dos meios de pro-
As práticas sociais e as estratégias de luta contra a bur- dução e detentora do capital, era a grande inimiga dos
guesia e a lógica do capital e do mercado renovavam-se. trabalhadores.
Para Marx e Engels, a categoria "povo", insistentemente Com a revolução, o proletariado assumiria o poder e
empregada na retórica política desde a Revolução Fran- iniciaria a obra de liquidação do capitalismo: suprimiria
cesa, estava esgotada. Eles preferiam utilizar o conceito a propriedade privada, estabeleceria um regime de uso e
de classe social. O nacionalismo, diziam, também vivia apropriação coletiva das terras e da indústria e implan-
seus últimos dias. O futuro pertencia à luta internacional taria o socialismo. Para Marx, durante o socialismo, o
de todos os trabalhadores. Não por acaso, o Manifesto proletariado deveria exercer o poder ditatorialmente,
concluía com uma conclamação: "Proletários de todos os para avançar na direção do estágio decisivo: a socieda-
países, uni-vos!" A frase, que se tornaria bastante conhe- de comunista, caracterizada pela igualdade social. No
cida, mostrava o rumo das reivindicações sociais: a luta comunismo, o Estado poderia ser abolido e todos vive-
organizada e sistemática por uma sociedade igualitária. riam livres de sofrimento, opressão e violência.

166 Capítulo 5  Nações, Nacionalismo e Internacionalismo

OH_V2_Book.indb 166 13/05/16 12:07


ANÁLISE DE IMAGEMpintura

II Quarto Stato [O quarto Estado] (detalhe) Autoria: Giuseppe Pellizza de Volpedo

Material: Óleo sobre tela Foi exposta pela primeira vez em 1902, na Mostra
Quadrienal de Turim (Itália).
Dimensão: 2,93 m x 5,45 m

Datação: 1895-1896

1 Primeiro olhar: Quase um manifesto da entrada em 2 As figuras do quadro saem de um fundo forte-
cena da classe operária no começo do século XX. É um mente escuro e avançam rumo a uma lumino-
quadro que procura exaltar a força e a maturidade da sidade resplandecente.
classe trabalhadora.
THE BRIDGEMAN ART LIBRARY/KEYSTONE

5 As mãos (que represen- 4 É um quadro de gestos conti- 3 A mulher foi representada


tam a força do trabalho) dos, mas seguros. A compo- como símbolo da liberdade e da
aparecem em posição sição cria um “mar” de tra- República, desde a Revolução
de repouso, reivindica- balhadores. Eles se olham, Francesa. Ela carrega em seus
ção, questionamento, gesticulam, dialogam de braços a nova sociedade (repre-
discussão. modo a representar a coesão sentada pelo bebê).
da classe.

Tá na rede! O anarquismo
Os comunistas não eram os únicos a desenvolver
Manifesto comunista ideias sociais e a rechaçar a dominação de classe
Digite o endereço abaixo na barra dentro da sociedade burguesa. Um grupo de pensa-
do navegador de internet: http:// dores chamados de anarquistas também defendiam
goo.gl/voY8RI. Você pode também
transformações políticas e sociais profundas. Dife-
tirar uma foto com um aplicativo
de QrCode para saber mais sobre o rentemente da proposta marxista, no entanto, eles
Versão integral do afirmavam que o Estado precisava ser eliminado ime-
assunto. Acesso em: 12 abr. 2016. Manifesto Comunis-
Em português. ta em português. diatamente e, junto com ele, todos os patrões. Para os

A nação como novidade 167

OH_V2_Book.indb 167 13/05/16 12:07


anarquistas, o mundo futuro não deveria ter pátrias, sociedade industrial e instigava a luta pela liberdade e
nem patrões e, assim, todos viveriam livres, numa contra qualquer tipo de opressão.
sociedade igualitária em que as propriedades fossem Bakunin defendia que todos os oprimidos das cida-
coletivas e o trabalho, conjunto. des e do campo, operários e camponeses, se rebelassem
O francês Pierre Joseph Proudhon (1809-1865) e contra o capitalismo e participassem, juntos, da cons-
o russo Mikhail Bakunin (1814-1876) foram dois dos trução da nova ordem. Ele discordava de Marx e afir-
principais pensadores anarquistas. Em 1840, Prou- mava que, no projeto revolucionário marxista, o prole-
dhon publicou o livro O que é a propriedade?, em que tariado poderia isolar-se no poder e defender apenas os
afirmava categoricamente: seus interesses, abandonando a representação coletiva.
"Se eu tivesse de responder à seguinte questão: Para Bakunin, numa sociedade livre não haveria lugar
o que é a escravidão?, e a respondesse numa única para o Estado nem para outra instituição que assumis-
palavra: é um assassinato, meu pensamento seria se o controle ou a liderança dos demais. Em O Império
logo compreendido. [...] Por que então a esta outra Knouto-germânico, de 1871, ele constatou a relação pro-
pergunta: o que é a propriedade?, não posso respon- funda entre exploração e governo:
der da mesma maneira: é um roubo, sem ter a certe- "Exploração e governo, o primeiro dando os
za de ser entendido, embora esta segunda proposi- meios de governar e constituindo a base necessá-
ção não seja senão a primeira transformada?" ria assim como o objetivo de todo governo, que por
PROUDHON, Pierre-Joseph. Textos escolhidos. sua vez garante e legaliza o poder de explorar, são os
Porto Alegre: L&PM, 1983. p. 17. dois termos inseparáveis de tudo que se chama polí-
Ao identificar a propriedade ao roubo, Proudhon tica. Desde o início da história, eles constituíram a
definia a principal base de sua proposta: a extinção de vida real dos Estados: teocráticos, monárquicos, aris-
todo regime privado de propriedade. Ele também rejei- tocráticos e até mesmo democráticos."
tava a exploração a que o trabalhador era submetido na BAKUNIN, Mikhail. Textos escolhidos.
Porto Alegre: L&PM, 1983. p. 33-34.

História E Arte>> A
 narquistas

MUSEU PETIT PALAIS, PARIS, FRANÇA


O pintor anarquista Gustave Courbet (1819-1877) retra-
tou seu amigo Proudhon na intimidade de um jardim ao
lado de suas filhas. O pintor, ao retratá-lo com camisa de
trabalhador o aproxima do proletariado e revela sua ori-
gem humilde. Ao cercá-lo de livros, acentuou sua capaci-
dade intelectual. A cena como um todo sublinha os valo-
res familiares, umas das bases do anarquismo proudho-
niano, contrastando com a ideia e glorificação da desor-
dem, atribuída ao pensamento anarquista.

Proudhon e suas filhas em 1853,


Gustave Courbet. Óleo sobre tela, 1865.

Verificação de leitura 1 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 Explique o seguinte trecho de Benedict Anderson, 3 Indique algumas características da modernização


citado no texto: "Proponho, então, a seguinte defini- de Paris durante o Segundo Império.
ção para nação: ela é uma comunidade política ima- → DL/SP/H9/H18/H26/H27
ginada – e imaginada como implicitamente limitada e 4 O que foi a Comuna de Paris de 1871 e como ela se
soberana." → DL/SP/CA/H9/H11 organizava? → DL/SP/H8/H10/H11/H13/H15/H24
2 Quais foram os motivos das mobilizações de 1848, 5 Explique as diferenças entre a proposta de revolu-
na Europa? → DL/SP/H8/H10/H11/H13/H22 ção de Marx e a de Bakunin. → DL/CF/SP/H9/H14

168 Capítulo 5  Nações, Nacionalismo e Internacionalismo

OH_V2_Book.indb 168 13/05/16 12:07


SUÍÇA

2
TIROL

As unificações da Itália
SAVOIA
IMPÉRIO
LOMBARDIA VÊNETO
AUSTRÍACO
Turim
ÍSTRIA

e da Alemanha
Veneza
FRANÇA PIEMONTE
PARMA

Dalm
NA
Gênova

DE
NICE MÓ

áci
Zara IMPÉRIO

a
MÔNACO SAN MARINO OTOMANO
Livorno Florença

TOSCANA
ESTADOS
REINO DO PONTIFÍCIOS

A
PIEMONTE E
SARDENHA Córsega
s revoluções de 1848 espalharam os ideais nacionalistas por toda a
Mar Adriático
Roma Europa. No Leste, no centro e no Oeste do continente, Estados que
Benevento contavam com pluralidade cultural interna enfrentaram mobiliza-
Nápoles
ções e levantes populares. Povos e territórios desmembrados de grandes
impérios deram origem a novos países, como Bélgica, Bulgária, Croácia,

S
Sardenha

IA
Mar Tirreno Grécia, Hungria e Sérvia.

ÍL
IC
Os conflitos gerados por essas separações muitas vezes alcançaram o
S
Calábria

S
século XX e estiveram entre os motivos da Primeira Guerra Mundial, entre
Ga

A
U
D
ri b

Mar ld S
1914 e 1918. Na metade do século XIX, a defesa da nacionalidade preva-
a

i DA
Mediterrâneo O
IN
RE
Sicília
lecia em muitos discursos políticos. Na Península Itálica e entre os reinos
ESCALA germânicos, começava a avançar a ideia de unificação e de constituição de
0 120 240 km
um único Estado.

Reino de Piemonte e Sardenha 1815


A Unificação italiana
Território anexado 1859
Territórios anexados 1860
Na metade do século XIX, diversos reinos e repúblicas dividiam a penínsu-
Expansão territorial 1870 la itálica e conviviam com a lembrança do Império Romano. De um lado, o
Expansão territorial 1920
Território perdido para França 1860
passado oferecia uma imagem positiva de integração territorial e política,
OH_V2_C5_p165
Fronteiras do novo Reino de Itália 1861 de poder e conquista. De outro, a ideia negativa da dominação política e cul-
Tropas de Garibaldi
tural de alguns povos sobre outros.
Os anseios nacionalistas esbarravam nas diferen-
MÁRIO YOSHIDA

UNIFICAÇÃO DA ITÁLIA (1859-1920)


ças e nos anseios regionais. Cada região tinha seus cos-
tumes peculiares e língua própria, ou dialeto, o que pre-
SUÍÇA
judicava a comunicação. A diversidade dos sistemas de
SAVOIA
TIROL
pesos e medidas e do padrão monetário também impe-
LOMBARDIA VÊNETO
IMPÉRIO
AUSTRÍACO
dia a intensificação do comércio e a articulação financei-
Turim

FRANÇA
Veneza
ÍSTRIA
ra entre os Estados. Para a burguesia, a unificação repre-
PIEMONTE
PARMA
sentava a superação desses limites e a constituição de
Dalm
NA

Gênova
DE

NICE MÓ um espaço uno e amplo de atuação econômica.


áci

Zara IMPÉRIO
a

MÔNACO SAN MARINO OTOMANO


Livorno Florença Após o fracasso das tentativas unificadoras de
TOSCANA
ESTADOS 1848, o Reino de Piemonte, uma região industrializa-
REINO DO PONTIFÍCIOS
PIEMONTE E
SARDENHA
da no Noroeste itálico, assumiu o comando da luta pela
Córsega
Mar Adriático união. Liderada pelo primeiro-ministro piemontês,
Roma
Camilo Benso, Conde de Cavour, a ação começou pela
Benevento retomada de parte do Norte e do Nordeste da penínsu-
Nápoles
la (Lombardia e Vêneto), que estavam sob domínio aus-
tríaco. Inicialmente, os piemonteses receberam o apoio
S

Sardenha
IA

Mar Tirreno
de Napoleão III, na guerra contra a Áustria. O papado, no
ÍL
IC

entanto, era contrário à unificação e pressionou o impe-


S

Calábria
S
Ga

A
D
U
rador francês a se afastar do conflito. Mesmo sem ajuda
ri b

Mar ld S
a

i DA
Mediterrâneo
IN
O externa, a Lombardia foi ocupada por Cavour, que pas-
RE
Sicília sou a apoiar também os defensores da unificação em
ESCALA Nápoles e na Sicília. Em 1860, o republicano Giuseppe
0 120 240 km
Garibaldi (1807-1882), à frente de um grupo de cerca
Fonte: Elaborado com base em DUBY, G. Grand atlas historique. Paris: Larousse, 2008. de mil soldados, invadiu a Sicília e submeteu a ilha.
Reino de Piemonte e Sardenha 1815
Território anexado 1859
As unificações da Itália e da Alemanha 169
Territórios anexados 1860
Expansão territorial 1870
Expansão territorial 1920
Território perdido para França 1860
OH_V2_Book.indb 169 Fronteiras do novo Reino de Itália 1861 13/05/16 12:07
OH_V2_C5_p166

Embora não partilhasse das mesmas ideias e dos mesmos

MÁRIO YOSHIDA
UNIFICAÇÃO DA ALEMANHA (1815-1871)
projetos de Cavour, Garibaldi foi forçado a entregar o con-
trole siciliano ao reino do Piemonte. SUÉCIA

No ano seguinte, o rei piemontês, Vítor Emanuel MAR DO DINAMARCA

o
NORTE
II, foi proclamado rei da Itália e iniciou as empreitadas

c
lti

SCHLESWIG ar
decisivas de unificação: anexar Veneza e Roma. Veneza HOLSTEIN
M
OH_V2_C5_p166
foi tomada dos austríacos pelas tropas do Piemonte em PRÚSSIA
ORIENTAL
1866. A antiga capital do Império, porém, vivia sob forte
Ri
oE
lba

HANOVER PRÚSSIA
influência do papa, que temia que a criação de um Esta- PAÍSES
BAIXOS S
S
I A OCIDENTAL Rio Oder

Ri
Ú Berlim

o
do italiano unificado limitasse seu poder sobre SUÉCIA Roma e R


P

stu
Rio R

la
A
R Ú S S I A
o mundo. Para se defender dos ataques piemonteses, o

IC

eno
co LG
MAR DO DINAMARCA

lti BÉ
SAXÔNIA
papado contava com apoioNORTE de tropas francesas. Napoleão


Luxemburgo
SCHLESWIG ar Praga
III, no entanto, estava envolvido emHOLSTEIN
outro conflito, a Guer- M LORENA
BOHEMIA

FR
ra Franco-Prussiana, e determinou a retirada das guarni-

AN
PRÚSSIA
HUNGRIA

ÇA
Rio
Ri
ORIENTAL Da Fronteira da Confed
ções de Roma. Desprotegida, Roma foi incorporada à Itália
oE
lba
ALSÁCIA BAVIERA Viena nú
b io em 1815

HANOVER PRÚSSIA Prússia em 1815


I A
unificada e declarada capital
BAIXOS da Itália. O Spapa
PAÍSES
S recusou-seOCIDENTAL SUÍÇA Rio Oder

Ri
Ú Berlim ÁUSTRIA Prússia em 1866

o
a reconhecer o novo Estado e fechou-se R
no Vaticano.


P

st
Confederação Germ
Rio R

ula
ICA

R Ú S S I A
Outros estados em
eno
LG

A Sicília e suas tradições


SAXÔNIA Império Austro-Hún


ESCALA
Luxemburgo ITÁLIA
Praga 0 140 280 km Fronteiras em 1866
A Sicília era dominada pelos Bourbon e a populaçãoBOHEMIA local Fronteira do Impéri
LORENA
FR

tentava, há décadas, libertar-se do domínio estrangeiro.


AN

Fonte:HUNGRIA
Elaborado com
ÇA

Rio
Fronteira da Confederação Alemã
Da
base em DUBY, G. Grand
Um levante, em 1848, havia sido duramente
ALSÁCIA BAVIERA
reprimidoViena e nú
b io
Atlas Historique. Paris:
em 1815

resultou no massacre de quase


SUÍÇA 150 rebeldes. No momen- Larousse, 2008.
Prússia em 1815

ÁUSTRIA Prússia em 1866


to que as tropas de Garibaldi atacaram a ilha, em 1860, Confederação Germânica do Norte em 1866

parte expressiva da população aderiu a elas e aproveitou Outros estados em 1866

ESCALA Império Austro-Húngaro em 1867


a oportunidade para expulsar os Bourbon.
ITÁLIA
0 140 280 km Fronteiras em 1866

A transferência do comando da Sicília, meses Fronteira do Império Alemão em 1871

depois, para o reino do Piemonte mostrou aos sicilia-


nos, porém, que a liberdade fora fortuita. A incorpo-
ração da ilha ao Estado italiano gerou novas reações e A unificação alemã
rebeliões internas. Alguns autores datam desse perío- Vários reinos do centro da Europa associavam-se na
do o surgimento de um grupo que defendia as tradi- Confederação Germânica. A Confederação, sob lide-
ções locais e agia clandestinamente para desestabilizar rança da Prússia, facilitava o comércio entre os países
os representantes do governo italiano. Esse grupo, com membros, por meio da eliminação de barreiras alfande-
a passagem do tempo e a consolidação da unificação, gárias e fiscais, mas os reinos preservavam sua autono-
acabou por abandonar os projetos políticos, mas man- mia política. Da mesma forma que na Península Itálica,
teve-se ativo e dizia representar a verdadeira identida- parte significativa da população valorizava o passado
imperial da região e defendia a unificação desses reinos
de siciliana e defender a honra dos habitantes da ilha.
num só e grandioso Estado alemão. Para elas, o Estado
Para tanto, desenvolvia códigos e rituais próprios e era
expressaria mais do que a unidade política; ele também
guiado pelo princípio da omertà, palavra provavelmen-
evocaria a figura do Sacro Império Romano Germânico e
te derivada de uomo (homem) e que designava a viri-
assumiria dimensão sagrada.
lidade daqueles que prescindiam dos poderes públicos
Guilherme I (1797-1888) assumiu o trono da Prússia
para resolver suas questões e dificuldades. O grupo, por
em 1858 e iniciou uma ação sistemática em favor da unifi-
motivos incertos, passou a ser chamado de maffia, tal-
cação. Ele nomeou Otto von Bismarck (1815-1898) como
vez por associação com a palavra árabe maehfil, que sig-
seu primeiro-ministro e o incumbiu de planejar política e
nificava "reunião" e "lugar de reunião". militarmente a unidade alemã, sob comando prussiano.
A máfia siciliana existe até hoje, conta com muitas
subdivisões e atua no mundo todo. A luta contra o Esta- O governo de Bismarck
do italiano foi esquecida há mais de um século e a orga- Bismarck estruturou a luta de unificação em três eta-
nização tornou-se sinônimo de crime organizado. pas. Na primeira, acelerou o desenvolvimento industrial

170 Capítulo 5  Nações, Nacionalismo e Internacionalismo

OH_V2_Book.indb 170 13/05/16 12:07


prussiano, expandiu a economia nacional, difundiu
valores nacionalistas e modernizou o exército, equipan- História E Música>> M
 úsica
do-o melhor, ampliando o contingente militar e prepa- e nacionalismo
rando os soldados para a guerra. Na segunda, simultânea Quando os nazistas chegaram ao poder na Alemanha,
à primeira, estabeleceu diálogos e negociações diplomá- no começo da década de 1930, fazia quase 50 anos que
o compositor Richard Wagner (1813-1883) havia mor-
ticas com a Áustria, que controlava parte da região e que
rido. Isso não impediu que eles considerassem a músi-
os prussianos consideravam o principal obstáculo para ca wagneriana como a mais alemã de todas as músicas
a unificação alemã. As negociações visavam a formação e que a associassem ao próprio movimento. Por quê?
de uma aliança para ocupar dois ducados, Schleswig e Wagner ocupou cargos importantes no panorama
Holstein, que estavam sob controle dinamarquês. No iní- musical germânico desde os vinte anos de idade e, ani-
cio de 1864, as tropas austríaca e prussiana atacaram mado pelas ideias de Proudhon, chegou a participar das
jornadas revolucionárias de 1848, em Dresden. Fugiu
a Dinamarca e a derrotaram. Abria-se a terceira etapa, para a Suíça para escapar da prisão e cogitou transfe-
militar, da unificação. rir-se para o Brasil. Acabou ficando na Europa, e apre-
Dois anos depois, os exércitos prussianos avança- sentou suas novas óperas em Veneza e Paris, antes de
ram sobre a Áustria e a submeteram rapidamente, na receber o perdão do rei Ludwig II, da Baviera, e poder
Guerra das Sete Semanas. Em 1870, começou a última retornar a Munique, em 1864. A partir de então, e já
em meio às lutas de unificação alemã, sua obra assu-
guerra, que tinha o objetivo de anexar os Estados ger-
miu forte tendência nacionalista. Ele recuperava ele-
mânicos do Sul. De maioria católica e antimilitaristas, mentos míticos, relembrava deuses e personagens da
eles rejeitavam aproximações com a Prússia. Bismarck tradição germânica e os inseria em peças marcadas por
estimulou o nacionalismo dos moradores da região ao forte teatralidade, em que a memória nacional torna-
provocar um conflito com a França. O pretexto para va-se a base das conquistas do presente e da constru-
ção do futuro. As melodias ajustavam-se com precisão
a guerra era a reivindicação da coroa espanhola pelo
aos textos, escritos no alemão, língua da unidade nacio-
príncipe Leopoldo, parente de Guilherme I da Prússia. nal. As orquestrações sugeriam força e vigor imperial:
Napoleão III temia que a ascensão de Leopoldo alas- sinais da Alemanha que desejava.
trasse a influência prussiana para o Ocidente da Euro- Foi justamente a sensibilidade e adesão ao nacio-
pa e que a França ficasse cercada por dois vizinhos alia- nalismo que tornaram Wagner o músico da unificação
dos e militarmente poderosos. O cálculo de Bismarck alemã e, cinco décadas depois, o compositor preferi-
do daqueles que tentaram reinstaurar o império: os
estava correto: diante do acirramento do nacionalismo nazistas.
na França e nos reinos germânicos, os Estados do Sul

JOSEPH ALBERT/STAATLICHE VERWALTUNG DE SCHÖSSER


aderiram à Prússia e combateram a França. Novamen-
te, a vitória prussiana foi rápida e esmagadora. Além de
ver seu imperador ser feito prisioneiro dos inimigos, os
franceses perderam o controle sobre as províncias da
Alsácia e da Lorena.
No dia 18 de janeiro de 1871, no Palácio de Versa-
lhes, Guilherme foi proclamado imperador (kaiser) ale-
mão. A Guerra Franco-Prussiana completou a unifica-
ção da Alemanha, mas deixou resíduos e tensões que
Ludwig e Malvina Schnorr von Carolsfeld como Tristão
prosseguiram no século XX e contribuíram para o iní- e Isolda, de Wagner. Munique, 1865.
cio, em 1914, da Primeira Guerra Mundial.

Verificação de leitura 2 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 Explique os passos do processo de unificação italia- 3 Caracterize o projeto de Bismarck para a unificação
na. → DL/CF/SP/H8/H15 alemã → DL/CF/SP/H8/H15
2 Relacione a resistência siciliana à unificação da 4 Analise a participação de Napoleão III nos proces-
Itália com o surgimento da máfia. sos de unificação da Itália e da Alemanha.
→ DL/CF/SP/H10/H11 → DL/CF/SP/CA/H8/H15

As unificações da Itália e da Alemanha 171

OH_V2_Book.indb 171 13/05/16 12:07


3 A construção dos Estados
Unidos no século XIX

A
luta pela independência, nos Estados Unidos, provocou uma
união apenas provisória entre as antigas colônias britânicas.

◀ ANOS
A REPÚBLICA Obtida a emancipação, as colônias tornaram-se estados e o país
ESTADUNIDENSE continuou a conviver com as profundas diferenças entre o Sul agrário,
1776 latifundiário, escravista e exportador, e o Norte urbano, industrialista
Independência dos Estados Unidos. ▾ e organizado em pequenas e médias propriedades.
Estados Unidos compram 1803 A Constituição assegurava ampla autonomia para os estados e,
a Luisiana da França. ▾ dessa forma, prolongava a convivência entre esses mundos distintos.
Lei de Proibição do Comércio: 1809 Cada um deles podia, por exemplo, organizar as leis e estruturar as
proibição de relações mercantis ▾
com Inglaterra e França. exportações conforme seus interesses específicos. As tensões e diver-
Estados Unidos declaram 1812 gências, no entanto, prosseguiam sob a aparente harmonia e mesmo a
guerra à Inglaterra. ▾ afirmação, repetida pelas elites dirigentes, de que haviam encontrado
Acordo de Paz entre 1815 um modelo democrático e federalista adequado, não impedia que ocor-
Estados Unidos e Inglaterra. ▾
ressem choques e embates frequentes entre o Norte e o Sul.
Flórida anexada ao território 1818
estadunidense adquirida da Espanha. ▾
Lei de remoção dos indígenas. 1830

nacionalismo
Transferência das comunidades
indígenas para reservas. Os Estados Unidos procuraram manter neutralidade diante dos confli-
Anexação do Texas 1845 tos entre ingleses e franceses, durante o período napoleônico. Qualquer
(território mexicano). ▾ opção, naquele momento, podia significar a perda de mercados e parce-
Anexação do Oregon 1846 rias comerciais essenciais para o crescimento econômico do novo país.
cedido pela Inglaterra. ▾
Em 1809, reforçando sua política de equidistância, o governo estaduni-
Anexação da Califórnia 1848 dense decretou a Lei de Proibição do Comércio, que impedia que qual-
(território mexicano). ▾
quer comerciante ou estado mantivesse relações comerciais com Fran-
Abraham Lincoln é eleito presidente. 1860
Carolina do Norte sai da União. ▾ ça e Inglaterra.
A Inglaterra reagiu a essa posição e ampliou a pressão para que os
Formação dos Estados Confederados da 1861
América, confederação ▾ Estados Unidos a apoiassem na guerra contra Napoleão Bonaparte: ataca-
constituída por Carolina do Sul
e do Norte, Flórida, Alabama,
va e confiscava embarcações estadunidenses que cruzavam o Atlântico e
Mississipi, Luisiana, Tennessee, estimulava grupos indígenas na América do Norte a combaterem o gover-
Virgínia, Arkansas, Texas e Geórgia.
no. Em 1812, os Estados Unidos declararam guerra à Inglaterra. A luta
Início da Guerra de Secessão.
arrastou-se por dois anos e, embora não tenha tido grande impacto den-
Homestead Act: lei que garantia 1862
a posse da terra a quem nela ▾ tro ou fora do território estadunidense, contribuiu para aumentar o nacio-
produzisse por cinco anos consecutivos. nalismo estadunidense e para reforçar a ideia de que o povo que habita-
Lincoln declara livres os escravizados 1863 va aquelas terras tinha virtudes e vigor para todas as lutas e conquistas.
nos Estados rebeldes e autoriza ▾
os libertos a participarem O nacionalismo crescia e se produziam elementos que contribuíam
das forças armadas do Norte. para a coesão nacional. Em 1816, um jornalista, John Binns, passou a
Batalha do Forte Pillow. 1864 reproduzir e vender cópias da Declaração da Independência. A iniciati-
Massacre ordenado pelos Confederados. ▾
va editorial foi um sucesso: milhares de estadunidenses compraram os
Estados do Sul entregam sua rendição. 1865
▾ exemplares, que exibiam retratos de líderes da emancipação e cópias de
Abolição da escravidão.
Assassinato de Abraham Lincoln. suas assinaturas. O documento que havia fundado o novo país popula-
Política de segregação racial rizava-se e ganhava a conotação de símbolo nacional. Os Estados Uni-
em Estados do Sul. dos continuavam divididos, mas a sensação de pertencer a uma unidade
avançava entre seus habitantes.

172 Capítulo 5  Nações, Nacionalismo e Internacionalismo

OH_V2_Book.indb 172 13/05/16 12:07


Apalaches, em 1767, e alcançou a região do atual estado
BIBLIOTECA DO CONGRESSO, WASHINGTON D.C., Estados Unidos
de Kentucky. Entre 1803 e 1806, Meriwether Lewis e Wil-
liam Clark lideraram um trabalho de reconhecimento do
interior do continente, catalogando espécies da flora e da
fauna. Lewis & Clark contaram com o auxílio de uma indí-
gena, Sacagawea, que atuou como intérprete, mediou as
conversações com os agrupamentos nativos e orientou a
navegação pelos rios. Foi a primeira expedição que cruzou
todo o território e alcançou o litoral do Oceano Pacífico.
Em 1803, o governo dos Estados Unidos negociou,
com a França, a compra da Luisiana, que fora cedida aos
espanhóis em 1762, havia voltado ao controle francês com
a ocupação napoleônica da Espanha). Na década seguin-
te, outra aquisição: a Flórida, até então espanhola, foi ane-
xada ao território estadunidense.
Além da exploração e das negociações, o avanço
incluiu conflitos armados. No final da década de 1840,
a vitória militar numa guerra contra o México permitiu
a incorporação das terras correspondentes aos atuais
estados do Texas, Novo México, Arizona e Califórnia,
além de algumas áreas do Colorado, Idaho e Utah. O ter-
ritório mexicano ficou reduzido a quase metade do que
era e os Estados Unidos passaram a ocupar 9,3 milhões
de km2, mais de dez vezes a área das antigas colônias.
Declaração de Independência, John Binns. Gravura em
pergaminho, Filadélfia, 1819. Os povos indígenas e a Marcha para
Imigração e avanço territorial o Oeste
O avanço territorial reforçava a imagem dos estaduniden-
Nas décadas posteriores à independência, os Estados
ses como conquistadores e alimentava o nacionalismo.
Unidos receberam grande quantidade de imigrantes, que
Em 1826, o livro O último dos moicanos, de Fenimore Coo-
buscavam novas oportunidades e fugiam das dificulda-
per, celebrava a figura do desbravador solitário e indivi-
des econômicas e dos conflitos políticos e religiosos que
dualista, homem capaz de superar obstáculos, enfrentar
abalavam a Europa. Ingleses e irlandeses, por exemplo,
escapavam do novo sistema de produção, que destruí- a hostilidade da natureza e romper limites e fronteiras.
ra o artesanato e implantara as fábricas. Até a metade Um artigo publicado em 1845 criou a expressão que pas-
do século XIX, a população estadunidense multiplicou- saria a designar a ação de conquista: "Destino Manifesto".
se quase cinco vezes, saltando de cerca de 5 para, apro- Nele, o jornalista John O’Sullivan retomava a noção de
ximadamente, 23 milhões de habitantes. Muitos deles "povo eleito", criada pelos primeiros colonos para justifi-
tendiam a se concentrar na faixa norte do litoral atlân- car sua disposição de criar um novo mundo na América.
tico, aproveitando os empregos gerados pela urbaniza- Segundo O’Sullivan, os aventureiros que partiam na dire-
ção e o crescimento industrial. Outros recém chegados, ção do Oeste tinham uma missão a cumprir, determina-
porém, buscavam terras em áreas ainda pouco explora- da por Deus. Cabia-lhes levar o progresso a povos que ele
das. O governo estadunidense acolheu esses imigrantes, considerava "atrasados" – os indígenas.
que aumentavam a mão de obra disponível e ajudavam A "Marcha para o Oeste" lançou homens e mulhe-
a ocupação do território. Em 1862, o Homestead Act esti- res (os "pioneiros") na direção de regiões que os con-
mulou ainda mais a imigração, ao determinar que quem quistadores chamavam de “terra de ninguém”. Essas
trabalhasse e produzisse por cinco anos consecutivos terras, no entanto, eram ocupadas por indígenas. Em
numa determinada terra receberia a posse dela. 1830, o presidente Andrew Jackson (1767-1845) decre-
Desde antes da independência, eram realizadas expe- tou a "Lei de Remoção Indígena", que determinou a
dições de identificação dos territórios a Oeste das colônias. transferência de comunidades de nativos para outras
O explorador Daniel Boone ultrapassou as montanhas partes do território estadunidense: em vários casos,

A construção dos Estados Unidos no século XIX 173

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para uma reserva criada no atual estado de Oklahoma. Vinte anos depois do artigo de O’Sullivan, outro
Alguns grupos chamaram esse deslocamento de Trilha texto, publicado em Nova York, insistia que o Oeste
das Lágrimas. Embora os cálculos sejam incertos, é pro- era o lugar das oportunidades. O jornalista Horace
vável que quase 40 milhões de hectares tenham sido Greeley afirmava: "Go West, young man, and grow up
ocupados por meio da aplicação desse dispositivo legal. with the country" (Vá para o Oeste, jovem, e cresça jun-
As guerras e os aprisionamentos de indígenas tamente com o país). A busca da terra prometida con-
foram outra estratégia dos pioneiros para obter acesso tinuava. Diferentemente dos pioneiros, que viajavam
a novos territórios e às áreas de mineração na Califór- a cavalo, em barcos pelos rios ou em diligências, os
nia. As primeiras notícias da descoberta de ouro circu- conquistadores agora podiam embarcar em trens e
laram no início de 1848. Durante sete anos, até 1855, cruzar mais rapidamente o continente. Em 1869, após
cerca de 300 mil pessoas, de diversas partes do mundo seis anos de construção, foi inaugurada a primeira
e ansiosas pela riqueza rápida, rumaram para lá. Além linha férrea que ligava diretamente, em oito dias, a
dos estadunidenses que viviam próximos do litoral costa do Atlântico à do Pacífico.
atlântico, a corrida do ouro atraiu estrangeiros de todas Eram os novos tempos da conquista do Oeste, mas
as partes do mundo: australianos, chilenos, chineses, o discurso do Destino Manifesto continuava a acom-
franceses, peruanos, suecos e turcos, entre outros. Mui- panhar aqueles que se dispunham a enfrentar o risco.
tos autores atuais analisam um aspecto da corrida do Simultaneamente, como mostram muitos relatos que
ouro que, na época, não era considerado: a devastação chegaram até nós, também prosseguia a violência de
ambiental. Milhões de cavalos selvagens e bisões foram pioneiros e mineradores contra os indígenas, uma vio-
mortos, rios foram contaminados por mercúrio e arsê- lência que envolvia desde seu emprego em trabalhos
OH_V2_C5_p170
nico, substâncias utilizadas na extração do minério. forçados até a dizimação de comunidades inteiras.

MÁRIO YOSHIDA
Estados UNIDOS: TERRITÓRIOS ANEXADOS (1783-1853)
CANADÁ 1842: Tratado entre Estados Unidos e
Inglaterra delimitou as atuais
fronteiras do Maine
Cedido pela
Inglaterra Maine: cedido pela
em 1818 Inglaterra em 1820
Oregon:
cedido pela
Inglaterra
em 1846

Luisiana:
adquirida da França Meio-Oeste
em 1803 estadunidense
Califórnia: Tratado de Paris
território mexicano de 1783 13 Colônias
anexado em 1848 originais

OCEANO OCEANO
Texas:
PACÍFICO Gadsden: território mexicano ATLÂNTICO
adquirido em 1853 anexado em
1845

Flórida:
adquirida da
Espanha em 1818

Golfo do
MÉXICO México N

O L
13 Colônias originais ESCALA
Expansão até 1803 Expansão até 1818 Expansão até 1853 Fortes 0 415 830 km
S

Fonte: Elaborado com base em YANS-MCLAUGHLIN, V.; LIGHTMAN, M. Ellis Island and the Peopling of America. Nova York: The New Press,
1997.

A Guerra de Secessão assalariada. No Sul, o panorama era inverso: prevale-


cia a grande propriedade escravista, herdada do período
(1861-1865) colonial e voltada prioritariamente à exportação.
A economia do Norte baseava-se na pequena proprieda- Desde a elaboração da Constituição, os Estados Uni-
de agrícola e no comércio e vira o nível de industrializa- dos dispunham de mecanismos legais que tentavam
ção crescer bastante desde a independência. No princí- preservar o equilíbrio entre a representação política do
pio do século XIX, quase todos os estados da região já Norte e a do Sul e evitar que a divergência em relação ao
haviam abolido a escravidão e recorriam à mão de obra emprego de mão de obra provocasse uma cisão no país.

174 Capítulo 5  Nações, Nacionalismo e Internacionalismo

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A incorporação de novos estados à União, por exemplo,

MÁRIO YOSHIDA
Estados UNIDOS (1850-1857)
era controlada: a cada novo estado escravista que ingres-
1850
sava, um abolicionista era igualmente aceito. Com o avan- 1850
1850
ço para o Oeste, surgiram muitos estados e, em 1850, o 1850
1850
1850
Congresso aprovou uma lei que autorizava a inclusão livre
de novos estados na União. Norte e Sul passaram a dispu-
tar, a partir de então, alianças com os Estados do Oeste,
para obter o controle do poder legislativo.
Da mesma forma, o crescimento populacional das
duas regiões era desigual e provocava distorções na
ESCALA
representação política. Em 1790, havia praticamen- 0
ESCALA
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ESCALA 1 330 km
0 ESCALA
665 1 330 km
te o mesmo número de moradores (cerca de 2 milhões) 0 ESCALA
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330 km
km
no Norte e no Sul. Setenta anos depois, a população do Estados não 0 escravistas
Estados não escravistas
665 1 330 km
Estados não escravistas
Norte ultrapassava 20 milhões de habitantes e a do Sul Territórios
Estados não
Estados não
Territórios
Territórios
livres
escravistas
escravistas
livres
livres
Estados
Estadosescravistas
não escravistas
não atingia 10 milhões. Territórios
Territórios
Estados
Estados
livres
livres
escravistas
Territóriosescravistas
onde
Territórios
Estados livresa escravidão
escravistas
O equilíbrio entre os dois mundos que conviviam Estados
era legalescravistas
Territórios
era
onde a escravidão
Territórios onde a escravidão
legal onde a escravidão
Estados
era legalescravistas
Territórios
Territórios onde a escravidão
sob a bandeira dos Estados Unidos era cada vez mais era legal
era legal onde a escravidão
Territórios
era legal
precário. No centro do conflito, a questão do trabalho
escravo dividia o país. 1854
1854
1854
1854
A questão tarifária 1854
1854
Norte e Sul também divergiam na definição das tarifas
aplicadas à importação e exportação de produtos. O Norte
defendia a manutenção de barreiras alfandegárias, que
encarecessem a venda de matérias primas para o exterior
e a entrada de produtos industrializados estrangeiros no
país. O objetivo era aproveitar nas suas indústrias as maté- ESCALA
rias primas geradas no Sul e garantir mercado consumidor 0 ESCALA
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1 330 km
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330km
km
para as mercadorias produzidas por suas manufaturas e, 0
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Estados não
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principalmente, por sua indústria têxtil. Estados
Estadosnãonão escravistas
escravistas
Territórios
Estados não livres
escravistas
O Sul, por outro lado, pretendia vender sua imen- Estados não
Territórios
Territórios
Estados
Estados
escravistas
livres
livres
escravistas
não escravistas
Territórios livres
sa produção de algodão para as fábricas britânicas, que Territórios
Estados
Territórios
Territórios
Estados
livres
Estadosescravistas
escravistas
onde
livresa escravidão
escravistas
era legalescravistas
Estados
Territórios
Territóriosonde
ondeaaescravidão
pagavam valores mais altos, e, por meio de acordos com a Estados
era legalescravistas
eralegal
Territórios
Territórios
escravidão
onde a escravidão
recentemente
Territórios
era legal onde a escravidão
Inglaterra, adquirir tecidos a preços mais baixos do que os aberto
era legalà escravidão
Territórios
Territórios
Territórios
era
abertolegal
onde a escravidão
recentemente
recentemente
ààescravidão
Territórios
aberto recentemente
escravidão
praticados pelos industriais do Norte dos Estados Unidos. Territórios
Territórios
aberto
recentemente
aberto à escravidão
recentemente
à escravidão
aberto à escravidão

A questão abolicionista 1857


1857
1857
A defesa do fim da escravidão, pelos nortistas, era uma 1857
1857
opção econômica que não significava que houvesse 1857
menos preconceito racial no Norte do que no Sul dos Esta-
dos Unidos. Diversos registros de violência contra negros
em estados abolicionistas mostram que a ideia de superio-
ridade dos brancos prevalecia em todo o país. A Suprema
Corte estadunidense também endossava o racismo. Um
famoso julgamento (o caso Dred Scott), em 1857, resultou ESCALA
0 ESCALA
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ESCALA 1 330 km
na decisão de que nenhum negro, escravizado ou livre, 00 ESCALA
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330km
km
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poderia ser considerado cidadão estadunidense: 0
Estados não
0
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escravistas
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1 330 km
1 330 km
Estados
Estadosnãonãoescravistas
escravistas
"Na opinião do tribunal, a legislação e a história dos Estados
Estados escravistas
Estados
não escravistas
não escravistas
escravistas Fonte dos mapas: Elaborados
Estados
Territóriosescravistas
recentemente
tempos, e a linguagem usada na Declaração da Indepen- Estados escravistas
Estados não escravistas
aberto àescravistas
Estados
Territóriosescravidão
Territóriosrecentemente
recentemente
com base em BLACK, J. World
Estados escravistas
Territórios
aberto recentemente
abertoààescravidão
history atlas. Londres: Dorling
dência mostram que nem a classe de pessoas importadas Territórios
escravidão
recentemente
aberto à escravidão Kindersley, 2008.
Territórios
aberto recentemente
à escravidão
como escravas, nem seus descendentes, forros ou não, eram aberto à escravidão

A construção dos Estados Unidos no século XIX 175

OH_V2_Book.indb 175 13/05/16 12:07


então reconhecidos como parte do povo, nem se destinavam pre, livres; e o governo executivo dos Estados Unidos,
a ser incluídos nas palavras gerais utilizadas no memorável incluindo sua autoridade militar e naval, reconhece-
instrumento." rá e manterá a liberdade dessas pessoas e não fará
Parecer de Roger B. Taney, presidente da Suprema Corte, sobre o nenhum ato ou atos com o fim de reprimir-lhes os
caso Dred Scott (1857). In: Harold C. Syrett (Org.). Documentos esforços para obter sua verdadeira liberdade."
históricos dos Estados Unidos. São Paulo: Cultrix, 1988. p. 197
Harold C. Syrett (Org.). Documentos históricos dos Estados Unidos.
Mesmo assim, as ideias abolicionistas avançaram no São Paulo: Cultrix, 1988. p. 220.
decorrer do século XIX. O tráfico de escravos foi proibido Dois anos depois, o Congresso aprovou a Décima-Ter-
em 1808. O contrabando, porém, continuou a abastecer ceira Emenda à Constituição, reafirmando o fim da escra-
de mão de obra escrava as fazendas do Sul: em 1860, os vidão. Em abril do mesmo ano, dias após a rendição das
escravizados representavam quase 1/3 da população da tropas confederadas, Lincoln foi assassinado por um sulis-
região. Em 1831, William Garrison fundou o jornal The ta enquanto assistia a uma peça teatral, em Washington.
Liberator, que defendia a abolição. Dois anos antes, um
jovem negro livre, chamado David Walker, já havia insta-

UNIVERSIDADE DA VIRGÍNIA, CHARLOTTESVILLE, Estados Unidos


do os escravizados a se rebelarem contra a dominação de
seus senhores, afirmando que era melhor morrer tentan-
do obter a liberdade do que viver como escravizado. Har-
riet Beecher Stowe publicou, em 1852, A cabana do Pai
Tomás. O livro, que mostrava o cotidiano de negros escra-
vizados no Sul e denunciava a exploração a que eram sub-
metidos, tornou--se o romance mais vendido nos Estados
Unidos no século XIX e mostrou que a questão da escravi-
dão não podia mais ser objeto de negociações entre grupos
com interesses econômicos distintos.

A eleição de Lincoln e a Guerra


O nortista Abraham Lincoln, candidato do Partido Repu- 25.º Regimento de Infantaria Afro-americana,
Acampamento William Penn. Pensilvânia, 1864.
blicano, foi eleito presidente da república em 1860. O
estado da Carolina do Sul, temendo o fim da escravi-
dão, retirou-se imediatamente da União. Outros estados Os negros e a guerra
seguiram a mesma decisão e, no início de 1861, funda- Libertos e escravizados fugidos exerceram diversas fun-
ram uma nova União: os Estados Confederados do Sul. ções, no exército nortista, durante a guerra: cavavam
Lincoln reagiu à secessão e atacou os confederados. Ini- trincheiras, construíam estradas de ferro, participavam
ciava-se a Guerra Civil, ou Guerra de Secessão. do abastecimento de alimentos. Quase duzentos mil
A guerra foi extremamente violenta, durou mais de deles lutaram nas tropas nortistas e cerca de 7 mil che-
quatro anos e encerrou-se com a vitória nortista. No total, garam a receber patente de oficial. Apesar da liberdade,
morreram cerca de 600 mil pessoas na luta. Mais bem eram tratados de forma subalterna em relação aos bran-
equipadas, as tropas do Norte eram abastecidas pelas cos. Sem treinamento prévio, quase sempre mal arma-
fábricas da região e contavam com armamentos mais dos, reunidos em batalhões só de negros e liderados por
modernos e sofisticados (fuzis e revólveres), além de oficiais brancos, eles recebiam muito menos do que sol-
melhores estratégias de comunicação e deslocamento de dados brancos. Apenas em junho de 1864, o Congresso
tropas. A maior parte dos combates transcorreu nas ter- determinou a equiparação salarial. Quando caíam pri-
ras do Sul e, ao final da guerra, muitas plantações estavam sioneiros das forças confederadas, quase sempre eram
devastadas e a economia local, quase falida. mortos. As tropas negras conseguiram vitórias impor-
Ainda durante a guerra, Lincoln aboliu a escravidão: tantes, como a da Batalha de Island Mourin, no Missou-
ri, em 1862, mas também foram vítimas de massacres.
"Que no dia 1.º de janeiro de 1863, todas as pes- Um episódio ocorrido em abril de 1864 – a Batalha do
soas mantidas como escravas dentro de qualquer Forte Pillow – tornou-se tristemente famoso: o general
estado ou de uma designada parte de um estado, Nathan Bedford Forrest, depois de tomar um forte guar-
cujo povo estivesse em rebelião contra os Estados dado pelos nortistas, determinou a execução sumária de
Unidos, fossem, dessa data em diante, e para sem- todos os soldados negros que lá estavam.

176 Capítulo 5  Nações, Nacionalismo e Internacionalismo

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A política de segregação racial políticas de segregação racial. Os negros eram impedi-
dos de frequentar certos cinemas, bares, restaurantes e
A abolição foi importante, mas não criou mecanismos
lojas. Não podiam exercer cargos públicos, portar armas,
para inserir efetivamente os ex-escravizados na socie-
sentar-se junto aos brancos nos transportes coletivos e,
dade estadunidense. A Décima-Quinta Emenda cons-
em alguns casos, eram proibidos de andar na mesma cal-
titucional, de 1870, garantiu o direito de voto a todos
çada que eles. As leis raciais duraram quase um século.
os cidadãos, estendendo a cidadania aos negros. Mas a
Só foram extintas na década de 1960, quando ocorreu,
maioria continuava a exercer funções de baixa remu-
nos Estados Unidos, um amplo movimento de reivindi-
neração e muitos viviam na miséria. No Sul, formaram-
cação de direitos civis.
se grupos de brancos racistas, que passaram a defender

Ku Klux Klan
"Com o fim da Guerra Civil, surgiram no país organiza- nuas ameaças e ações da organização. A Klan foi oficial-
ções secretas, ilegais e paramilitares constituídas exclu- mente dissolvida em 1869, mas nunca desapareceu com-
sivamente por homens brancos. Eram os Cavaleiros da pletamente. (No início do século XX, ressurgiu como uma
Camélia Branca, a Irmandade Branca, a Associação 76 e organização não só antinegros, mas também anticatólica
a bem estruturada Ku Klux Klan. Essas organizações pro- e antissemita. Foi novamente dissolvida oficialmente em
curavam intimidar os negros por meio de assassinatos, 1944. Em 1946, acrescentou a seu leque de intolerância
linchamentos e espancamentos. Faziam pressão para uma forte vertente anticomunista, com foco agudo contra
‘restabelecer a supremacia branca’ nos estados que se os movimentos de Direitos Civis.) Grupos como a Klan con-
encontravam sob o trabalho de reconstrução estabeleci- tavam, muitas vezes, com o apoio (e até a participação)
do pelos nortistas, considerados opressores. A organiza- das autoridades locais favoráveis à 'supremacia branca'."
ção de princípios da Ku Klux Klan data de 1868 e afirma- JUNQUEIRA, Mary. Estados Unidos: a consolidação da nação.
va que pretendia 'garantir socorro aos sulistas derrota- São Paulo: Contexto, 2001. p. 90.
dos" – opondo-se à igualdade do negro tanto social quan-

BETTMANN/CORBIS/LATINSTOCK
to política, defendendo o governo de um homem branco
no país e a manutenção dos direitos constitucionais do
Sul. Os negros eram tidos como incapazes de entender as
leis e considerados 'criaturas violentas e brutais'. Nessa
época, a racista e terrorista KKK definia-se como:
[...] uma instituição de Cavalheirismo, Humanidade,
Misericórdia e Patriotismo; [...] cujos objetivos pecu-
liares são [...] proteger os fracos, inocentes e indefesos
contra as indignidades, injustiças e ultrajes dos sem-lei
– violentos e brutais –, acudir os injuriados e oprimi-
dos, socorrer os sofredores e infelizes e, sobretudo, as
viúvas e órfãos de soldados confederados.
Em algumas cidades sulistas, a situação dos negros Desfile da Ku Klux Klan, Washington D.C., Estados Unidos,
e seus aliados tornou-se abominável, graças às contí- 1925.

Verificação de leitura 3 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 Relacione o nacionalismo estadunidense com a 5 Indique as divergências entre nortistas e sulistas


expansão territorial. → DL/CF/SP/H8/H9/H21/H27 quanto às leis tarifárias. → DL/SP/H9/H21
2 O que foi a Lei de Remoção Indígena? 6 Explique a seguinte frase do texto: "A defesa do fim
→ DL/CF/SP/H8/H10/H21/H27 da escravidão, pelos nortistas, era uma opção econô-
3 Explique a seguinte frase, proferida por Horace mica, que não significava que houvesse menos pre-
Greeley: "Vá para o Oeste, jovem, e cresça juntamen- conceito racial no Norte do que no Sul dos Estados
te com o país". Unidos." → DL/SP/CA/H8/H9/H11/H22
→ DL/CF/SP/CA/H1/H8/H11/H21/H27 7 Caracterize a Ku Klux Klan e a reação dos sulistas à
4 Descreva o impacto ambiental da corrida do ouro e da abolição, após a Guerra de Secessão.
Marcha para o Oeste. → DL/CF/SP/H3/H8/H15/H27/H30 → DL/SP/H8/H11/H21

A construção dos Estados Unidos no século XIX 177

OH_V2_Book.indb 177 13/05/16 12:07


4 A forja da identidade:
quem é brasileiro?

U
m mês antes do 7 de setembro, Evaristo da Veiga já divul-
gava sua música Brava gente , que se tornaria o Hino da
Independência brasileira e que emocionava os patrio-
tas. Tempos depois, portugueses divertiam-se com uma paródia
Brava gente brasileira, que ridicularizava os brasileiros: descendentes de macacos, troca-
ram a bandeira da Cruz de Cristo por uma bandeira com os ramos
Longe vá temor servil;
de tabaco.
Ou ficar a pátria livre, A rivalidade entre brasileiros e portugueses não ficou restrita a
Ou morrer pelo Brasil. competições poéticas de qualidade duvidosa. Ao contrário do que ten-
tou se estabelecer com uma certa visão de História brasileira, que pro-
curou desconsiderar os conflitos e enfatizar as mudanças dentro da
ordem e da normalidade, entre 1822 e 1824 ocorreram uma série de
Trecho do Hino da Independência.
embates pela emancipação política do Brasil.
Como vimos no capítulo 4, no Piauí e na Bahia até 1823 ocor-
reram embates contra as forças militares portuguesas. No caso da
Bahia, a participação popular foi a grande marca desses enfrentamen-
tos. Nas províncias do Grão-Pará, do Maranhão, da Bahia e da Cispla-
MUSEU HISTÓRICO NACIONAL, RIO DE JANEIRO, BRASIL

tina, grupos fiéis ao governo lusitano resistiram à ideia de integrar o


nascente Império do Brasil. A região amazônica permaneceu ligada a
Portugal até agosto de 1823 e presenciou uma série de conflitos arma-
dos entre partidários das duas Coroas até o final de 1824. Na Província
Cisplatina, as forças lusitanas só se retiraram em novembro de 1823.
Em todos os casos, o reconhecimento do novo Estado só foi obtido gra-
ças a ações militares auxiliadas por comandantes ingleses a serviço
do monarca do Brasil.
Ilustração da Bandeira Imperial do Brasil Numa questão, no entanto, os portugueses levavam nítida van-
(1822-1889). Original criado por Jean- tagem sobre seus adversários. A definição dos habitantes do Brasil,
-Baptiste Debret.
que aceitaram d. Pedro I como seu rei, era no mínimo embaraçosa. O
próprio monarca era português, como grande parte de seus funcioná-
rios mais próximos. Por aderirem à causa da pátria, quaisquer portu-
gueses deveriam ser considerados brasileiros? Ou seriam brasileiros
apenas aqueles que haviam nascido no Brasil? E então o novo Estado
MUSEU HISTÓRICO NACIONAL, RIO DE JANEIRO, BRASIL

teria de conceder direitos políticos a indígenas, negros e mestiços? E


seria permitida a escravização de brasileiros?
A definição de brasileiro oferecia ainda algumas outras dificulda-
des. Por vários séculos, havia baianos, cearenses, mineiros, pernam-
bucanos, paulistas e várias outras denominações, de acordo com as
divisões políticas da América portuguesa. O brasileiro era um perso-
nagem recente, cuja significação não dependia apenas de uma apu-
rada reflexão intelectual. O problema era político. A nação não exis-
Ilustração da bandeira do Reino Unido de tia, seria criada a partir das definições jurídicas e imposições sociais
Portugal e Algarves (1816-1821). de seus dirigentes.

178 Capítulo 5  Nações, Nacionalismo e Internacionalismo

OH_V2_Book.indb 178 13/05/16 12:07


No lugar de uma identidade nacional, a cidadania afir-
As definições do mava a identidade da elite brasileira.
Estado nacional Mesmo assim, o Primeiro Reinado (1822-1831) foi
Organizar as bases jurídicas do Brasil era a tarefa a ser marcado pelas lutas entre as elites regionais e os partidá-
enfrentada pelos grupos que encaminharam a Indepen- rios de d. Pedro I. Pode-se dizer que havia dois grandes
dência. Dessa organização surgiria, como produto, a partidos no Brasil: o Partido Brasileiro e o Partido Por-
tuguês. O primeiro dividia-se entre aqueles que deseja-
definição do cidadão brasileiro, a delimitação do terri-
tório nacional e as regras que deveriam orientar o conví- vam maior autonomia política para as províncias – em
vio social. Todas essas questões diziam respeito à cons- geral liderados por representantes do Norte e Nordeste
trução e afirmação do Estado nacional, processo que só e do Rio Grande do Sul – e aqueles que insistiam num
estaria concluído em torno de 1850. maior controle por parte do governo central, de maneira
As divergências entre d. Pedro I e a elite do Cen- a garantir a unidade territorial e a supremacia do Centro-
tro-Sul não tardaram a se revelar. O jovem monarca Sul sobre as demais regiões brasileiras. O segundo par-
pretendia fundar na América um novo Império abso- tido, além das medidas centralizadoras, não afastava a
lutista, enquanto os proprietários e comerciantes bra- hipótese de uma reunificação do Império luso-brasileiro.
sileiros desejavam o estabelecimento de uma Monar- Em 1824, favorecendo o anseio do Partido Portu-
quia Constitucional, em que pudessem interferir guês, estourou em Portugal um movimento antiliberal,
politicamente. O confronto inicial ocorreu na Assem- que restabelecia o absolutismo e derrotava a Revolução
bleia Constituinte , reunida em maio de 1823 e dis-
do Porto. Dois anos depois, faleceu d. João VI, e seu filho
solvida em novembro do mesmo ano por ordem de primogênito, o monarca do Brasil, foi aclamado impe-
d. Pedro I, antes mesmo de concluídos os trabalhos. Foi rador. Pressões portuguesas e brasileiras impediram a
um duro golpe contra as pretensões dos representan- coroação de d. Pedro I, que abdicou do trono em favor de
tes de todas as províncias brasileiras. No ano seguin- sua filha, d. Maria, de apenas 5 anos. Antes desse gesto,
te, o imperador outorgava, ou seja, impunha a primei- o monarca ainda teve forças para outorgar uma Consti-
ra Constituição ao Brasil, na qual, além dos poderes tuição a Portugal, significativamente muito semelhante
Executivo, Legislativo e Judiciário, estava presente
àquela imposta ao Brasil, com o Poder Moderador exer-
o Poder Moderador. Por esse instrumento, o monarca cendo o controle sobre os demais poderes.
controlava as demais instituições: nomeava e demitia

A+ COMUNICAÇÃO
ORGANIZAÇÃO DO ESTADO (CONSTITUIÇÃO DE 1824)
livremente seus ministros e presidentes das províncias,
podia dissolver a Câmara dos Deputados, escolhia sena-
dores e juízes, e interferia nas atribuições da Justiça. A PODER MODERADOR
centralização político-administrativa completava-se Imperador + Conselho de Estado
com a subordinação das províncias ao governo central,
ficando estas, portanto, sem autonomia.
LEGISLATIVO EXECUTIVO JUDICIÁRIO
Inspirado nas regras eleitorais francesas de 1791 e
Câmara Imperador
1795, era adotado o voto censitário. dos Senado + Supremo Tribunal
Ministério de Justiça
A Constituição consagrava o princípio da exclusão Deputados

dos grupos subalternos das instâncias decisórias. Assim,


não tinham direitos políticos os escravizados, os indí- Presidentes
de Províncias
genas, as mulheres e os menores de 25 anos. Restavam Eleitorado
de 2.º grau ou
os homens, divididos em cidadãos ativos, que podiam
S. A. SISSON/CREATIVECOMMONS

de Província Conselhos
votar e se candidatar aos cargos eletivos (de vereador, Provinciais

deputado e senador), e cidadãos não ativos, que não


Eleitorado Câmaras
tinham o direito de voto nem podiam candidatar-se. O de 1.º grau ou Municipais
de Paróquia
principal critério para a participação política era a renda
anual de cada cidadão. Para votar era preciso comprovar
renda de cem mil-réis; para se candidatar a deputado, de
400 mil, e para senador, cujo cargo era vitalício, de 800
Fonte: Elaborado com base em CAMPOS, F. de; DOLHNIKOFF, M. Atlas História do
mil. Não bastava ter nascido no Brasil para ser brasileiro. Brasil. 3. ed. São Paulo: Scipione, 1994. p. 27.

