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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO – UFMA

CENTRO DE CIÊNCIAS DE SÃO BERNARDO

CURSO DE LINGUAGENS E CÓDIGOS – LÍNGUA PORTUGUESA

O ENSINO DE AUTORES AFRO-BRASILEIROS DE


LITERATURA AFRO-BRASILEIRA DENTRO DA SALA DE
AULA: A IMPORTÂNCIA DE SE ESTUDAR OBRAS NAS QUAIS O
NEGRO É UM SER PROTAGONISTA DE PROTAGONISMO NEGRO

João Victor dos Reis Silva

São Bernardo – MA

2022
João Victor dos Reis Silva

O ensino de autores afro-brasileiros dentro da sala de aula: a


importância de se estudar obras

Pré-projeto de Trabalho de Conclusão de Curso apresentado na


Universidade Federal do Maranhão – UFMA, pelo curso de
Linguagens e Códigos – Língua Portuguesa, como parcial para a
obtenção de nota na disciplina de Seminário de Pesquisa.
Orientador: Prof. Dr. Fabricio Tavares de Moraes

São Bernardo – MA
2022
SUMARIO
1 INTRODUÇÃO – TEMA E PROBLEMATIZAÇÃO

A cultura afro-brasileira é riquíssima em todos os sentidos, seja na parte da música,


dança, religião ou literatura, tendo inúmeras personalidades famosas e de extrema
relevância, e que lutaram para que fossem reconhecidos perante a sociedade. Mas se por
um lado temos uma cultura plena de obras e pessoas memoráveis, por outro temos uma
triste história de perseguição, escravidão e preconceito, que criminalizava e abominava
tanto as pessoas negras como todo tipo de manifestação que fizessem. O simples fato de
ser negro já era um erro, sua cor, seus trejeitos, traços, cabelo etc.

Mesmo sendo perseguidos, humilhados e explorados, não deixaram de lutar ou de


expressar aquilo que faziam deles pessoas. Dessa forma, perduraram por décadas, até
conseguirem se reerguer, mas a marca na história ficou, e temos resquícios até hoje.
Está enraizado nas entranhas da nossa sociedade, velado em pequenos atos, “atos
bobos”, mas que carregam consigo um preconceito racismo encrustado. Como nos diz o
rapper brasileiro Nego Max em sua música ‘Não sou racista’: “A abolição aqui só
aconteceu nos livros de história”.

E de fato a fala não está errada, visto que o que vemos hoje são inúmeros casos e
relatos, não só no Brasil, mas no mundo, de negros sendo perseguidos e mortos “por
engano”, sendo vítimas de estereótipos e discriminação.

Mas no que tange à sala de aula - nosso foco aqui – não vemos com tanta ênfase,
a parte cultural negra brasileira, os autores, suas obras etc., todavia vemos
somente a parte do que diz respeito a escravidão, e o negro apenas como passivo,
que apenas aceita seu lugar nas margens da sociedade e principalmente como
objeto.

E com esse tratamento –ou falta dele – Domício Proença Filho ressalta para essa
questão em seu artigo “A trajetória do negro na literatura brasileira”, logo na
apresentação da obra: “A presença do negro na literatura brasileira não escapa ao
tratamento marginalizador que, desde as instâncias fundadoras, marca a etnia no
processo de construção da nossa sociedade.”
Ou seja, esse estereótipo do negro como objeto, está intrinsecamente ligada ao
preconceito racismo que o povo preto sofria e sofre até hoje perante a sociedade, mesmo
que o objetivo dessas obras seja de tema racial. E ainda nesse mesmo artigo, Domício,
nos traz exemplos onde o autor por muitas vezes “embranquece” o personagem negro,
para que caísse nas graças do público branco. Um exemplo que ele nos traz é o da
escrava Isaura, da obra de mesmo nome.

