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Paolla Amorim Malheiros1, Valdecyr Herdy Alves2, Tainara Seródio Amim Rangel3, Octavio Muniz da Costa
Vargens4
1
Enfermeira. Residente do Programa de Atenção à Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente do Hospital Universitário
Antônio Pedro da Universidade Federal Fluminense (UFF). Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: paolla_amorim@yahoo.com.br
2
Doutor em Enfermagem. Professor Titular do Departamento Materno-Infantil da Faculdade de Enfermagem da UFF. Rio de
Janeiro, Brasil. E-mail: herdyalves@yahoo.com.br
3
Mestre em Enfermagem. Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: tataserodio@yahoo.com.br
4
Doutor em Enfermagem. Professor Titular da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio
de Janeiro, Brasil. E-mail: omcvargens@uol.com.br
RESUMO: Este estudo teve como objetivos descrever os conceitos instituídos pelos profissionais de saúde que atuam na atenção ao
parto e nascimento sobre a humanização do parto, identificar saberes e práticas da humanização do parto e nascimento, e avaliar a
implementação dos saberes e práticas na assistência ao parto e nascimento e sua relação com a humanização. Trata-se de uma pesquisa
qualitativa do tipo descritivo-exploratória realizada na Maternidade do Hospital Universitário Antônio Pedro, cujos sujeitos foram
dezesseis profissionais de saúde, entre médicos obstetras e enfermeiros obstetras. Os dados foram obtidos através de entrevista
semiestruturada e analisados pelo método da análise de conteúdo. Concluiu-se que os profissionais detêm conhecimentos acerca das
políticas de saúde que dispõem sobre a humanização do parto e nascimento, seguem estes preceitos, e sua prática profissional vai ao
encontro do que é preconizado pelas políticas. Estes resultados, no entanto, divergem de resultados observados em estudos anteriores.
DESCRITORES: Humanização da assistência. Parto humanizado. Saúde da mulher.
ABSTRACT: This study had as objectives to describe the concepts instituted by health professionals who work in the childbirth
attention conserning the childbirth’s humanization; to identify knowledge and practices of childbirth humanization; to evaluate the
implementation of knowledge and practices in the childbirth attendance and its relationship with the humanization. It is a qualitative
research of descriptive-exploratory with approach accomplished at the Maternity of the Antônio Pedro University Hospital, Niterói,
Brazil, whose informants were sixteen health professionals, obstetricians and obstetrical nurses. Data were obtained by semi-structured
interviews and analyzed by the method of content analysis. It was concluded that: the professionals know the health policies related to
humanization of childbirth; they follow these policies’ guidelines. These results, however, diverge of results observed in previous studies.
DESCRIPTORS: Humanization of assistance. Humanized delivery. Woman’s health.
RESUMEN: Este estudio tuvo como objetivos: describir los conceptos instituidos por profesionales de salud que trabajan en la atención
del parto humanizado; identificar el conocimiento y las prácticas de humanización del parto; evaluar la aplicación de conocimientos y
prácticas en la asistencia al parto y su relación con la humanización. Es una investigación cualitativa de tipo descriptivo-exploratoria
realizada en la Maternidad del Hospital Universitario Antônio Pedro, Niterói, Brasil, cuyos participantes fueron dieciséis profesionales
de salud, entre médicos obstetras y enfermeras obstétricas. Los datos fueron obtenidos a través de entrevistas semi-estructuradas y
analizados por el método de análisis de contenido. Se concluyó que: los profesionales conocen las políticas de salud relacionadas a
la humanización del parto y siguen las directrices de estas políticas. Sin embargo, estos resultados divergen de otros observados en
estudios anteriores.
