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Diferenciar os aspectos normais da gravidez dos processos patológicos nem sempre é fácil.
Assim, é possível se deparar com situações de má adaptação do organismo materno à
presença do feto, de manifestação de doenças latentes, de intercorrências patológicas ligadas
especificamente ao período gestacional e de piora de doenças previamente existentes. Nesses
casos, as gestações serão consideradas de alto risco e merecem atenção especial na
assistência pré-natal. Com o conhecimento das alterações gravídicas fisiológicas, é possível
prever os momentos de descompensação clínica e, assim, antecipar-se em relação aos
cuidados necessários para cada gestante.
Além do componente endócrino, a placenta também atua na resposta vascular, por meio da
elaboração de maior quantidade de prostaciclina, comparativamente à produção de
tromboxano, de renina, de angiotensina e de hormônios adrenais que agem na quantidade e
na composição dos derivados do sangue e na reatividade vascular.
SISTEMA CIRCULATÓRIO
A fisiologia da hipervolemia materna ainda não foi completamente elucidada, mas parece se
tratar do surgimento de novo equilíbrio entre fatores envolvidos na retenção e na excreção de
sódio e água, resultantes da vasodilatação sistêmica e do aumento da capacitância dos
vasos.95 O sistema renina-angiotensina-aldosterona tem maior atividade na gestação de
forma a suplantar a ação de mecanismos excretores, como o aumento da filtração glomerular
e do peptídeo atrial natriurético.16
Eritrócitos
Leucócitos
Os níveis plaquetários estão discretamente reduzidos na gravidez normal. Parte desse evento
ocorre pelo fenômeno da hemodiluição, mas o consumo de plaquetas também está envolvido
nesse processo, e certo grau de coagulação intravascular no leito uteroplacentário pode ser
uma justificativa para esse achado.153 O aumento da produção de tromboxano A2 está
associado à maior agregação plaquetária e, assim, à redução da contagem plaquetária. Um
discreto aumento do baço também pode ser responsável pela queda observada no número de
plaquetas na gravidez.139 Por essa razão, considera-se plaquetopenia na gestação uma
contagem inferior ou igual a 100.000/mm3.4,73,119 A contagem de plaquetas volta a
aumentar logo depois do parto e continua subindo por 3 a 4 semanas até retornar aos valores
basais.4,106
Especula-se que todas essas alterações do mecanismo de coagulação sejam mediadas por
processos hormonais relacionados aos altos níveis de estrógeno e progesterona oriundos do
tecido placentário, uma vez que desaparecem 1 hora após a dequitação.153
Metabolismo do ferro
No período periparto, uma gestação no termo com feto único deve exigir, em média, 900 a
1.000 mg de ferro livre total. A demanda por ferro é maior na segunda metade da gravidez,
chegando a uma necessidade de 6 a 7 mg/dia no terceiro trimestre.150 Mesmo em gestantes
com grave deficiência de ferro, a produção de hemoglobina fetal permanece intacta; no
entanto, nesses casos, além de anemia materna grave, há depleção das reservas de ferro na
gestante e no produto conceptual.
Adaptações hemodinâmicas
FIGURA 3.Débito cardíaco (em L/min) em mulheres não gestantes (verde), ao longo da
gravidez (amarelo), durante o trabalho de parto (azul) e no pós-parto imediato (vermelho).