A forja da identidade: quem é brasileiro? 179

OH_V2_Book.indb 179 13/05/16 12:07


Contestações a d. Pedro I A Confederação do Equador (1824)
e a abdicação
A Confederação do Equador é, de certo modo, con-
Outorgada a Constituição brasileira, eclodiu em Per-
tinuidade da Insurreição Pernambucana de 1817.
nambuco a Confederação do Equador (1824), revolta
Diante da mesma conjuntura econômica de queda
republicana dirigida por grupos urbanos e populares dos preços do açúcar e algodão e marcada pelas ten-
de várias províncias do Nordeste contra o regime cen- sões entre comerciantes e produtores rurais, o movi-
tralizado que então se instaurava no país. A radicali- mento foi precipitado pelas características cen-
zação de 1824 superou em intensidade o movimento tralizadoras da Constituição outorgada de 1824.
de 1817 em Pernambuco. Grupos populares assalta- Contando com muitos remanescentes do movi-
vam prédios públicos e manifestavam-se contra a tira- mento de 1817, a revolta desejava estabelecer uma
nia de d. Pedro I, defendendo o estabelecimento de República independente e confederada, contando
com apoio das províncias do Ceará, Rio Grande do
uma federação que congregasse a maior parte das pro-
Norte e Paraíba. Os rebeldes chegaram a convocar
víncias do Nordeste. Reprimida a rebelião, o confron-
uma assembleia constituinte que adotou um mode-
to teve prosseguimento na Câmara dos Deputados, lo de ordenamento jurídico semelhante ao estabe-
reunida a partir de 1826. lecido na Colômbia. As tropas enviadas pelo gover-
O monarca estava cada vez mais isolado. Até mesmo no brasileiro foram combatidas em Recife por briga-
alguns de seus seguidores, como José Bonifácio, passa- das populares formadas por homens livres pobres,
ram à oposição. negros e ex-escravizados. Derrotados também nas
Aproveitando-se das tensões políticas, grupos demais províncias, os últimos remanescentes ren-
dirigentes da Província Cisplatina proclamaram sua deram-se em novembro de 1824. Frei Caneca, um
separação do Império brasileiro e sua incorporação dos principais líderes do movimento, foi fuzilado em
Pernambuco em janeiro de 1825. Num de seus mui-
à República argentina, provocando uma guerra, em
tos escritos, pode-se ler uma dura crítica à centrali-
1824, onde o mal preparado Exército brasileiro foi
zação política do jovem Estado brasileiro:
derrotado. A intermediação da Inglaterra, interessa-
"Nós estamos sim independentes mas não cons-
da no controle da região do Prata, tornou a província
tituídos. Ainda não formamos sociedade imperial,
independente, fazendo surgir a República Oriental do senão no nome […].
Uruguai em 1828. O Brasil só pelo fato da sua separação de Portugal
Enquanto d. Pedro I acumulava fracassos milita- e proclamação da sua independência ficou de fato
res e desgaste político, a oposição entre o Partido Por- independente não só no todo, como em cada uma de
tuguês e o Partido Brasileiro se acentuava. Em março suas partes ou províncias; e estas independentes
de 1831, o antagonismo descambou em luta aberta nas umas das outras.
ruas do Rio de Janeiro. Brasileiros atacaram casas de Ficou o Brasil soberano, não só no todo, como em
cada uma das suas partes ou províncias.
portugueses e estes revidaram atirando-lhes garrafas.
Uma província não tinha direito de obrigar a
A Noite das Garrafadas, como ficou conhecido o episó-
outra província a coisa alguma, por menor que fosse
dio, dava a dimensão da perda de controle por parte do [...]. Portanto, podia cada uma seguir a estrada que
monarca absolutista. bem lhe parecesse; escolher a forma de governo que
No dia 7 de abril, líderes do Exército e represen- julgasse mais apropriada às suas circunstâncias; e
tantes da elite brasileira conseguiram forçar d. Pedro constituir-se da maneira mais conducente à sua felici-
I a abdicar do trono do Brasil em favor de seu filho, dade. Quando aqueles sujeitos do sítio do Ipiranga, no
Pedro de Alcântara, de apenas 5 anos de idade. De seu exaltado entusiasmo, aclamaram a Sua Majestade
volta à Europa, d. Pedro I organizou um exército de e foram imitados pelos aferventados fluminenses [...].
mercenários e conseguiu ainda conquistar o trono Bahia podia constituir-se república; Alagoas,
Pernambuco, Paraíba, Rio Grande, Ceará, e Piauí,
português em 1834. O defensor perpétuo do Brasil tor-
federação; Sergipe d'el Rei, reino; Maranhão e Pará,
nava-se rei de Portugal por alguns meses. No mesmo
monarquia constitucional; Rio Grande do Sul, estado
ano, faleceu em sua terra natal. A elite brasileira, ape- despótico."
sar de dividida, chegava finalmente ao poder em 1831.
FREI CANECA. "Pernambuco". In: Ensaios políticos.
Encerrava-se, assim, o processo de Independência Rio de Janeiro: PUC, 1976. p. 100-101.
do país. (Artigo publicado em 10 de junho de 1824.)

180 Capítulo 5  Nações, Nacionalismo e Internacionalismo

OH_V2_Book.indb 180 13/05/16 12:07


OH_V2_C5_p177
Articulados em torno da corte do Rio de Janeiro, os
MÁRIO YOSHIDA
DIVISÃO POLÍTICA DO BRASIL APÓS
A INDEPENDÊNCIA liberais moderados rapidamente assumiram o controle
do Estado. Inicialmente, em abril de 1831, foi estabeleci-
da a Regência Trina Provisória, composta pelos sena-
dores José Carneiro de Campos e Nicolau de Campos
GRÃO-PARÁ Vergueiro e pelo brigadeiro Francisco de Lima e Silva.
CEARÁ
C Á RIO GRANDE
GRAND
DE
MARANHÃO
ARANHÃO
O
DO NORTE Em junho do mesmo ano, a Assembleia Imperial manti-
PARAÍBA
PIAUÍ
M
B U C O nha o brigadeiro Lima e Silva e elegia outros dois repre-
A ALAGOAS
SERGIPE
sentantes para comporem a Regência Trina Perma-

N
BAHIA

R
P E
nente: os deputados Costa Carvalho e Bráulio Muniz. O
GOIÁS
MATO GROSSO
2&($12
$7/Ç17,&2

MINAS
Ministério da Justiça passava a ser ocupado pelo padre
2&($12
3$&Ì),&2
GERAIS
ESPÍRITO SANTO paulista Diogo Antônio Feijó.
SÃO PAULO
RIO DE JANEIRO
Dois problemas imediatos colocavam-se dian-
Rio de Janeiro

SANTA
te dos novos governantes: dar continuidade ao pro-
Províncias onde ocorriam
CATARINA
RIO GRANDE
conflitos pela independência
cesso de construção do Estado nacional e manter a
Confederação do Equador (1824)
DE SÃO PEDRO
ESCALA Conflito Brasil-Argentina pelo
controle da Província Cisplatina
unidade territorial do país, satisfazendo os grupos
0 495 990 km CISPLATINA
(1824-1828)
regionais de modo a impedir o surgimento de outros
Fonte: Elaborado com base em HOMEM DE MELLO, B. Atlas do Brasil. Rio de movimentos separatistas semelhantes ao ocorrido
Janeiro: Editora F. Briguiet, 1909.
na Província Cisplatina.

A Regência
A situação do Brasil, porém, não era tranquila. Não O público e o privado
havia mais rei, não se dispunha de uma organização Estabelecer um Estado nos moldes europeus não era
militar eficaz, ainda não se completara a organização tarefa fácil numa sociedade escravista como a brasi-
político-jurídica do Estado e, principalmente, não havia leira. O poder público teria de fazer valer determina-
elementos de identidade nacional que integrassem os das leis que se aplicassem a todos os cidadãos, sem dis-
habitantes de seu vasto território. tinção. No entanto, os grandes proprietários de terras
Diante disso, não faltaram aqueles que, logo após a e de escravizados habituaram-se a práticas cotidianas
abdicação de d. Pedro I, desejassem proclamar a Repú- que conflitavam com a existência de um poder público.
blica e estabelecer uma federação, em que as provín-
Aplicavam castigos aos escravizados e controlavam os
cias teriam grande autonomia política em relação ao
homens livres pobres e agregados, impondo seus inte-
governo central sediado no Rio de Janeiro. Eram os
resses nas eleições por meio de fraudes e violências.
liberais exaltados, entre os quais figuravam Cipria-
As lutas entre os grandes proprietários rurais pelo con-
no Barata, Gonçalves Ledo e Borges da Fonseca. Mais
trole de suas regiões eram tratadas como questões de
cautelosos, representantes do Centro-Sul insistiram na
honra pessoal e afirmação de prestígio social. O poder
manutenção da monarquia como uma das estratégias
privado desses senhores, conhecido como mandonis-
para manter a unidade das províncias brasileiras. Nes-
mo local, era o principal obstáculo ao estabelecimento
tas, a maior parte da elite constituía o grupo denomi-
nado liberais moderados, que defendia o fortalecimen- de regras a serem seguidas por toda a sociedade.
to do Parlamento (Câmara dos Deputados e Senado) e Em 1832, numa tentativa de afirmar o domínio da
uma menor autonomia para as províncias. Até 1834, lei sobre costumes tão violentos, o governo central criou
havia ainda um terceiro agrupamento, conhecido como o Código de Processo Criminal, que estabelecia o tri-
caramurus, por causa do nome de um dos jornais que bunal do júri nas localidades e a mesa de qualificação.
veiculavam suas ideias, O Caramuru. Seus componen- Pretendia-se que os crimes fossem julgados pelos cida-
tes eram antigos seguidores de d. Pedro I, que, até a dãos e que um juiz de paz qualificasse os eleitores e can-
morte do imperador, em 1834, alimentavam esperan- didatos, impedindo fraudes eleitorais. Ou seja, que as pes-
ças de restituir-lhe o trono brasileiro. Após essa data, soas que não se enquadrassem nas regras da Constituição
passaram a compor a ala mais conservadora dos libe- fossem impedidas de exercer direitos políticos apenas
rais moderados. para favorecer determinados proprietários de terras.

A forja da identidade: quem é brasileiro? 181

OH_V2_Book.indb 181 13/05/16 12:07


A ideologia do favor A Bahia em armas
No entanto, a composição do júri popular, que definia
Na Bahia, a crise econômica que se manifestava devi-
o resultado do julgamento, estava nas mãos do poder do à retração das atividades canavieiras foi amplia-
local. Os crimes cometidos por um apadrinhado de um da pelo efeito de quatro anos consecutivos de seca,
grande proprietário de terras, por exemplo, nem sem- de 1830 a 1833. Escassez de alimentos, inflação e rei-
pre eram punidos. Em geral, os poderosos interferiam vindicações por aumentos salariais por parte dos tra-
na escolha dos jurados, de maneira a impedir a conde- balhadores urbanos e soldados formavam um quadro
explosivo. Contando com cerca de 70% de negros, a
nação de seus agregados e capangas. Do mesmo modo, o
cidade de Salvador presenciara diversos levantes de
controle da mesa de qualificação definia o resultado das escravizados e de negros livres desde o início do
eleições e não estava a salvo da interferência dos mes- século XIX. Os escravizados eram responsáveis pela
mos poderosos. maior parte dos serviços urbanos da cidade.
Havia uma prática generalizada de trocas de favores. Setores dominantes da província da Bahia mani-
Os mais pobres colocavam-se à disposição dos proprietá- festaram sua oposição à política centralizadora de d.
Pedro I em 1831-1833 com a crise federalista. Na ver-
rios para eliminar seus adversários, servir de curral elei-
dade tratava-se de uma sequência de revoltas inicia-
toral e ajudar em todo o tipo de atividade que reforças- da em 1831 (Revolta do Forte de São Pedro), 1832 (São
se o seu poder. Em contrapartida, recebiam terras para a Félix e Cachoeira) e 1833 (Forte do Mar). Tratava-se de
lavoura, tinham seus filhos batizados pelo senhor, eram uma declaração de autonomia diante do governo do Rio
"protegidos" contra agressões etc. A proximidade com de Janeiro e das demais províncias do Império para a
um proprietário poderoso gerava status social. Por mais formação de uma federação imperial. O movimento foi
debelado em 1832.
pobre e fraco que fosse, um homem livre podia gabar-se
Em janeiro de 1835, negros muçulmanos, escravi-
de sua relação de compadrio com o chefe local. Em geral, zados e libertos iniciaram uma rebelião em Salvador
uma frase caracterizava sua posição: "Você sabe com que atemorizou as classes dominantes. A Revolta dos
quem está falando? Sou compadre de fulano de tal!". Malês, como ficou conhecida, pretendia a libertação
Em um aspecto, sem dúvida, havia certa proximida- dos escravizados em Salvador, o combate à religião
de entre o poderoso e seu cliente. Ambos eram homens católica e o estabelecimento de uma organização islâ-
mica. Planejada desde o ano anterior, os rebeldes fize-
livres, diferentes dos escravizados e, portanto, apesar da
ram circular textos em árabe antes da sua ofensiva. A
distância social, partilhavam de alguma igualdade. A par- denominação "malês" referia-se aos africanos muçulma-
tir dessa igualdade estabelecia-se o favor, a relação de nos escravizados oriundos de regiões de forte presen-
compadrio e, característica do Brasil, a prática de chamar ça islâmica. As punições foram implacáveis. Cinco de
as pessoas pelo diminutivo (Joãozinho, Zezinho, Bragui- seus líderes foram fuzilados e 19 foram condenados a
nha), evidenciando certa intimidade. A ideologia do favor mais de cinquenta anos de prisão. Cerca de 400 negros
livres foram deportados para a África. Após a rebelião,
encobria a relação de poder dos grandes proprietários
os negros de Salvador foram obrigados a portar permis-
sobre os homens livres pobres, criando uma falsa impres- sões e passaportes para circular pelo interior da Bahia.
são de identidade de interesses e proximidade social. Em novembro de 1837 estourava a Sabinada, uma
revolta que retomava o projeto federalista e exigia a
revisão da Constituição de 1824, proclamando o des-
BIBLIOTECA NACIONAL, RIO DE JANEIRO, BRASIL

ligamento da Bahia do governo central até a maiorida-


de de Pedro de Alcântara. No programa da revolta, lide-
rada em sua maior parte por oficiais militares, médicos,
empregados públicos, pequenos comerciantes e arte-
sãos, constava a formação de um Estado transitório,
uma República interina. Em uma semana, a cidade de
Salvador foi tomada pelos rebeldes. Forças do Exército
impuseram um cerco à cidade no início de 1838. Do
outro lado, foram formados batalhões com o recruta-
mento de negros libertos e escravizados, com alfor-
ria coletiva patrocinada pelo governo rebelde. Mesmo
assim, em março de 1838, a revolta foi derrotada pelo
Exército. Os números oficiais apontam 1 258 mortos,
Igreja de Nossa Senhora da Piedade, Salvador, Johann
Moritz Rugendas. Litografia aquarelada extraída de Viagem
quase 3 mil prisioneiros entre os rebeldes e quase 600
Pitoresca através do Brasil, Paris, Engelman et Cie., c. 1835. mortos entre as tropas imperiais.

182 Capítulo 5  Nações, Nacionalismo e Internacionalismo

OH_V2_Book.indb 182 13/05/16 12:07


Negociações e conflitos A formação das oligarquias
Além da fusão do poder público com o poder privado, Em vez de ampliar a cidadania, o governo central resol-
que marcou o Estado brasileiro durante todo o século veu criar, em 1831, uma força paramilitar, a Guarda
XIX, a manutenção do regime escravista e as restrições Nacional. Era uma tentativa de diminuir o poder do
à cidadania impostas pela Constituição de 1824 criavam Exército e, sobretudo, de cooptar os grupos regionais. Só
uma situação ainda mais curiosa. Grande parte da popu- poderiam participar da nova milícia aqueles que deti-
lação não apenas era desprovida de direitos de cidada- vessem uma renda anual mínima de cem mil-réis. Com
nia como também era considerada a antítese, o contrá- isso, os grandes proprietários das diversas regiões pas-
rio de ser brasileiro. Nos países europeus, a nação era saram a ostentar patentes militares. Os mais poderosos
constituída por aqueles que haviam nascido na pátria. eram os coronéis, que incorporavam à Guarda Nacional
Os estrangeiros eram os "outros", muitas vezes adver- seus afilhados e capangas e detinham o comando mili-
sários, quando não inimigos externos combatidos em tar das suas unidades.
guerras. No Brasil, os "outros" eram os escravizados, Mas a medida mais clara no sentido da articulação
tidos como inimigos internos, perigosos, sempre pron- desses grupos regionais foi a instituição, pelo Ato Adi-
tos a algum ato de insubordinação e rebeldia contra cional (1834), das Assembleias Provinciais. Por inter-
seus senhores brancos. Evaristo da Veiga considerava médio delas, era concedido certo grau de autonomia
que cada navio negreiro, ao descarregar escravizados para as províncias, de modo a não provocar um descon-
nos portos brasileiros, despejava uma carga explosiva, tentamento generalizado com o domínio político do Cen-
tro-Sul. Os impostos arrecadados com a exportação de
verdadeiros barris de pólvora prestes a incendiar o país.
gêneros produzidos na província ficavam sob o contro-
Motivados muito mais por esse medo que por razões
le do poder local. Os impostos decorrentes da importa-
filosóficas, alguns membros da elite brasileira começa-
ção de produtos estrangeiros deveriam ser remetidos à
vam a admitir o fim da escravidão.
corte no Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, o governo cen-
Como vimos no capítulo 3, havia liberais que con-
tral abria mão da indicação do vice-presidente das pro-
denavam a escravidão baseados no direito de liberdade
víncias, deixando-a para os grupos regionais, mantendo,
de todos os indivíduos. Mas havia também um grande
no entanto, a escolha dos presidentes provinciais.
número que defendia a escravidão em nome do direito
Estabelecia-se, assim, um sistema político no qual os
de propriedade (a propriedade do escravo pelo senhor),
grupos regionais encontravam, no interior das províncias,
considerando que o direito de liberdade não se aplicava
espaço próprio para a defesa de seus interesses. Tinham
a todos os homens indiscriminadamente.
em comum a perspectiva da exclusão da maioria da popu-
No entanto, a maioria dos burocratas, comercian-
lação do processo político e a manutenção da escravidão.
tes, traficantes de escravos e fazendeiros empenhava-se Apesar das disputas entre setores rivais, ao mesmo tempo
em preservar a ordem escravista duplamente ameaça- que se constituía o Estado nacional, a identidade desses
da. Externamente, a Inglaterra, interessada no controle grupos acabou por constituí-los como oligarquias, ou
do continente africano, pressionava o regime brasileiro seja, grupos de famílias de grandes proprietários, comer-
para o fim do tráfico negreiro. Internamente, era neces- ciantes e poderosos de cada região, que monopolizavam
sário conter, pela força, o risco de insurreições de escra- as funções públicas e exerciam o mandonismo local.
vizados. O Estado nacional seria o principal instrumen- As transações e as negociações que se realizavam
to contra tais ameaças. no interior do Estado nacional não eliminaram as resis-
Assim, enquanto os Estados europeus organiza- tências regionais à dominação das elites do Centro-Sul.
vam seus exércitos a partir do recrutamento de um Em diversas províncias, estouraram revoltas armadas
grande número de cidadãos, o Brasil não dispunha que contestavam o projeto de Estado que então se cons-
de um contingente que pudesse compor suas forças tituía. A manutenção da escravidão, o risco da radica-
militares. A maior parte dos altos postos do Exército lização popular e a repressão militar, desencadeada a
e da Marinha era ocupada por oficiais portugueses, partir do poder central, conseguiram garantir a unidade
que comandavam soldados recrutados entre as cama- política e a hegemonia do Centro-Sul.
das mais pobres das cidades e vilas, em geral mestiços As insatisfações regionais foram vencidas à medi-
que não tinham melhores opções de sobrevivência na da que o jogo político proporcionado pelas Assembleias
sociedade escravista. Provinciais acabou por incorporar as oligarquias na

A forja da identidade: quem é brasileiro? 183

OH_V2_Book.indb 183 13/05/16 12:07


tarefa da construção do Estado brasileiro. Garantidos o des, os representantes do interior, que se opunham às
controle tributário, a faculdade legislativa, o exercício medidas centralizadoras do governo provincial, desfe-
da coerção legal e a dominação social, os grupos oligár- charam uma das mais sangrentas lutas sociais da histó-
quicos passaram a se utilizar dos canais institucionais ria brasileira. As tensões entre esses grupos logo foram
para resolver suas diferenças e atender a seus interes- suplantadas por uma revolta de escravizados e por opo-
ses. A repressão a levantes populares, por outro lado, sições entre mestiços e brancos, transformando o con-
tornou cada vez mais o governo central uma espécie flito numa verdadeira guerra racial. Um dos líderes dos
de garantia da ordem interna escravista. Negociação e mestiços, Manuel dos Anjos Ferreira, conhecido como
conciliação passaram a ditar as relações entre os grupos Balaio, por sua ocupação de artesão de balaios, envol-
rivais e entre os poderes regionais e o poder central. veu-se na rebelião afirmando que as forças governa-
mentais desejavam o extermínio de todos os mestiços.
Revoltas restauradoras A radicalização do movimento, já denominado
e revoltas populares Balaiada, rearticulou os grupos dirigentes que até então
A instabilidade que caracterizou o Período Regencial pode vinham se enfrentando. Era necessário agora dizimar os
ser identificada pelo vasto conjunto de insurreições que quilombos e as milícias compostas por negros e mula-
expressavam as posições políticas divergentes de seto- tos na região. Em março de 1839, na cidade maranhen-
res das elites provinciais. Entre 1831 e 1834, foram pro- se de Caxias, o comandante Luís Alves de Lima e Silva,
movidos levantes que pretendiam reconduzir d. Pedro I depois barão, conde e duque de Caxias, conseguiu ven-
ao trono. Tais revoltas restauradoras eclodiram no Grão- cer os revoltosos. Os líderes populares foram enforcados
-Pará (Agostada, 1831), Rio de Janeiro (Palácio da Quina, e alguns representantes dos grupos dominantes obtive-
1831), Pernambuco (Abrilada, 1832), Ceará (Sedição de ram anistia do governo e puderam reincorporar-se ao
Pinto Madeira, 1831-32), Minas Gerais (Ouro Preto, 1833). jogo político imperial. No entanto, a revolta teve conti-
Em Pernambuco, entre 1832 e 1835, a população nuidade no Piauí até abril de 1841.
rural foi incitada por líderes restauradores que haviam As revoltas populares da Bahia, Pernambuco, Mara-
participado da Abrilada. No entanto, em pouco tempo, nhão, Piauí e Grão-Pará expuseram claramente aos gru-
os cabanos , pessoas humildes, trabalhadores livres pos dominantes regionais os riscos da radicalização e a
pobres, escravizados e indígenas tomaram a frente na necessidade da "ordem imperial".
luta pela terra, concentrada até então nas mãos dos
grandes proprietários. Isso provocou o recuo dos líderes OH_V2_C5_p180
MÁRIO YOSHIDA

REVOLTAS RESTAURADORAS E REVOLTAS


restauradores e a violenta repressão pelo poder central. POPULARES (1831-1841)
Em 1835, outra revolta, de nome semelhante, foi
desencadeada no Grão-Pará. Também iniciada por gru-
pos dominantes da região, a liderança da insurreição
passou à população mais pobre, que vivia em cabanas Balaiada
a
41
1838-1841
à beira dos rios. A Cabanagem foi a mais bem-sucedi-
da revolta popular do período, levando os rebeldes ao Belém (1831)

governo e ao controle total da província. Fortaleza (1831-32)

Em questão, mais uma vez, estavam o poder econô-


mico e político de uma minoria, e as péssimas condições
de vida da população escrava, indígena e mestiça, que Revoltas
restauradoras
restauradora
Recife (1832)

se organizou numa força militar composta por cerca de


5 mil homens. Estima-se que 30% da população da pro-
víncia, de cerca de cem mil pessoas, tenham sido dizi-
madas nessa verdadeira guerra civil vencida pelas for-
ças leais ao governo do Rio de Janeiro em 1840.
Em 1838, iniciava-se no Maranhão e no Piauí uma 1833

luta entre facções rivais dessas províncias: de um


ESCALA
lado, os grupos ligados ao governo provincial de São 0 650 1300 km
1831
Luís e, de outro, proprietários do interior maranhen-
Fonte: Elaborado com base em CAMPOS, F.; DOLHNIKOFF, M. Atlas História do
se e piauiense. Com uma força de cerca de 9 mil rebel- Brasil. 3. ed. São Paulo: Scipione, 1994. p. 27.

184 Capítulo 5  Nações, Nacionalismo e Internacionalismo

OH_V2_Book.indb 184 13/05/16 12:07


A Revolta Farroupilha (1835-1845) riais puderam concentrar seus esforços contra a Farrou-
pilha. Após dez anos de guerras, a revolta foi enfraqueci-
A hegemonia do Centro-Sul foi questionada pelos gru-
da pelas tropas imperiais lideradas pelo barão de Caxias,
pos dominantes do Rio Grande do Sul de 1835 a 1845.
que negociou as bases do acordo de paz. Entre elas, o
Descontentes com a política tributária do governo cen-
pagamento de dívidas do governo republicano a cargo da
tral, os gaúchos rebelaram-se por duas razões. Primei-
monarquia, a incorporação de oficiais rebeldes ao Exér-
ro porque o Ato Adicional não lhes deu a autonomia que
cito imperial com os mesmos postos de comando e anis-
desejavam e permitia a indicação do presidente da pro-
tia aos prisioneiros farroupilhas. Sob a força das armas
víncia pelo governo central. Nesse sentido, o projeto
e por um acordo com a elite do Centro-Sul, os gaúchos
político era semelhante ao de outros movimentos fede-
incorporavam-se definitivamente ao Império brasileiro.
ralistas que eclodiram no Nordeste do Brasil. Em segun-
do lugar, devido aos pesados tributos cobrados pelo
governo central e pela falta de medidas protecionistas O avanço conservador
para a principal atividade econômica da província, o
Ao final da década de 1830, o quadro político brasileiro
charque (carne-seca). Eram cobradas altas taxas sobre o
começava a se modificar. Derrotados ou convencidos dos
sal importado, necessário para a produção do charque.
riscos da radicalização política e da necessidade de um
Por outro lado, o imposto cobrado sobre o concorrente
poder central, os liberais exaltados foram perdendo sua
charque uruguaio, era considerado pequeno, o que afe-
importância. Por outro lado, a divisão interna dos libe-
tava os interesses dos produtores gaúchos.
rais moderados era cada vez mais evidente. Uma tendên-
Das revoltas de grandes proprietários, a Farroupi-
cia mais conservadora pretendia acabar de vez com as tur-
lha, que ocorreu no Rio Grande do Sul, foi a que cau-
bulências revolucionárias e estabelecer um controle mais
sou maior impacto, devido aos dez anos de guerra civil
efetivo sobre o país, por meio da centralização do poder.
e ao estabelecimento de uma República independente
Desde 1835, o chefe do governo era o liberal modera-
do Brasil. Farroupilha era o nome dado a quem se ves-
do Diogo Feijó, eleito para a Regência Una para um man-
tia com farrapos. Nessa época, acabou assumindo tam-
dato de quatro anos. Em 1837, diante do fortalecimento
bém o significado de grupo radical, isso porque Cipria-
dos conservadores, Feijó foi obrigado a renunciar, sendo
no Barata costumava desfilar pelas ruas de Lisboa com
substituído por Araújo Lima. Nesse ano, as duas tendên-
chapéu de palha e trajes simples e típicos, renegando cias formaram os dois grandes partidos do regime monár-
assim a tradição europeia e afirmando sua brasilidade. quico: o Partido Liberal e o Partido Conservador. Fora do
A revolta teve início em setembro de 1835. Em poder, os liberais passaram a defender a decretação da
1836, os rebeldes tomaram o poder na província e pro- maioridade de Pedro de Alcântara como forma de resistir
clamaram a República Rio-Grandense, que, no entan- ao avanço conservador, liderando um movimento que, em
to, mantinha a escravidão e estabelecia o voto cen- 1840, conseguiu coroar d. Pedro II com 14 anos de idade.
sitário, regras semelhantes às da monarquia. Os seus A intenção dos liberais era contar com o apoio do rei, visto
principais líderes eram Bento Gonçalves (proprietário que eles o haviam colocado no trono. Em contrapartida,
de terras e deputado provincial, escolhido como o pre- os conservadores temiam ir contra o movimento, pois,
sidente da República), o marinheiro italiano Giuseppe assim, estariam contra o próprio imperador.
Garibaldi (conhecido como "o herói dos dois mundos"
por ter participado também do processo de unificação Medidas centralizadoras
da Itália) e Davi Canabarro (proprietário de terras e O golpe da maioridade representou uma vitória parcial
sucessor de Bento Gonçalves no comando farroupilha dos liberais. Meses antes da coroação, os conservadores
a partir de 1843). conseguiram aprovar medidas que diminuíram a auto-
Entre as diversas personagens da Farroupilha des- nomia do poder provincial. Logo em 1841, d. Pedro II e
taca-se também Anita Garibaldi. Nascida em Laguna os conservadores encaminharam uma reforma política
(SC), tornou-se companheira de Giuseppe Garibaldi, pela qual o governo central passava a indicar os juízes e
participando com ele em combates e campanhas milita- os delegados de polícia das localidades. O risco da frag-
res no Brasil, Uruguai e na Itália. mentação do território brasileiro, exemplificado pelas
Em 1839, os revoltosos conseguiram expandir o seu inúmeras revoltas, justificava a centralização política. O
movimento à província de Santa Catarina, onde funda- Poder Moderador falava mais alto.
ram a República Juliana. No entanto, com a pacificação Por intermédio de símbolos monárquicos e das baio-
da maior parte das províncias em 1840, as forças impe- netas do Exército e da Guarda Nacional, o Estado conseguia

A forja da identidade: quem é brasileiro? 185

OH_V2_Book.indb 185 13/05/16 12:07


impor-se e cooptar os representantes das várias regiões nha um olhar desconfiado sobre o conjunto da popula-
brasileiras. Em 1842, a Revolta Liberal foi sufocada em ção, considerada bárbara e selvagem, o que justificava
São Paulo e Minas Gerais. Liderada pelo ex-regente Diogo sua atitude paternalista e autoritária em relação a ela.
Feijó, constituiu uma tentativa de reagir ao avanço conser- Em nome da civilidade oligárquica, era tempo de
vador. Três anos mais tarde, a Revolta Farroupilha, no Rio "civilizar" o Brasil e de minimizar o problema da nação
Grande do Sul, foi definitivamente encerrada. Uma última brasileira, composta por uma imensa maioria de negros,
revolta explodiu em Pernambuco em 1848. Foi a Revolta indígenas e mestiços, e dirigida por uma minoria que se
Praieira, caracterizada pela luta política de facções rivais considerava superior por sua herança europeia. Apesar
na província. Derrotados os liberais mais radicais, o poder de independente, o país ainda era o "inferno dos negros
foi partilhado por conservadores e liberais articulados com e o purgatório dos brancos".
a corte do Rio de Janeiro.
Faça
Consolidação do Estado nacional Tá ligado?! em se
cadernu
o
Em torno de 1850, o Estado nacional estava consolida-
(Cesgranrio-RJ) A formação do Estado nacional, no
do. As oligarquias já integradas às regras do jogo políti-
Brasil, foi marcada por confrontos e períodos de
co não representavam mais riscos de desagregação do estabilidade. A esse respeito, assinale a opção que
país. As revoltas haviam sido debeladas e o projeto polí- expressa corretamente uma etapa da história políti-
tico do Centro-Sul, de integração nacional com relativa ca do Império.
autonomia regional, havia saído vitorioso, articulando o a) O Ato Adicional de 1834 reafirmou a concepção
poder privado às estruturas do poder público. centralista do Império abalada com a abdicação
Sem base popular e sem apoio de um setor nume- de d. Pedro I.
ricamente significativo, o clientelismo resolveu o pro- b) O Segundo Reinado, em sua primeira fase (1840-
blema da legitimidade do Estado nacional. Por meio -1850), foi marcado por medidas centralizadoras
de uma aparente representatividade eleitoral, o poder e pela derrota dos últimos movimentos revolucio-
público oferecia vantagens, benefícios e empregos a nários.
seus aliados, que os distribuía a seus afilhados e clien- c) A maioridade marcou a derrota do grupo político
tes. Ser compadre de um coronel poderia render alguma regressista, na medida em que instituiu o poder
ocupação burocrática ou permitir transpor a fronteira absoluto ao imperador.
entre a miséria e a sobrevivência tutelada pelos podero- d) A Conciliação, aliança de liberais e conservadores,
sos. Por seu lado, a clientela garantia as fraudes eleito- garantiu a efetivação do ideário democrático dos
primeiros.
rais, ingrediente fundamental na montagem de maiorias
e) As rebeliões provinciais, como a Farroupilha (RS)
parlamentares que permitiram a estabilidade política do
e a Balaiada (MA), expressaram a reação restau-
Segundo Reinado. radora das oligarquias contra o liberalismo do
Em 1853, d. Pedro II empossou um novo ministério, governo regencial.
composto por lideranças liberais e conservadoras. Signi-
→ DL/SP/H8
ficativamente ele ficou conhecido como o Ministério da
→ conforme tabelas das páginas 8 e 9.
Conciliação. Tarefas cumpridas, a elite dirigente manti-

Verificação de leitura 4 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 D. Pedro I impôs a Constituição de 1824 à socieda- principais agrupamentos políticos brasileiros desde
de brasileira. Quais eram as principais característi- o movimento da independência até a formação dos
cas dessa Constituição? → DL/SP dois grandes partidos do regime monárquico.
2 O que é mandonismo local? → DL/SP/H9/H11/H12 → DL/SP
3 Quem eram os inimigos internos do Brasil do ponto 6 Faça uma linha do tempo sobre o processo de cons-
de vista dos grupos regionais? → DL/SP/H11 trução do Estado nacional. Inclua os principais perío-
dos e distribua as revoltas de forma cronológica.
4 Quais foram os instrumentos de cooptação dos gru-
pos regionais estabelecidos a partir de 1831? Como → DL/SP/CA/H9/H11
funcionava tal cooptação? → DL/SP/H8/H9/H11 7 O Estado brasileiro estava consolidado em torno de
5 Faça um esquema no qual estejam presentes os 1850. Justifique tal afirmação. → DL/SP/H8

186 Capítulo 5  Nações, Nacionalismo e Internacionalismo

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Um Outro Olhar Antropologia
SABE COM QUEM ESTÁ FALANDO?
"Pelo reconhecimento social extensivo e intensivo em Mas, para tornar a situação complicada, havia muitos
todas as camadas, classes e segmentos sociais, em jor- casos em que o 'sabe com quem está falando?' tinha sido
nais, livros, histórias populares, anedotário e revistas, a usado por um inferior (ou subalterno) contra outra pessoa
forma de interação balizada pelo 'sabe com quem está qualquer, como identificação social vertical mediatizan-
falando?' parece estar mesmo implantada – ao lado do do o uso da fórmula, isto é, com o subordinado tomando a
carnaval, do jogo do bicho, do futebol e da malandragem – projeção social do seu chefe, patrão ou empregador, como
no nosso coração cultural. […] uma capa de sua própria posição. Desse modo, são fartos
Outro traço do 'sabe com quem está falando?' é que os exemplos do empregado usando o ritual de afastamen-
a expressão remete a uma vertente indesejável da cultura to do seguinte modo 'sabe com quem está falando? Eu sou o
brasileira. Pois o rito autoritário indica sempre uma situa- motorista do Ministro!' (ou do General Fulano de Tal! ou do
ção conflitiva, e a sociedade brasileira parece avessa ao Chefe do SNI!). Um caso colhido por um dos meus colabo-
conflito. Não que com isso se elimine o conflito. Ao contrá- radores e narrado pelo próprio empregado (uma domésti-
rio, como toda sociedade dependente, colonial e periférica, ca) é um excelente exemplo dessas reações verticais inten-
a nossa tem um alto nível de conflitos e de crises. Mas entre sas, em que existe a projeção de posição social: 'Eu tomava
a existência da crise e o seu reconhecimento existe um conta de uma fazenda de um coronel e seus subordinados
vasto caminho a ser percorrido. Há formações sociais que gozavam da casa. Um, por causa de uma mudança de quar-
logo buscam enfrentar as crises, tomando-as como parte to, resolveu perguntar se eu sabia com quem estava falan-
intrínseca de sua vida política e social, enquanto, em outras do. Mas, quando chegou o coronel, eu perguntei a ele quem
ordens sociais, a crise e o conflito são inadmissíveis. Numa mandava na casa e ele disse que era eu e o 'com quem tá
sociedade a crise indica algo a ser corrigido; noutra, repre- falando' teve de pedir desculpas'.
senta o fim de uma era, sendo sinal de catástrofe. Tudo indi- O poder de tais usos e a nossa familiaridade com essa
ca que, no Brasil, concebemos os conflitos como pressá- forma de identificação social revelam seu impacto e a sua
gios do fim do mundo, e como fraquezas – o que torna difí- frequência no cenário brasileiro. […] Quanto mais alta sua
cil admiti-los como parte de nossa história, sobretudo nas posição, mais impacto ganha o uso do 'sabe com quem está
suas versões oficiais e necessariamente solidárias. […] falando?' pelos seus inferiores, pois o fenômeno relevante é
[…] Ora, o que o estudo do 'sabe com quem está falan- o da projeção da posição social para mais de um indivíduo,
do?' permite realizar é a descoberta de uma espécie de revelando como em certas formações sociais uma determina-
paradoxo numa sociedade voltada para tudo o que é uni- da posição social pode recobrir mais que um indivíduo, ten-
versal e cordial, a descoberta do particular e do hierarqui- dendo a ser tomada como uma verdadeira instituição. […]"
zado. E essa descoberta se dá em condições peculiares: há DAMATTA, R. Carnavais, malandros e heróis.
uma regra que nega e reprime o seu uso. Mas há uma práti- Rio de Janeiro: Rocco, 1994. p. 182-191.
ca igualmente geral que estimula seu emprego. […] Assim,
o carnaval é gritado e o 'sabe com quem está falando?', Roberto DaMatta(1936-), historiador e antropólogo, é um
escondido. Um é assunto de livros e de filmes; o outro, de dos mais destacados intelectuais brasileiros contemporâneos.
eventuais artigos antropológicos, não sendo posto no rol É autor de diversos livros, artigos e ensaios sobre traços
das coisas sérias e agradáveis, como o futebol, o jogo do comportamentais brasileiros, futebol e Carnaval.
bicho e a cachaça. […]
Faça
em se → conforme tabelas das páginas 8 e 9.
cadernu
o

1 Explique por que a expressão " você sabe com quem 3 A expressão "você sabe com quem está falando?" está
está falando?" remete a uma vertente indesejável da incorporada nas diversas camadas sociais brasileiras
cultura brasileira. → DL/CF/H1/H3/H23 nos dias de hoje. Dê um exemplo. → DL/CF/SP/H11
2 Que paradoxo é possível descobrir com o estudo 4 Qual é o traço de permanência do "você sabe com
dessa expressão? → DL/CF/H1/H3/H23 quem está falando?" do século XIX nos dias atuais?
→ DL/CF/SP/H3

A forja da identidade: quem é brasileiro? 187

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Engenho Arte
Engenho E Arte
Leitura complementar

[Escravidão e vida privada]


"Nos confins da língua latina e do direito romano, a ticular cuja posse e gestão demandam, reiteradamente,
palavra privus (particular) deu origem a duas varian- o aval da autoridade pública.
tes, privatus (privado) e privus-lex ou privilegium (lei […] o escravismo não se apresenta como uma herança
para um particular, privilégio). Essas variantes fundem- colonial, como um vínculo com o passado que o presente
-se de novo num só significado no contexto do escravis- oitocentista se encarregaria de dissolver. Apresenta-se, isto
mo moderno, no qual o direito – o privilégio – de pos- sim, como um compromisso para o futuro: o Império reto-
suir escravos incide diretamente sobre a concepção da ma e reconstrói a escravidão no quadro do direito moder-
vida privada. Como na Colônia, a vida privada brasilei- no, dentro de um país independente, projetando-a sobre a
ra confunde-se, no Império, com a vida familiar. Resta contemporaneidade."
que, no decorrer do processo de organização política e ALENCASTRO, L. F. de (Org.). "Vida privada e ordem privada no
jurídica nacional, a vida privada escravista desdobra- Império". In: NOVAIS, F. (Coord.). História da vida privada no Brasil.
São Paulo: Companhia das Letras, 1997. v. 2. p. 16-17.
-se numa ordem privada prenhe de contradições com a
ordem pública. Manifesta-se a dualidade que atravessa Luís Felipe de Alencastro(1946-), historiador, professor da
todo o Império: o escravo é um tipo de propriedade par- Sorbonne, é um dos principais historiadores brasileiros da
atualidade, especialista em História do Brasil.

Faça
em se → conforme tabelas das páginas 8 e 9.
cadernu
o

1 Sobre qual privilégio sustentava-se a vida privada no tui numa herança colonial? Qual é o papel do Estado
Brasil do século XIX? Por quê? → DL/SP/H11 nacional na manutenção do escravismo?

2 Quais eram as contradições entre a ordem privada e a → DL/CF/SP/H8/H9/H11


ordem pública no Período Imperial brasileiro? 4 O brasileiro pode ser considerado um povo pacífico? O
→ DL/SP/H9/H11 Brasil era um país pacífico no século XIX? Justifique a
3 Por que, para Alencastro, a escravidão não se consti- sua resposta. → DL/CF/SP/CA/H9

Faça
Mãos à Obra em se
cadernu
o

1 (UFRJ) "Qualquer historiador reconhece-a imediata- a) Exponha um resultado da forte participação ope-
mente: as barbas, as gravatas esvoaçantes, os cha- rária, já de base socialista, na derrubada do "rei
péus dos militantes, as bandeiras tricolores, as barri- burguês". → DL/SP/H11
cadas, o sentido inicial de libertação, de imensa espe- b) Explique as palavras de Hobsbawm sobre a dura-
rança e confusão otimista. Era a 'primavera dos povos' ção da "primavera dos povos". → DL/CF/SP/CA/H9
– e, como a primavera, não durou."
2 (Unicamp-SP) A Unificação Italiana mesclou as lutas
HOBSBAWM, Eric J. Era do capital. nacionais com as reivindicações dos camponeses que
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. p. 33.
queriam o fim do laço de servidão e o acesso à terra.
As revoluções de 1848 tiveram seu início na França, Mas essas reivindicações não foram atendidas.
em fevereiro daquele ano, com a derrubada do "Rei De que forma a unificação beneficiou a população do
Burguês", Luís Filipe, e se estenderam por diversos norte da Itália em detrimento dos camponeses do sul?
Estados europeus em pouco tempo. → DL/CF/SP/H8/H9/H11

188 Capítulo 5  Nações, Nacionalismo e Internacionalismo

OH_V2_Book.indb 188 13/05/16 12:07


3 (UFRJ) A historiografia tradicionalmente conside- b) Discuta o desfecho da experiência revolucionária
ra a revolução de 1848, na França, como um divisor de governo dos partidários da Comuna.
de águas na história dos movimentos populares euro- → DL/ CF/SP/CA/H1/H2/H9/H11/H13/H15
peus do século XIX. 6 (Unicamp-SP) Referindo-se aos acontecimentos ocor-
Justifique tal afirmativa. → DL/CF/CA/H11/H13 ridos em Paris no ano de 1871, assim se expressou um
militante socialista: "Eis o que significaram os aconte-
MUSEU CARNAVALET, PARIS, FRANÇA

cimentos de 18 de março. Eis por que esse movimento


é uma revolução, eis por que todos os trabalhadores o
reconhecem e aclamam".
a) A que movimento político a citação faz referência?
→ DL/CF/SP/H1/H9/H11/H13/H15
b) Explique o que foi esse movimento.
→ DL/CF/SP/H1/H9/H11/H13/H15
c) Qual foi sua importância para o movimento socia-
lista até o período inaugurado com a Revolução
Russa de 1917? → DL/CF/SP/H1/H9/H11/H13/H15
7 (Enem) A Confederação do Equador contou com a
participação de diversos segmentos sociais, incluindo
os proprietários rurais que, em grande parte, haviam
apoiado o movimento da independência e ascensão
Assembleia Nacional (Debates de 1848), anônimo.
de d. Pedro I ao trono. A necessidade de lutar contra
Litografia colorida, século XIX.
o poder central, fez com que a aristocracia rural mobi-
4 (Unesp) Antes de 1871, a Alemanha não era pro- lizasse as camadas populares, que passaram então a
priamente um país, mas um território politicamente questionar não apenas o autoritarismo do poder cen-
dividido em trinta e nove pequenos Estados. Porém, tral mas o da própria aristocracia da província. Os
desde 1834, o seu mercado encontrava-se unificado líderes mais democráticos defendiam a extinção do
através do "Zollverein". E foi sobre essa base que se tráfico negreiro e mais igualdade social. Essas ideias
construiu o Império Alemão em 1871. assustaram os grandes proprietários de terra que,
temendo uma revolução popular, resolveram se afas-
a) Cite o Estado alemão que liderou a mencionada
tar do movimento. Abandonado pelas elites o movi-
unificação. → DL/CF/SP/H1/H2
mento enfraqueceu e não conseguiu resistir à violen-
b) Esclareça no que consistiu o "Zollverein". ta pressão organizada pelo governo imperial.
→ DL/CF/H7/H8/H9/H10
FAUSTO, B. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1996. (adaptado)
5 (UFPR) O texto a seguir narra o episódio da proclama-
ção da Comuna de Paris em 1871. Com base no texto, é possível concluir que a com-
posição da Confederação do Equador envolveu, a
"Faz-se silêncio, as pessoas escutam. Os membros
princípio:
do Comitê Central e da Comuna, com o lenço verme-
a) Os escravos e os latifundiários descontentes com
lho a tiracolo, acabam de subir ao palanque. Ranvier:
o poder centralizado.
'O Comitê Central entrega seus poderes à Comuna.
Cidadãos, meu coração está tão transbordante de ale- b) Diversas camadas, incluindo os latifundiários, na
gria, que não posso pronunciar um discurso. Permiti- luta contra a centralização política.
-me apenas glorificar o povo de Paris pelo grande exem- c) As camadas mais baixas da população rural, mobi-
plo que acaba de dar ao mundo'. [...] Os tambores rufam. lizadas pela aristocracia, que tencionava subjugar
Os músicos, duzentas mil vozes, recomeçam a entoar a o Rio de Janeiro.
Marselhesa, não querem mais discursos. Em uma opor- d) As camadas mais baixas da população, incluindo
tunidade, Ranvier mal consegue bradar: 'Em nome do os escravos, que desejavam o fim da hegemonia
povo, é proclamada a Comuna!'" do Rio de Janeiro.
e) As camadas populares, mobilizadas pela aristo-
LISSAGARAY, Prosper-Olivier. A história da Comuna de 1871.
São Paulo: Ensaio, 1991. p. 118. cracia rural, cujos objetivos incluíam a ascensão
de d. Pedro I ao trono.
a) Analise o contexto histórico que permitiu a pro-
clamação da Comuna na França de 1871. → DL/CF/H9/H10/H15
→ DL/CF/SP/CA/H1/H2/H7/H9/H11/H13

Engenho e Arte 189

OH_V2_Book.indb 189 13/05/16 12:07


8 As imagens que se seguem foram feitas no século XIX pelo pintor alemão Johann Moritz Rugendas e coletadas no seu
livro Viagem pitoresca através do Brasil, Paris, Engelman, c. 1835.

BIBLIOTECA NACIONAL, RIO DE JANEIRO, BRASIL


BIBLIOTECA NACIONAL, RIO DE JANEIRO, BRASIL

Habitantes de Minas Gerais. Litografia aquarelada. Habitantes de Goiás. Litografia aquarelada.


BIBLIOTECA NACIONAL, RIO DE JANEIRO, BRASIL

BIBLIOTECA NACIONAL, RIO DE JANEIRO, BRASIL


Festa de Nossa Senhora do Rosário, padroeira dos negros. Enterro. Litografia aquarelada.
Litografia aquarelada.
BIBLIOTECA NACIONAL, RIO DE JANEIRO, BRASIL

BIBLIOTECA NACIONAL, RIO DE JANEIRO, BRASIL

Costumes de São Paulo. Litografia Costumes da Bahia. Litografia aquarelada.


aquarelada.

190 Capítulo 5  Nações, Nacionalismo e Internacionalismo

OH_V2_Book.indb 190 13/05/16 12:07


no sentido de uma junção de forças e de objetivos entre

BIBLIOTECA NACIONAL, RIO DE JANEIRO, BRASIL


balaios e negros insurrecionados. [...] O processo revolu-
cionário da Balaiada, iniciado sob a tutela ideológica do
Partido Liberal da província, sofreu significativas mudan-
ças na sua dinâmica. [...] O perigo atingia agora o próprio
sistema escravista e as bases da sua sociedade.
Os principais setores livres da sociedade maranhense – a
elite agrária-urbana e a camada livre, mas pobre – tive-
ram comportamentos diferenciados em relação à rebel-
dia negra. Inicialmente, os líderes revelam de forma indis-
cutível a não aceitação do escravo no movimento que ini-
ciavam. [...] Mas a ampliação da revolta e a sua própria
dinâmica afetaram não só as lideranças rebeldes como
o comportamento político da elite provincial. Algumas
posições rebeldes radicalizaram-se: rejeição aos liberais
como mentores teóricos da luta e maior vinculação com
os negros numa luta de 'homens de cor' contra os brancos.
O reajuste no comportamento da elite deu-se no sen-
tido da defesa do sistema escravista. Embora, através
Costumes do Rio de Janeiro. Litografia
dos manifestos, os balaios não tenham questionado o
aquarelada.
sistema da propriedade da terra, a percepção do peri-
BIBLIOTECA NACIONAL, RIO DE JANEIRO, BRASIL

go partia da possibilidade de junção das forças rebel-


des aos escravos. Nesse momento, a ação governamen-
tal passa a contar com o apoio dos proprietários rurais,
até então reticentes. A identificação de interesses apro-
xima conservadores e liberais, que apoiam a solução de
força adotada pelo governo."
SANTOS, Maria Januária Vilela. A Balaiada e a insurreição de
escravos no Maranhão. São Paulo: Ática, 1983. p. 105-107.
a) Como os principais setores da elite agrária mara-
nhense se comportaram diante da rebeldia negra?
→ DL/H1/H9/H11/H15/H22/H24
b) Como tal questão permitiu uma aproximação de
determinados setores rebeldes com o governo
imperial? → DL/CF/H9/H11/H15/H22/H24
10 (UFJF-MG) Leia, atentamente, a citação a seguir e res-
ponda:
"Marx defendia a necessidade da ação política e da
Missa na Igreja de Nossa Senhora da conquista do poder pelo proletariado organizado em
Candelária. Litografia aquarelada. um partido político. Bakunin propunha a necessida-
de da solidariedade e a prática da revolução, ou seja,
Para sua análise, siga as orientações: a realização da revolução. Bakunin considerava que a
a) Descreva cada tipo étnico retratado. manutenção do Estado, mesmo que na forma da dita-
→ DL/CF/SP/H1/H5/H11 dura do proletariado, acabaria levando à formação de
b) Descreva as ações retratadas. uma nova classe exploradora e privilegiada, que per-
petuaria a opressão econômica e política do Estado."
→ DL/CF/SP/H1/H6/H11
TOLEDO, Edilene. Travessias revolucionárias.
c) Qual é a principal característica do Brasil do sécu- Campinas: Ed. Unicamp, 2004. p. 100.
lo XIX observada nas imagens? Como tal caracte-
a) Bakunin e Marx representaram duas correntes
rística foi encaminhada na Constituição de 1824?
ideológicas de contestação da ordem liberal bur-
Ela ainda se mantém nos dias de hoje? Justifique
guesa na segunda metade do século XIX. Qual é o
sua resposta. → DL/CF/SP/H1/H5/H8/H11
nome das duas correntes? → DL/SP/H9
9 Leia o texto abaixo e responda às questões propostas. b) Explique, com suas palavras, o que defendia o
"Na dinâmica de luta durante a Balaiada, a possibilidade movimento idealizado por Bakunin. → DL/SP
de aproximação entre os setores escravo e livre progrediu

Engenho e Arte 191

OH_V2_Book.indb 191 13/05/16 12:07


11 (Enem) "Um aspecto importante derivado da natureza político de votar aos cidadãos brasileiros, inclu-
histórica da cidadania é que esta se desenvolveu dentro sive às mulheres.
de um fenômeno, também histórico, a que se denomina c) No fato de os direitos civis terem sido prejudica-
Estado-Nação. Nessa perspectiva, a construção da cida- dos pela Constituição de 1988, que desprezou os
dania na modernidade tem a ver com a relação das pes- grandes avanços, que, nessa área, havia estabele-
soas com o Estado e também com a nação." cido a Constituição anterior.
CARVALHO, J. M. "Cidadania no Brasil: o longo caminho". d) No Código de Defesa do Consumidor, ao pretender
In: Civilização Brasileira. Rio de Janeiro, 2004. (adaptado) reforçar uma tendência que se anunciava na área
Considerando-se a reflexão acima, um exemplo rela- dos direitos civis desde a primeira Constituição
cionado a essa perspectiva de construção da cidada- Republicana.
nia é encontrado: e) Na Constituição de 1988, que, pela primeira vez
a) Em d. Pedro I, que concedeu amplos direi- na história do país, definiu o racismo como crime
tos sociais aos trabalhadores, posteriormente inafiançável e imprescritível, alargando o alcance
ampliados por Getúlio Vargas com a criação da dos direitos civis.
Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). → DL/CF/SP/H3/H9/H11
b) Na Independência, que abriu caminho para a
democracia e a liberdade, ampliando o direito

Faça
Em Cartaz em se
cadernu
o

Amistad Câmera
Durante a exibição do filme, sugerimos que você preste aten-
Diretor: Steven Spielberg
DIVULGAÇÃO

ção nos seguintes aspectos e registre-os:


País: E
 stados Unidos
Ano: 1997 • O motivo pelo qual os negros estavam sendo julga-
dos e o que estava em questão no julgamento.
• O país que controlava o tráfico negreiro e o país que
o condenava.
• Por que o resultado do primeiro julgamento ameaçou
tornar-se o estopim de uma possível guerra civil nos
Em 1839, dezenas de africanos escravizados assumem o Estados Unidos?
comando do navio negreiro La Amistad. Após dois meses, • Escolha um momento do filme para descrever o cho-
são capturados por um navio estadunidense e julgados que de cultura entre africanos e brancos europeus.
pelo assassinato da tripulação. O presidente estadunidense
Martin Van Buren tenta a condenação dos negros, para agra- Ação
dar aos estados do Sul e fortalecer os laços com a Espanha. 1 No filme, quem eram os agentes que reivindicavam a
A causa chega à Suprema Corte estadunidense e acaba posse ou a condenação dos africanos do navio Amistad?
envolvendo o ex-presidente John Quincy Adams.
2 Qual a imagem dos Estados Unidos como nação
Luzes apresentada no discurso final do ex-presidente John
Quincy Adams?
Retome as instruções oferecidas para análise de filmes
3 Como foi apresentada, no filme, a relação dos Estados
nos Procedimentos metodológicos da página 10.
Unidos com a escravidão?
Antes de analisar o filme, é necessário retomar infor-
mações e conceitos contidos no capítulo. 4 Qual a situação dos negros nos Estados Unidos à época
do episódio?
• Releia o item A Guerra de Secessão (1861-1865) (p.
174) e identifique as diferenças entre o Norte e o Sul. 5 Por que o destino dos escravizados se torna uma
• Observe o conjunto de mapas Estados Unidos questão política?
(1850-1857) (p. 175) e registre qual a região que 6 Explique por que, apesar de o caso jurídico referir-se
corresponde aos Estados escravistas. a um assassinato, o advogado dos negros é especiali-
zado em direito de propriedades.
→ DL/CF/H1/H12

Estante • PORTA, P. A corte portuguesa no Brasil (1808-1821). São Paulo: Saraiva, 1997.