Entrando então na área da educação, mais precisamente, no tema desse projeto, que é
o ensino de autores negros pelo professor em sala de aula. É preciso que o professor de
português, quando tratar de obras literárias, dê espaço para obras de matrizes africanas
e/ou de autores afro-brasileiros, que os mostre como protagonistas dessas histórias.

A Lei 10.639 de 2003, que tem como objetivo a inclusão do estudo da história da
África, bem como dos africanos. Adenta Atenta também para a história da luta dos
negros no Brasil, bem como sua história, cultura e contribuições para o país. Embora
tenhamos essa lei vigente, é de praxe que nem tudo acontece como deve ser, muitas
escolas ainda enfrentam dificuldade para implementar com exatidão os objetivos da lei.

Dessa forma, o que pretendo com este trabalho não é só mostrar e dissertar sobre a
obra afro-brasileira “Ursula” onde o negro é mostrado de forma “positivasaudável” e
humanizada, mas também formas de como trabalhar essa obra em sala de aula de 9º ano
do ensino fundamental e 3º ano do ensino médio.

E termino essa parte inicial com um questionamento pertinente, e que será


respondido durante o trabalho, o que vale mais: reduzir a história e cultura de um povo a
apenas um momento trágico, ou trazer obras diversas de autores diversos, que tratam o
negro como ele realmente é, um protagonista, um ser ativo dotado de pensamento e
saberes?.

2 OBJETIVOS

2.1 Objetivo geral


Buscar formas que possam auxiliar na promoção do ensino de literatura afro-
brasileira dentro das salas de aula de 9º ano do ensino fundamental e 3º ano de ensino
médio.

2.2 Objetivos específicos

 Propor formas de valorização da literatura afro brasileira nas salas de aula,


Mostra perspectivas mais saudáveis e sem estereótipos do negro dentro da
literatura afro-brasileira
 Trabalhar e analisar o modo como o negro tornou-se protagonista numa obra
literária
 Desenvolver formas trabalhar essa obra em sala de aula levando em
consideração o protagonismo negro pode influenciar positivamente na percepção
social dos alunos

3 METODOLOGIA

A pesquisa se dará por meio quantitativo, com a distribuição de um questionário,


onde por meio dele, irei analisar quantos alunos leram ou sabem sobre algo relacionado
a cultura literária afro-brasileira, e sobre o romance aqui destacado, Úrsula. Em paralelo
a isso, farei uma revisão bibliográfica de obras entre o século XIX até os dias atuais, de
obras literárias onde o negro aparece de forma estereotipada e por consequência, racista
– resultado das visões eurocêntricas da época. Até culminar no ponto chave de virada,
onde o negro passou a ser tratado de forma mais humana e real, um protagonista
daquela história.

Primeiro é importante salientar a diferença da literatura afro-brasileira das demais


produções de pessoas não pretas. Pois bem, Eduardo de Assis Duarte, em seu artigo
“Literatura afro-brasileira: um conceito em construção”, nos diz que em primeiro lugar
temos a ‘temática’, onde o negro é o tema central da literatura negra. E ainda completa
parafraseando Octavio Ianni (1998), que vê o sujeito negro não como um plano de
individuo, e sim como um “universo humano, social, cultural e artístico de que se nutre
essa literatura” (IANNI 1998, pág.54).
Em segundo ponto temos a ‘autoria’, ou seja, o autor precisa ser uma pessoa afro-
brasileira, visto que, em muitos casos, a obra por ser feita por um afro-brasileiro, as
chances de se ter individualidades e características muitas vezes estereotipada, que é
fruto por sua vez, de “um processo miscigenado”, como adenta Duarte em seu artigo. E
continuando, junto a esse ultimo ponto, podemos colocar mais um, o ‘ponto de vista’,
onde não basta apenas ser afro-brasileiro, ou apropriar-se do tema, é preciso ter em
mente, não só uma perspectiva ou visão de mundo que simpatize que a luta das pessoas
negras. Portanto, é necessário que o autor, se ligue, e se conecte com a história, a cultura
e toda a luta dessas pessoas negras e que carregam consigo anos e anos de opressão e
segregação. E um quarto componente é a ‘linguagem’¸ onde temos uma discursividade
que prega pelo ritmo, pelas opções de vocabulário, que por muitas vezes aparece com
semântica própria, e que cativa.