(Figura adaptada de Cunningham et al.138)
A terceira adaptação circulatória acontece em nível bioquímico. O aumento relativo da
produção de prostaciclina, em comparação à produção de tromboxano A2, ocasiona
vasodilatação sistêmica.147 Em associação aos altos níveis de progesterona presentes no
período gestacional, a prostaciclina não só gera, como também mantém a vasodilatação
generalizada que se observa na gestante. A refratariedade vascular aos estímulos
vasoconstritores de angiotensina II e de catecolaminas ocorre pela ação dessas
substâncias.17,65 Além desses fatores, a produção endotelial de óxido nítrico apresenta
aumento no período gestacional e colabora localmente para a vasodilatação periférica. Em
adição a essa vasodilatação, o surgimento da circulação uteroplacentária, de baixa resistência,
contribui para diminuir a resistência vascular periférica.104,115
A redução da resistência vascular periférica é tão acentuada que é capaz de reduzir a pressão
arterial sistêmica, apesar do aumento do débito cardíaco.34 Considera-se, portanto, que o
decréscimo da pressão arterial sistêmica resulte dos seguintes determinantes:
A queda da pressão arterial sistêmica média é mais acentuada no segundo trimestre e retorna
para níveis pré-gravídicos próximo ao parto. Essa redução acontece mais à custa da pressão
arterial diastólica – que em geral diminui em 5 a 15 mmHg – do que da pressão arterial
sistólica – que sofre queda de 3 a 5 mmHg.17,124 Durante as contrações uterinas do trabalho
de parto, a pressão arterial se eleva, o que é desencadeado pelo aumento do débito cardíaco e
pela ação das catecolaminas liberadas pelo estímulo da dor (Figura 4).153
O aumento da pressão venosa nos membros inferiores é justificado pela compressão das veias
pélvicas pelo útero volumoso. Por essa razão, há maior chance de a gestante apresentar
hipotensão, edema, varizes e doença hemorroidária.17,86 A compressão uterina também
pode ocorrer sobre vasos maiores, como a veia cava inferior, quando a gestante se encontra
na posição supina a partir da segunda metade da gravidez. A redução da pré-carga nessas
ocasiões provoca hipotensão seguida de bradicardia por reflexo vagal, podendo se manifestar
com quadro de lipotimia (síndrome da hipotensão supina).17,148
Coração
Com o decorrer da gravidez, o diafragma se eleva pelo aumento do volume abdominal. Esse
deslocamento altera a posição cardíaca, que está intimamente relacionada à localização do
diafragma. Assim, o coração se apresenta desviado para cima e para a esquerda, ligeiramente
rodado para a face anterior do tórax.17,145
Além desse deslocamento, o volume do órgão está maior como um todo, em função do
aumento do volume sistólico e da hipertrofia dos miócitos.153 Pequenas alterações do ritmo
cardíaco são frequentes, em especial as extrassístoles ventriculares e taquicardias paroxísticas
supraventriculares.132 O sopro cardíaco sistólico é comum em decorrência da redução da
viscosidade sanguínea e do aumento do débito cardíaco.55 Cerca de 90% das gestantes
apresentam sopro sistólico leve; 20%, sopro diastólico; e 10%, sopro contínuo, consequente à
hipervascularização local das mamas.55
Por razão das modificações anatômicas e funcionais do coração, pode haver alterações
eletrocardiográficas fisiológicas nas ondas T e Q, no segmento ST e desvio do eixo cardíaco
para a esquerda de 15° a 20°. Orienta-se, portanto, cuidado especial na interpretação e no
diagnóstico de alterações do eletrocardiograma (ECG) e de cardiomegalia em gestantes.156
Hipotálamo
O hipotálamo exerce importante papel no sistema endócrino por ação parácrina e autócrina,
atuando na regulação da atividade da hipófise. Durante a gravidez, as concentrações de
diversos hormônios produzidos pelo hipotálamo têm aumento na circulação periférica, apesar
de não serem tipicamente detectadas fora do período gestacional. Isso decorre da produção
placentária de variantes idênticas aos hormônios hipotalâmicos, como hormônio liberador da
gonadotrofina (GnRH), hormônio liberador da corticotrofina (CRH), hormônio hipotalâmico
estimulador da tireotrofina (TRH), somatostatina e hormônio liberador do hormônio do
crescimento (GHRH).36
Hipófise
Tireoide
Redução dos níveis séricos de iodo pelo aumento da taxa de filtração glomerular e
pelo consumo periférico.
