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É com grande satisfação que agradeço ao Senhor, fonte inesgotável, o caminho e o melhor
Aos meus familiares que de uma forma ou de outra estiveram sempre do meu lado.
Igualmente agradeço aos meus professores e colegas alunos, que também fizeram parte deste
percurso.
Resumo
primeiros tempos, onde a justiça era administrada exclusivamente pelos colonos portugueses,
passando por um longo processo de modificação, até chegar ao patamar em que se encontra
hoje, onde a administração compreende vários atores como os próprios órgãos do Estado e até
mesmo instituições internacionais de justiça de que Cabo Verde seja parte. É nesta senda que
se preocupa em conhecer os diferentes órgãos que fizeram e que fazem parte da administração
Introdução 7
Enquadramento teórico 10
História dos órgãos de administração da justiça 10
Conceitos 11
Conceito de Justiça 12
Conceito de administrar e administração 12
Conceito de Órgãos 13
Conceito de Administração da Justiça 16
Administração da Justiça e conceitos de proximidade 17
Administração da Justiça e Administração Pública 17
Administração da Justiça e Justiça Administrativa 19
Administração da Justiça, Direito Judiciário e Direito Administrativo 20
Administração da justiça e sistema judicial 21
Aspetos gerais de Cabo Verde 23
Clima 24
Agricultura 25
Descoberta e Povoamento 25
Independência 29
Separação com a Guiné-Bissau 30
Capítulo I – Os Órgãos de Administração da Justiça em Cabo Verde nos primeiros tempos e
antes da independência 32
A instituição Donatária 32
As Câmaras 37
O Corregedor e o Syndicante 38
Os órgãos de administração da justiça na ilha do Fogo 41
O Juiz de Fora 42
Os Capitães Gerais 43
Os Ouvidores Gerais 43
Os naturais da ilha na administração 44
Os Governadores 45
Os órgãos de administração da justiça em Cabo Verde no século XIX 49
Os órgãos de administração da justiça em Cabo Verde no século XX 51
Capítulo II - Os Órgãos de Administração da Justiça em Cabo Verde após a independência 55
Período de 1975 a 1980 55
Década de 80 (1980) a 90 (1990) 59
Década de 90 (1990) a 99 (1999) 60
A partir de 1999 63
Os órgãos de administração da justiça em Cabo Verde nos dias atuais 64
Tribunais internacionais como órgãos de administração da justiça em Cabo Verde 68
Considerações Finais 76
Referências 80
7
Introdução
O tema no qual recaiu a escolha como objeto de estudo da investigação é a história dos atores
de administração da justiça em Cabo Verde, tendo como título “História dos órgãos de
O trabalho terá uma dupla abordagem: Na primeira, optaremos por identificar os órgãos que
fizeram parte da administração da justiça em Cabo Verde nos primeiros tempos e antes da
independência, e na segunda, iremos identificar os atores que fizeram e que fazem parte da
A ideia do tema surgiu com a problemática do caso do cidadão colombiano de nome Alex
Saab, que, durante uma escala técnica no Aeroporto Internacional Amílcar Cabral, foi preso
pela Interpol e pelas autoridades cabo-verdianas na ilha do Sal, com base num mandado de
captura internacional emitido pelos Estados Unidos de América. O dito cidadão mantido preso
em Cabo Verde por vários meses, sem uma decisão final dos tribunais, levou que a questão
Ocidental (CEDEAO). O Tribunal de Justiça da CEDEAO ordenou que soltasse o dito Alex
Saab, ordem a qual não chegou a cumprir o Tribunal da Relação de Barlavento, alegando por
sua vez que este não tenha jurisdição sobre Cabo Verde, por não ter assinado nem ratificado
os protocolos que lhe atribui competências sobre esse Estado. Desse facto e da proposta do
assunto pelo professor, despertou-me o interesse em conhecer os diferentes órgãos que fazem
CEDEAO, assunto de grande relevância que também abriria um outro campo de estudo. No
entanto, não é essa o assunto principal deste trabalho. Como dito anteriormente, a nossa
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preocupação é conhecer os atores que fizeram e os que legalmente agora fazem parte da
Nos estudos das obras antigas de José Senna de Barcellos, editada recentemente pela
Biblioteca Nacional de Cabo Verde a partir de 2003 por ser mais de um volume, se encontra
de forma dispersada os principais órgãos que fizeram parte da administração da justiça cabo-
verdiana, assim como também nos volumes da “História Geral de Cabo Verde” se encontra
alguns desses órgãos. A nossa atual Constituição da República, no número um e número dois
do artigo 210°, identifica os atores ou os órgãos que atualmente fazem parte da administração
de que Cabo Verde faz parte. Com isso, vê-se que atualmente os órgãos que fazem parte da
administração da justiça cabo-verdiana são atores tanto internos como internacionais. Nos
resta então conhecer esses atores tanto internos como internacionais como órgãos de
Em suma, a pretensão principal deste trabalho foi de conhecer e identificar de uma forma
mais recente e atualizada os principais órgãos que fizeram e que fazem parte da administração
da justiça em Cabo Verde. Dentro desse objectivo pretendemos responder a seguinte questão:
Os figurinos dos órgãos de administração da justiça seguiram sempre uma estrutura linear e
Verde, e, se houve mudanças ou não introduzidas nesses órgãos nos diferentes períodos.
