Você está na página 1de 8

DOI: 10.1590/1413-812320182311.

07832016 3517

Novas práticas de atenção ao parto e os desafios para

ARTIGO ARTICLE
a humanização da assistência nas regiões sul e sudeste do Brasil

New childbirth practices and the challenges for the humanization


of health care in southern and southeastern Brazil

Ricardo Motta Pereira 1


Giovanna de Oliveira Fonseca 2
Ana Célia Cirino Costa Pereira 2
Gabrielly Antunes Gonçalves 2
Roberta Amaral Mafra 2

Abstract The humanization of care in childbirth Resumo Os diferentes modelos de assistência ao


and the choice of performing cesarean or vagi- parto e a escolha pela realização de cesáreas ou
nal delivery have long been discussed in Brazil parto vaginal há tempos são debatidos no Brasil e
and worldwide. The complexities of the factors no mundo. A complexidade dos fatores que cercam
surrounding this issue range from the quality of o tipo de parto escolhido e sua assistência tem sus-
obstetric care through to the significance of child- citado questionamentos que vão desde a qualida-
birth for women. A new proposal for humaniza- de da atenção obstétrica até o significado da par-
tion of delivery was introduced by the Brazilian turição para as mulheres. Assim, a nova proposta
Ministry of Health, the objectives of which were do Ministério da Saúde (MS), de humanização
to make changes to the current system of delivery na atenção ao parto estabelecendo mudanças em
practices regarding, access, care, quality and reso- relação ao acesso, assistência, qualidade e resolu-
lution, in order to make it a more human and less tividade, tem por objetivo tornar a experiência
technical experience. The Sofia Feldman Hospital, da gestação mais humanizada e menos tecnicis-
in Belo Horizonte - MG, is a benchmark in the ta. O Hospital Sofia Feldman, em Belo Horizonte
adoption of best practices in care during child- (MG), é tido como referência pelas boas práticas
birth, according to the Brazilian National Health nessa área, de acordo com a Agência Nacional de
Agency. However, for the humanization to become Saúde Suplementar. Para que a humanização do
a national reality, there are still many challenges cuidado gestacional se torne uma realidade nacio-
to be overcome within the public health system nal ainda existem muitos desafios a serem supera-
and the private partnerships. The most important dos dentro dos sistemas de saúde, como problemas,
problems are related with the current education sobretudo quanto ao sistema de formação educa-
system that continues to prepare health profes- cional, o qual continua a preparar profissionais de
sionals to act in an interventional way, focused on saúde dentro do modelo intervencionista, focado
1
Faculdade de Medicina the physician figure. This study aims to provide na figura do médico. O presente estudo tem por
de Ribeirão Preto,
Universidade de São Paulo. an overview about the different humanized care objetivo fornecer um panorama acerca das dife-
Av. Bandeirantes 3900, practices focused on pregnancy and childbirth, rentes práticas assistenciais humanizadas, volta-
Monte Alegre. 14049-900 conducted in southern and southeastern Brazil. das à gestação e ao parto, realizadas nas regiões sul
Ribeirão Preto SP Brasil.
rmpereira@alumni.usp.br Key words Midwifery, Humanized childbirth, e sudeste do Brasil.
2
Faculdade de Medicina, Perinatal care, Natural childbirth Palavras-chave Assistência ao parto, Parto hu-
Universidade José do manizado, Assistência pré-natal, Parto normal
Rosário Vellano. Belo
Horizonte MG Brasil.
3518
Pereira RM et al.