E por fim, Duarte ressalta a questão do publico alvo, ou seja, quem vai ler essas
obras. Obviamente temos majoritariamente negra, pois essas obras, por muitas vezes
irão retratar determinadas situações e relatos, que apenas quem é negro vai se
identificar. Claro que isso não quer dizer que outras pessoas não se atraiam ou que não
possam ler, é inclusive estimulado, já que devemos eliminar essa visão miscigenada e
preconceituosa da nossa sociedade, e isso só será possível se mais pessoas forem buscar
e entender a história das pessoas afro-brasileiras.

Tendo então em mente, o conceito de o que é a literatura de matriz afro-brasileira, e a


sua totalidade de forma geral, partiremos para a representação do negro ao longo das
décadas, veremos como se deu essa trajetória cheia de percalços. E para isso, utilizarei a
visão de Dominicio Proença Filho que vem retratar em sua obra, “A trajetória do negro
na literatura brasileira’, justamente isso, como se deu essa caracterização da
personalidade negra em algumas obras, em certos períodos. Aqui delimitarei ao século
XIX até os dias atuais.

Domício (2004) diz que ao longo desse discurso literário nacional, podemos ter duas
visões sobre o negro, a primeira sendo ‘a condição negra como objeto’ onde segundo
ele, teremos uma visão distanciada sobre o personagem afro-brasileiro. E a segundo
sendo uma ‘visão do negro como sujeito’ onde por sua vez, irá surgir uma atitude
compromissada. E dessa forma, teremos “uma literatura sobre o negro de um lado, e do
outro uma literatura de negro”.
Sobre a visão distanciada, Dominicio (2004) a denomina como sendo:

“A visão distanciada configura-se em textos nos quais o negro ou o


descendente de negro reconhecido como tal é personagem, ou em que
aspectos ligados às vivências do negro na realidade histórico-cultural do
Brasil se tornam assunto ou tema. Envolve, entretanto, procedimentos que,
com poucas exceções, indiciam ideologias, atitudes e estereótipos da estética
branca dominante.” (pág. 161.)

Ou seja, mesmo existindo essas obras onde temos personagens negros, por muitas
vezes são caricatos ou caem nos mesmos estereótipos, reduzindo o negro apenas à
aquelas características pobres e vazias, descritas por um branco com visão eurocêntrica.
Fanon (1983) vê essa falta de representatividade e/ou caracterização mais humana do
negro como uma “tentativa de apagamento de toda a história, cultura e civilização
existentes para aquém ou além dos limites da sociedade dominante branca.”

Seguindo ainda na obra de Dominicio, seremos apresentados aos estereótipos que ele
juga – e eu também – serem os mais comuns de se encontrar.

Começaremos pelo ‘escravo nobre’, que é quando o negro por forçar seu
embranquecimento, consegue ascender na sociedade, mesmo que isso venha com muita
humilhação. E podemos citar como exemplo, personagens como Isaura, da obra Escrava
Isaura escrito por Bernardo Guimarães em 1872, onde ela vive todo o tipo preconceito
possível, mas mesmo assim, o aceita. E isso é uma das principais características desse
estereotipo, onde temos um negro que simplesmente “aceita” sua submissão e seu status
perante a sociedade, e agradecer por serem lhes concedido um tratamento “melhor”.

Temos também o ‘escravo infantilizado’, onde o negro aparece como um ser infantil,
serviçal e subalterno, que não consegue fazer nada e sempre é caracterizado como
desleixado, sujo e que por muitas vezes, aparece de forma animalesca.