análise de instrumentos jurídicos que versam sobra a matéria, e descritiva, através da análise
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comparativa dos dados obtidos nas diversas fontes bibliográficas que demonstram o percurso
teórico seguido pelos aspetos gerais de Cabo Verde, de seguida o capítulo primeiro que refere
aos órgãos de administração da justiça em Cabo Verde nos primeiros tempos e antes da
Enquadramento teórico
humanidade (Justo, 2010). De acordo com Liuti e Moraes (2009), desde a pré-história, “para
socialmente” (p. 102). É dessa organização social que, segundo Liuti e Moraes (2009), veio a
surgir a justiça.
Conforme as afirmações em Justo (2010), uma das formas de administrar a justiça na Roma
antiga foi o processo das fórmulas, introduzido inicialmente pelo costume, onde tinha como
elemento fundamental um documento escrito pelo pretor que era atribuído ao juiz onde lhe
os factos aí referidos” (p. 316). Justo (2010) considera que nesse período, a administração da
justiça era processada em duas fases: na primeira, o pretor depois de ouvir o demandante e o
demandado, declarava solenemente o direito, e na segunda, o juiz fazia a prova dos factos e
proferia a sentença. Portanto, podemos dizer que nesse período na Roma antiga, o pretor e o
Uma outra forma de administrar a justiça na Roma antiga, ainda antes de cristo, foi o processo
da cognição extraordinária apresentado por Justo (2010). Justo (2010) alega que com esse
Levando em conta esse novo processo em substituição do processo das fórmulas, Justo (2010)
considera que a administração da justiça deixou de possuir um caracter privado e passou a ter
No período Feudal, segundo Mendes (2018) “os senhores detinham o poder de administrar a
justiça aos seus vassalos, por outorga real. Na relação feudo-vassálica entendia-se que a
justiça era uma “graça” dada pelo senhor ao vassalo” (p. 37).
Mendes (2018) considera que nessa época, havia possibilidade de aplicação da justiça privada
e fuga da justiça pública: “Os senhores feudais e a nobreza agiam em nome do poder real e
arrogavam-se donos da justiça – da tal “justiça privada” que lhes conviria, por legitimação
No entanto, levando em conta esse período e as afirmações de Mendes (2018), podemos dizer
que os senhores os quais possuíam uma alta classe social podiam normalmente administrar a
fixando a função jurisdicional nos tribunais, que são um dos principais órgãos de
Conceitos
Estado ou de uma sociedade, e Cabo Verde não foge a essa regra. De acordo com Lucas,
Soares e Dias (2017), em Cabo Verde, a justiça é sempre vista nos programas das diferentes
Conceito de Justiça
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A palavra justiça derivou do termo justitia, de justus, que na linguagem jurídica significa
A justiça é entendida ainda por Silva (1980) como “a prática do justo ou da razão de ser do
jurídico destinado à aplicação do Direito aos casos concretos, a fim de fazer a justiça” (p.
