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Resumo
O racismo estrutural está presente até mesmo nas atitudes e escolhas de pessoas que se
acham livres de conceitos segregadores e ofensivos contra pessoas negras. O motivo para essa
situação se dá com o aproveitamento desumano e inimaginável, com fins econômicos, dessa
classe social, durante o decorrer dos milênios. Daí por diante, isso acontece desde a mais
primitiva sociedade até a mais evoluída tecnológica e economicamente. Por isso, não há como
dizer que não há razão para o surgimento e emancipação do movimento negro, de forma tão
difícil, até os dias atuais. As consequências vão desde o ferimento das leis de direitos
humanos até a revelação de atitudes animalescas dos seres humanos, com genocídios e
etnocentrismo. A lei Áurea foi assinada com o objetivo de erradicar o escravismo da
sociedade, porém, não passou mais de um acordo entre elites latifundiárias e lideranças de
movimentos ante escravocratas para evitar a reinvindicação de terras destes últimos, uma
espécie de reforma agrária. Isaías Caminha era um garoto ávido pelo conhecimento. Lima
Barreto escreve acerca dele num contexto de pós-abolição da escravatura, porém, com uma
herança racista em toda a sociedade do Rio de Janeiro e no Brasil como um todo. A partir daí,
desafios hão de se enfrentar, em virtude dessas consequências que, hodiernamente, se
resumem em ambientes de trabalho e universitários predominantemente brancos, com difícil
acesso a elas pelos negros, mesmo que estes sejam a maioria em tamanho populacional,
afastando-os para as periferias e criando problemas ainda maiores como a desigualdade social
e extrema pobreza.
Introdução
“O trem parara e eu abstinha-me de saltar. Uma vez, porém, o fiz; não sei mesmo em
que estação. Tive fome e dirigi-me ao pequeno balcão onde havia café e bolos. Encontravam-
se lá muitos passageiros. Servi-me e dei uma pequena nota a pagar. Como se demorassem em
trazer-me o troco reclamei: "Oh! fez o caixeiro indignado e em tom desabrido. Que pressa
tem você?! Aqui não se rouba, fique sabendo!" Ao mesmo tempo, a meu lado, um rapazola
alourado reclamava o dele, que lhe foi prazenteiramente entregue. O contraste feriu-me, e
com os olhares que os presentes me lançaram, mais cresceu a minha indignação. Curti,
durante segundos, uma raiva muda, e por pouco ela não rebentou em pranto. Trôpego e
tonto, embarquei e tentei decifrar a razão da diferença dos dois tratamentos. Não atinei; em
vão passei em revista a minha roupa e a minha pessoa. Os meus dezenove anos eram sadios e
poupados, e o meu corpo regularmente talhado. Tinha os ombros largos e os membros ágeis e
elásticos. As minhas mãos fidalgas, com dedos afilados e esguios, eram herança de minha
mãe, que as tinha tão valentemente bonitas que se mantiveram assim, apesar do trabalho
manual a que a sua condição, a obrigava. Mesmo de rosto, se bem que os meus traços não
fossem extraordinariamente regulares, eu não era hediondo nem repugnante. Tinha-o
perfeitamente oval, e a tez de cor pronunciadamente azeitonada.4”
O tratamento dado aos negros é fruto de todo uma construção social, envolvendo a
conjuntura econômica das sociedades antigas até os dias atuais, em diversos países
desenvolvidos ou subdesenvolvidos.
A explicação para o uso da mão de obra africana forçada nas colônias é alvo de
diversas correntes de pesquisas históricas. No início justificava-se que os negros eram
inferiores e, tendo perdido uma guerra, poderiam ser escravizados. Também houve a crença
que o negro africano foi escravizado porque o índio não se deixou escravizar ou porque
morreu de doenças trazidas pelos colonizadores. A escravidão era uma instituição presente
nas sociedades africanas, mas não tinha fins comerciais, e representava dominação e poder do
mais forte sobre o fraco. Nos meandros das sociedades africanas, o domínio europeu também
foi favorecido pelos africanos que vendiam escravos para os colonizadores. Os inimigos eram
a única "mercadoria" que eles tinham para oferecer e assim, poder comprar os valiosos
objetos trazidos pelos europeus. Em posse de vigorosa tecnologia náutica, os europeus
transportavam os africanos de maneira forçada até o outro continente e lhes negava o direito à
própria vida. Estes eram entregues aos futuros proprietários nas fazendas de açúcar e café5.