192 Capítulo 5  Nações, Nacionalismo e Internacionalismo

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1 (UFRJ) Leia o texto a seguir. "As revoluções de b) apontam para as suas semelhanças, isto é,
1848 [...] tiveram muito em comum, não apenas para o caráter autoritário e incompleto de
pelo fato de terem ocorrido quase simultanea- ambas, decorrentes do passado fascista,
mente, mas também porque seus destinos esta- no caso italiano, e nazista, no alemão.
vam cruzados, todas possuíam um estilo e sen- c) chamam a atenção para o caráter unila-
timento comuns, uma atmosfera curiosamente teral e autoritário das duas unificações,
Radar
romântico-utópica e uma retórica similar [...] impostas pelo Piemonte, na Itália, e pela
Era a 'Primavera dos Povos' – e, como primave- Prússia, na Alemanha.
ra, não durou." d) escondem suas naturezas contrastantes,
HOBSBAWM, Eric J. A era do capital. pois a alemã foi autoritária e aristocrática,
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. p. 33.
e a italiana foi democrática e popular.
A chamada "Primavera dos Povos", por sua
e) tratam da unificação da Itália e da Alemanha,
amplitude e radicalidade, apresentou-se como
mas nada sugerem quanto ao caráter impo-
uma enorme esperança de mudanças políti-
sitivo de processo liderado por Cavour, na
cas e sociais no continente europeu e até fora
Itália, e por Bismarck, na Alemanha.
dele (influência na Revolução Praieira em
Pernambuco). A opção que caracteriza corre- → DL/SP/H9
tamente um dos movimentos revolucionários 3 (PUC-SP) "Para nós, a autoridade não é necessá-
daquele período é: ria à organização social; ao contrário, acredita-
a) em 1848, a rebelião popular em Viena não mos que ela é sua parasita, que impede sua evo-
Faça conseguiu depor o ministro Metternich, lução e utiliza seu poder em proveito próprio de
em se
cadernu dado o apoio do Império Russo ao governo uma certa classe que explora e oprime as outras.
o
conservador. Enquanto houver harmonia de interesses em
→ conforme b) na França, a partir da Revolução de uma coletividade, enquanto ninguém quiser ou
tabelas das Fevereiro, formou-se um governo com a puder explorar os outros, não haverá marcas de
páginas 8 e 9. participação de socialistas, responsável autoridade; mas, quando surgirem lutas internas
pela criação das Oficinas Nacionais. e a coletividade se dividir em vencedores e ven-
c) influenciada pela rebelião ocorrida em cidos, então a autoridade aparecerá, autoridade
Tá na rede! Viena, a Lombardia-Veneza rebelou-se con- que, naturalmente, estará a serviço dos interes-
tra os austríacos, com sucesso, tornando-se ses dos mais fortes e servirá para confirmar, per-
QUESTÕES petuar e reforçar sua vitória."
DE ENEM o centro do processo de unificação italiana.
d) como resistência à invasão prussiana, ope- MALATESTA, Enrico. Textos escolhidos.
Digite o endereço Porto Alegre: L&PM, 1984. p. 25.
abaixo na barra rários franceses tomaram as ruas e ocupa-
do navegador de ram as prefeituras das cidades, gerando o O fragmento acima defende postura
internet: http://goo. movimento da Comuna de Paris, primeiro a) humanista: acredita na harmonia entre os
gl/xog0Jb. Você governo socialista vitorioso da história da homens e opõe-se a qualquer tipo de con-
pode também tirar humanidade. flito social.
uma foto com um
aplicativo de QrCode
e) na França, a classe média, com o apoio dos b) anarquista: rejeita a necessidade da auto-
para saber mais sobre camponeses pequenos proprietários, se ridade e a vê como instrumento de poder e
o assunto. Acesso em: rebelou contra Luís Bonaparte, que, apoia- de dominação.
4 abr. 2016. do pela burguesia, deu golpe de Estado e c) autoritária: concebe a autoridade como
implantou uma ditadura. natural e exclui qualquer tentativa de utili-
→ DL/SP/H9/H10 zá-la na vida em comunidade.
2 (Fuvest-SP) "Fizemos a Itália, agora temos que d) socialista: critica a autoridade exercida
fazer os italianos." pela classe dominante e defende o poder
"Ao invés da Prússia se fundir na Alemanha, a nas mãos dos trabalhadores.
Alemanha se fundiu na Prússia." e) liberal: celebra o valor universal da liberda-
Estas frases, sobre as unificações italiana e de e recusa a imposição da vontade de uns
Página dedicada a
alemã: sobre outros.
questões já aplica-
das em provas do a) aludem às diferenças que as marcaram, → DL/H1/H9
ENEM. Busque exer- pois, enquanto a alemã foi feita em bene-
cícios sobre os temas 4 (Fatec-SP) "A queda da burguesia e a vitória do
desenvolvidos neste fício da Prússia, a italiana, como mostra a proletariado são igualmente inevitáveis [...]. Os
capítulo. escolha de Roma para capital, contemplou proletários nada têm a perder com ela, a não
todas as regiões.

Radar 193

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ser as próprias cadeias. E têm um mundo a ganhar. envolvidos na Balaiada, ampliando a anistia decre-
Proletários de todos os países, uni-vos." tada pelo governo imperial, em 1840, aos balaios e
Esse trecho, extraído do Manifesto comunista de Marx aos negros de Cosme, demonstrando a vontade do
e Engels, foi escrito no contexto histórico marcado Império de reintegrar, na vida da província, todos os
a) pelo acirramento das contradições políticas, eco- que haviam participado do movimento.
nômicas e sociais decorrentes do processo conhe- → DL/SP/H10/H11
cido como Revolução Industrial. 6 (UFF-RJ) "Em meados do século XIX [...] o Império ingres-
b) pelos conflitos entre trabalhadores e patrões que sou numa era de mudanças relacionadas à própria expan-
começaram a pontuar os países capitalistas a par- são do capitalismo. Os ventos do progresso começaram a
tir da ocorrência da Revolução Russa. chegar ao país, atraídos pelas possibilidades de investi-
c) pela afirmação dos Estados Unidos como potência mentos e lucros em setores ainda inexplorados."
imperialista com interesses econômicos e políticos NEVES, Lucia; MACHADO, Humberto. O Império do Brasil.
em várias regiões do planeta. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 31.
d) pelo confronto entre vassalos e suseranos, no Assinale a opção que melhor identifica a noção de
momento de ápice da crise do modo de produção "progresso", construída na segunda metade do sécu-
feudal e de enfraquecimento da autoridade religiosa. lo XIX no Brasil.
e) pelo incremento das contestações populares às a) os mocambos eram palácios inspirados no estilo
diretrizes políticas implantadas pelos regimes europeu e expressavam o ideal de riqueza e pro-
autoritários que floresceram na Europa, na primei- gresso da elite imperial.
ra metade do século XX. b) a rodovia era considerada o símbolo do progresso
→ DL/H1/H2/H9/H10 porque diminuía as distâncias entre as áreas pro-
dutoras e o mercado interno de produtos agrícolas.
5 (UFF-RJ) O Período Regencial, compreendido entre
1831 e 1840, foi marcado por grande instabilidade, c) a descoberta de ouro e diamantes, em Minas
causada pela disputa entre os grupos políticos para o Gerais, deu concretude à noção de progresso do
controle do Império e também por inúmeras revoltas, Império Brasileiro.
que assumiram características bem distintas entre si. d) a construção das ferrovias, na segunda metade do
Em 1838, eclodiu, no Maranhão, a Balaiada, somente século XIX, significou a consolidação de empresas
derrotada três anos depois. capitalistas subordinadas aos interesses escravis-
Pode-se dizer que esse movimento: tas dos produtores de café.
a) contou com a participação de segmentos serta- e) a imagem da capital "civilizada", com seus salões
nejos – vaqueiros, pequenos proprietários e arte- e clubes, deu a São Paulo o status do lugar de
sãos – opondo-se aos bem-te-vis, em luta com os diversão e entretenimento da "boa sociedade".
negros escravos rebelados, que buscavam nos → DL/SP/H9/H11
cabanos apoio aos seus anseios de liberdade.
7 (Fuvest-SP) A incorporação de novas áreas, entre
b) foi de revolta das classes populares contra os pro- 1820 e 1850, que deu aos Estados Unidos sua atual
prietários. Opôs os balaios (sertanejos) aos gran- conformação territorial, estendendo-se do Atlântico
des senhores de terras em aliança com escravos ao Pacífico, deveu-se fundamentalmente:
e negociantes.
a) a um avanço natural para o oeste, tendo em vista
c) foi, inicialmente, o resultado das lutas internas a chegada de um imenso contingente de imigran-
da Província, opondo cabanos (conservadores) tes europeus.
a bem-te-vis (liberais), aprofundadas pela luta
b) aos acordos com as lideranças indígenas, Sioux e
dos segmentos sertanejos liderados por Manuel
Apache, tradicionalmente aliadas aos brancos.
Francisco dos Anjos, e pela insurreição de escra-
vos, sob a liderança do Negro Cosme, dando c) à vitória na guerra contra o México que, derrota-
características populares ao movimento. do, foi obrigado a ceder quase a metade de seu
território.
d) lutou pela extinção da escravidão no Maranhão,
pela instituição da República e pelo controle dos d) à compra de territórios da Inglaterra e Rússia,
sertanejos sobre o comércio da carne verde e que assumiram uma posição pragmática diante
da farinha – então monopólio dos bem-te-vis –, do avanço norte-americano para o oeste.
sendo o seu caráter multiclassista a razão funda- e) à compra de territórios da França e da Espanha,
mental de sua fragilidade. que estavam, naquele período, atravessando gra-
e) sofreu a repressão empreendida pelo futuro duque ves crises econômicas na Europa.
de Caxias, que não distinguiu os diversos segmentos → DL/CF/H9/H15

194 Capítulo 5  Nações, Nacionalismo e Internacionalismo

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Capítulo

10
6 O imperialismo

DE OLHO nos

A
Bela Adormecida é uma das mais conhecidas histórias infan- Conceitos
tis. Narra o drama de uma jovem que, ao completar 15 anos,
perfurou seu dedo no fuso de uma roca de fiar e caiu adorme- • Segunda Revolução
Industrial
cida, sendo acordada por um beijo de amor dado por seu maravilho-
so príncipe. • Imperialismo
Os irmãos Jakob e Wilhelm O avanço tecnológico intensificou • Neocolonialismo
Grimm foram os responsáveis pela a divisão do trabalho até culminar na • Darwinismo social
• Zonas de influência
preservação desse e de muitos criação da linha de montagem para a
outros contos populares que remon- produção de automóveis em 1913. Um
tam à Idade Média. Os irmãos Grimm trabalho alienante e repetitivo tornar-
escreviam na primeira metade do se-ia a característica das sociedades
século XIX e presenciavam os efei- industriais. Uma espécie de adorme-
tos daquilo que se chamou de Pri- cimento que não era provocado por
meira Revolução Industrial (inicia- forças do mal, mas resultante de uma THE ART ARCHIVE/ALAMY/GLOW IMAGES/BIBLIOTECA DA

da no fim do século XVIII). Momento brutal exploração e da apropriação UNIVERSIDADE ESTADUAL DE OHIO, Estados Unidos

do estabelecimento do mundo das dos instrumentos e dos conhecimen-


fábricas, com sua produção em tos da produção por parte dos patrões.
grandes quantidades e a um custo A necessidade de matérias-pri-
decrescente. Época em que a antiga mas em escala até então nunca vista
roca de fiar que trabalhava com ape- promoveu uma nova articulação
nas um fio já havia sido substituída entre as sociedades espalhadas pelos
na maior parte da Europa por máqui- diversos continentes. Isso favorece-
nas que operavam com centenas de ria as potências industriais em detri-
fios e teares mecânicos que fabrica- mento das regiões agrárias e que ace-
vam tecidos largos e resistentes. lerava ainda mais o ritmo da vida
Ao fim do século XIX e no início humana. Tais transformações não
do XX, o emprego da energia elétrica, demoraram a repercutir em esca-
as pesquisas químicas e o desenvolvi- la mundial, implicando a alteração
mento de motores a explosão permi- dos papéis representados por dife-
tiram o aperfeiçoamento das indús- rentes povos, continentes e Estados.
trias e máquinas. Com isso, iniciou-se A desestruturação de áreas agríco-
a produção de automóveis e aviões, las tradicionais provocou uma inten-
e o desenvolvimento de novos trens sa movimentação humana pelas mais
e navios ainda mais velozes e poten- diversas regiões do planeta. A migra- Problemas em Cuba ou Tio Sam deseja
tes. Esse novo impulso no processo ção em massa tornou-se também um Cuba, Bernhard Gillam. Litografia
colorida, charge extraída da revista
de industrialização é definido como a dos efeitos visíveis da consolidação
Judge, 10 de agosto, Nova York, Judge
Segunda Revolução Industrial. das sociedades industriais. Publishing, 1893.

195

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1 A expansão imperialista

O
O luxo da Belle Époque s frequentadores dos grandes museus europeus,
como o Louvre, em Paris, ou o Museu Britânico, em
A expressão Belle Époque ("bela época") sur-
Londres, deparam-se com milhares de peças pro-
giu no final da Primeira Guerra Mundial, mas
designava o período da virada do século XIX cedentes da África ou da Ásia: múmias, sarcófagos, pedras
para o XX. Para aqueles que atravessaram preciosas, esculturas, fragmentos de estátuas monumen-
a guerra e assistiram à destruição e as mor- tais. Por outro lado, quem visitasse, anos atrás, o Museu da
tes provocadas pelo conflitos, a passagem do Réplica, em Bagdá (no Iraque), encontrava exatamente o
século fora o período áureo, repleto de festas, que o nome do museu prometia: réplicas. As peças originais
auge dos cafés, da moda e da efusividade bur- haviam sido retiradas do local pelos exploradores europeus
guesa em Paris, Londres ou Nova York. no século XIX e XX.
Grande parte do luxo da Belle Époque era Nos dois casos, trata-se de uma decorrência do expan-
resultado do imperialismo europeu. Com a sionismo das principais potências europeias, entre 1870
expansão das relações comerciais e a interde- e 1914. A economia do continente vivia, no período, uma
pendência econômica, a Europa podia receber
situação bastante complexa. De um lado, a indústria e
tecidos da Austrália, couro e carne da Argentina,
a siderurgia expandiam-se. As fábricas aceleravam seu
chá e porcelana da China, café da Colômbia e do
ritmo, a produção de carvão crescia e havia necessidade
Brasil, madeiras da Birmânia, algodão do Egito
e tapetes da Índia e do Paquistão. Todos esses de mais matérias-primas e de outras fontes de energia. Por
produtos custavam pouco, em comparação com outro lado, as mercadorias produzidas em série dependiam
os preços dos industrializados, e chegavam ao de mais e maiores mercados consumidores. Economis-
continente europeu de forma rápida e ágil, nos tas e empresários temiam a redução dos lucros e a amea-
navios mercantes ingleses e franceses. ça de uma depressão financeira. Entre as décadas de 1860
e 1890, por exemplo, o preço do trigo caíra bastante e os
Andrew Patterson/Kedleston Hall Museum

vinhedos da França, atacados por fungos, haviam reduzi-


do drasticamente sua capacidade produtiva. Em várias par-
tes, ocorriam temporadas de fome e a nova organização dos
campos gerava desemprego de trabalhadores rurais, que
buscavam as cidades e, muitas vezes, acabavam por emi-
grar para a América.
Líderes políticos e empresários passaram a enxergar
uma saída na expansão da economia europeia para outras
partes do planeta. Iniciava-se uma corrida por terras, maté-
rias-primas, fontes de energia e mercados consumidores.
Em poucos anos, o Norte, o centro e o Sul da África, assim
como amplos territórios no Sul e Sudeste asiáticos, foram
dominados e divididos pelos países da Europa. Nas novas
colônias, eles estabeleciam protetorados, impunham regras
protecionistas e controlavam mercados. Em alguns casos,
associavam-se às elites dirigentes locais e estabeleciam seu
domínio por meio da ação delas. Em outros, impunham-se
diretamente pela força das armas e do capital. No início do
Lady Curzon, William Logsdail.
Óleo sobre tela, 1873.
século XX, um britânico chamado John Hobson deu nome
à expansão e ao neocolonialismo europeus: imperialismo.

196 Capítulo 6  O imperialismo

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O imperialismo O imperialismo cultural
As tropas e os comerciantes que viajavam para as áreas
Embora a palavra tenha surgido com Hobson, o con-
coloniais não iam sós: eram acompanhados de mis-
ceito de imperialismo só foi desenvolvido, alguns anos
sionários e cientistas. O neocolonialismo difundia as
depois, por dois teóricos marxistas: Vladimir Ilitch
religiões europeias em outras partes do mundo. Reli-
Lênin e Rosa Luxemburgo. Eles identificaram, na expan-
giosidades africanas ou asiáticas passaram a ser com-
são europeia, o surgimento de uma fase peculiar do capi-
batidas, em nome dos valores cristãos dos coloniza-
talismo, em que a monopolização dos mercados era
dores. Os pesquisadores levantavam dados sobre a
essencial. Para ambos, o imperialismo mostrava que o
flora e a fauna e contribuíam para o aprimoramento
capitalismo chegara ao auge e, ao mesmo tempo, aproxi-
mava-se do fim. Eles acreditavam que o expansionismo das ciências naturais na Europa. A palavra "cientista"
do capital revelava e acentuava as contradições do siste- havia aparecido em 1840 e a ciência estava na moda. O
ma, acelerando as reações internas, provocando guerras e sucesso da tecnologia, desde o século anterior, quando
revoluções que o destruiriam. surgiram as fábricas, empolgava as pessoas e as moti-
Embora a previsão de fim do capitalismo não se tenha vava a acreditar que, por meio da ciência e da técnica,
cumprido, o imperialismo de fato levou ao extremo as os homens conseguiriam controlar a natureza e rom-
tensões internas do modelo econômico. Ele ampliou os per seus limites físicos. Periódicos científicos circula-
ganhos financeiros para alguns setores, concentrou-os vam pela Europa e alimentavam a crença num progres-
nos países centrais, e simultaneamente gerou destruição so inevitável.
e miséria nas áreas dominadas. Os indígenas envolvidos Um poema do inglês Rudyard Kipling (1865-
na extração do látex, no Brasil, na Bolívia e no Peru, por -1936), publicado em 1899, criou a expressão "fardo
exemplo, viviam praticamente em condição de escravi- do homem branco". No texto, Kipling falava do domí-
dão. A produção em larga escala para exportação, na Índia, nio dos Estados Unidos nas Filipinas e afirmava que
na África ou na América Latina, desabastecia os mercados cabia aos brancos assumir a missão de levar seus
internos de alimentos e alterava os ritmos e a dinâmica de padrões de cultura a outros povos. Esse seria seu
vida de milhões de pessoas. O imperialismo penetrava no "fardo". O autor era inglês e havia nascido na Índia
cotidiano e criava uma lógica de circulação de capitais e sob domínio britânico. Cinco anos antes, publicara
mercadorias que também envolvia investimentos regula- um romance de muito sucesso, O livro da selva. Ele não
res e aquisição de propriedades, por europeus, nos países defendia totalmente as ações do imperialismo, mas
que viviam sob a influência das potências da época. sua expressão foi tomada como um lema e uma justi-
Os conflitos entre Estados pareciam inevitáveis. A ficativa para aqueles que partiam em direção a novas
Inglaterra havia se industrializado antes de outros países terras e, na sua missão civilizadora, exploravam,
da Europa e tinha uma frota naval bastante poderosa, que matavam e destruíam.
facilitava seu avanço imperialista. Mas França e Alema- A ideia de que o imperialismo representava um
nha, gradualmente, alcançavam a capacidade produtiva choque entre civilizados e bárbaros aparecia com bas-
britânica e passavam a disputar mercados com os ingle- tante frequência nos jornais e na literatura. No come-
ses, dentro e fora da Europa. ço do século XX, o romance O coração das trevas mos-
trou os imites dessa interpretação. Seu autor era Joseph
Granger, Nova York, Estados Unidos

Conrad (1857-1924). Ele nasceu na Rússia, foi edu-


cado na Polônia, transferiu-se para a França e, aos 17
anos, se alistou como marinheiro e, por décadas, nave-
gou, nos rios da África em embarcações francesas e,
depois, britânicas. O romance conta a história do per-
sonagem Charles Marlow, que transportava marfim,
pelo rio Congo, num barco da companhia de comércio
belga. Ao penetrar no interior da África, Marlow perce-
beu as fronteiras tênues que existiam entre "civiliza-
dos" e "bárbaros", relatou a brutalidade da conquista
europeia do continente e anunciou a ganância e a obs-
The devilfish in Egyptian waters (O polvo em
águas egípcias). Charge. 1882. curidade da dominação colonial.

A expansão imperialista 197

OH_V2_Book.indb 197 13/05/16 12:07


Faça
Biologia como destino Tá ligado?! em se
cadernu
o
Em 1859, Charles Darwin (1809-1882) publicou um tra-
balho que teve grande impacto: A origem das espécies. Para (UFRGS-RS) Assinale a alternativa correta em relação
à expansão imperialista observada entre meados do
ele, a vida era regulada pela seleção natural, que deter-
século XIX e a Primeira Guerra Mundial.
minava que só sobreviveriam aqueles que se adaptas-
a) A Inglaterra foi o maior império da época,
sem ao meio. Pequenas características físicas ou fisioló-
possuindo colônias, domínios e protetorados em
gicas podiam assegurar a longevidade de uma espécie ou vários continentes.
provocar sua desaparição mais rápida. Da mesma forma b) Os norte-americanos, mesmo apoiados pela
que determinadas espécies se extinguiam, outras sur- Doutrina Monroe, não souberam estabelecer
giam. Sua teoria desafiava a crença religiosa de que todas áreas de influência no restante da América.
as espécies haviam sido criadas ao mesmo tempo por um c) A África permanecia como protetorado de
ser divino e alterava a maneira de conceber a pesquisa e Portugal e da Espanha.
a experimentação científicas: a ciência libertava-se de d) A França, após cerca de meia década de lutas,
dogmas e princípios religiosos e passava a constituir um reconheceu a sua derrota em Saigon e no
campo separado e racionalizado de estudos. Camboja.
Alguns pensadores, empolgados com as ideias evo- e) O Japão aliou-se à China e à Coreia para tentar
lucionistas, tentaram transpô-las para o estudo das resistir às potências europeias.
sociedades. Começaram a explicar problemas e impas- → DL/SP/CF/H9/H16/H17
ses sociais a partir de conceitos darwinistas, como "luta → conforme tabelas das páginas 8 e 9.
pela existência" ou "sobrevivência do mais capaz". Embo-
ra Darwin jamais tivesse afirmado que o “mais capaz”
era o mais forte ou o mais poderoso (para o cientis- O imperialismo estadunidense
ta britânico, "mais capaz" era o que melhor se adapta- Em 1823, quando o presidente James Monroe declarou
va a uma nova situação), esses teóricos passaram a afir- sua doutrina para a América, os Estados Unidos não
mar que o sucesso ou o fracasso financeiro e a maior ou tinham projetos de hegemonia continental. Por trás
menor força indicavam a superioridade ou a inferiorida- da frase "América para os americanos", a Doutrina Mon-
de de uma classe, de uma etnia ou de um povo. A apli- roe propunha a defesa do continente contra interesses
cação das ideias evolucionistas à teoria social justifica- recolonizadores europeus.
va, assim, as campanhas militares europeias em outros Depois da Guerra de Secessão, porém, a perspecti-
continentes, o racismo, o nacionalismo e o imperialismo. va de expansão estadunidense ganhou outro sentido. A
O chamado "darwinismo social", uma deturpação do pen- supremacia nortista dentro da União impusera novo ritmo
samento de Darwin, permitia que militares e empresários para a economia, que se industrializava aceleradamente.
justificassem a violência das conquistas e da dominação Os investimentos na frota naval potencializavam o comér-
em função de uma suposta superioridade natural. cio marítimo e a distribuição de produtos industrializados
para além do mercado interno. A força militar estaduni-
dense tornara-se agora melhor aparelhada. A Marcha para
o Oeste, por sua vez, ligou definitivamente os dois litorais
BIBLIOTECA BRITÂNICA, LONDRES, INGLATERRA

dos Estados Unidos e cumpriu a missão desbravadora dos


aventureiros, que se acreditavam guiados por Deus.
Não havia mais limites a transpor dentro do pró-
prio território, mas a disposição expansionista continua-
va viva. O anseio por novos mercados e por aumento da
influência internacional projetaram o avanço do país na
direção de outra fronteira: a América Latina. Em 1889, em
Diferenças na formação do bico de tentilhões das ilhas Washington, iniciou-se a Primeira Conferência Pan-ame-
Galápagos, Charles Darwin. Gravura, 1839. ricana, que reuniu quase todos os países do continente.
Durante os debates, os representantes dos Estados Unidos
Para Darwin, os tamanhos diferentes das sementes teriam pro-
defenderam a "fraternidade americana" e, entre outras
duzido a variação e adaptação na forma e no tamanho dos bicos
dos tentilhões. propostas, sugeriram: auxilio econômico mútuo e unida-

198 Capítulo 6  O imperialismo

OH_V2_Book.indb 198 13/05/16 12:07


de monetária entre os países do continente, supressão de
barreiras alfandegárias, constituição de sistema de prote- História E Atualidades>> G
 uantânamo:
ção militar a toda a região, sob o comando estaduniden- base naval e campo de concentração
se. As medidas foram majoritariamente recusadas pelos Desde 1903, os Estados Unidos possuem o direito de
demais países, mas a posição dos Estados Unidos – que, à arrendamento perpétuo de uma pequena área no inte-
época, já eram um potência mundial – ficava clara: o míti- rior do território cubano, na Baía de Guantânamo. Lá
funcionam uma base naval e campos de detenção nos
co Destino Manifesto, que havia sustentado o imaginá- quais há práticas sistemáticas de violações dos direi-
rio do avanço para o Oeste, agora buscava outros limites tos humanos. Apesar de condenados por organismos
a serem rompidos. internacionais, o governo estadunidense mantém os
campos de prisioneiros desde 1942. Durante a cam-
América como fronteira panha presidencial, Barack Obama declarou a dispo-
Poucos anos depois, a intervenção direta estadunidense sição em fechar tais prisões. No entanto, pressões de
substituiu a diplomacia. Quase toda a América já havia setores mais conservadores dos Estados Unidos têm
liquidado os laços coloniais, mas Cuba ainda lutava pela conseguido manter os campos em funcionamento.

JOHN MOORE/GETTY IMAGES


independência em relação à Espanha. Uma primeira guer-
ra ocorrera entre 1868 e 1878 e os espanhóis a haviam
vencido. Dentro de Cuba, uma das correntes emancipacio-
nistas sustentava a necessidade de recorrer ao apoio dos
Estados Unidos, para derrotar a Espanha, e ainda sugeria
uma futura anexação da ilha ao vizinho do Norte.
A ideia não era nova: além da proximidade geográ-
fica, o comércio triangular havia aproximado, durante
boa parte do período colonial, a última grande possessão
espanhola na América dos Estados Unidos. Nem todos
Prisioneiros muçulmanos em suas orações.
os cubanos concordavam com a postura anexionista.
Guantânamo, Cuba, 2009.
Muitos a consideravam um ato covarde, de quem dese-
java conquistar a liberdade sem precisar lutar por ela, e

MANDEL NGAN/AFP PHOTO


pretendiam que a ilha se tornasse totalmente autônoma
depois da separação da Espanha.
A segunda guerra de independência de Cuba come-
çou em 1895 e, em meio ao conflito, tropas estaduni-
denses desembarcaram na ilha e ajudaram a derrotar as
forças espanholas. Depois de consumada a vitória eman-
cipacionista, em 1898, os Estados Unidos negociaram
com a Espanha uma grande indenização de guerra, que
incluiu a transferência de posses espanholas para o domí-
nio estadunidense: Havaí, Filipinas e Porto Rico.
Cuba tornou-se oficialmente autônoma, mas a pre- Protesto para o fechamento do centro de detenção de
sença militar dos Estados Unidos garantiu o prevaleci- Guantânamo. Washington D.C., Estados Unidos, 2013.
mento dos interesses estadunidenses. A própria Cons-
tituição da nova república assegurou, por meio da
chamada Emenda Platt, o direito estadunidense de
Tá na rede!
interferir em seus assuntos internos. Os Estados Unidos Missão Guantânamo
ganharam, ainda, o direito de instalar uma base militar Digite o endereço abaixo na
na região de Guantânamo, sudeste da ilha. barra do navegador de internet:
Após a independência de Cuba, não havia mais dúvi- http://goo.gl/LeHi1O/. Você pode
da: a nova fronteira em que os cumpridores do Destino também tirar uma foto com um Vídeo que mostra o
aplicativo de QrCode para saber dia a dia dentro da
Manifesto lutariam seria mesmo ao Sul. No princípio do prisão e explora a
mais sobre o assunto. Acesso em:
século XX, o presidente Theodore Roosevelt (1858-1919) luta entre militares e
12 abr. 2016. Em português. prisioneiros.
resumiu a lógica da política externa estadunidense para

A expansão imperialista 199

OH_V2_Book.indb 199 13/05/16 12:08


a América Latina: "Fale macio e use um porrete". Era a cha- truíram um canal que ligava o oceano Atlântico ao Pací-
mada política do Big Stick, que combinava a dimensão fico. Inaugurado em 1914, o Canal era controlado pelos
diplomática com a ação militar direta. No mesmo perío- Estados Unidos, assim como a faixa territorial em que se
do, os Estados Unidos apoiaram a separação de uma faixa localizava. O domínio estadunidense no local persistiu
de terras, no Norte da Colômbia, e o surgimento de um até 1999, quando o Canal passou a ser administrado pelo
novo país: o Panamá. Lá, empresas estadunidenses cons- governo panamenho.

História E Língua Portuguesa>> C


 ontra o expansionismo
A hegemonia dos Estados Unidos na América sofreu – Strike, Arthur! Canalha,
grande oposição e resistência. Já no século XX, o poeta Esbandalha!
maranhense Joaquim de Souza Andrade (1833-1902), Queima, assalta! (Reino de horror!)"
mais conhecido como Sousândrade, escreveu um longo
Apud CAMPOS, Augusto e CAMPOS, Haroldo. ReVisão de
poema épico, "O Guesa". Nele, propunha que a América Sousândrade. São Paulo: Perspectiva, 2002. p. 343-344, 352.
se unisse, formando uma "Transamérica", e denuncia-
va a ganância e a ambição que moviam as vontades nos Outro autor que denunciou o expansionismo estadu-
Estados Unidos e o intuito estadunidense de dominar o nidense foi o cubano José Martí (1853-1895). Em cartas
restante da América. No trecho intitulado "Inferno em e artigos para jornais, Martí rechaçava as ideias anexio-
Wall Street", Sousândrade mistura sinais gráficos com nistas e defendia a plena autonomia de Cuba depois da
nomes de empresários, palavras em português e em independência. Ele acompanhou a Primeira Conferência
inglês, referências e vozes variadas, para representar a Pan-americana, em 1889, e rapidamente alertou que o
loucura e a insanidade das disputas na bolsa de valores: discurso da "fraternidade americana" realizado pelos
"– Harlem! Erie! Central! Pennsylvania! representantes dos Estados Unidos acobertava o desejo
– Milhão! cem milhões!! mil milhões!!! de hegemonia sobre o continente. Dois anos depois, no
– Young é Grant! Jackson, texto "Nossa América", reforçou a necessidade de todos
Atkinson! os americanos lutarem pela liberdade e pela autonomia e
Vanderbilts, Jay Goulds, anões!" celebrou o que considerava o início de uma grande inte-
gração continental – sem a inclusão dos Estados Unidos:
"– Dois! três! cinco mil! se jogardes
"Porque já ressoa o hino unânime; a atual gera-
Senhor, tereis cinco milhões!
ção leva às costas, pelo caminho adubado por seus pais
– Ganhou! ha! haa! haaa!
sublimes, a América trabalhadora; do rio Bravo ao estrei-
Hurrah! ah!..
to de Magalhães, sentado no dorso do condor, espalhou
– Sumiram ... seriam ladrões?.."
o Grande Semi, nas nações românticas do continente e
"Strike! do Atlântico ao Pacífico! nas ilhas doloridas do mar, a semente da América nova!"
– Aos Bancos! Ao Erário-tutor! MARTÍ, José. Nossa América. São Paulo: Hucitec, 1983. p. 201.
BIBLIOTECA DO CONGRESSO, WASHINGTON D.C., ESTADOS UNIDOS

Tio Sam
Um dos mais conhecidos símbolos nacionais dos Esta-
dos Unidos é o Tio Sam. O nome foi criado em 1812,
durante a guerra contra a Inglaterra, mas só ganhou
forma na década de 1870.
O desenhista inspirou-se na fisionomia de Abraham
Lincoln para criar a figura séria, de olhos penetrantes e
barba, que passou a representar o nome. Desde as últi-
mas décadas do século XIX, o personagem passou a ser
associado ao expansionismo estadunidense.
O imperialismo dos Estados Unidos na Améri-
ca Latina prosseguiu durante todo o século XX. Até a
Segunda Guerra Mundial (1939-1945), os alvos eram,
sobretudo, os países da América Central e do Caribe,
que sofreram diversas invasões e contínua interferên- Tio Sam (A velocidade da honestidade), Thomas Nast.
cia política estadunidense. Ilustração extraída de Harper's Weekly, v. 21, nov. 1877.

200 Capítulo 6  O imperialismo

OH_V2_Book.indb 200 13/05/16 12:08


ANÁLISE DE IMAGEMcharge

Problemas em Cuba ou Tio Sam deseja Cuba 1 Primeiro olhar:


A imagem foi capa
Material: Litografia colorida da Judge, revista
semanal publicada
Datação: 1893 nos Estados Unidos
entre 1881-1947 e
Artista: Bernhard Gillam conhecida por seus
cartoons políticos.
Extraída da revista Judge, 10 de agosto de 1893, A representação
Nova York, Judge Publishing. foi composta como
um mapa escolar
pregado na parede.
A composição é acompanhada do seguinte comentário:
"Tio Sam: Estou de olho nesse bocado há muito tempo e eu
vou tomá-lo!" (Uncle Sam: I've had my eyes on that morsel
for a long time; guess I'll have to take it in!). 2
THE ART ARCHIVE/ALAMY/GLOW IMAGES/BIBLIOTECA DA
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE OHIO, Estados Unidos

3 Sua cartola
compõe o Canadá.

4 Seu olho atento ao


que acontece em Cuba
localiza-se na capital,
Washington D.C.

5 Seu nariz é
representado pela
região da Flórida.

Cuba foi representada


6 como um peixe.

Seu característico
7 cavanhaque branco
ocupa a região da
América Central.
8 Gillam é considerado um dos mais importantes cartunistas políticos do século XIX nos Estados
Unidos, juntamente com Thomas Nast, o criador do Tio Sam, que, inspirado em Abraham
Lincoln, se tornou a personificação nacional dos Estados Unidos. Sua composição do Tio
Sam (inspirado na criação de Thomas Nast) ocupa a América do Norte e a América Central,
territórios sob a influência dos Estados Unidos no período.

A expansão imperialista 201

OH_V2_Book.indb 201 13/05/16 12:08


Durante a Segunda Guerra, os mercados dos países
sul-americanos, antes abastecidos principalmente por
Tio Sam, James produtos ingleses e franceses, passaram a receber gran-
M. Flagg. de quantidade de mercadorias estadunidenses, e os
Ilustração, 1917. Estados Unidos desenvolveram uma política de inten-
sa propaganda cultural na área.
JAMES MONTGOMERY/DALLAS MUSEUM OF ART

Depois do conflito, transformados em superpo-


tência, os Estados Unidos interferiram em assuntos de
quase todo o planeta: África, Ásia e Europa passaram a
ser, ao lado da América Latina, espaços de manifesta-
ção e imposição de interesses estadunidenses. No iní-
cio do século XXI, eles realizavam, por exemplo, ações
OH_V2_C6_p197 militares no Iraque e no Afeganistão.
OH_V2_C6_p197

MÁRIO YOSHIDA
A POLÍTICA EXPANSIONISTA DOS ESTADOS UNIDOS (1867-1917)
RÚSSIA ALASCA
1867
RÚSSIA ALASCA
1867 CANADÁ
Mar de
Bering Mar de CANADÁ
Bering
Vancouver
Vancouver
Seattle
Manchúria Portland
Seattle
OCEANO
Pequim Manchúria Portland UNIDOS
ESTADOS Nova Iorque
PACÍFICO
OCEANO
COREIA JAPÃO Washington
Pequim PACÍFICO S. Francisco ESTADOS UNIDOS Nova Iorque
COREIA JAPÃO Washington
Tóquio S. Francisco
S. Diego OCEANOO
CHINA ATLÂNTIC
A CO
ATLÂNTICO
Tóquio S. Diego OCEANOO
CHINA A
ATLÂNTIC
CO
ATLÂNTICO
Hong Kong FORMOSA HAITI
BIRMÂNIA Hong Kong CUBA 1915
FORMOSA Havaí MÉXICO HAITI
PORTO
1902
BIRMÂNIA 1898 CUBA RICO 1915
SIÃO Manila Guam Havaí MÉXICO 1902 PORTO
1898 1898 RICO
SIÃO Guam I. Virgens
INDOCHINA FILIPINAS Manila NICARÁGUA 1911 1917
1898 1898 I. Virgens
INDOCHINA FILIPINAS NICARÁGUA
PANAMÁ 1903 1911 1917
MALÁSIA 1898
CINGAPURA
MALÁSIA PANAMÁ 1903
Equador
Equ
uad
uad
Bórneo
CINGAPURA
Sumatra I. Galápagos Equador
Equ
uad
uad
Bórneo
Sumatra NOVA GUINÉ (Equador)
I. Galápagos
(Equador) AMÉRICA
Java NOVA GUINÉ I. de Páscoa
(Chile) DO SUL
AMÉRICA
Java I. Fiji I. de Páscoa
OCEANO (Chile) DO SUL
I. Fiji
ÍNDICO
OCEANO I. Tutuila
1900
ÍNDICO I. Tutuila
AUSTRÁLIA 1900
I. Fernández
AUSTRÁLIA (Chile)
I. Fernández
ESCALA (Chile)
Sidney 0 1535 ESCALA
3 070 km
Adelaide
Me
M e
Melbourne Sidney NOVA ZELÂNDIA
Adelaide 0 1535 3 070 km
M
Me
Melbourne
e NOVA ZELÂNDIA

Estados Unidos Fonte: Elaborado com base em


Possessões e bases Francesas Japonesas Britânicas KINDER, H.; HILGEMANN, W.
Possessões
Estados Unidos Território
e bases ocupado Possessões e bases Francesas Japonesas Britânicas
Atlas histórico mundial.
Possessões Território Domínio
ocupado Holandesas Alemãs Russas britânico Madrid: Akal, 2006.
Movimentação
e bases Domínio
Holandesas Alemãs Russas britânico
Movimentação

Verificação de leitura 1 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 Diferencie a Segunda Revolução Industrial da 4 Quais foram as principais mudanças na políti-


Primeira Revolução Industrial. → DL/SP/H16/H17/H18 ca externa estadunidense para a América Latina,
2 Relacione o imperialismo com a industrialização. depois da Guerra de Secessão? → DL/CF/SP/H16
→ DL/CF/SP/H7/H8/H9/H17/H18 5 Caracterize a participação dos Estados Unidos na
3 Explique a seguinte frase do texto: "Alguns pensa- guerra de independência de Cuba e na abertura do
dores, empolgados com as ideias evolucionistas, ten- Canal do Panamá. → DL/CF/SP/H7/H15
taram transpô-las para o estudo das sociedades." 6 Explique as críticas de Sousândrade e de José Martí
→ DL/SP/CA/H16 ao expansionismo estadunidense.
→ DL/SP/H4/H14

202 Capítulo 6  O imperialismo

OH_V2_Book.indb 202 13/05/16 12:08


2 Corrida pela África
e Ásia

N
o começo do século XIX, após quase 400 anos de tráfico negreiro,
a escravidão passou a ser questionada com maior vigor em todo o
mundo ocidental. Evidentemente, as reflexões ilustradas do sécu-
lo XVIII e o pensamento liberal do século XIX contribuíram para tais alte-
rações. Mas os novos interesses econômicos, associados ao imperialismo
Jean-Pierre Joblin/Éditions Milan

e ao neocolonialismo, foram decisivos para tais questionamentos, que


implicariam novas ações sobre o continente africano.
Entre os séculos XV e XVIII, arrancar os negros da África e escravi-
zá-los fora justificado como uma atitude cristã, pois seria uma forma
de lhes salvar a alma contra o paganismo e a "barbárie" em que esta-
vam mergulhados. No século XIX, intelectuais europeus denuncia-
vam o genocídio que estava sendo praticado, por meio do comércio
negreiro e encorajavam a conquista do continente para acabar com
os massacres e estimular o desenvolvimento de uma "civilização" nos
moldes da Europa.
Não bastava mais retirar da África suas riquezas; os novos nave-
gantes/exploradores queriam dominar e colonizar do conhecido
A partilha da África, Jean-Pierre Joblin. Gravura
colorida extraída de Au coeur de l'Afrique, Toulouse,
litoral ao misterioso centro do continente, transformando-o em
Édition Milan, 2004. (detalhe) principal palco da política internacional.
OH_V2_C6_p198 O avanço tecnológico representado pelas máquinas a vapor,
de fiar, de tecer, de fundir exigia que a África se "adaptas-
mário yoshida

VIAGENS DOS EXPLORADORES (1854-1877) se" e ocupasse um novo lugar na engrenagem do desen-
volvimento europeu. Mais uma vez a África era convoca-
EUROPA
da, à força, a participar do enriquecimento alheio.
Novos interesses, novas necessidades, novos olha-
res. No alvorecer do século XIX, os europeus descobriram
Á
ÁSIA
que a despeito de as terras africanas terem sido explora-
das desde o século XV, a África subsaariana continuava
Cartum a figurar como "terra incógnita", uma terra quase desco-
Zeila
Fashoda
Berbera nhecida, tal como figurara nos primeiros mapas-múndi.
Härer
Gondokoro Nesse pano de fundo, a partir do século XIX, iniciou-
-se um processo que começou pelas expedições ditas
Nyangwe
Bambarre
Ujiji
"científicas", que rasgaram o interior do continente. Na
Boma Zanzibar
Bagomoyo trilha de exploradores como David Livingstone, Henry
Stanley e Richard Burton vieram os missionários, depois
os comerciantes trazendo os produtos industrializados e,
por fim, os exércitos de ocupação.
Assim, os europeus, empunhando o estandarte da
"civilização", pareciam determinados a cumprir o que
o escritor inglês Rudyard Kipling denominou de "fardo
ESCALA
0 1015 2030 km do homem branco", que convocava todos os europeus a
implantar e espalhar, mesmo com o recurso da força, a
Fonte: Elaborado com base em SMITH, Stephen. Atlas de l'Afrique. Un continent
jeune, révolté, marginalizé. Paris: Autrement, 2005. civilização pelo mundo.

Corrida pela África e Ásia 203

OH_V2_Book.indb 203 13/05/16 12:08


A chamada Conferência de Berlim reuniu-se de
África e os exploradores novembro de 1884 a fevereiro do ano seguinte. Estavam
O trabalho dos exploradores confirmava a existência ali representados 15 países, do quais 13 eram europeus,
no continente de grandes oportunidades econômicas além dos Estados Unidos e do Império Otomano. Os
sob a forma de recursos naturais ou áreas agrícolas. Em Estados Unidos não tinham possessões na África, mas,
1876, o rei da Bélgica, Leopoldo II, expressou seu inte- após a Guerra de Secessão, surgiram como potência em
resse pelo continente durante a realização da Conferên- ascensão e tinham vínculos com a Libéria. O Império
cia Geográfica de Bruxelas, e três anos depois enviava, Otomano dominava grande parte do norte da África e,
entre outros, Henry Stanley para explorar a bacia do rio portanto, tinha lugar garantido.
Congo, estabelecer postos de comércio, assinar tratados A Conferência teve por objetivo regulamentar a
com os chefes locais e reivindicar o território.
expansão e ocupação das potências na África. Inicial-
A pressão internacional em torno da bacia do Congo
mente, ficaram estabelecidas as chamadas zonas de
acentuou-se. Os franceses reagiram a essas notícias,
influência, ou seja, o domínio ou presença de uma
estabelecendo imediatamente protetorados nas margens
potência em um trecho do litoral determinava a posse
ao norte do Congo. Para a Grã-Bretanha não havia inte-
do interior sem limite territorial.
resse em que essa região fosse tomada formalmente.
Esse princípio beneficiava Portugal, por exemplo,
Portugal, por sua vez, sentiu-se ameaçado. Instala-
com longa atuação na zona litorânea do continente.
dos em Angola, os portugueses evocavam direitos his-
Estipulou-se também que o ocupante do território cos-
tóricos sobre o estuário do Congo, na justificativa de
teiro deveria provar que de fato exercia autoridade ali,
que tinham sido os primeiros a chegar à região no sécu-
e esta foi designada de ocupação efetiva.
lo XV. O governo português, temeroso de perder espaço,
iniciou uma série de expedições à região e estabeleceu
uma série de decretos. A partilha da áfrica
O primeiro favorecia a emigração dos portugueses
Mas os resultados da conferência e dos acordos nos anos
para a África Central. O segundo criava "estações civili-
seguintes revelaram o poder das potências de fato. A Grã
zadoras" nos territórios portugueses e adjacentes, cujo
-Bretanha destruiu os sonhos portugueses de um vasto
objetivo era a "propagação da civilização" e da influên-
domínio entre Angola e Moçambique, que teoricamente
cia europeias, particularmente a portuguesa, nos vas-
tos territórios africanos. A Sociedade de Geografia de eram domínios de Portugal (veja mapa na página 205).
Lisboa foi o principal agente do empreendimento. Os britânicos também forçaram os franceses a recuar
As medidas de Portugal e França, entre 1876 e sobre os interesses de expansão sobre o Sudão (veja
1880, indicavam a resolução desses países de instaurar mapa na página 206).
um controle formal sobre a África, o que obrigou o Reino Por fim, Grã-Bretanha e França saíram como as potên-
Unido e a Alemanha a anexarem territórios na África cias com maior extensão de influência na África, sendo
oriental, ocidental e meridional a partir de 1883. seguidas por Portugal e Bélgica. Espanha, Itália e Alema-
O descobrimento de diamantes, ouro, cobre e outros nha foram contempladas com territórios reduzidos.
minérios contribuiu para aguçar a cobiça e a rivalidade Leopoldo II foi declarado governante pessoal do Esta-
dos aventureiros e dos governos. Os europeus deixaram do Livre do Congo, e a bacia do Congo foi transformada em
a "civilidade" de lado e entraram em uma disputa feroz. zona de livre comércio para negociantes de todos os paí-
A consequência foi uma corrida desenfreada para o inte- ses. A região de Tânger, no Marrocos, localizada na entra-
rior africano, em que se ignoraram as fronteiras, tanto da do Estreito de Gibraltar, foi considerada zona interna-
naturais quanto culturais. cional e passou a ser administrada conjuntamente pelas
potências. A Libéria era independente, mas seguia como
protetorado estadunidense. Apenas a Etiópia se constituiu
A Conferência de Berlim como um reino africano independente.
Portugal, temendo ser retirado da corrida, propôs a convo- O Egito tornou-se protetorado britânico. A constru-
cação de uma reunião internacional para resolver os con- ção do Canal de Suez (1859-1869), do qual o governo
flitos territoriais provocados pelas atividades das nações egípcio e capitalistas ingleses e franceses eram os prin-
europeias na região do Congo. Entretanto, foi Otto von Bis- cipais acionistas, colocou o Egito à beira da falência.
mark, chanceler da Alemanha, o organizador do evento. Embora no longo prazo prometesse muito para o país,

204 Capítulo 6  O imperialismo

OH_V2_Book.indb 204 13/05/16 12:08


em termos de comércio e contato com a economia mun- Iniciou-se, assim, uma série de expedições explora-
dial, o canal fora inicialmente desastroso. Ele era impor- tórias e operações militares, sobretudo no sul de Ango-
tante para os ingleses, uma vez que reduzia pela meta- la e na região do rio Zambeze.
de o caminho marítimo de Londres até as Índias, onde Paralelamente, Portugal articulou-se com a França
tinham interesses comerciais. e a Alemanha e procurou obter o reconhecimento dos
A ocupação do Egito pela Inglaterra provocou violen- territórios entre Angola e Moçambique como zona de
ta reação dos egípcios contra os "protetores". Os ingleses, influência portuguesa. Em 1888, o governo português
no entanto, não só permaneceram no país, como esten- negociou secretamente com a Alemanha apoio na Áfri-
deram sua zona de influência para o sul, até o Sudão. ca austral contra os britânicos e passou a investir na
região do lago Niassa, onde já estavam estabelecidas
missões escocesas.
A questão da Libéria
Por outro lado, a Grã-Bretanha, por meio do
Em 1816, um grupo de ricos abolicionistas estaduni- megaempresário Cecil Rodhes, tinha também preten-
denses da Virgínia criou a Sociedade Americana de sões de unir suas possessões com uma ferrovia trans-
Colonização. Eles acreditavam que a solução para os continental, ligando a cidade do Cabo, na África do Sul,
Estados Unidos era convencer os negros libertos a emi-
até o Cairo, no Egito.
grarem para a África. Com o apoio do presidente James
O confronto entre Portugal e Grã-Bretanha culmina-
Monroe, a Sociedade comprou terras na África ociden-
ria, em 11 de janeiro de 1890, com o célebre ultimatum,
tal. Em 1847 foi criada a República da Libéria, cuja
capital foi denominada Monróvia, em homenagem ao no qual os britânicos exigiam a retirada das forças por-
presidente estadunidense. Chegavam à Libéria, com a tuguesas das regiões em conflito, sob a ameaça de rup-
ajuda da Sociedade, negros livres e africanos recaptu- tura das relações diplomáticas e eventuais represálias
rados dos navios negreiros que cruzavam o Atlântico. militares.
Os américo-liberianos, como ficaram conhecidos, Sem alternativa, Portugal cedeu, à custa de fortes
adotaram a cultura ocidental, falavam inglês, estabe- resistências da população, pois os portugueses se con-
leceram o regime de propriedade privada, o cristianis- sideravam os mais antigos e fiéis aliados dos britânicos.
mo e a monogamia. No campo político, o ultimatum permitiu a fixação
As diferenças eram profundas entre américo-libe- dos limites de Moçambique e do sudoeste de Angola, no
rianos e africanos autóctones. Durante todo o sécu- tratado luso-britânico de 1891, e também a definição
lo XIX, os américo-liberianos tentaram "civilizá-los" e
das fronteiras entre Angola e o Estado Livre do Congo.
convertê-los ao cristianismo. OH_V2_C6_p200
Enquanto isso, os Estados Unidos continuavam

MÁRIO YOSHIDA
divididos entre a escravidão e a abolição. Até o pre- ÁFRICA: "MAPA COR-DE-ROSA" PORTUGUÊS E A
sidente Abraham Lincoln, que posteriormente assinou ROTA INGLESA "DO CABO AO CAIRO"
EUROPA
a abolição, em 1863, apoiava a emigração de negros Mar Mediterrâneo

para a Libéria. Cairo


o
M
ar

Península
Portugueses versus britânicos
Ve

Arábica
rm
elh
o

A Conferência de Berlim teve como resultado imediato


a formação do Estado Livre do Congo e a aplicação dos
jeto inglês)

princípios de liberdade de navegação e comércio nas


bacias dos rios Congo e Níger.
Cabo-Cairo (Pro

OCEANO
ATLÂNTICO
Para Portugal, frustravam-se as pretensões de OCEANO
ÍNDICO
expansão para o interior na região do Alto Congo. Toda-
via, após a Conferência, passou a intensificar a ocupação
efetiva de suas possessões e a investir na criação de um
vasto domínio na África central, que uniria as colônias
de Angola e de Moçambique. A representação cartográfi- ESCALA
0 1075 2 150 km
ca foi elaborada pela Sociedade Geográfica de Lisboa, em Cabo

1886, e ficou conhecida como “mapa cor-de-rosa”, por- Fonte: Elaborado com base em AJAYI, J. F. A.; CROWDER, M. Historical atlas of
que a área foi pintada nessa cor. Africa. Essex: Longman, 1985.

Corrida pela África e Ásia 205

OH_V2_Book.indb 205 13/05/16 12:08


OH_U5_pag534
MÁRIO YOSHIDA
mal de educação para as populações, mesmo que com
África (1914)
o objetivo de transformá-las em instrumentos mais efi-
EUROPA
cientes para exploração das riquezas.
MARROCOS
Desse modo, o neocolonialismo europeu retirou da
RIO DE LÍBIA
África sua soberania e independência. Privou os povos
OURO EGITO
africanos de dirigir seu destino, planejar o próprio
CABO ÁFRICA OCIDENTAL
FRANCESA
Península
desenvolvimento e gerir sua economia. O neocolonialis-
VERDE
Rio
S
Arábica
en
eg

mo privou os africanos de um dos direitos inalienáveis


Lago ERITREIA

Rio
GÂMBIA Rio G
Rio
al

Chade

Nil
âm

Vo

GUINÉ

o
SUDÃO DJIBUTI

Azu
l ta
b

dos seres humanos: a liberdade.


ia

l
e
COSTA Lago Rio Benu
SERRA LEOA DO OURO Volta NIGÉRIA ETIÓPIA

Ri o N
LIBÉRIA TOGO

ilo Bra
Resistências africanas
CAMARÕES
Zaire (C SOMÁLIA

nco
Rio
ÁFRICA ÁFRICA
on
SÃO TOMÉ
EQUATORIAL go ORIENTAL
i
gu

FRANCESA Rio CONGO )


n

Durante muito tempo os colonizadores europeus justifi-


K as
ba

OCEANO Rio
U ai
Lago ÁFRICA OCEANO
ATLÂNTICO Tanganica ORIENTAL ÍNDICO
ALEMÃ
Lago
caram a dominação por meio da ideia de que a África era
Niassa COMORES
ANGOLA
oZ
am beze NIASSALÂNDIA um continente onde reinavam a anarquia política, a sel-
Ri

vageria, a escravidão, a ignorância e a miséria. De certo


E
U

RODÉSIA
Q

SUDOESTE
BI

DO NORTE
M

AFRICANO Limpopo
Ri o MADAGÁSCAR
ÇA

modo, ainda hoje são costumeiras essas justificativas.


O

BECHUANALÂNDIA
M

UNIÃO SUAZILÂNDIA

Outra ideia corriqueira é a de que os africanos não


SUL-AFRICANA
Rio Oran
ge BASUTOLÂNDIA

ESCALA
possuíam sentimento nacional e que teriam aceitado
0 1150 2 300 km a ocupação, o espólio e a servidão promovidos pelas
potências europeias sem resistência.
Fonte: Elaborado com base em AJAYI, J. F. A.; CROWDER, M. Historical atlas of
Africa. Essex: Longman, 1985. Na verdade, mesmo em desvantagem, os povos afri-
canos resistiram e lutaram contra os europeus duran-
O impacto da conquista e ocupação te todo o Período Colonial. Cada povo, à sua maneira,
De 1880 a 1914, quase todo o continente africano foi resistiu à dominação europeia. A tática de resistência
repartido politicamente e sistematicamente ocupa- assumiu diversas formas: revoltas, rebeliões, migra-
do pelas nações industrializadas. Os anos posteriores ções e boicotes. Houve reação dos chefes ou reis que
caracterizaram-se pela instalação, consolidação e explo- viam na ocupação europeia uma ameaça aos privilé-
ração do sistema colonial. gios e reação popular, desencadeada contra o sistema
As potências europeias dividiram o continente em colonial.
cerca de 40 unidades políticas cujos limites, muitas Na África meridional, os zulus, ndebeles, bembas
vezes, formados por linhas retas, cortaram de forma arbi- e yaos, em conjunto, ocupavam e dominavam as terras
trária as fronteiras étnicas e linguísticas. Ou seja, a Áfri- mais férteis e ricas em recursos minerais. Não estavam
ca foi dividida artificialmente em colônias de diferentes dispostos a ceder suas terras aos bôeres, descendentes
dimensões, que podiam abrigar diversos povos distintos. de holandeses ou britânicos, sem combater, resistindo à
Como resultado, populações aparentadas e antes ocupação europeia por meio do conflito armado.
unidas acabaram, por vezes, separadas pelas fronteiras O Reino Zulu foi destruído após uma aliança entre
estabelecidas e povos historicamente rivais foram obri- forças bôeres e britânicas, dada a sua força militar. Em
gados a conviver sob um mesmo território. O "fardo do uma batalha memorável, os zulus enfrentaram e repeli-
homem branco", a partir daí, seria elaborar mecanis- ram as tropas britânicas, em 1879.
mos para dominar os territórios assim divididos. Foram O nome que a nação matabele (ndebele) deu à sua
nomeados administradores, aprovadas novas leis, subs- resistência armada foi Chimurenga (1896-1897). O primei-
tituídos chefes tradicionais por outros de maior conve- ro ataque contra os europeus foi na cidade de Essexvale,
niência e aprovados impostos, taxas e trabalho forçado na Rodésia (atual Zimbabwe), propagando-se depois por
para a abertura de estradas, ferrovias e obras públicas. toda a região. No combate entre os ndebeles e britânicos,
A dominação exigia a criação de um complexo siste- soldados africanos que combatiam com os últimos deser-
ma que envolvia o desenvolvimento de novos meios de taram com suas armas e se juntaram aos ndebeles.
transporte, introdução de novas formas de agricultura e Os hereros e hotentotes, no sudoeste africano, revol-
exploração de minérios, instalação de indústrias e tec- tados pelo confisco de suas terras, em 1904 enfrentaram
nologias, expansão da economia de mercado e propaga- as tropas alemãs, mataram colonos europeus, destruí-
ção do cristianismo. Envolvia também um sistema for- ram fazendas e confiscaram o gado.

206 Capítulo 6  O imperialismo

OH_V2_Book.indb 206 13/05/16 12:08


Em Angola, a presença dos portugueses deparou-se nado em 24 de setembro de 1872. A revolta dos dembos
com uma resistência constante, obrigando o exército colo- trouxe consigo várias consequências para a colônia, como:
nial a manter-se em estado de alerta permanente e a orga- a supressão do dízimo e dos direitos de portagem e de
nizar mais de uma centena de campanhas que mobiliza- pesca em toda Angola e a independência para os dembos.
ram milhares de soldados durante mais de meio século. A migração em massa foi outro recurso utilizado pelas
Em 1872, a região dos dembos, entre os rios Dande e populações para resistir à dominação europeia. Quando a
Bengo, em Angola, foi palco de um levante que, alastran- situação se tornava intolerável, aldeias inteiras abandona-
do-se gradualmente, provocaria o refluxo das autoridades vam seus territórios de origem e partiam para zonas situa-
portuguesas. Toda a fronteira norte do Golungo Alto foram das fora do alcance das autoridades coloniais.
controladas durante décadas pelos revoltosos. Entre os A resistência também partiu de africanos instruídos
rios e a região denominada Quissama os dembos seriam fixados nos centros urbanos, que criavam clubes e asso-
uma ameaça sempre presente e uma barreira que impedia ciações que lhes serviam de base de contestação con-
o avanço comercial e agrícola dos colonizadores. tra os abusos e as injustiças da administração colonial.
Diante da falta de recursos para obter uma vitória mili- O jornal surgiu como veículo privilegiado de denúncia,
tar, os portugueses decidiram por um acordo de paz, assi- reivindicação e afirmação das identidades.
MÁRIO YOSHIDA

resistências africanas (séculoS XIX-XX)


EUROPA

Abd el-Kader Mar Mediterrâneo


1832-1847

III
Denshawai

III
senoussis 1906
contra os italianos
1912-1931

Ma
rV
erm
Península
Ma al-Ainin Arábica

elh
1906-1912

o
Tuaregue
1916-1917
Mossi mahadistas
Samory 1908 Revoltas 1898
1884-1898 1897-1900 Etíope
Revoltas
1899-1906
Somba 1896
1915
Somali
1891-1920
Ashanti
1869 e 1872

Bunyoro
1891-1899

Gusil
Tutsi e Hutu 1905-1908
Revol
Re lta
Revoltas 1911-1917 OCEANO
1
189
8966-18
-18
898
898
89
1896-1898
Burundi ÍNDICO
1934 Abushiri
Héhé 1888-1889
Dembos 1891-1898
OCEANO 1872
Maji-Maji
1905-1907
ATLÂNTICO O vimbundo
Ovimbundodo
o
1
19
1911-1915
1911-1915
Hu
umb be, B
Humbe, ié

Bié Chilembwe
eC umato
Cumato 1915
1904
1904
Matebele
Hotentote (ndebele) Revoltas
e Herero e Shona 1898
1904-1906 1896 1904

ESCALA
0 525 1 050 km

Zulu
1879 e 1905
Fronteiras políticas atuais
Principais centros de resistências

Fonte: Elaborado com base em KLEIN, J-F; SINGARAVÉLOU, P.; SUREMAIN, M-A. Atlas des empires coloniaux. Paris: Autrement, 2012; SMITH, S. Atlas de l'Afrique.
Paris: Autrement, 2005.