Aumento da produção e da glicosilação da globulina transportadora de hormônios
tireoidianos (TBG, do inglês thyroxine-binding globulin) com consequente aumento das
frações ligadas dos hormônios.
Estimulação direta dos receptores de TSH pelo hCG.
Essas alterações provocam sobrecarga funcional da tireoide, mas não costumam causar
aumento volumétrico acentuado da glândula, de forma que a presença de bócio merece
investigação quando presente.5,9 O aumento da depuração renal de iodo associado à ingestão
baixa ou limítrofe desse elemento pode ocasionar deficiência na produção hormonal materna
e fetal.138 Políticas nacionais de iodação do sal de cozinha limitam o surgimento de deficiência
de iodo, o que pode ocorrer, contudo, em gestantes que fazem dietas restritivas.
Ovários
Glicosúria leve (até +/4+ ou 250 mg/dL) pode estar presente em um número considerável de
gestantes, mas sem maiores significados, pois está relacionada ao aumento fisiológico da
filtração glomerular e à diminuição da reabsorção tubular renal. É importante ressaltar que
níveis maiores que o esperado são motivo de alerta e investigação para diabetes.144
Metabolismo proteico
PELE E ANEXOS
Entre os locais de maior incidência estão face, fronte, projeção cutânea da linha alba (que
passa a ser denominada linha nigra), aréola mamária e regiões de dobras (Figura 10). Podem
piorar com a exposição solar e costumam desaparecer após a gravidez. O sinal de Hunter nada
mais é que a pigmentação periareolar que determina o surgimento da aréola secundária nas
gestantes. Mais raramente, podem surgir as linhas de demarcação pigmentares, transições
bem delimitadas entre pele mais clara e pele mais escura, que ocorrem principalmente no
tronco e nos membros inferiores e tendem a sumir ao término da gestação.32,47,97,135,153
As estrias são mais frequentes no período gestacional. Como não há alteração da qualidade
das fibras colágenas nem da constituição da epiderme, atribui-se sua ocorrência à hiperfunção
das glândulas adrenais, portanto, ao hipercortisolismo típico da gravidez. Os fatores de risco
para o desenvolvimento de estria são história familiar e, marcadamente, ganho de peso
excessivo na gestação. A distensão da pele do abdome, das mamas e do quadril pode provocar
o aparecimento de estrias nessas regiões (Figura 11) e até o momento não há comprovação de
tratamentos eficazes.32,47,111,138,153
SISTEMA ESQUELÉTICO
As articulações, de modo geral, sofrem processo de relaxamento durante a gravidez, com
acúmulo de líquido também denominado embebição gravídica.135 Ao contrário do que se
acreditava, os níveis de estrógeno, progesterona e relaxina parecem não estar envolvidos
nesse fenômeno.89 Nas articulações dos membros inferiores, a embebição gravídica pode
predispor a gestante a dores crônicas, entorses, luxações e até fraturas.6,153
As alterações mecânicas são o principal fator desencadeante da dor lombar, queixa comum e
que afeta cerca de 60% das gestantes.6 Tipicamente, a queixa se acentua com a progressão da
gestação e se resolve após o parto. Também, principalmente em decorrência das alterações
mecânicas, as gestantes podem apresentar dor pélvica, que inclui dor na sínfise púbica, dor na
articulação sacroilíaca uni ou bilateralmente e síndrome da dor da cintura pélvica, quando há
acometimento das três articulações. Da mesma forma, a dor pélvica usualmente regride após
o parto.6
SISTEMA DIGESTÓRIO
As adaptações vasculares orais decorrentes dos altos níveis de esteroides sexuais circulantes
causam hipertrofia e hipervascularização gengival. Tal fato resulta em gengiva edemaciada e
facilmente sangrante, o que dificulta a limpeza local. O pH salivar é mais baixo, podendo
propiciar proliferação bacteriana. Esses dois fatos podem aumentar o risco de ocorrência de
cáries, mas apenas naquelas mulheres em que os hábitos de higiene são deficientes.7,135 A
hipertrofia gengival acentuada com proliferação das papilas intermediárias e dos vasos locais
pode eventualmente formar pseudotumores ou granulomas, os quais são denominados
epúlides gravídicos.7,135
A hipotonia da vesícula biliar, por sua vez, predispõe ao surgimento de litíase biliar, em
especial pela associação com o aumento do colesterol total desde o início da gestação.7,145
Com o aumento do volume uterino, ocorrem alterações anatômicas que desviam o estômago e
o apêndice para cima e para a direita de sua localização habitual, e os intestinos para a
esquerda. Por vezes, o apêndice cecal ocupa o flanco direto, dificultando o diagnóstico clínico
de apendicite na gravidez.138
SISTEMA RESPIRATÓRIO
Alterações anatômicas da caixa torácica podem ser notadas tão logo se inicia a gestação.
