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Programa São Paulo pela Primeiríssima Infância

Humanização obstétrica ou a humanização da gestação,


do trabalho de parto, do parto, do nascimento e do
aleitamento materno
Newton Tomio MiyashitaI

Resumo

O artigo retoma a importância da criação dos Centros de Parto Normal (CPN) para o atendimento à mulher no
período gravídico-puerperal e discorre sobre as iniciativas criadas a partir de programas institucionalizados de
humanização do parto e do nascimento.

Palavras-chave: Humanização Obstétrica, Parto Humanizado, Aleitamento Materno

O
ano de 1999 é um marco histórico para O nascimento, em sequência ao parto, é um
a área da obstetrícia no Brasil. Em 5 de processo importante, planejado e organizado pa-
agosto, com a Portaria nº 985/GM, o en- ra que o nascimento da família em torno dessa
tão ministro José Serra oficializou a criação dos criança ocorra nesse minuto mágico pós-parto.
Centros de Parto Normal (CPN), para o atendi- Isso pode garantir atenção, intenção e proteção
mento à mulher no período gravídico-puerperal pela formação de uma família no entorno da crian-
pelo Sistema Único de Saúde (SUS). ça. Certamente, esses cuidados resultarão em
Nesta Portaria, definiu-se como Centro de uma infância feliz e saudável para poder crescer
Parto Normal a unidade de saúde que presta com o seu futuro assegurado. É nesse momento
atendimento humanizado e de qualidade exclusi- inicial que o sentimento de família é fortalecido a
vamente ao parto normal sem distócia. A partir partir da indução dos participantes ao sentido de
deste marco, surgiram diversas experiências ofi-
assenhoramento quanto ao recém-nascido, crian-
ciais de programas institucionalizados de huma-
do defensores ferrenhos do direito dessa criança
nização do parto e do nascimento. Além disso,
de ser protegida, cuidada e acolhida na família,
centros de parto normal extra-hospitalares ou as
núcleo base da sociedade.
casas de parto e os centros de parto normal in-
tra-hospitalares foram criados.
Humanização do parto e nascimento na temática
da primeira infância
Dentro do Programa São Paulo pela Pri-
I
Newton Tomio Miyashita (newtomio@gmail.com) é médico obstetra pela
PUC-Campinas, membro da comissão de Aleitamento Materno da Febrasgo, meiríssima de Primeira Infância, com foco em
administrador hospitalar pela FGV-EASP e diretor médico da Santa Casa de
São José dos Campos. Também é consultor em Humanização do Parto e crianças de 0 a 3 anos de vida, o tema da Hu-
Nascimento nos programas estaduais da Primeiríssima Infância, com apoio
da FMCSV. manização do Parto e Nascimento ocupa lugar

