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Dilemas do Nacionalismo
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detectam as origens dessa confusão termino- damente. Um exemplo disso está na discipli-
lógica bem atrás, na história da Europa, na que estuda política mundial, chamada de
mais exatamente nas mudanças ocorridas Relações Internacionais, quando, na verda-
nos conceitos de Estado e nação que tiveram de, trata-se de relações interestatais, já que é
lugar na transição européia do Absolutismo o Estado, e não a nação, que formula e de-
à Era Moderna (Connor, 1994, cap. 4). senvolve a política exterior.
A origem latina da palavra nação – natio A confusão entre os conceitos de Estado
– sugere a idéia de territorialidade e laços de e nação não teria muita importância política
sangue em comum. Foi nesse sentido que o se a cada Estado correspondesse realmente
termo foi empregado por muito tempo, com uma nação. Nos casos em que essa coinci-
o intuito de designar elites estrangeiras vin- dência ocorre, patriotismo e nacionalismo
das de um lugar comum. Por exemplo, na são indistinguíveis, como no caso da Alema-
Universidade de Paris, durante a Idade Mé- nha hitlerista, em que os apelos nazistas se
dia, os estudantes eram reconhecidos por referenciavam indiferentemente ao Estado
suas “nações” de origem: “La vénérable Na- (Deutsches Reich), à nação (Volksdeutsch), ou
tion de France”, que incluía aqueles oriundos à pátria (Deutschland). Mas Estados-nações
não somente da França, mas também da Es- homogêneos como a Alemanha, o Japão ou
panha e Itália; “La Fidèle Nation de Picar- a Islândia são muito raros. A grande maioria
die”, reservada aos holandeses; e “La Cons- dos países contém várias etnias e nações,
tante Nation de Germanie”, que abarcava reais ou potenciais, que professam lealdades
tanto alemães como ingleses.3 A partir do sé- variadas ao Estado sob cuja jurisdição se en-
culo XVII, porém, o termo popularizou-se, contram. Mesmo a “nação” francesa à época
passando a significar simplesmente os habi- da Revolução de 1789, longe de possuir a
tantes de um dado país, independentemente homogeneidade que o conceito revolucioná-
de sua composição étnica e cultural. Ou seja, rio de cidadão parecia indicar, era na verda-
nação passou a ser quase sinônimo de povo. de composta de flamengos, catalães, nor-
A partir da Revolução Francesa, essa mandos, bretões e outros que nem falavam o
mesma noção de povo como nação passou a idioma da Île de France – de onde se origi-
ser associada ao Estado, a unidade política nou o francês moderno –, nem se considera-
que exerce autoridade (ou o monopólio da vam “franceses”. Foi somente a partir das
violência, na acepção weberiana) sobre um guerras napoleônicas, quando um exército
dado território. A doutrina de soberania po- popular foi formado sob uma só bandeira, e
pular colocou o povo como fonte de todo da posterior integração econômica das várias
poder político, tornando-o quase sinônimo regiões que a moderna identidade francesa
de Estado. Como observou Walker Connor pôde finalmente consolidar-se.4
(1994), “l’état c’est moi” tornou-se “l’état c’est A idéia convencional e popular de que
le peuple”. A própria Declaração sobre os Di- Estado e nação devem necessariamente con-
reitos do Homem e do Cidadão proclamou vergir também tem informado estudos e po-
que “a fonte de toda soberania reside essen- líticas sobre desenvolvimento no chamado
cialmente na nação; nenhum grupo ou indi- Terceiro Mundo. Tanto da parte de acadê-
víduo pode exercer autoridade que não ema- micos, como dos próprios líderes de ex-colô-
ne expressamente dela” (citada em Connor, nias na África e Ásia, tornou-se moeda cor-
1994, p. 95). Os termos Estado e nação tor- rente que um processo civilizatório exitoso –
naram-se sinônimos, sendo usados alterna- uma Bildung – só poderia ser alcançado se o
