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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA

CENTRO DE ARTES HUMANIDADE E LETRAS- CAHL

ADAILANE DOS SANTOS SOUZA

REPRESENTAÇÃO DAS MULHERES NEGRA NAS


TELENOVELAS BRASILEIRAS

UM OLHAR SOBRE O DOCUMENTÁRIO A NEGAÇÃO DO BRASIL

Cachoeira- Ba

2019.
ADAILANE DOS SANTOS SOUZA

REPRESENTAÇÃO DA MULHERES NEGRAS NAS


TELENOVELAS BRASILEIRAS

UM OLHAR SOBRE O DOCUMENTÁRIO A NEGAÇÃO DO BRASIL

Trabalho apresentado ao Curso Comunicação


Social com habilitação em Jornalismo da UFRB -
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, para
a disciplina Temas Especias em Cinema.

Prof. Carlos Ribeiro

Cachoeira- Ba
2019.
1.0 INTRODUÇÃO

A televisão no Brasil existe desde os anos de 1950, mas apesar de muito tempo
no ar o negro que representa a maior parte da população brasileira, segundo os dados
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE, sua participação ainda é pouca,
quando falamos em novelas, propagandas e séries.
Os Brasileiros que tem o hábito de assistir novelas e que se envolvem nas tramas,
devem se lembrar de poucos personagens negros que tiveram papéis de destaque. Por
outro lado, nos lembramos com mais facilidades de personagens negros que reforçam
os estereótipos, aqueles que gostam de samba, mora na favela ou em bairros periféricos,
atuam num núcleo violento ou onde há criminalidade, ou cargos como motoristas,
empregada doméstica, porteiro e secretaria.
A professora de antropologia da ECA-USP Solange Martins Couceiro de Lima, no
artigo "A personagem negra na telenovela brasileira: alguns momentos" (Revista USP,
2001) aborda que:

“a telenovela é, pois, a narrativa que veicula representações da


sociedade brasileira, nela são atualizados crenças e valores que constituem o
imaginário dessa sociedade. Ao persistir retratando o negro como subalterno, a
telenovela traz, para o mundo da ficção, um aspecto da realidade da situação
social da pessoa negra, mas também revela um imaginário, um universo
simbólico que não modernizou as relações interétnicas na nossa sociedade”.
(COUCEIRO, 2001).

A Rede Globo que é líder de audiência, suas telenovelas tem uma grande repercussão
no Brasil, são comentadas por colunistas em jornais e revistas, em programas de fofocas,
e até no dia a dia da população brasileira. Porém é alvo de várias críticas quando se trata
de personagens negros nas suas novelas. Neste artigo abordarei a representação das
mulheres negras em algumas telenovelas da Rede Globo relacionando com o
documentário “A negação do Brasil”.
2.0 DOCUMENTÁRIO “A NEGAÇÃO DO BRASIL”

“A negação do Brasil: O negro na telenovela brasileira” (2004), em que o autor,


Joel Zito Almeida de Araújo, analisou telenovelas transmitidas entre 1963 e 1997, pela
TV Tupi, TV Excelsior e Rede Globo. Só a análise das 98 novelas exibidas pela Rede
Globo, nas décadas de 1980 e 1990 revelou que, exceto as que tinham a escravidão
como tema, em 28 delas não apareceu nenhum afro-descendente. E, em apenas 29 o
número de atores negros contratados conseguiu ultrapassar a marca de dez por cento
do total do elenco (ARAÚJO, 2004). Quando apareceram, foram mostrados de maneira
estereotipada. Os papéis destinados a eles, na maioria das vezes, eram empregados
domésticos, subordinados aos patrões brancos. As personagens negras eram mostradas
de forma subalterna e negativa, destacando-se os aspectos da sensualidade.
Joel narra a trajetória da atriz Isaura Bruno. A primeira protagonista negra de
telenovela brasileira, sucesso de audiência “Direito de Nascer”, contudo morreria “pobre
e como uma desconhecida, vendendo doces na Praça da Sé em São Paulo”, no ano de
1977. Nesse caso, em especial, para Joel, o ideário da “Democracia Racial” e o “desejo
do branqueamento”, não permitiriam que o público percebesse sequer o
desaparecimento de Isaura.
Segundo o próprio Joel, em acordo com Florestan Fernandes, o mito da
“Democracia Racial” nasce amparado na concepção de mestiçagem, ou seja, por meio
da:

“Ideia de que nessa terra se criava uma nação com uma nova raça, os
brasileiros, frutos de um hibridismo em que prevaleceria a homogeneidade racial
e cultural, que deixaria para trás, de forma completamente superada, a divisão
racial de nossa formação [...]. No entanto, apesar de sempre valorizada e
celebrada nos discursos do Estado, da intelectualidade e na literatura, a
miscigenação nunca deixou de ser vista como um estado de passagem das
“raças inferiores” para a raça superior branca (ARAÚJO, 2006, p.76).

A negra de alma branca teria sido representada pela atriz Jacira Silva, no papel
da empregada doméstica Maria Clara, na novela Antônio Maria (1968-1969). Nessa,
haveria um relacionamento de afeto entre Maria Clara e seus patrões, visto que os
mesmos demonstravam certo respeito por ela. Nas palavras de Maria Clara: “aqui eu sou
tratada como gente”. Nesses termos, pretendia-se romper com o estereótipo dos maus
tratos e da zombaria entre as empregadas domésticas e seus patrões recorrentes nas
representações da época. Contudo, ainda assim o texto se mostraria inapropriado para
tal e acabaria por sustentar o preconceito racial. Segue-se o trecho de uma declaração
de amor: “Eu também amo a Maria Clara, que importa que ela seja de cor, se a alma dela
é branca e pura. É só isso que interessa”. Um texto altamente preconceituoso que não
mudou em nada o tratamento dos patrões para com suas empregadas negras, nas
novelas daquela época.
Para Léa Garcia, independentemente de ser o papel de uma empregada
doméstica ou de uma escrava, a personagem tinha que ter conteúdo, ou seja, deveria
ser dona de si, dona da própria ação. O posicionamento assumido pelos atores e atrizes
afrodescendentes, quando lhes são ofertados papéis de subalternidade e obediência,
pode ser compreendido como um ato de resistência.
A primeira polêmica na época foi em relação a novela “A cabana de Pai Tomás”
1969-70, que tinha como protagonismo um ator negro, preferiram um ator branco Sérgio
Cardoso para representar o personagem negro. O autor Milton Gonçalves no
documentário relembrou o caso “ele se pintava de negro, colocava umas rolhas no nariz
para ficar mais “abatatado” e colocava algodão na boca para ficar falando que nem preto
velho.” Milton relembra que na época tinha muitos autores negros que poderiam
interpretar o papel mesmo assim preferiram um ator branco para interpretar um negro.
A fim de amenizar a questão junto ao público, Milton Gonçalves teria sido
convidado a dar o seu consentimento acerca da contratação de Sérgio para o papel de
um negro, em um programa na emissora Globo, que transmitia a novela, mas negou
veementemente concordar com tal feito. E como resposta da emissora recebeu a
ameaça de não continuar trabalhando na mesma. Tendo a sua demissão impedida, pois,
se demitisse ele o preconceito iria se concretizar.
Conforme verificado nas telenovelas brasileiras, é nítido o preconceito com os
negros nas telenovelas, tendo papeis estereótipos são capazes de reduzir “as pessoas
a algumas poucas características simples e essenciais, que são representadas como
fixas por natureza” (HALL, 2016, p.190). De acordo com Stuart Hall, as características
que configuram os estereótipos são “‘vívidas, memoráveis, facilmente compreendidas e
amplamente reconhecidas’” (Ibidem, p.191). E embora sempre busquemos compreender
as pessoas mediante tipos, que, por sua vez, determinam predileções pessoais,
profissão, “classe, sexo, grupo etário, nacionalidade” (Ibidem), orientação sexual, entre
outros, o danoso da representação mediante o estereótipo é que as pessoas são
reduzidas a traços simples, compreendidos enquanto relevantes, que posteriormente
serão exagerados.