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de destaque. Ele tem como objetivo maior for- conduta desnecessária cria necessidade de ou-
talecer os vínculos de mães e bebês e de be- tras condutas antes desnecessárias, terminando
bês com a família, facilitando, estimulando e em dores potencializadas na mulher.
induzindo a formação e o fortalecimento da fa- A demora na implementação dessa mu-
mília em torno de cada bebê. Isso é realizado dança deveu-se à dificuldade de adaptação re-
através da vivência do trabalho de parto, par- pentina das escolas e sociedades médicas ao
to e nascimento humanizados pelo trinômio novo conceito. Entretanto, a medicina, baseada
mãe-bebê-acompanhante. em evidências científicas, permitiu uma profun-
Assim, busca-se garantir ao recém-nascido da reflexão sobre o tema e gradativamente os
uma chegada como novo, importante e melhor novos conceitos foram introduzidos nos currí-
cidadão na sociedade. Essa atuação pode tra- culos escolares e nos principais congressos de
zer benefícios como as quedas brutais da crimi- obstetrícia.
nalidade experimentadas pelas sociedades que
assumiram esses programas infantis há mais de
20 anos. Movimentos que apoiam a humanização da
obstetrícia
Ainda não existe a prática humanizada ideal
Os avanços até agora
em todos os serviços obstétricos, principalmen-
O programa de assistência humanizada ao
te na saúde suplementar. Mesmo assim, existem
parto e nascimento completou 19 anos de exis-
movimentos oficiais do Ministério da Saúde como
tência em 2018. Os avanços mostraram que é
a Rede Cegonha e leis - ainda que estaduais e
possível transformar a obstetrícia e a neonato-
isoladas - que já obrigam os seus serviços públi-
logia tradicionais - e intervencionistas ao extre-
cos à oferta de assistência obstétrica e neonatal
mo - em uma assistência que oferece e garante
humanizadas.
o direito das mulheres e seus fetos ao melhor
Por sua vez, a Agência Nacional de Saúde
parto. Isso é feito respeitando as privacidades,
Suplementar, coordenadora das atividades das
individualidades, vontades e necessidades das
operadoras de saúde suplementar, tem aborda-
gestantes de forma empática e segura.
Além da humanização do atendimento, o do as suas afiliadas para discutir o direito das
grande segredo para o sucesso dos centros de suas parturientes de terem acesso às práticas
parto normal intra-hospitalares é a harmonização humanizadas de assistência. Essas discussões
de uma equipe de assistência multiprofissional. são baseadas na inversão da estatística de par-
Ela conta com enfermeiros obstetras, médicos tos cesarianos nos serviços privados, responsá-
obstetras, neonatologistas, anestesistas e ou- veis pelo nosso ranqueamento mundial dentre os
tros profissionais atuando em mútua colaboração campeões de partos cesáreos.
sobre o mesmo paciente. Outro movimento oficial, na tentativa de in-
Passamos, então, de uma obstetrícia im- duzir uma melhoria da assistência obstétrica, é a
pessoal, mecânica e essencialmente intervencio- Lei estadual nº 15.759, de 25 de março de 2015.
nista para uma obstetrícia que recupera a auto- Ela assegura o direito ao parto humanizado nos
nomia dos profissionais médicos e de enferma- estabelecimentos públicos de saúde do Estado
gem obstétrica. É importante reforçar que cada de São Paulo.

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O tripé da humanização obstétrica e neonatal Enquanto a obstetrícia tradicional impõe


Os conceitos do programa de humanização episiotomia em 100% dos partos vaginais, mes-
obstétrica e neonatal não são estanques e con- mo quando não há indicação de parto instrumen-
tinuam evoluindo gradativamente como toda a ci- talizado por fórcipe ou vácuo extração, o progra-
ência. Aquilo que poderia se consolidar somente ma de humanização do parto preconiza avaliar o
como mais uma receita de bolo, repetindo o erro períneo e somente realizar episiotomias quando
das generalizações de condutas cometido pela houver indicação.
obstetrícia tradicional, tem hoje como base di- Para manter o direito de opção da partu-
ferencial o tripé da humanização. Ele engloba a riente pelo seu médico ou enfermeiro obstetra
individualização de condutas, o direito à privaci- na assistência ao trabalho de parto, será preciso
dade e a empatia. Com isso, a assistência huma- uma mudança na forma de pagamento pelo pro-
nizada se torna cada vez mais viva e em constan- cedimento de parto. Isso pode atrair mais pro-
te adaptação às mudanças sociais e culturais da fissionais e pacientes que tenham a consciência
sociedade que dela se beneficia. do enorme benefício ao binômio materno e fetal
Enfim, hoje, já não é mais aceitável a prática quando uma assistência humanizada ao parto e
da obstetrícia tradicional e intervencionista médi- ao nascimento é verdadeiramente praticada. Ho-
co-centrada. Hoje, ela ainda é campeã mundial je, essa opção é restrita à pacientes que con-
de taxa de cesarianas e de partos instrumentali- cordam em complementar os honorários profis-
zados e “partejados” - termo utilizado por profis- sionais ou que utilizam do seu direito de serem
sionais que acreditam poder intervir artificialmen- atendidas nos vários serviços do SUS, incluídos
te no evoluir do trabalho de parto e no expulsivo nos programas oficiais de Humanização Obstétri-
do parto com manobras não reconhecidas como ca, mesmo tendo direito a maternidades do siste-
realmente úteis e inócuas. ma suplementar de assistência à saúde.

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