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Estado, por meio de uma ideologia naciona- líticas sobre territórios definidos exigiam
lista, promovesse o desenvolvimento de uma uma ideologia, uma cultura comum e uma
nação homogênea. Mas a grande dificuldade língua única, que somente o nacionalismo
com que a política de state-building sempre poderia proporcionar. O processo de forma-
se deparou em muitas ex-colônias foi justa- ção nacional é acelerado pela introdução de
mente conseguir que seus cidadãos transfe- um sistema educacional de massas e um có-
rissem suas lealdades tradicionais para o digo cultural popular disseminado pelos
novo Estado em construção. O modelo eu- meios de comunicação. Todo esse trabalho
ropeu idealizado de Estado-nação e o nacio- de engenharia social é necessário, segundo
nalismo a ele associado ou chocavam-se de Gellner (1964, p. 169), porque “o naciona-
frente com lealdades tribais e étnicas, geran- lismo não é o despertar das nações à auto-
do conflitos, ou adaptavam-se a estas, “dis- consciência; ele inventa nações onde elas
torcendo” o projeto original modernizador. não existem”. Eric Hobsbawm enfatiza jus-
Essa experiência acabou refletindo-se no tamente este ponto crucial da tese moder-
clássico debate acadêmico sobre o primor- nista: nações são construções, invenções hu-
dialismo e a modernidade das nações e do manas, que não existiram desde tempos
nacionalismo. imemoriais, como reivindicam os ideólogos
do nacionalismo, mas que surgiram em um
determinado contexto geográfico, socioeco-
Primordialismo e Modernidade nômico e político, que ele identifica como
sendo a Revolução Francesa, a ascensão da
A grande maioria dos estudiosos concor- burguesia e das classes médias, e o surgimen-
da que nacionalismo e nações são fenômenos to de mercados nacionais na Europa (Hobs-
modernos. Esses autores constituem a cha- bawm, 1990; Hobsbawm e Ranger, 1983).
mada escola “moderna” ou “construtivista”, O neonacionalismo surgido dos escombros
amplamente hegemônica no meio acadêmi- do socialismo real é criticado por Hobs-
co. Aqui encontramos novamente Ernest bawm justamente por não desempenhar esse
Gellner, mas também muitos outros autores papel histórico. Diferentemente do caráter
que influenciaram o desenvolvimento dos es- integrativo e emancipador do nacionalismo
tudos sobre nacionalidade, nação e identida- “clássico”, os novos nacionalismos do leste
de nacional.5 Apesar das muitas divergências europeu, segundo o historiador britânico,
existentes no seio dessa escola a respeito de são meras manifestações, divisionistas e rea-
diferentes aspectos do nacionalismo, todos o cionárias, surgidas em conseqüência do co-
associam com o advento da Era Moderna. lapso da ordem vigente (Hobsbawm, 1990).
Para modernistas e construtivistas, o surgi- Uma outra linha da escola moderna, os
mento das nações e do nacionalismo pode “instrumentalistas”, enfatiza de forma extre-
ser remetido às idéias e aos processos socioe- ma o caráter manipulador do nacionalismo,
conômicos e políticos desencadeados pelo bem como as supostas motivações econômi-
Iluminismo e a Revolução Industrial. cas que informam os movimentos nacionalis-
Gellner insiste que o nacionalismo está tas. Os instrumentalistas – em grande parte,
ligado à passagem da sociedade agrária para cientistas políticos positivistas e partidários
a industrial. A industrialização e a urbaniza- da metodologia da “escolha racional” – ale-
ção, a formação de uma burocracia nacional gam que elites empenhadas em defender seu
e a consolidação do poder de novas elites po- poder político e seus interesses econômicos
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dos a extrair recursos cada vez maiores de clarou, “errar em sua história é fator essencial
suas “sociedades civis”, gerando sistemas na- da formação de qualquer nação”.