DESCRIPTORES: Humanización de la atención. Parto humanizado. Salud de las mujeres.
profissionais de saúde em questão, observou-se a mentos, sem os quais estes não se atualizam, como
grande dificuldade existente em acessar conheci- se pode constatar no quadro a seguir.
ao parto normal em quatro categorias, de acordo ção ao parto e nascimento de que fazem uso, entre
com sua utilidade, eficácia e efeitos prejudiciais ou as quais os métodos não invasivos e não farmaco-
a ausência deles, tendo como finalidade nortear lógicos para o alívio da dor. Eles também vêem a
a conduta dos agentes de saúde. À propósito, os mulher como a personagem central do nascimento
depoimentos demonstraram que médicos e enfer- e incentivam o contato cutâneo íntimo e precoce
meiros conhecem esses princípios: todas [práticas entre mãe e filho. Outros procedimentos huma-
humanizadoras] que respeitem a bioética, traduzidas nizantes citados foram a dieta livre e o respeito
na prática pela assistência baseada em evidências à escolha da mulher sobre seus acompanhantes:
científicas e coloridas pelo cuidado (E9); prestar uma [...] liberdade de comer e beber frutas/sucos/comidas
assistência acolhedora, respeitosa, ética, sem juízo de leves durante o TP [trabalho de parto] (E16); ter um
valor com segurança e baseada nos princípios científicos acompanhante de sua escolha durante todo o trabalho
valorizando a mulher como protagonista do processo de parto (E11); acolher aos que nascem, promovendo
(E8); algumas das técnicas não são mais recomendadas o mais breve possível o encontro com sua mãe (E11).
[pelo MS e OMS], como exemplo, a tricotomia e o É válido destacar que os profissionais que
enema (E15); são práticas consideradas ineficazes, sem restringem a alimentação antes e durante o parto,
comprovação científica de sua utilização, e que devem mesmo considerando que durante o processo de
ser abolidas (E8). parturição há um gasto energético significativa-
Instados a destacar as técnicas de humani- mente alto, devendo a mulher estar alimentada,12
zação que utilizavam em mulheres sem distócia, justificam tal ação pelo risco de aspiração do
ambos os profissionais demonstraram ter assi- conteúdo gástrico em casos de procedimentos
milado as recomendações da OMS, tanto assim anestésicos. Entretanto, evidências apontam que
que a postura por eles adotada gerou a redução os maiores índices de broncoaspiração estão as-
de práticas ineficazes, como enema e tricotomia. sociados ao uso de anestesia geral no parto, o que
Os resultados foram obtidos a partir de procedi- hoje ocorre com pouca frequência.
mentos como encorajamento de posturas verticais Como mencionado, outra questão importan-
– que vai ao encontro da fisiologia e contribui para te apontada pelos entrevistados foi o contato do
a prática da autonomia e do empoderamento fe- recém nascido com a mãe, cujo objetivo é inten-
minino. Por outro lado, os mesmos profissionais sificar o vínculo mãe e filho o mais precocemente
divergiram quanto à prática da episiotomia de possível. Não é demais lembrar que o momento
rotina: episiotomia sim, de rotina (E12); a episiotomia do nascimento é o mais rico para a formação do
não precisa ser realizada em todas as pacientes (E7); vínculo materno-infantil, portanto, os cuidados
episiotomia de rotina: agressão à integridade genital da com o recém-nascido devem ser resumidos ao
mulher e desatualização/descrédito em medicina baseada estritamente necessário para que este contato se
em evidência científica (E16). estabeleça ainda na sala de parto contribuindo
Já o uso rotineiro de ocitocina, da Manobra para a formação do apego.13
de Kristeller ou similar, de enema, enteroclisma ou Os participantes afirmaram realizar o mo-
tricotomia não é mais utilizado por esses profis- nitoramento do bem-estar físico e emocional da
sionais, como observado nas falas a seguir: [...] não mulher, estimulando atividades que aliviam a
raspar os pêlos pubianos [...] (E16); no parto normal, dor e proporcionam conforto, como deambulação,
a tricotomia não altera a porcentagem de infecção pós- incentivando a liberdade de posição e movimentos
-parto (E7); a ocitocina só deve ser prescrita caso haja durante o trabalho de parto, e encorajando postu-
alterações na contração uterina (E7); ocitocina: modo ras verticais. Mas também afirmaram a realização
de apressar o parto industrializado e iniciar cascata de do parto em posição litotômica: parto em posição
interferências [...] (E16); manobra de Kristeller: desatu- litotômica: possível se confortável para a mulher, des-
alização, descrédito em medicina baseada em evidência de que BCF [batimentos cardíacos fetais] estejam
científica (E16); não há necessidade de enema, pois caso estáveis e TP [trabalho de parto] progredindo fisio-
a paciente evacue, é mais fácil manter a assepsia se as logicamente. Se imposto: ignorância, desqualificação,
fezes são sólidas do que líquidas (E7); não mencionar abuso de poder, conforto prioritário para o profissional
enema e propiciar conforto e discrição quando a mulher de saúde em detrimento do conforto da mulher (E16);
evacuar (E16). observo, estimulo e apoio os diversos posicionamentos
A pesquisa coletou outros dados que apre- da mulher em TP (E2); oriento quanto a deambulação
sentam benefícios para o serviço e suas usuárias. e/ou oferta de novas posições (E14); utilizo massagens,
Os entrevistados citaram as técnicas de humaniza- compressas frias/quentes, banhos mornos, técnicas de
Texto Contexto Enferm, Florianópolis, 2012 Abr-Jun; 21(2): 329-37.