906).
praticados por uma pessoa afim de cumprir a direção ou gerência de uma determinada soma
Já para Gulick (1969), “administração tem a ver com fazer coisas, com a prossecução de
administração, Caupers (2009) considera o como sendo amplo e sem operatividade, tendo em
conta que, para ele, “nem toda a acção humana que vise prosseguir certos fins ou obter certos
que, tendo em vista um propósito, não goza de autonomia primaria… é servir os interesses
Silva (1980) entende que “segundo o caracter dos negócios geridos ou da natureza dos atos
Ainda para Otero (2016), o termo administração comporta dois significados diferentes:
subjetivo ou orgânico, que aplicaria ao nosso estudo em concreto, isto é, relativo aos órgãos
Conceito de Órgãos
De acordo com Silva (1980), a expressão órgão originou do termo latino “organum” e traduz
a ideia de instrumento. Ainda segundo Silva (1980), órgão “exprime ou designa tudo que
No entanto, Silva (1980) apresenta também conceito de órgão como terminologia médica, os
órgãos do corpo humano, mas não seria o que iria aplicar ao nosso estudo em análise.
O conceito de órgão referente ao nosso estudo seria o conceito técnico em Direito apresentado
por Silva (1980) como, “a instituição, legalmente organizada, encarregada de por em função
uma certa ordem de serviços” (p. 1103). Ainda para Silva (1980), órgão exprime a ideia de
executor ou realizador, tendo em conta que é através dele que se executam as finalidades da
apresentado por Amaral (2007) no âmbito do direito administrativo, relativo aos órgãos das
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pessoas coletivas para os órgãos de administração da justiça. A questão importante, que agora
se o conceito de pessoas coletivas pode servir ou ser atribuído aos órgãos de administração da
justiça. A pessoa coletiva pode ser entendida como, “entidades ou criações jurídicas,
personalizadas ou personificadas por força da lei, para fins de várias ordens… representa os
insigne jurista” (Silva, 1980, p. 1158). Por este conceito, pode se verificar que as pessoas
coletivas e os órgãos de administração da justiça são entes geralmente distintos, por terem
Segundo Amaral (2007), existem duas conceções sobre a natureza dos órgãos das pessoas
coletivas: a primeira defendida por Marcelo Caetano que considera órgãos como instituições e
não indivíduos, e a segunda, “que foi designadamente defendida entre nós por Afonso Queiró
e Marques Guedes, considera que os órgãos são indivíduos, e não instituições” (p. 759). De
acordo com Amaral (2007), para a primeira conceção os órgãos são instituições que possuem
poderes funcionais a ser exercido pelos indivíduos. Os indivíduos agem no mundo real, mas
“…como titulares dos órgãos destas, pois os órgãos são instituições…” (p. 760). Amaral
(2007) afirma que já para a segunda conceção, o órgão é o individuo porque são eles quem
mas erram quando abarcam com exclusividade o conteúdo da outra conceção, alegando que se
indivíduo. De acordo com essa teoria de Amaral (2007), o órgão pode então ser tanto
soberania nacional e que formam o próprio governo” (p. 841). Levando em conta esse
conceito, importa relembrar que os tribunais, um dos órgãos de administração da justiça, são
Embora suas diferenças com a natureza dos órgãos de administração da justiça, iremos
verificar como essa conceção sobre a natureza dos órgãos das pessoas coletivas pode ser
Como teremos a oportunidade de ver mais a frente, nos primeiros séculos do povoamento das
ilhas de Cabo Verde, à algumas pessoas particulares eram atribuídos títulos e capacidades de
atuar como órgãos de administração da justiça. Assim como também no período pós-
sendo os indivíduos que compõem esses órgãos já não são mais considerados como órgãos,
Enfim, podemos dizer que essa conceção sobre a natureza dos órgãos apresentada por Amaral
(2007) que considera órgãos como indivíduos ou como instituições pode se aplicar ao nosso
que se entende por administração da justiça. Coelho (2017) define administração da justiça
como:
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norma ao caso concreto ou para resolver com caráter definitivo uma questão litigiosa
Todavia, essa definição nos parece ser um pouco restrita, pois, como teremos a oportunidade
de verificar mais adiante, a administração da justiça não é apenas uma função ou atividade
estadual, tendo em conta que a outros órgãos, como os tribunais internacionais que são
Constituição da República de Cabo Verde de 2010, artigo 209°, não menciona que a
administração da justiça é apenas uma função estatal, mas sim que tem por objecto “dirimir
da sua conformidade constitucional e lato sensu legal dos actos das entidades públicas
magistrados, consoante as regras estabelecidas pelas leis, pela doutrina e pela jurisprudência e
Na ótica de Silva (1980), a administração da justiça, que dentro das três funções do Estado se
pública ou privada, pela sobrevivência efetiva das leis, que asseguram a integridade
dos direitos individuais, livrando-os das importunações atiradas contra êles ou punindo
Enfim, a administração da justiça então seria a resolução dos conflitos de direitos e interesses
legalmente instituídos, encarregados aos órgãos que pela lei são atribuídos essa competência.