cionais de tributação, exércitos populares e Ainda assim, a tradição primordialista
burocracias nacionais. Sua conclusão é a de conta com algum lastro acadêmico, que
que guerras criam Estados nacionais, e estes, pode ser encontrado nos trabalhos do antro-
por sua vez, geram mais guerras. pólogo Clifford Geertz. Embora nunca te-
Apesar de sua hegemonia na comuni- nha empregado o termo “primordialismo”,
dade intelectual, a escola moderna/constru- Geertz (1963, pp. 107-113) escreve sobre
tivista permanece fustigada pelo espectro do “sentimentos primordiais” para descrever la-
primordialismo. Se as nações são uma in- ços psicológicos e étnicos, de caráter lingüís-
venção moderna, por que são percebidas tico, racial, religioso ou tribal, que algumas
popularmente como eternas e primordiais? vezes se confundem entre si, ou outras vezes
Como explicar o ressurgimento de movi- apresentam-se distintamente, mas que em
mentos políticos e culturais de cunho étni- todos os casos formam identidades básicas
co e nacional, aparentemente há muito es- que unem comunidades pré-nacionais.7 E
magados pelo rolo compressor das políticas são justamente esses laços primordiais que
nacionais homogeneizantes? Por que a cul- Geertz vê como obstáculos à unidade nacio-
tura e a psicologia coletiva das comunidades nal que as políticas de nation-building perse-
nacionais são invariavelmente compostas de guem. Os exemplos dessas dificuldades
elementos pré-modernos, cuja existência é abundam. Além da já citada perseverança
muito anterior à constituição dos Estados- histórica de etnias e nações na própria Euro-
nações modernos? Essas questões remetem pa, em muitos Estados da África, Ásia e
à tradição primordialista, que, apesar de América do Sul o processo de integração na-
muito desdenhada como irracional ou “fal- cional tem gerado inúmeros conflitos étni-
sa consciência”, tem mantido certo fôlego cos. Na Nigéria, ibos e iorubas, muçulma-
graças ao trabalho de resgate efetuado por nos do norte e cristãos do sul, desafiam o
alguns autores. poder do Estado central; em Ruanda e Bu-
O primordialismo das nações sempre foi rundi, tutsis e hutus se exterminaram aos
defendido pelos ideólogos e líderes dos mo- milhares; conflitos abertos ou velados entre
vimentos nacionalistas. Para estes, as nações malásios e chineses em Cingapura, hindus e
são as unidades “naturais” da história da hu- muçulmanos na Índia, continuam abalando
manidade, e, se algumas delas ainda não con- a estabilidade política desses países; na Amé-
seguiram despertar, isso decorre de injustiças rica Latina, o ressurgimento de identidades
históricas a que os movimentos nacionalistas indígenas parece indicar uma contestação
se propõem a corrigir. Contudo, e diferente- lenta, mas constante, da hegemonia da cul-
mente, por exemplo, do marxismo, os movi- tura hispânica. Essa lista de exemplos pode-
mentos nacionalistas nunca produziram teó- ria continuar indefinidamente.