Assim, observam-se elevação diafragmática de aproximadamente 4 cm e maior capacidade de
excursão desse músculo, que aumenta em cerca de 2 cm.19 A amplitude de movimento do
diafragma se reduz ao longo da gravidez devido ao aumento do volume abdominal que ocorre
com o crescimento uterino. A caixa torácica apresenta aumento de 5 a 7 cm em sua
circunferência e 2 cm em seu diâmetro anteroposterior, com consequente ampliação dos
ângulos costofrênicos (de até 35°) (Figura 13).10,13,19,38
SISTEMA DIGESTÓRIO
As adaptações vasculares orais decorrentes dos altos níveis de esteroides sexuais circulantes
causam hipertrofia e hipervascularização gengival. Tal fato resulta em gengiva edemaciada e
facilmente sangrante, o que dificulta a limpeza local. O pH salivar é mais baixo, podendo
propiciar proliferação bacteriana. Esses dois fatos podem aumentar o risco de ocorrência de
cáries, mas apenas naquelas mulheres em que os hábitos de higiene são deficientes.7,135 A
hipertrofia gengival acentuada com proliferação das papilas intermediárias e dos vasos locais
pode eventualmente formar pseudotumores ou granulomas, os quais são denominados
epúlides gravídicos.7,135
A hipotonia da vesícula biliar, por sua vez, predispõe ao surgimento de litíase biliar, em
especial pela associação com o aumento do colesterol total desde o início da gestação.7,145
Com o aumento do volume uterino, ocorrem alterações anatômicas que desviam o estômago e
o apêndice para cima e para a direita de sua localização habitual, e os intestinos para a
esquerda. Por vezes, o apêndice cecal ocupa o flanco direto, dificultando o diagnóstico clínico
de apendicite na gravidez.138
Alterações anatômicas da caixa torácica podem ser notadas tão logo se inicia a gestação.
Assim, observam-se elevação diafragmática de aproximadamente 4 cm e maior capacidade de
excursão desse músculo, que aumenta em cerca de 2 cm.19 A amplitude de movimento do
diafragma se reduz ao longo da gravidez devido ao aumento do volume abdominal que ocorre
com o crescimento uterino. A caixa torácica apresenta aumento de 5 a 7 cm em sua
circunferência e 2 cm em seu diâmetro anteroposterior, com consequente ampliação dos
ângulos costofrênicos (de até 35°) (Figura 13).10,13,19,38
Todo esse mecanismo favorece a condução aérea pulmonar e reduz as resistências aérea e
vascular. A facilidade da movimentação do ar nas estruturas brônquicas e alveolares é
resultado de ação da progesterona, que tem efeito direto na musculatura lisa dos brônquios,
além do centro respiratório, diminuindo o limiar de estímulo desse centro pelo dióxido de
carbono e aumentando a ventilação.50
Vale ressaltar que afecções das vias aéreas superiores também podem ser motivo de
dificuldade respiratória, como a congestão nasal. A própria gravidez promove edema e
hipervascularização da mucosa, responsáveis por um quinto das queixas típicas de rinite.87
Doenças cardíacas e pulmonares devem ser descartadas quando a dispneia é intensa ou
apresenta piora progressiva.