Continuando, teremos o ‘escravo demônio’ que por conta da sua situação de escravo,
se torna fera, raivoso. Que por sua vez cai no estereotipo do negro ser alguém violento,
agressivo, bruto e sem coração. Como exemplo temos a obra de Coelho Neto, A
“família Medeiros” de 1892.

Agora teremos o escravo sendo caracterizado como sendo ‘pervertido’, e aparece


principalmente no romance O ‘bom crioulo’ de Adolfo de Caminha escrito em 1885,
onde teremos a história de homossexualismo. Aqui o negro é objetificado sexualmente,
seja por suas características físicas, como seus dotes, e suas relações com as mulheres
brancas, como é descrito na obra de Júlio Ribeiro ‘A carne’ de 1888, que apresenta a
personagem Lenita, que possui como hobby praticar atos de promiscuidade com os
escravos dentro das senzalas. Outras obras também podem ser citadas como O ‘cortiço’
e ‘Poemas da negra’ de 1929.

Se olharmos a fundo terão muitos mais tipos de estereótipos, todavia, coloquei estes
que juguei serem mais pertinentes apenas para exemplificar o quão distante essas obras
ficaram de representar o negro na sua totalidade. A visão de fato se encontra distante até
esse ponto, mas no fim do século XX, surgem autores vanguardistas que por sua vez,
tentaram resgatar a visão do negro como alguém mais humano. A literatura que antes
era sobre o negro, agora passava a ser do negro. E um dos autores que podemos citar é
Luís Gama (1850-1882), filho de uma escrava, é um dos primeiros a falar de amor por
uma negra em seu poema “Bodarrada” (“Quem sou eu?”).

Porém eu, que não me abalo,

vou tangendo o meu badalo

com repique impertinente,

pondo a trote muita gente.

Se negro sou, se sou bode,

pouco importa. O que isto pode?

Bodes há de toda a casta,

pois que a espécie é muito vasta...

Há cinzentos, há rajados,

baios, pampas e malhados,

bodes negros, bodes brancos,

e, sejamos todos francos,


uns plebeus e outros nobres,

bodes ricos, bodes pobres,

bodes sábios, importantes,

e também alguns tratantes...

Aqui, nesta boa terra,

marram todos, tudo berra

Outro autor que podemos ressaltar é Lima Barreto (1881-1922), que em suas obras
busca retratar a realidade social urbana e suburbana da cidade do Rio de Janeiro, como
por exemplo, o romance ‘Clara dos Anjos’ (1922), que conta a história de uma mulata,
filha de um homem pobre do subúrbio, era iludida, marginalizada, traída e sofrida por
conta da sua cor de pele.

Embora tenham sim começado a aparecer essas vozes, nas décadas de 1930 e 1940,
só vamos ver um grande salto mesmo a partir de 1960, por meio de grupos de escritores
assumidos, com orgulho, negros ou descendentes de negros. E que se seguiu pelas
décadas posteriores até os dias atuais.

Sobre essa urgente reação e com o surgimento de grupos de autores negros que
visam uma visão mais justa e compromissada da personalidade negra, Domício (2004)
atribui essa tomada de decisão literária a:

“Essa tomada de posição literária relaciona-se com os movimentos de


conscientização dos negros brasileiros que marcam o início do século atual e
vem ganhando contornos mais nítidos e definidos ao longo desse período
histórico, com maior ou menor evidência.” (pág. 176).

Sendo assim teremos uma geração de autores preocupados com a diversidade cultural
e com a representação em obras do seu próprio povo, em prol de disseminar esse
embranquecimento e estereótipos do negro. E entre esses grupos que surgiram, vale
ressaltar a Associação de Negros Brasileiros, em 1945, o Movimento Negro Unido
(MNU) e em 1931, surge a Frente Negra Brasileira.
Embora tenham tido grande importância para com a disseminação da branquitude e
dos estereótipos da pessoa negra ao longo do século XIX até chegar aos dias de hoje em
suas obras como

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