Corrida pela África e Ásia 207

OH_V2_Book.indb 207 13/05/16 12:08


A questão da África do Sul Tá na rede!
Desde o século XVII, alguns holandeses (bôeres) viviam
no Sul da África, onde criavam gado. Os ingleses che- PROJETO JOSHUA
garam à região no princípio do século XIX e montaram Digite o endereço abaixo na
postos de abastecimento para suas embarcações que barra do navegador de internet:
rumavam para a Índia. Os holandeses, para evitar o con- https://goo.gl/4N7KoO. Você pode
Portal que disponibi-
flito imediato com os ingleses, transferiram-se para o também tirar uma foto com um liza dados (imagens,
interior do território sul-africano, lutando contra grupos aplicativo de QrCode para saber história, geografia,
nativos, como os zulu, e lá se estabeleceram. mais sobre o assunto. Acesso em: cultura) sobre dife-
12 abr. 2016. Em inglês. rentes povos ao re-
No final do século, as possessões inglesas já dor do mundo.
incluíam a Cidade do Cabo e a Rodésia. A descoberta de
ouro e diamantes na região em terras boêres, no entanto,
ampliou as tensões com os holandeses. Em 1880, estou- A Etiópia independente
rou a Primeira Guerra dos Bôeres, cujo resultado permi- Em 1889, a Etiópia estava novamente ilhada. Se no
tiu à república bôer do Transvaal conseguiu obter acesso século XIII o reino cristão etíope estivera cercado por
direto ao mar e limitar o ingresso, em seus territórios, de principados muçulmanos, no século XIX o reino etío-
aventureiros estrangeiros ansiosos pelos minérios. pe independente estava rodeado de colônias europeias.
Na passagem do século XIX para o XX, ocorreu O governo italiano, que já havia estabelecido uma
a Segunda Guerra dos Bôeres (1899-1902), um novo colônia na Eritreia, tinha pretensões de ampliar suas
embate entre ingleses e holandeses. O conflito, longo e conquistas na África. Entre 1895 e 1896, tropas italia-
bastante violento, encerrou-se com a vitória dos britâni- nas invadiram a Etiópia. No entanto, foram derrotados
cos, que anexaram os territórios bôeres a seus domínios pelas forças etíopes sob a liderança do Ras (rei) Mene-
e criaram a União Sul-Africana. lik II, para surpresa das potências europeias.
OH_V2_C6_p203
OH_V2_C6_p203
mário yoshida

A Etiópia e seus vizinhos (1889-1914)

Mar
Vermelho
Mar
Ri
oA

Vermelho IMPÉRIO
tb

Massaoua Ilhas Dahlak OTOMANO


ar
Ri

Asmara
oA

IMPÉRIO
tb

Massaoua
ERITREIA
Ilhas Dahlak OTOMANO
ar

SUDÃO
a

Rio Tekeze
Asmara Iêmen
ANGLO- Adoua
ERITREIA
Axum
-EGÍPCIO
SUDÃO Rio Tekeze
Metena Tigré
Iêmen
Assab
ANGLO- Adoua
Rio

Áden
Rio Nilo Branco

Axum Yeju
-EGÍPCIO Gondar
Nil

Tigré
Begameder
Metena
Assab Obock Golfo de Áden
oA
Rio

DjiboutiÁden
Rio Nilo Branco

Yeju
Debre
zul

Tabor Magdala
KouaraGondar
Nil

Begameder ObockZeila
Golfo de Áden
oA

Etiópia sob governo do imperador


Debre Wollo
Godjam Djibouti Johannes IV (1876)
zul

Kouara Tabor Magdala Berbera Hafun


Zeila Etiópia sobsob
governo do imperador
wash

Etiópia governo do imperador


Godjam Choa
Wollo Diré Daoua SOMÁLIA Johannes
MenelikIVII(1876)
(1888)
Rio Adis-Abeba Harer Berbera Hafun
BRITÂNICA
Rio A

So
wash

b Etiópia sob governo


Territórios dopor
cedidos imperador
Menelik II
at Choa Diré Daoua SOMÁLIA Menelik II (1888)
à Itália (1889)
Rio Adis-Abeba Harer BRITÂNICA
Rio A

So Djima Territórios cedidos por Menelik II


b at Expansão sob Menelik (1890-1896)
Ri à Itália (1889)
oG Ogaden
Kaffa
Djima en
OCEANO Expansão sob Menelik (depois de 1896)
ale Rio Expansão sob Menelik (1890-1896)
Ri Ché Ogaden
O mo oG béli ÍNDICO
Kaffa Rio en Territórios
Expansão adquiridos pelas
sob Menelik potências
(depois de 1896)
ale Rio SOMÁLIA OCEANO
Ché Obbia europeias nos anos 1880 e expansão posterior
mo béli ITALIANA ÍNDICO
Rio O Rio Dawa Territórios adquiridos
SOMÁLIA Itália pelas potências
Obbia europeias nos anos 1880 e expansão posterior
Rio Dawa ITALIANA
Lago França
Itália
Rodolfo
Lago Grã-Bretanha
França
Rodolfo ÁFRICA
Mogadíscio
Rio D

ORIENTAL Grã-Bretanha
BRITÂNICA
ÁFRICA Merca
joub

Mogadíscio
Rio D

ORIENTAL Brava ESCALA Fonte: Elaborado com base em SMITH, Stephen.


Lago Merca
a

BRITÂNICA 0 215 430 km Atlas de l'Afrique. Un continent jeune, révolté,


jo

Vitória
Brava marginalizé. Paris: Autrement, 2005.
uba

ESCALA
Lago
Vitória 0 215 430 km

208 Capítulo 6  O imperialismo

OH_V2_Book.indb 208 13/05/16 12:08


Ao contrário do que acontecia na Índia, a China
A corrida pela Ásia manteve seu mercado fechado aos produtos europeus
Diferentemente do que ocorreu na África, onde os euro- até a década de 1840. Os chineses vendiam chá, por-
peus encontraram comunidades divididas e, em mui- celanas e sedas para a Europa, mas importavam pou-
tos casos, em guerra, a ação imperialista na Ásia teve quíssimas mercadorias. Para compensar o déficit na
de enfrentar impérios consolidados há séculos e popu- relação comercial, alguns britânicos transportavam
lações unificadas por tradições culturais e religiosas. ópio da Índia para a China. As autoridades chinesas,
no entanto, temiam os efeitos da droga entre os traba-
Índia e China lhadores e os soldados e, mais de uma vez, tentaram
Por meio de diversas guerras comerciais e com o proibir sua comercialização.
apoio de sua frota naval, os ingleses se apossaram da
Birmânia e da Índia ainda no século XVIII, afastando
Faça
os representantes de outras potências europeias. Rapi-
damente, a Índia tornou-se a mais importante posses-
Tá ligado?! em se
cadernu
o

são britânica. A Companhia Britânica das Índias Orien- (PUC-RS) Considere as afirmações sobre o
tais comercializava grandes quantidades de produtos Imperialismo e o Neocolonialismo na segunda meta-
industrializados, principalmente tecidos de algodão, de do século XIX e princípio do século XX.
oriundos das fábricas inglesas, e obtinha sedas e peças I. A chamada Segunda Revolução Industrial é o
artísticas, que eram comercializadas nas lojas e nos lei- fenômeno econômico condicionante do neocolo-
lões de Londres. nialismo, à medida que amplia, nos países indus-
As reações internas à dominação britânica eram trializados, a necessidade de fontes externas
grandes. Elas incluíam resistências religiosas de budis- de matérias-primas, bem como de novas áreas
tas e hinduístas e insatisfações de comerciantes de teci- fornecedoras de mão de obra escrava em larga
dos locais, prejudicados pela redução das tarifas alfan- escala.
degárias, que os ingleses impunham para facilitar a II. A descoberta de diamantes no Transvaal (1867)
venda de seus produtos têxteis. Para manter o contro- e de ouro e cobre na Rodésia (1889) motivaram
le sobre a região, a Companhia das Índias recrutava os os países industrializados da Europa a tentar
cipaios – soldados indianos que, em troca de remune- garantir domínio exclusivo sobre parcelas do
ração, participavam da repressão a protestos e revoltas. continente africano.
Na década de 1850, os cipaios revoltaram-se con- III. A Conferência de Berlim (1885-1887), convocada
tra seus contratadores. Eles estavam insatisfeitos com por Otto von Bismarck, fixou regras para a cha-
a obrigatoriedade de pagamento de impostos, reclama- mada partilha da África, as quais favoreceram a
vam da mistura de pessoas procedentes de castas dife- Alemanha e a Itália recém-unificadas, que assim
rentes nas tropas (a divisão e a hierarquia social na compensaram seu ingresso tardio na corrida
Índia eram bastante rígidas) e do uso de gordura ani- imperialista.
mal na impermeabilização dos cartuchos utilizados IV. O Japão e os Estados Unidos, como potências
nos fuzis – a maioria dos indianos, por motivos religio- não europeias, participaram ativamente da cor-
sos, não ingeriam nem manu- rida imperialista, buscando estabelecer áreas de
seavam produtos de origem Cipaio: soldado in- influência colonial ou semicolonial, em guerras
diano que atuava como
bovina. A Revolta dos Cipaios mercenário a soldo contra a Rússia e a Espanha, respectivamente.
provocou a morte de mui- da Companhia das Estão corretas somente as afirmativas:
Índias e, mais tarde,
tos britânicos que viviam na dos ingleses, franceses a) I e II.
Índia, inclusive autoridades e portugueses.
eclesiásticas, políticas e mili- b) I e III.
tares. As forças britânicas só c) II e III.
conseguiram abafar a rebelião com o apoio de alguns d) II e IV.
príncipes indianos. Após o fim da revolta, o Parlamento e) I, III e IV.
inglês encerrou o controle político da Índia pela Com-
→ DL/CF/H7/H9/H28
panhia de Comércio e iniciou uma política de colabora-
→ conforme tabelas das páginas 8 e 9.
ção com as lideranças locais.

Corrida pela África e Ásia 209

OH_V2_Book.indb 209 13/05/16 12:08


Em 1839, o imperador da China determinou a sus- 1858), aportou em Uraga, próxima a Tóquio, e amea-
pensão da venda de ópio e a apreensão e queima dos çou bombardear a cidade caso não fosse recebido pelas
estoques. Pressionada pelos comerciantes, a monar- autoridades japonesas. A pressão militar gerou nego-
quia inglesa declarou guerra à China. Era a primeira ciações que desembocaram na assinatura, no ano
das duas Guerras do Ópio (1839-1842 e 1856-1860), seguinte, do Tratado de Kanagawa. Segundo o acordo,
que abriram o mercado da China às mercadorias euro- os navios comerciais estadunidenses passavam a ter
peias e promoveram o ingresso de tropas britâni- autorização para atracar em portos japoneses e estabe-
cas em parte do império chinês. No final do mesmo lecer relações comerciais regulares.
século, a derrota chinesa na Guerra Sino-japonesa Pouco mais de dez anos depois, a Revolução Meiji
(1894-1895) fragilizou ainda mais o país e facilitou (1868) ampliou os poderes do imperador, que vivia há
a penetração estrangeira na região. Alemanha, Esta- mais de seis séculos sob a tutela dos xoguns, militares
dos Unidos, França, Inglaterra e Rússia passaram a e senhores de terras. Ao contrário da política externa
atuar amplamente China e impuseram regras de livre de isolamento, desenvolvida pelos xoguns, o impera-
comércio. dor Mutsuhito ampliou o contato com o Ocidente e ini-
Grupos de chineses insatisfeitos criaram associa- ciou um amplo processo de reformas e modernização
ções com o objetivo de resistir. A mais conhecida delas no país, que incluiu a implantação de novo sistema
foi a Sociedade dos Punhos Justos e Harmoniosos educacional (que erradicou o analfabetismo), a reor-
(boxers, para os europeus), que lutava pela expulsão ganização dos exércitos (inspirada na formação das
dos estrangeiros e pela punição aos chineses que acei- tropas europeias), o desenvolvimento industrial e a
tassem os valores culturais do Ocidente. assinatura de diversos acordos comerciais com países
do Ocidente.
Japão Durante o período Meiji o Japão transformou-se
O Japão também procurou manter-se afastado do Oci- numa potência internacional e imperialista, que entre
dente. Teve sucesso até 1853, quando uma expedição o final do século XIX e o início do XX entrou em conflito
OH_V2_C6_p204
estadunidense, liderada por Matthew C. Perry (1794- com a China e com a Rússia, saindo vitoriosa.

MÁRIO YOSHIDA
IMPERIALISMO NA ÁSIA E OCEANIA (1900)
IMPÉRIO RUSSO
IMPÉRIO
OTOMANO CHINA COREIA O
JAPÃO
AFEGANISTÃO
PÉRSIA
NEPAL BUTÃO

Chandernagore TAIWAN
Diu ÍNDIA MACAU
Damão
Yanaon
Goa SIÃO Ilha de OCEANO
Pondicherry Ilhas Guam
Mahé Karikal
INDOCHINA
Filipinas PACÍFICO

ÁFRICA

NOVA
ÍNDIAS ORIENTAIS HOLANDESAS GUINÉ

PAPUA
OCEANO TIMOR

ÍNDICO
MADAGASCAR

Possessões inglesas
AUSTRÁLIA
Possessões francesas
Possessões holandesas
Possessões portuguesas
Possessões alemãs
NOVA
Possessões japonesas ZELÂNDIA
ESCALA
0 1120 2 240 km Possessões estadunidenses

Fonte: Elaborado com base em BLACK, J. (Org.). World history atlas. Londres: Dorling Kindersley, 2008; KINDER, H.; HILGEMANN, W. Atlas histórico mun-
dial. Madrid: Akal, 2006.

210 Capítulo 6  O imperialismo

OH_V2_Book.indb 210 13/05/16 12:08


Um Outro Olhar Física
As sensações provocadas nos passageiros, dentro de dois momentos anteriores parecerem projeções em câma-
um carrinho, durante o trajeto em uma montanha-russa, ra lenta".
podem ser associadas a determinadas transformações his- SEVCENKO, Nicolau. A corrida para o século XXI. No loop da
tóricas, como se observa no texto: montanha-russa. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 14-16.

[Montanha-russa Nicolau Sevcenko(1952-2014), professor de História da


Universidade de São Paulo e um dos principais pesquisadores
tecno-industrial] brasileiros sobre a História Contemporânea. É autor de
diversos livros e artigos e recebeu vários prêmios por sua
"Uma das sensações mais intensas e perturbadoras que se destacada produção intelectual.
pode experimentar, neste nosso mundo atual, é um pas-

NICK NOLTE
seio na montanha-russa. [...]
Essa imagem da montanha-russa [...] presta-se bem
para indicar algumas das tendências mais marcantes do
nosso tempo. Para isso dividamos a experiência descri-
ta acima em três partes. A primeira é a da ascensão contí-
nua, metódica e persistente [...] Essa fase pode representar
o período que vai, mais ou menos, do século XVI até mea-
dos do século XIX. [...]
A segunda é a fase em que, num repente, nos precipi-
tamos numa queda vertiginosa, perdendo as referências do
espaço, das circunstâncias que nos cercam e até o contro-
le das faculdades conscientes. Isso aconteceu por volta de
1870 [...] Nunca é demais lembrar que esse foi o momento
no qual surgiram os parques de diversões e sua mais espe-
tacular atração, a montanha-russa, é claro.
A terceira fase, na nossa imagem da montanha-russa,
é a do 'loop', a síncope final e definitiva, o clímax da acele-
ração precipitada. A escala das mudanças desencadeadas,
a partir desse momento, é de uma tal magnitude que faz os
Trecho da Millennium Force. Ohio, Estados
Unidos, 2004.
Faça
em se → conforme tabelas das páginas 8 e 9.
cadernu
o

Questões adaptadas da Fuvest-SP 2011. relação ao solo) em seu ponto mais alto. Qual a velo-
1 Explique as três fases históricas mencionadas no texto. cidade que atingiria à altura de 10 metros do solo um
carrinho partindo do repouso deste ponto? Considere g
2 A montanha-russa Millenium Force, localizada no par- = 10 m/s2 e despreze as forças de atrito.
que de diversões Cedar Point, Ohio, Estados Unidos,
possui, aproximadamente, 90 metros de altura (em → DL/CF/H1/H3/H16/H19

Verificação de leitura 2 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 Quais as justificativas encontradas pelos europeus na 205. → DL/CF/SP/H6/H8


para o imperialismo? → DL/SP/H7/H9 4 O que foi estabelecido pela Conferência de Berlim?
2 Analise o processo de criação da Libéria. → DL/SP/H7/H8
→ DL/CF/SP/H8 5 Cite um exemplo de resistência à dominação impe-
3 Identifique e explique o projeto português repre- rialista para a África e um para a Ásia.
sentado pelo chamado "Mapa cor-de-rosa", da pági- → DL/SP/H7/H10/H11

Corrida pela África e Ásia 211

OH_V2_Book.indb 211 13/05/16 12:08


Engenho Arte
Engenho E Arte
Leitura complementar
O historiador britânico Eric Hobsbawm sintetizou as principais características da chamada Segunda Revolução
Industrial. Leia o texto abaixo com atenção:

[A Segunda Revolução Industrial]


"A partir da Revolução Industrial, a transformação da eco- Consistiu simplesmente na expansão sistemática do siste-
nomia tornou-se contínua, mas de vez em quando os resul- ma fabril – a divisão da produção manufatureira numa ampla
tados cumulativos dessas mudanças aparecem com tanta série de processos simples, cada qual realizado por uma
intensidade que os observadores são tentados a falar de uma máquina especializada movida a energia mecânica – a áreas
'segunda' revolução industrial [...] até então intocadas pelo sistema [...]
A primeira mudança, [...] a longo prazo, a mais profunda, A terceira mudança importante [...]: consistiu na desco-
deu-se no papel da ciência na tecnologia. Na primeira fase da berta de que o maior mercado potencial estaria nos crescen-
industrialização, essa influência foi [...] pequena e de impor- tes rendimentos da massa de trabalhadores nos países eco-
tância secundária [...] nomicamente desenvolvidos [...]
[...] os principais progressos técnicos da segunda meta- A última grande mudança foi o aumento na escala da
de do séc. XIX foram essencialmente científicos; ou seja, empresa econômica, a concentração da produção e da pro-
exigiam como mínimo indispensável para invenções origi- priedade, o surgimento de uma economia composta de um
nais algum conhecimento das novas evoluções no campo da punhado de rochas – trustes, monopólios e oligopólios [...]
ciência pura, um processo muito mais organizado de experi- HOBSBAWM, E. J. Da Revolução Industrial inglesa ao imperialismo.
mentação científica e de comprovação prática, para aperfei- Rio de Janeiro: Forense, 1979. p. 160-164.
çoamento daquelas invenções, e uma ligação cada vez mais E. J. E. Hobsbawm(1917-2012) foi um dos principais
estreita e contínua entre industriais, tecnologistas e cientis- historiadores marxistas, autor de estudos sobre o
tas profissionais e instituições científicas [...] desenvolvimento e as crises do capitalismo.
A segunda mudança de vulto foi menos revolucionária.
Faça
em se → conforme tabelas das páginas 8 e 9.
cadernu
o

1 Identifique as mudanças características da Segunda 3 Pesquise e explique com suas palavras o significado
Revolução Industrial, como é apontado por Hobsbawm. desses três termos que aparecem ao final do texto:
→ DL/CF/SP/H9/H16//H17/H19 "monopólio", "trustes" e "oligopólio".
2 Quais seriam as implicações da questão do mercado → DL/CF/SP/H9/H16//H17/H19
potencial vinculado aos rendimentos dos trabalhado-
res? → DL/SP/H7/H11

Faça
Mãos à Obra em se
cadernu
o

1 (Enem) "A formação dos Estados foi certamente distinta que, mais tarde, sobreviveram ao processo de descoloni-
na Europa, na América Latina, na África e na Ásia. zação, dando razão para conflitos, que, muitas vezes, têm
sua verdadeira origem em disputas pela exploração de
Os Estados atuais, em especial na América Latina – onde recursos naturais. Na Ásia, a colonização europeia se fez
as instituições das populações locais existentes à época de forma mais indireta e encontrou sistemas políticos e
da conquista ou foram eliminadas, como no caso do administrativos mais sofisticados, aos quais se superpôs.
México e do Peru, ou eram frágeis, como no caso do Brasil Hoje, aquelas formas anteriores de organização, ou pelo
–, são o resultado, em geral, da evolução do transplante menos seu espírito, sobrevivem nas organizações políti-
de instituições europeias feito pelas metrópoles para suas cas do Estado asiático."
colônias. Na África, as colônias tiveram fronteiras arbitra- GUIMARÃES, S. P. Nação, nacionalismo, Estado. Estudos avançados.
riamente traçadas, separando etnias, idiomas e tradições, São Paulo: Edusp, v. 22, n. 62, jan.-abr., 2008. (adaptado)

212 Capítulo 6  O imperialismo

OH_V2_Book.indb 212 13/05/16 12:08


Relacionando as informações ao contexto histórico e c) À época das conquistas, a América Latina, a África
geográfico por elas evocado, assinale a opção corre- e a Ásia tinham sistemas políticos e administrati-
ta acerca do processo de formação socioeconômica vos muito mais sofisticados que aqueles que lhes
dos continentes mencionados no texto. foram impostos pelo colonizador.
a) Devido à falta de recursos naturais a serem explora- d) Comparadas ao México e ao Peru, as instituições
dos no Brasil, conflitos étnicos e culturais como os brasileiras, por terem sido eliminadas à época da
ocorridos na África estiveram ausentes no período conquista, sofreram mais influência dos modelos
da independência e formação do Estado brasileiro. institucionais europeus.
b) A maior distinção entre os processos histórico for- e) O modelo histórico da formação do Estado asiá-
mativos dos continentes citados é a que se esta- tico equipara-se ao brasileiro, pois em ambos se
belece entre colonizador e colonizado, ou seja, manteve o espírito das formas de organização
entre a Europa e os demais. anteriores à conquista.
→ DL/CF/H1/H7/H8/H9
2 (Enem) "[...] Um operário desenrola o arame, o outro o endireita, um terceiro corta, um quarto o afia nas pontas para a
colocação da cabeça do alfinete; para fazer a cabeça do alfinete requerem-se três ou quatro operações diferentes; [...]"
SMITH, Adam. A riqueza das nações. Investigação sobre a sua natureza e suas causas. São Paulo: Nova Cultural, 1985. v. I.

THAVES 1996/Dist. by Universal


Uclick for UFS
Frank & Ernest, Thaves. Ilustração extraída do Jornal do Brasil, 19 de fevereiro de 1997.

A respeito do texto e do quadrinho são feitas as Sobre a conjuntura deste novo mundo a partir da
seguintes afirmações: década de 1880, podemos concluir que:
I. Ambos retratam a intensa divisão do trabalho, à I. A concorrência entre as novas potências indus-
qual são submetidos os operários. trialmente mais bem equipadas resultou em con-
II. O texto refere-se à produção informatizada e o centrações e centralizações do capital, gerando
quadrinho, à produção artesanal. grandes empresas com poder suficiente para
III. Ambos contêm a ideia de que o produto da ativi- monopolizar segmentos inteiros do mercado.
dade industrial não depende do conhecimento de II. As potências capitalistas do Ocidente empreende-
todo o processo por parte do operário. ram uma política de ocupação territorial e econô-
Dentre essas afirmações, apenas mica comumente denominada de Imperialismo;
a) I está correta. III. As rivalidades interimperialistas provocaram
b) II está correta. uma intensa militarização da concorrência inter-
c) III está correta. nacional, o que conduziu à formação de dois
d) I e II estão corretas. blocos políticos e ideológicos antagônicos: o
e) I e III estão corretas. capitalista e o socialista.
→ DL/SP/H11/H16 Dessas afirmações:
3 (UFAmazonas) Em sua obra A era dos impérios, o his- a) Todas estão corretas;
toriador inglês Eric Hobsbawm comenta: b) Apenas I e III estão corretas;
"Os centenários foram inventados no fim do século c) Apenas II e III estão corretas;
XIX. Em algum momento entre o centésimo aniversá- d) Apenas I e II estão corretas;
rio da Revolução Americana (1876) e o da Revolução e) Nenhuma está correta.
Francesa (1889) – ambos comemorados com as expo- → DL/CF/SP/H5
sições internacionais de praxe – os cidadãos instruídos
do mundo ocidental tomaram consciência do fato de 4 (Unicamp-SP) "O pan-africanismo, surgido no final do
que aquele mundo, nascido entre a Declaração de século XIX, foi fundamental para a tomada de consciên-
Independência, a construção da primeira ponte de cia das elites culturais africanas em relação às questões
ferro do mundo e a tomada da Bastilha, estava comple- econômicas, sociais, políticas e culturais do continente.
tando cem anos. Qual seria o resultado de uma compa- A ideia de nação continental, que surgiu como sinônimo
ração entre o mundo dos anos 1880 e dos anos 1780?" de solidariedade da raça negra, apresentava ao mundo o

Engenho e Arte 213

OH_V2_Book.indb 213 13/05/16 12:08


que significa ser africano, incluindo dois legados: o resga- sível nenhuma ação positiva, nenhuma mudança impor-
te da África pelos africanos e a ideia de pátria comum de tante no status ou no território de qualquer dos lados.
todos os negros em solo africano, com supostos valores As colônias tornaram-se um modo de sair do impasse."
comuns para se pensar estruturas políticas autônomas." FIELDHOUSE. Apud B. J. Cohen. A questão do imperialismo.
Adaptado de HERNANDEZ, Leila Leite. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.
A África na sala de aula: visita à História Contemporânea.
São Paulo: Selo Negro, 2005. p. 157. Indique, tomando como ponto de referência os tex-
tos, dois fatores que estimularam a expansão impe-
a) Por que a recriação de valores comuns foi útil ao
rialista entre 1870 e 1914. → DL/CF/H1/H7/H9
pan-africanismo? → DL/CF/SP/CA/H7/H8/H9/H18
b) A ocupação do continente africano pelos euro-
6 (UFRJ) "As potências europeias tinham podido intervir
na África e reparti-la em conformidade com suas ideias
peus se relaciona a dois processos históricos: o
próprias de equilíbrio de poder, porque nem os Estados
colonialismo do século XVI e o imperialismo do
Unidos nem a Rússia estavam diretamente envolvi-
século XIX. Cite duas características de cada um
desses processos que os diferenciem. dos nas questões políticas africanas. [...] No Extremo-
-Oriente, não eram só as potências europeias que,
→ DL/CF/SP/CA/H7/H8/H9/H18
como na África, davam as cartas."
5 (UERJ) "Se tivéssemos de definir o imperialismo da Fonte: BARRACLOUGH, Geoffrey. Introdução à História
forma mais breve possível, diríamos que ele é a fase Contemporânea. São Paulo: Círculo do Livro, 1975. p. 96.
monopolista do capitalismo." No que se refere ao Extremo-Oriente da passagem do
LENIN, V. I. O Imperialismo: fase superior do capitalismo. século XIX para o século XX, o equilíbrio de poder
São Paulo: Global, 1987. também resultava da atuação de Estados Nacionais
"Melhor seria ver o imperialismo como uma extensão à não europeus.
periferia da luta política na Europa. No centro, o equilí- Identifique dois desses Estados Nacionais não euro-
brio estava ajustado tão perfeitamente que não era pos- peus. → DL/CF/CA/H7/H9

Faça
Em Cartaz em se
cadernu
o

Greystoke, a lenda de Tarzan Câmera


• Este filme foi baseado em obra literária do século XIX,
Diretor: Hugh Hudson
DIVULGAÇÃO

País: Inglaterra
que apresenta a lenda de Tarzan. Como se sabe, as
Ano: 1984 lendas não têm necessário compromisso com os dados
de realidade. Desse modo, é possível identificar situa-
ções bastante inverossímeis na obra de Hugh Hudson.
Identifique e descreva algumas dessas passagens.
• Descreva os momentos em que, ainda na selva,
Um naufrágio na costa africana e a posterior perda dos Tarzan parece reconhecer sua humanidade.
pais colocam uma criança entre um grupo de macacos • Descreva as passagens em que, em contato com a
selvagens. Adotado por uma das macacas, o menino se cultura europeia, Tarzan (como John Clayton) reco-
desenvolve culturalmente como se fosse símio, até ser nhece sua identidade com o mundo animal.
encontrado, vinte anos depois, por um integrante de
uma missão inglesa. Com apoio desse tutor, ele retorna à Ação
Escócia, onde encontra seu avô, conhece Jane e se vê her- A partir de seus estudos na unidade e das observações
deiro das terras de Greystoke. A vida nessa nova realida- acerca do filme, responda às questões abaixo:
de o colocará diante de inúmeros conflitos.
1 Em sua opinião, qual é o conflito presente na trajetó-
Luzes ria de Tarzan?
Retome as instruções oferecidas para análise de filmes 2 Em que medida esse conflito está relacionado às ques-
nos Procedimentos metodológicos da página 10. tões do imperialismo europeu e ao darwinismo social?
Leia novamente o item A expansão imperialista (p. → DL/CF/SP/CA/H4/H11/H14/H15
196). Em seguida, escreva uma síntese sobre a relação
entre o darwinismo social e o imperialismo.

Estante • MELLO E SOUZA, M. África e Brasil africano. São Paulo: Ática, 2007.

214 Capítulo 6  O imperialismo

OH_V2_Book.indb 214 13/05/16 12:08


1 (Fatec-SP) Ata Geral da Conferência de Berlim lação, de nelas encontrarmos novos mercados
– 26 de fevereiro de 1885. para os produtos de nossas fábricas e de nossas
minas. O Império, sempre repeti, é uma questão
"Capítulo 1 – Declaração referente à liberdade
de sobrevivência. Se vós quiserdes evitar a guer-
de comércio na bacia do Congo […]
ra civil, cumpre que vos torneis imperialistas."
Artigo 6 – Todas as Potências que exercem direi-
Radar
Cecil Rhodes, 1895.
tos de soberania ou uma influência nos referidos
territórios comprometem-se a velar pela conser- Segundo o comentário de C. Rhodes, pode-se
vação dos aborígenes e pela melhoria de suas afirmar que:
condições morais e materiais de existência e a I. o expansionismo imperialista era justifica-
cooperar na supressão da escravatura e princi- do como forma de evitar o acirramento da
palmente no tráfico de negros; elas protegerão luta de classes no Reino Unido.
e favorecerão, sem distinção de nacionalida-
II. o caráter classista do imperialismo resol-
de ou de culto, todas as instituições e empresas
via a desigualdade social existente nas
religiosas, científicas ou de caridade, criadas e
metrópoles e na periferia.
organizadas para esses fins ou que tendam a
instruir os indígenas e a lhes fazer compreender III. a burguesia devia aumentar o arrocho sala-
e apreciar as vantagens da Civilização." rial do proletariado metropolitano como
forma de evitar a revolução socialista.
Faça Pela leitura do texto acima, podemos deduzir
em se Quais afirmativas estão corretas?
cadernu que ele:
o
a) Apenas a I.
a) demonstra que os interesses capitalistas
→ conforme voltados para investimentos financeiros b) Apenas a II.
tabelas das c) Apenas a III.
eram a tônica do tratado.
páginas 8 e 9.
b) caracteriza a atração exercida pela abun- d) Apenas a I e a II.
dância de recursos minerais, notadamente e) Apenas a I e a III.
Tá na rede! na região sul-saariana.
→ DL/SP/H1/H8/H11
c) explicita as intenções de natureza religio-
QUESTÕES sa do imperialismo, por meio da proteção 3 (UFPR) A partir da segunda metade do século
DE ENEM à ação dos missionários. XIX, as potências europeias começaram a dis-
Digite o endereço putar áreas coloniais na África, na Ásia e na
d) revela a própria ideologia do colonialismo
abaixo na barra Oceania. Seus objetivos eram a busca por fon-
europeu ao se referir às vantagens da civi-
do navegador de tes de matérias-primas, mercado consumidor,
internet: http://goo. lização.
mão de obra e oportunidades para investimen-
gl/xog0Jb. Você e) reflete a preocupação das potências capi- to. As justificativas morais para essa coloniza-
pode também tirar talistas em manter a escravidão negra. ção, no entanto, estavam relacionadas com o
uma foto com um
aplicativo de QrCode → DL/SP/H1/H7 que se chamava de darwinismo social, cujo sig-
para saber mais sobre nificado é:
2 (UFRGS-RS) Leia o seguinte testemunho do
o assunto. Acesso em: a) O homem branco tinha a tarefa de cris-
período do imperialismo:
4 abr. 2016. tianizar as populações pagãs de outros
"Eu estava ontem no East End (bairro operário continentes, resgatando-as de religiões
de Londres) e assisti a uma reunião de desem- animistas e de práticas antropofágicas.
pregados. Ouvi discursos exaltados. Era um b) O homem branco de origem europeia
grito só: 'Pão! Pão!'. Revivendo toda a cena ao estava imbuído de uma missão civiliza-
voltar a casa, senti-me ainda mais convenci- dora, através da qual deveria levar para
do do que antes da importância do imperialis- seus irmãos de outras cores, incapazes de
mo… A ideia que considero mais importante é a fazer isso por si mesmos, as vantagens da
Página dedicada a solução do problema social, a saber: para sal- civilização e do progresso, resgatando-os
questões já aplica-
das em provas do
var os 40 milhões de habitantes do Reino Unido da barbárie e do atraso aos quais estavam
ENEM. Busque exer- de uma guerra civil destruidora, nós, os coloni- submetidos.
cícios sobre os temas zadores, devemos conquistar novas terras a fim
desenvolvidos neste c) Os colonizadores europeus tinham a tare-
capítulo. de nelas instalarmos o excedente de nossa popu- fa de ensinar os princípios fundamentais da

Radar 215

OH_V2_Book.indb 215 13/05/16 12:08


democracia, ensinando aos povos colonizados o tadoras de capitais excedentes que atendessem
processo de governo democrático, permitindo-lhes às demandas de consumo geradas pela expansão
se afastar de governos tirânicos e autocratas. demográfica europeia.
d) A colonização tinha como tarefa repassar aos c) instituiu a dominação política e territorial sobre
povos colonizados os fundamentos da econo- as áreas litorâneas e as antigas feitorias colo-
mia capitalista, para que eles mesmos pudes- niais, tendo em vista o desenvolvimento do rico
sem gerenciar as riquezas de seus territórios e, comércio das rotas marítimas da África oriental.
com isso, possibilitar o desenvolvimento social d) promoveu os conflitos culturais no continente, ao
de seu país. privilegiar as culturas tradicionais nas funções
e) Estudar, segundo uma perspectiva antropológica, administrativas locais em detrimento das etnias
a organização das sociedades colonizadas, conhe- europeizadas.
cer seus princípios religiosos, políticos, culturais e) fortaleceu as lideranças tribais e o provincianis-
e sociais, com o objetivo de ajudar a preservá-los. mo como forma de controle social dos contingen-
→ DL/CF/SP/H8/H9/H11/H12/H15 tes demográficos nativos majoritários frente aos
europeus.
4 (PUC-RJ) Assinale a alternativa correta a respeito da
expansão imperialista na Ásia e na África, na segunda → DL/CF/SP/H9
metade do século XIX. 6 (UEL-PR) “Longe de serem uns monstros de espa-
a) Ela derivou da necessidade de substituir os mer- da, eles querem, majoritariamente, ser os portadores
cados dos novos países americanos, uma vez que de um grande destino. Por mais que tenham passado
a constituição de Estados nacionais foi acompa- populações inteiras pelo fio da espada – como Gallieni
nhada de políticas protecionistas. em seus primeiros tempos – ou as tenham queimado
b) Ela foi motivada pela busca de novas fontes de vivas – como Bugeaud na Argélia –, a seus olhos tais
matérias-primas e de novos mercados consumi- atos são apenas os meios necessários para a realiza-
dores, fundamentais para a expansão capitalista ção do projeto colonial [na África], essa missão civili-
dos países europeus. zadora que substitui a evangelização tão cara aos con-
quistadores do século XVI.”
c) Ela foi consequência direta da formação do
Segundo Império alemão e da ampliação de suas FERRO, M. História das colonizações: das conquistas às
rivalidades em relação ao governo da França. independências – séculos XIII a XX. Trad. Rosa Freire d’Aguiar.
São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 104.
d) Ela atendeu, primordialmente, às necessidades
da expansão demográfica em diversos países No texto acima, que trata da partilha e da conquista
europeus, decorrente de políticas médicas pre- da África, no século XIX, o autor defende que:
ventivas e programas de saneamento básico. a) Os conquistadores fincavam suas bandeiras sem
e) Ela viabilizou a integração econômica mun- violar os direitos humanos daigualdade e da liber-
dial, favorecendo a circulação de riquezas, tec- dade dos povos africanos.
nologia e conhecimentos entre povos e regiões b) Os conquistadores desprezavam a glória, o heroís-
envolvidos. mo e as riquezas decorrentes da grande obra civi-
→ DL/CF/SP/H16/H17 lizadora na África.
5 (Unirio-RJ) A expansão imperialista das potências c) Os conquistadores tinham a convicção de encar-
europeias sobre o continente africano, entre a segun- nar a razão e a ciência e serem capazes de subju-
da metade do século XIX e o início do século XX, alte- gar as sociedades africanas.
rou as estruturas das várias nações e territórios nos d) Os conquistadores conseguiram que triunfasse a
quais se manifestou. Sobre o imperialismo europeu ideia de um projeto colonialtirânico e violento,
na África, nesse contexto, é correto afirmar que: pois foram incapazes de cooptar lideranças polí-
a) justificou sua dominação na ideologia que defen- ticas nativas.
dia a ação europeia como uma missão civiliza- e) Assim como Portugal, outros Estados europeus
dora capaz de conduzir os povos do continente a substituíram, na África, os canhões pelas missões
melhores condições de vida sob a tutela europeia. evangelizadoras jesuíticas.
b) buscou a integração econômica das áreas domina- → DL/CF/H1/H11/H15
das como produtoras de manufaturados e expor-

216 Capítulo 6  O imperialismo

OH_V2_Book.indb 216 13/05/16 12:08


Capítulo

10
7 A costura da ordem
republicana no Brasil
DE OLHO nos

E
m um de seus romances, Esaú e Jacó, o escritor Machado de Conceitos
Assis retratou o ambiente na manhã do dia 15 de novembro
de 1889, através do conselheiro Aires, um dos principais per- • Complexo cafeeiro
sonagens do romance: • Romantismo
"[...] passeou à toa, reviven- prietários de terras e/ou comercian- • Indianismo
do homens e cousas, até que sen-
tou num banco. Notou que a pouca
tes e industriais, em torno das ins-
tituições públicas. Mesmo assim
• Positivismo
gente que havia ali não estava sen- emergiu um novo sistema político • Presidencialismo
tada, como de costume, olhando à em que novos setores sociais pas- • Coronelismo
toa, lendo gazetas ou cochilando [...]
Ouviu umas palavras soltas, Deodo-
saram a exercer também o poder e
o controle sobre o Estado nacional.
• Voto de cabresto
ro, batalhões, campo, ministério etc. Muitos confundiram a movi-
Algumas, ditas em tom alto, vinham mentação de 15 de novembro de
acaso para ele ver se lhes esperta- 1889 com uma simples parada
vam a curiosidade, e se obtinham militar. Apesar das tentativas dos
mais uma orelha às notícias [...] republicanos radicais, como Silva
Quando Aires saiu do Passeio Jardim e Lopes Trovão, defensores
Público, suspeitava alguma cousa, e e incitadores da participação popu-
seguiu até o Largo da Carioca. Pou- lar e do levantamento das massas, IEB/UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, BRASIL

cas palavras e sumidas, gente para- o 15 de novembro constituiu-se o


da, caras espantadas, vultos que primeiro golpe militar de nossa
arrepiavam caminho, mas nenhuma história. Ilustres representantes do
notícia clara nem completa. Na Rua regime monárquico, como Rui Bar-
do Ouvidor, soube que os militares bosa e Deodoro da Fonseca, aderi-
tinham feito uma revolução, ouviu ram à causa republicana. D. Pedro
descrições da marcha e das pessoas, II e a família real partiram para o
e notícias desencontradas." exílio dois dias depois. O impe-
A implantação da República no rador desapontava seus seguido-
Brasil não foi fruto de um proces- res ao desencorajar qualquer tipo
so revolucionário de que os grupos de resistência. Sem fervor popular
populares tenham participado ati- e sem reação monárquica, a tem-
vamente nem ampliou a represen- peratura política do Rio de Janei-
tação política no país. Houve, sim, ro, capital do Brasil, foi de uma
uma espécie de reacomodação entre morna indiferença naqueles dias
os grupos dominantes, ou seja, pro- de novembro.
O batismo do Brasil, anônimo.
Litografia, final do século XIX.

217

OH_V2_Book.indb 217 13/05/16 12:08


1 O Império do café
e a República

D
esde o início do século XIX, a Inglaterra pressionava as autoridades

◀ ANOS
O CAFÉ E
A REPÚBLICA brasileiras para extinguirem o tráfico negreiro e a escravidão. A potên-
cia britânica procurava ampliar seus mercados consumidores, tanto
Cultura do café passa a ser 1820
comercial no Vale do Paraíba (SP). ▾ na América quanto na África, frequentadas pelos traficantes luso-brasilei-
1827 ros. Como vimos no capítulo 4, a influência brasileira na costa africana era
Fundação das faculdades de
Direito em São Paulo e Recife. ▾ tão grande que um dos itens do acordo que levou Portugal a reconhecer a
Café lidera 1831 independência de sua ex-colônia exigia que o Brasil não incorporasse Ango-
exportações brasileiras. ▾
la aos seus domínios imperiais. Os dirigentes angolanos, envolvidos no tráfi-
Fundação do Instituto 1838 co, desejavam integrar-se ao Império brasileiro e separar-se de Portugal. Ao
Histórico e Geográfico Brasileiro. ▾ OH_V2_C7_p212
Formação da comunidade socialista 1842 longo de todo o século XIX, tal anseio foi sempre manifestado, contrariando
na região de Saí (SC). ▾ os interesses portugueses e ingleses.
1845 A independência não alterou as estruturas econômicas, mantendo a
Lei Bill Aberdeen. ▾
plantation característica do Período Colonial e a participação do país como
Nicolau Vergueiro inicia experiência 1847 exportador de matérias-primas e gêneros agrícolas e consumidor de produtos
de substituição de mão de obra ▾
escrava por homens livres. industrializados. Havia séculos que a sociedade se estruturara em torno do
Lei Eusébio de Queirós: 1850 escravismo e o tráfico constituíaManaus
Belém
uma das atividades mais rentáveis
São
S Luís
do Brasil.
proibição do tráfico negreiro. ▾ Fortaleza

Lei de Terras. Formado com a função de manter a escravidão, o Estado monárquico Teresina
teriaNatal
de
Revolta de imigrantes 1856 enfrentar seu maior impasse: promover o fim do escravismo e buscar alterna- Paraíba

na fazenda de Ibicaba. ▾ tivas para o problema da mão de obra.


Recife

Maceió
1864 Aracaju
Guerra do Paraguai. ▾ Além do controle do Estado, a elite do Centro-Sul favoreceu-se do desen-
Salvador

Construção da São Paulo Railway 1867 volvimento da atividade cafeeira, empregando africanos escravizados. Pro-
ligando a cidade de Jundiaí ▾ dução essencialmente doméstica até o final do século XVIII, o café passou a
ao porto de Santos (SP).
A produção cafeeira 1870 ser uma cultura comercial
OCEANO na década de 1820, na região do
Ouro ValeVitória
Preto do Paraíba,
do Oeste Paulista supera ▾ OH_V2_C7_p212
entre PACÍFICO
São Paulo e Rio de Janeiro. Em 1831, o produto já figurava Niterói como líder
a produção do Vale do Paraíba. Rio de Janeiro

1871
nas exportações brasileiras, suplantando o açúcar, o fumo
São Paulo
e o algodão.
Curitiba
Lei do Ventre Livre. ▾ OCEANO
MÁRIO YOSHIDA

Desterro ATLÂNTICO
ATIVIDADES ECONÔMICAS (SÉCULO XIX)
Fundação do Partido 1873 ESCALA Porto Alegre

Republicano Paulista. ▾ 0 540 1080 km

Fundação do jornal 1881


abolicionista, O Libertador. ▾
Jangadeiros abolicionistas do Belém São
S Luís
Manaus
Ceará se recusam a embarcar Fortaleza
escravizados para o Sul.
Teresina Natal Borracha
Fundação do Quilombo 1882 Paraíba Café
Jabaquara (SP). ▾ Recife
Algodão
Maceió
Poder provincial sanciona lei que 1883 Aracaju
Tabaco

aboliu a escravidão no Ceará. ▾ Salvador


Mineração
Pecuária
1885 Mineração
Lei dos Sexagenários. ▾ e pecuária
Cana-de-açúcar
1888 Ouro Preto
Estrada de ferro
Lei Áurea: abolição da escravatura. ▾ OCEANO
PACÍFICO
Vitória
Capital
Niterói
Deposição de d. Pedro II. 1889 São Paulo
Rio de Janeiro

Proclamação da República. ▾ Curitiba Fonte: Elaborado


OCEANO
Desterro ATLÂNTICO
com base em
ALBUQUERQUE, M. M.
ESCALA Porto Alegre de et al. Atlas histórico
0 540 1080 km escolar. 8. ed. Rio de
Janeiro: FAE, 1991.

218 Capítulo 7  A costura da ordem republicana no Brasil

Borracha
Café
Algodão
OH_V2_Book.indb 218 13/05/16 12:08
Tabaco
O café e o Estado nacional O café
O desenvolvimento da produção cafeeira no Vale do
"A coffea arabica fora introduzida no Brasil no come-
Paraíba esteve intimamente ligado à construção do
ço do século XVIII. Por volta de 1790, a exploração
Estado nacional. O abastecimento da corte provocou o
comercial da planta era bem-sucedida nas encos-
povoamento da região por famílias de comerciantes e
tas próximas ao Rio de Janeiro. Em 1830, os cafezais
funcionários reais, que receberam terras e passaram a
cobriam vastas áreas do Vale do Paraíba, atraves-
se dedicar ao plantio do café. Já enriquecidos, tais pro-
sando os limites da província de São Paulo e alcan-
prietários obtiveram títulos de nobreza da Coroa brasi- çando Jacareí. Não é difícil compreender por que a
leira: eram os barões do café, a principal base política cultura do café substituiu a da cana-de-açúcar nas
de sustentação de todo o edifício imperial. Do Vale do grandes propriedades. Em primeiro lugar, a deman-
Paraíba a cafeicultura espalhou-se para o sul de Minas da mundial de café era bastante mais acentuada do
Gerais e para o oeste de São Paulo. Com a nova ativida- que a do açúcar em quase toda a primeira metade do
de, ampliou-se ainda mais a escravidão no Brasil. século XIX. Além disso, os custos de produção eram
um pouco mais baixos. O café exigia menos mão de
As ferrovias obra […] e a cana tinha de ser replantada a cada três
Em torno do café organizou-se um conjunto de ativida- anos, geralmente, enquanto um cafeeiro poderia
des e transformações – complexo cafeeiro – que envol- durar 30 ou 40. […] Finalmente, o café resultava em
via desde a comercialização, o transporte e o ensacamen- maior margem de lucro, afora o custo do transporte
to do produto até a venda de terras e equipamentos. Os até o porto de Santos. Seu valor por quilo era supe-
transportes passaram a se desenvolver, acompanhando o rior, e era menos sujeito a deterioração no processo
crescimento da importância da cafeicultura. Inicialmen- de transporte.
te, o escoamento da produção do Vale do Paraíba era feito
por tropas de mulas, em estradas de terra, até os portos do […] Somente após 1840 se deu início ao plan-
Rio de Janeiro e de Santos. Já a produção do Oeste Pau- tio em larga escala de café no Oeste Paulista, de
Campinas até Rio Claro. […]"
lista, que viria a superar a do Vale do Paraíba na década
de 1870, era encarecida pelo transporte das tropas e tinha DEAN, W. Rio Claro: um sistema brasileiro de grande lavoura
sua qualidade prejudicada devido aos longos e precários
OH_V2_C7_p213 1820-1920. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. p. 42-45.

caminhos. Em 1867, foi construída, a partir de investi- OH_V2_C7_p213


mentos ingleses, a São Paulo Railway, ligando Jundiaí ao

MÁRIO YOSHIDA
porto de Santos. Um dos maiores símbolos da Revolução EXPANSÃO CAFEEIRA
Pires do Rio
Goiás
Industrial inglesa, a estrada de ferro passou a fazer parte São Mateus
do cenário agrícola do Brasil. Goiás
Pires do Rio Governador Valadares Espírito
Santo
Minas Gerais
Um verdadeiro surto ferroviário, acompanhando Mato Colatina
São Mateus
Governador Valadares Espírito
Vitória
Grosso
idênticas transformações que ocorriam na Europa e nos Minas
Cachoeiro de Itapemirim
Gerais Colatina
Santo
Ribeirão Preto
Estados Unidos no mesmo período, inaugurou um novo Adamantina Araçatuba
Mato
Grosso São Paulo
Juiz de Fora
Vitória
Araraquara
campo de investimentos para o capital cafeeiro, trouxe Ribeirão Preto
Cachoeiro de Itapemirim
Rio de Janeiro
Araçatuba Assis
Pres. Prudente Bauru Juiz de Fora
mais rapidez e facilidade para os produtores do Oeste e Adamantina
Ourinhos
São Paulo
Campinas
Araraquara Taubaté Rio de Janeiro
Maringá
Rio de Janeiro
consolidou a hegemonia econômica da região. Os novos Londrina
Pres. Prudente Assis Bauru
São Paulo
São Sebastião

meios de transporte permitiram que os grandes cafei- Maringá


Ourinhos
Campinas Santos Taubaté
ESCALA
Rio de Janeiro
OCEANOSão Paulo 0 165 330 km
Paraná Londrina
cultores estabelecessem suas residências nas cidades, ATLÂNTICO São Sebastião
Santos
ESCALA
deixando a administradores as tarefas diárias de suas Paraná
OCEANO 0 165 330 km
ATLÂNTICO
propriedades, estimulando a urbanização de regiões
do interior. Nas grandes cidades, ricos proprietários e
comerciantes passaram a financiar, estocar e distribuir
a produção, tornando-se comissários do café, organiza-
dores dos primeiros bancos nacionais.
Mas a maior parte do financiamento para a constru- Fonte: Elaborado com base em RODRIGUES, J. A. Atlas para estudos
ção das estradas de ferro provinha de recursos do Estado e sociais. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1977.

de empréstimos internacionais, sobretudo da Inglaterra.

O Império do café e a República 219

OH_V2_Book.indb 219 13/05/16 12:08


O Brasil figurava entre as principais áreas de investi- O questionamento à escravidão
mento do capital britânico e como mercado fornece-
No horizonte das transformações econômicas do século
dor de matérias-primas e consumidor de seus produ-
XIX figurava o fim da escravidão, já abolida em pratica-
tos industrializados. O capital inglês não só promoveu
mente todas as colônias e ex-colônias europeias. Alicer-
a implementação das vias férreas, como também impul-
ce de sustentação do Estado nacional, o escravismo tinha
sionou, obtendo larga margem de lucro, serviços que
seus dias contados. Se, por um lado, fora o ponto de con-
estariam associados à crescente urbanização. Emprésti-
cordância entre a maior parte dos grupos oligárquicos e
mos constantes e uma balança comercial sempre desfa-
a elite do Centro-Sul, por outro, constituía, indiscutivel-
vorável em relação à Inglaterra provocavam o endivida-
mente, uma base irrequieta, perigosa, que minava o esta-
mento do país, que, mesmo com os lucros da exportação
belecimento da cidadania e da nacionalidade brasileiras.
de seus produtos agrícolas, não parava de crescer.
A hegemonia da elite branca corria riscos com a
A província de São Paulo, anteriormente dedicada
segregação e as violências decorrentes da existência do
ao abastecimento da região das minas e da corte, dispu-
regime escravista. Além disso, a escravidão começava a
nha do principal produto agrícola da economia brasileira.
ser questionada pelas consequências que trazia à eco-
Os paulistas, descendentes dos antigos comerciantes de
nomia brasileira, limitando o desenvolvimento da agri-
grosso trato, dos mestiços e de apresadores de indígenas,
cultura e da indústria, e pela degradação moral e cul-
donos de terras no Período Colonial, ostentavam agora títu-
tural que provocava, tanto nos escravizados quanto em
los de nobreza, patentes da Guarda Nacional, cargos públi-
seus senhores, desqualificando e desmotivando o traba-
cos e funções eletivas do Império. Com o café, a hegemo-
OH_V2_C7_p214 lho manual, embrutecendo as relações sociais e bestia-
nia política desses senhores construía-se paralelamente
lizando a maior parte da população.
à ampliação da riqueza da província. Enormes mansões e
casas-grandes substituíam as rústicas taperas de outrora, e O sistema de parceria
os precários caminhos e picadas de mulas davam lugar às Em 1847, o senador liberal Nicolau de Campos Vergueiro
imponentes e ruidosas estradas de ferro. dava início a uma experiência de substituição de escra-
Como forma de justificar seu poderio, gerações pos- vizados por homens livres. Custeando a viagem de imi-
teriores identificariam São Paulo como "a locomotiva da grantes alemães e suíços para suas fazendas em São
nação", e seus habitantes como "uma raça de gigantes". Paulo, Vergueiro introduzia o contrato de parceria, por
Embora tenha contribuído, cada região à sua maneira meio do qual os trabalhadores tornavam-se "sócios" da
para a construção do Brasil que conhecemos hoje nesse produção cafeeira de suas propriedades.
período, as diversas nacionalidades que habitavam o
OH_V2_C7_p214 Aparentemente o negócio era vantajoso para os tra-
Brasil ainda não formavam uma nação. balhadores: tinham a viagem marítima e o transpor-
te do porto de Santos até a fazenda financiados; rece-
MÁRIO YOSHIDA

MALHA FERROVIÁRIA – SÃO PAULO (SÉCULOS XIX-XX)


ESCALA
0 130 260 km OCEANO biam mantimentos e instrumentos para o trabalho,
ATLÂNTICO
um número determinado de pés de café para o plantio,
acompanhamento e colheita, um pequeno pedaço de
terra para o cultivo de gêneros alimentícios e uma casa
rústica para sua moradia.
Em troca, deviam dar ao proprietário metade da pro-
dução de seus pés de café e não podiam deixar a fazenda
até reembolsar todos os gastos assumidos pelo fazendeiro.
Na verdade, o trabalhador já iniciava sua jorna-
da no Brasil endividado. Durante quatro anos – tempo
médio para a primeira colheita de um pé de café – o
ESCALA
0 130 260 km OCEANO
ATLÂNTICO
imigrante aumentava seu débito, sobre o qual eram
cobrados juros, podendo contar apenas com a sua plan-
R.F.D.S.A. Rede Ferroviária FEPASA. Ferrovia Paulista S.A.
Federal S.A. tação de gêneros alimentícios.
E. F. Santos-Jundiaí Antiga E. F. Sorocabana Antiga E. F. São Paulo
(1868)
E. F. Central do
(1875)
Antiga Cia. Paulista de
e Minas
Antiga Cia. Mogiana de
Apesar de imitada por alguns fazendeiros de São
Brasil (1855)
E. F. Noroeste do
Estr. de Ferro (1872) Estr. de Ferro (1875)
Antiga E. F. Araraquara V.F.C.O. Viação Férrea do
Paulo, a experiência de Vergueiro não trouxe os resul-
Brasil (1905) (1901) Centro-Oeste
tados esperados. Mesmo assim, em 1855, havia cerca de
Fonte: Elaborado com base em FEPASA.