2.1 A FALTA DE REPRESENTATIVIDADE DA MULHER NEGRA NAS


TELENOVELAS

A invisibilidade da mulher negra grupo que representavam em 2011, 50,2 milhões


de brasileiras (PNAD/IBGE), no âmbito social é reforçado na mídia, marcas de uma
sociedade racista e preconceituosa , é o racismo agravado pelas questões de gênero que
motivam os veículos responsáveis em transmitir informações, a não representem a
metade do grupo feminino brasileiro, de maneira consciente e perversa. (Coletivo Nisia
Flores, 2016).
Na maioria dos casos, a mídia representa a mulher negra como objeto sexual, ou
como vítimas, protagonistas de delitos ou crimes. Raras são ocasiões que as mulheres
aparecem em posições de destaques. Se para mulher branca é complicado encontrar um
lugar ao sol e ser ouvida, para a mulher negra a luta é muito maior, mais difícil e bem
mais complexa (Coletivo Nisia Flores, 2016).
De acordo com o documentário A Negação do Brasil, os estereótipos das mulheres
negras concentram-se nos papéis das empregas domésticas: criadas cômicas,
fofoqueiras, mentirosas, além da mãe preta: mulheres gordas, maternais, dominadoras e
orgulhosas:

“A telenovela pode ser considerada, no contexto brasileiro, nutriente de


maior potência do imaginário nacional e, mais que isso, ela participa ativamente
na construção da realidade, num processo permanente em que ficção e realidade
se nutrem uma da outra, ambas se modificam, dando origem a novas realidades,
que alimentarão outras ficções, que produzirão novas realidades. O ritmo dessas
transformações passa a ser a questão”. (SANTOS E SILVA, p. 4)

Desta forma podemos perceber como a mídia tem um grande poder de construção
de identidades, principalmente nas telenovelas, onde vemos papéis de pessoas negras,
diferentes dos personagens de pessoas brancas:

“Todos eles, portanto, são obrigados a incorporar na televisão a


humilhação social que sofrem os mestiços em uma sociedade norteada pela
ideologia do branqueamento, em que a acentuação de traços negros ou
indígenas significa possibilidade de viver um terno sentimento racial de
inferioridade, e uma consciência difusa e contraditória de ser uma casta inferior
que deve aceitar os lugares subalternos intermediários do mundo social”.
(SANTOS E SILVA, p. 8).