Introdução em UTIs neonatais e as taxas de prematuridade e


aumente a satisfação das mulheres com a atenção
Os diferentes modelos de assistência ao parto e a recebida6.
realização de cesárea ou parto vaginal, são ques- Frente a essa realidade, subentende-se que
tões debatidas há muito tempo e, particularmen- a assistência obstétrica necessita de uma ampla
te no Brasil, desde a década de 801,2. De acordo mudança, a qual contemple seus aspectos de:
com Barbosa et al.3, a complexidade dos fatores acesso, acolhimento, qualidade e resolutividade.
que cercam o tipo de parto escolhido e sua assis- A proposta de humanização do parto vem re-
tência tem suscitado questionamentos envolven- conhecer a autonomia da mulher enquanto ser
do desde a qualidade da atenção obstétrica até o humano, e da óbvia necessidade de tratar esse
significado da parturição para as mulheres. Se- momento com práticas que, de fato, tenham evi-
gundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), dências e permitam aumentar sua segurança e
o objetivo da assistência ao parto é garantir a saú- bem-estar, bem como do recém-nascido7. Dian-
de de mulheres e recém-nascidos, com o mínimo te deste pressuposto de necessidade de mudança
de intervenções médicas, buscando a segurança nos paradigmas que permeiam a assistência ao
de ambos. Dessa maneira, a OMS recomenda que parto, na capital mineira, o Hospital Sofia Feld-
o profissional de saúde intervenha no nascimen- man, é tido como referência pelas boas práticas
to de uma criança somente quando necessário. na área de atenção ao parto e nascimento6. O
Apesar dessa recomendação, a incidência do par- hospital segue diretrizes do Ministério da Saúde
to cesáreo está aumentando em diversos países, (MS) como atenção ao parto realizada por equi-
inclusive no Brasil4. pes multidisciplinares com enfermeiras obstetras
A cesárea é uma intervenção cirúrgica origi- e médicos, estímulo à participação de acompa-
nalmente concebida para reduzir o risco de com- nhante, oferta de medidas não farmacológicas
plicações maternas e/ou fetais durante a gravidez para alívio da dor e atenção ao pré-parto, parto
e o trabalho de parto1. Essa intervenção possui e pós-parto em um único ambiente.
riscos, a despeito das melhorias na segurança O cenário de referência de qualidade em ser-
dessa cirurgia. Antes só realizada em mulheres viços prestados à saúde da gestante que caracte-
mortas para salvar a vida do feto, a cesariana riza o hospital mineiro sugere a hipótese de que
passou a proporcionar segurança à gestante e a as mudanças nas práticas de atenção ao parto,
seu filho em situações de maior complexidade2. preconizado pelo MS, ao tornar essa experiência
Embora a maioria dos autores concorde que a mais humanizada e menos tecnicista traz inúme-
cesárea deve ser evitada na ausência de indicação ros benefícios6. Neste sentido, as práticas realiza-
médica, estudos, como o realizado por Lurie5, das no Hospital Sofia Feldman e seus benefícios
relatam que melhorias nas técnicas cirúrgicas, justificariam a implantação nacional de um novo
medidas de prevenção de infecção e transfusões modelo humanizado de atenção ao parto. Entre-
sanguíneas permitiriam indicar o procedimento tanto, pouco se sabe sobre como esse processo de
também para a satisfação dos anseios da mãe e/ mudança na assistência tem ocorrido nas regiões
ou da família. sul e sudeste do Brasil, áreas de maior concentra-
De acordo com Bergholt et al.4, no Brasil há ção populacional e que exercem grande influên-
um predomínio do modelo de atenção ao parto cia sobre todo território nacional. Diante disso,
definido como evento médico ou tecnológico, se- o presente estudo tem por objetivo fornecer um
gundo o qual a gestante é tratada como paciente panorama acerca das diferentes práticas assisten-
onde o médico é o profissional responsável pela ciais humanizadas, voltadas à gestação e ao parto,
execução do parto em ambiente hospitalar e o realizadas nas regiões sul e sudeste do Brasil.
parto cesáreo é predominantemente o mais rea-
lizado. Com o intuito de reverter essa situação, a
Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) Material e métodos
está buscando experiências bem-sucedidas no es-
tímulo ao parto normal e que possam servir de Tratou-se de uma revisão narrativa da literatu-
modelos a serem seguidos. Nesse sentido, a ideia ra sobre os modelos assistenciais ao parto e às
da ANS é que os hospitais credenciados aos pla- práticas humanizadas empregados nas regiões
nos de saúde promovam uma mudança nos mo- sul e sudeste do Brasil. Para tanto, buscou-se ar-
delos de atenção ao parto, e que em longo prazo, tigos nas principais bases de pesquisa cientifica
o nascimento mais saudável diminua as taxas de como: Scielo, Google Acadêmico, Periódicos Ca-
cesarianas sem indicação clínica, as internações pes, Bireme e PubMed; trabalhos relacionados ao
3519