necessidades coletivas cuja satisfação é assumida como tarefa fundamental pela coletividade,
através de serviços por esta organizados e mantidos. No sentido amplo, Silva (1980) a entende
como “uma das manifestações do poder público na gestão ou execução de atos ou de negócios
administração pública seria a organização dos serviços centrais do Estado, como por exemplo
Na relação entre a justiça e a administração pública, Amaral (2007) é da opinião de que entre
os dois podem ser encontrados traços comuns, pois, ambas são secundárias, executivas e, se
encontram subordinadas à lei. Por sua vez, Santos et al. (2001) ao referenciar, num trecho, a
25), parece considerá-la como parte da administração pública. Já Torres (2000) apresenta uma
visão mais clara, alegando que “a administração da justiça é um serviço público que o Estado
deve assegurar aos seus cidadãos, tal como o serviço público de saúde ou o serviço público
de ensino” (citado em Santos et al. 2001, p. 29). Amaral (2007) defende que as duas
casos pode praticar actos jurisdiconalizados, assim como também os tribunais comuns podem
Embora essa relação de proximidade, Amaral (2007) alega que pelo facto do princípio da
submissão da administração pública à lei, ela encontra-se submetida aos tribunais, e apresenta
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um conjunto de diferença entre os dois campos: para ele a justiça visa aplicar o direito aos
casos concretos, enquanto que a administração pública visa prosseguir os interesses gerais da
satisfazer as necessidades colectivas que lhe são confiadas; na justiça os tribunais são
agentes seguem uma hierarquia, de modo que em regra os subalternos dependem dos
procura resolver conflitos e não satisfação de interesses, entre entes públicos e privados.
justiça, também merece uma pequena atenção. De acordo com Brito (2021), a justiça ou o
ações ilegais da administração, quando este lesa os seus direitos e legítimos interesses, mas
alargamento deste conceito por integrar não somente a garantia dos particulares, como
No entanto, Brito (2021) define a justiça administrativa em sentido restrito como a “ordem
18).
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Então à luz deste conceito, a justiça administrativa seria um dos ramos ou uma modalidade de
Segundo Sousa e Matos (2006), o direito administrativo tem por objecto a atividade
da actuação dos tribunais” (p. 76). Aqui então, a função de administração da justiça estaria
No que tange à relação entre o direito judiciário e o direito administrativo, Sousa e Matos
(2006) alega que estruturalmente os dois direitos são semelhantes, mas possuem pontos de
atividade dos tribunais. Segundo Sousa e Matos (2006), as suas proximidades radicam no
facto de “…ambos terem como objecto a disciplina do exercício de uma função do Estado por
administrativo do Estado, pois, “está estruturado em serviços organizados segundo uma lógica
hierárquica e integra um funcionalismo próprio, com um estatuto de direito público” (p. 79).
Ainda de acordo com Sousa e Matos (2006), os tribunais, nos seus normais funcionamentos,
serviços, que seguem o mesmo regime dos atos administrativos praticados pelos órgãos da
administração.