Atualmente podemos perceber que o preconceito ainda estar presente nas


telenovelas, com personagens estereotipados como no caso da personagem de Cacau
Protássio, a Zezé de Avenida Brasil, uma empregada espevitada e irreverente, que vive
fazendo graça e arrancando risos da patroa, a mulher negra, sensual e mãe solteira de
filhos de pais diferentes que se envolve com vários homens na trama, Cris
Vianna viveu Dagmar dos Anjos em Fina Estampa, esses são alguns exemplos de
muitos que infelizmente é presente nas novelas.
Recentemente a TV Globo exibiu a telenovela “Segundo Sol” a trama se passava
na Bahia, porém tinha poucos personagens negros, até a protagonista era uma atriz
branca, irônico uma novela que foi transmitida na Bahia e não tem autores negros para
interpretar os papéis, mas, quando é para interpretar escravos, favelados, presidiários,
aparecem vários autores negros.
Geovanny Silva, coordenador-geral do Movimento Negro Unificado do Distrito
Federal (MNU-DF) classifica a falta de representatividade na programação da televisão
como um ato de racismo. “A televisão é uma grande forma de visibilidade e, infelizmente,
o negro é frequentemente deixado em segundo plano. Nunca é o protagonista, é alguém
sem importância.
Após 20 anos no ar, a novela Malhação teve sua primeira protagonista negra no
ano 2016, o que deveria ser motivo de alegria, por ser uma novela que atraem o público
jovem, deveria ser uma forma de conscientizar e de debater sobre a mulher negra em
papéis de destaque, pelo contrário apenas reafirmou os estereótipos da maioria das
personagens. As protagonistas de malhação sempre foram meninas ricas, brancas,
patricinhas, estudantes, porém com Aline Dias, que interpretou Joana, foi diferente, ela
era faxineira, criada pelo padrasto e sua avó, que são brancos.
Podemos notar que nem uma família negra a personagem tem, em uma sociedade
que a maioria da população são negras, é lamentável ver que as telenovelas rotulam as
mulheres negras.
Todavia, é importante reforçar debates que envolvam maiores participações das
mulheres negras em papéis de destaques nas novelas, que possa desconstruir os
pensamentos racistas da sociedade brasileira. É preciso criar dramaturgia que comece a
contar histórias dos negros, que não é só de sofrimento e submissão como tem sido nas
novelas. As mulheres negras também podem ser jornalista, advogada, juíza, empresária,
o que eles quiserem, sem precisar ser ridicularizados como pessoas menos favorecidas,
que dependem dos outros para serem alguém na vida.
É preciso unir as forças saber que o negro é peça fundamental na construção da
história do Brasil, é preciso mostrar os seus sonhos, as lutas para conseguir seu espaço
na sociedade. A mídia tem um alto alcance, que podem ser um ponto positivo para
fortalecer esses discursos, o negro quer se ver representado, quer ter seu espaço de fala
não quer ficar preso aos estereótipos estampados nas telenovelas.
Infelizmente o preconceito ainda está presente na TV brasileira, que muitas vezes
é mascarado com discursos que na tv não existe preconceito, existe sim e está maquiado.
É preciso problematizar, não se calar diante dessa realidade cruel, que assusta saber
que ainda no Brasil existe um apartheid disfarçado.
Nas novelas de época as negras sempre são escravas que são abusadas por
seus patrões, é preciso resistir e lutar para que as mulheres também possam representar
papéis de destaque nas telenovelas, ser protagonistas de sua história.
3.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista que a representatividade da mulher negra nas telenovelas


brasileiras, são caracterizadas por estereótipos que inferiorizam sua presença, como
papéis que não acrescentam em nada a visibilidade da mulher negra na televisão.
Precisa- se de uma política mais democrática, que dê visibilidade aos movimentos
negros, que possa romper os pensamentos machistas e preconceituosos, romper o
pensamento da mulher como objeto de desejo.
Enfim, deve-se lutar por posições que mostre o potencial e a intelectualidade das
mulheres negras, que elas não são inferiores as pessoas brancas, que a cor de sua pele
não dita quem elas são. O preconceito tenta inferiorizar as mulheres negras, mas, a cada
dia as mulheres negras estão se unido para mostrar que eles podem estar onde elas
quiserem.
.
“Apartheid disfarçado todo dia
Quando me olho não me vejo na TV
Quando me vejo estou sempre na cozinha
Ou na favela submissa ao poder” (Adão Negro)

4.0 REFERÊNCIAS:

ARAÚJO, J. Z. “A negação do Brasil ( documentário)” . Disponível


https://www.youtube.com/watch?v=PrrR2jgSf9M. São Paulo,2000, 1h e 32 min.

ARAÚJO, J. Z. “ A força de um desejo- a persitência da branquitude como padrão


estético audivisual.” Revista USP n. 69, 2006

COUCEIRO, Solange M. “A personagem negra na telenovela brasileira”, Revista


USP, São Paulo ,2001.

HALL, S. “Cultura e Representação”. Rio de Janeiro. Editora PUC: Global, 2007.

Mulheres Negras na Mídia: Onde Estão? Disponível em:


https://coletivonisiafloresta.wordpress.com/2016/07/25/mulheres-negras-na-midiaonde-
estao/>. Acesso em 07 mai. 2016.

SANTOS, Francijane L; SILVA, Marcia R. “A representação da mulher negra nas


telenovelas brasileira: um espaço em construção”. São Paulo, 2007.

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