“Leis de segregação racial haviam feito breve aparição durante a reconstrução, mas
desapareceram até 1868. Ressurgiram no governo de Grant, a começar pelo Tennesse, em
1870: lá, os sulistas brancos promulgaram leis contra o casamento inter-racial. Cinco anos
mais tarde, o Tennessee adotou a primeira Lei Jim Crow e o resto do sul o seguiu
rapidamente. O termo “Jim Crow”, nascido de uma música popular, referia-se a toda lei
(foram dezenas) que segue o princípio “separados, mas iguais”, estabelecendo afastamento
entre negros e brancos nos trens, estações ferroviárias, cais, hotéis, barbearias, restaurantes,
teatros, entre outros. Em 1885, a maior parte das escolas sulistas também foram divididas em
instituições para brancos e outras para negros. Houve “leis Jim Crow” por todo o sul.
Apenas nas décadas de 1950 e 1960 a suprema Corte derrubaria a ideia de “separados, mas
iguais6”.
“’Em 13 de maio de 1888, há 130 anos, o Senado do Império do Brasil aprovava uma
das leis mais importantes da história brasileira, a Lei Áurea, que extinguiu a escravidão. Não
era apenas a liberdade que estava em jogo’, diz o historiador Luiz Felipe de Alencastro, um
dos maiores pesquisadores da escravidão no Brasil8.”
O que estava em jogo, no Brasil, eram as terras inutilizadas pelos seus donos, que
temiam a sua repartição com povos negros, por meio de reivindicações. Em paralelo, o negro
sempre teve dificuldades para ascender e encontrar moradia, educação e inclusão. Na obra de
Lima Barreto, Isaías traz consigo uma carta de recomendação dirigida a certo deputado, mas
não consegue ter acesso a ele. Atribui à sua condição racial o insucesso na busca por uma
colocação.
“Levado a presença do delegado, começa o interrogatório: “Qual é a sua
profissão?” “Estudante.” “Estudante?!” “Sim, senhor, estudante, repeti com firmeza.”
“Qual estudante, qual nada!” A sua surpresa deixara-me atônito. Que havia nisso de
extraordinário, de impossível? Se havia tanta gente besta e bronca que o era, porque
não o podia seu eu? Donde lhe vinha a admiração duvidosa? Quis-lhe dar uma
resposta, mas as interrogações a mim mesmo me enleavam. Ele por sua vez, tomou o
meu embaraço como prova de que mentia.” Com ar de escarninho perguntou: “Então
você é estudante?”. Dessa vez tinha-o compreendido, cheio de ódio, cheio de um santo
ódio que nunca mais vi chegar em mim. Era mais uma variante daquelas tolas
humilhações que eu já sofrera; era o sentimento geral da minha inferioridade,
decretada a priori, que eu adivinhei na sua pergunta. O delegado continua o
interrogatório até arrebatar chamando Caminha de malandro e gatuno, que, sentindo
num segundo todas as injustiças que vinha sofrendo chama o delegado de imbecil. Foi
para o xadrez. Passa pouco mais de 3 horas na cela e é chamado ao delegado. Este se
mostra amável, tratando-o por “meu filho”, dando-lhe conselhos9.”
Enfim, como diz Silvio Almeida, (...) o racismo é a manifestação normal de uma
sociedade, e não um fenômeno patológico ou que expressa algum tipo de anormalidade 10.
(...) Ou seja, as sociedades têm estruturas próprias de discriminação, privilegiando outros
grupos de pessoas em detrimento de outros. E como diz a filósofa Djamila Ribeiro, “ é
impossível não ser racista tendo sido criado numa sociedade racista. É algo que está em nós e
contra o que devemos lutar sempre11.” Portanto, é indubitável a ampla discussão da temática
em todas as áreas da sociedade, a fim de promover uma grande reparação histórica com o
povo negro. As cotas são um marco inicial importante na inclusão do negro na educação.
Além disso, uma mudança na consciência humana se faz necessária. Porém, a luta do
movimento negro permanece contemporânea na busca pela igualdade socioeconômica para
homens e mulheres brancos e negros.
Referências bibliográficas
1. Pero Vaz de Caminha, cartas quinhentistas;
2. Ativistas indígenas desconstroem o "descobrimento" do Brasil (terra.com.br);
3. Imagens de quando a segregação racial era legal nos EUA lembram a importância
de combater o racismo | Hypeness inovação e criatividade para todos;
4. BARRETO, Lima. Recordações de um Escrivão Isaías Caminha. Rio de Janeiro:
Contexto, 1909;
5. Tráfico Negreiro: origem, prática e fim do comércio - Toda Matéria
(todamateria.com.br);
6. KARNAL, Leandro. História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. São
Paulo: Contexto, 2007;
7. Abolição da escravatura: Brasil demorou a acabar com o trabalho escravo - UOL
Educação;
8. Abolição da escravidão em 1888 foi votada pela elite evitando a reforma
agrária, diz historiador - BBC News Brasil
9. BARRETO, Lima. Recordações de um Escrivão Isaías Caminha. Rio de Janeiro:
Contexto, 1909
10. ALMEIDA, Silvio. Racismo Estrutural.
11. RIBEIRO, Djamila. Pequeno Manual Antirracista.