Ciência & Saúde Coletiva, 23(11):3517-3524, 2018


tema, em publicações nacionais e internacionais, todos os profissionais que prestam assistência a
publicados entre os anos de 2003 a 2015. Como parturientes é o de minimizar o sofrimento, tor-
descritores foram utilizados os seguintes termos: nando a vivência do trabalho de parto uma expe-
assistência ao parto, parto humanizado, cuidado riência de crescimento e realização para a mulher
pré-natal e parto normal. e sua família.
Em estudo retrospectivo realizado por Borges
Perspectivas da inserção de práticas et al.9, no Hospital Sofia Feldman, evidenciou os
humanizadas na assistência gestacional benefícios do uso de terapias humanizadas inte-
nas regiões Sul e Sudeste do Brasil grativas complementares no período gravídico
e puerperal. Este estudo teve como objetivo ca-
A partir dos anos 2000 foi introduzida pelo racterizar as usuárias do hospital e as terapias
MS, na política pública federal, a proposta de Hu- integrativas utilizadas e a sua percussão no alí-
manização na Atenção a Nascimentos e Partos vio de dor e estresse. Foram realizadas entrevis-
com o objetivo de realizar mudanças no sistema tas padronizadas com 105 mulheres usuárias do
atual de atenção ao parto7. De acordo com Ratt- serviço às quais identificaram que as práticas in-
ner7 o sentido do termo humanização adotado foi tegrativas mais utilizadas foram: musicoterapia,
o de equidade / cidadania o qual garante a toda aromaterapia, oficinas de chá e o escalda pés. Os
gestante o direito ao atendimento pré-natal inte- relatos das usuárias mostram grande aceitação
gral e completo - mínimo de seis consultas e a de das terapias alternativas e que estas proporcio-
puerpério, todos os exames preconizados, vacina- nam alívio e relaxamento diante do período de
ção antitetânica e garantia de vaga para o parto. angustia que antecede e precede ao parto, além
O MS preconiza que haverá estímulos financeiros de fortalecer a mulher para o enfrentamento da
para que municípios qualifiquem profissionais e situação vivenciada.
a efetividade da realização de pré-natais e que os Esses resultados dão suporte à possibilidade
hospitais garantam vaga para gestantes inscritas de mudança no modelo assistencial do parto e
no Programa de Humanização do Pré-Natal e puerperal, antes somente biomédico e interven-
Nascimento – PHPN. Além disso, outras inicia- cionista, agora para uma assistência holística que
tivas do MS incluem: campanhas pelo parto nor- valoriza o autocuidado, que é barato e humaniza-
mal humanizado, com presença de acompanhan- do. Além disso, os resultados positivos do estudo
te, e pela redução das cesáreas desnecessárias7. indicam a necessidade de ampliação da disponi-
De acordo com Rattner7 essa busca por mu- bilidade de terapias integrativas complementares
danças no atual modelo de atenção ao parto, bem no âmbito intra-hospitalar, facilitando o acesso
como o surgimento do movimento pela humani- das parturientes a esses e outros recursos que
zação do parto e nascimento, teve seu início há promovam a experiência do parto como um ato
25 anos. No entanto, para que a humanização na mais fisiológico, humanizado e não puramente
atenção a nascimentos e partos se torne uma re- tecnicista.
alidade cotidiana nos centros de serviços, ainda Segundo a OMS, o parto de uma gestação de
existem inúmeros e importantes desafios para a baixo risco pode ser assistido com segurança no
gestão do sistema. Os principais problemas sérios domicílio, numa casa de parto ou na maternida-
dizem respeito às mudanças preconizadas, sobre- de de um hospital, sendo a enfermeira-parteira
tudo no sistema de saúde atual o qual ainda con- o profissional mais adequado para essa função.
tinua preparando profissionais dentro do mode- Ainda de acordo com a OMS, parto de baixo ris-
lo intervencionista, considerado inadequado por co tem início espontâneo entre 37 - 42 semanas
especialistas7. completas, sem nenhum fator de risco identifi-
Segundo este mesmo autor, o grande desafio cado, mantendo-se esse quadro durante todo
para a implantação de um modelo baseado em processo e que culmina com o nascimento de um
práticas humanizadas diz respeito à articulação recém-nascido em posição cefálica de vértice1,2.
entre os Ministérios da Saúde e da Educação, Os chamados Centros de Parto Normal
para que a grade curricular dos cursos de saúde (CPN) surgiram com o objetivo de resgatar o di-
incorpore além dos fundamentos da “Medici- reito à privacidade e à dignidade da mulher ao
na Baseada em Evidências”, uma visão humana dar à luz num local semelhante ao seu ambiente
imprescindível ao bom exercício profissional. familiar, oferecendo recursos tecnológicos apro-
De acordo com Dias e Domingues8, os quais priados em casos de eventual necessidade3.
defendem a proposta de fortalecer o modelo de Esses centros seguem um padrão de procedi-
atenção multiprofissional, o grande desafio para mentos previamente estabelecidos e que direcio-
3520
Pereira RM et al.

