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5 Montesquieu: sociedade e poder J. A. Guilhon Albuquerque dade e 0 seu papel na estrutura do poder. Por isso Marx atribuia a historiadores de origem aristocrética uma pereepcdo da natureza da sociedade burguesa que se revelava mais realistica do que a dos economistas vinculados & nova classe em ascensio, Nao sei se raciocinio idéntico se aplicaria a Montesquieu, mas & certo que sua preocupacao central foi a de compreender, em pri- rmeiro lugar, as razdes.da decadéncia das monerquias,_os.conflitos ntensos. que minaram_sua.estabilidade, mas também os mecanis- “mos que garantiram, por tantos.séculos, sua.estabilidade, ¢. que Montesquien identi le.moderagdo. A moderacio é a ‘Pedra de toque do to estdvel dos governos, ¢ € preci- 50 encontrar os mecanismos que a produziram nos regimes do pas- sado ¢ do presente para propor um regime ideal para o futuro. Essa busca das condigdes de possibilidade de um regime esté- vel, busca que aponta para os mecanismos de moderagao, esta pre- sente em dois aspectos da obra de Montesquieu: a tipologia dos go- vernos, ou a teoria dos principios e da natureza dos regimes; ea teoria dos trés poderes, ou a teoria da separacdo dos poderes. Va- mos examinar cada uma dessas contribuigées, mas antes convém dliscutir um aspecto metodolégico essencial: a concepsdo de lei em Montesquieu. O conceito de lei Em sua tese sobre Montesquieu, @ polit ca ¢ a histdria (Lisboa, Presenga, 1972), Louis Althusser sublinhou com muita pertinéncia a contribuigdo dde Montesquieu para a adogao do conceito de lei cientifica nas eién- cias bumanas. Até Montesquieu, a noséo de lei compreendia trés ddimensoes essencialmente ligadas & iéia de lei de Deus. As leis ex- primiam uma certa ordem natural, resultante da vontade de Dens Elas exprimiam também um dever-ser, na medida em que a ordem das coisas estava direcionada para ume finalidade divina, Finalmen- te, a5 les tinham uma conotagio de expressdo da autoridade, As leis eram simultancamente legitimas (porque expressio da autorida- de), imutiveis (porque dentro da ordem das coisas) idea's (porque ‘Montesquieu introduz 0 conceito de lei no inicio de sua obra fundamental, O espirito das leis, para escapar a uma discussao vi- ciada que, dentro da tradicdo juridica sua contempordnea, ficaria limitada a discutir as instituigdes e as leis quanto & legitimidade de sua origem, sua adequabilidade & ordem natural, ¢ a perfeigio de seas fins, Uma discussto fadada 2 confundir, nas leis, concepedes 2 narureza politica, morale reliiosa Definindo ei como “relagBes necessiias que derivam da natu- reza das coisas", Montesquieu estabelece tima ponte com as cin as empirieas,e particularmente com a fisica newtoniana, que ele parafraseia, Com isso, ele rompe,com a tradicional submissdo, da politica &teologia. Mas do cairia na subordinagio oposta,estabele- cendo uma espécie de determinismo natural extremamente conserva- dor. porque tornaria as insituigdes existentes inelutdveis, insubsti- tuisel Montesquieu esté dizendo, em primeiro lugar, que € possivel encontrar uniformidades, constancias na variacao dos comportamen- tos e formas de organizar os homens, assim como € possivel encon- ‘ra-las nas relagdes entre os corpos fisicos, Tal como é possivel esta- belecer as leis que regem os corpos fisicos a partir das relagdes en- Ire massa € movimento, também_as leis_que regem os costumes € as instituigdes so relagdes que derivam da natureza das coisas Mas agui se trata de massa e movimento de outra ordem, a massa @ 0 movimento préprios da politica, que poderiam corresponder, se previsissemos levar adiante a metafora, a quem exerce 0 poder fe como ele é exercido. Sao esses, como veremos, a natureza e prin- cipio de governo, bases da tipologia de Montesquieu. ito de lei, Montesquieu traz a politica para fora do campo da teologia € da crdnica, e a insere num campo propria- _nente tedrico, Estabelece uma regra de imanéncia que incorpora a ‘eoria politica ao campo das ciéncias: as instituigdes politicas so re- sidas por leis que derivam das relacbes poMticas. As leis que regem ‘ar trtiraigees politieas, para Montesquieu, sto relagSes entre as di- ‘versas classes em que se divide a populagdo, as formas de organiza- efo econdmica, as formas de distribuigtn do poder etc. Mas 0 objeto de Montesquieu nao sto as leis que regem as re- tages entre os homens em geral, mas as les positivas, isto é, as {eis e insttuigdes eriadas pelos homens para reger as relagdes entre ‘08 homens. Montesquieu observa que, ao contrério dos outros se- res, 08 homens tém a capacidade de se furtar as leis da razdo (que deveriam reger suas relacdes), ¢ além disso adotam leis escritas € costumes destinados a reger 0s comportamentos humanos. E tém também a capacidade de furtar-se igualmente &s leis instituisées. objeto de Montesquieu é o espirito das leis, isto é, as rela- sSeugntce as les (positivas) e diversas coisas", tais como o clima,,

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