220 Capítulo 7  A costura da ordem republicana no Brasil

OH_V2_Book.indb 220 13/05/16 12:09


3 500 imigrantes trabalhando em 30 fazendas da pro-
víncia. Na maioria das vezes o trabalho livre coexistia Tratamento aos colonos da Fazenda do
com a escravidão, embora os fazendeiros tenham esta- Senador Vergueiro
belecido desde o início uma certa divisão técnica das O diplomata suíço J. J. von Tschudi indignara-se na
tarefas. O preparo do solo para a plantação de novos pés década de 1860 com a forma pela qual eram tratados
de café e de alimentos para o consumo da fazenda conti- os colonos nas fazendas de Vergueiro:
nuava a ser realizado por escravizados.
No entanto, a dívida reduzia os rendimentos dos "Fez assim da fazenda um Estado dentro do pró-
imigrantes, que logo se revoltaram na Fazenda de Ibica- prio Estado, recorrendo, entretanto, ao poder públi-
ba, entre 1856 e 1857, protestando contra as formas de co, quando se sentia incapaz de resistir eficazmente
cálculo de suas dívidas e o valor de seus rendimentos. O às ameaças, como aconteceu na ocasião da revolta do
ano de 1857. Vergueiro chegou ao cúmulo de mandar
líder dos imigrantes, Thomas Davatz, acabaria expulso
imprimir moeda papel em forma de notas de banco,
com outros trabalhadores livres.
para com tal moeda pagar os colonos. Tenho em mãos
Padrão escravista a nota n.o 836, no valor de 1 mil-réis. Mas Vergueiro
fez também imprimir notas de 2 e de 5 mil-réis. Fazia
O fracasso do sistema de parceria decorria principal-
por este meio circular dinheiro que de fato não pos-
mente do padrão escravista nas relações de trabalho no
suía, resgatando-o quando lhe entrava algum numerá-
Brasil. As dívidas contraídas eram o principal meio de
rio. Mas os colonos eram obrigados a pagar-lhe juros
que os fazendeiros dispunham para obrigar seus traba- sobre este dinheiro fictício!"
lhadores a executarem suas tarefas.
TSCHUDI, J. J. Viagem às províncias do Rio de Janeiro
No entanto, ao contrário do que ocorria na Europa, e São Paulo. Belo Horizonte/São Paulo:
na época, e no Brasil de hoje, os proprietários não pode- Itatiaia/Edusp, 1980. p. 184-185.
riam simplesmente despedir um trabalhador que con-
siderassem inconveniente ou preguiçoso e trocá-lo por "Os colonos que emigram, recebendo dinheiro adian-
outro disponível no mercado. Não havia uma reserva de tado, tornam-se, pois, desde o começo, uma simples
mão de obra livre no país que se dispusesse a executar propriedade de Vergueiro & Cia. E em virtude do
as "tarefas de negros escravos". espírito de ganância, para não dizer mais, que anima
O investimento inicial nos imigrantes, que se dispu- numerosos senhores de escravos, e também da
nham a atravessar o Atlântico e se dedicar aos trabalhos ausência de direitos em que costumam viver esses
colonos na província de São Paulo, só lhes resta con-
manuais, deveria ser recuperado por meio da produtivi-
formarem-se com a ideia de que são tratados como
dade dos próprios imigrantes. O cumprimento dos con-
simples mercadorias ou como escravos."
tratos, que acarretava uma limitação da liberdade des-
DAVATZ, T. Memórias de um colono no Brasil (1850).
ses trabalhadores, e a dificuldade de saldar as dívidas São Paulo: Martins Fontes, 1941. p. 72.
os desmotivavam. Ao contrário do que faziam com os

COLEÇÃO PARTICULAR, SÃO PAULO, BRASIL


escravizados, os fazendeiros não podiam usar a força e a
violência para obrigá-los a trabalhar.

Santa Catarina e o falanstério de Fourier


Entre 1842 e 1843, na região de Saí, Santa Catarina, foi
formada uma pequena comunidade baseada no siste-
ma socialista de associação mútua proposto por Char-
les Fourier (conforme capítulo 3, p. 122). O médico fran-
cês, Benoît Jules Mure liderou cerca de 270 franceses
num projeto denominado União Industrial, contando
com o apoio de d. Pedro II e do presidente da Provín-
cia de Santa Catarina. Divergências internas acabaram
levando à criação de duas colônias: a do Palmital e a do
Falanstério do Saí, formadas, principalmente, por ope- A fazenda de Ibicaba, anônimo. Desenho litografado,
século XIX. (detalhe)
rários e artistas franceses entusiasmados com as ideias
socialistas, mas sem conhecimentos agrícolas.

O Império do café e a República 221

OH_V2_Book.indb 221 13/05/16 12:09


Sem contar com o apoio prometido pelas autorida- solo dava início ao declínio da produção, o que viria impe-
des, a experiência foi abandonada pelo próprio Mure, que dir sua modernização local.
passou a residir no Rio de Janeiro, onde fundou o jornal O
Socialista da Província do Rio de Janeiro, um dos primeiros
A política de branqueamento
periódicos socialistas do Brasil e da América Latina. Suspenso o tráfico e garantidas as limitações para a posse
de terras, a elite dirigente do Estado nacional iniciava
sua tentativa de branquear a população e aproximá-la
A transição para dos padrões europeus. Para os fazendeiros, era necessá-
rio garantir um fluxo imigratório contínuo e intenso que
o trabalho assalariado
não dependesse de iniciativas isoladas dos proprietários
Em 1850, ao mesmo tempo em que ocorriam as expe- paulistas, ou seja, que o Estado arcasse com os custos do
riências de parceria, o Estado nacional anunciava duas transporte dos imigrantes e despejasse no Brasil um enor-
medidas de forte impacto: o fim do tráfico negreiro e a me contingente de trabalhadores livres. Sem dívidas para
Lei de Terras. desmotivá-los e sem investimentos por parte dos proprie-
O fim do tráfico não representou o encerramento tários, os imigrantes que não se adequassem aos padrões
da escravidão: navios continuaram a descarregar, clan- de trabalho vigentes no Brasil poderiam ser substituídos
destinamente, contingentes de escravizados em portos por outros. A disciplina e o controle dos trabalhadores
brasileiros, ainda que em escala bem mais reduzida; o seriam assegurados pelas restrições à ocupação de terras
comércio interno era incentivado e um grande núme- e pela oferta de mão de obra livre. A lucratividade seria
ro deles vinha do Nordeste para trabalhar nas rentáveis garantida pelos baixos salários, decorrentes do alto núme-
fazendas de café do Centro-Sul. A venda de escravizados ro de trabalhadores disponíveis. O Estado assumiria, mais
passou a ser uma alternativa para algumas regiões bra- uma vez, sua vocação de agenciador de mão de obra. Fora
sileiras economicamente enfraquecidas. fundamental até 1850 para a manutenção da escravidão
A Lei de Terras proibia a ocupação e a doação de e seria também o avalista da abolição da escravatura e da
terras. Estas só poderiam ser adquiridas por compra. sua substituição pelo trabalho livre.
Com isso, os imigrantes que viessem ao Brasil – pobres A partir de 1871, o governo provincial de São Paulo
em sua esmagadora maioria –, os ex-escravizados e os passou a destinar recursos para a entrada de imigrantes
homens livres brasileiros não teriam acesso à base da na região, a maioria composta por italianos que deixavam
agricultura e, portanto, seriam forçados a trabalhar nas sua terra natal devastada por uma profunda crise econô-
propriedades já existentes. mica e dirigiam-se esperançosos para as fazendas de café.
As duas medidas estavam interligadas e deixavam Na década seguinte, apesar de muitos já estarem desilu-
explícito que a abolição da escravatura seria lenta e gra- didos com as condições de trabalho no Brasil, o fluxo de
dual. Pela Lei de Terras, os fazendeiros tinham uma con- italianos não parou de crescer. Desembarcados no porto
trapartida para essa previsível abolição: a concentração de Santos, eram levados até as hospedarias dos imigran-
da propriedade fundiária era garantida para aqueles tes em São Paulo, para depois serem encaminhados para
que já dispusessem de terras e capital, apesar das vas- o interior, onde se dedicariam à produção cafeeira.
tas extensões territoriais não ocupadas. No mesmo ano de 1871, a elite dirigente continuou
Mesmo com o abastecimento interno de escravizados, a implementação de seu projeto gradual de abolição,
o fim do tráfico provocou uma relativa escassez de mão de procurando uma forma menos prejudicial aos proprie-
obra e seu respectivo encarecimento, o que incentivou a tários que ainda não haviam substituído os escraviza-
busca de métodos de produção que dispensassem o maior dos de suas fazendas. A Lei do Ventre Livre ditava que
número possível de trabalhadores. Assim, ampliou-se a todos os filhos de escravas nascidos a partir de então
mecanização das atividades cafeeiras, como o descaroça- seriam livres, tendo o proprietário as opções de entre-
mento, a classificação e o ensacamento do produto, o que gá-los ao governo em troca de uma indenização ou de
acabou por estimular a produção brasileira de máquinas, mantê-los trabalhando até completarem 21 anos.
cujo emprego generalizou-se no Oeste Paulista. Por se tra- Em 1885, uma nova lei revelava a timidez do pro-
tar de uma agricultura em expansão, quando da extinção jeto abolicionista. Pela Lei dos Sexagenários, também
do tráfico, os cafeicultores dessa região de São Paulo dis- chamada Saraiva-Cotegipe, todo escravizado que che-
punham de capital para a aquisição desses caros maqui- gasse aos 65 anos de idade adquiriria sua liberdade.
nários. No Vale do Paraíba, ao contrário, o esgotamento do Devido aos maus-tratos e aos exaustivos trabalhos, pou-

222 Capítulo 7  A costura da ordem republicana no Brasil

OH_V2_Book.indb 222 13/05/16 12:09


cos conseguiam chegar a essa idade, e mesmo os que tos com os escravizados, oferecendo-lhes apoio para se
pudessem se beneficiar da medida teriam poucas possi- rebelarem. Eram chamados de cometas e eram impor-
bilidades de sobrevivência na sociedade brasileira. Ape- tantes para fazer a ligação entre abolicionistas das cida-
sar de tudo, a escravidão tinha seus anos contados. des e escravizados das fazendas.
Estudantes, advogados, comerciantes e ex-escra-
As lutas pela abolição da escravidão vizados formaram um grupo abolicionista denomina-
Ao mesmo tempo em que o governo procurava não des- do caifazes, que também incitava e promovia fugas
contentar a maioria dos proprietários, crescia no Brasil a de fazendas em São Paulo. Liderado pelo juiz Antonio
campanha abolicionista. Iniciada nas grandes cidades Bento de Souza e Castro, entravam nas fazendas, aju-
por membros mais ilustrados da sociedade brasileira, a davam os escravizados a fugir e os levavam para qui-
mobilização levou à organização de clubes, associações e lombos montados especialmente para este fim, como o
jornais com o intuito de alertar a população para a neces- Quilombo Jabaquara, fundado em 1882 nos arredores
sidade de modernização das relações de trabalho e con- de Santos, que chegou a reunir cerca de 10 mil pessoas.
tou com a liderança de negros como o advogado Luís da Dos quilombos, alguns ex-escravizados eram enviados
Gama, o farmacêutico José do Patrocínio e o engenheiro para o Ceará, onde a escravidão já havia sido abolida.
André Rebouças. Além das fugas, tornaram-se cada vez mais frequen-
Os abolicionistas passaram a chamar a atenção para tes as insurreições, os assassinatos, os atentados e as
o exemplo dos Estados Unidos, onde a escravatura fora sabotagens no decorrer da década de 1880, evidencian-
abolida em 1865. Da mesma forma, criticavam as tími- do a irreversível desestruturação do regime escravista. A
das leis governamentais que adiavam a resolução sobre rebeldia tomou conta das senzalas e levou muitos proprie-
o cativeiro dos negros. Para o deputado Joaquim Nabu- tários a tentar estabelecer acordos com seus escravizados.
co, um dos principais líderes do movimento, era urgente A agitação abolicionista crescia na mesma medida
implementar um projeto que não só trouxesse a liberda- da entrada dos imigrantes no país. Cerca de 90% dos
de para os cativos, como também permitisse integrá-los trabalhadores estrangeiros eram italianos, mas havia
como cidadãos na sociedade. também alemães, suíços, eslavos e espanhóis. O Bra-
Na década de 1880, grupos mais radicais, des- sil, na forma, começava a buscar uma aparência euro-
contentes com as medidas parlamentares, organiza- peia. Na verdade, como nos séculos coloniais, continua-
ram associações que auxiliavam fugas e rebeliões de va a buscar a maior parte de sua mão de obra fora das
escravizados. Pequenos comerciantes que circulavam fronteiras do país. O trabalhador ainda seria, por muito
por vilas e fazendas estabeleciam os primeiros conta- tempo, um estrangeiro sem direito à terra.

A+ comunicação
NEGROS ESCRAViZADOS E IMIGRANTES EM SÃO PAULO (1871-1877)
1872 1873 1874 1875 1876 1877

Negros 128 000 106 665 107 829


156 612 174 662 169 964
escravizados

Imigrantes
10 464 11 054 11 174 43 981 53 517 85 629

Fonte: Elaborado com base em CAMPOS, F. de; DOLHNIKOFF, M. Atlas História do Brasil. 3. ed. São Paulo: Scipione, 1997. p. 32

Abolicionistas negros Outro importante líder abolicionista foi José do


Luís da Gama nascera livre porque sua mãe havia sido Patrocínio. Homem pobre, filho de uma quitandeira e
libertada antes do seu nascimento. No entanto, como de um padre, tornou-se jornalista. Nas páginas do jor-
outros tantos negros livres, foi escravizado, vendido e nal Gazeta da Tarde, no Rio de Janeiro, ele e um grupo de
enviado para São Paulo aos 10 anos. Oito anos depois, colaboradores escreviam artigos em defesa da abolição
conseguiu reconquistar sua liberdade e formou-se em com grande repercussão. Na década de 1880, era sem
Direito. Dedicou-se a processos de alforria ajudando dúvida um dos homens de maior notoriedade e popula-
escravizados a conquistarem sua liberdade. ridade na corte.

O Império do café e a República 223

OH_V2_Book.indb 223 13/05/16 12:09


Além deles, teve papel de destaque o baiano André
Rebouças, filho de um político e uma negra livre. Formado Dragão do Mar
em Engenharia na Escola Militar do Rio de Janeiro, lutou Homenagem a Francisco José do Nascimento, o "Chico da
como voluntário na Guerra do Paraguai. A partir da déca- Matilde" ou "Dragão do Mar", e aos jangadeiros por ele
liderados na paralisação do mercado escravista no porto
da de 1870, dedicou-se ao jornalismo, utilizando seus arti-
de Fortaleza, em janeiro de 1881.
gos como poderosos instrumentos na luta pela abolição.

FUNDAÇÃO CASA RUI BARBOSA, RIO DE JANEIRO, BRASIL


Rebouças
O quadro do abolicionista foi um dos raros trabalhos de pin-
tura realizados por um dos mais consagrados escultores bra-
sileiros egressos da Academia Imperial de Belas Artes.
Retrato de André Pinto Rebouças, Rodolfo Bernardelli.
Óleo sobre tela, s/d.
MUSEU HISTÓRICO NACIONAL, RIO DE JANEIRO , BRASIL

Francisco Nascimento, Angelo Agostini. Gravura, 1884.

As letras e as raças
A constituição da nação brasileira funcionou como
pano de fundo das transformações da segunda metade
do século XIX. A campanha abolicionista e o estímulo
à imigração puseram em causa o tipo de nação que o
Estado monárquico teria condições de estabelecer. Se a
população era constituída por negros, indígenas, mesti-
ços e, agora, por imigrantes europeus de diversas nacio-
nalidades, tornando mais complexa a tarefa da constru-
ção da nação, a elite dirigente era mais ou menos coesa:
A província do Ceará e a abolição branca, letrada e liberal e em geral composta por bacha-
O Libertador, um importante jornal abolicionista, foi funda- réis de Direito.
do no Ceará no início de 1881. A campanha pela impren- Além de se diferenciar dos demais grupos da socie-
sa ganhou visibilidade quando jangadeiros abolicionistas, dade, à elite caberia interferir no processo de consti-
liderados por Francisco Nascimento (também conhecido tuição da nação brasileira. Com o estabelecimento das
por "Dragão do Mar", promoveram uma greve em janeiro primeiras faculdades de Direito em São Paulo e no Reci-
de 1881, recusando-se a embarcar escravizados que teriam fe, em 1827, e com a fundação do Instituto Histórico
como destino as fazendas de café de São Paulo. e Geográfico Brasileiro, em 1838, criaram-se as duas
Entre os vários grupos abolicionistas cearenses, em bases para a formação e a atuação da elite intelectual
1882, foi formada em Fortaleza a Sociedade das Cearenses brasileira, preocupada em influenciar os setores domi-
Libertadoras. Organizado por senhoras da sociedade cea- nantes da sociedade.
rense, a instituição foi criada durante a visita de José do
Patrocínio à Província. Em 19 de outubro de 1883, o Poder O romantismo e a busca da
Provincial sancionava a lei que abolia a escravidão no identidade nacional
Ceará. Mesmo assim, ao longo do ano de 1884, nas pági- Uma verdadeira "ilha de letrados num mar de analfa-
nas de O Libertador ainda havia denúncias da manutenção betos", a elite teve no romantismo sua principal forma
da escravidão em algumas propriedades. de expressão literária. Gonçalves de Magalhães, José

224 Capítulo 7  A costura da ordem republicana no Brasil

OH_V2_Book.indb 224 13/05/16 12:09


de Alencar, Joaquim Manuel de Macedo, Castro Alves e O realismo e as bases científicas da
Gonçalves Dias, conhecidos escritores e poetas român-
identidade nacional
ticos, destacaram-se também por suas atividades políti-
A idealização romântica, imbuída do desejo de definir
cas no processo de constituição do Estado nacional.
aquilo que seria genuinamente nacional, começou a ser
Unidos pelo movimento literário, José de Alencar e
substituída na década de 1870 pelo realismo. A par-
Joaquim Manuel de Macedo opunham-se, porém, no que
tir de então, noções científicas de raça e natureza pas-
se referia à escravidão. Alencar era um dos mais desta-
saram a ser incorporadas aos estudos literários. Com a
cados críticos das propostas abolicionistas. Macedo cha-
aceleração do processo de abolição da escravatura não
mava a atenção para os efeitos da escravidão sobre os
era possível desconsiderar os negros nas elaborações
homens brancos: a que também se submetiam ao pror-
literárias sobre a questão nacional.
rogar o regime escravista.
Os primeiros estudos afro-brasileiros surgiram das
Divididos quanto à escravidão, os românticos bus-
preocupações de letrados, como o sergipano Sílvio
caram no indianismo a base de uma incipiente mani-
Romero e o maranhense Nina Rodrigues, com a ques-
festação nacionalista. A identidade nacional deveria
tão racial. Nesses trabalhos, sobressai a valorização da
ser resgatada no elemento indígena, um tanto idealiza-
raça branca, considerada superior a todas as demais,
do, mas suficientemente distante do "perigoso" e "sel-
em sintonia com as teorias raciais europeias do período.
vagem" negro, que era deliberadamente removido dos
No entanto, a valorização do branco não impedia o reco-
fundamentos da "nação brasileira".
nhecimento do mestiço como o principal representante
da população brasileira.
História E Literatura>> O
 povo ao poder Para Sílvio Romero, havia uma verdadeira "luta
entre as raças", na qual o elemento branco acabaria por
Na província de Pernambuco ocorreram inúme-
preponderar após um longo período de miscigenação.
ras manifestações abolicionistas durante o perío-
do monárquico. Entre os estudantes de Direito do Para evitar maior degeneração racial seria necessário,
Recife figurava Castro Alves, um dos maiores poe- contudo, que a raça mais evoluída fosse numericamen-
tas do século XIX e crítico da escravidão. Numa des- te superior às demais. Assim, o estímulo à imigração de
sas manifestações, presenciando a prisão do orador europeus não era apenas uma engenhosa forma de eli-
principal, o "Poeta dos Escravos" subiu à tribuna e minar o regime escravista no Brasil. Tratava-se do des-
declamou um poema de sua autoria muitas vezes tino da própria nação, que, como imaginava e desejava
repetido ao longo da História brasileira, quando as sua elite, deveria ser branca.
autoridades insistiram em silenciar e proibir mani-
Numa outra direção, Nina Rodrigues acabou por
festações populares:
reconhecer o mestiço como a expressão da identidade
"A praça! A praça é do povo/ Como o céu é do con- nacional. Cada tipo racial teria um habitat onde poderia
dor! É o antro onde a liberdade/ Cria águias em seu
desenvolver-se adequadamente. Nas cidades do lito-
calor./ Senhor, pois quereis a praça?/ Desgraçada a
ral do Brasil, caracterizadas por Rodrigues como uma
população!/ Só tem a rua de seu/ […] Lançai um pro-
testo, ó povo/ Protesto que o mundo novo/ Manda aos civilização de tipo europeu, os mestiços carregavam as
tronos e às nações". marcas da degeneração, não estando à altura da com-
plexidade da formação social. No entanto, no interior
FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO, RECIFE, BRASIL

do país, tipificados na figura do jagunço, eles podiam


adequar-se plenamente e desenvolver suas potencia-
lidades. O ambiente hostil e agressivo requereria, de
acordo com o estudioso, homens igualmente hostis.
Os estudos sobre a mestiçagem traziam à tona o que
as senzalas impediam que se constatasse claramente.
Após quase quatro séculos de escravidão e apesar de
todas as restrições de acesso à cidadania no Brasil, o
país era composto, em sua maioria, por negros e mesti-
O Correio de Pernambuco na Praça d. Pedro II, em ços. A elite, motivada pela indignação com a escravatu-
Recife, F .H. Carls. Litogravura, 1876. ra, pelo temor à rebeldia escrava e pelo desconforto com
a maioria negra, decidiu-se pela abolição.

O Império do café e a República 225

OH_V2_Book.indb 225 13/05/16 12:09


O discurso abolicionista procurava acelerar o proces- ciados), comunidades, grupos e, em alguns casos, os
so de emancipação e dar garantias à integração do negro indivíduos reconhecidos como parte integrante de um
na sociedade. Realizada a emancipação política do Bra- patrimônio cultural.
sil, construído o Estado nacional e garantida a unidade Para a valorização do patrimônio cultural é impor-
territorial, tornava-se imperativo reconhecer as cores da tante a participação das diversas comunidades no sen-
nação. Essa tarefa política combinava-se à necessidade de tido de valorizar e reivindicar o seu reconhecimento.
redimensionar a cidadania de forma a torná-la acessível Apesar dos apelos nacionalistas e do senso comum, não
aos ex-escravizados – sem esquecer os senhores, também há uma única identidade brasileira. No máximo, o que
degenerados pela violência do escravismo – sob pena de melhor nos caracteriza é essa tremenda diversidade cul-
prejudicar irremediavelmente os destinos nacionais. tural, que merece ser preservada e valorizada.

Identidade e diversidade

LUIZ CHAVES
O samba enredo (RJ). As paneleiras de Goiabeiras (ES).
A arte corporal dos povos Wapãpi (AP). O Círio de Naza-
ré (PA). A capoeira (BA). A cachoeira de Iauaretê (AM).
A feira de Caruaru (PE). Jongo (SP). O queijo do Serro
(MG). As rendas de Divina Pastora (SE). O tambor de
Crioula (MA). As Cavalhadas (PR). Arte santeira (PI). A
comunidade luso-açoriana (SC). A comunidade mbyá-
-guarani (RS).
Todos esses elementos fazem parte do Patrimônio
Cultural do Brasil. Há muitos outros em todo o país. Mui-
Jovens vestidos de Lanceiros Negros Farroupilha durante
tos desses elementos estão presentes em vários estados
representação da Batalha de Porongos, nas comemorações
brasileiros. São manifestações, expressões, saberes, faze- da Revolução Farroupilha. Rio Grande do Sul, 2012.
res, lugares, tradições que compõem a trama do nosso

FELIPE GOIFMAN/SAMBAPHOTO
tecido sociocultural. Durante muito tempo, no Brasil, a
abordagem do tema esteve ligada ao patrimônio históri-
co e artístico. E associado aos monumentos, construções,
sítios arqueológicos e à produção artística da elite.
Nos últimos anos, a mais restrita definição de patri-
mônio histórico e artístico tem dado lugar à noção de
patrimônio cultural. Isso significa identificar um con-
junto de bens materiais e imateriais, valores, tradições
que reconhecem a diversidade de nossa formação.
Entre tais bens se incluem: as formas de expressão;
os modos de criar, fazer e viver; as criações científicas,
artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos, Viola de cocho. Pantanal, Mato Grosso, 2006.

edificações e demais espaços destinados às manifesta-


CATHERINE KRULIK

ções artístico-culturais; sítios de valor histórico, urba-


nístico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontoló-
gico, ecológico e científico.
Essa dinâmica visão de patrimônio constituiu as
bases do "Registro de Bens Culturais de Natureza Ima-
terial". Segundo definição da Unesco (Organização
das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultu-
ra), o Patrimônio Cultural Imaterial é constituído por
todas as práticas, representações, expressões, conhe-
cimentos e técnicas (junto com os instrumentos, obje-
tos, artefatos e lugares culturais que lhes são asso-
Tambor de crioula. São Luís, Maranhão, 2006.

226 Capítulo 7  A costura da ordem republicana no Brasil

OH_V2_Book.indb 226 13/05/16 12:09


RUBENS CHAVES/PULSAR IMAGENS Tá na rede!
Registro de Bens Culturais
de Natureza Imaterial
Digite o endereço abaixo na
barra do navegador de internet:
http://goo.gl/qc7mFE. Você pode Página do Portal
também tirar uma foto com do IPHAN que defi-
um aplicativo de QrCode para ne o conceito bem
como disponibiliza
saber mais sobre o assunto.
os bens registrados
Acesso em: 12 abr. 2016. Em e os processos em
português. andamento.
Basílica do Bom Jesus de Matozinhos. Congonhas do
Campo, Minas Gerais, 2011.
PAULO SANTOS/REUTERS/LATINSTOCK

"Entre outras mil


és tu Brasil"
No plano internacional, até 1828 o governo imperial pro-
curou apenas o reconhecimento de sua emancipação
política. Em troca disso, a Coroa brasileira assinou trata-
dos e fez concessões que agravaram ainda mais a pesa-
da herança colonial. Se a organização econômica impu-
nha uma inserção subordinada do Brasil na economia
mundial, de país fornecedor de matérias-primas e gêne-
Procissão fluvial do Círio de Nazare. Belém, Pará, 2012. ros alimentícios, as concessões determinadas pela diplo-
macia aprofundaram os mecanismos de dependência,
STEFAN KOLUMBAN/PULSAR IMAGENS

sobretudo em relação à Inglaterra, que confirmou van-


tagens alfandegárias e pôde escoar sua produção indus-
trial para o interior das fronteiras do território brasileiro.
Mas a questão mais embaraçosa para o governo brasi-
leiro referia-se à escravatura. Em troca do reconhecimen-
to da emancipação política brasileira, a Inglaterra obteve
o compromisso do fim do tráfico, que acabou sendo obje-
to de uma lei de 1831, ano da abdicação de d. Pedro I. Com
as turbulências decorrentes do Período Regencial e numa
fase de estruturação do Estado nacional, o tráfico de escra-
vos continuou a abarrotar os portos brasileiros com mão
Capoeiristas celebram o pôr do sol. Bahia, 1993.
de obra africana. Não seria possível, ainda, a esse Estado
MARCO ANTONIO SÁ/PULSAR

afrontar sua base social e encerrar o tráfico e a escravidão.


As relações com os britânicos tornaram-se mais difí-
ceis a partir de 1845, quando, pela lei conhecida como
Bill Aberdeen, o governo inglês se investiu da autori-
dade de fiscalizar e apreender embarcações que trans-
portassem escravizados em qualquer parte do mundo. A
hegemonia britânica era então avassaladora, e o Estado
brasileiro acabaria por ceder.
Em 1850, após uma série de apreensões, prisões
e tomadas de portos brasileiros, o tráfico negreiro foi
extinto. A questão da escravatura, porém, ainda não
Rendeira. Divina Pastora, Sergipe, 2012. estava resolvida.

O Império do café e a República 227

OH_V2_Book.indb 227 13/05/16 12:09


História E Geopolítica>> I nteresses As intervenções brasileiras
do Brasil na região do Prata
A partir de 1850, o Estado nacional brasileiro encon-
"Entre as lideranças caudilhas do restante da região
trava-se consolidado. As divergências regionais já não
emergiu, a partir do final da década de 20 [1820],
Juan Manuel Rosas. Tornando-se a figura exponencial punham em causa a autoridade da monarquia esta-
das Províncias Unidas do Rio da Prata, basicamente belecida no Centro-Sul. O fim do tráfico restabeleceu
ambicionava a recomposição do antigo Vice-Reinado as relações com a Inglaterra. O olhar imperial mira-
do Prata sob seu controle. Neste sentido, interferia va a possibilidade de expandir sua influência em dire-
constantemente na política uruguaia e não reconhe- ção à região do Prata, abalada desde a independência
cia a independência paraguaia. Por outro lado, teve
do Uruguai.
que assegurar a soberania das Províncias Unidas
contra as intervenções militares inglesa e francesa, A ofensiva brasileira começou a delinear-se na cha-
que objetivavam a obtenção do maior número possí- mada Guerra contra Oribe e Rosas. A Argentina, lidera-
vel de vantagens comerciais na região. da por Juan Manuel Rosas, invadiu o Uruguai em 1839
Neste quadro, que resumimos de forma bastante em apoio a Manuel Oribe, líder do Partido Blanco uru-
esquemática, o Brasil tinha alguns interesses: 1) impe- guaio. Rosas pretendia manter um aliado no governo
dir a formação de um Estado nacional forte que unifi-
OH_U5_pag549 uruguaio de modo a estabelecer a supremacia argentina
casse o antigo Vice-Reinado do Rio da Prata; 2) asse-
gurar a livre navegação pela bacia do Prata; 3) fazer na região. Evidentemente, isso contrariava os interes-
valerem determinadas reivindicações territoriais nas ses do governo brasileiro, que, aliando-se a opositores
áreas de fronteira; 4) estar presente de forma marcan- de Rosas e Oribe, na Argentina e no Uruguai, derrotou o
te na política interna uruguaia; 5) garantir a não res- ditador argentino em 1852.
tauração da presença europeia na região."
SALLES, Ricardo. A Guerra do Paraguai: escravidão e cidadania na A Guerra do Paraguai
formação do exército. Rio de Janeiro: Paz e Terra,ESCALA
1990. p. 41. Reequilibrada a situação, novos abalos surgiriam em
OH_U5_pag549 0 775 1550 km
1864, dessa vez com relação ao Paraguai, governado por
MÁRIO YOSHIDA

GUERRA CONTRA ORIBE E ROSAS


Francisco Solano López. Em disputa estava a hegemo-
nia da região, sobretudo porque os paraguaios necessi-
tavam da bacia Platina para ter acesso ao oceano Atlân-
tico e ameaçavam os interesses argentinos e brasileiros.
Para o Brasil, tratava-se de manter as províncias de
ESCALA
0 775 1 550 km Mato Grosso e do Rio Grande do Sul integradas ao Impé-
rio monárquico e garantir a navegação pelos rios Para-
guai, Paraná e Uruguai.
A Guerra do Paraguai iniciou-se em novembro de
1864, quando os paraguaios aprisionaram um navio
de guerra brasileiro. Mais do que uma agressão, fruto
de uma política expansionista de um ditador, como em
geral a historiografia costuma apontar, a guerra era uma
resposta à ofensiva também expansionista do Impé-
rio brasileiro na região. Dois meses antes, o Brasil havia
interferido, mais uma vez, na política interna do Uru-
guai, para levar seus aliados colorados ao poder. Como na
Área em litígio maior parte das guerras, apesar de todos os apelos nacio-
Aliança Urquiza -
- Partido Colorado -
nalistas, não se tratava da luta do bem contra o mal.
- governo brasileiro Uma intrincada rede de alianças acabou por isolar o
Aliança Oribe - Rosas
Estado paraguaio. As rivalidades com a Argentina fala-
Destaque
Principais batalhas
ram mais alto e, em 1865, os governos argentino, uru-
Fonte: Elaborado com base em guaio e brasileiro formaram a Tríplice Aliança contra
Deslocamento de CAMPOS, F. de; DOLHNIKOFF, M. Atlas
tropas aliadas História do Brasil. 3. ed. São Paulo: Solano López. O presidente argentino, Bartolomé Mitre,
Área em litígio Scipione, 1997.
Aliança Urquiza -
tornou-se o comandante das forças aliadas.
- Partido Colorado -
- governo brasileiro
228 Capítulo
Aliança7  A costura
Oribe - Rosas da ordem republicana no Brasil
Destaque
Principais batalhas

Deslocamento de
OH_V2_Book.indb 228 tropas aliadas 13/05/16 12:09
A superioridade demográfica e econômica dos alia- nal e o corpo de Voluntários da Pátria. Em lugar de se
dos contrabalançava com a melhor preparação do Exér- apresentarem ao serviço militar, muitos proprietários
cito paraguaio, que, no início do conflito, contava com cederam seus escravizados, que, a partir de 1866, pas-
cerca de 60 mil combatentes, contra 17 mil do Brasil, saram a receber alforria pela participação na guerra.
8 mil da Argentina e apenas mil do Uruguai. As forças Após uma matança sem precedentes na Améri-
aliadas tinham, no entanto, ampla vantagem naval, ca do Sul, os paraguaios foram derrotados em março
sobretudo por causa da Marinha brasileira. E contavam de 1870. Destruída, a República do Paraguai jamais se
com financiamento e apoio da poderosa Inglaterra. recuperou do desastre militar. Sua população masculi-
Se nos primeiros combates as forças equilibravam- na foi praticamente dizimada e metade de seus habitan-
-se e os paraguaios puderam contar até com alguns tes foi morta durante os combates. Nunca mais ameaça-
expressivos sucessos, logo o poder dos aliados se fez ria a hegemonia brasileira na região do Prata, sendo, até
sentir. O Brasil chegou a mobilizar cerca de 150 mil hoje, um parceiro menor dos países do Cone Sul (Brasil,
homens, distribuídos entre o Exército, a Guarda Nacio- Argentina, Chile e Uruguai).
MUSEU NACIONAL DE BELAS ARTES, BUENOS AIRES, ARGENTINA

Esquadra brasileira no canal Paso de la Pátria em 23 de abril de 1866, Cándido López. Óleo sobre tela, 1887. (detalhe)

O Exército brasileiro definia-se como uma espécie de instituição além dos


Consolidado como potência regional, o Império brasilei- interesses dos grupos sociais, visando à defesa nacio-
ro saía da guerra ainda mais endividado com a Inglater- nal. Evocava a missão de salvar o país dos males pro-
ra. Internamente, o exército, que se formara durante as vocados pelos desmandos de seus governantes. Consi-
lutas utilizando-se de combatentes negros alforriados, derando-se acima do bem e do mal, o Exército colidia
começava a questionar a monarquia e a escravidão. A com o Poder Moderador, que também se propunha a
fragilidade material, a escassez de soldados e a falta de orientar os poderes do Estado. Em razão disso, grande
profissionalização ficaram patentes durante o conflito. parte dos oficiais convencia-se de que a melhor saída
Para criar um exército de cidadãos, era necessário para o Brasil seria a proclamação de uma República
ampliar a cidadania brasileira e, para tanto, abolir ime- centralizada, em que os militares pudessem dirigir a
diatamente a escravidão. sociedade. No limite, uma ditadura militar. Por ironia,
Por outro lado, a autoimagem da corporação mili- a derrocada do Paraguai e a maior vitória militar do
tar colocava-os acima da política do regime monár- Império brasileiro marcaram também o início da der-
quico, marcado por fraudes e corrupção. O Exército rocada da monarquia.

O Império do café e a República 229

OH_V2_Book.indb 229 13/05/16 12:09


alimentar por alguns dias toda a população da cida-
Rei Dom Obá II da África de. Além disso, no volumoso lixo deixado após a festa,
Dom Obá II era neto do último soberano do Império africa- foram encontradas muitas peças íntimas, de homens
no de Oyo. Foi reverenciado como príncipe real por negros e mulheres, demonstrando que o encontro não fora lá
escravizados e tido como amigo e protegido de d. Pedro II.
muito decente.
A imagem representa Dom Obá II com trajes de oficial da
Guerra do Paraguai. Até mesmo os cafeicultores de São Paulo encon-
travam-se a essa altura descontentes com a estrutu-
MUSEU IMPERIAL, RIO DE JANEIRO, BRASIL

ra política imperial. Havia um descompasso entre


o poder econômico e a importância política desses
fazendeiros, principalmente do Oeste Paulista. Desde
o início do período monárquico, partilhara-se o poder
político como forma de consolidar o Estado numa
conjuntura em que o poder econômico do Centro-Sul
apenas começava a destacar-se. Na década de 1830,
quando o café se tornara pela primeira vez líder das
exportações brasileiras – papel que iria sustentar por
todo o século XIX –, fora necessário estabelecer uma
série de arranjos políticos e concessões a grupos de
outras regiões e províncias.
Nem mesmo os cafeicultores do Vale do Paraíba
Rei Dom Obá II da África, Lopes Cardoso. Bahia, 1878. perfilavam-se ao lado da corte imperial. Os barões do
café, tradicional base de sustentação da monarquia,
haviam perdido seu esplendor econômico. Restavam-
O isolamento da monarquia -lhes as terras esgotadas, as lembranças do passado e
Vários fatores determinaram a crise do regime monár- os títulos de nobreza. Gradualmente, abolia-se a escravi-
quico a partir da década de 1870. A política monár- dão e os outrora ricos barões perdiam também as mãos
quica, de aparente representatividade, encontrava- negras, na realidade, suas principais insígnias sociais.
-se desgastada pelos desmandos e pela corrupção, pela Acrescente-se a esse clima geral o sentimento de que
exclusão da maior parte dos brasileiros do jogo políti- a substituição da mão de obra africana por imigrantes
co e pela manutenção da escravatura. Nas cidades, nos europeus havia sido financiada em sua maior parte pelo
quartéis, nos meios literários e entre boa parte da elite governo provincial de São Paulo. A obtenção de recursos
imperial, as críticas ao regime tomavam fôlego e amea- ou a autorização para contrair empréstimos esbarravam
çavam a ordem monárquica. sempre no esquema político montado no Brasil.
Os efeitos econômicos e sociais da Guerra do Para- Assim, à medida que o café se consolidava como o
guai acabaram por precipitar e expor as contradições do grande produto brasileiro e que os fazendeiros do Oeste
regime monárquico. Aumento da dívida externa, infla- paulista ampliavam a entrada de imigrantes europeus
ção nos centros urbanos, pressões internas tanto para a em São Paulo, a oligarquia cafeeira começava a desen-
extinção da escravidão como pela sua manutenção aca- volver um novo projeto de reforma política que permi-
baram por fazer ruir o edifício imperial e desarticular a tisse maior grau de autonomia provincial: o federalis-
sua base social de sustentação. D. Pedro II e sua corte, mo. Em nome dessa autonomia, os liberais paulistas
na tentativa de se equilibrarem diante de questões polê- já haviam se rebelado, sem sucesso, em 1842, contra o
micas e contemporizarem os ânimos, seguiam o cami- governo central, sob a liderança de Diogo Feijó. A essa
nho do isolamento político. altura, o federalismo associava-se às antigas ideias
Símbolo de unidade e centralidade do Brasil, a figu- republicanas.
ra do imperador passou a ser ridicularizada constante- Em 1873, na Convenção de Itu, em São Paulo, era
mente pela população brasileira. Ponto alto de seu des- fundado o Partido Republicano Paulista (PRP), reunin-
gaste, dias antes da proclamação da República, foi o do setores das classes médias urbanas, letrados e gran-
Baile da Ilha Fiscal, no Rio de Janeiro, onde os con- des cafeicultores. O republicanismo avançava sobre a
vidados da Corte consumiram produtos que poderiam sociedade brasileira.

230 Capítulo 7  A costura da ordem republicana no Brasil

OH_V2_Book.indb 230 13/05/16 12:09


recomendações papais e expulsaram das confrarias reli-
COLEÇÃO IEB, UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, BRASIL
giosas os representantes maçons. Um recurso à Coroa
tornou nula a expulsão ordenada pelo bispo, que aca-
bou preso em 1874.
Apontada como uma das razões do enfraqueci-
mento do regime imperial, pelo desgaste junto aos
católicos brasileiros, a Questão Religiosa marca o iní-
cio do processo de separação entre o poder civil e o
poder religioso. Com a República, esse processo se
completa com a obrigatoriedade do casamento civil e
a formalização da liberdade religiosa. A Igreja distan-
ciava-se do Estado.

Faça
Tá ligado?! em se
cadernu
o

(PUC-SP) Leia as afirmações a seguir sobre o cenário


de crise do Império, no Brasil.
I. O regime monárquico enfrentou, desde a
Guerra do Paraguai, a disposição do oficialato
do exército de ampliar sua participação na vida
política nacional, o que serviu de fermento para
conflitos que ajudaram a minar a sustentação
D. Pedro II e a monarquia desequilibrados, Ângelo do Estado.
Agostini. Charge extraída da revista Ilustrada, 21 de
janeiro de 1882. (detalhe) II. A sintonia do monarca com as ideias
progressistas vigentes no século XIX, com o
desenvolvimento científico e o refinamento
A Questão Religiosa cultural que lhe era próprio, foram fundamentais
Desde o século XVI, os monarcas ibéricos foram autori- para que preparasse, desde 1850, a transição
zados pelo Vaticano a administrar os assuntos religio- para o regime republicano.
sos no ultramar, por meio da instituição denominada III. O questionamento da submissão da Igreja
Padroado Régio. Na prática, como patronos da evan- ao Estado monárquico por parte do clero e
gelização, os monarcas transformavam os membros do as reações intransigentes do Gabinete Rio
Branco a essas manifestações serviram para
clero secular em funcionários das respectivas Coroas.
aprofundar a cisão da monarquia com tal
As bulas e encíclicas papais só eram válidas uma vez
segmento.
aceitas pelos reis, que indicavam os nomes de bispos e
IV. A Convenção de ltu, em 1873, deu contornos
outros representantes da hierarquia católica.
claros à mobilização de apoio à monarquia
Com a independência, o padroado tornou-se atri- na província de São Paulo e marcou o início
buição dos monarcas brasileiros. No entanto, em 1864, de ofensivas de seus integrantes no plano
o papa Pio IX condenou em uma encíclica o que consi- eleitoral.
derava os oitenta erros que o mundo praticava contra As afirmações relacionadas corretamente com esse
a Igreja. Entre eles, o poder dos Estados sobre os docu- contexto são:
mentos papais, a subordinação do clero à administração a) I e II
civil, a separação entre Igreja e Estado e a participação b) I e III
de membros da Igreja em sociedades secretas, especial- c) I e IV
mente a maçonaria.
d) II e III
No Brasil, d. Pedro II negou-se a aprovar a encíclica,
e) II e IV
o que, pelas regras do padroado, tornava-a sem valida-
de. Os conflitos não tardaram a surgir. Alguns membros → DL/CF/H11/H24
do clero, como o bispo de Olinda, resolveram seguir as → conforme tabelas das páginas 8 e 9.

O Império do café e a República 231

OH_V2_Book.indb 231 13/05/16 12:09


Republicanismos Na segunda metade do século XIX, as ideias repu-
blicanas circulavam entre os letrados brasileiros.
Em 1888, quando o Brasil finalmente aboliu a escra-
Entre os mais radicais, como Silva Jardim, o discur-
vidão (foi o último país do mundo ocidental a fazê-lo),
so republicano aproximava-se, "perigosamente", da
em meio a pressões da intensa campanha abolicionis-
maior parte da população: pequenos proprietários e
ta, o isolamento do governo tornou-se ainda maior. Os
artesãos, profissionais liberais, jornalistas, professo-
cafeicultores do Vale do Paraíba, que não dispunham da
res e estudantes.
rentabilidade dos proprietários do Oeste Paulista, per-
Mas foi a versão positivista que pareceu menos
deram uma das últimas fontes de recursos que ainda
perigosa aos grupos dominantes. Formulado pelo fran-
detinham. Sem prever indenizações e sem promover
cês Auguste Comte, o positivismo identificava leis na
um plano de integração dos negros à sociedade brasilei-
evolução da natureza humana, cujo ponto máximo
ra, a Lei Áurea conseguiu descontentar tanto os aboli-
era atingir o estágio científico ou positivo, no qual os
cionistas quanto os escravistas. Sentindo-se traídos pela
homens, livres de crenças e superstições, seriam guia-
monarquia que apoiavam e com a qual estiveram liga-
dos pela razão e pela ciência. As mudanças da socieda-
dos por gerações, desde a chegada da corte de d. João VI
de evidenciariam um dinamismo marcado pela busca
ao Rio de Janeiro, os barões do café ingressaram, em sua
do progresso.
maioria, no PRP.
No entanto, o progresso deveria ser alcançado pela
Mas foram os representantes do Exército que
evolução gradativa, controlada e sem os sobressaltos de
deram feições bem específicas ao republicanismo bra-
profundas revoluções. Ou seja, o progresso deveria ser
sileiro. Além dos intelectuais, dos setores urbanos – de
buscado com a manutenção da ordem. As ideias positi-
certo modo tradicionais setores de efervescência repu-
vistas foram muito bem recebidas por parte da elite bra-
blicana – e dos cafeicultores, os militares passavam a
sileira do século XIX, incluindo nomes como Benjamim
questionar a importância conferida ao Exército pelo
Constant, Euclides da Cunha, Júlio de Castilhos, Pinhei-
poder imperial e a criticar o apadrinhamento e a cor-
ro Machado, Borges de Medeiros e Sílvio Romero.
rupção – elementos típicos do regime –, que permitiam
Desgastado e isolado, d. Pedro II foi facilmente
a promoção de oficiais incompetentes que tinham bom
deposto em novembro de 1889 por oficiais do Exérci-
trânsito entre os ministros e assessores de d. Pedro II.
to que contavam com o apoio dos cafeicultores paulis-
Muitos haviam sido influenciados por leituras republi-
tas. Mais uma vez, afastava-se a maior parte da popula-
canas e pelo positivismo, conjunto de ideias e princí-
ção dos centros de decisão. A República brasileira não
pios filosóficos que se apresentava sob o lema ordem e
foi instaurada por um amplo movimento popular. Não
progresso, e passaram a defender o fim da escravidão,
ocorreu uma revolução. Pelo contrário, mais uma vez
o fim da monarquia e o estabelecimento de um regime
tratou-se de uma negociação pelo alto, em que oficiais
centralizado que impusesse disciplina à desorganizada
do Exército aliaram-se aos poderosos cafeicultores pau-
sociedade brasileira. A monarquia estava por um fio.
listas. Tudo em nome da "ordem e do progresso".
De espada.

Verificação de leitura 1 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 A Independência do Brasil alterou as estruturas do Paraguai? → DL/SP/H7


econômicas características do Período Colonial? 6 "Acima do bem e do mal, o Exército colidia com o
Justifique. → DL/CF/SP/H9/H16 Poder Moderador, que também se propunha a orien-
2 Como a Lei de Terras articula-se ao fim do tráfico tar os poderes do Estado." Comente essa afirmação.
negreiro? → DL/SP/H8/H9/H11 → DL/CF/SP/CA/H7/H9/H11
3 Compare a Lei de Terras de 1850 ao Homestead Act 7 Quais foram os motivos do desgaste político da
de 1862 (ver p. 170). → DL/CF/H8/H9/H11 monarquia a partir de 1870? → DL/SP/H9/H11
4 Como os letrados pretendiam implementar o bran- 8 Por que o republicanismo positivista teve tão fácil
queamento do país? → DL/SP/H11 aceitação entre os militares brasileiros?
5 Quais foram os motivos que deram início à Guerra → DL/SP/H9/H11

232 Capítulo 7  A costura da ordem republicana no Brasil

OH_V2_Book.indb 232 13/05/16 12:09


Um Outro Olhar Literatura
O romance Iracema, de José de Alencar, foi publicado em Medeiros, foi elaborado em 1881. Leia o pequeno trecho
1865 e é considerado um dos clássicos de nossa literatura. do livro com atenção, analise a imagem e responda às
O quadro de mesmo nome, de autoria de José Maria de questões propostas.

REPRESENTAÇÕES INDÍGENAS
"Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a
jandaia nas frondes da carnaúba. baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.
Verdes mares que brilhais como líquida esmeralda aos Mais rápida que a corça selvagem, a morena virgem
raios do Sol nascente, perlongando as alvas praias ensom- corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guer-
bradas de coqueiros. reira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal
[...] roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra
Além, muito além daquela serra, que ainda azula no com as primeiras águas."
horizonte, nasceu Iracema. ALENCAR, J. de. Iracema.
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabe- Rio de Janeiro: BestBolso, 2012. p. 17-19.
los mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu
talhe de palmeira.

MUSEU NACIONAL DE BELAS ARTES, RIO DE JANEIRO, BRASIL

Iracema, José Maria de Medeiros. Óleo sobre tela, 1881.

Faça
em se → conforme tabelas das páginas 8 e 9.
cadernu
o

1 Como a personagem Iracema é representada no texto → DL/CF/H1/H9/H11/H21/H25


e no quadro? → DL/H1/H2/H11
3 Trata-se de representações românticas ou realistas?
2 Quais as relações dessas representações e a questão Justifique sua resposta. → DL/CF/CA/H1/H4/H11
nacional no Brasil do século XIX?

O Império do café e a República 233

OH_V2_Book.indb 233 13/05/16 12:09


2 A república da espada

O
s militares tomam a praça. A cavalaria perfila-se imponente diante da
multidão civil. Peças de artilharia podem ser observadas com reve-
rência. Bandeiras e flâmulas verde e amarelas misturam-se aos vivas
à República. Há uma profusão de símbolos: uniformes militares, vestimen-
tas civis, as cores da pátria, a praça pública, a multidão, as armas. As pessoas
parecem participar de um grande espetáculo, quase um grande teatro. E de
certo modo era.
A foto abaixo descreve o Rio de Janeiro em 15 de novembro de 1894, ou
seja, cinco anos após a Proclamação da República. A comemoração é realiza-
da com uma reconstituição da ação militar dirigida pelo marechal Deodoro da
Fonseca, possivelmente com muita precisão em relação à original, principal-
mente num aspecto: o Exército no centro dos acontecimentos. No entanto, os
figurantes civis de 1894 entendiam melhor o que se passava. Em 1889, boa
parte não conseguia acompanhar ao certo o que ocorria.

Dia da República
Na festa de comemoração de cinco anos da República, as unidades militares reconstituem as posições que supostamente teriam
ocupado na Praça da República em 1889.

ARQUIVO NACIONAL, RIO DE JANEIRO, BRASIL

Praça da República, Marc Ferrez. Rio de Janeiro, 1894.

234 Capítulo 7  A costura da ordem republicana no Brasil

OH_V2_Book.indb 234 13/05/16 12:09


do o poder no Executivo como uma forma de afastar
Governo Provisório seus adversários. Para os militares, no entanto, o fede-
Nos meses que se seguiram, no entanto, as tensões se ralismo representava um risco para a unidade brasilei-
acirraram. Foi estabelecido um Governo Provisório sob ra e para a nacionalidade, por conferir maior autonomia
a chefia do marechal Deodoro da Fonseca, ex-comba- político-administrativa aos estados da Federação.
tente na Guerra do Paraguai e um dos principais líderes Pressionado pelas oligarquias, o Governo Provi-
do Exército. Imediatamente, foram destituídos os pre- sório acabou por convocar uma Assembleia Nacional
sidentes das províncias, agora denominadas estados. Constituinte para elaborar a primeira Constituição
As antigas agremiações políticas do Império, o Partido Republicana do Brasil, que definiria as novas regras
Liberal e o Partido Conservador foram extintos, e vários políticas. Eleita em setembro de 1890, a Constituinte
representantes do último governo da Monarquia foram iniciou seus trabalhos em 15 de novembro do mesmo
presos. Temia-se uma resistência monárquica com base ano, encerrando-os em 24 de fevereiro de 1891. Após
na Marinha e nos tradicionais políticos do Império. As inúmeras polêmicas em torno do regime de governo e
espadas dos representantes do Exército tentavam afas- do grau de autonomia regional, os parlamentares ele-
tar esses temores. geram os marechais Deodoro da Fonseca e Floriano
Com unidades em toda parte do território nacio- Peixoto como presidente e vice-presidente da Repú-
nal e contando com a característica disciplina mili- blica, respectivamente.
tar, o Exército era o agrupamento mais apto a assumir

MUSEU DA REPÚBLICA, RIO DE JANEIRO, BRASIL


o poder nesses primeiros meses da República. Mesmo
assim, a corporação militar não estava totalmente
coesa. Sem contar os poucos batalhões que se mantive-
ram leais à Monarquia e que provocaram enfrentamen-
tos com grupos republicanos, o Exército possuía duas
grandes alas.
De um lado, encontravam-se os partidários de Deo-
doro da Fonseca, velhos oficiais que haviam aderi-
do à causa republicana mais por ressentimentos com
os últimos governos monárquicos que por convicções
doutrinárias. Do outro, havia os positivistas, agrupados
em torno da figura de um outro remanescente da Guer-
ra do Paraguai, o marechal de campo Floriano Peixo-
to. Para estes, a intervenção militar era dotada de um
sentido muito claro: garantir o progresso e a evolução
da sociedade brasileira pelo regime republicano – que
consideravam superior ao monárquico –, e fomentar a
industrialização do país. O fortalecimento e a valoriza-
ção do papel do Exército, o recurso à ditadura e a cen-
tralização do poder eram pontos de concordância entre Sessão da Assembleia Nacional Constituinte de 1890,
os setores militares. Aurélio de Figueiredo. Óleo sobre tela, 1891. (detalhe)
Para as oligarquias de São Paulo, Minas Gerais e
Rio Grande do Sul, principais aliados dos militares que A Constituição de 1891
puseram abaixo a Monarquia, era fundamental asse- A primeira Constituição Republicana do Brasil ficou
gurar a autonomia dos estados por meio do federalis- caracterizada pelo considerável grau de autonomia que
mo. Refratários a uma ditadura encabeçada pelo Exérci- conferia a cada um dos 20 estados da Federação. Ou seja,
to, paulistas e mineiros desejavam o fortalecimento do as diversas oligarquias regionais tinham garantido seu
Poder Legislativo em âmbito tanto federal quanto esta- espaço político e o exercício do poder em suas respec-
dual. Parte da oligarquia gaúcha, por sua vez, influen- tivas áreas de atuação. Tal poder traduzia-se no direito
ciada pelas ideias positivistas, procurava implementar de cada estado estabelecer seus contingentes militares,
um regime centralizado no plano estadual, concentran- elaborar suas leis, contrair empréstimos externos sem a

A república da espada 235

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intermediação do poder central e administrar os recur- ordenou o fechamento do Congresso e decretou o estado
sos decorrentes dos tributos cobrados sobre os produ- de sítio – instrumento jurídico pelo qual atribuem-se
tos exportados. Remetia-se ao poder central a tributação maiores poderes ao presidente da República e proíbem-
referente às importações de mercadorias estrangeiras e se manifestações, reuniões e críticas públicas às autori-
garantia-se que, no essencial, a elaboração das princi- dades constituídas. Além disso, o chefe de Estado anun-
pais leis seria da alçada do Congresso Nacional. Além do ciou uma revisão constitucional que visava fortalecer
federalismo, a Constituição adotou o presidencialismo, ainda mais o Poder Executivo. Contava com o apoio de
ou seja, o sistema de governo no qual o Poder Executi- quase todos os presidentes estaduais, que, direta ou indi-
vo é exercido por um presidente eleito pelos cidadãos. retamente, haviam sido elevados a seus cargos por ele.
Suprimia-se o Poder Moderador e mantinham-se os Deodoro tentava estabelecer uma ditadura.
poderes Legislativo e Judiciário. O exercício da cidada- Com a oposição das oligarquias mais poderosas,
nia era extremamente restritivo. Tinham direito a voto dos setores do Exército ligados a Floriano Peixoto e da
apenas os homens, alfabetizados e maiores de 21 anos, Marinha, ele foi obrigado a renunciar em 23 de novem-
excluindo-se ainda os mendigos, os soldados rasos e os bro de 1891. No mesmo dia Floriano assumia a presi-
religiosos. Com tantas restrições, até 1926 o eleitorado dência em meio a uma grave crise política. A Marinha,
nunca ultrapassou 6% do total da população brasileira. cuja atuação havia sido decisiva na destituição de Deo-
Definitivamente, era uma república para poucos. doro, sob a liderança do almirante Custódio de Melo,
exigia uma grande participação no novo governo. Os
paulistas, representados pelo PRP (Partido Republica-
O governo Deodoro no Paulista), viam a possibilidade de dirigir o país por
A primeira eleição presidencial deixou evidente o clima intermédio de Floriano. No Rio Grande do Sul a situa-
de instabilidade dominante no país. Apesar de alcançar ção política tornava-se cada vez mais difícil com as dis-
seguidas maiorias em votações importantes, os paulis- putas entre os republicanos de orientação positivista –
tas não conseguiram eleger seu candidato, Prudente de conhecidos como pica-paus, em razão dos uniformes
Morais. Sob fortes ameaças dos militares ligados a Deo- dos soldados do governo – e os federalistas, denomina-
doro, os parlamentares foram coagidos a referendar o dos maragatos, forma pejorativa de referência aos espa-
nome do chefe do Governo Provisório como presidente nhóis no Uruguai. Os primeiros, organizados no PRR
da República. Entretanto, no lugar do almirante Eduar- (Partido Republicano Rio-Grandense), eram defensores
do Wandenkolk, vice na chapa de Deodoro, a Assem- de medidas centralizadoras por parte do Poder Execu-
bleia Constituinte optou por Floriano Peixoto, candidato tivo estadual. Seus adversários eram antigos políticos
ao posto na chapa de Prudente de Morais. Foi a forma de liberais do Império, que fundaram o Partido Federalis-
não ceder totalmente a Deodoro, que teria como vice um ta e desejavam ampliar as atribuições do Poder Legisla-
militar rival apoiado pela poderosa oligarquia paulista. tivo no Estado.
A Assembleia Constituinte, agora transformada em
Congresso Nacional, composto de deputados e senado- O Encilhamento
res, tinha a maioria de oposicionistas a Deodoro da Fon- Logo após a Proclamação da República, o Ministério
seca. A contestação política não era um dos ingredien- da Fazenda ficou a cargo de Rui Barbosa, que promo-
tes mais apreciados pelo presidente eleito, que destituiu veu uma profunda reforma econômica, visando ampliar
os presidentes estaduais que não haviam apoiado seu o volume de moeda em circulação no país para finan-
nome na eleição presidencial. No lugar deles, Deodo- ciar a agricultura e a indústria. Quatro bancos, aten-
ro nomeou pessoas de sua confiança. Não era um bom dendo às várias regiões brasileiras, passaram a emitir
começo para nossa República. papel-moeda e a realizar empréstimos, penhoras, hipo-
Em poucos meses, em meio à grave crise econômi- tecas e trocas de moedas estrangeiras. A facilidade em
ca provocada pela reforma proposta por Rui Barbosa – obter dinheiro gerou uma intensa especulação: foram
o Encilhamento –, o presidente envolveu-se em diver- criadas empresas fictícias, intensificaram-se as ativida-
sos conflitos com o Congresso Nacional, que, por meio des da Bolsa de Valores e ocorreu uma alarmante alta de
de um projeto denominado Lei das Responsabilidades, preços. A inflação pulou de 1,1%, em 1889, para 89,9%,
pretendia diminuir as atribuições do Poder Executivo. em 1891. Juntamente com a inflação, a euforia deu lugar
Como represália, em 3 de novembro de 1891, Deodoro a uma série de falências de empresas e de estabeleci-

236 Capítulo 7  A costura da ordem republicana no Brasil

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mentos bancários. Fortunas foram levantadas e destruí- A legitimidade do novo governo foi logo contestada
das nesse pequeno intervalo de tempo. É por essa razão por um grupo de treze generais, que, em abril de 1892,
que tal política econômica ficou conhecida por Encilha- exigiu a convocação de novas eleições presidenciais.
mento, ou seja, o lugar de preparação dos cavalos de Com base na Constituição, alegavam que o ex-presiden-
corrida antes dos páreos, quando são feitas as apostas. te Deodoro renunciara antes de completar dois anos de
mandato, o que tornava ilegal a presidência de Floriano,
IEB/UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, BRASIL

de modo que, de acordo com o artigo 42 da Constituição,


deveria haver uma nova eleição.
Mas as maiores dificuldades ainda estavam por vir.
Em fevereiro de 1893, a disputa entre os grupos rivais
gaúchos pelo controle do estado descambou em uma
sangrenta guerra civil, denominada Revolta Federa-
lista. Por ordem do presidente da República, tropas do
Exército intervieram no conflito a favor dos represen-
tantes do Partido Republicano Rio-Grandense e contra
os federalistas.
Enquanto transcorria a luta no Rio Grande do Sul,
em setembro do mesmo ano oficiais da Marinha rebe-
laram-se contra a permanência de Floriano Peixoto no
poder. Os principais líderes da Revolta da Armada,
como ficou conhecido o episódio, foram os almirantes
Custódio de Melo e Eduardo Wandenkolk. Para destituir
o presidente, os rebeldes fecharam a Baía de Guanaba-
ra com seus navios e bombardearam a cidade do Rio de
Janeiro. Diante da situação, o presidente declarou esta-
do de sítio e grupos republicanos formados por intelec-
tuais, parlamentares e militares passaram a promover
O batismo do Brasil, anônimo. Litografia, final do século
ruidosas manifestações em defesa da República. Perse-
XIX.
guiram os portugueses – em geral identificados como
monarquistas – e deram seu apoio a Floriano Peixoto.
Floriano Peixoto Eram os jacobinos, assim denominados numa alusão
O novo presidente promoveu uma nova onda de inter- ao grupo radical que dirigiu a Revolução Francesa entre
venções estaduais, efetuando a derrubada dos presiden- 1792 e 1793. Os jacobinos brasileiros tiveram considerá-
tes dos estados aliados a Deodoro, o que viria a acentuar vel participação na vida política nacional até o início do
ainda mais a instabilidade política do país. O primeiro século XX, como defensores de enérgicas medidas mili-
governo republicano caracterizara-se pela tensão entre tares e opositores aos presidentes civis.
o Poder Executivo federal e o Congresso Nacional. O Em novembro de 1893, líderes da Revolta da Arma-
segundo ficou marcado pela oposição entre o Poder Exe- da encontraram-se com representantes da Revolta
cutivo federal e os poderes estaduais. Como afirmou o Federalista na Ilha do Desterro, em Santa Catarina, cujo
sociólogo Fernando Henrique Cardoso, "se Deodoro ferira governador havia aderido à rebelião da Marinha. Tenta-
o Congresso, Floriano arranhava a autonomia dos estados". ram, em vão, estabelecer um plano comum de ação con-
Em suas respectivas unidades, as antigas diferen- tra o governo. Os federalistas ainda conseguiram avan-
ças políticas que haviam dividido as oligarquias entre çar até o Paraná, onde conquistaram a capital do estado,
liberais, conservadores e, mais tarde, republicanos, tor- Curitiba. No entanto, a partir de 1894, forças leais ao
navam-se mais complexas com as idas e vindas do jogo governo federal, a partir do estado de São Paulo, con-
político entre as facções do Exército. Em vários estados, seguiram debelar o movimento rebelde. Seus integran-
as oligarquias dividiam-se em grupos inimigos, que se tes refugiaram-se no Uruguai e na Argentina, e a Ilha do
utilizavam igualmente do poder político e do poder mili- Desterro recebeu o nome de Florianópolis, para marcar
tar para fazer valer sua hegemonia regional. o sucesso militar do presidente da República.