SISTEMA URINÁRIO
Todo esse intrincado sistema de modificações transforma a função renal, de forma que a
avaliação de exames laboratoriais em gestantes requer novos parâmetros de referência. A
interpretação deve ser cuidadosa, na medida em que valores geralmente considerados
normais podem denotar anormalidade em gestantes, indicando investigação mais
detalhada.143 Por outro lado, alguns achados anormais fora do período gestacional, como
glicosúria e proteinúria, justificadas tanto pelo aumento do ritmo de filtração glomerular como
pela redução da reabsorção tubular, podem ser considerados fisiológicos na
gestação.36,37,139 A Tabela 4 compara os valores de diferentes testes da função renal em
mulheres não gestantes e em gestantes.
Alterações do sistema urinário coletor são evidentes na gravidez. Fatores hormonais como a
progesterona provocam hipotonia da musculatura dos ureteres e da bexiga, causando discreta
hidronefrose e aumento do volume residual vesical.88 Fatores mecânicos, como aumento do
plexo vascular ovariano direito, dextrorrotação e compressão extrínseca uterina, predispõem à
acentuação da hidronefrose do lado direito e à redução da capacidade vesical, demonstrada
por meio de polaciúria fisiológica da gravidez.37,71,153
A bexiga se encontra mais elevada ao longo da gestação, com retificação do trígono vesical,
provocando refluxo vesicoureteral. Incontinência urinária é queixa comum, embora
mecanismos protetores estejam mais desenvolvidos, como aumento do comprimento
absoluto e funcional da uretra e aumento da pressão intrauretral máxima.37,77 Durante o
trabalho de parto, a compressão da apresentação fetal sobre a bexiga acarreta edema e
microtraumas na mucosa, aumentando as chances de hematúria e infecção.138
As principais queixas das gestantes quanto ao sistema nervoso central (SNC) relacionam-se a
discretas alterações de memória e de concentração, geralmente no último trimestre, e
sonolência.81 Acredita-se que a sonolência esteja associada aos altos níveis de progesterona,
hormônio conhecidamente depressor do SNC e à alcalose respiratória causada pela
hiperventilação.77,153 Estudos apontam que a memória verbal e a velocidade de
processamento estão menores quando em comparação a mulheres não gestantes.132 A
lentificação geral do SNC é comum e progressiva, podendo corresponder a alterações
vasculares das artérias cerebrais média e posterior.125
As modificações locais do organismo materno são aquelas que estão confinadas ao sistema
genital feminino e, portanto, espacialmente mais próximas do produto conceptual, com
exceção das mamas. Por essa razão, as modificações anatômicas e funcionais são localmente
mais intensas e conferem ao sistema genital da gestante alteração de suas dimensões,
coloração, posição, forma e consistência. Embora todos os órgãos do sistema genital sofram
modificações substanciais, as alterações são mais proeminentes no útero, particularmente as
relacionadas à circulação uteroplacentária, à hipervascularização local e ao aumento
volumétrico do órgão.
ÚTERO
As modificações uterinas são as mais pronunciadas, já que é durante a gravidez que o útero
exerce plenamente sua capacidade funcional e anatômica: participar da formação do concepto
e do mecanismo de parto. Assim, com o aumento progressivo da capacidade volumétrica e o
incremento considerável da vascularização, o útero retém o feto durante todo o seu
crescimento e desenvolvimento, para finalmente servir de força motora para sua expulsão
durante o trabalho de parto. Para que todas essas funções sejam atingidas conforme as
expectativas, torna-se necessário que o útero sofra importantes adaptações.