ricos. Hobsbawm (1990, p. 12) chega Tanto os estudos dos chamados “pri-
mesmo a declarar que nenhum historiador mordialistas” como as tensões criadas pelas
sério das nações e do nacionalismo poderia políticas de nation-building colocam em xe-
tornar-se um político nacionalista militante, que o modelo eurocêntrico de formação na-
já que o nacionalismo exigiria demasiada cional e sua aplicação em outras regiões do
crença em fatos inexistentes. Como o histo- planeta. Se, na Europa, a formação das na-
riador Ernest Renan ([1882]1990, p. 8) de- ções pôde ser baseada em uma etnia princi-
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pal e em longas tradições de convivência eco- nha afetado seu sentido de identidade nacio-
nômica e política entre diferentes comunida- nal. Similarmente, os judeus podem cortar
des – já que bem antes do surgimento do na- seus laços com muitos aspectos do judaísmo
cionalismo os monarcas absolutos haviam e ainda assim permanecerem consciente-
conseguido a união política dos territórios mente vinculados à nação judaica. Por esse
onde impuseram seu controle –, em outros motivo, muitos estudiosos do nacionalismo
continentes a transferência de lealdades pri- como Baker (1927), Emerson, (1964), Ha-
mordiais para o Estado central tem se mos- yes (1931), Kohn ([1929] 1967) e Connor
trado bem mais difícil. Dificuldade essa su- (1994) rejeitam definições baseadas em ele-
cintamente manifestada na famosa frase de mentos “objetivos” das nações, preferindo
Massimo D’Azeglio (citado em Hobsbawm, usar o termo “autoconsciência” para descre-
1990, p. 44) a respeito da unificação italiana: vê-las.8 Nessa perspectiva, a “essência” da na-
“Nós fizemos a Itália, agora temos que fazer ção seria a autopercepção de diferença que
italianos”. Para que a importância dos “senti- uma comunidade tem vis-à-vis outras comu-
mentos primordiais” no debate sobre nacio- nidades, bem como os laços de semelhança e
nalismo torne-se clara, a diferença entre Es- união que cada comunidade percebe como
tado e nação, já abordada acima, tem de ser intrinsecamente “seus”.
complementada por outra distinção, agora Mas esses laços de semelhança e união
entre nação e etnia. Só distinguindo analiti- são justamente os “sentimentos primordiais”
camente esses dois conceitos, acredita Geertz de caráter étnico. Etnia é a palavra de ori-
(1963), é possível compreendermos a força gem grega correspondente a nação, signifi-
dos elementos primordiais. cando, portanto, um grupo humano com
A grande maioria dos autores rejeita a descendência comum. É nesse sentido que o
idéia essencialista de nação. Se o Estado é fa- termo é usado por antropólogos e etnólogos.
cilmente conceituado em termos quantitati- Mas muitos autores diferenciam etnia de na-
vos, a essência da nação é intangível. Stálin ção pelo grau de autoconsciência implicado
([1914] 1976, p. 16), em uma obra que em cada um dos dois conceitos. Enquanto
muito influenciou a perspectiva do movi- nação sempre envolve autodefinição, um
mento comunista sobre nacionalismo, defi- grupo étnico é mais identificado por outsi-
niu nação como ders do que por seus próprios membros.
Como Charles Winick (1956, p. 193) ob-
uma comunidade histórica e estável, forma- servou, em um grupo étnico “os laços de so-
da com base em uma língua comum, terri- lidariedade são aceitos inconscientemente
tório, vida econômica e psicologia manifes- por seus membros, mas os forasteiros identi-
tadas em uma cultura comum. ficam facilmente a homogeneidade do gru-
po”. Tomotshu Shibutani e Kian Kwan
O problema é que o estudo comparati- (1965), especialistas em estudos étnicos, en-
vo de casos e a pesquisa histórica indicam fatizam igualmente que um grupo étnico é
que não há “características essenciais” da na- definido “a partir de fora”.
ção. A língua certamente é uma das caracte- Max Weber (1968) percebeu muito bem
rísticas mais enfatizadas pelos românticos essa diferença entre comunidade étnica e na-
alemães como elemento crucial da nação ção quando se referiu aos russos brancos da
alemã. Mas os irlandeses puderam perder Bielorússia.9 Segundo ele, apesar de a idéia de
sua língua original, o gálico, sem que isso te- nação incluir noções de descendência co-
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mum, como ocorre nas comunidades étni- certos modernistas apregoam, na passagem
cas, o sentimento de solidariedade étnica por de uma sociedade “tradicional” ou “agrária”
si mesmo não forma uma nação. Os russos para uma nação industrial moderna.
