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O treze de maio não é uma data apenas entre outras, número neutro,
notação cronológica. É o momento crucial de um processo que avança em
duas direções. Para fora: o homem negro é expulso de um Brasil moderno,
cosmético, europeizado. Para dentro: o mesmo homem negro é tangido
para os porões do capitalismo nacional, sórdido, brutesco. (BOSI,1992, p.
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Acadêmica do curso de Licenciatura em Letras da Unemat - Campus Sinop.
E-mail: rainy.santos@unemat.br
tom melancólico por não ter tido redenção junto aos outros humanos e, assim
sendo, expõe a conjuntura subalterna em que seus filhos estão condicionados à
posição de animais. Esse cenário de inferiorização mediante embasamento
mitológico também pode ser observado na tela “A redenção de Cam” pintada por
Modesto Brocos, em 1895.
Na pintura, observa-se uma família brasileira
reunida. Quatro personagens. A avó, negra retinta;
a mãe, mulher parda ou mulata; o pai, homem
branco sentado em posição de europeu; e por fim o
personagem central, o filho, uma criança
fenotipicamente branca resultante do processo de
embranquecimento no Brasil. A partir disso pode-se
inferir o sentimento de liberdade, de redenção
alcançado através do posicionamento dessas
personagens. A avó com as mãos levantadas em
agradecimento pelo nascimento dessa criança branca, que é segurada pela mãe em
posição de Maria, e o filho em posição de menino Jesus, ou seja, o ser que é a
esperança de uma geração por meio de uma “purificação” da raça negra.
Rita Von Hunty, em seu vídeo “Racismo, coisa de branco” postado na
plataforma Youtube, analisa a situação racial e trás uma abordagem histórica da
constituição do racismo. E, aponta a tentativa de apagamento racial apresentado
como solução durante a estrururação da sociedade brasileira, para tanto, cita uma
fala de João Batista de Lacerda, no Congresso Universal das Raças em 1911, no
qual explicitou seu pensamento elitista e descreveu a obra da seguinte forma: “O
negro passado a branco, na terceira geração, por efeito do cruzamento de raças”.
As instituições estatais, políticas e econômicas têm promovido historicamente
a exclusão e a desigualdade racial. A título de exemplo, os direitos educacionais de
negros, o acesso a espaços de poder e à saúde são alguns dos direitos básicos não
garantidos à priori. Os aparelhos ideológicos do estado permitiram o afastamento de
pessoas pretas do núcleo social.
Este processo histórico e cultural denomina-se hoje, racismo estrutural. E é
possível ser observado nas atribuições socialmente impostas, como podemos
observar no poema Eletrodoméstico, a seguir, do livro Na pele de Luciene Carvalho,
poeta preta mato-grossense.
“Preta multifunção:
Utilitária
Barata
Lava
Passa
Limpa
Cozinha.
Coisa
De chupá
De babá
De comê
De fudê
De larga
De pari
Os guri
Que a polícia
Vai matá.”
O poema aborda a forma sistêmica de racismo atrelada à profissão exercida
pela mulher preta, empregada doméstica que realiza todas as tarefas da casa e
assemelha-se a uma máquina, a um eletrodoméstico como intitulado no poema.
Assume o papel de objeto de reprodução nos versos, De fudê e De pari,
demonstrando que analogicamente a mulher preta continua sendo a mucama de
tempos atrás. E ainda, a sua prole está sujeita a sofrer represálias, Os guri/ Que a
polícia/ Vai matá.
Hoje, 52% dos brasileiros autodeclaram-se negros. Temos outros dados
numéricos que trazem indicativos acerca dessa porcentagem da população, um
deles é que a grande maioria dos encarcerados no Brasil são negros. E mais, dados
apontam o assassinato em massa de jovens negros que estão sendo
arbitrariamente condenados à morte diariamente. Então, há uma construção
estrutural que sustenta o racismo, como diz o professor Silvio Almeida em entrevista
ao canal Lili Schwarcz no Youtube. Em síntese, já dizia Seu Jorge, em sua
memorável composição A carne, que “A carne mais barata do mercado é a carne
negra/ Que vai de graça pro presídio/ E para debaixo de plástico”.
REFERÊNCIAS
BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
BROCOS, Modesto. A redenção de Cam. 1895. Óleo sobre tela,199 x 166 cm.
SCHWARCZ, Lili. Lili entrevista Silvio Almeida. Youtube, s.d. Disponível em:
<https://youtu.be/0TpS2PJLprM> Acesso em: 22 de outubro de 2021.