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O sistema judicial, pelo que não pode ser confundido com a administração da justiça, é
diferenciadas e independentes entre si, cuja finalidade é a realização da justiça. Para o cidadão
comum, envolve a atividade do Estado dedicada tanto à segurança como à resolução dos
Segundo Coelho (2017), o sistema de justiça em sentido amplo engloba em simultâneo órgãos
pluridimensional, e apresenta três planos de que o sistema judicial deve ser analisado: plano
macro, que abrange o sistema judicial na sua organização macro ou institucional, plano
médio, que é destinado à organização e administração dos tribunais, e plano micro, “relativo
Por outro lado, Santos et al. (2001), no âmbito da administração e gestão dos tribunais,
apresenta apenas dois planos de que este deve ser analisado: plano macro, que engloba todo o
sistema de justiça como tribunais, policias, prisões, Ministério da Justiça, entre outros, e plano
micro, mas diferentemente do plano micro apresentada por Coelho (2017), aqui para Santos et
al. (2001), o plano ou a visão micro, como se referem, tem a ver com a “administração de
cada tribunal, enquanto unidade organizacional” (p. 28). A tal visão micro se enquadra no
plano médio em Coelho (2017), sendo um outro plano não apresentado em Santos et al.
(2001).
micro, relativo ao núcleo decisional da tarefa jurisdicional, ou seja, relativo aos órgãos de
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uma análise histórica. Mas, antes de entrarmos na questão em estudo, consideramos ser
importante introduzir alguns aspectos que desrespeitam ao Estado de Cabo Verde, pois, falar
da história dos órgãos de administração da justiça em Cabo Verde sem conhecer um pouco
aproximadamente a 500 km da costa ocidental africana (Ferreira, 1997). O país ocupa uma
Nas palavras de Madeira (2015), o arquipélago é composto por dez ilhas e vários ilhéus, mas
Ferreira (1997) especifica-o, afirmando que o arquipélago é constituído por dez ilhas e oito
ilhéus:
O arquipélago é composto por dez ilhas e oito ilhéus que se distribuem em dois grupos
Barlavento, formado pelas ilhas de Santo Antão, S. Vicente, Santa Luzia (desabitada),
S. Nicolau, Sal, Boa Vista e os ilhéus desabitados dos Pássaros, Branco e Raso; ao Sul,
ilhéus desabitados de Santa Maria, Grande, Luís Carneiro, Sapado e de Cima. (p. 13)
No entanto, em relação aos ilhéus, não existe uma uniformidade de textos que se convergem
quanto a um único número referente a ilhéus existentes no país. Nalguns textos diz-se que
Cabo Verde é composto por dez ilhas e oito ilhéus, noutros, como no do Cabo Verde., e Cabo
Verde (2004), diz-se que é constituído por treze ilhéus, ou noutros, como nos de Andrade
Por sua vez, o Governo de Cabo Verde, na sua página internet, não menciona o número nem
os nomes dos ilhéus existentes, mas apenas as ilhas de que o país é formado
2010 somente menciona, na alínea a) do número um do artigo sexto - 6°. 1. a) -, que território
da República de Cabo Verde é constituído pelas as dez ilhas, e “pelos ilhéus e ilhotas que
Com isso, pode se verificar que também a Constituição da República de Cabo Verde não
A maior ilha é a ilha de Santiago, com uma superfície de 930 km², a menor habitada é a ilha
da Brava, com uma superfície de 64 km², e no geral, Cabo Verde possui uma superfície de
Segundo Madeira (2015), as ilhas na sua maioria são de origem vulcânica, com exceção das
ilhas do Sal, Maio e Boa Vista, estas que de acordo com Ferreira (1997) são enquadradas na
categoria das ilhas planas e de longas praias, diferentemente das outras restantes enquadradas
O ponto mais alto de Cabo Verde encontra-se na ilha do Fogo, com uma altitude de 2829
metros (Ferreira, 1997 & Madeira, 2015). Nessa ilha encontra-se um vulcão ativo, cujo a
Clima
Em relação ao clima, a sua caraterização é de tropical seco, segundo Gonçalves (2008), sujeita
às influências da região do Sahel e marcado por período de longas secas, conforme nos diz
Ferreira (1997). Já Andrade (1996) considera-o como sendo árido, semi-árido e tropical.