A república da espada 237

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Mesmo com a adesão de monarquistas, nomeada- Presidência da República. Os civis chegavam ao poder
mente do almirante Saldanha da Gama ao final de 1893, numa eleição que consagrou o candidato da situação
a Revolta da Armada foi pouco a pouco se esgotando. com 84% dos votos. Significativamente, Floriano Peixo-
A escassez de armas, alimentos e água potável nos to não compareceu à posse de seu sucessor. Os militares
navios, e a proliferação de doenças entre a tripula- não estavam mais no centro dos acontecimentos. Tinha
ção tornaram impossível a vitória do movimento. Em início a República Oligárquica.
março de 1894, o almirante Custódio de Melo, com

ACERVO ICONOGRAPHIA
mais de 500 rebeldes, pediu asilo a Portugal e refu-
giou-se a bordo de embarcações lusitanas. Foi o fim da
guerra civil.

O fim do poder militar


Durante o governo de Floriano, os paulistas souberam
tirar proveito da situação política do país. A oligarquia
cafeeira, interessada em dirigir a próxima sucessão
presidencial, ofereceu recursos financeiros e forne-
ceu o apoio de sua forte milícia estadual para enfren-
tar a Revolta da Armada e a Revolta Federalista. O poder
militar, exaurido por tantas divisões e disputas, aca-
Revolta da Armada. Encontro de Gumercindo Saraiva (no
bou cedendo às investidas dos paulistas e não teve for-
cavalo branco) com o contra-Almirante Custódio de Melo
ças para barrar a candidatura de Prudente de Morais à (ao seu lado direito). Paraná, 1893.

Verificação de leitura 2 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 "Concidadãos! ram dificuldades de lidar com as instituições políti-


cas. Por quê? → DL/SP/H8/H9/H11
O povo, o Exército e a Armada Nacional, em perfei-
ta comunhão de sentimentos com os nossos concida- 4 Os primeiros anos da República foram marcados
por turbulências econômicas. Após a leitura da irô-
dãos residentes nas províncias, acabam de decretar
nica quadrinha popular, responda às questões.
a deposição da dinastia imperial e consequentemen-
te a extinção do sistema monárquico representativo. "Essa lei de Deodoro
Como resultado imediato desta revolução nacional, Essa lei de Floriano
de caráter essencialmente patriótico, acaba de ser
Essa lei republicana
instituído um Governo Provisório, cuja principal mis-
são é garantir, com a ordem pública, a liberdade e os Ninguém pode mais amá. Covo de chita
direitos dos cidadãos." Que custava uma pataca
Hoje é tanto dinheiro
"Manifesto da Proclamação da República de 16 de novembro
de 1889". Apud CASALECCHI, J. E. A Proclamação Que ninguém pode comprá."
da República. São Paulo: Brasiliense, 1981. p. 90.
Quadrinha popular do final do século XIX.
Apud CALMON, P. História do Brasil na poesia do povo.
O manifesto afirma que o povo e as forças militares Rio de Janeiro: A noite, 1943. p. 285.
decretaram a deposição da Monarquia num movi-
a) Com base na quadrinha, quais eram as carac-
mento qualificado de revolução nacional. Essa autoa-
terísticas da política econômica implementada
valiação corresponde inteiramente ao que ocorreu
por Rui Barbosa no Governo Provisório?
em 15 de novembro de 1889? Justifique sua resposta.
→ DL/CF/SP/H1/H8
→ DL/SP/CA/H1/H9/H11/H13
b) Como a quadrinha apresenta as consequências
2 Apresente e comente dois aspectos da Constituição
dessa política econômica? → DL/CF/SP/H1/H9
brasileira de 1891. → DL/CF/SP/H8/H9/H11/H12/H24
5 Quem eram os jacobinos brasileiros? Qual a sua
3 Os dois primeiros presidentes brasileiros, os mare-
composição social e suas propostas políticas?
chais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, tive-
→ DL/SP/H9/H11

238 Capítulo 7  A costura da ordem republicana no Brasil

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3 A institucionalização
do regime

A
s profundas crises dos primeiros anos da República só seriam supe-
A+ comunicação

ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS
radas com o afastamento definitivo dos militares e a instauração de
um "sistema" estável para marcar os limites e as regras do jogo do
1894 Prudente de Morais poder. O governo de Prudente de Morais (1894-1898) caracterizou-se pela
84,3 tentativa de apaziguamento entre os diversos setores oligárquicos e as lide-
ranças militares. Em agosto de 1895, os líderes da Revolta Federalista depu-
1898 Campos Sales seram as armas e declararam sua rendição. O presidente sucessor, o tam-
90,9 bém paulista Campos Sales (1898-1902), com um novo arranjo político,
conhecido como Política dos Governadores, ofereceu a estabilidade neces-
sária às oligarquias regionais.
1902 Rodrigues Alves Como ficara evidenciado nos governos dos marechais, a origem das crises
91,7
residia no confronto entre os setores dos grupos dominantes estaduais, que dis-
putavam o apoio presidencial para tomar o governo ou para se manter nele. Com
1905 Afonso Pena as costumeiras intervenções federais, abria-se a oposição entre o poder central e
97,9 os poderes estaduais, e entre o Congresso Nacional e a Presidência da República.
Era necessário encontrar um meio de neutralizar as oposições sem elimi-
1910 Hermes da Fonseca nar o sistema representativo, ou seja, de representantes dos cidadãos escolhi-
64,4 dos por meio de eleições. Tarefa difícil, uma vez que as eleições eram marca-
das por fraudes, violências e arbitrariedades cometidas pelos diversos grupos
oligárquicos em conflito.
1914 Venceslau Brás Por meio da Política dos Governadores, Campos Sales apoiava os grupos
91,6
dominantes nos estados da União, que, em troca, orientariam seus deputados e
senadores a apoiar as decisões do Executivo em âmbito federal. O apoio do gover-
1918 Rodrigues Alves no federal traduzia-se em verbas e outros benefícios de que a oligarquia domi-
99,1 nante poderia dispor para ampliar seu prestígio regional, garantindo seu domínio
permanente sobre a máquina administrativa. Assim, as disputas políticas, já neu-
1919 Epitácio Pessoa tralizadas, tendiam a se restringir aos estados e não ameaçariam a estabilidade do
Fonte: Elaborado com base em dados estatísticos do Tribunal Superior Eleitoral.

71,0 governo federal. Com a ausência de partidos nacionais, as relações políticas esta-
beleciam-se entre as bancadas dos partidos estaduais (Partido Republicano Pau-
lista, Partido Republicano Mineiro, Partido Republicano Rio-Grandense etc.) e a
1922 Artur Bernardes Presidência da República.
56,0

1926 Washington Luís A "degola" da oposição


98,0 A garantia da eficácia da Política dos Governadores de Campos Sales residia
na Comissão de Verificação de Poderes. Os deputados, depois de eleitos em
seus respectivos estados, recebiam um diploma, uma espécie de registro elei-
1930 Júlio Prestes
57,7 toral que os encaminhava à Câmara dos Deputados Federais. A Comissão era
responsável pela regulamentação desses diplomas, ou seja, pela validação da
Presidente eleito eleição dos deputados, e seus membros eram indicados por orientação do pre-
Outros candidatos
sidente da Câmara dos Deputados, que, em geral, estava articulado com os gru-
Estados de origem
pos da situação. Assim, os deputados ligados aos grupos dominantes dos esta-
MG SP RJ PB
dos eram diplomados, e aqueles que porventura pertencessem a grupos de

A institucionalização do regime 239

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oposição estadual ou que não merecessem a confiança Além disso, a Política dos Governadores pressupunha a
do governo federal eram degolados, ou seja, impedidos supremacia do Executivo sobre os demais poderes, de
de assumir seu mandato parlamentar. forma a tornar quase absoluto o poder das oligarquias
Ao mesmo tempo em que abriam mão de interferir que o dominavam. A violência local e a transação entre
no andamento da política estadual, as oligarquias mais as máquinas político-administrativas dos estados e os
poderosas, as de Minas Gerais e São Paulo, mantinham donos dos "currais eleitorais" e das grandes proprieda-
o controle sobre o governo federal. Os grupos domi- des rurais tornaram-se os ingredientes fundamentais
nantes dos estados tendiam, normalmente, a aceitar as do sistema político que conferiria a estabilidade oligár-
indicações dos candidatos à Presidência escolhidos por quica à República, que se firmava como a expressão da
mineiros e paulistas. Assim, as oligarquias regionais vontade de poucos.
impunham, nos seus "currais eleitorais", os nomes deci- No decorrer da República Oligárquica, a maior
didos por Minas e São Paulo nos gabinetes ministeriais parte dos presidentes da República era proveniente de
do Rio de Janeiro. Em razão disso, a maior parte das elei- Minas e São Paulo, grandes produtores de laticínios e
ções era vencida por maiorias esmagadoras. café, respectivamente. Era a política café com leite,
Eliminava-se, dessa forma, a possibilidade de dis- que complementava a Política dos Governadores. Com
puta real pelo poder e de revezamento das forças polí- a consolidação da República, iniciava-se o Império
ticas que ocupavam os governos estaduais e fede- dos cafeicultores.
ral, relegando-se a oposição a uma situação marginal.

A+ COMUNICAÇÃO
A POLÍTICA DOS GOVERNADORES

Presidência da República (Executivo Federal)

Oposição reduzida Apoio político


Voto, suscetível
ao controle dos
poderosos. Câmara dos Deputados (Legislativo Federal)

Obras públicas, Verbas


Deputados e senadores diplomados
Coronéis, (considerados leais ao governo)
controle sobre
o leitorado
local. Comissão de Verificação de Poderes
(validação da eleição dos deputados federais)
Verbas, usadas
para apoio
político e Deputados "degolados"
investimentos Deputados federais eleitos (opositores ao governo federal)
e obras na
localidade.

Presidentes estaduais
Obras públicas, Verbas

Assembleias Legislativas
Estaduais (deputados estaduais)

Coronéis (atuação nos municípios)


Favores; Coação

Voto Eleitores Voto


(currais eleitorais)
Fonte: Elaborado com base em CAMPOS, F. de; DOLHNIKOFF, M. Atlas História do Brasil. Scipione: São Paulo, 1994.

240 Capítulo 7  A costura da ordem republicana no Brasil

OH_V2_Book.indb 240 13/05/16 12:09


O coronelismo do Rio Grande do Sul e de outros estados do país, o mare-
chal Hermes, sobrinho de Deodoro da Fonseca, vitorioso
A marginalização da maior parte da sociedade brasileira foi
no pleito, impôs a política das salvações, pela qual se pro-
garantida pelas condições restritivas que regulamentavam
punha purificar as instituições republicanas, eliminando
o direito à participação nas eleições. O pequeno percentual
a corrupção e as fraudes eleitorais. Promoveu uma série
da população que tinha direito ao voto, elemento básico da
de intervenções nos estados ou tentativas de derrubada de
representação democrática, ainda sofria as coações de um
presidentes estaduais (Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernam-
fenômeno brasileiro denominado coronelismo. Típico das
buco, Piauí, Rio Grande do Sul e São Paulo), muitas vezes
áreas rurais, decorrente da concentração de grandes exten-
com apoio da população urbana das capitais. Mais do que
sões de terras nas mãos de poucos fazendeiros que exer-
eliminar as fraudes, o governo Hermes permitiu a ascen-
ciam a chefia política local desde o regime monárquico, o
são de dissidências oligárquicas e envolveu o Exército em
coronelismo garantia o controle sobre o voto da população
graves conflitos com as forças policiais e os coronéis dos
de determinadas localidades. Os coronéis detinham verda-
estados. Apesar disso, na campanha eleitoral de 1910, as
deiros "currais eleitorais". Pelo voto de cabresto, não raro,
críticas ao regime encontraram eco nas camadas urbanas,
o coronel recorria à violência para obrigar o eleitor a votar
ansiosas por ampliar sua participação política.
em seu candidato.
O regime oligárquico conseguiu conservar-se até o
Em alusão à patente dos membros da Guarda Nacio-
final da década de 1920. Novos atores, apesar de excluí-
nal do Império, o coronel exercia seu poder sobre a máqui-
dos do jogo efetivo do poder político, fizeram ouvir rui-
na administrativa dos municípios e geralmente ofere-
dosos protestos sociais. Ex-escravizados, imigrantes e
cia benefícios à população mais pobre. Com empregos
homens pobres engrossaram a legião de camponeses e
públicos e privados, distribuição de alimentos, benfei-
operários, que não tardaram a promover revoltas, gre-
torias públicas, encaminhamentos médicos, doações e
ves e manifestações populares. Por outro lado, a classe
outras concessões, ele angariava a simpatia e o prestígio
média, composta de letrados, profissionais liberais, fun-
de seus afilhados. Quando isso não era possível ou desejá-
cionários públicos, militares, pequenos proprietários
vel, o uso da força e de intimidações conferia a obediência
e comerciantes, também manifestou seu descontenta-
a esses poderosos. Como na época da Monarquia, a ideo-
mento com o fraudulento sistema político brasileiro.
logia do favor e o clientelismo continuavam presentes.
O poder público era apropriado de forma privada pelos
Faça
grupos dominantes do Brasil. A cidadania republicana,
em vez de expressão de pluralidade e diversidade políti-
Tá ligado?! em se
cadernu
o

co-sociais, era a representação da privatização de funções (Cesgranrio-RJ) Durante a República Velha (1889-
do Estado e da obtenção de privilégios para as oligarquias. -1930), desenvolveu-se a chamada "política dos
A elite não confiava no seu povo, que, por sua vez, não se governadores", cujas características eram:
reconhecia no Estado. a) a articulação do coronelismo à política nacional,
através da ideologia do favor, assegurando a
Campanha civilista hegemonia das oligarquias paulistas e mineiras
Nas pequenas brechas do jogo de cartas marcadas, como sobre o poder central;
em 1910, quando paulistas e mineiros não chegaram a b) a organização constitucional republicana em função
um consenso e a eleição foi de fato competitiva, os seto- do predomínio dos interesses agroexportadores do
res urbanos puderam participar e seu peso eleitoral foi café, representados por São Paulo;
de certo modo significativo. A vitória do marechal Her- c) a representação majoritária dos Estados, cujos
mes da Fonseca, derrotando o ilustre Rui Barbosa, foi governadores eram solidários com o poder central,
tanto no Senado quanto na direção dos órgãos
marcada por intensa participação desses setores, cujas
federais;
simpatias eram disputadas por ambos os candidatos.
d) a participação de todos os governadores estaduais
Rui Barbosa, apesar de apoiado pela oligarquia pau-
na definição da política externa do país e a garantia
lista, levou a cabo a campanha civilista, em que conde- da União aos empréstimos externos dos Estados;
nava a participação dos militares na vida política e critica-
e) a distribuição dos recursos federais entre os
va um dos grandes vícios da República: a inexistência do municípios, segundo a influência dos coronéis,
voto secreto. Como o eleitor não tinha a garantia de votar favoráveis aos respectivos governadores estaduais.
sigilosamente, sua escolha era facilmente controlada
→ DL/CF/H11
pelos poderosos. Era uma crítica direta ao poder oligárqui-
→ conforme tabelas das páginas 8 e 9.
co. Apesar de apoiado pelas oligarquias de Minas Gerais,

A institucionalização do regime 241

OH_V2_Book.indb 241 13/05/16 12:09


A definição das fronteiras O território nacional
A definição das fronteiras iniciada no século XVIII só foi
Desde o início do século XIX, o Brasil teve na Inglaterra
completada nos primeiros anos da República. No Sul, a
o polo de referência para sua política externa. De certo
região de Palmas foi incorporada ao território brasilei-
modo, tal situação constituiu-se a herança do Império
ro em 1895, após a arbitragem do presidente dos Esta-
português, que gravitava na órbita britânica desde o fim
dos Unidos Grover Cleveland. Na região Amazônica, a
do século XVII. A instauração da República consolidou
principal preocupação foi evitar a penetração europeia
a substituição da Inglaterra pelos Estados Unidos, em
pelas Guianas (Inglaterra, Holanda e França) e garantir
progressão desde o Segundo Reinado.
a continuidade da exploração dos recursos naturais da
O rápido reconhecimento da República pelos esta-
região, principalmente a borracha. Entre 1900 e 1907,
dunidenses, a adoção do pan-americanismo e vários
depois de seguidos acordos, as fronteiras ao norte fica-
acordos comerciais entre os dois países revelavam uma
ram definidas. A incorporação do Acre foi obtida com o
mudança de rumo. Entre 1891 e 1903, das 137 empresas
Tratado de Petrópolis de 1903, que previa o pagamen-
estrangeiras estabelecidas no Brasil, 80 eram britânicas
to de 2 milhões de libras esterlinas ao governo boliviano
e apenas 11 estadunidenses. Entre 1904 e 1914, de um
e o compromisso brasileiro de custear a construção da
total de 314, 139 eram britânicas e 84 estadunidenses.
estrada de ferro Madeira-Mamoré, que permitiria o aces-
Entre 1915 e 1920, de 119 empresas, 59 eram estaduni-
so à navegação pelo rio Amazonas oferecendo, dessa
denses e 44 britânicas.
forma, uma saída marítima para a Bolívia, que havia
A crescente hegemonia dos Estados Unidos no con-
perdido sua costa pacífica para o Chile.
tinente foi aceita pelos dirigentes brasileiros que parti-
ciparam da Conferência de Washington de 1889-1890, A questão da Amazônia
a primeira conferência pan-americana. Em 1906, a Con- Até a metade do século XVIII, a importância econômi-
ferência do Rio de Janeiro consagraria tal aproximação ca da Amazônia estivera baseada na extração das dro-
e a pretensão brasileira de se tornar o principal parcei- gas do sertão (gengibre, canela, pimenta, cravo, casta-
ro diplomático dos Estados Unidos na América do Sul. nha etc.) e no apresamento indígena para escravização
OH_V2_C7_p236
nas propriedades agrícolas da Colônia. Com o fim da
DISPUTAS FRONTEIRIÇAS escravidão indígena decretado em 1757 e a expulsão
MÁRIO YOSHIDA

Caracas
dos jesuítas em 1759, a administração dos aldeamen-
VENEZUELA
Georgetown
Paramariboo tos indígenas passou para os colonos, que mantiveram
Bogotá GUIANA ena
na
Caiena
1906
SURINAME a exploração da mão de obra nativa.
COLÔMBIA GUIANA A FRANCESA
FRA
RANCESA
1900 A independência do Brasil, em 1822, não alterou
EQUADOR
Quito 1907
muito a situação dos indígenas. Enquanto a elite diri-
gente discutia o que fazer com os nativos e como incluí-
-los na sociedade brasileira, as fronteiras eram desbra-
Acre Porto Velho
PERU
1903
Guajará-Mirim
vadas, as terras indígenas tomadas e seus ocupantes
Lima escravizados e combatidos.
BOLÍVIA
La Paz
A partir de 1840, a exploração da mão de obra passou
OCEANO
a ser colocada em segundo plano. Mais importante era a
PACÍFICO
PARAGUAI
tomada das terras indígenas e a exploração da borracha.
Assunção Rio de Janeiro
Utilizada pelos nativos para impermeabilização, fabri-
1895

CHILE OCEANO cação de bolas, tochas e flechas inflamáveis, a borracha


ATLÂNTICO
era extraída das seringueiras da Amazônia. Em 1839, foi
ARGENTINA URUGUAI
Santiago Montevidéu
desenvolvida a técnica de vulcanização da borracha, que
Buenos Aires
permitiu maior resistência do produto ao calor e ao frio.
Aquisições territoriais através
de acordos bilaterais Antes disso, o material amolecia sob temperaturas eleva-
Disputas territoriais entre o Brasil e

ESCALA
vizinhos decididas a favor do Brasil
por arbitramento internacional
das e ficava muito rígido sob temperaturas baixas.
0 625 1250 km Região disputada por Brasil, Peru
e Bolívia
Com pigmentos escuros, a borracha passaria a fazer
Estrada de ferro Madeira-Mamoré parte do cotidiano da vida moderna, sendo utilizada na
Fonte: Elaborado com base em CAMPOS, F. de; DOLHNIKOFF, M. fabricação de mangueiras, capas e tecidos impermeá-
Atlas História do Brasil. São Paulo: Scipione, 1994. veis, calçados, pneus, bonecas e bolas.

242 Capítulo 7  A costura da ordem republicana no Brasil

OH_V2_Book.indb 242 13/05/16 12:09


No início, a extração da borracha era feita por meio
do arrocho, método aprendido com os nativos. Aperta- Opulência e miséria na Amazônia
va-se o tronco das seringueiras com um cipó e faziam-se "Na virada do século, Manaus tornou-se a segun-
alguns cortes, de onde escorria o látex (leite), que era da maior cidade brasileira da Amazônia. De 1889 a
recolhido em vasilhas. 1920, sua população cresceu de dez mil para seten-
As seringueiras encontravam-se espalhadas pela ta e cinco mil habitantes. O acanhado núcleo urbano
floresta, distantes umas das outras. A extração da bor- deu lugar a uma cidade planejada, construída a par-
racha era feita lentamente. O preço dessa matéria-prima tir de um projeto racional e pretensamente eficiente.
não parava de aumentar no mercado internacional. Os [...] Entre 1880 e 1910 a arquitetura e o traçado urba-
lucros da extração tornavam-se altíssimos. no de Manaus mudaram substancialmente. O poder do
capital determinou uma nova concepção de cidade, e
A lentidão da extração não combinava com a velo-
as funções e o uso do espaço foram redefinidos. [...].
cidade dos novos interesses econômicos, alimenta-
Para Euclides da Cunha, Manaus tornou-se a
dos pela Segunda Revolução Industrial. O ritmo pas-
'Meca tumultuária de seringueiros'; mas foi também a
sou a ser alterado. Em 1853, iniciou-se a navegação a Meca de muitos imigrantes brasileiros e estrangeiros.
vapor pelo rio Amazonas, imprimindo maior velocida- Além dos nativos (índios e mestiços), a cidade abri-
de no transporte da borracha. Em 1908, foi inaugura- gou um grande contingente de nordestinos que, ao
da a primeira estrada de ferro da região, ligando Belém fugirem da seca do sertão, povoaram os seringais e as
a Bragança, no estado do Pará. Um número imenso de cidades da Amazônia. Muitos estrangeiros desembar-
migrantes dirigiram-se para a região, oriundos princi- caram em Manaus já na década de 1880. [...].
palmente do Nordeste. A população do estado do Ama- O brusco crescimento demográfico de Manaus
zonas passou de 320 mil habitantes em 1870 para 1,2 revela também a face perversa de uma moderniza-
milhão em 1910. ção inacabada ou falha. [...] Na nova cidade, os índios
Passou-se à derrubada das seringueiras e à extra- e imigrantes pobres tornam-se trabalhadores urbanos,
homens e mulheres excluídos de um projeto em que só
ção de todo o seu látex. Destruídas as seringueiras pró-
há lugar para as elites e uma classe média incipiente. É
ximas, avançava-se mais e mais pelo interior da flores-
nesse momento que surgem cortiços, albergues e acam-
ta Amazônica, até alcançar as fronteiras com os países
pamentos de imigrantes nordestinos à espera de um
vizinhos. Tal ação modificou a paisagem da região. Ver- barco para o seringal distante. [...].
dadeiros desertos formaram-se em plena floresta, casti- Em Manaus, o governador Eduardo Ribeiro cons-
gada pelos desmatamentos e assolada pelas queimadas. truiu e urbanizou um espaço desprovido de indús-
A partir de 1905, ingleses e holandeses retiraram trias, cuja riqueza fora gerada pela economia extrati-
sementes de seringueira do Brasil e desenvolveram sua vista, ameaçada e logo minada pela concorrência bri-
produção na Malásia, Ceilão e Indonésia. Com o plantio tânica na Ásia. A elite regional percebeu essa ameaça
organizado, conseguiram dominar o mercado e baixar o tarde demais."
preço do produto. Em 1919, menos de 10% do látex pro- HATOUM, M. "Amazonas, capital Manaus".
duzido mundialmente era brasileiro. In: NUNES, B.; HATOUM, M. Crônica de duas cidades:
Belém e Manaus. Belém: Secult, 2006. p. 52-62.

Verificação de leitura 3 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 Explique o funcionamento da chamada Política dos 5 Do ponto de vista das relações internacionais, quais
Governadores. → DL/SP/H8/H9/H11 foram as características dos primeiros anos do
2 A estabilidade política do regime oligárquico pres- período republicano no Brasil? → DL/CF/SP/H7/H8/H9
supunha a ampla participação da população brasi- 6 Como a questão da extração da borracha da
leira? Por quê? → DL/SP/CA/H8/H9/H11 Amazônia relacionava-se com o contexto da
3 No mundo rural, o coronelismo era a base municipal Segunda Revolução Industrial?
do regime oligárquico. Defina o coronelismo. → DL/CF/SP/H7/H9/H17/H18/H19
→ DL/SP/H8/H9/H11 7 Quais as consequências da expansão da economia
4 O que foi a "política café com leite"? → DL/SP/H9/H11 amazonense nos primeiros anos da República?
→ DL/CF/SP/H7/H8/H9/H17/H18/H19/H20

A institucionalização do regime 243

OH_V2_Book.indb 243 13/05/16 12:09


Engenho Arte
Engenho E Arte
Leitura complementar

O sentimento nacional
"[...] Ao final da Colônia, antes da chegada da corte portu- Até então, o Brasil era um país sem heróis. [...]
guesa, não havia pátria brasileira. Havia um arquipélago O início de um sentimento de pátria é também atesta-
de capitanias, sem unidade política e econômica [...] do pela poesia e pela canção popular sobre a guerra. [...]
Não é de admirar, então, que não houvesse sentimento Do Paraná, há uma que diz: 'Mamãe, eu sou brasileiro/ E
de pátria comum entre os habitantes da colônia. As revoltas a pátria me chama para ser guerreiro'. Em Minas Gerais,
do período o indicam [...] um soldado se despede da família de maneira estoica: 'Não
Às vésperas da independência, os deputados da capi- quero que na luta ninguém chore/ A morte de um soldado
tania de São Paulo, presentes às cortes de Lisboa, diziam brasileiro;/ Nunca olvidem que foi em prol da pátria/ Que
abertamente não serem representantes do Brasil, mas de eu dei o meu suspiro derradeiro'. Tanto nos cartuns como
sua capitania. [...] A ideia de pátria manteve-se ambígua nas poesias, a lealdade à pátria aparece como superior à
até mesmo depois da independência. Podia ser usada para lealdade provincial e familiar. [...]
denotar o Brasil ou as províncias. [...] Episódio que em princípio deveria ter marcado a
O patriotismo permanecia provincial. O pouco de sen- memória popular foi a proclamação da República. Mas
timento nacional que pudesse haver baseava-se no ódio ao não foi o que aconteceu [...] o ato da proclamação em si foi
estrangeiro, sobretudo ao português. Nas revoltas regen- feito de surpresa e comandado pelos militares que tinham
ciais localizadas em cidades, a principal indicação de bra- entrado em contato com os conspiradores civis poucos dias
silidade era o nativismo antiportuguês, justificado pelo fato antes da data marcada para o início do movimento. [...]
de serem portugueses os principais comerciantes e proprie- Sob certos aspectos, a República significou um fortale-
tários urbanos [...] cimento das lealdades provinciais em detrimento da lealda-
O principal fator de produção de identidade brasileira de nacional. Ela adotou o federalismo ao estilo norte-ameri-
foi, a meu ver, a guerra contra o Paraguai [...] A guerra durou cano, reforçando os governos estaduais. Muitos observado-
cinco anos (1865-1870), mobilizou cerca de 135 mil solda- res estrangeiros e alguns monarquistas chegaram a prever
dos vindos de todas as províncias, exigiu grandes sacrifícios a fragmentação do país como consequência da República e
e afetou a vida de milhares de famílias [...] Nenhum acon- do federalismo. Houve um período inicial de instabilidade e
tecimento político anterior tinha tido caráter tão nacional e guerra civil que parecia dar sustentação a esses temores. A
envolvido parcelas tão grandes da população [...] No início da unidade foi mantida afinal, mas não se pode dizer que o novo
guerra contra o Paraguai, as primeiras vitórias despertaram regime tenha sido considerado uma conquista popular e por-
autêntico entusiasmo cívico. Formaram-se batalhões patrió- tanto um marco na criação de uma identidade nacional."
ticos, a bandeira nacional começou a ser reproduzida nos jor- CARVALHO, J. M. Cidadania no Brasil. O longo caminho.
nais e revistas, em cenas de partida de tropas e de vitórias Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p. 76-81.
nos campos de batalha. O hino nacional começou a ser exe- José Murilo de Carvalho (1939-), historiador e cientista político,
cutado, o imperador d. Pedro II foi apresentado como o líder é professor de História do Brasil na Universidade Federal do Rio
da nação, tentando conciliar as divergências dos partidos de Janeiro. Integrante da Academia Brasileira de Letras, é autor de
em benefício da defesa comum. A imprensa começou tam- dezenas de estudos sobre a História política brasileira.
bém a tentar criar os primeiros heróis militares nacionais.
Faça
em se → conforme tabelas das páginas 8 e 9.
cadernu
o

1 O autor sustenta que as revoltas coloniais indicam a 4 Por que "a República significou um fortalecimento
inexistência de um sentimento nacionalista. Examine das lealdades provinciais em detrimento das lealdades
essa afirmação e apresente justificativas na sua argu- nacionais"? → DL/CF/SP/CA/H1/H9/H24/H25
mentação. → DL/CF/SP/CA/H1/H9
5 Compare o sentimento nacionalista brasileiro durante
2 Por que "o patriotismo permanecia provincial" durante a proclamação da República e o mesmo processo rela-
o regime monárquico? → DL/CF/SP/CA/H1/H9 tivo à França, como vimos nos capítulos 3 e 5.
3 Por que a Guerra do Paraguai alterou a situação do → DL/CF/SP/CA/H1/H9/H24/H25
patriotismo no Brasil? → DL/CF/SP/CA/H1/H9/H24/H25

244 Capítulo 7  A costura da ordem republicana no Brasil

OH_V2_Book.indb 244 13/05/16 12:09


Faça
Mãos à Obra em se
cadernu
o

1 A figura feminina como símbolo da República

MUSEU DO LOUVRE, PARIS, FRANÇA


"Um dos elementos marcantes do imaginário republica-
no francês foi o uso da alegoria feminina para represen-
tar a República. A Monarquia representava-se natural-
mente pela figura do rei, que, eventualmente, simbolizava
a própria nação. Derrubada a Monarquia, decapitado o
rei, novos símbolos faziam-se necessários para preencher
o vazio, para representar as novas ideias e ideais, como
a revolução, a liberdade, a República, a própria pátria.
Entre os muitos símbolos e alegorias utilizados, em geral
inspirados na tradição clássica, salienta-se o da figura
feminina. Da Primeira à Terceira República, a alegoria
feminina domina a simbologia cívica francesa, represen-
tando seja a liberdade, seja a revolução, seja a república.
A figura feminina passou a ser utilizada assim que foi
proclamada a República, em 1792. A inspiração veio de A Liberdade guiando o povo, Eugène Delacroix. Óleo sobre
Roma, onde a mulher já era símbolo da liberdade. […]" tela, 1830. (detalhe)
CARVALHO, J. M. A formação das almas.
São Paulo: Companhia das Letras, 1990. p. 75. Observe atentamente e analise os três quadros desta
página.
MUSEU DA REPÚBLICA, RIO DE JANEIRO, BRASIL

a) Descreva as personagens. → DL/CF/SP/H1/H2/H4/H5


b) Quais são as ações retratadas nas pinturas?
→ DL/CF/SP/H1
c) Quais são os símbolos dos quadros?
→ DL/CF/SP/H1/H2
d) Quais são os seus significados? → DL/CF/SP/H1/H2
e) Compare a apresentação do sentimento naciona-
lista nas três figuras. → DL/CF/SP/H1/H2/H10/H11
2 "[…] Em síntese, nem a República foi mera quartelada,
nem se tratou 'apenas' – como se estas não importas-
sem – de uma mudança em nível das instituições, que
de monárquicas passaram a republicanas, mas houve,
A Pátria, Pedro Bruno. Óleo sobre tela, 1918.
de fato, uma mudança nas bases e nas forças sociais
que articulavam o sistema de dominação no Brasil."
biblioteca do congresso, washington D.C., Estados Unidos

CARDOSO, F. H. "Dos governos militares a Prudente-Campos


Sales". In: FAUSTO, B. (Org.). História geral da civilização
brasileira. 2. ed. São Paulo: Difel, 1977. t. III, v. 1. p. 16.

"A Proclamação da República correspondeu ao encon-


tro de duas forças diversas – Exército e fazendeiros de
café – movidas por razões diversas."
FAUSTO, B. "Pequenos ensaios de história da República
(1889-1945)". In: Cadernos Cebrap, n. 10. p. 2.
a) Dentre as novas forças sociais mencionadas por
F. H. Cardoso, qual era verdadeiramente nova em
termos de controle político no Brasil? Por quê? →
DL/CF/SP/H9/H10/H11/H13
b) Quais eram as características do Exército brasilei-
The birth of old glory, Edward Percy Moran. Óleo sobre tela, ro nos primeiros anos da República?
1908. → DL/SP/H9/H11

Engenho e Arte 245

OH_V2_Book.indb 245 13/05/16 12:09


c) O Exército brasileiro foi um dos grandes defenso- para a nação? → DL/SP/H9/H11
res da causa republicana. Quais as razões desse e) Por que tal projeto não conseguiu se estabelecer
posicionamento político? → DL/CF/SP/H9/H11 ao longo da República Oligárquica?
d) Quais eram as características do projeto do Exército → DL/SP/H9/H11

3 (Enem) Distante uma da outra quase 100 anos, as duas telas seguintes, que integram o patrimônio cultural brasi-
leiro, valorizam a cena da primeira missa no Brasil, relatada na carta de Pero Vaz de Caminha. Enquanto a primeira
retrata fielmente a carta, a segunda – ao excluir a natureza e os índios – critica a narrativa do escrivão da frota de
Cabral. Além disso, na segunda, não se vê a cruz fincada no altar.
MUSEU NACIONAL DE BELAS-ARTES, RIO DE JANEIRO, BRASIL

Primeira Missa no Brasil, Victor Meirelles. Óleo sobre tela, 1861.


COLEÇÃO PARTICULAR, RJ/REPRODUÇÃO
AUTORIZADA POR JOÃO CANDIDO PORTINARI

Primeira Missa no Brasil, Cândido Portinari. Têmpera sobre tela, 1948.

Ao comparar os quadros e levando-se em conta a e) A tela de Victor Meirelles contribui para uma
explicação dada, observa-se que: visão romantizada dos primeiros dias dos portu-
a) A influência da religião católica na catequização gueses no Brasil.
do povo nativo é o objeto das duas telas. → DL/CF/H1/H2/H4
b) A ausência de índios na segunda tela indica que 4 (IRBr-DF) Durante todo o Império e mesmo após o
Portinari quis enaltecer o feito dos portugueses. advento da República, a grande maioria da população
c) Ambas, apesar de diferentes, retratam um mesmo brasileira ficou à margem da vida política. Embora o
momento e apresentam a mesma visão do fato liberalismo tivesse sido implantado pelo regime impe-
histórico. rial, podemos observar uma continuidade no que diz
d) A segunda tela, ao diminuir o destaque da cruz, respeito à exclusão social e política, culminando na
nega a importância da religião no processo dos distinção entre cidadãos ativos e cidadãos inativos ou
descobrimentos.

246 Capítulo 7  A costura da ordem republicana no Brasil

OH_V2_Book.indb 246 13/05/16 12:09


simples. Compare as Constituições de 1824 e 1891 no c) O coronel aprimorou o processo democrático ao
que diz respeito à cidadania. instituir o voto secreto.
→ DL/CF/SP/CA/H4/H8/H9 d) O eleitor era soberano em sua relação com o coronel.
5 (UFRJ) e) Os coronéis tinham influência maior nos centros
urbanos.
PORCENTAGEM DE VOTANTES NAS ELEIÇÕES
→ DL/SP/H11
PRESIDENCIAIS ENTRE 1894 E 1930
N.º de % de 7 (UERJ) "[...] a cor do governo é puramente militar e
votantes votantes deverá ser assim. O fato foi deles, deles só, porque a
Candidato vencedor colaboração do elemento civil foi quase nula."
(em sobre a
milhares) população Aristides Lobo. Apud PENNA, Lincoln Abreu. Uma história
da República. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989.
Prudente de Morais (1894) 345 2,2
Aristides Lobo, político e jornalista, era um republi-
Campos Sales (1898) 462 2,7
cano histórico e, apesar de aplaudir a instituição da
Rodrigues Alves (1902) 645 3,4 República no Brasil em 1889, discordava da forma
Afonso Pena (1906) 294 1,4 como os militares no poder organizavam o novo sis-
Hermes da Fonseca (1910) 698 3,0 tema de governo. Apresente duas características do
sistema político idealizado pelos republicanos histó-
Venceslau Brás (1914) 580 2,4
ricos e indique dois segmentos sociais que apoiaram
Rodrigues Alves (1918) 390 1,5 essas ideias. → DL/CF/SP/H9
Epitácio Pessoa (1919) 403 1,5 8 (PUC-RJ) A luta parlamentar pela abolição da escra-
Artur Bernardes (1922) 833 2,9 vidão no Brasil, intensificada apenas na década de
1870, pregou, na maioria das vezes, o caminho do
Washington Luís (1926) 702 2,3
abolicionismo gradual. Após a criação da Sociedade
Júlio Prestes (1930) 1890 5,6 Brasileira contra a Escravidão (1880-1886), cres-
Fonte: Adaptado de CARVALHO, José Murilo de. "Os três povos da ceu bastante a mobilização popular e só então a luta
República". In: CARVALHO, Maria Alice Resende de (Org.). pela abolição imediata, sem indenizações aos pro-
República no Catete. Rio de Janeiro: Museu da República, 2001. p. 72 prietários, tornou-se a principal palavra de ordem
para muitos. Entretanto, mesmo os defensores mais
Os dados eleitorais presentes na tabela indicam uma
aguerridos da abolição – como Joaquim Nabuco,
pequena participação popular nas eleições presiden-
André Rebouças e José do Patrocínio – não deixaram
ciais na Primeira República (1890-1930).
de se decepcionar com os seus resultados. Tornada
Identifique duas restrições impostas pela Constituição realidade com o ato da Princesa Isabel, em 1888,
de 1891 ao exercício do voto. em meio à crise aprofundada da ordem monárqui-
→ DL/SP/CF/H12/H24 ca no Brasil, "além da liberdade" nada foi oferecido
à massa desorganizada de libertos. O decreto impe-
6 (Enem) "A figura do coronel era muito comum durante
rial não lhes propiciou nem escolas, nem terras, nem
os anos iniciais da república, principalmente nas regiões
a garantia de cidadania, muito menos o exercício
do interior do Brasil. Normalmente, tratava-se de gran-
dos direitos civis e políticos. Os republicanos, que
des fazendeiros que utilizavam seu poder para organizar
chegaram ao poder no ano seguinte (1889), também
uma rede de clientes políticos e garantir o resultado de
lavaram as mãos em relação ao problema não resol-
eleições. Era usado o voto de cabresto, por meio do qual
vido – considerado atributo exclusivo do Império e,
o coronel obrigava os eleitores do seu 'curral eleitoral' a
por isso, "coisa do passado"...
votar nos candidatos apoiados por ele. Como o voto era
aberto, os eleitores eram pressionados e fiscalizados por A partir do texto acima,
capangas, para que votassem de acordo com os interesses a) cite duas heranças da abolição ocorrida no Brasil
do coronel. Mas recorria-se também a outras estratégias que continuaram dificultando a mudança de con-
como compra de votos, eleitores-fantasmas, troca de favo- dição de vida dos libertos, no início da ordem
res, fraudes na apuração dos escrutínios e violência." republicana. → DL/SP/CF/H11/H12/H13
Disponível em: http://www.historiadobrasil.net/republica. b) caracterize os direitos civis e políticos, conside-
Acesso em: 12 abr. 2016. (adaptado) rando o contexto histórico a que se refere o texto.
Com relação ao processo democrático do período → DL/SP/CF/H11/H12/H13
registrado no texto, é possível afirmar que: 9 (Enem) O suíço Thomas Davatz chegou a São Paulo
a) O coronel se servia de todo tipo de recurso para em 1855 para trabalhar como colono na fazenda de
atingir seus objetivos políticos. café Ibicaba, em Campinas. A perspectiva de prospe-
b) O eleitor não podia eleger o presidente da República. ridade que o atraiu para o Brasil deu lugar à insatis-

Engenho e Arte 247

OH_V2_Book.indb 247 13/05/16 12:09


fação e revolta, que ele registrou em livro. Sobre o O impacto das ferrovias na promoção de projetos de
percurso entre o porto de Santos e o planalto paulis- colonização com base em imigrantes europeus foi
ta, escreveu Davatz: importante porque:
"'As estradas do Brasil, salvo em alguns trechos, são a) o percurso dos imigrantes até o interior, antes das
péssimas. Em quase toda parte, falta qualquer espé- ferrovias, era feito a pé ou em muares; no entanto, o
cie de calçamento ou mesmo de saibro. Constam ape- tempo de viagem era aceitável, uma vez que o café
nas de terra simples, sem nenhum benefício. É fácil pre- era plantado nas proximidades da capital, São Paulo.
ver que nessas estradas não se encontram estalagens b) a expansão da malha ferroviária pelo interior de
e hospedarias como as da Europa. Nas cidades maio- São Paulo permitiu que mão de obra estrangei-
res, o viajante pode naturalmente encontrar aposen- ra fosse contratada para trabalhar em cafezais de
to sofrível; nunca, porém, qualquer coisa de compará- regiões cada vez mais distantes do porto de Santos.
vel à comodidade que proporciona na Europa qualquer c) o escoamento da produção de café se viu benefi-
estalagem rural. Tais cidades são, porém, muito pou- ciado pelos aportes de capital, principalmente de
cas na distância que vai de Santos a Ibicaba e que se colonos italianos, que desejavam melhorar sua
percorre em cinquenta horas no mínimo'. situação econômica.
Em 1867 foi inaugurada a ferrovia ligando Santos a d) os fazendeiros puderam prescindir da mão de obra
Jundiaí, o que abreviou o tempo de viagem entre o litoral europeia e contrataram trabalhadores brasileiros
e o planalto para menos de um dia. Nos anos seguintes, provenientes de outras regiões para trabalhar em
foram construídos outros ramais ferroviários que articu- suas plantações.
laram o interior cafeeiro ao porto de exportação, Santos." e) as notícias de terras acessíveis atraíram para São
DAVATZ, T. Memórias de um colono no Brasil. Paulo grande quantidade de imigrantes, que adqui-
São Paulo: Livraria Martins, 1941. (adaptado) riram vastas propriedades produtivas.
→ DL/H1/H9/H11/H17/H18/H19

Faça
Em Cartaz em se
cadernu
o

sição para o trabalho assalariado e o desgaste político


Mauá, o Imperador e o Rei da monarquia.
DIVULGAÇÃO

Diretor: Sergio Rezende


País: Brasil Câmera
Ano: 1999
Durante a exibição do filme, anote os seguintes aspectos:
• cenas de trabalho;
• presença inglesa na economia brasileira;
• inovações tecnológicas.

O filme trata da trajetória de Irineu Evangelista de Souza


Ação
(1819-1879), Barão e Visconde de Mauá, o mais destaca- 1 Identifique os elementos característicos da Revolução
do empresário brasileiro do século XIX. Industrial apresentados no filme.

Luzes 2 Demonstre como tais elementos estavam associados a


uma certa perspectiva de desenvolvimento brasileiro.
Retome as instruções oferecidas para análise de filmes
nos Procedimentos metodológicos da página 10. 3 A participação inglesa verificada no filme pode ser
Leia novamente o item O Império do café e a considerada imperialista? Justifique sua resposta.
República (p. 218). Retome em especial a questão das fer- → DL/SP/CA/H1/H11/H16
rovias, dos investimentos britânicos, o processo de tran-

Estante • CASALECCHI, J. E. A proclamação da república. 5. ed. São Paulo: Brasiliense, 1992.

248 Capítulo 7  A costura da ordem republicana no Brasil

OH_V2_Book.indb 248 13/05/16 12:09


1 (UGF-RJ) O golpe militar de 15 de novembro de A escolha e a construção do principal herói da
1889, momento da Proclamação da República, República recaíram sobre:
foi a culminância da chamada "Questão a) Deodoro da Fonseca, devido à sua imensa
Militar", que pode ser explicada pela: popularidade, por ser um republicano his-
a) oposição do Exército à escravidão susten- tórico e um ferrenho adversário dos pode-
tada pela Coroa. res monárquicos.
Radar
b) crescente intervenção dos militares no b) Benjamin Constant, líder popular identificado
governo, após as guerras do Prata. com a causa operária, defensor do positivis-
mo e um representante civil com amplo trân-
c) origem oligárquica dos oficiais que defen-
sito entre os militares.
diam a autonomia das províncias e dos
municípios. c) Duque de Caxias, grande comandante
da Guerra do Paraguai, identificado com
d) influência das repúblicas americanas,
uma política centralizadora e patrono do
governadas por ditadores militares.
Exército brasileiro.
e) influência das ideias positivistas associa-
d) Bento Gonçalves, presidente da república
das a reivindicações de melhoria profissio-
rio-grandense e principal líder da revolta far-
nal dos militares.
roupilha do século XIX, considerado o patro-
→ DL/SP/H11/H13 no militar do republicanismo no Brasil.
2 (Fuvest-SP) "Firmemos, sim, o alvo de nossas e) Tiradentes, militar e republicano transfor-
Faça
aspirações republicanas, mas voltemo-nos para mado em mártir, cuja morte passou a ser
em se o passado sem ódios, sem as paixões efêmeras associada ao sacrifício de Jesus Cristo.
cadernu
o do presente, e evocando a imagem sagrada da
→ DL/SP
Pátria, agradeçamos às gerações que nos pre-
→ conforme cederam a feitura desta mesma Pátria e prome- 4 (UERJ) "A febre especulativa começou ainda
tabelas das sob o Império [...]. A libertação dos escravos
tamos servi-la com a mesma dedicação, embora
páginas 8 e 9.
com as ideias e as crenças de nosso tempo." provocara o súbito aumento da necessidade de
Teixeira Mendes, 1881. pagar salários e os fazendeiros sentiam carên-
cia de dinheiro [...]. [O] primeiro governo repu-
Tá na rede! De acordo com o texto, o autor
blicano, [...] convicto de que a circulação mone-
a) defende as ideias republicanas e louva a tária era insuficiente e, ademais, aberto a ideias
QUESTÕES grandeza da Nação. de industrialização, [...] estabeleceu um meca-
DE ENEM b) propõe o advento da República e condena nismo de bancos privados emissores, o que inci-
Digite o endereço o patriotismo. tou ainda mais a especulação [...]."
abaixo na barra
c) entende que as paixões de momento são GORENDER, Jacob. A burguesia brasileira.
do navegador de São Paulo: Brasiliense, 1986.
internet: http://goo.
essenciais e positivas na vida política.
gl/xog0Jb. Você d) acredita que o sistema político brasileiro O processo descrito acima ilustra a seguinte
pode também tirar está marcado por retrocessos. política econômica desenvolvida no governo
uma foto com um provisório de Deodoro da Fonseca, de 1889
e) mostra que cada nova geração deve esque-
aplicativo de QrCode a 1891:
cer o passado da Nação.
para saber mais sobre a) creditismo
o assunto. Acesso em: → DL/SP/H1
b) federalismo
4 abr. 2016. 3 (FGV-SP) "Heróis são símbolos poderosos, encar-
nações de ideias e aspirações [...] São, por isso, c) naturalização
instrumentos eficazes para atingir a cabeça e o d) encilhamento
coração dos cidadãos a serviço da legitimação de → DL/SP/H8
regimes políticos [...] Os candidatos a herói não 5 (PUC-RS) Durante o Governo Republicano
tinham, eles também, profundidade histórica, não Provisório (1889-1891), o ministro da Fazenda,
tinham a estatura exigida para o papel. Não per- Rui Barbosa, põe em prática uma política eco-
tenciam ao movimento da propaganda republica- nômica caracterizada pela emissão de papel-
na, ativa desde 1870 [...] A busca de um herói para -moeda e pelo aumento das tarifas alfande-
Página dedicada a
questões já aplica- a República acabou tendo êxito onde não o imagi- gárias para os produtos estrangeiros, visando
das em provas do navam muitos dos participantes da proclamação." promover o crescimento industrial.
ENEM. Busque exer-
cícios sobre os temas CARVALHO, J. M. de. "A formação das almas".
desenvolvidos neste In: O imaginário da República no Brasil.
Essa política ficou conhecida como
capítulo. São Paulo: Cia. das Letras. p. 55-57. a) Plano de Metas.

Radar 249

OH_V2_Book.indb 249 13/05/16 12:09


b) Convênio de Taubaté. 8 (PUC-PR) Leia o texto a seguir:
c) Funding-loan. "A Guerra do Paraguai foi o conflito internacional de
d) Salvacionismo. maior duração e, possivelmente, o mais mortífero tra-
e) Encilhamento. vado na América do Sul. Teve características inédi-
tas, quer devido às condições geográficas do territó-
→ DL/SP/H8 rio paraguaio, onde ocorreram os combates a partir
6 (PUCCamp-SP) "Concebendo a 'cultura' no sentido de de 1866; quer pela utilização de novos tipos de arma
Gilberto Freyre – como expressão global da vida política e munição, resultado de inovações tecnológicas decor-
e do espírito, social e individual, vital e humana, pode-se rentes do avanço da industrialização na Europa e nos
dizer que José Lins do Rego é a expressão literária da cul- Estados Unidos; quer, ainda, pelas condições políticas
tura da sua terra; é mais da terra que dos livros. É a cons- em que se desenvolveu a guerra. Nesse aspecto, des-
ciência literária da casa-grande e da senzala, dos senho- tacam-se as dificuldades de relacionamento no alto
res de engenho e dos negros, dos bacharéis e dos mole- comando aliado e o caráter ditatorial do Estado para-
ques, de todo um mundo agonizante. Foi ontem isso? guaio, o que permitiu a Francisco Solano López vincu-
Ou é ainda hoje assim, ou vive apenas na sua memória lar o destino da sociedade paraguaia à sua trajetória
incomparável?" pessoal. Os cinco anos de guerra influenciaram a con-
CARPEAUX, Otto Maria. O brasileiríssimo José Lins do Rego. figuração e o destino das sociedades que a travaram."
Prefácio a Fogo Morto. Retirado de DORATIOTO, Francisco. "Guerra do Paraguai".
O mandonismo local esteve presente na socieda- In: MAGNOLI, Demétrio (Org.). Histórias das guerras.
São Paulo: Contexto, 2009. p. 253.
de brasileira desde o período colonial, adquiriu a
forma de "coronelismo" depois da Proclamação da Com base no texto acima, marque a alternativa que
República e vinculou-se à existência define CORRETAMENTE a influência que a Guerra do
a) da produção cafeeira, da expansão urbana e da Paraguai exerceu sobre a política interna do Brasil
política do café com leite. nos anos posteriores ao conflito:
a) A Guerra do Paraguai motivou setores importan-
b) do poder oligárquico, do positivismo e da milita- tes do cenário político e econômico brasileiro a
rização do governo. promover mudanças substanciais no ordenamen-
c) da produção de cana-de-açúcar, do voto censitá- to do sistema produtivo com a Lei Eusébio de
rio e do regime parlamentar. Queirós e a Lei de Terras, que prepararam o cami-
d) do voto de analfabetos, da maçonaria e da Política nho para a implantação definitiva do sistema de
dos Governadores. mão de obra assalariada.
e) do latifúndio, da troca de favores e do voto de b) A Guerra do Paraguai marcou o início do proces-
cabresto. so de questionamento e desestruturação do siste-
ma monárquico brasileiro. Em especial, entre os
→ DL/SP/H9 militares do Exército surgiu a convicção de que
7 (FGV-SP) Rui Barbosa, como candidato à Presidência eles deveriam exercer um papel mais importante
da República nas eleições que se realizaram em 1910, na vida política do país.
declarava: "Mas por isso mesmo que quero o Exército c) Com a vitória brasileira na Guerra do Paraguai,
grande, forte, exemplar, não o queria pesando sobre o o regime monárquico foi consolidado, pois Dom
governo do país. A Nação governa. O Exército, como os Pedro II soube aproveitar a ótima reputação que
demais órgãos do país, obedece". essa vitória havia produzido, para promover inter-
Apud CARONE, Edgard. A Primeira República. 1889-1930. namente as reformas que há anos se esperava que
São Paulo: Difel, 1969. p. 51. fossem realizadas.
Nessa declaração, Rui Barbosa expressava uma d) O Partido Conservador aproveitou a vitória para
a) crítica ao governo militar do então presidente consolidar as ambições de estabelecer um siste-
Marechal Deodoro da Fonseca. ma parlamentar unicameral e ampliar o direito de
b) crítica à candidatura de seu oponente, o militar voto também para cidadãos brasileiros que não
Hermes da Fonseca. podiam comprovar a renda anual exigida ou a pro-
priedade de bens imobiliários.
c) defesa da maior atuação do Exército na política
nacional. e) A vitória possibilitou ao imperador diminuir
a influência do movimento republicano, pois,
d) resposta à tentativa de golpe militar liderada pelo logo após a assinatura do tratado de paz com o
marechal Floriano Peixoto. Paraguai, foi promovido um plebiscito para que
e) recusa ao apoio da oligarquia paulista a sua can- o povo referendasse o regime monárquico parla-
didatura. mentarista no Brasil.
→ DL/SP/H1/H9 → DL/CF/H1/H7/H15

250 Capítulo 7  A costura da ordem republicana no Brasil

OH_V2_Book.indb 250 13/05/16 12:09


Capítulo

10
8 Fora da ordem
brasileira
DE OLHO nos

"
[…] Olhe: quando é tiro de verdade, primeiro a cachorrada pega a Conceitos
latir, instantaneamente – depois, então, se vai ver se deu mortos. O
senhor tolere, isto é o sertão. Uns querem que não seja: que situa- • Cangaço
do sertão é por os campos-gerais a fora a dentro, eles dizem, fim de • Estrutura
rumo, terras altas, demais do Urucuia. Toleima. Para os de Corinto e do agroexportadora
Curvelo, então, o aqui não é dito sertão? Ah, que tem maior! Lugar ser- • Mercado de
tão se divulga: é onde os pastos carecem de fechos; onde um pode torar trabalhadores livres
dez, quinze léguas, sem topar com casa de morador; e onde crimino-
so vive seu cristo-jesus, arredado do arrocho de autoridade. O Urucuia
vem dos montões oestes. Mas, hoje, que na beira dele, tudo dá – fazen-
dões de fazendas, almargem de vargens de bom render, as vazantes;
culturas que vão de mata em mata, madeiras de grossura, até ainda
virgens dessas lá há. Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe:
pão ou pães, é questão de opiniães... O sertão está em toda a parte."
GUIMARÃES ROSA, J. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005.

