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O RACISMO NO BRASIL DESDE A COLONIZAÇÃO ATÉ HOJE

Rainy Reis dos Santos1

Ao longo da história da formação da sociedade brasileira a população negra


sempre esteve à margem.

O treze de maio não é uma data apenas entre outras, número neutro,
notação cronológica. É o momento crucial de um processo que avança em
duas direções. Para fora: o homem negro é expulso de um Brasil moderno,
cosmético, europeizado. Para dentro: o mesmo homem negro é tangido
para os porões do capitalismo nacional, sórdido, brutesco. (BOSI,1992, p.
272)

O problema do racismo no Brasil, último país a abolir a escravidão, inicia no


contexto pós-1888. Os negros são legalmente libertos, porém, não houve nenhuma
política de compensação ou de reincerção social. Consequentemente, essas
pessoas são marginalizadas, estigmatizadas pela cor da pele e, logo, adquirem uma
configuração de sub-humanos.
Um ano após a abolição da escravatura tem-se a proclamação da república e
com isso uma reestruturação do Estado, nesse processo, as pessoas pretas são
fundamentalmente discriminadas, inclusive com embasamentos teóricos. Como
Alfredo Bosi aponta, no texto Sob o signo de Cam, o mito Bíblico que apresenta a
maldição de Cam após o dilúvio e como é usado para legitimar a inferiorização dos
afrodescendentes. No mito judaico-cristão, Cam foi um dos oito sobreviventes do
dilúvio. Ao comemorar a colheita bem sucedida Noé embriagou-se com vinho e
desnuda-se inconscientemente, Cam o vê e não toma providências; após estar
sóbrio Noé amaldiçoou o filho Cam e sua descendência.
A seguir, um trecho do poema “Vozes d’África” de Castro Alves:
“Cristo! embalde morreste sobre um monte
Teu sangue não lavou de minha fronte
A mancha original.
Ainda hoje são, por fado adverso,
Meus filhos — alimária do universo,
Eu — pasto universal…”
No trecho do poema, nota-se um eu-lírico revoltado, que questiona o motivo
de o sacrifício de Cristo não ter contemplado o seu pecado original. Apresenta um

1
Acadêmica do curso de Licenciatura em Letras da Unemat - Campus Sinop.
E-mail: rainy.santos@unemat.br
tom melancólico por não ter tido redenção junto aos outros humanos e, assim
sendo, expõe a conjuntura subalterna em que seus filhos estão condicionados à
posição de animais. Esse cenário de inferiorização mediante embasamento
mitológico também pode ser observado na tela “A redenção de Cam” pintada por
Modesto Brocos, em 1895.
Na pintura, observa-se uma família brasileira
reunida. Quatro personagens. A avó, negra retinta;
a mãe, mulher parda ou mulata; o pai, homem
branco sentado em posição de europeu; e por fim o
personagem central, o filho, uma criança
fenotipicamente branca resultante do processo de
embranquecimento no Brasil. A partir disso pode-se
inferir o sentimento de liberdade, de redenção
alcançado através do posicionamento dessas
personagens. A avó com as mãos levantadas em
agradecimento pelo nascimento dessa criança branca, que é segurada pela mãe em
posição de Maria, e o filho em posição de menino Jesus, ou seja, o ser que é a
esperança de uma geração por meio de uma “purificação” da raça negra.
Rita Von Hunty, em seu vídeo “Racismo, coisa de branco” postado na
plataforma Youtube, analisa a situação racial e trás uma abordagem histórica da
constituição do racismo. E, aponta a tentativa de apagamento racial apresentado
como solução durante a estrururação da sociedade brasileira, para tanto, cita uma
fala de João Batista de Lacerda, no Congresso Universal das Raças em 1911, no
qual explicitou seu pensamento elitista e descreveu a obra da seguinte forma: “O
negro passado a branco, na terceira geração, por efeito do cruzamento de raças”.
As instituições estatais, políticas e econômicas têm promovido historicamente
a exclusão e a desigualdade racial. A título de exemplo, os direitos educacionais de
negros, o acesso a espaços de poder e à saúde são alguns dos direitos básicos não
garantidos à priori. Os aparelhos ideológicos do estado permitiram o afastamento de
pessoas pretas do núcleo social.
Este processo histórico e cultural denomina-se hoje, racismo estrutural. E é
possível ser observado nas atribuições socialmente impostas, como podemos
observar no poema Eletrodoméstico, a seguir, do livro Na pele de Luciene Carvalho,
poeta preta mato-grossense.
“Preta multifunção:
Utilitária
Barata
Lava
Passa
Limpa
Cozinha.
Coisa
De chupá
De babá
De comê
De fudê
De larga
De pari
Os guri
Que a polícia
Vai matá.”
O poema aborda a forma sistêmica de racismo atrelada à profissão exercida
pela mulher preta, empregada doméstica que realiza todas as tarefas da casa e
assemelha-se a uma máquina, a um eletrodoméstico como intitulado no poema.
Assume o papel de objeto de reprodução nos versos, De fudê e De pari,
demonstrando que analogicamente a mulher preta continua sendo a mucama de
tempos atrás. E ainda, a sua prole está sujeita a sofrer represálias, Os guri/ Que a
polícia/ Vai matá.
Hoje, 52% dos brasileiros autodeclaram-se negros. Temos outros dados
numéricos que trazem indicativos acerca dessa porcentagem da população, um
deles é que a grande maioria dos encarcerados no Brasil são negros. E mais, dados
apontam o assassinato em massa de jovens negros que estão sendo
arbitrariamente condenados à morte diariamente. Então, há uma construção
estrutural que sustenta o racismo, como diz o professor Silvio Almeida em entrevista
ao canal Lili Schwarcz no Youtube. Em síntese, já dizia Seu Jorge, em sua
memorável composição A carne, que “A carne mais barata do mercado é a carne
negra/ Que vai de graça pro presídio/ E para debaixo de plástico”.
REFERÊNCIAS

BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

BROCOS, Modesto. A redenção de Cam. 1895. Óleo sobre tela,199 x 166 cm.

CARVALHO, Luciene. Na pele. Cuiabá: Carlini & Caniato, 2020.

FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Atlas da Violência 2018. Rio


de Janeiro: FBSP; IPEA, 2018.

SCHWARCZ, Lili. Lili entrevista Silvio Almeida. Youtube, s.d. Disponível em:
<https://youtu.be/0TpS2PJLprM> Acesso em: 22 de outubro de 2021.

TEMPERO DRAG. Racismo, coisa de branco.Youtube, s.d. Disponível em:


<https://youtu.be/eBfw2WqNDj0> Acesso em: 22 de outubro de 2021.

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