nam as ações que realizam de forma a atender as dos à atenção ao parto e a gestante, bem como o
normas estabelecidas pelo MS. Constituem-se em cuidado pré-natal, Puccini et al.15 realizaram um
unidades de atendimento ao parto normal, loca- estudo em Embu das Artes - SP. O estudo foi rea-
lizadas fora do centro cirúrgico obstétrico. Assim, lizado no ano de 1996, teve como objetivo avaliar
os CPN dispõem de um conjunto de elementos a assistência ao pré-natal e ao parto de mães com
destinados a receber a parturiente e seus acompa- filhos menores que um ano no presente muni-
nhantes, permitindo um trabalho de parto ativo cípio. Com uma amostra constituída por 483
e participativo, empregando práticas baseadas em crianças, segundo quatro estratos de condições
evidências recomendadas e que os diferenciam de vida: tipo de moradia, o número de morado-
dos serviços tradicionais de atenção obstétrica, res, saneamento básico, a renda e a escolaridade
de acordo com Machado e Praça10 Esses mesmos dos chefes de família. Os resultados revelaram
autores compactuam a ideia de que a assistência que a procura do serviço de saúde para o cuida-
obstétrica deve envolver um conjunto de conhe- do pré-natal e parto é praticamente universal na
cimentos, de práticas e de atitudes que visam não cidade, e a hipótese de que a população das áreas
só a promoção do parto, mas também um nasci- mais pobres, das favelas, estivesse sem assistência,
mento saudável e a prevenção da morbimortali- não foi confirmada. Entretanto, foi observado
dade materna. Apesar de, no Brasil, a assistência que nessa parcela da população houve maiores
em CPN ser uma modalidade inovadora, estudos dificuldades de acesso e deficiências quanto à
internacionais mostram resultados favoráveis à qualidade da atenção, contribuindo, provavel-
assistência gestacional em casas de parto11,12. mente, para uma maior frequência de intercor-
Na busca por evidências científicas acerca dos rências neonatais, talvez também de mortalidade,
benefícios da assistência ao parto realizado fora aspecto este não abordado neste estudo e consti-
do ambiente hospitalar, Campos e Lana13 realiza- tuindo um ponto fraco metodológico.
ram um estudo analisando os principais achados Com objetivo de analisar a qualidade da aten-
clínicos da assistência prestada no CPN “Dr. Da- ção pré-natal e ao parto, Neumann et al.16 realiza-
vid Capistrano da Costa Filho”, o qual funciona ram um estudo transversal de base populacional
integrado ao Hospital Sofia Feldman. A partir da em 2180 crianças menores de três anos residentes
entrevista com 2.117 parturientes de baixo risco, em Criciúma - SC. Os resultados mostraram que
admitidas nesse CPN, foram analisadas as variá- quase a totalidade das mães (96,6%) realizaram
veis: transferência materna, tipo de parto, índice pelo menos uma consulta de pré-natal e opta-
de APGAR no 1º e 5º minutos de vida, taxa de ad- ram pelo parto hospitalar. Por outro lado, mães
missão em unidade neonatal, percentual de ava- de famílias com menor renda iniciaram o pré-
liações realizadas pelo obstetra ou pediatra, além natal mais tarde e realizaram menos consultas.
das taxas de mortalidade neonatal. Ao final do A população de baixa renda apresentou menor
estudo foi observada menor taxa de cesáreas, me- probabilidade de receber atendimento pré-natal
nor número de anormalidades cardíacas fetais, adequado, seja por apresentar maior frequên-
bem como uma maior satisfação dessas mulheres cia de mães que não o fazem, seja por iniciar o
em relação à assistência tradicional. pré-natal mais tardiamente, ou ainda por rece-
Ainda em relação à assistência prestada nos ber atendimento com menor qualidade técnica.
CPN, um estudo do tipo metanálise realizado Dados esses que corroboram aos encontrados
por Hodnett14 mostrou que mulheres atendidas na cidade de Embu das Artes - SP, fato esse que
nesses centros utilizaram em menor quantidade reforça a dificuldade de acesso entre os mais po-
métodos farmacológicos para o alívio da dor, bres. Nesse sentido, esforços devem ser feitos no
ocitocina, além de um menor número de episio- sentido de captar precocemente as mães prove-
tomias realizadas. Considerando o baixo número nientes de famílias de menor poder aquisitivo e
de estudos desta natureza realizados no Brasil, os deve ser utilizado o enfoque de risco com discri-
indicadores assistenciais obtidos no CPN minei- minação positiva.
ro estão próximos dos resultados presentes na Com o intuito de descrever o perfil social e
literatura internacional atual13. Contudo, mais obstétrico das puérperas de uma maternidade
estudos controlados e comparativos, entre a as- no município da Serra – ES, Primo et al.17, rea-
sistência hospitalar e a assistência nas CPN, são lizaram um estudo com 1.335 mulheres da loca-
necessários para a obtenção de resultados mais lidade. Os resultados mostram que escolaridade
conclusivos. materna está fortemente associada ao número
Diante da necessidade de melhorar a capaci- de consultas no pré-natal, além disso, verificou-
dade de analisar a qualidade dos serviços volta- se que as mulheres com maior grau de instrução
3521