As chuvas de acordo com Madeira (2015) e Cabo Verde., e Cabo Verde (2004), são fracas e
Gominho (2013) consideram que o período das chuvas varia de um ano para o outro e, por
vezes, é acompanhada de episódios de seca. Apesar disso, Ferreira (1997) afirma que, alguma
Enfim, podemos verificar que as chuvas em Cabo Verde geralmente são caracterizadas como
Agricultura
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A principal atividade desempenhada é a agricultura que desde sempre se figurou como uma
das principais atividades económicas no país, abarcando cerca de 55% da população ativa
desenvolvimento económico (Cabo Verde., e Cabo Verde, 2004). De acordo com Gomes et
al. (2013), a agricultura é praticada segundo dois regimes: o regime sequeiro e o regime do
regadio.
condições climáticas (Ferreira 1997). Sabendo das dificuldades que confrontam o sector
agrícola, Gomes et al. (2013) apresenta as seguintes iniciativas tomadas pelo governo no
Embora frequentemente Cabo Verde se enfrenta desafios pela falta, demora ou irregularidade
das chuvas que condiciona o desenvolvimento, vê-se que medidas tem sido tomada no sentido
Descoberta e Povoamento
No que tange a descoberta e povoamento das ilhas de Cabo Verde, a primazia é atribuída aos
respetivamente. De entre esse facto, houve sempre problemática e em particular sobre o caso
da descoberta, tendo em conta que vários foram os autores que apresentaram as suas teorias
logo à primeira vista os verdadeiros descobridores das ilhas (Barros, 2017). Conforme nos diz
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nos Barros (2017), “os indícios disponíveis até hoje sugerem dúvidas acerca da data e das
(p. 78). Na mesma linha, Andrade (1996) afirma que “as datas do achamento das ilhas pelos
portugueses só são conhecidas através de documentos que lhe são posteriores” (p. 32). Vários
períodos geralmente destintos: “Vicente Dias (1445), Luís de Cadamosto, também conhecido
como Alvise de Cá da Mosto (1456), António de Noli, Digo Gomes (1460) e Diogo Afonso
Por sua vez, Da Costa (1940) apresenta dois conceitos de descobridor: o de descobridor
histórico, em que ele integra Vicente Dias e Diogo Gomes, e o de descobridor oficial, em que
com vista a legitimar suas posições, todos foram alvos de críticas, mostraram como não sendo
autossuficientes, ou apresentaram algumas dúvidas (Barros, 2017). A fonte que obteve mais
chancelaria régia que figura o nome de António de Noli e Diogo Afonso como sendo
No entanto, oficialmente admite-se que as ilhas foram descobertas por António da Noli,
responsáveis pelo povoamento das ilhas, existem opiniões diferentes que versam sobre a
matéria. Há uma outra hipótese defendida por alguns autores no qual defendem um
povoamento ou uma espécie de ocupação sem continuidade da ilha de Santiago “por negros
(Carreira, 2000, p. 291). Na mesma linha, Andrade (1996) afirma que muitos autores
partilham da ideia de que algumas das ilhas já eram conhecidas das populações do continente
Em contrapartida a essas afirmações, Ferreira (1997) defende que é quase certo que as ilhas
encontraram desabitadas.
Todavia, Carreira (2000) diz que embora não se deva negar essas hipóteses sem uma base
segura, não existem provas consistentes sobre a possível ocupação da ilha de Santigo antes da
chegada dos portuguese, e que “Se se deu, não parece tivesse sido continua e prolongada”
(p.291).
O povoamento aceite pela maioria, segundo Madeira (2014), iniciou-se a partir do ano 1462,
época quando os navegadores António da Noli e Diogo Afonso, pela decisão do Infante D.