brancos, notou Weber (1968, p. 395), sem- Até aqui essa sugestão não representa
pre manifestaram um sentimento de solida- nenhuma novidade, se lembrarmos que Dur-
riedade étnica vis-à-vis seus vizinhos da Rús- kheim e, depois dele, os estudiosos da mo-
sia, mas não poderiam qualificar-se como dernização já haviam indicado a permanên-
uma nação separada. As observações de We- cia de elementos da estrutura social e cultural
ber revelaram-se proféticas, pois até hoje os tradicionais nas formas mais modernas de
russos brancos ainda não se constituíram em organização social.11 Mas Anthony Smith
uma nação. O colapso da União Soviética inova ao traçar um painel comparativo e em-
obrigou as elites da Bielorússia a declararem piricamente rico dos elementos étnicos, rela-
sua independência e formarem um Estado cionando sua formação a experiências huma-
próprio, mas pesquisas têm indicado que a nas sociais e identitárias cristalizadas por
maioria da população do país não se percebe gerações, e mostrando ainda sua influência
como essencialmente diferente dos russos, e na cultura das nações modernas. Smith
há forte respaldo popular para uma reunifi- (1986, cap. 2) detecta seis principais elemen-
cação com a Rússia (Urban e Zaprudnik, tos presentes em comunidades étnicas: um
1993). Nesse sentido, a Bielorússia, já um nome coletivo, um mito comum de descen-
Estado, é uma nação ainda em potencial. dência, uma história em comum, uma cultu-
Alguns autores, ainda que concordando ra distinta, uma associação com um territó-
com o grau diferente de conscientização entre rio específico e um sentido de solidariedade
etnias e nações, insistem que elementos pri- entre seus membros. Segundo ele, alguns
mordiais étnicos continuam presentes na cul- desses elementos podem estar presentes em
tura das nações modernas. Esses elementos algumas comunidades étnicas e ausentes em
são fortes e persistentes justamente porque outras, o que remete a definição de comuni-
tocam em sentimentos, identidades e laços de dade étnica aos mesmos problemas encontra-
solidariedade profundamente arraigados. Por dos na definição de nação. Mas Smith tam-
isso é comum que as elites de Estados recém- pouco está buscando uma “essência objetiva”
formados, em seu esforço para construir uma das comunidades étnicas, já que enfatiza que
nacionalidade homogênea, acabem por in- os elementos étnicos são símbolos, mitos e
corporar, ao invés de suprimir, os elementos experiências subjetivas comuns desenvolvi-
étnicos existentes em sua cultura. O sociólo- dos pelos grupos étnicos. Seus estudos facili-
go inglês Anthony Smith, um dos mais emi- tam a compreensão das particularidades cul-
nentes especialistas em origens étnicas das na- turais das nações modernas, como o sistema
ções, dedicou vários estudos ao tema, de castas na Índia, os rituais dos judeus Beta
colocando de volta ao debate acadêmico a Israel etíopes, a organização da produção
questão do primordialismo10. Não que Smith econômica e do comércio em bases étnicas
seja exatamente um “primordialista” à manei- existente em várias regiões da África e Ásia,
ra dos ideólogos nacionalistas. Ao contrário, ou ainda as instituições, valores morais, leis e
ele também concorda que as nações são um códigos de conduta que em vários países do
fenômeno moderno. Sua preocupação está mundo refletem as origens étnicas de suas
em mostrar que não há ruptura total, como culturas modernas.