Ciência & Saúde Coletiva, 23(11):3517-3524, 2018


apresentaram um percentual maior de parto niada, entretanto, procedimentos realizados de
cesáreo. Com objetivo semelhante, Leite et al.18 maneira rotineira merecem ser discutidos à luz
procurou examinar a relação entre o número de de evidências dos seus benefícios.
consultas de pré-natal, tipo de parto e número Ainda no município do Rio de Janeiro, um
de gestação e variáveis socioeconômicas em 323 estudo realizado por Marque et al.20, com o obje-
mulheres de uma maternidade no município de tivo de discutir a percepção de diferentes equipes
São Mateus – ES. Os resultados mostraram sig- de enfermagem sobre a humanização do parto e
nificância estatística ao relacionar o número de nascimento, realizaram um estudo por meio de
consultas de pré-natal com a faixa etária, situação entrevista com esses profissionais. As depoen-
conjugal, raça/cor, renda familiar, escolaridade, tes afirmaram que o parto feito sem manobras,
ocupação e categoria de admissão. O tipo de par- adição de drogas como a ocitocina e o apoio da
to apresentou significância estatística quando as- enfermagem na amamentação e a orientação no
sociado com as variáveis supracitadas. Diante do pré-natal são práticas de humanização ao parto
exposto, é possível inferir que as características e nascimento. Por outro lado, o uso de fórceps,
socioeconômicas exercem influência no número ocitocina, a falta de cuidados e a negligência são
de consultas de pré-natal e no tipo de parto. maneiras de desumanizar a assistência. Esse es-
A falta de atendimento ambulatorial no final tudo se torna particularmente importante uma
da gestação, no momento de maior probabilidade vez que a percepção crítica do trabalho desem-
de intercorrências obstétricas, é fator importante penhado por esses profissionais podem tornar
na determinação dos resultados maternos e peri- mais humanizada essa assistência, pois suscita a
natais1. Patah sugere que até algum tempo atrás necessidade de refletir sobre o tema, e isso pode
era comum que o serviço ambulatorial de pré-na- conscientizá-los da importância de sua participa-
tal orientasse a gestante, em sua fase final de gesta- ção na assistência, educação, promoção da saúde,
ção, a procurar um hospital no momento do parto prevenção de intercorrências na gravidez e recu-
deixando sob sua responsabilidade conseguir vaga peração da saúde.
para internação. Nesse panorama da situação obs- Considerando que a qualificação e a huma-
tétrica, a crença de que existe uma desumanização nização são características essenciais da atenção
em um momento tão importante e, principal- obstétrica e neonatal a ser prestada pelos serviços
mente, o direito que toda mulher tem de garantia de saúde e a necessidade de conhecer a assistência
ao atendimento foram consideradas como ques- prestada às parturientes (569 partos, sendo 296
tões emblemáticas a serem enfrentadas1. cesáreos e 273 vaginais), atendidas nos hospitais
D’Orsi et al.19 realizaram um estudo do tipo vinculados ao SUS no município de Maringá -
caso-controle com o objetivo de avaliar a quali- PR, um estudo de Nagahama e Santiago21 que
dade da atenção durante o processo de trabalho teve por objetivo caracterizar essa assistência e
de parto de acordo com as normas da OMS em identificar obstáculos e aspectos facilitadores
maternidades do município do Rio de Janeiro para implantação do cuidado humanizado. Os
de outubro de 1998 a março de 1999. A amos- dados apontaram para um modelo assistencial
tra foi composta por 461 mulheres oriundas de marcado pelo peso da herança higienista nas
uma maternidade pública (230 partos vaginais rotinas hospitalares e nas práticas profissionais,
e 231 cesáreas) e por 448 mulheres provenientes centrado no profissional médico como condutor
de uma maternidade conveniada (224 partos va- do processo. Os fatores institucionais, identifica-
ginais e 224 cesáreas). Os resultados mostraram dos nas dificuldades de organização institucio-
uma baixa frequência de algumas práticas que nal e na estrutura física, as rotinas hospitalares
devem ser encorajadas, principalmente no servi- e, sobretudo, a prática e postura individuais dos
ço particular como: presença de acompanhante, profissionais de saúde denotaram barreiras que,
deambulação durante o trabalho de parto, alei- em seu conjunto, dificultam a implantação do
tamento na sala de parto. Por outro lado, práti- modelo humanizado na assistência ao parto e
cas comprovadamente danosas e que devem ser nascimento.
eliminadas também foram observadas no serviço Uma vez que o parto representa um marco
privado como: uso de enema, tricotomia, uso ro- na vida da mulher, repercutindo profundamente
tineiro de ocitocina, restrição ao leito durante o nos seus planos físico, emocional e social, um es-
parto e posição de litotomia para parto vaginal. tudo realizado por Lopes et al.22, procurou inves-
A maternidade pública, apesar de atender clien- tigar quais eram as expectativas de mulheres pri-
tela com maior risco gestacional, apresenta perfil míparas de Porto Alegre – RS antes e após o parto
menos intervencionista que maternidade conve- normal ou cesárea. Assim, foram entrevistadas 28
3522
Pereira RM et al.