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nizado pelas políticas de saúde, mas ressaltaram 5. Ministério da Saúde (BR), Agência Nacional de
que existe uma discrepância entre o que afirmam Saúde Suplementar. O modelo de atenção obstétrica
e as estatísticas, e ao que os desenhos de estudo no setor de saúde suplementar no Brasil: cenários e
perspectivas. Rio de Janeiro (RJ): ANS; 2008.
evidenciam. Não raro, alguns profissionais ainda
deixam transparecer desconhecimento quando 6. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção
expõem seus conhecimentos e práticas. É comum à Saúde. Departamento de Ações Programáticas
Estratégicas. Pacto pela redução da mortalidade
encontrar agentes de saúde que admitem usar
materna e neonatal. Brasília (DF): Ministério da
técnicas não recomendadas pela Organização Saúde; 2004.
Mundial de Saúde e que também contrariam as
7. Bardin L. Análise de Conteúdo. Lisboa (PT): Edições
determinações do Ministério da Saúde para hu- 70, 1977.
manizar o parto e o nascimento.
8. Malheiros PA. A implementação do parto
A decisão da mulher no seu processo de humanizado: saberes e práticas dos profissionais
parturição é essencial para que o parto venha a que atuam no parto e nascimento [trabalho de
ser humanizado e fisiológico. Isso acontecerá no conclusão de curso]. Niterói (RJ): Universidade
momento em que os profissionais entenderem que Federal Fluminense, Escola de Enfermagem Aurora
este processo não passa somente pelo conhecimento de Afonso Costa; 2010.
das evidências científicas, mas deve levar em conta, 9. Fleury-Teixeira P, Vaz FAC, Campos FCC, Alvares
também, a classificação de risco sem a qual é difícil J, Aguiar RAT, Oliveira VA. Autonomia como
categoria central no conceito de promoção de saúde.
determinar o momento correto da intervenção.
Cienc Saúde Coletiva 2008; 13(2):2115-22.
Quanto à implementação da humanização 10. Horochovski RR, Meirelles G. Problematizando o
no parto e nascimento, observou-se que parte dos conceito de empoderamento. In: Anais do II Seminário
próprios profissionais reconhece a necessidade Nacional Movimentos Sociais, Participação e
da mudança de paradigma, a busca por novos Democracia, 2007 Abr 25-27; Florianópolis, Brasil.
conhecimentos e a atualização da formação dos Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa
médicos e enfermeiros. Todavia, o salto qualitativo Catarina; 2007. p.485-506.
almejado na assistência prestada só acontecerá por 11. Rattner D, Trench B. Humanizando nascimentos e
meio da desconstrução do modelo tecnocrático e partos. São Paulo (SP): Editora Senac; 2005.
a subsequente anuência ao modelo humanístico. 12. Mouta RJO, Progianti JM. Estratégias de luta das
Acreditamos ser este um caminho impor- enfermeiras da Maternidade Leila Diniz para
implantação de um modelo humanizado de
tante para que o profissional de saúde se torne
assistência ao parto. Texto Contexto Enferm. 2009
facilitador do processo parturitivo, respeitando a Out-Dez; 18(4):731-40.
fisiologia, o princípio da não intervenção desne-
13. Souza TG, Gaíva MAM, Modes PSSA. A humanização
cessária e o respeito à autonomia feminina. do nascimento: percepção dos profissionais de saúde
que atuam na atenção ao parto. Rev Gaúcha Enferm.
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e dieta durante o trabalho de parto: a percepção
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