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esta não pode estar baseada nas possíveis impostos. Habermas (1996, pp. 491-515)
orientações políticas dos cidadãos. Nielsen propõe uma cidadania participativa na qual
adverte ainda para a existência de elementos
étnicos até mesmo nas leis de imigração de a autonomia política é um fim em si mesma,
países cívicos como o Canadá. Um finlandês que não vai realizar-se por indivíduos priva-
que queira imigrar para o Canadá, lembra dos perseguindo seus próprios interesses,
ela, não irá ganhar cidadania pela simples mas em práticas intersubjetivas comparti-
adesão aos princípios democráticos de seu lhadas pelos cidadãos.
novo país. Para tornar-se canadense, ele terá
de aprender pelo menos um dos dois idio- Aqui, a sugestão de Habermas é clara: o
mas do país e aprender algo da história e cul- desenvolvimento democrático da União Eu-
tura canadenses (Nielsen, 1996/97, p. 48). ropéia exige uma cidadania mais comunitá-
ria e participante, que supere o modelo loc-
Esses fatos parecem demonstrar que a dico-
keano. Pois são as limitações desse tipo de
tomia entre nacionalismo étnico e cívico é
nacionalismo cívico que criam o solo fértil
reducionista, e que sociedades baseadas pu-
para o florescimento do nacionalismo xenó-
ramente em um dos dois critérios simples-
fobo de um Le Pen e para a popularidade do
mente não existem.
sentimento antiimigrante na Europa, além
Os especialistas que rejeitam a oposição
de permitir que os negócios da União Euro-
entre nacionalismo cívico e étnico, como Kai
péia sejam dominados pela burocracia e pelo
Nielsen (1996/97) e Will Kymlicka (1995,
big business.
pp. 130-137), entendem a nação como uma
As limitações dos modelos étnico e cívi-
entidade cultural. Para eles, uma nação só co levaram cientistas sociais como John Hall
pode ser qualificada como tal se possui uma a pregar o abandono de qualquer teoria geral
cultura pública e societária, compartilhada sobre nacionalismo. Para ele, o estudo do na-
por seus cidadãos, e capaz de dar sentido às cionalismo só poderá progredir se se produzi-
atividades individuais e coletivas dos mem- rem teorias menos abrangentes, que não se
bros da sociedade. Não existiria, nesse senti- reduzam a casos históricos específicos, mas
do, um nacionalismo “cívico” que fosse pura- que conduzam a tipologias mais adequadas à
mente político e que pudesse refletir uma fenomenologia nacionalista. Trata-se então,
adesão a princípios democráticos, indepen- para John Hall (1993, pp. 1-28), de encon-
dentemente da cultura em que esteja inseri- trar melhor classificação dos tipos de nacio-
do. Segundo esses autores, o nacionalismo cí- nalismo. Para Craig Calhoun, basear-se em
vico é também cultural, e tem de ser estudado um fator ou causa única que possa explicar o
como tal. fenômeno nacionalista leva ao reducionismo.
Ainda assim, um filósofo importante Divisões rígidas entre primordialismo e cons-
como Jürgen Habermas (1996) insiste na trutivismo, ou entre étnico e cívico, não são
validade da concepção cívica de identidade analiticamente frutíferas. Segundo ele, o na-
nacional, e tenta até desenvolvê-la à luz da cionalismo em suas múltiplas variantes só
realidade da União Européia. Para Haber- pode ser apreendido como formação discursi-
mas, a União Européia ainda está baseada va. O denominador comum entre o protecio-
em uma concepção lockeana de nacionalis- nismo econômico japonês, a “limpeza étnica”
mo cívico, segundo a qual os cidadãos de- promovida pelos sérvios e a execução do hino
vem trocar serviços e benefícios por votos e norte-americano em jogos de beisebol, diz
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Calhoun (1997, pp. 23-24), é uma formação bermas, não encontra subsídios empíricos
discursiva que informa e conecta todos esses sólidos. Mesmo as manifestações mais “mo-
eventos, mas que não pode oferecer uma ex- dernas” e “cívicas” de nacionalismo reme-
plicação causal para nenhum deles. tem-se a elementos étnicos “primordiais” e