mulheres e os resultados mostraram que a maio- Conclusão


ria delas possuía expectativas negativas antes do
parto como: receio de que o bebê nasça prematu- É sabido que o aumento nas taxas de parto ce-
ro, dor, insegurança e até mesmo o medo de mor- sáreo é um fenômeno mundial desde as últimas
rer justificadas principalmente pela prestação de décadas do século XX1. Além disso, em muitos
serviços assistenciais pouco acolhedores. Contu- locais do mundo a realização dessa cirurgia são
do, após o nascimento, a grande maioria relatou superiores aquelas preconizadas pela OMS2. Po-
a experiência como excelente, justificada pela rém, o “bom parto”, seja ele vaginal, seja cesáreo,
tranquilidade vivenciada no período anterior ao deve ser aquele que assegure o bem-estar da mãe
parto e pela qualidade e rapidez do atendimento. e do recém-nascido. As decisões pelo tipo de par-
Os autores concluíram que não houve diferenças to devem considerar as preferências das gestan-
entre os tipos de parto em relação às expectativas tes, desde que elas tenham condições de escolher,
antes e após o parto, entretanto, é necessária uma de forma isenta, aquele que melhor lhes convém.
maior sensibilização e posição acolhedora na re- De acordo com os trabalhos apresentados, fi-
lação profissional de saúde - gestante, tendo em cou evidente que existe uma tentativa de oferecer
vista a fragilidade que as parturientes apresentam uma assistência humanizada no período prévio
neste momento de suas vidas22. ao parto, durante a realização do mesmo e no
Segundo Souza23, mesmo cidades como Belo período puerperal, nas regiões sul e sudeste do
Horizonte, que apresenta grandes avanços em Brasil. Entretanto, o processo de humanização
relação ao processo de humanização do parto e ocorre de maneira heterogênea entre os estados
sua assistência, o Brasil não atingirá a meta do que compõe as regiões analisadas. Contudo, po-
milênio, que seria do índice “Razão de Morta- demos observar uma fragilidade dos sistemas de
lidade Materna” (RMM), igual ou inferior a 35 saúde, nas diferentes regiões estudadas, em ofe-
mortes por 100.000 nascidos vivos em 2015. Em recer um atendimento precoce para a população
Belo Horizonte a maior parte dos óbitos ocorreu mais pobre, seja essa uma assistência humaniza-
no período pós-parto. Entretanto, Resende et al.24 da ou não.
afirmam que a atenção qualificada, captação pre- Considerando a existência de evidências
coce da gestante no pré-natal e a valo­rização das científicas que comprovam cada vez mais os be-
queixas das mulheres são fatores fun­damentais nefícios de uma assistência humanizada, é funda-
para evitar mortes maternas. mental que a formação acadêmica incorpore as
De acordo com a Prefeitura Municipal de mudanças no paradigma de atenção à saúde da
Belo Horizonte25, o debate sobre a influência da mulher de maneira integral. Assim, se faz neces-
cesariana sem indicação clínica, que pode in- sário a incorporação de novas atitudes por parte
clusive resultar em morte materna, é acirrado. dos profissionais, que vise uma assistência multi-
No Brasil, há uma clara tendência de au­mento disciplinar, com enfoque ao trabalho em equipe,
desse tipo de cirurgia, especialmente no siste- que garanta a saúde e os direitos das mulheres e
ma privado, fato que preocupa profissionais de de seus recém-nascidos; o preparo da gestante
saúde pública devido à intercorrências negativas para o parto desde o pré-natal; além da efetiva
as­sociadas a esse procedimento. Essa também é incorporação do modelo humanizado de atenção
uma realidade em Belo Horizonte, onde 77,8% como diretriz e filosofia institucional buscando
dos par­tos realizados em hospitais privados são respeitar a fisiologia da mulher e favorecer os in-