Era lá nos confins do Brasil que sou a compor o cenário da região.


se decidiam as eleições durante a Anos de seca provocaram o êxodo
IPHAN/MINC/MUSEU LASAR SEGALL, SÃO PAULO, BRASIL
República Oligárquica. No final do de milhares de nordestinos para a
século XIX, mais de 60% da popu- região Amazônica, onde, ao final do
lação vivia no mundo rural. Clientes século XIX, a extração da borracha
de coronéis, acuados por violências prosperava. Em 1890, o produto era
e desmandos dos poderosos e, na responsável por cerca de 12% das
maioria, desprovidos de terras para exportações brasileiras. Nas duas
o próprio sustento, os habitantes do décadas seguintes chegaria a 20%.
sertão brasileiro expressaram suas Nesse contexto, formaram-se
tristezas, esperanças e descontenta- grupos armados que assaltavam
mentos por meio de diversas mani- fazendas, viajantes, vilas e cidades,
festações sociais. denominados cangaceiros. Alguns
No Nordeste, a situação era mais saqueavam armazéns e distribuíam
Navio de emigrantes, Lasar
precária. Com o deslocamento do os alimentos para a população mais
Segall. Óleo sobre tela,
eixo da economia agroexportado- pobre. Outros realizavam "serviços" 2,30 m x 2,75 m, 1939-1941.
ra para o Sudeste e com o declínio para coronéis nordestinos: eram
acentuado da atividade açucareira, contratados para eliminar adversá-
provocado, entre outros fatores, pela rios políticos ou como milícias con-
concorrência cubana, a miséria pas- tra famílias rivais.

251

OH_V2_Book.indb 251 13/05/16 12:09


1 As armas da fé

A
COLEÇÃO FREDERICO PERNAMBUCO DE MELLO, RECIFE – ACERVO ABAFILM, FORTALEZA

lém do cangaço, o Nordeste assistiu ao aparecimento de seitas


místicas em torno de beatos e religiosos que, com orações e con-
selhos, alimentavam a esperança da população de diminuir seus
sofrimentos. Esses beatos percorriam o sertão acompanhados por deze-
nas de seguidores, que acreditavam nos poderes milagrosos de seus guias.
Tanto os cangaceiros quanto os beatos adquiriram enorme prestígio
com os mais carentes. Temidos e respeitados, representavam alternativas
para aqueles que, desprovidos do poder econômico, eram também excluí-
dos ou manipulados pelo jogo político. Separadamente, cada qual a seu
modo, o banditismo e a oração eram expressões do descontentamento
social de setores que não possuíam uma sofisticada crítica aos perversos
comportamentos políticos das elites e das oligarquias brasileiras.
Entre os vários líderes religiosos da região, despontou a figura do
padre cearense Cícero Romão Batista, nascido em Crato, em 1844, e fun-
dador de Juazeiro do Norte, em seu estado natal, em 1872. Além de pre-
Lampião e Maria Bonita, Benjamin
ces e bênçãos, o padre Cícero aconselhava a população sobre atividades
Abraão, 1936.
econômicas, doenças, questões familiares, desavenças e, evidentemente,
COLEÇÃO FREDERICO PERNAMBUCO DE MELLO,
RECIFE – ACERVO ABAFILM, FORTALEZA

sugeria nomes de candidatos para as eleições. Participante ativo da polí-


tica, o padre foi prefeito, deputado federal e vice-governador, envolveu-se
nas disputas entre as grandes famílias cearenses, utilizava-se dos "servi-
ços" de jagunços e cangaceiros e esteve intimamente ligado aos coronéis
e às oligarquias nordestinos. Entre 1911 e 1914, participou ativamente do
Levante de Juazeiro, luta contra a intervenção federal de Hermes da Fon-
seca no estado do Ceará. Sua fama de milagreiro estende-se até hoje, como
Lampião, Maria Bonita e seu bando, comprovam as levas de peregrinos que se dirigem a Juazeiro do Norte para
Benjamin Abraão, 1936. pedir ajuda ao padroeiro do Nordeste.
COLEÇÃO FREDERICO PERNAMBUCO DE MELLO, RECIFE – ACERVO ABAFILM, FORTALEZA

Lampião
A figura mais destacada do cangaço foi Virgulino Ferreira da Silva, chamado
de Lampião pelo efeito que as rajadas de seus tiros provocavam durante a
noite. Nascido em Pernambuco em 1897, Lampião foi empregado do impor-
tante coronel Delmiro Gouveia. Tornou-se cangaceiro por volta de 1916 e,
em 1921, já formara o próprio bando, que chegou a ter cerca de 300 mem-
bros. Conseguiu comprar fazendas e montar um verdadeiro quartel-general
em Angico, Sergipe, onde se tornou traficante de armas. Foi morto em 1938,
com outros cangaceiros e sua famosa companheira, Maria Bonita, numa
emboscada armada pela polícia. As cabeças dos membros do bando foram
cortadas e exibidas pelo Nordeste por ordem das autoridades.
Pesquisas recentes apontam que Lampião não teria sido apenas um
rude cangaceiro. Apreciador de música e poesia, praticava costura e bor-
dados e adorava perfumes. Seu chapéu, tão característico, teria sido ins-
Lampião e um de seus cangaceiros,
pirado em Napoleão Bonaparte, célebre general e imperador francês.
Benjamin Abraão, 1936.

252 Capítulo 8  Fora da ordem brasileira

OH_V2_Book.indb 252 13/05/16 12:09


o comércio com as cidades vizinhas. Uma parte do que
Canudos todos produziam era destinada a um fundo comum,
Se a religiosidade praticada em torno do padre Cíce- cuja função era amparar os habitantes mais necessita-
ro pressupunha uma aceitação das regras políticas e dos e realizar as "grandes" obras: a igreja e a escola.
sociais do país, uma outra figura, muito mais controver- O acesso à terra e o trabalho comunitário torna-
sa, representou a utilização das crenças religiosas como ram Canudos a segunda maior cidade da Bahia, onde,
arma de contestação social. curiosamente, não circulava dinheiro. Um cofre, sob a
Antônio Vicente Mendes Maciel ou Antônio Conse- responsabilidade de um dos líderes do povoado, reco-
lheiro, como ficou conhecido, nasceu em 1828, em Qui- lhia o dinheiro obtido com as transações comerciais.
xeramobim, interior do Ceará. Tornou-se beato e pre- Eram emitidos vales para as trocas internas. Tempos
gador em 1872, depois de abandonado por sua mulher. depois, o vale de Canudos era aceito como moeda nas
Peregrinou por várias partes do Nordeste, sendo acom- cidades próximas.
panhado de muitos adeptos. Em pouco tempo, desper- A existência de uma comunidade que não se encon-
tou inquietação entre representantes da Igreja Católica, trava à mercê dos coronéis e escapava ao controle do
que solicitaram medidas das autoridades contra o beato. Estado e da Igreja foi entendida como uma ameaça. De
Foi preso diversas vezes, acusado de perturbar a
certo modo, era verdade.
ordem pública e de encorajar a desobediência às insti-
Canudos transformou-se na concretização do sonho
tuições civis e religiosas. Apesar disso, sua fama se alas-
dos sertanejos de ter uma vida com o mínimo de dig-
trou pelo Nordeste. Por muitos era tido como profeta,
nidade. A República Oligárquica não oferecia as pos-
um homem de Deus. Porém, mais difícil que abrir as
sibilidades que o beato Conselheiro e seus seguidores
portas do céu era abrir as portas da terra para os esque-
apresentavam a todos os que viviam nos sertões. Impli-
cidos pelo poder público. É mais provável que essa fosse
citamente, representavam a negação ao regime.
a razão de seu prestígio.

A fundação de Belo Monte Os combates


Em novembro de 1896, foi enviada uma primeira expe-
Após a Proclamação da República, Conselheiro e alguns
dição militar a Canudos. A vitória dos conselheiristas
de seus seguidores reagiram publicamente à cobran-
aumentou o temor das autoridades. Aumentou tam-
ça de impostos pelo governo. Numa localidade baiana,
bém a popularidade do beato no Nordeste. Em janei-
queimaram os editais em uma ruidosa manifestação. O
ro do ano seguinte, uma nova expedição, com cerca de
governo enviou, para prendê-los, uma tropa com 35 sol-
600 homens armados, foi igualmente derrotada. Em
dados que acabaram derrotados pelos fiéis.
Alguns anos depois, em junho de 1893, o beato fevereiro, foi organizada a terceira expedição, com cerca
decidiu fundar uma povoação, deixando a vida de pere- de 1 200 soldados e forte armamento, incluindo qua-
grino. Com seus seguidores ergueu um arraial em uma tro canhões, sob as ordens do coronel Antônio Morei-
fazenda abandonada, próxima a um rio temporário cha- ra César, vitorioso comandante de tropas do Exército
mado Vaza-Barris, onde havia umas poucas e humildes contra os federalistas no Sul. A derrota foi fragorosa. Os
casas habitadas por algumas famílias. principais chefes militares morreram e a artilharia pesa-
A região era árida, o solo pedregoso e, duran- da foi recolhida pelos seguidores do Conselheiro.
te as épocas de seca prolongada, a água só era obtida As notícias sobre os sucessivos fracassos militares
em pequenos poços perfurados no fundo do ressecado tiveram enorme repercussão no país. Na Capital Federal
leito do rio. Antônio Conselheiro chamou a localidade e nas grandes cidades brasileiras corriam boatos sobre a
de Belo Monte, mas, devido à abundância de um tipo ajuda que os habitantes de Canudos estariam recebendo
de vegetação denominado canudo-de-pito, o lugar ficou dos monarquistas, a fim de derrubar a República. Pela
conhecido como Canudos. imprensa, a elite nacional, com raríssimas exceções,
Se a região não correspondia às antigas, mas sem- desenhava o beato como um fanático feroz que se apro-
pre repetidas, descrições do paraíso terrestre, com farta veitava da ignorância da população e conseguia arregi-
vegetação, riquezas e rios de leite e mel, os seguido- mentar seguidores.
res de Conselheiro tornaram-no um próspero povoado. A comunidade de Vaza-Barris era, no começo de
Com o trabalho comunitário, os habitantes de Canudos 1897, a própria encarnação do mal, a antítese da lega-
dedicavam-se à pecuária e à agricultura, e praticavam lidade republicana. Enfurecidos, grupos republicanos

As armas da fé 253

OH_V2_Book.indb 253 13/05/16 12:09


atacavam portugueses e baianos no Rio de Janeiro, e velhos, na maioria, resolveu se entregar. Foram todos
por serem identificados como monarquistas e conse- assassinados e tiveram seus corpos queimados.
lheiristas. Os demais, cercados pelas forças militares, foram
Novamente os jacobinos brasileiros saíram às ruas praticamente dizimados pela ofensiva. As cenas retra-
em defesa da República. contra eles, em pronunciamen- tadas pelos jornalistas que acompanhavam a expedição
to à Nação, divulgado pelos jornais, o presidente Pru- são de extremo horror. Como de horror foi o destino das
dente de Morais anunciou que o Exército "destroçará os meninas da comunidade, vítimas de estupros e muitas
que ali estão envergonhando a nossa civilização". delas obrigadas pelos soldados a se prostituir.
Em junho de 1897, iniciaram-se os combates envol- No Rio de Janeiro, o clima de comemoração foi
vendo a última expedição militar a Canudos, que che- interrompido por um fracassado atentado ao presiden-
gou a contar com mais de 6 mil homens. Após cerca de te Prudente de Morais, possivelmente organizado pelos
quatro meses, em outubro do mesmo ano, foram lança- jacobinos. Em Canudos, a destruição foi completa.
das as ofensivas finais. Mesmo assim, doze anos depois, alguns seguidores
Um mês antes morrera Antônio Conselheiro. As do Conselheiro voltaram a habitar a região. O nome do
esperanças se perdiam para a comunidade. Aceitan- beato permanece, até hoje, carregado por lendas mila-
do um acordo proposto pelo comandante militar, um grosas, no imaginário popular nordestino. E a questão
grupo de mil pessoas, composto de mulheres, crianças da terra no Brasil permanece em aberto.

Religiosidade, messianismo e milenarismo


"[…] Não houve em Belo Monte a espera coletiva do transtorno às autoridades constituídas pela nova ordem
milênio, ou seja, a crença de uma idade futura em que republicana: lembremo-nos do intendente de Monte
todos os males seriam corrigidos, as injustiças, repara- Santo e da dificuldade em cobrar impostos. O maior
das e abolidas as doenças e a morte. […] Os conselhei- perigo de Canudos residia na proliferação do exemplo
ristas não se consideravam uma comunidade eleita à de uma comunidade religio-
espera da Salvação. A vivência de uma nova vida reli- sa, herdeira da tradição cole- Landlords: em inglês,
giosa não excluía a necessidade de buscar constante- tiva sertaneja que, ao invés de senhores de terras,
mente os recursos para a manutenção de milhares de se isolar, continuava manten- proprietários rurais.
habitantes do arraial. Isto não exclui a possibilidade do contatos regulares com as
de alguns moradores do arraial terem manifestado esta outras vilas e arraiais, propa-
crença que fazia parte do universo religioso sertanejo gando uma forma organizativa que colidia frontalmente
há vários séculos, mas é improvável, dado os relatos da com o Estado dos landlords."
época e dos sobreviventes muitos anos depois da des- VILLA, M. A. Canudos: o povo da terra. 2. ed.
truição do Belo Monte, que os conselheiristas, princi- São Paulo: Ática, 1995. p. 239, 243-244.
palmente aqueles que exerciam funções de mando, par-
tilhassem desta visão de mundo. […] MUSEU DA REPÚBLICA, RIO DE JANEIRO, BRASIL

[…] O arraial foi uma comunidade religiosa, lidera-


da por um beato, e a migração para Belo Monte deveu-
-se ao fascínio exercido pelo Conselheiro. O seu exem-
plo de vida, a entrega total a Deus e a vinculação desta
profunda religiosidade com as necessidades materiais de
um povo sofrido, abandonado pelo poder público, que só
aparecia para recolher impostos, acabou transforman-
do o arraial e a mensagem de seu líder em sinônimo de
liberdade para o sertanejo, oprimido pelo latifúndio, pelo
Estado e por uma Igreja distante e ausente. […]
A despeito de Antônio Conselheiro não ser o Messias
nem liderar um movimento milenarista, sua popularida-
de e influência político-religiosa alcançava grande parte
do sertão: o número de conselheiristas era muito maior 400 jagunços prisioneiros, Flavio de Barros. Canudos,
1897.
fora do arraial que dentro dele. Isto causava um sério

254 Capítulo 8  Fora da ordem brasileira

OH_V2_Book.indb 254 13/05/16 12:09


OH_V2_C8_p249

A Guerra do Contestado

MÁRIO YOSHIDA
TERRA E RELIGIOSIDADE
Entre 1912 e 1916 ocorreu um grave conflito numa região
disputada pelos estados de Santa Catarina e Paraná e, por
essa razão, denominada Contestado. Em torno de um líder
messiânico, chamado monge José Maria, agruparam-se
posseiros expulsos de suas terras, devido à construção de
uma ferrovia e à ação dos coronéis locais, e trabalhadores
desempregados pelo término da construção da ferrovia.
Marginalizados e empobrecidos, os sertanejos perambu-
laram por localidades disputadas por catarinenses e para-
naenses. Num conflito com esses últimos, apossaram-se
de armas e iniciaram uma organização militar. Da mesma
forma que no episódio de Canudos, o governo federal
entendeu que se tratava de um movimento de inspiração
monarquista. A Guerra do Contestado durou cerca de qua-
tro anos. Além de seus efetivos militares, o governo che-
gou a se utilizar de aviões para bombardear os rebeldes.
Como no Rio de Janeiro em 1893, as forças militares bra-
sileiras bombardeavam seu próprio povo. Como em Canu-
dos, o massacre foi brutal.
Segundo alguns estudiosos, como Douglas Teixeira
Monteiro, o movimento do Contestado teve caráter mile-
narista. A monarquia defendida pelos seus participan-
tes era tida como uma instituição divina, um reino de
felicidades que resgatava os elementos sebastianistas e
messiânicos presentes no Brasil desde o século XVI.
ESCALA
“[…] a Guerra do Contestado foi o único [movi- 0 385 770 km

mento] que tomou, inequivocamente, um caráter


Fonte: Elaborado com base em MONTEIRO, D. T. "Um confronto entre Juazeiro,
milenarista. Adversários da República – ao que não Canudos e Contestado". In: FAUSTO, B. (Org.). História geral da civilização
era estranho o fato de muitos deles serem antigos brasileira. 2. ed. São Paulo: Difel, 1977. t. III, v. 2. p. 75.

maragatos –, os participantes da irmandade rebel-

MUSEU PARANAENSE, CURITIBA, BRASIL


de diziam-se monarquistas. Entretanto, a monarquia
que aspiravam, mais do que uma instituição política,
era percebida como a realização do reino escatológi-
co. Na tosca, mas expressiva indicação de um prisio-
neiro – era uma ‘coisa do céu’ –, uma nova ordem que
resultaria da união entre combatentes terrestres e o
exército encantado de São Sebastião.”
MONTEIRO, D. T. "Um confronto entre Juazeiro, Canudos e
Contestado". In: FAUSTO, B. (Org.).
História geral da civilização brasileira. 2. ed.
Milicianos do Contestado, Claro Gustavo Jansson, c. 1912.
São Paulo: Difel, 1977. t. III, v. 2. p. 75.

Verificação de leitura 1 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 Quais eram as diferenças e as semelhanças entre os 3 Canudos e a Guerra do Contestado foram movimen-
cangaceiros e os beatos? → DL/CF/SP/H9/H11 tos semelhantes? Por quê? → DL/SP/CA/H9/H10
2 Padre Cícero e Antônio Conselheiro tinham os mes- 4 "Civilização e barbárie voltavam a se encontrar."
mos procedimentos sociorreligiosos? Cite um outro momento da História do Brasil, quan-
→ DL/SP/H9/H10/H11 do, em nome da defesa da civilização, também se
cometeram inúmeras violências. → DL/CF/SP/H7/H9

As armas da fé 255

OH_V2_Book.indb 255 13/05/16 12:09


Um Outro Olhar Geografia
OH_V2_C8_p250
OH_V2_C8_p250
O cangaço, o arraial de Canudos e práticas ligadas ao beatismo desenvolveram-se no Nordeste brasileiro. Analise
atentamente os mapas abaixo e leia o texto proposto. A seguir, responda às questões.
OH_V2_C8_p250B

mapas: MÁRIO YOSHIDA


Mapa 1. TERRA E RELIGIOSIDADE Mapa 2. Sub-regiões do Nordeste

CEARÁ RIO GRANDE


RA
AND
NDDE
E
CEARÁ
MARANHÃO RA
AND
NDDE
RIO GRANDEE OCEANO
PARÁ MARANHÃODO NORTE
ORTTE
E São Luís
PARÁ Crato
ORTTE
DO NORTEE ATLÂNTICO
Crato
PARAÍBA PARAÍBA
PIAUÍ PIAUÍ Fortaleza
PERNAMBUCO PERNAMBUCO
Cabrobó Teresina
Cabrobó
ALAGOAS
AGO
AG
GOAAS RIO GRANDE
Juazeiro Canudos Juazeiro Canudos AGO
AG
GOA
AS
ALAGOAS MARANHÃO CEARÁ DO NORTE
Monte Santo SERGIPE SERGIPE Natal
Monte Santo
BAHIA BAHIA João
MATO MATO PIAUÍ PARAÍBA
GOIÁS GOIÁS
Pessoa
GROSSO GROSSO OCEANO OCEANO PERNAMBUCO Recife
ATLÂNTICO ATLÂNTICO
ALAGOAS Maceió

MINAS MINAS SERGIPE


GERAIS GERAIS Aracaju

ESPÍRITO SANTO ESPÍRITO SANTO BAHIA


Salvador
ESCALA ESCALA
SÃO RIOSÃO
DE JANEIRO RIO
0 DE JANEIRO
290 580 km
0 290 580 km
PAULO PAULO
Fonte: Elaborado com base
Região de Canudos Região de Canudos em MONTEIRO, D. T.
Região do Cangaço "Um confronto entre
Região do Cangaço Juazeiro, Canudos e
Região de influência do Região de influência do
Contestado". In: FAUSTO,
Padre Cícero Padre Cícero B. (Org.). História geral da Zona da Mata
civilização brasileira. 2. ed. Agreste
São Paulo: Difel, 1977. Sertão ESCALA
t. III, v. 2. p. 75. 0 220 440 km
Meio-Norte

Fonte: Elaborado com base em GARCIA, Carlos. O que é o Nordeste brasileiro. São
Paulo: Brasiliense, 1984.

Sertões e sertanejos: uma geografia humana sofrida


" [...] O Nordeste seco possui uma área total da ordem de que garante as ligações intra e interregionais e uma rede
700 mil km2, onde vivem 23 milhões de brasileiros – entre de açudes, com diferentes possibilidades de fornecimen-
os quais, quatro milhões de camponeses sem terra [...] sob to de água para áreas irrigáveis de planícies de inunda-
uma estrutura agrária particularmente perversa. É uma ção (vazantes). Destaca-se sobre tudo isso, a extraordiná-
das regiões semiáridas mais povoadas entre todas as ter- ria área de irrigação de Petrolina (Pernambuco) e Juazeiro
ras secas existentes nos trópicos ou entre os trópicos [...] (Bahia), no médio vale inferior do São Francisco.
[O Nordeste] é uma região sob intervenção, onde o pla- [...]
nejamento estatal define projetos e incentivos econômi- A compreensão do significado do conceito de espaço
cos de alcance desigual, mediante programas incompletos regional é essencial para alguém interessado na proble-
e desintegrados de desenvolvimento regional. E [...] com- mática nordestina. Incluindo os agrestes – região de tran-
bina arcaísmos generalizados com importantes elementos sição climática e contatos ecológicos entre a zona da mata
pontuais de modernização, tais como uma razoável hierar- e o domínio extensivo das caatingas [...] Em termos muito
quização urbana, um bom sistema de rodovias asfaltadas genéricos, os agrestes constituem uma faixa de transi-

256 Capítulo 8  Fora da ordem brasileira

OH_V2_Book.indb 256 13/05/16 12:09


ção climática, sob a forma de tampão, entre a zona da época. Para a Amazônia, nos fins do século passado e iní-
mata oriental do Nordeste e os imensos espaços dos ser- cios do atual. Para São Paulo desde a década de 1930.
tões secos. Não é uma faixa muito larga, tampouco muito Para Brasília nos anos 60. Para o norte do Paraná e São
homogênea, comportando, do ponto de vista topográfi- Paulo por todo o tempo, sobretudo depois da construção
co, uma grande variedade de formas e compartimentos. da estrada Rio-Bahia. Finalmente, para o norte de Goiás,
Nos agrestes chove mais do que nos sertões, porém bem às margens da Belém-Brasília, à Transamazônica e, para o
menos do que na zona da mata. A estação seca é quase sul do Pará, nos anos 70.
tão prolongada quanto a dos sertões. Na cobertura vegetal [...]
dos agrestes predominava vegetação de caatingas arbó- O Nordeste segue sendo o grande produtor de
reas, com eventuais inclusões de matas secas. Por outro homens. O caráter predominante rural da sua população,
lado, em alguns agrestes mais complexos existem setores lado a lado com as altas taxas de densidade demográfica e
abrejados, ao lado de verdadeiros brejos, como é o caso a exiguidade dos espaços propriamente agrícolas, respon-
da região de Garanhuns. [...] de por uma inegável fragilidade infraestrutural da econo-
A especificidade dos problemas humanos e sociais do mia regional. Nem mesmo o apelo à exploração mineral,
Nordeste seco está diretamente relacionada ao balanço entre hoje vista como uma saída parcial, tem força para resolver
o quantum de humanidade que a região precisa alimentar e os graves problemas que afetam a região.
manter e as potencialidades efetivas do meio físico rural, Há que se pensar em módulos rurais mais passíveis
dentro dos padrões culturais de sua população e dos limites de serem manejados, incluindo pecuária e agricultura,
impostos pelas relações dominantes de produção. ampliação de culturas secas e, sobretudo, melhor mane-
A ronda da fome incide exatamente sobre a digna par- jo da tecnologia da água para os lençóis de vertentes e de
cela constituída por todos os tipos de trabalhadores sem interflúvios. Há que se repensar a propriedade individual
terra. Esta frágil posição do principal segmento da força e fazer testes bem encaminhados em propriedade coleti-
de trabalho dos sertões – identificado como a maior reser- va de glebas.
va de mão de obra braçal das Américas – cria uma aura de É preciso ainda adotar-se padrões mais polivalentes
sobreviventes para todos os componentes de uma socie- de produção, de modo a garantir a continuidade da produ-
dade constituída de vaqueiros e camponeses. ção rural em todos os tipos de tempo. E não se dar tréguas
O Nordeste seco segue tendo muito mais gente do que às oligarquias locais, imbatíveis na sua maciça insensibi-
as relações de produção ali imperantes podem suportar. lidade humana."
As secas espasmódicas que assolam a região criam des- AB'SÁBER, Aziz. Revista de Estudos Avançados.
continuidades forçadas na produção rural e conduzem a São Paulo, v. 13, n. 36, mai/ago, 1999.
um desemprego maciço dos que não têm acesso à terra, Disponível em: www.scielo.br/scielo.php?pi-
d=S0103-40141999000200002&script=sci_arttext.
relegando-os à condição potencial de retirantes. Acesso em: 12 abr. 2016.
[...]
Assim, a grande região seca brasileira passou a ter o
Aziz Ab'Sáber(1924-2012), professor da Universidade de
papel histórico de fornecer mão de obra barata para quase São Paulo, foi um dos mais destacados geógrafos brasileiros,
todas as outras regiões detentoras de algum potencial de autor de dezenas de estudos sobre a Geografia e os
emprego. Nordestinos de todos os recantos mobilizaram- problemas do Brasil.
-se nas mais variadas direções, seguindo a vaga de cada

Faça
em se → conforme tabelas das páginas 8 e 9.
cadernu
o

1 A partir do texto e do mapa 2, apresente definições 3 Identifique, a partir dos mapas 1 e 2, as sub-regiões
para: nordestinas onde se desenvolveu:
a) Zona da Mata. a) Canudos.
b) Agreste. b) Cangaço.
c) Sertão. → DL/CF/H1/H26//H27/H29 c) Beatismo de padre Cícero. → DL/CF/H1/H6/H11/H13
2 Explique a afirmação: "O Nordeste segue sendo o 4 Procure explicar o surgimento desses fenômenos
grande produtor de homens". → DL/CF/H1/H26//H27/H29 incorporando as informações sobre as sub-regiões
nordestinas. → DL/CF/CA/H6/H11/H26//H27/H29

As armas da fé 257

OH_V2_Book.indb 257 13/05/16 12:09


2 A indústria do café

D
e passagem pela cidade de São Paulo, em 1900, depois de
uma ausência de mais de trinta anos, um senhor carioca
O formagio! Olha o formagio!" ficou impressionado: "[…] era então uma cidade puramente
"Survetinho, survetón! paulista, hoje é uma cidade italiana!". De fato, como se pode obser-
Survetinho de limón, var em artigos na imprensa da época, era imensa a quantidade de
quem não tem o dez tostón italianos desenvolvendo as mais diversas atividades: comercian-
não toma survetón. tes, industriais e operários. Se assustava o viajante carioca, a situa-
ção provocava temor em moradores mais antigos, como o senhor
Aureliano Leite:
Pregões de italianos em São Paulo "No bonde, no teatro, na rua, na igreja, falava-se mais o idioma
no início do século XX. de Dante que o da língua de Camões […] Coisa realmente assusta-
dora. A impressão de que íamos perder a nacionalidade, ser absor-
vidos aterrava".
CARELLI, M. Carcamanos e comendadores. São Paulo: Ática, 1985. p. 30-31.

De fato, milhares de italianos vieram para o Brasil entre 1870 e


1930, e se concentraram, principalmente, nos estados de São Paulo
e Rio Grande do Sul. Na verdade, esse período foi marcado por um
intenso fluxo migratório em várias partes do mundo. Italianos, ale-
mães, eslavos, judeus, árabes, indianos, irlandeses, japoneses, chi-
A+ Comunicação

IMIGRAÇÃO NO BRASIL 1881-1930 (em milhares) neses, portugueses e tantos outros povos deixavam sua terra natal
em busca de melhores condições de vida. A América era o destino
65 de grande parte dessa população. Mas a América era grande e geo-
60 graficamente nebulosa para boa parte dos imigrantes. Estados Uni-
55 dos, Argentina, Brasil; alguns não sabiam exatamente para onde
50
deviam ir.
45
Fenômeno nunca visto na história da humanidade, a circula-
40
35 ção de milhares de deserdados provocou uma intensificação do
30 sentimento nacionalista em todo o mundo. As populações já esta-
25 belecidas sentiam-se invadidas pelos estrangeiros. O preconceito e
a discriminação eram frequentes.
20
Com o desenvolvimento da produção cafeeira, a população do
15 estado de São Paulo cresceu numa velocidade vertiginosa. Soma-
va cerca de 800 mil habitantes em 1872. Quarenta anos depois, já
10 contava com mais de 3 milhões. Na capital do estado, no mesmo
5 período, a população saltara de 23 mil para 580 mil. Era, em gran-
de parte, composta de imigrantes, que não paravam de desembarcar
0
no porto de Santos. Nas primeiras décadas do século XX, a cidade de
19
18

19
19
18

19

São Paulo parecia um canteiro de obras. No centro, antigas mansões


00
90

30
20
80

10

Portugueses Espanhóis Japoneses e chácaras davam lugar aos primeiros prédios e avenidas. Viadutos
Italianos Alemães começavam a interligar áreas elevadas e quilômetros de trilhos eram
assentados para a circulação dos moderníssimos bondes, ainda
Fonte: Elaborado com base em BETHELL, L. The Cambridge history
of Latin America. v. IV. p. 131. ao lado das habituais carroças e burricos. Em regiões afastadas,

258 Capítulo 8  Fora da ordem brasileira

OH_V2_Book.indb 258 13/05/16 12:09


como a atual avenida Paulista, erguiam-se palacetes de volume de desempregados e miseráveis em diversas
grandes cafeicultores e industriais. Os mais aristocráti- partes do planeta. De outro, possibilitaram a esses
cos permaneciam nos bairros de Higienópolis e Campos contingentes transpor enormes distâncias em busca
Elíseos. Grande parte dos imigrantes ocupava os bairros de alternativas, usando meios de circulação de maior
do Brás, Bexiga, Bom Retiro, Mooca e Barra Funda, em capacidade e velocidade, como os trens e os navios. O
estalagens, habitações humildes e cortiços que abriga- desenvolvimento tecnológico contribuía, assim, para
vam diversas famílias. expulsar e transportar homens de lugares longínquos
para terras estranhas.

As migrações e a
Tá na rede!
Revolução Industrial
As migrações estão duplamente ligadas à chamada lasar Segall
Segunda Revolução Industrial – ocorrida entre a últi- Digite o endereço abaixo na
ma década do século XIX e 1920 –, caracterizada por barra do navegador de internet:
um enorme salto qualitativo e quantitativo no pro- http://goo.gl/A4VntA. Você pode
também tirar uma foto com O acervo é composto
cesso produtivo, com a utilização da eletricidade, a por mais de três mil
combustão com derivados de petróleo e a manipula- um aplicativo de QrCode para
itens da produção de
saber mais sobre o assunto. Lasar Segall, entre
ção de elementos químicos. De um lado, essas trans-
Acesso em: 12 abr. 2016. Em pinturas a óleo, es-
formações desarticularam completamente as estrutu- culturas e gravuras.
português.
ras produtivas anteriores, provocando um gigantesco

ANÁLISE DE IMAGEMpintura

Navio de emigrantes Autoria: Lasar Segall

Material: Óleo com areia sobre tela Exposto atualmente no Museu Lasar Segall, em São
Paulo.
Dimensão: 2,30 m x 2,75 m

Datação: 1939-1941

IPHAN/MINC/MUSEU LASAR SEGALL, SÃO PAULO, BRASIL

Primeiro olhar: 1 5
O autor representa a via- O navio é constituído por
gem de pessoas num navio, um corte da proa sobre
fugindo da guerra, fome e um fundo verde ondula-
miséria de seus lugares de do representando o mar
origem. A pintura tem cará- e uma sutil linha branca
ter autobiográfico e foi ins- separando os dois espaços.
pirada em experiência pes- A proa se destaca pela
soal, sua condição judaica, forma oval, protetora, ao
anotações de viagens e uma mesmo tempo em que apri-
série de gravuras feitas siona as pessoas empilha-
entre 1928 e 1938. das ao longo do espaço
dividido em linhas diago-
2 nais. Vigas que delimitam
A variedade de marrons, os espaços constroem dife-
cinzas, ocres e amarelos rentes situações.
constroem um colorido tris-
te e silencioso, evocando
a proximidade com a terra
que ainda não pode ser 3 Nesse cenário estão pessoas de todas as faixas
avistada do navio. etárias, na qual sobressai a presença feminina.

A indústria do café 259

OH_V2_Book.indb 259 13/05/16 12:09


O aumento da dívida externa brasileira, a desvalori-
Complexo cafeeiro zação da moeda no mercado internacional e a inflação
A intensa atividade econômica paulista originara-se dos galopante provocaram a primeira crise, logo nos primei-
lucros obtidos com o café, principal produto da pauta ros anos da República. Em 1898, no início do governo
de exportações desde 1830. Na passagem da Monar- de Campos Sales, era firmado o funding-loan, acordo
quia para a República, o Brasil mantinha sua estrutura que estipulava o pagamento da dívida externa brasilei-
agroexportadora apoiada, sobretudo, nos latifúndios, ra em um prazo de 63 anos, com início programado para
fontes de poder político e econômico. 1911. O governo comprometia-se a retirar papel-moeda
O café impulsionou diversas transformações no de circulação, de forma a provocar a queda da inflação e
país: trabalho assalariado, urbanização, moderniza- promover uma ampla redução nos gastos públicos, com
ção na produção agrícola e na industrialização. A partir demissões de funcionários, paralisação de obras públi-
desse eixo, a economia do Sudeste desenvolveu um ver- cas e criação de novos impostos. Além disso, deixava
dadeiro complexo cafeeiro, ou seja, um conjunto de ati- como garantia aos credores as receitas da alfândega do
vidades complementares e paralelas necessárias à pro- porto do Rio de Janeiro.
dução e à comercialização do café. O desenvolvimento O funding-loan representava uma mudança nos
de linhas férreas e de técnicas e equipamentos, a melho- rumos indicados pelo Encilhamento. Como resultado
ria de portos e estradas, a ampliação do mercado fun- ocorreram falências bancárias, diminuição no ritmo de
diário e o crescimento das atividades mercantis ocorre- crescimento industrial verificado até então, achatamento
ram em razão da produção cafeeira. salarial, aumento do desemprego e sensível queda do
Na década de 1880, uma parte dos fazendeiros pas- nível de vida dos operários. O reequilíbrio das contas
sou a investir seus lucros na fundação de indústrias, públicas também significou perdas para o setor cafeei-
provocando o primeiro grande surto industrial do país. ro. As exportações de café eram pagas em moeda estran-
E mesmo aqueles que não se envolveram diretamente geira por compradores internacionais. Assim, com a
nas atividades industriais alimentavam o sistema ban- moeda nacional desvalorizada, no momento da conver-
cário com seu capital, o que permitiu o financiamento são cambial, ou seja, na hora de trocar a moeda estran-
dessas atividades. geira pelo dinheiro do Brasil, o exportador adquiria
A vinda de imigrantes, subsidiada inicialmente maior volume monetário e, consequentemente, manti-
pelos cafeicultores e depois pelo governo federal, gerou nha sua margem de lucro. A partir das novas medidas
um mercado amplo para diversos produtos, sobretudo governamentais e com a valorização da moeda nacio-
alimentos, bebidas e tecidos. E, principalmente, criou nal, os cafeicultores passaram a adquirir menor volume
o mercado de trabalhadores livres, com uma oferta de meio circulante nas transações cambiais. Perdiam
abundante de força de trabalho que, consequentemen- em termos econômicos, mas mantinham-se no coman-
te, permitiu aos detentores de capital contratar mão de do do país. O exercício do poder federal tinha seu preço,
obra mediante o pagamento de baixos salários. Assim, e o Estado nacional, certa autonomia em relação à sua
durante quase todo o período da República Oligárquica, classe dominante.
a maioria dos operários de São Paulo era de estrangeiros, Quando as crises não ameaçavam, o governo mani-
principalmente italianos, que trabalhavam nas empre- pulava as taxas de câmbio, desvalorizando a moeda
sas que se tornariam as grandes referências da indústria nacional. Era uma forma de garantir a lucratividade do
nacional. setor cafeeiro, mesmo em momentos de queda do preço
do produto no mercado internacional. Era uma verdadei-
ra política de socialização das perdas: a desvalorização
Políticas econômicas aumentava o preço dos produtos estrangeiros e, conse-
A partir do governo de Prudente de Morais (1894-1898), quentemente, o custo de vida de toda a população, uma
com a hegemonia paulista sobre o governo federal, a vez que boa parte dos produtos consumidos à época era
política econômica brasileira tendeu a voltar-se para importada. Ao mesmo tempo, estimulava-se a produção
os interesses da cafeicultura. No entanto, em momen- da indústria nacional, cujas mercadorias tornavam-se
tos de crise e pressões externas, os governantes paulis- mais competitivas.
tas foram obrigados a adotar medidas que sacrificavam Além da desvalorização cambial, os governantes
alguns setores da produção cafeeira. dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro

260 Capítulo 8  Fora da ordem brasileira

OH_V2_Book.indb 260 13/05/16 12:09


Faça
firmaram, em 1906, o Convênio de Taubaté, em que
procuravam preservar os lucros dos fazendeiros em Tá ligado?! em se
cadernu
o
épocas de superprodução do café. Pelo acordo, os pre- (UFF-RJ) Em fevereiro de 2006 ocorreu o centenário
sidentes dos estados comprometiam-se a comprar parte do Convênio de Taubaté, firmado entre os principais
da produção, evidentemente com dinheiro público, e estados produtores de café, daquela época.
estocá-la para vender quando o mercado se mostrasse Assinale a opção que apresenta a principal característi-
favorável e até queimá-la se fosse necessário, diminuin- ca do Convênio, destacada em sua historiografia.
do a oferta do produto no mercado e elevando seu preço. a) A subordinação dos grandes cafeicultores paulis-
tas aos interesses da cafeicultura fluminense e
Não estava no horizonte da elite governante uma socia-
mineira.
lização dos lucros quando o café tivesse seu preço ele-
b) A ascendência do estado do Rio de Janeiro em
vado no mercado mundial. Distribuição de renda nunca relação à política cafeeira nacional.
foi a tônica das políticas econômicas nacionais. c) A eliminação efetiva da superprodução de café.
d) A inauguração do fim do mercado livre de café, no
A+ Comunicação

EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS (1911-1913) Brasil.


e) A adoção da prática de queimar a produção exceden-
0,3% te, visando combater a superprodução.

1,9% → DL/CF/SP/H3/H8/H9
14% → conforme tabelas das páginas 8 e 9.
OH_V2_C8_p255
20%

MÁRIO YOSHIDA
2,1% EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS EM 1910
Café
Tabaco
61,7% Borracha
Açúcar
Algodão
Outros

Fonte: Elaborado com base em VILELA, A. V.; SUZIGAN, W. Política do governo e


crescimento da economia brasileira (1889-1945). Rio de Janeiro: Ipea, 1973. p. 70.
A+ Comunicação

ESTABELECIMENTOS INDUSTRIAIS (em 1920)

Sudeste Sul Nordeste Norte Centro-Oeste


36
247

3 187 2 408
7 458 ESCALA
0 565 1130 km
Fonte: Elaborado com base em CAMARGO JR., F. Êxodo rural no Brasil. Rio de
Janeiro: Conquista, 1960. p. 104-105.
Fonte: Elaborado com base em CAMPOS, F. de; DOLHNIKOFF, M. Atlas História do
Brasil. 3 ed. São Paulo: Scipione, 1997. p. 41

Verificação de leitura 2 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 Como a Segunda Revolução Industrial relaciona-se Por quê? → DL/SP


ao intenso fluxo migratório verificado na passagem 5 "O funding-loan representava uma mudança nos rumos
do século XIX para o século XX? → DL/CF/SP/H16/H17 indicados pelo Encilhamento." Que mudança era essa?
2 O Brasil tinha na indústria o principal setor de → DL/SP/H8/H9
sua economia durante a República Oligárquica?
6 Como o governo federal procedia à socialização das
Justifique. → DL/SP/CA
perdas do setor cafeeiro? → DL/SP/H8/H11
3 O que era o complexo cafeeiro? → DL/SP/H16/H18/H19 7 Como funcionava o Convênio de Taubaté?
4 Qual era a região mais industrializada do Brasil? → DL/SP/H8/H9/H11

A indústria do café 261

OH_V2_Book.indb 261 13/05/16 12:09


3 A classe operária
vai ao paraíso?

A
cidade do Rio de Janeiro contava com cerca de 1 milhão de habitan-
tes em 1910, quase o dobro da população da cidade de São Paulo na
mesma época. Seu crescimento acelerado não ocorreu, todavia, de
forma súbita. Desde o início do século XIX, com a chegada da família real
portuguesa e, posteriormente, como sede da Monarquia brasileira, o Rio
manteve-se como a maior cidade do país. Capital política, cultural e econô-
mica, teve nos anos republicanos o período mais agitado de sua história.
Com a Abolição, muitos ex-escravizados engrossaram a população cario-
Olha o prúu da roda ca, que receberia ainda uma vasta leva de imigrantes, principalmente portu-
vôôôôa!" gueses, no decorrer de todo o período oligárquico. Apesar de – ao contrário de
São Paulo – quase a metade de sua população ser natural da cidade no início
"Vae basouôôôôôura
do século XX, havia também certo desconforto com relação à maioria de seus
espanadoire!"
habitantes. Mas não eram apenas os eventuais sotaques estrangeiros que cau-
"Guerralfas bazias savam temor às classes abastadas.
pr'a bundaire! A refinada elite carioca, que em 1897 assistira ao desfile de José do Patro-
cínio em um automóvel movido a vapor e tinha lembranças do requinte
imperial, de seu convívio com as maiores autoridades da República, não se
reconhecia em sua cidade. Com exceção de seus confortáveis palacetes de
Vendedores portugueses de perus,
vassouras, espanadores e garrafas
Botafogo e Laranjeiras, um pouco afastados do centro, a cidade era cortada
no início do século XX. por ruas estreitas e vielas, onde se erguiam prédios e casas velhas, imensos
cortiços que podiam abrigar milhares de pessoas, estalagens, inúmeras casas
de comércio e, pouco a pouco, subindo os morros, amontoados de barracos
formando as primeiras favelas. Para piorar, havia as áreas pantanosas, que
provocavam constantes epidemias de febre tifoide, varíola e febre amarela.

A reurbanização do Rio de Janeiro


Uma completa reformulação da cidade foi concebida para torná-la agradá-
vel para sua elite e semelhante às metrópoles europeias. Modernizar o porto,
abrir largas avenidas, erradicar as doenças, derrubar os cortiços e, principal-
VINCENZO PASTORE/ACERVO INSTITUTO MOREIRA SALLES

mente, empurrar para longe a população pobre, rude e mestiça, eram os dese-
jos da população elegante do Rio de Janeiro.
O presidente Rodrigues Alves (1902-1904) empreendeu a remodelação
tão desejada pela elite carioca. Os cortiços foram derrubados, dando lugar a
belíssimas praças, charmosos jardins, largas avenidas e vistosos palacetes.
Saneamento, limpeza pública e pavimentação completaram a reurbaniza-
ção levada a cabo pelo engenheiro Pereira Passos, colocando a cidade à altu-
ra da exuberante natureza que a circundava. Seus abastados habitantes não
se envergonhariam mais diante dos visitantes estrangeiros. O Rio estava no
caminho para se tornar a "Cidade Maravilhosa".
O resultado imediato, além do embelezamento da cidade, foi a deterio-
ração ainda maior das condições de vida dos trabalhadores. O preço dos alu-
guéis subiu e a população mais pobre foi removida do centro para áreas mais
Vendedor de vassouras, c. 1910. distantes. A ocupação dos morros com barracos tornou-se mais frequente.

262 Capítulo 8  Fora da ordem brasileira

OH_V2_Book.indb 262 13/05/16 12:09


A desigualdade social
"Esta população poderia ser comparada às classes peri- vra já existia). E, é claro, a figura tipicamente carioca do
gosas ou potencialmente perigosas de que se falava na capoeirista, cuja fama já se espalhara por todo o país e
primeira metade do século XIX. Eram ladrões, prosti- cujo número foi calculado em torno de 20 000 às vés-
tutas, malandros, desertores do Exército, da Marinha e peras da República."
dos navios estrangeiros, ciganos, ambulantes, trapeiros, CARVALHO, J. M. de. Os bestializados:
criados, serventes de repartições públicas, ratoeiros, o Rio de Janeiro e a República que não foi. 3. ed.
recebedores de bondes, engraxates, carroceiros, floris- São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 18.

tas, bicheiros, jogadores, receptadores, pivetes (a pala-


ARQUIVO G. ERMAKOFF, RIO DE JANEIRO, BRASIL

ARQUIVO GERAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, BRASIL


Avenida Central (Av. Rio Branco), Augusto Malta. Rio
Casebres do morro de Santo Antônio, Augusto Malta.
de Janeiro, 1906.
Rio de Janeiro, 1914.

Capoeira, Carnaval e espaço público XIII, intitulado Dos vadios e capoeiras, sua prática fica-
va sujeita à prisão. Por outro lado, a capoeira come-
A abolição sem uma política de integração social dos
ex-escravizados gerou uma situação de marginalida- çou a ser praticada também pelos brancos. Nas décadas
de entre os negros. Em três grandes cidades portuá- seguintes, afirmava-se que a capoeira era uma ginásti-
rias – Rio de Janeiro, Salvador e Recife – predominava ca saudável e que o problema residia nos vagabundos e
a população negra indispensável para o funcionamento vadios que a praticavam. A capoeira saiu das ruas e foi
da dinâmica da vida urbana, como vendedores ambu- parar nas academias.
lantes, feirantes, serviçais de limpeza, estivadores, tra- A população negra do Rio de Janeiro agrupava-se de
picheiros e remadores. acordo com sua origem regional. Eram pernambucanos,
Para as elites, as expressões da cultura afro-bra- sergipanos, alagoanos e baianos. Sem muitos recursos,
sileira comprometiam o modelo cultural europeu e, amontoavam-se em cômodos e porões de casas do cen-
por isso, passaram a proibir e perseguir essas mani- tro, em barracos nos morros ou na periferia da cidade.
festações. A capoeira, esse misto de dança e luta, pas- Cada grupo tinha sua própria música: grupos de afoxés,
sou a fazer parte do cotidiano da vida urbana, e sua embaixadas, congadas, frevos e capoeiras. Os tradicio-
prática começou a incomodar as autoridades. Mesmo nais grupos de baianas, com as saias de renda, forma-
com milhares de praticantes, ao final do século XIX, a ram-se nesse período.
capoeira era considerada prática de criminosos, vadios É nesse ambiente rico em diversidade que a voz
e desocupados. dos tambores e a voz do corpo de mestres-salas, porta-
Logo no início da República, com o Código Penal, -bandeiras e passistas falariam de todas as áfricas e de
instituído em 11 de outubro de 1890, o novo gover- todos os brasis. Sob a forma do samba e do Carnaval.
no deu tratamento específico à capoeira. No capítulo Um pouco antes, em 1840, os jornais cariocas anun-

A classe operária vai ao paraíso? 263

OH_V2_Book.indb 263 13/05/16 12:09


ciavam o "primeiro baile de Carnaval" da cidade. Rea- os governantes do Brasil monárquico. E negros fantasia-
lizado em um hotel do Rio de Janeiro, estabeleceu uma dos de indígenas cantavam em línguas africanas.
separação entre os festejos da elite branca e as brinca- No Carnaval, as novas avenidas do Rio de Janeiro
deiras populares. Em poucos anos, surgiram diversos eram tomadas por desfiles de foliões em automóveis
bailes carnavalescos em clubes das principais cidades abertos. O corso, como era chamado, era saudado por
brasileiras. Eram festas fechadas, privativas aos sócios batalhas de confetes, serpentinas e lança-perfume.
ou àqueles que pudessem pagar pelo ingresso. Eram A polícia tentava, em vão, transformar negros e
festas "de família". mestiços em espectadores ao longo das calçadas por
Enquanto a elite se divertia nos ricos salões, nas onde passava o corso. No entanto, a população pobre
ruas os festejos ganhavam mais cores e fantasias. No empurrada para longe das vistas elegantes descia o
meio da multidão, o rufar dos tambores se fazia sentir morro em direção à Praça Onze em blocos, ranchos e
cada vez mais alto. outras agremiações.
Em 1852, um sapateiro português conhecido por Havia uma batalha pelo espaço público . E não
"Zé Pereira" percorreu as ruas do centro do Rio de era uma simples guerra de confetes e serpentinas. Era
Janeiro com um grupo de foliões. Improvisavam uma uma luta social. Àquela altura, o samba já se formara no
espécie de desfile brincalhão batendo tambores e bum- morro. Em 1917, era composta a música "Pelo telefone",
bos. Nos anos seguintes, mais instrumentos de percus- de Donga, o primeiro samba gravado. Em 1928, no bair-
são foram acrescentados aos desfiles: pandeiros, tam- ro do Estácio, jovens sambistas fundaram a escola de
borins e cuícas. Começavam a formar-se os cordões Samba "Deixa Falar". Nos anos seguintes, muitas outras
carnavalescos. agremiações de "professores de samba" iriam se formar.
À frente, homens e mulheres, fantasiados de indíge- A escola de samba era um cortejo bem comportado,
nas ou idosos, seguidos pelos tocadores de tambor. Nas cujos integrantes participavam elegantemente trajados
ruas das áreas centrais da cidade, em seus cortejos, mui- e organizados para tentar obter a confiança e o respeito
tos aproveitavam a ocasião para criticar a escravidão e das autoridades.

ARQUIVO G. ERMAKOFF, RIO DE JANEIRO, BRASIL

Foliões, Augusto Malta. Carnaval, Rio de Janeiro, c. 1920.

264 Capítulo 8  Fora da ordem brasileira

OH_V2_Book.indb 264 13/05/16 12:09


Carnaval em preto e branco
"A presença negra vai se tornar predominante nos cen- mais se enraíza aqui nesta terra, enervando e embrute-
tros urbanos, ou melhor, na periferia ou nos morros cendo o espírito popular que, levado pela superstição, só
de cidades como Santos, Rio, Salvador ou nos alaga- pode é degenerar em vez de se elevar aos altos destinos
dos, como em Recife. […] Os ex-escravos vão se reor- a que é chamado e de mais quantos desgostos no centro
ganizar em função de suas antigas nações e tradições: das famílias têm produzido estes pais de santo e mães de
Ketu, Jeje, Nagô, ressuscitando através dos terreiros a santo… – Um Patriota'. A resposta do jornal não é menos
sua antiga religião. Com a África, porém, veio também significativa: '[…] compete ao poder público, compe-
para os candomblés a herança das senzalas, a presen- te especialmente ao honrado Sr. Dr. Chefe da Segurança
ça dos santos católicos. Testemunhos dos últimos anos dar caça a essa malta de fanáticos e curandeiros de feti-
do século passado dão-nos uma ideia desta rápida orga- che, que fazem danças macabras nos terreiros e vão até
nização de dezenas de centros de articulação da reli- abusar da boa-fé dos inexperientes prometendo curá-los
gião africana ou então afro-brasileira, exprimindo aqui de moléstias e afugentar deles os maus-olhados e outras
a contribuição católica. afecções de que se dizem os únicos conhecedores'.
É interessante notar o inconformismo dos brancos O outro exemplo é tirado do Jornal de Notícias
contra este renascimento cultural e religioso dos ex-escra- (Bahia), de 23 de fevereiro de 1903, e mostra que a into-
vos, apelando para a repressão da polícia, para o patrio- lerância contra a cultura negra atingia até o carnaval: 'O
tismo, para a honra e bom nome da pátria a fim de fazer carnaval deste ano, não obstante o pedido patriótico e
desaparecer a prática religiosa dos negros. Cito apenas civilizador, que fez o mesmo, foi ainda a exibição pública
dois exemplos tirados de jornais da época e que dão o do candomblé, salvo raríssimas exceções. Se alguém de
tom: Jornal de Notícias (Bahia), de 22 de maio de 1897: fora julgar a Bahia pelo seu carnaval, não pode deixar de
'[…] Esta é a segunda carta que tenho a honra de dirigir- colocá-la a par da África e note-se, para nossa vergonha,
-vos, esperando de vosso não que aqui se acha hospedada uma comissão de sábios
Fetichismo: culto de
desmentido patriotismo cha- objetos ou forças da
austríacos que, naturalmente, de pena engatilhada, vai
mar a atenção de quem de natureza considerados registrando estes fatos para divulgar nos jornais da culta
direito for para o desapareci- mágicos. Europa, em suas impressões de viagem. […]"
mento dessas cenas religio- HAUCK, J. F. et al. A história da Igreja
sas, praticadas pelo fetichismo africano, que de dia a dia no Brasil. t. II, v. 2. p. 278-287.

ACERVO MUSEU DO PARANÁ

Carro alegórico. Carnaval da cidade de Ibaji, Paraná, 1910.

A classe operária vai ao paraíso? 265

OH_V2_Book.indb 265 13/05/16 12:09


ACERVO ICONOGRAPHIA, SÃO PAULO, BRASIL
A Revolta da Vacina
Faltava apenas a erradicação das epidemias. Em 9 de
novembro de 1904, o governo decretava a obrigato-
riedade da vacinação contra a varíola. Comandava a
campanha o dr. Oswaldo Cruz, jovem cientista promis-
sor àquela altura, responsável pela diretoria da Saúde
Pública da capital federal. O anúncio provocou uma
onda de protestos que culminou numa rebelião popu-
lar denominada Revolta da Vacina. Nos dias seguin-
tes, oradores populares levantavam-se no espaço públi-
Revolta da Chibata, anônimo. Rio de Janeiro, 1910.
co recém-modelado incitando à rebelião. A polícia era
recebida a pedradas. Líderes operários, jacobinos, polí-
ticos e intelectuais tentavam dirigir o movimento. Por
O proletariado
toda parte havia enfrentamentos entre a população e
Parte das lideranças da Revolta da Vacina reunira-se no
as forças policiais. A multidão circulava ruidosa pelas
Centro das Classes Operárias para organizar a Liga Con-
avenidas largas, pelos belos jardins, diante das man-
tra a Vacinação Obrigatória. Àquela altura, não só no
sões suntuosas. O espaço público era ocupado, à força,
Rio de Janeiro, como em várias outras grandes cidades
pelos manifestantes. Era um passeio diferente daquele
brasileiras, militantes operários fundavam centros de
idealizado pela elite. A fúria se voltava contra os auto-
solidariedade, centros de estudos, clubes, sindicatos,
móveis, os bondes, as delegacias, os postes de ilumina-
jornais e até partidos políticos. Os objetivos variavam
ção, os calçamentos. O governo perdeu completamente
de acordo com as tendências políticas de então. O ope-
o controle da capital, só retomado com a ação do Exérci-
rário se integrava nessas entidades por meio de jogos
to, da Marinha e da Guarda Nacional. A revolta tornou-
de futebol, divertimentos, estudos e discussões a res-
-se epidêmica.
peito da situação da classe operária e dos caminhos da
Para a maior parte da população, vítima de seu
luta política.
alheamento das decisões públicas, de uma moderniza-
Além dos parcos pertences, muitos imigrantes tra-
ção autoritária, que desalojava os moradores e expul-
ziam na bagagem experiências e histórias de resistên-
sava-os das regiões centrais, de um poder público que
cia e enfrentamento social ocorridas na Europa do sécu-
agravava cada vez mais as condições de vida dos mais
lo XIX. Com a consolidação da sociedade capitalista,
pobres e não lhes oferecia nenhum tipo de assistência,
com a industrialização e a mecanização da produção,
a vacinação consistia numa espécie de violação de seus
empresários, detentores das fábricas e do capital, e ope-
próprios corpos. Não confiavam e não tinham razões
rários, possuidores apenas de sua força de trabalho,
para confiar no poder público. Pelo contrário.
que vendiam ao patrão em troca de salário, passaram a
A Revolta da Chibata se enfrentar constantemente. Seus interesses conflita-
A inviolabilidade do corpo também esteve na raiz de vam. Para a burguesia, o lucro seria tanto maior quan-
uma outra rebelião ocorrida no Rio de Janeiro, a Revolta to menores fossem os gastos com a produção. O salário
da Chibata. Em novembro de 1910, marinheiros dos dos trabalhadores era apenas mais um item de seus cus-
encouraçados São Paulo e Minas Gerais amotinaram-se e tos. Para a classe operária, o salário era a condição de
prenderam seus oficiais. Liderados pelo negro João Cân- sua sobrevivência numa sociedade que se moderniza-
dido, eles reivindicavam o fim dos castigos corporais a va num ritmo ameaçador. Lutas por aumentos salariais,
que eram submetidos, a redução da jornada e o cumpri- pela redução da jornada de trabalho, por melhores con-
mento da lei de aumento salarial. Dessa vez, o bombar- dições de higiene e segurança, por liberdade de organi-
deio à capital federal partiu dos grupos subalternos da zação e participação política faziam parte da memória
sociedade. O governo acabou por ceder às exigências e social e pessoal de muitos dos estrangeiros que desem-
anistiou os implicados, mas, pouco tempo depois, sob barcaram no Brasil como imigrantes.
pretexto de novo motim na Ilha das Cobras, seguiu-se No Brasil, como em outras partes do mundo, a situa-
uma dura repressão, com a morte e o aprisionamento ção da classe operária era desumana. Amontoados em
dos envolvidos. moradias insalubres, vítimas de agressões das forças

266 Capítulo 8  Fora da ordem brasileira

OH_V2_Book.indb 266 13/05/16 12:09


policiais e do descaso das autoridades, desprovidos de dos trabalhadores brasileiros, principalmente no Rio
garantias trabalhistas, recebendo baixíssimos salários, de Janeiro e em São Paulo, onde as greves ocorriam
cumprindo jornadas de trabalho de 12 a 15 horas diárias, com frequência.
sem descanso semanal garantido, e vendo seus filhos Em 1906, foi fundada a Confederação Operária Bra-
nas fábricas desde crianças, muitos trabalhadores tenta- sileira (COB), a primeira central-geral de sindicatos de
vam, com greves, manifestações e sabotagens, melhorar trabalhadores no Brasil, sob a direção dos anarcossin-
suas condições de existência. Duas grandes tendências dicalistas. Foi dela a iniciativa de organizar a primeira
políticas destacaram-se no movimento operário brasilei- greve geral do país, que paralisou a cidade de São Paulo
ro até 1922: o anarquismo e o socialismo, ambos desen- durante uma semana, em julho de 1917. Entre os 70 mil
volvidos com base em diversas doutrinas que se deba- grevistas, as bandeiras pretas, a cor dos anarquistas,
tiam na Europa no século XIX. Além da defesa de seus suplantavam as vermelhas, a dos socialistas. Ao final
interesses econômicos, os trabalhadores começavam a da greve, vitória parcial do movimento: 20% de aumen-
imaginar a possibilidade de outras formas de sociedade to salarial sem demissões de grevistas. As oligarquias
como alternativa à sociedade burguesa. foram obrigadas a ouvir as ruidosas palavras de ordem
Embora tivessem em comum a defesa do proletaria- da classe operária.
do e a construção de uma sociedade sem classes e sem Mesmo assim, as reivindicações sociais no Brasil
exploração, os anarquistas e os socialistas revelam uma continuaram a ser tratadas como "caso de polícia, e não
história marcada por profundas rivalidades. "Os revolu- de política". Muitos líderes eram presos ou colocados
cionários da esquerda", como eram conhecidos, "só se em listas negras, e centenas de operários estrangeiros
unem na cadeia", dizia um irônico adágio popular. foram expulsos do Brasil por sua atuação política.
Para os socialistas, além da organização sindical,

ARQUIVO DO ESTADO, SÃO PAULO, BRASIL


era necessário organizar a classe operária em partidos
políticos e lutar pelo direito à participação nas eleições.
Os anarquistas recusavam-se a tomar parte em qual-
quer organismo institucional da sociedade burguesa.
Em 1864, fora criada em Paris a Associação Internacio-
nal dos Trabalhadores, conhecida por Primeira Interna-
cional, numa tentativa de unificar as forças políticas em
defesa dos proletários de todo o mundo. Duas décadas
depois ela já estava dissolvida em virtude das rivalida-
des da esquerda.
Ladeira do Carmo tomada por trabalhadores portando as
A disputa pela liderança do movimento operário bandeiras anarquistas durante a Greve Geral, anônimo.
não impediu uma intensa mobilização reivindicatória São Paulo, 1917.