Modificações gravídicas
Assim como ocorre com outros órgãos genitais, a coloração uterina passa a ser violácea, por
causa do aumento da vascularização e da vasodilatação venosa. A retenção hídrica do espaço
extravascular, por sua vez, torna a consistência do útero amolecida, em especial na região de
implantação ovular, onde as influências mecânicas e humorais são mais diretas e, portanto,
mais intensas. A consistência uterina se modifica na vigência de contração uterina ou aumento
do tônus muscular, o que pode ser notado pela palpação abdominal a partir da segunda
metade da gravidez.135,147
As alterações de volume e peso são marcantes, visto que fora do período gestacional o útero
normal é um órgão compacto, que pesa aproximadamente 60 a 70 g, com capacidade interna
de até 10 mL e dimensões aproximadas de 7 cm de comprimento, 4 a 5 cm de largura e 2 a 3
cm de espessura (1 a 2 cm entre a cavidade e a serosa) e, no termo da gestação, apresenta-se
como um órgão com peso de 700 a 1.200 g, capacidade total de 5 L (podendo chegar a 20 L em
determinadas situações) e dimensões de comprimento, largura e espessura de
aproximadamente 30, 24 e 22 cm, respectivamente.135,138,147,153
Uma mais externa, o peritônio visceral, que recobre o corpo uterino em quase toda sua
extensão.
Uma mais interna, o endométrio, que sofre reação decidual para se adaptar à presença da
placenta e do concepto.
Uma intermediária e mais espessa, o miométrio, que é a camada em que ocorre o maior
número de modificações para que haja aumento da capacidade e do volume uterinos.
O endométrio se modifica com alterações celulares em toda sua extensão, formando a decídua
basal, onde se implanta o embrião; a decídua parietal, presente na porção da cavidade uterina
em que não houve implantação; e a decídua reflexa, que envolve o concepto e se funde à
parietal com 16 semanas de gestação, momento a partir do qual o feto ocupa toda a cavidade
uterina (Figura 15).135
Miométrio
Vascularização e inervação
A importância do segmento inferior reside no fato de ser o local da maioria das histerotomias
realizadas em cesáreas transversas e, principalmente, por abrigar a apresentação fetal (Figura
27).135,153
Colo uterino
O colo uterino é a porção inferior do útero, composto por dois tipos de epitélios e de estrutura
formada por tecido conjuntivo denso, com elementos musculares e conjuntivos. Caracteriza-se
por estrutura cilíndrica, cujo interior é ocupado pelo canal cervical com seus respectivos
orifícios interno (ou obstétrico) e externo, o qual pode ser visualizado ao exame especular de
rotina. A endocérvix é formada por epitélio cilíndrico glandular que recobre o canal cervical,
enquanto a ectocérvix se constitui de epitélio pavimentoso estratificado não queratinizado,
localizado na porção vaginal do colo. Durante a gravidez, os epitélios do colo uterino ficam
espessados, passando de 1 a 3 mm para de 3 a 6 mm de espessura.64
O arcabouço estrutural da cérvix, por sua vez, é composto por fibras musculares em muito
menor proporção do que se encontra no miométrio. Em contrapartida, possui grande
quantidade de fibras colágenas e elásticas. Essa estrutura densa é responsável pela contenção
e pela manutenção do feto e das membranas ovulares no interior da cavidade uterina, além de
anômala quando existe incompetência cervical.135,147,153
OVÁRIOS
Os ovários têm importância crucial no início da gravidez, mais especificamente até a sétima
semana. É nessa etapa que o corpo lúteo, que geralmente se mantém por 2 semanas após a
ovulação ou durante a segunda metade do ciclo menstrual, transforma-se em corpo lúteo
gravídico. Seu crescimento e manutenção são assegurados pelos altos níveis de hCG
produzidos pelas células trofoblásticas.135,147
O principal papel do corpo lúteo gravídico é fornecer progesterona em níveis suficientes para a
deciduação do endométrio, com consequente nidação do blastocisto, até o momento em que