Como, então, definir um fenômeno mitos de origem nacional, extraindo daí a
que se manifesta nas mais diversas circuns- força de seu apelo. Os movimentos naciona-
tâncias históricas, geográficas e culturais, to- listas são ao mesmo tempo teleológicos e tra-
mando formas tão variadas? A teoria do na- dicionais. Perseguem um destino comum,
cionalismo “clássico” desenvolvida por mas sempre reivindicam um passado. Pri-
Gellner (1983), Hobsbawm (1990) e Hobs- mordialismo e modernidade, política e cul-
bawm e Ranger (1983), além de outros, que tura, etnia e cidadania, passado e presente,
associa nação a modernidade, industrializa- aparecem nas manifestações nacionalistas de
ção e formação dos Estados-nações euro- forma combinada, em graus e associações
peus, revela-se insuficiente para explicar tan- tão diversos que desafiam sua captura por
to as dificuldades de construção de nações uma teoria singular. E é esse o dilema que se
em outras regiões do planeta como o ressur- impõe aos estudos acadêmicos: encontrar
gimento de movimentos nacionalistas na uma interpretação coerente, empiricamente
própria Europa contemporânea. A divisão sólida, com metodologia abrangente, capaz
entre nacionalismo cívico e étnico, seja nas de unir sob um mesmo conceito as variadas
versões de Liah Greenfeld ou de Jürgen Ha- manifestações de nacionalismo.
Notas
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9. O nome do país foi mudado de Bielorússia para Belarus, ou seja, da língua russa para o
idioma bielorusso, após sua independência. Uso o nome antigo porque ainda é mais co-
nhecido. Os habitantes da Bielorússia chamam-se “russos brancos”, em contraposição aos
russos (ou grã-russos) que habitam a República Federativa da Rússia.
10. As principais obras de Smith são: Theories of nationalism (1983); The ethnic origins of na-
tions (1986); National identity (1991), Nationalism in the Twentieth Century (1979).
11. Ver a esse respeito Durkheim (1964, especialmente pp. 277-278), Eisenstadt (1973) e
Nisbet (1965).
12. Em Calhoun (1997), ver especialmente caps. 1 e 2.
13. Citado em Hobsbawm e Ranger (1983, p. 18).
14. Os processos de formação nacional na Inglaterra, França e Estados Unidos são analisados
e interpretados detalhadamente em Liah Greenfeld (1992). No caso da França, Greenfeld
coloca restrições ao conceito de “vontade geral” de Jean Jacques Rousseau, que, segundo
ela, carrega uma noção coletivista e antiindividualista, mas concorda com outros autores
em que o nacionalismo francês era originariamente de caráter cívico.
15. Essa tese é retomada por Liah Greenfeld em sua obra mais recente, The spirit of Capita-
lism (Greenfeld e Chirot, 2001).
16. Por exemplo, mesmo na Europa, a Alemanha e a Itália não se unificaram até a segunda
metade do século XIX. Tradicionalmente, suas elites aristocráticas se adequavam melhor
às ordens dinásticas. A Rússia desenvolveu-se como império, sem sequer passar pela fase
pré-nacional das monarquias absolutas da Europa ocidental. As regiões da Europa Cen-
tral, predominantemente rurais, não adquiriram independência nacional nem se consti-
tuíram como países até a Primeira Guerra Mundial. Na África, os territórios dos países
que adquiriram independência após a Segunda Guerra Mundial cortavam comunidades
tribais e étnicas, e não existia mercado e economia nacionais.
17. Os conceitos de ressentimento e transvalorização de valores foram definidos por Max Sche-
ler ([1912] 1961) e retomados por Liah Greenfeld (1985).
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Resumo
Dilemas do Nacionalismo
Este artigo é uma resenha dos principais enfoques teóricos sobre nacionalismo. Para tanto,
mostra os debates mais importantes ocorridos entre os estudiosos do tema. Discute a classifi-
cação de nacionalismos predominante nos estudos acadêmicos, apontando para trabalhos re-
centes que tentam superar dicotomias tais como nacionalismo cívico versus nacionalismo ét-
nico, ou primordialismo versus modernidade.
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