Verificação de leitura 3 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 Quais foram as consequências sociais da reurbani- 5 A Abolição da Escravatura, a imigração europeia e


zação do Rio de Janeiro no começo do século XX? o processo de industrialização brasileiro criaram
→ DL/SP/H8/H9/H19/H26/H27 as condições para o surgimento de um novo grupo
2 Quais as características da "batalha pelo espaço social: a classe operária, que se organizou em sin-
público" provocada pelo Carnaval? dicatos e partidos políticos. Pergunta-se:
→ DL/SP/H9/H11/H15 a) Quais eram as reivindicações dos operários
3 A revolta da população carioca contra a vacinação brasileiros durante a República Oligárquica?
obrigatória é sinal de ignorância e falta de cultura, → DL/SP/H10/H11
como afirmavam os representantes da elite dirigen- b) Em quais tendências se dividia o movimento
te do país? Justifique. → DL/SP/H9/H10/H11 operário brasileiro até 1922? → DL/SP
4 Quais eram as reivindicações dos marinheiros c) Quais eram as principais diferenças entre as
envolvidos na Revolta da Chibata? → DL/SP/H10/H11 propostas dessas tendências? → DL/SP/H9/H10

A classe operária vai ao paraíso? 267

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Engenho Arte
Engenho E Arte
Leitura complementar

A REPRESSÃO E O TERROR
"[...] neste mundo em que não se deseja ver o trabalho, tam- O estilo da repressão assinalado na Revolta da Vacina
bém não se suporta a visão da doença, da rebeldia, da loucu- era indicativo ainda de outros elementos discriminatórios
ra, da velhice, da miséria ou da morte, que todas são excluí- e brutais, ligados à política de contenção e controle das
das para os sanatórios, prisões, hospitais, asilos, albergues camadas humildes. O aprisionamento indiscriminado dos
e necrotérios. Trata-se de um estilo de vida novo e cosmo- pobres da cidade, a humilhação de seu desnudamento, a
polita, implantado pela burguesia vitoriosa e definido ao fustigação cruenta revelam um comportamento sistemáti-
longo de sua trajetória consagradora, pelo século XIX afora co e não casual da autoridade pública. A inspiração des-
[...]. Não é por acaso que as autoridades brasileiras recebem ses gestos procede do modelo de tratamento reservado aos
o aplauso unânime das autoridades internacionais das gran- escravos e em plena vigência até a Abolição. A revelação
des potências, pela energia implacável e eficaz de sua polí- notável é que, o que antes fora uma justiça particular, apli-
tica saneadora […]. O mesmo se dá com a repressão [...] de cada no interior das fazendas e casas senhoriais, tornou-
Canudos e do Contestado, que no contexto rural, como resul- -se a prática institucional da própria autoridade pública no
tado da intensificação das relações econômicas de cará- regime republicano. Aos pobres em geral, nessa socieda-
ter capitalista, significavam praticamente o mesmo que a de, não se atribuía a identidade jurídica de cidadãos, típi-
Revolta da Vacina no contexto urbano. As autoridades bra- ca de uma república. Na prática, era reservado a eles um
sileiras colaboravam na constituição de bolsões de ordem e tratamento similar ao dos antigos escravos, controlados
saúde, onde as burguesias nacional e internacional poderiam pelo terror, ameaças, humilhações e espancamentos, com
circular e aplicar com segurança, cálculo e previsibilidade. o Estado assumindo as funções de gerente e de feitor. […]
O sucesso da campanha de vacinação e, de uma forma É claro que há diferenças muito evidentes entre o esti-
mais ampla, do processo de Regeneração, em implantar uma lo da repressão da sociedade escravista e o da republica-
nova sociedade no Rio de Janeiro, foi tamanho e tão facil- na. A exemplo do que já ocorrera com o trabalho, essa nova
mente constatável, que muitos representantes da elite diri- sociedade de feições burguesas também não tolera a visão
gente viram nele uma forma de redimir o atraso do país, apli- das brutalidades físicas. Por isso os desnudamentos, humi-
cando-o a todo o território nacional. Foi por isso um adá- lhações e espancamentos são feitos no interior da Casa de
gio muito frequente dentre as elites nesse primeiro terço da Detenção, ou no isolamento da ilha das Cobras, ao contrá-
fase republicana, o de que 'o Brasil é um imenso hospital'. rio das cerimônias públicas de açoitamento, tão típicas da
De onde se concluía que a solução para os seus problemas sociedade escravista."
dependeria da aplicação de técnicas sanitárias, profiláticas e SEVCENKO, N. A Revolta da Vacina: mentes insanas
médicas. Porém, de modo mais comprometedor, esse racio- em corpos rebeldes. São Paulo: Brasiliense, 1984. p. 82-86.
cínio sugeria uma divisão da sociedade entre os doentes e os
Nicolau Sevcenko(1952-2014), professor da Universidade de São
sãos, cabendo como decorrência natural aos sadios a respon-
Paulo e foi um dos principais pesquisadores brasileiros e autor de
sabilidade pelo destino dos enfermiços. […] diversos livros e artigos sobre a História Contemporânea.
Faça
em se → conforme tabelas das páginas 8 e 9.
cadernu
o

1 Os bombardeios à Capital Federal em 1893, a fúria con- 2 Esconder aquilo que se considera feio e atrasado era
tra os federalistas e contra os seguidores de Antônio uma característica das elites brasileiras? Tal compor-
Conselheiro e João Maria, a repressão à população tamento ainda se mantém nos dias de hoje? Justifique.
carioca durante a Revolta da Vacina e os procedimentos → DL/CF/SP/CA/H9/H11
que precipitaram a Revolta da Chibata parecem indicar
3 A forma de tratar os pobres e humildes em nossa socie-
uma mesma disposição da elite brasileira com relação à
dade é uma herança da escravidão? Por quê?
sua população. Enquanto durou a escravidão no Brasil,
os escravizados foram caracterizados como "inimigos → DL/CF/SP/CA/H3/H9/H11
internos". O povo brasileiro continuava a ser identifica- 4 Pesquise um incidente nas últimas décadas em que
do como tal por seus governantes? Justifique sua res- as autoridades tenham empregado violência contra a
posta. → DL/CF/SP/CA/H8/H9/H10/H11/H24 população. → DL/CF/SP/H9/H11

268 Capítulo 8  Fora da ordem brasileira

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Faça
Mãos à Obra em se
cadernu
o

1 Leia um trecho de um clássico da literatura brasileira. assunto; brutalmente violenta, porque é um grito de pro-
Trata-se de Os sertões, de Euclides da Cunha, publi- testo; sombria, porque reflete uma nódoa – esta página
cado em 1902. Militar, engenheiro, jornalista e escri- sem brilhos…"
tor, Euclides da Cunha foi um entusiástico republi- CUNHA, Euclides. Os sertões.
Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1979. p. 380-382.
cano influenciado pela independência dos Estados
Unidos (1776) e pela Revolução Francesa (1789). Foi a) Anote as referências a outros períodos da histó-
correspondente do jornal paulista O Estado de S. Paulo ria. Qual é o sentido delas? → DL/CF/SP/H1
durante a última expedição a Canudos. b) Anote as características atribuídas pelo autor à
"Fizera-se uma concessão ao gênero humano: não se comunidade de Canudos. → DL/CF/SP/H1
trucidavam mulheres e crianças. Fazia-se mister, porém, c) Como o autor justifica a ação dos militares?
que se não revelassem perigosas. Foi o caso de uma Nessas justificativas, há algumas brechas em que
mameluca, quarentona, que apareceu certa vez, presa, podem ser lidas descrições que revelam certo
na barraca do comando em chefe. O general estava incômodo com relação à violência praticada? Dê
doente. Interrogou-a no seu leito de campanha. […] exemplos. → DL/CF/SP/H1/H11
A mulher, porém, desenvolta, enérgica e irritadiça, 2 (Fuvest-SP) A economia cafeeira, no final do século
espraiou-se em considerações imprudentes. […] XIX e início do XX, conviveu com a crise de superpro-
Irritou. Era um virago perigoso. Não merecia o bem- dução e a consequente queda dos preços, que afetou
querer dos triunfadores. Ao sair da barraca, um alferes e os produtores e toda a sociedade. Que medidas foram
algumas praças seguraram-na. adotadas pelo governo federal para contornar os efei-
Aquela mulher, aquele demônio de anáguas, aquela bruxa tos dessa crise? → DL/SP/H8/H9/H11
agourentando a vitória próxima – foi degolada… […]
A degolação era, por isto, infinitamente mais prática, 3 "Na vizinhança do Cabeça de Porco, surgia a 'Favela',
dizia-se nuamente. Aquilo não era uma campanha, era apelido que seria dado ao morro da Providência pelas
uma charqueada. Não era a ação severa das leis, era a tropas vindas de Canudos em 1897, as quais estaciona-
vingança. Dente por dente. Naqueles ares pairava, ainda, ram ali e acabaram denominando o local desse nome
a poeira de Moreira César, queimado; devia-se queimar. por associação a plantas com favas, comuns tanto
Adiante, o arcabouço decapitado de Tamarindo; devia- no morro carioca quanto nas cercanias do arraial de
se degolar. A repressão tinha dois polos – o incêndio e Antônio Conselheiro, o Belo Monte."
a faca. […] MARTINS, P. C. G. "Habitação e vizinhança: limites da
O sertão é o homizio. Quem lhe rompe as trilhas, ao divi- privacidade no surgimento das Metrópoles brasileiras".
In: SEVCENKO, N. (Org.). História da vida privada no Brasil.
sar à beira da estrada a cruz sobre a cova do assassi-
São Paulo: Companhia das Letras, 1998. v. 3, p. 141.
nado, não indaga do crime. Tira o chapéu, e passa. […]
Canudos tinha muito apropriadamente, em roda, uma O texto acima refere-se ao aparecimento das primei-
cercadura de montanhas. Era um parêntese; era um ras favelas no Rio de Janeiro logo após a destruição
hiato; era um vácuo. Não existia. Transposto aquele cor- do maior cortiço da cidade, o Cabeça de Porco. Além
dão de serras, ninguém mais pecava. […] da origem do termo "favela", que outras relações de
Descidas as vertentes, em que se entalava aquela furna semelhança podem ser estabelecidas entre o conflito
enorme, podia representar-se lá dentro, obscuramente, de Canudos e os conflitos vividos no Rio nos primei-
um drama sanguinolento da Idade das Cavernas. O ros dez anos da República? → DL/CF/SP/H9
cenário era sugestivo. Os atores, de um e de outro lado, 4 "No bonde, no teatro, na rua, na igreja, falava-se mais
negros, caboclos, brancos e amarelos, traziam, intacta, o idioma de Dante que o da língua de Camões. […] Coisa
na face a caracterização indelével e multiforme das realmente assustadora. A impressão de que íamos per-
raças – e só podiam unificar-se sobre a base comum dos der a nacionalidade, ser absorvidos aterrava."
instintos inferiores e maus. CARELLI, M. Carcamanos e comendadores.
A animalidade primitiva, lentamente, expungida pela São Paulo: Ática, 1985. p. 30-31.
civilização, ressurgiu, inteiriça. Desforrava-se afinal. Hoje em dia, em várias partes do Brasil, ainda há
Encontrou nas mãos, em vez do machado de diorito e muito preconceito racial e regional.
do arpão de osso, a espada e a carabina. Mas a faca a) Na sua cidade, quais são os grupos mais discrimi-
relembrava-lhe melhor o antigo punhal de sílex lascado. nados? → DL/CF/SP
Vibrou-a. Nada tinha a temer. Nem mesmo o juízo remo-
b) Quais são os argumentos utilizados para justificar
to do futuro.
essas atitudes preconceituosas? Examine tais argu-
Mas que entre os deslumbramentos do futuro caía, mentos à luz da história brasileira e do processo de
implacável e revolta; sem altitude, porque a deprime o construção de nossa cidadania. → DL/CF/SP

Engenho e Arte 269

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5 (Enem) "Viam-se de cima as casas acavaladas umas b) atraso no desenvolvimento econômico da região
pelas outras, formando ruas, contornando praças. de Olinda e Recife, associado à escravidão, ine-
As chaminés principiavam a fumar; deslizavam as car- xistente em São Paulo.
rocinhas multicores dos padeiros; as vacas de leite cami- c) avanço da construção naval em São Paulo, favore-
nhavam com o seu passo vagaroso, parando à porta dos cido pelo comércio dessa cidade com as Índias.
fregueses, tilintando o chocalho; os quiosques vendiam d) desenvolvimento sucessivo da economia minera-
café a homens de jaqueta e chapéu desabado; cruzavam- dora, cafeicultora e industrial no Sudeste.
-se na rua os libertinos retardios com os operários que se
e) destruição do sistema produtivo de algodão em
levantavam para a obrigação; ouvia-se o ruído estalado
Pernambuco quando da ocupação holandesa.
dos carros de água, o rodar monótono dos bondes."
AZEVEDO, Aluísio de. Casa de pensão. São Paulo: Martins, 1973. → DL/SP/H9
O trecho, retirado de romance escrito em 1884, des- 7 (Enem) "Por volta de 1880, com o progresso de uma
creve o cotidiano de uma cidade, no seguinte contexto: economia primária e de exportação, consolidou-se
a) a convivência entre elementos de uma economia em toda a América Latina um novo pacto colonial que
agrária e os de uma economia industrial indicam o substituiu aquele imposto por Espanha e Portugal. No
início da industrialização no Brasil, no século XIX. mesmo momento em que se firmou, o novo pacto colo-
b) desde o século XVIII, a principal atividade da eco- nial começou a se modificar em sentido favorável à
nomia brasileira era industrial, como se observa metrópole. A crescente complexidade das atividades
no cotidiano descrito. ligadas aos transportes e as trocas comerciais multi-
plicaram a presença dessas economias metropolita-
c) apesar de a industrialização ter-se iniciado no
nas em toda a área da América Latina: as ferrovias, as
século XIX, ela continuou a ser uma atividade
instalações frigoríficas, os silos e as usinas, em pro-
pouco desenvolvida no Brasil.
porções diversas conforme a região, tornaram-se ilhas
d) apesar da industrialização, muitos operários estrangeiras em zonas periféricas."
levantavam cedo, porque iam diariamente para o DONGHI, T. H. História da América Latina. 2. ed.
campo desenvolver atividades rurais. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. (adaptado)
e) a vida urbana, caracterizada pelo cotidiano apre-
De acordo com o texto, o pacto colonial imposto por
sentado no texto, ignora a industrialização exis-
Portugal e Espanha a quase toda a América Latina foi
tente na época.
substituído em razão:
→ DL/SP/H1/H9 a) Das ilhas de desenvolvimento instaladas na peri-
6 (Enem) "No princípio do século XVII, era bem insig- feria das grandes cidades.
nificante e quase miserável a Vila de São Paulo. João b) Da restauração, por volta de 1880, do pacto colonial
de Laet dava-lhe 200 habi- entre a América Latina e as antigas metrópoles.
tantes, entre portugueses e Homiziados: escondi-
dos da Justiça. c) Dos domínios, em novos termos, do capital estran-
mestiços, em 100 casas; a
geiro sobre a economia periférica, a América Latina.
Câmara, em 1606, informa-
va que eram 190 os moradores, dos quais 65 andavam d) Das ferrovias, frigoríficos, silos e usinas instala-
homiziados." dos em benefício do desenvolvimento integrado e
SODRÉ, Nelson Werneck. Formação histórica do Brasil. homogêneo da América Latina.
São Paulo: Brasiliense, 1964. e) Do comércio e da implantação de redes de trans-
"Na época da invasão holandesa, Olinda era a capi- porte, que são instrumentos de fortalecimento do
tal e a cidade mais rica de Pernambuco. Cerca de 10% capital nacional ante o estrangeiro.
da população, calculada em aproximadamente 2 000 → DL/SP/H7/H8/H9/H17/H18/H19
pessoas, dedicavam-se ao comércio, com o qual muita
gente fazia fortuna. Cronistas da época afirmavam que 8 (Unesp-SP) "O número dos bandos de cangaceiros assu-
os habitantes ricos de Olinda viviam no maior luxo." me às vezes proporções assombrosas, mui especialmen-
FÉIST, Hildegard. Pequena história do Brasil holandês.
te quando se destinam à tomada duma vila ou cidade.
São Paulo: Moderna, 1998. (adaptado) Centenas de criminosos apoderaram-se do Crato, no Ceará,
e de Alagoa do Monteiro, na Paraíba. Duzentos homens
Os textos acima retratam, respectivamente, São
atacaram Tamboril, no sertão cearense. Quinhentos ban-
Paulo e Olinda no início do século XVII, quando
Olinda era maior e mais rica. São Paulo é, atualmen- didos saquearam a cidade paraibana de Patos. Trezentos
te, a maior metrópole brasileira e uma das maiores incendiaram a cidade cearense de Aurora. Quatrocentos
do planeta. Essa mudança deveu-se, essencialmente, derrotaram a polícia da Paraíba em Carrapateira, Amparo
ao seguinte fator econômico: e Monteiro, ameaçando tocar fogo na vila do Teixeira, vio-
lar as mulheres e sangrar os homens. [...]"
a) maior desenvolvimento do cultivo da cana-de-
Gustavo Barroso, 1917. Apud NARBER, Gregg. Entre a cruz
-açúcar no planalto de Piratininga do que na Zona
e a espada: violência e misticismo no Brasil rural.
da Mata nordestina.

270 Capítulo 8  Fora da ordem brasileira

OH_V2_Book.indb 270 13/05/16 12:09


Analise as condições históricas que intensificaram grevistas e empregados da padaria o forçaram a largar o
o fenômeno do cangaço, nas primeiras décadas do cesto de pão no qual atearam fogo, impedindo assim que
século XX. → DL/CF/SP/H1/H4 elle declarante exercesse o seu commercio; que desse
9 (UERJ) "A única lei de legislação operária que teve grupo tomavam parte os acusados presentes que foram
larga aplicação é aquela que um advogado dos fazen- presos, tendo os demais conseguido se evadirem."
deiros de São Paulo, um ilustre Adolfo Gordo qualquer, Brasil: Arquivo Nacional, 7.ª Pretoria Criminal,
Freguesias de Inhaúma, Irajá e Jacarepaguá – 1912-1922
ampliou: a lei de expulsão dos estrangeiros do territó-
(Fundo 72), Ano: 1912, Notação: 72.0465.
rio da república, aplicada aos operários mais ou menos
estrangeiros que se organizassem em liga de resistên- Os textos acima apontam para um quadro desolador da
cia e cuidassem dos próprios interesses." situação da classe trabalhadora brasileira na Primeira
DAMIANI, G. "O Brasil visto por um anarquista italiano". República. O primeiro foi escrito por um militante
In: A batalha, 4 set. 1921. operário, e o segundo é parte integrante de um arquivo
policial da época. Ambos demonstram tanto a ótica
"Presente Álvaro de Oliveira Monteiro (1.ª Testemunha),
sob a qual as elites políticas viam o mundo do trabalho
portuguez, com trinta e cinco anos de idade, solteiro,
quanto a fragilidade do movimento operário.
padeiro, residente à rua Dois de Fevereiro nummero cin-
quenta e nove, sabendo ler e escrever, inquirido disse Indique quatro razões que contribuíram para que
que hoje, cerca de sete horas da manhã, conduzia um esse movimento, no início do século XX, se encon-
cesto de pão a fim de distribuir tal alimento a freguesia trasse na situação descrita nos fragmentos.
e ao passar pela rua Doutor Dias da Cruz um grupo de → DL/CF/SP/H1/H4/H11/H13/H15

Faça
Em Cartaz em se
cadernu
o

Ação
Guerra de Canudos
1 A saga de Antônio Conselheiro envolve diversos
Diretor: Sérgio Rezende
DIVULGAÇÃO

elementos que possuem fundamentação bíblica.


País: Brasil
Identifique e faça a devida associação entre:
Ano: 1997
• Antônio Conselheiro e Moisés
• Belo Monte e a Terra Prometida
• As proclamações de Conselheiro e o profetismo
2 A comunidade de Canudos é representada como um
O filme trata da montagem do povoado de Belo Monte, lugar onde havia harmonia entre seus integrantes e,
Bahia, por Antônio Conselheiro em 1893 e as campanhas de certo modo, onde se expressavam os desejos cole-
militares que levaram à sua destruição em 1897. tivos dos sertanejos, por meio de intensa religiosida-
de. No capítulo 1, à página 54, foi oferecido um texto
Luzes denominado "Utopia". Retome esse texto e as ativi-
dades realizadas e elabore uma reflexão crítica acer-
Retome as instruções oferecidas para análise de filmes ca de Canudos relacionando-o à proposta de Thomas
nos Procedimentos metodológicos da página 10. Morus em sua Utopia.
Leia novamente o item As armas da fé (p. 252).
Retome em especial a questão do cangaço, da religiosi- 3 Coloque-se no papel de um ministro do governo de
dade popular e as informaçõessobre Canudos. Prudente de Moraes (1894-1898) disposto a resolver
pacificamente a questão de Canudos antes da quar-
Câmera ta e decisiva campanha militar. Elabore um conjunto
depropostas e medidas que deveriam ser implemen-
Durante a exibição do filme, anote os seguintes aspectos: tadas para que a comunidade pudesse ser integrada
paisagem das regiões retratadas; cenas de injustiças e vio- ao Brasil.
lências que estimulam o descontentamento popular; expres-
sões de religiosidade; a organização da comunidade de → DL/CF/SP/CA/EP/H1/H2/H11//H13//H15/H25
Canudos e suas regras; os principais argumentos utilizados
contra a comunidade de Canudos.

Estante • VILLA, M. A. Canudos: o campo em chamas. São Paulo: Brasiliense, 1992.

Engenho e Arte 271

OH_V2_Book.indb 271 13/05/16 12:09


1 (Fuvest-SP) A política do café, durante a ção e o crescimento das comunidades ser-
Primeira República: tanejas.
a) chegou ao auge do protecionismo com o b) unidade cultural do país é fruto de um
Convênio de Taubaté, passando depois a longo processo de gestação iniciado com a
reger-se pelas leis do mercado. ocupação do litoral e o fabrico do açúcar.
b) procurou atender aos interesses dos cafei- c) presença da Igreja Católica no sertão
Radar
cultores por meio de constantes medidas representava um elo entre a comunidade e
de proteção ao produto. as autoridades republicanas.
c) pode ser equiparada à de outras produções d) frágil base política em que se assentava o
agrícolas, todas elas amparadas por Planos governo republicano foi incapaz de reco-
de Defesa. nhecer a questão social e cultural suscitada
d) atendeu exclusivamente aos interesses por Canudos.
dos grandes grupos internacionais, com os e) resistência política dos monarquistas orga-
Planos de Defesa. nizados no arraial de Canudos era uma
e) foi dirigida pelo governo do estado de São ameaça à ordem republicana.
Paulo, enquanto o poder federal mantinha → DL/SP/H9/H10
uma atitude distante e neutra.
4 (UFES) "O movimento operário no Brasil ini-
→ DL/SP/H9/H11 ciou-se em fins do século XIX e tinha como
Faça principal objetivo colocar um fim à exploração
em se 2 (Ceeteps-SP) Canudos foi um movimento
cadernu social que ocorreu em fins do século passa- capitalista e construir uma nova sociedade. Na
o
do e que envolveu milhares de nordestinos. década de 10 do século seguinte, viveu anos de
→ conforme Hoje, o Movimento dos Trabalhadores Rurais fortalecimento, quando as principais cidades
tabelas das Sem Terra é também um movimento social brasileiras foram sacudidas por greves, sendo
páginas 8 e 9. que envolve milhares de pessoas. Identifique uma das mais importantes a de 1917, em São
a alternativa que apresenta características Paulo, em que 70 000 trabalhadores cruzaram
comuns aos dois movimentos. os braços, exigindo melhores condições de tra-
Tá na rede! balho e aumentos salariais. Os anos 20, ape-
a) Os objetivos sociais, apesar de Canudos
ter defendido as ideias dos produtores sar de alguns avanços em termos de legislação
QUESTÕES
DE ENEM nordestinos, enquanto o Movimento dos social, foram difíceis para o movimento operá-
Sem-Terra defende as ideias dos traba- rio, que foi obrigado a enfrentar grandes desa-
Digite o endereço
abaixo na barra lhadores do Sudeste. fios, entre os quais o recrudescimento da repres-
do navegador de são por parte do governo. Apesar disso, não se
b) A luta pela terra, defendendo desde o iní-
internet: http://goo. pode deixar de reconhecer que foi nessa déca-
cio o recurso da luta armada para obtê-la.
gl/xog0Jb. Você da que o movimento operário brasileiro ganhou
pode também tirar c) A luta por melhores condições de vida e maior legitimidade entre os próprios trabalha-
uma foto com um contra o desemprego. dores e a sociedade mais ampla, transforman-
aplicativo de QrCode
d) A luta pela pequena propriedade e o desen- do-se em um ator político que iria atuar com
para saber mais sobre
o assunto. Acesso em:
volvimento de uma política de cooperativas maior desenvoltura nas décadas seguintes."
4 abr. 2016. agrárias.
Disponível em: http://www.cpdoc.fgv.br/ nav_historia/
e) A luta pela terra, defendendo condições de htm/anos20/ev_quesocial_movop.htm.
vida mais dignas para seus participantes. Acesso em: 12 abr. 2016. (adaptado)

→ DL/SP/H9/H10 Tendo como referência o texto acima, é corre-


3 (UFG-GO) A Guerra de Canudos (1896-1897) to afirmar que:
é emblemática no debate sobre a formação a) a classe operária assumiu a liderança da
da nação no período republicano. A República articulação sindical nacional, e sua princi-
recém-proclamada enfrentou um Brasil desco- pal conquista obtida pela greve de 1917 foi
Página dedicada a
questões já aplica- nhecido: o sertão e os sertanejos. A guerra, tra- a criação do Ministério do Trabalho, cujo
das em provas do gicamente, significou um aprendizado para os objetivo era enfrentar a questão social dos
ENEM. Busque exer- brasileiros demonstrando que a baixos salários.
cícios sobre os temas
desenvolvidos neste a) fragmentação e as grandes distâncias das b) os operários imigrantes tiveram participação
capítulo. regiões litorâneas impediram a organiza- expressiva na organização política do país e

272 Capítulo 8  Fora da ordem brasileira

OH_V2_Book.indb 272 13/05/16 12:09


na criação de jornais, defendendo princípios oligár- "[...] a política se orienta não mais pela vontade popu-
quicos e difundindo ideais vinculados ao totalitaris- lar livremente manifesta, mas pelos caprichos de um
mo, principalmente o nazismo e o comunismo. número limitado de indivíduos sob cuja proteção se
c) o movimento operário no Brasil, nas primeiras acolhem todos quantos pretendem um lugar nas assem-
décadas do século XX, recebeu forte influência do bleias estaduais e federais".
anarquismo e do anarcossindicalismo, que fomen- A crise nacional, 1925.
taram a criação, em 1932, do Partido Comunista
De acordo com o texto, o autor:
Brasileiro, ligado à III Internacional.
a) critica a autonomia excessiva do poder legislativo.
d) a proibição do trabalho infantil até os 12 anos e a
b) propõe limites ao federalismo.
fixação de jornada de trabalho diária de 8 horas agi-
tavam as principais bandeiras da classe operária, no c) defende o regime parlamentarista.
início da organização sindical no Brasil. d) critica o poder oligárquico.
e) sindicalismo brasileiro surgiu no ABC paulista, por e) defende a supremacia política do sul do país.
meio da organização de greves nas grandes mon- → DL/SP/H1/H9
tadoras de automóveis e da superação das direto-
rias sindicais pelegas, apesar da grande resistência 7 (Fuvest-SP) No início do século XX, focos de varíola
imposta pelos governos da Primeira República. e febre amarela fizeram milhares de vítimas na cida-
de do Rio de Janeiro. Nesse mesmo período, a atua-
→ DL/SP/H8/H9/H10/H11 ção das Brigadas Mata-Mosquitos, a obrigatoriedade
5 (PUC-PR) Comparando-se os movimentos sócio-polí- da vacina contra a varíola e a remodelação da região
tico-religiosos de Canudos e do Contestado, seme- portuária e do centro da cidade geraram insatisfações
lhanças e diferenças podem ser estabelecidas. entre as camadas populares e entre alguns políticos.
Rui Barbosa, escritor, jurista e político, assim opinou
A respeito do tema, assinale a alternativa correta.
sobre a vacina contra a varíola: "[...] não tem nome, na
I. Ambos tinham ideologia definida no que se categoria dos crimes do poder, a temeridade, a violên-
refere à propriedade privada da terra, que con- cia, a tirania a que ele se aventura [...] com a introdu-
sagravam. ção, no meu sangue, de um vírus sobre cuja influência
II. Ambos apresentam-se como reflexo do deter- existem os mais bem fundados receios de que seja con-
minismo geográfico, tendo em vista a aridez dutor da moléstia ou da morte".
do solo, sua pequena fertilidade e prolongadas Considerando esse contexto histórico e as formas de
secas. transmissão e prevenção dessas doenças, é correto
III. Enquanto os rebeldes de Canudos mostravam-se afirmar que:
simpáticos à forma de governo republicana ins- a) a febre amarela é transmitida pelo ar e as ruas
talada pouco tempo antes, no Contestado essa alargadas pela remodelação da área portuária e
simpatia era ainda mais ampliada. central da cidade permitiriam a convivência mais
IV. Os dois movimentos foram finalmente derrota- salubre entre os pedestres.
dos por tropas do Exército. b) o princípio de ação da vacina foi compreendido por
Rui Barbosa, que alertou sobre seus efeitos e lide-
V. O misticismo, sob a forma de um catolicismo em
rou a Revolta da Vacina no Congresso Nacional.
que ocorria a ausência de sacerdotes na vida
comunitária, estava presente nos dois movimen- c) a imposição da vacina somou-se a insatisfações
tos de contestação à República Oligárquica. populares geradas pela remodelação das áreas
portuária e central da cidade, contribuindo para
Estão corretas: a eclosão da Revolta da Vacina.
a) II, III e V d) a varíola é transmitida por mosquitos e o alar-
b) I, III e IV gamento das ruas, promovido pela remodelação
c) Apenas III e IV urbana, eliminou as larvas que se acumulavam
d) Apenas IV e V nas antigas vielas e becos.
e) Apenas I e II e) a remodelação da área portuária e central da cida-
de, além de alargar as ruas, reformou as moradias
→ DL/SP/H9/H10 populares e os cortiços para eliminar os focos de
6 (Fuvest-SP) Em um balanço sobre a Primeira transmissão das doenças.
República no Brasil, Júlio de Mesquita Filho escreveu: → DL/SP/H8/H9/H15/H17/H21

Radar 273

OH_V2_Book.indb 273 13/05/16 12:09


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275

OH_V2_Book.indb 275 13/05/16 12:09


Índice de mapas e infográficos
Mapas A Insurreição em Pernambuco (1817) Volume de extração de prata da
/ 147 América espanhola / 48
África (IV milênio a.C.) / 17
A Europa e as Revoluções de 1848 / Volume de extração de ouro da
África (250 a.C.) / 17
165 América espanhola / 48
África (século III d.C.) / 18
Unificação da Itália (1859-1920) / 169 Exportações do Brasil para Portugal
África (1000 d.C.) / 19 (em réis) (aprox. 1 700)/ 51
Unificação da Alemanha (1815-1871)
África (século XV) / 20 / 170 Produção de ouro no Brasil – século
A difusão da Reforma no século XVI / 26 Estados Unidos: territórios anexados XVIII (em kg) / 69
O tráfico negreiro (século XVIII) / 31 (1783-1853) / 174 Comércio entre Inglaterra e Portugal
A colonização da América do Norte Estados Unidos (1850-1857) / 175 (em milhões de libras) / 70
(século XVII)/ 36 Divisão política do Brasil após a A árvore de Diderot e D’Alembert
América portuguesa (1574-1578) / 43 Independência / 181 (parte do sistema detalhado do
América portuguesa (1608-1612) / 43 Revoltas restauradoras e Revoltas conhecimento humano) / 75
América portuguesa (1621) / 43 populares (1831-1841) / 184 O encolhimento do mundo / 115
As guerras do açúcar (1624-1654) / 45 A política expansionista dos Estados População de São Domingos
Unidos (1867-1917) / 202 (Habitantes por localidade em 1789)
África central (séculos XVI-XVII) / 46
Viagens dos exploradores (1854-1877) / 137
Atividades econômicas na América
/ 203 Organização do Estado (Constituição
portuguesa (século XVII) / 50
África: “Mapa cor-de-rosa” português de 1824) / 179
Quilombo de Palmares (século XVII)
e a rota inglesa “do Cabo ao Cairo” Negros escravizados e imigrantes em
/ 63
/ 205 São Paulo (1871-1877) / 223
Jesuítas e bandeirantes (séculos XVI-
África (1914) / 206 Eleições presidenciais / 239
-XVII) / 65
Resistências africanas (séculos XIX- A política dos governadores / 240
Áreas de mineração no século XVIII /
-XX) / 207 Porcentagem de votantes nas eleições
66
A Etiópia e seus vizinhos (1889-1914) presidenciais entre 1894 e 1930 /
Revoltas no Nordeste (1710-1711) / 68
/ 208 247
A economia na América portuguesa
Imperialismo na Ásia e Oceania (1900) Imigração no Brasil 1881-1930 (em
(século XVIII) / 69
/ 210 milhares) / 258
Os tratados de limites / 79
Atividades econômicas (século XIX) / Exportações brasileiras (1911-1913) /
Divisão política do Vice-Reino do Brasil 218 261
(1774-1815) / 80
Expansão cafeeira / 219 Estabelecimentos industriais (em
Terras indígenas no Brasil / 80
Malha ferroviária – São Paulo (séculos 1920) / 261
As 13 colônias na América do Norte / XIX-XX) / 220
91 Linhas de tempo
Guerra contra Oribe e Rosas / 228
Expansão do domínio francês (até Revoluções inglesas / 34
Disputas fronteiriças / 242
1812) / 103
Terra e religiosidade / 255 O Império português / 42
O Império Napoleônico e o mundo em
Mapa 1. Terra e religiosidade / 256 Brasil no século XVIII / 62
1812 / 111
Mapa 2. Sub-regiões do Nordeste / 256 A formação dos Estados Unidos / 90
A Europa após o Congresso de Viena
(1815-1852) / 114 Exportações brasileiras em 1910 / 261 A Revolução Francesa / 95
Evolução das ferrovias na Europa no Independência da América espanhola
século XIX / 117
Infográficos / 135
América espanhola antes das Tráfico negreiro (em milhares de A independência do Brasil / 144
independências (1800) / 136 pessoas) / 31 A República estadunidense / 172
América espanhola depois das Produção de açúcar do Brasil holandês O café e a República / 218
independências (1900) / 140 (em arrobas) / 45

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Índice remissivo e onomástico
A Bill Aberdeen / 227 Clérigos / 22, 26, 42, 61, 65, 96, 98

Abolicionismo, abolicionista(s) / 159, Bismarck (Otto von) / 170, 171, 193 Clero / 22, 25, 28, 30, 31, 34, 36, 64,
175, 176, 205, 218, 222, 223, 224, 225, Bloqueio Continental / 89, 95, 112, 74, 76, 84, 95, 96, 97, 98, 100, 104,
226, 232, 247 158 109, 111, 124, 128, 231

Abraham Lincoln / 172, 176, 200, 201, Bôeres / 206, 208 Comércio (mercado) interno / 59, 61,
205 68, 87, 92, 165, 194, 198, 222
Bolívar (Simón) / 135, 140, 141, 143,
Absolutismo, absolutista(s) / 15, 28, 153 Comissão de Verificação de Poderes /
29, 34, 36, 37, 39, 40, 41, 48, 56, 59, 239, 240
Bonaparte (Napoleão) / 53, 95, 103,
60, 71, 74, 78, 88, 95, 96, 97, 99, 104, 105, 108, 110, 111, 112, 132, 138, Companhia de Comércio / 64
109, 124, 136, 147, 148, 149, 156, 146, 157, 162, 164, 172, 252 Companhia de Jesus / 26, 27, 30, 64,
159, 162, 179, 180 74, 81
Acumulação primitiva de capitais / C Complexo cafeeiro / 217, 219, 260, 261
89, 115 Cabeças-redondas / 38 Comunismo, comunista(s) / 125, 159,
Adam Smith / 75, 81, 85, 88 Cabildo(s) / 135, 136 166, 194, 273
Aldeamento(s) / 62, 242 Caifazes / 223 Concílio de Trento / 26, 27
Alforria / 30, 182, 223, 229 Calvinismo / 15, 25, 26, 27 Confederação Operária Brasileira /
Anarquismo, anarquista(s) / 128, 159, Calvino (João) / 25, 26 267
167, 168, 193, 267, 271, 273 Contrarreforma / 15, 26
Câmara dos Comuns / 34
Anglicanismo / 15, 25, 34, 36, 37, 60 Convênio de Taubaté / 250, 261, 272
Câmara dos Lordes / 34, 39, 55
Animismo / 20 Coronéis / 183, 240, 241, 247, 251,
Camponeses / 22, 26, 28, 34, 35, 36,
Anita Garibaldi / 185 41, 47, 56, 73, 95, 96, 97, 99, 101, 252, 253, 255
Antigo Regime / 15, 29, 50, 55, 59, 85, 102, 104, 112, 124, 125, 128, 163, 166, Coronelismo / 217, 241, 243, 250
95, 97, 98, 100, 103, 104, 105, 111, 168, 188, 193, 241, 256, 257 Corte / 16, 34, 35, 36, 37, 44, 59, 76,
113, 124, 125, 158, 162 Cangaço / 251, 252, 256, 257, 271 85, 86, 96, 97, 108, 124, 128, 144,
Antigo Sistema Colonial / 33, 43, 83, Capitalismo / 15, 26, 27, 28, 29, 31, 35, 145, 146, 147, 148, 149, 151, 153, 156,
123, 129 81, 89, 125, 129, 158, 166, 168, 194, 181, 183, 186, 219, 220, 223, 230,
Antonio Bento / 223 197, 212 232, 244

Antônio Conselheiro / 253, 254, 255, Capoeira / 46, 226, 227, 263 Crescente Fértil / 21
268, 269, 271 Caramuru / 181 Criollo(s) / 67, 135, 139, 141
Antônio Feijó / 147, 181 Carnaval / 187, 263, 264, 265, 267 Cristandade / 15, 18, 23, 25, 73, 159
Artesão(s) / 16, 22, 36, 38, 39, 47, 73, Carta de Direitos (Bill of Rights) / 34, Cristão(s)-novo(s) / 42, 43, 50, 52
101, 116, 117, 119, 123, 125, 126, 131, 40 Cristianismo / 18, 23, 46, 122, 159,
132, 133, 134, 137, 147, 182, 184, 194, 205, 206
Cartista (movimento) / 122
232 Cromwell (Oliver) / 34, 38, 39, 55, 56,
Castro Alves / 225
Assalariado(s) / 22, 35, 36, 56, 68, 89, 58, 59, 60
101, 116, 117, 163, 174, 222, 248, 260 Católico(s) / 25, 26, 27, 34, 36, 38, 40,
44, 54, 60, 90, 102, 112, 231, 265 Cultura / 17, 52, 53, 73, 192, 197, 250,
Ato de Supremacia / 25, 34, 54 267
Caudilhismo / 129, 142, 143
Cultura africana (negra) / 20, 265
B Cavaleiros / 23, 38, 59, 132, 133
Cultura afro-brasileira / 263
Bakunin (Mikhail) / 166, 168, 191 Caxias (Duque) / 184, 185, 194, 249
Cultura brasileira / 187
Bandeirante(s) / 32, 62, 63, 64, 65, 67, Cercamentos / 33, 34, 35, 37, 41, 54,
56, 57, 118 Cultura cristã / 18
70, 84, 87
Cipriano Barata / 132, 148, 181, 185 Cultura europeia / 214
Bento Gonçalves / 185, 249
Civilização / 79, 85, 88, 203, 204, 215, Cultura haitiana / 138
Big Stick / 200
225, 254, 255, 256, 269 Cultura indígena / 62

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Cultura mestiça / 17 Engenho / 30, 32, 44, 49, 60, 62, 64, Geocêntrica / 33
Cultura ocidental / 205 67, 68, 132, 138, 250 George Washington / 92, 94
Cultura popular / 159 Escravidão, escravismo, escravista(s) Girondino(s) / 101, 102, 103, 105, 114,
/ 15, 30, 31, 32, 47, 54, 55, 57, 61, 63, 126
Cultura protestante / 26
64, 70, 75, 81, 84, 91, 93, 94, 102,
Governo representativo / 89, 110
D 110, 127, 128, 131, 132, 133, 134, 138,
142, 146, 149, 156, 157, 164, 172, 174, Guilherme de Orange / 34, 40, 60
Danton / 95, 103, 126 175, 176, 177, 181, 183, 184, 185, 188,
Darwinismo social / 195, 198, 214, 215
H
191, 192, 194, 197, 203, 205, 206,
Declaração dos Direitos do Homem e 215, 218, 219, 220, 221, 222, 223, 224, Heliocêntrica / 33
do Cidadão / 75, 95, 99, 106, 128 225, 226, 227, 228, 229, 230, 232, Henrique VIII / 25, 34, 35, 54
242, 247, 249, 264, 268, 270
Defoe (Daniel) / 74, 77, 85 Hobbes (Thomas) / 40, 41
Estado(s) / 15, 16, 23, 24, 25, 26, 28,
Deísmo / 73 Homestead Act / 172, 173, 232
29, 30, 33, 34, 36, 37, 39, 41, 42, 48,
Democracia / 40, 74, 89, 94, 132, 163, 57, 58, 59, 60, 64, 68, 69, 70, 73, Huguenotes / 26
192, 216 76, 81, 83, 85, 88, 89, 95, 96, 97, 98, Hume / 74
Deodoro da Fonseca / 217, 234, 235, 100, 109, 110, 112, 115, 118, 123, 124,
236, 237, 238, 241, 249, 250 125, 128, 129, 131, 132, 138, 141, 142, I
Derrama / 78, 81, 130, 131 145, 148, 149, 153, 158, 159, 161, Ideologia / 78, 82, 95, 99, 114, 120,
Despotismo esclarecido / 61, 76, 88 163, 164, 166, 167, 168, 169, 170, 159, 182, 215, 216, 241, 273
175, 176, 178, 180, 181, 182, 183, 184, Iluminismo, iluminista(s) / 61, 71, 72,
Destino Manifesto / 173, 199
185, 186, 188, 189, 191, 193, 195, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 81, 82, 86, 88,
Ditadura(s) / 39, 58, 140, 191, 193, 197, 204, 205, 212, 213, 214, 216, 217,
229, 235, 236 94, 109, 110, 113, 122, 124, 127, 128,
218, 219, 220, 221, 222, 224, 225, 226, 135, 157
D. João IV / 42, 48, 49, 50, 53, 83 228, 229, 230, 231, 232, 235, 236,
Ilustração / 15, 33, 61, 71, 73, 74, 86,
D. João VI / 144, 146, 147, 148, 156, 237, 239, 240, 241, 243, 252, 253,
88, 132
179, 232 254, 258, 260, 261, 268, 269, 272
Imigrante(s) / 57, 125, 173, 194, 218,
D. Pedro I / 144, 149, 150, 179, 180, Estados-Gerais / 89, 95, 96, 97, 98,
220, 221, 222, 223, 224, 230, 241, 243,
181, 182, 184, 186, 189, 192, 227 100, 102, 114
248, 258, 259, 260, 262, 266, 272
D. Pedro II / 182, 185, 186, 217, 218, Estrutura agroexportadora / 251, 260
Imperialismo, imperialista(s) / 194,
221, 225, 230, 231, 232, 244, 250 Expansão feudal / 15, 22, 23 195, 196, 197, 200, 203, 209, 210,
D. Sebastião / 42, 51, 52, 53 Expansão marítima / 20, 22, 23, 57 211, 212, 214, 216, 248
Doutrina Monroe / 141, 153, 198 Império(s) / 16, 17, 18, 22, 30, 47, 48,
F
Dragão do Mar / 224 50, 52, 53, 56, 57, 62, 64, 67, 68, 70,
Faraó / 16, 18, 21 81, 83, 85, 89, 95, 105, 108, 111, 112,
E Federalismo, federalista(s) / 89, 94, 129, 131, 132, 144, 145, 146, 147, 148,
Elite(s) / 40, 68, 87, 112, 127, 129, 130, 103, 127, 172, 182, 185, 230, 235, 149, 150, 152, 153, 158, 163, 164,
131, 132, 133, 134, 135, 137, 138, 146, 236, 237, 238, 239, 244, 249, 253, 168, 169, 178, 179, 180, 182, 185,
147, 148, 149, 151, 153, 156, 157, 158, 268, 273 186, 188, 189, 193, 194, 198, 204,
172, 179, 180, 181, 183, 184, 185, Feminismo / 46, 159, 164 209, 215, 218, 220, 228, 229, 230,
186, 189, 191, 194, 196, 213, 218, 231, 235, 236, 240, 241, 242, 246,
Feudalismo / 15, 22, 23, 24, 29, 35, 57,
220, 222, 224, 225, 226, 230, 232, 247, 248, 249
59, 81, 89
241, 242, 243, 252, 253, 261, 262, Inácio de Loyola / 26
Feudo / 15, 22, 24
263, 264, 266, 267, 268, 271 Indianismo / 217, 225
Floriano Peixoto / 235, 236, 237, 238,
Emenda Platt / 199 Individualismo / 76
250
Encilhamento / 236, 237, 249, 250, Inquisição / 26, 28, 43, 52, 70
Francisco Nascimento / 224
260, 261 Interiorização da Metrópole / 129,
Encolhimento do mundo / 89, 115, 116 G 145, 149
Encomienda / 30 Garibaldi (Giuseppe) / 169, 185 Internacionalismo, internacionalista
Engels (Friederich) / 166, 194 / 159
Gentry / 35, 36, 60

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Islã / 19, 20, 23 Manuel Faustino / 132, 133 Nassau (Maurício de) / 42, 44, 49, 57,
Islâmicos / 73 Manufatura(s) / 43, 50, 57, 68, 70, 78, 60
Islamismo / 18 90, 91, 112, 115, 117, 122, 129, 130, Neocolonialismo / 195, 197, 203, 206
135 Newton (Isaac) / 71, 72, 81
J Maria Bonita / 252 Nobreza / 16, 21, 22, 23, 28, 29, 34, 35,
Jacobino(s) / 95, 100, 101, 102, 104, Marquês de Pombal / 74, 78, 81, 85, 157 36, 42, 47, 52, 59, 60, 67, 95, 97, 98,
108, 126, 128, 162, 237, 238, 254, Marxismo, marxista(s) / 159, 166, 168, 99, 102, 111, 123, 124, 134, 145, 156,
266 212 219, 220, 230
Jefferson (Thomas) / 93, 94, 127 Marx (Karl) / 56, 57, 164, 166, 168,
O
Jesuíta(s) / 26, 30, 32, 51, 61, 62, 64, 191, 194
78, 81, 85, 88, 242 Mercado (comércio) interno / 59, 61, Oligarquia / 183, 186, 230, 235, 236,
68, 87, 194, 222 237, 238, 239, 240, 241, 250, 252,
João de Deus / 132
257, 267
Jornaleiros / 39 Mercado de trabalhadores livres / 251,
260 Olympe de Gouges / 75, 163
José Bonifácio / 148, 180
Mercantilismo, mercantilista(s) / 28, Operário(s) / 101, 112, 120, 121, 125,
José do Patrocínio / 223, 224, 247, 262 159, 165, 166, 168, 193, 213, 215, 221,
29, 39, 43, 53, 75, 78, 88, 135, 157
José Maria Morelos / 139 241, 258, 260, 266, 267, 270, 271,
Messianismo / 33, 53, 254
Judaísmo, judeu(s) / 18, 23, 42, 43, 44, 272, 273
52, 73, 76, 85, 91, 258 Metternich / 113, 166, 193
Miguel Hidalgo / 135, 139, 143 P
K Milenarismo / 52, 53, 254 Padre Antônio Vieira / 49, 57
Kant (Immanuel) / 72, 73, 75 Mineração / 36, 61, 65, 66, 67, 68, 69, Padre Cícero / 252, 253, 255, 257
Ku Klux Klan / 177 79, 118, 132, 145, 174 Pan-americanismo / 153, 242
Missões / 62, 64, 79, 81, 85, 205 Papado / 22, 25, 28, 34
L Mita / 30 Parlamentarismo, parlamentarista /
Lampião / 252 Mito, mítico / 20, 46, 159, 199 158, 250, 273
Latifúndio(s) / 30, 35, 68, 127, 157, Monarquia / 22, 23, 25, 26, 28, 34, 37, Parlamento(s) / 34, 37, 38, 39, 40, 55,
250, 254, 260 39, 41, 42, 43, 60, 78, 79, 88, 95, 102, 56, 59, 76, 91, 95, 98, 110, 122, 125,
Lavoisier / 101 109, 110, 128, 131, 133, 138, 144, 145, 164, 181, 209
Lei de Terras / 218, 222, 232, 250 146, 147, 148, 158, 163, 181, 185, Patrimônio cultural / 226, 246
228, 229, 230, 231, 232, 235, 238,
Liberais exaltados / 181, 185 Plantation / 30, 44, 91, 218
241, 245, 248, 255, 260, 262
Liberais moderados / 181, 185 Politeísmo, politeísta(s) / 15, 20, 23
Monarquia constitucional / 101, 127,
Liberalismo / 56, 61, 75, 87, 110, 112, 136, 147, 159, 162, 179, 180 Política dos Governadores / 239, 240,
186, 246 241, 243, 250
Monocultura / 30
Liberalismo político / 89, 110 Porongos (sítio arqueológico) / 226
Monopólio / 24, 39, 50, 59, 60, 62, 91,
Locke (John) / 40, 41, 56, 58, 94 105, 135, 145, 157, 194, 212 Positivismo, positivista(s) / 217, 232,
Ludita(s) / 121, 128 235, 236, 249, 250
Monoteísmo, monoteísta(s) / 15, 18,
Luís Gonzaga / 132, 133 23 Presbiteriano(s) / 36, 38, 39, 55
Luís XV / 95 Montesquieu / 61, 73, 74, 81, 86 Presidencialismo / 217, 236
Luís XVI / 98, 102, 105, 114, 162 Morus (Thomas) / 54, 55, 271 Primeira Internacional / 267
Luís XVIII / 113, 162 Muçulmana(o)(s) / 19, 20, 21, 23, 42, Principado / 18, 22, 208
Luteranismo / 15, 25, 27 51, 182, 199, 208 Proletariado / 33, 35, 56, 166, 168,
191, 193, 215, 266, 267
Lutero (Martinho) / 25, 27
N Propriedade privada / 118, 166, 205,
M Nabuco (Joaquim) / 133, 134, 223, 247 273
Mandonismo local / 159, 181, 183, Nacionalismo / 95, 112, 158, 159, 160, Propriedade(s) / 30, 35, 36, 39, 40, 41,
186, 250 161, 173, 177, 212 44, 49, 56, 58, 68, 73, 91, 99, 100,

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101, 102, 109, 110, 111, 120, 125, 134, 100, 101, 102, 113, 114, 118, 122, 124, Sociedade civil / 33, 41
137, 159, 160, 164, 168, 172, 174, 183, 125, 126, 127, 128, 130, 132, 134, 135, Solano López / 228
188, 191, 192, 197, 212, 219, 220, 221, 137, 138, 144, 146, 147, 148, 149,
Suserano / 22, 194
222, 224, 240, 242, 248, 250, 257, 272 156, 157, 158, 159, 161, 162, 163, 164,
Protestantismo / 15 165, 166, 167, 179, 189, 191, 193, T
194, 212, 215, 217, 226, 232, 237, 238,
Proudhon / 168 Tambor de Crioula / 226
245, 269
Puritanismo, puritano(s) / 26, 34, 36, Teocracia / 15, 16, 88
Revolução Científica / 33
38, 39, 59, 90, 91
Revolução Industrial / 15, 76, 89, 115, Tiradentes / 62, 131, 134, 154, 249
Q 116, 117, 118, 122, 123, 125, 128, 129, Totemismo / 20
194, 195, 202, 212, 219, 248, 259 Toussaint L’Ouverture / 129, 135, 138
Quilombo / 30, 46, 63, 84, 137, 184,
218, 223 Robespierre / 95, 100, 103, 104, 126, Trabalho escravo / 30, 61, 68
154
Trade union / 128
R Romantismo / 159, 217, 224
Tráfico interno / 63
Racionalismo / 87, 88, 119 Rousseau (Jean-Jacques) / 74, 94, 133
Tráfico negreiro / 15, 30, 31, 43, 115,
Racismo / 192 Rui Barbosa / 217, 236, 238, 241, 249, 137, 150, 157, 158, 183, 189, 192,
250, 273 203, 218, 222, 227, 232
Rainha Jinga / 46, 47
Realismo, realista(s) / 38, 39, 225, 233 Tratado de Methuen / 42, 70
S
Rebouças (André) / 223, 224, 247 Tribunal do Santo Ofício / 26, 42, 52
Sans-culotte / 95, 97, 101, 102, 159
Reforma Católica / 26, 27, 51 Tupac Amaru / 140
Sebastianismo / 33, 51, 52, 53
Reforma Gregoriana / 22
Segregação racial / 158, 159, 172, 177 U
Reforma Protestante / 15, 25, 26, 73
Segunda Revolução Industrial / 195, Utopia / 33, 54, 55, 271
Regência / 144, 145, 148, 181, 185, 202, 212, 243, 259, 261
244 V
Senhorio / 15, 22, 23, 24, 34
Rendeira / 227
Senzala / 46, 223, 225, 250, 265 Vassalo / 22, 23, 24, 28, 83, 194
República(s) / 34, 39, 55, 86, 93, 95,
Servidão / 56, 111, 188, 206 Viola de cocho / 226
102, 105, 108, 110, 126, 127, 130,
135, 139, 143, 146, 147, 157, 163, 164, Silva Jardim / 217, 232 Voltaire / 61, 74, 77, 133
167, 180, 181, 182, 185, 194, 199, Sistema colonial / 43, 129, 131, 133, Voto censitário / 100, 104, 162, 179,
205, 217, 218, 229, 230, 231, 232, 145, 206 185, 250
234, 235, 236, 237, 238, 239, 241, Sistema fabril mecanizado / 89, 115 Voto de cabresto / 217, 241, 247, 250
242, 243, 244, 245, 246, 247, 248, Soba / 46
249, 250, 251, 253, 254, 255, 260, Y
Soberania / 15, 22, 95, 112, 159, 206,
261, 262, 267, 268, 269, 271, 272, 273
215, 228 Yeomanry / 35, 36
Revolta Armada / 238
Socialismo, socialista(s) / 56, 88, 89,
Revolução / 33, 34, 38, 39, 40, 41, 44, 99, 122, 127, 159, 164, 166, 188, 189,
Z
53, 55, 56, 58, 59, 60, 68, 73, 89, 95, 193, 218, 221, 267 Zona de influência / 195, 204, 205

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