cesarianas25. teresses de todos os envolvidos.
3523

Ciência & Saúde Coletiva, 23(11):3517-3524, 2018


Colaboradores Referências

RM Pereira trabalhou no levantamento biblio- 1. Patah LEM, Malik AM. Modelos de assistência ao parto
gráfico, na concepção e na redação final do ar- e taxa de cesárea em diferentes países. Rev Saude Publi-
ca 2011; 45(1):186-194.
tigo; GO Fonseca trabalhou no levantamento 2. Barros FC, Vaugham JP, Victora CG. Why so many cae-
bibliográfico, concepção do abstract e revisão sarean sections? The need for a further policy change in
crítica do artigo; ACCC Pereira trabalhou no Brazil. Health Policy Plan 1986; 1(1):19-29.
levantamento bibliográfico e formatação do ar- 3. Barbosa GP, Giffin K, Angulo-Tuesta A, Gama AS, Chor
tigo; GA Gonçalves trabalhou no levantamento D, D’Orsi E, Reis ACGV. Parto cesáreo: quem o dese-
ja? Em quais circunstâncias? Cad Saude Publica 2003;
bibliográfico e adequação do artigo as normas da 19(6):1611-1620.
revista C≻ RA Mafra trabalhou na correção 4. Bergholt T, Ostberg B, Legarth J, Weber T. Danish ob-
ortográfica do artigo e aprovação da versão final stetricians personal preference and general attitude
a ser publicada. to elective cesarean section on maternal request: A
nation-wide postal survey. Acta Obstet Gynecol Scand
2004; 83(3):262-266.
5. Lurie S. The changing motives of cesarean section:
from the ancient world to the twenty-first century. Arch
Gynecol Obstet 2005; 271(4):281-285.
6. ANS Online: Novos modelos de atenção ao parto.
Qualidade da Saúde. [acessado 2015 Nov 10]. Dispo-
nível em: http://www.ans.gov.br/aans/noticias-ans/
qualidade-da-saude/2734-novos-modelos-de-atencao
-ao-parto
7. Rattner D. Humanização na atenção a nascimentos e
partos: breve referencial teórico. Interface (Botucatu)
2009; 13(1):595-602.
8. Dias MAB, Domingues R. Desafios na implantação de
uma política de humanização da assistência hospitalar
ao parto. Cien Saude Colet 2005; 10(3):699-705.
9. Borges MR, Madeira LM, Azevedo VMGO. As práticas
integrativas e complementares na atenção à saúde da
mulher: uma estratégia de humanização da assistên-
cia no Hospital Sofia Feldman. Rev Min Enferm 2011;
15(1):105-113.
10. Machado NXS, Praça NS. Centro de parto normal e
assistência obstétrica centrada nas necessidades da par-
turiente. Rev Esc Enferm USP 2006; 40(2):274-279.
11. Schmidt N, Abelsen B, Qian P. Deliveries in materni-
ty homes in Norway: results from a 2 year prospective
study. Acta Obstet Gynecol Scand 2002; 81(8):731-737.
12. Jackson DJ, Lang JM, Swartz WH, Ganiats TG, Fuller-
ton J, Ecker J, Nguyen U. Outcomes, safety, and resource
utilization in a collaborative care birth center program
Compared with traditional physician-based perinatal
care. Am J Public Health 2003; 93(6):999-1006.
13. Campos SEV, Lana FCF. Resultados da assistência ao
parto no Centro de Parto Normal Dr. David Capistra-
no da Costa Filho em Belo Horizonte, Minas Gerais,
Brasil. Cad Saude Publica 2007; 23(6):1349-1359.
14. Hodnett ED. Pain and women’s satisfaction with the
experience of childbirth: a systematic review. Am J Obs-
tet Gynecol 2002; 186(5):160-172.
15. Puccini RF, Pedroso GC, Silva EMK, Araújo NS, Silva
NN. Equidade na atenção pré-natal e ao parto em área
da Região Metropolitana de São Paulo, 1996. Cad Sau-
de Publica 2003; 19(1):35-45.
16. Neumann NA, Tanaka OU, Victora CG, Cesar JA. Qua-
lidade e equidade da atenção ao pré-natal e ao Parto
em Criciúma, Santa Catarina, Sul do Brasil. Rev Bras
Epidemiol 2003; 6(4):307-318.
17. Primo CC, Amorim MHC, Castro DS. Perfil Social e
Obstétrico das Puérperas de uma Maternidade. Rev En-
ferm UERJ 2007; 15(2):161-167.
3524
Pereira RM et al.