o trofoblasto seja capaz de produzir progesterona de forma autônoma e em quantidades
adequadas para a manutenção da gestação. O corpo lúteo gravídico começa a regredir no
primeiro trimestre (por volta de 12 semanas), por conta da redução e da estabilização dos
níveis circulantes de hCG
O aumento da vascularização local demonstra plexo vascular ovariano dilatado. A rede venosa
local apresenta aumento tanto do número como do calibre desses vasos. O pedículo vascular
ovariano, responsável por um terço do suprimento sanguíneo uterino na gravidez, tem seu
diâmetro praticamente triplicado (de 0,9 cm para 2,6 cm).74
Reações ovarianas podem ocorrer em diversas situações relacionadas à gravidez. Assim,
podem-se verificar cistos tecaluteínicos, que são formações císticas grandes e múltiplas,
geralmente bilaterais e de dimensões maiores. Esses cistos são consequência de estimulação
folicular excessiva e são mais frequentes em ocasiões em que há altos níveis circulantes de
hCG, como neoplasia trofoblástica gestacional, gestações múltiplas e aloimunização RhD.44
Eles não devem ser cirurgicamente abordados, a não ser que ocorra algum tipo de
complicação, pois tendem a regredir após o parto. Raramente esses cistos produzem
andrógenos a ponto de causar virilização materna e/ou de fetos do sexo feminino.42,46
As tubas uterinas, que no início da gravidez são praticamente perpendiculares ao maior eixo
uterino, estiram-se por conta do crescimento do útero e por ele são levadas a ocupar posição
vertical, paralela ao corpo uterino. Ocorre, dessa forma, hipertrofia muscular, embora discreta.
A vascularização local é intensa, como nos ovários, alterando a cor das tubas, especialmente
das fímbrias.135,147,153 A reação de deciduação irregular e descontínua é vista na camada
interna, com perda do aparelho ciliar dessas células.72 No puerpério, as tubas uterinas
apresentam hipotrofia semelhante à encontrada em mulheres após a menopausa, da mesma
forma que todo o sistema genital feminino, por causa da diminuição dos níveis hormonais.149
VAGINA
Os esfregaços vaginais apresentam células ovoides com núcleo vesicular, típicas da gestação,
denominadas células naviculares.135 Essas células representam alterações da camada
intermediária, que descama de forma abundante, simultaneamente às células superficiais.
Variações cíclicas, normalmente apreciadas nas citologias realizadas fora da gravidez, deixam
de existir.138,147 Na gestação, a camada basal apresenta hipertrofia celular e a camada
intermediária é mais espessa e mais frouxa por causa do acúmulo de água e glicogênio,
enquanto a camada superficial é mais delgada pela descamação mais intensa.135
VULVA
MAMAS
As modificações das glândulas mamárias são evidentes desde o início da gestação. A gestante
se queixa com frequência de dor e hipersensibilidade mamária já no primeiro trimestre e
costuma apresentar melhora com o decorrer da gravidez. A produção hormonal de estrógeno
e de progesterona pela unidade placentária e a produção de prolactina pela hipófise materna
promovem o crescimento e o desenvolvimento mamário necessários para o processo de
lactação no pós-parto. É por meio de mecanismos de hiperplasia e diferenciação celular que
essas moléculas modificarão por completo a mama, único órgão que não retorna às suas
características pré-gravídicas depois de terminado o período puerperal.135,147,153
A pele das mamas pode apresentar estrias secundárias aos elevados níveis de cortisol
associados à distensão local. A hipervascularização do tecido glandular torna visível a rede
venosa sob a pele, chamada de rede de Haller (Figura 31). A partir da segunda metade da
gravidez, é possível visualizar a saída de colostro pelas papilas à expressão
mamária.135,147,152 Parece não haver relação entre o volume pré-gravídico das mamas e sua
capacidade de produção láctea.140