18. Leite FMC, Barbosa TKO, Bravim LR, Amorim MHC,


Primo CC. A influência das características socioeco-
nômicas no perfil obstétrico de puérperas. Aquichan
2014; 14(4):571-581.
19. D’Orsi E, Chor D, Giffin K, Angulo-Tuesta A, Barbosa
GP, Gama AS, Reis AC, Hartz Z. Qualidade da atenção
ao parto em maternidades do Rio de Janeiro. Rev Saude
Publica 2005; 39(4):646-654.
20. Marque FC, Dias IMV, Azevedo L. A Percepção da
Equipe de Enfermagem sobre a Humanização do
Parto e Nascimento. Esc Anna Nery Rev Enferm 2006;
10(3):439-447.
21. Nagahama EEI, Santiago SM. Práticas de atenção ao
parto e os desafios para humanização do cuidado em
dois hospitais vinculados ao Sistema Único de Saúde
em município da Região Sul do Brasil. Cad Saude Pu-
blica 2008; 24(8):1859-1868.
22. Lopes RCS, Donelli TS, Lima CM, Piccinini CA. O Antes
e o Depois: Expectativas e Experiências de Mães sobre o
Parto. Psicologia: Reflexão e Crítica 2005; 18(2):247-254.
23. Souza JP. Mortalidade materna e desenvolvi­mento: a
transição obstétrica no Brasil. Rev Bras Ginecol Obstet
2013; 35(12):533-535.
24. Resende LV, Rodrigues RN, Fonseca MC. Mortes ma-
ternas em Belo Horizonte, Brasil: percepções sobre
qualidade da assistência e evitabilidade. Rev Panam
Salud Publica 2015; 37(4/5):218-224.
25. Belo Horizonte. Prefeitura Municipal. Bole­tim de Aná-
lise do Estado de Saúde da Popu­lação Residente de Belo
Horizonte: análise dos indicadores do nível municipal
ciclo de vida - gestante. Belo Horizonte: Prefeitura Mu-
nicipal de Belo Horizonte; 2011.

Artigo apresentado em 16/12/2015


Aprovado em 13/02/2017
Versão final apresentada em 15/02/2017

CC BY Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons

Você também pode gostar