Cidade Velha e outra na Cidade da Praia. Contudo, essa afirmação de Madeira (2014) deveria
ser muito questionada, pois, as informações em Barcellos (2003) demostram que pelo
Cidade Velha, e a dos Alcatrazes, atual Freguesia da Nossa Senhora da Luz, mas não a da
Cidade da Praia, que só foi ocupada a partir de 1516 pelos moradores dos Alcatrazes quando,
dos Alcatrazes, na actual freguezia de Nossa Senhora da Luz, proximo ao seu porto
principal da Praia Abaixo. Era a séde da capitania do norte, de que foi donatario Diogo
Affonso…. Da villa dos Alcatrazes, que foi muito menos importante, sob o ponto de
fogos, tendia a diminuir o dos Alcatrazes, pela emigração dos seus mais importantes
Seguindo com o povoamento das ilhas, na sequência de Santiago foi povoada a ilha do Fogo,
nos séculos XVI e XVII as ilhas de São Nicolau, Boa Vista, Brava, Maio e Santo Antão, e as
últimas a serem povoadas foram as ilhas de São Vicente no século XVIII e Sal no século XIX
(Ferreira, 1997). A única ilha que ainda se encontra desabitada é a Santa Luzia, localizada à
régias como sendo fatores que condicionaram e aceleraram o seu desenvolvimento. Primeiro,
a Carta de Privilégios de 1466 que acabou por influenciar e atrair os colonos para a ilha, com
intenção de nela se fixarem (Madeira, 2014). Cabral (2015) afirma que a carta de 1466
possibilitou a vinda dos comerciantes. A Carta de Privilégios de 1466 tratava-se de uma carta
composta por muitas vantagens e regalias, que “quase entregavam aos moradores/vizinhos de
Todavia, todos os privilégios da carta de 1466 foram limitados pela Carta de limitação de
produtos originais e produzidos na ilha, e como consequência acabou por forçar a utilização
de uma grande parte da mão-de-obra escrava nas produções, que inicialmente era direcionada
para o tráfico (Cabral, 2015). Sendo assim, os escravos começaram a ser fixados nas ilhas, o
Verde, Cabral (2015) considera que “Se a primeira atraiu os brancos a arriscarem-se a viver
por tempo indeterminado nos trópicos, a segunda conduziu à fixação dos africanos e à criação
ilhas, Carreira (2000) aponta os pretos provenientes de algumas etnias da Africa, como
que tinha como a principal base económica e social a exploração do tráfico de escravo
(Cabral, 2015). Nas palavras de Madeira (2015), os escravos e os colonos foram os pilares
Enfim, vê-se que em Cabo Verde estiveram pessoas de diferentes regiões, cada um possuindo
características geralmente distintas, mas que acabaram por dar um grande contributo na
Independência
Cabo Verde alcançou a sua independência em 1975, fruto de um longo processo que iniciou
desde os movimentos de luta anticolonial que surgiram em Africa na década de 1950, pelo
qual foi fundada em 1955 o Partido Africado para a Independência de Guiné e Cabo Verde
(PAIGC) na cidade de Bissau, sendo um partido político que visava a unidade entre Guiné e
Cabo Verde, liderada por Amílcar Cabral, composta por militantes guineenses e cabo-
verdianos, no qual deram grandes esforços tanto pela via da luta armada (o que aconteceu
integralmente na Guiné Bissau, a partir de 1963, que veio a proclamar a sua independência
pela Assembleia Nacional Popular formada pelos deputados eleitos nas zonas conquistadas
pelo PAIGC, a 24 de Setembro de 1973), como pela via da negociação, onde as delegações de
Portugal (formada pelo Major Melo Antunes, Dr. Mário Soares e Dr. Almeida Santos) e de
Cabo Verde (formada por Pedro Pires, Dr. Amaro da Luz e Dr. José Luís Fernandes),
de Cabo Verde, sem necessidade de passar por uma luta armada ao contrario daquilo que
aconteceu na Guiné Bissau, o que veio a concretizar com a sua proclamação a 5 de Julho de
A unidade entre Guiné e Cabo Verde veio a ser posta em causa na sequência de um golpe de
Estado que acorreu em Guiné-Bissau, dirigido por João Bernardo Vieira (Nino Vieira) ao
passou a ser a única força politica dirigente da sociedade e do Estado até a abertura política
(Cardoso, 2016).
A abertura política, que deu-se com a aprovação da lei dos partidos políticos pela Assembleia
deixando uma grande vitoria ao Movimento para a Democracia (MPD), com a maioria de
70% dos votos, onde conseguiu eleger 56 dos 79 deputados previstos para a Assembleia
Nacional Popular, sendo o único partido político emergente que conseguiu preencher os
Desde então, Cabo Verde que era dirigido por um único partido político deixou de ser um
legislativas de 1991, o resultado das eleições vem sendo aceites sem grandes problemas,
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embora, tal como em qualquer parte do mundo, sempre haja contestações de uma ou de outras
partes.
32
Como dito anteriormente, foram os portugueses quem deram início ao povoamento das ilhas
de Cabo Verde. Obviamente, foram eles também os responsáveis pela resolução dos litígios
que iam surgindo na terra desde os primeiros momentos até uma evolução mais profunda da
aumento e desenvolvimento da população local. De acordo com Andrade (1996), sendo que
Cabo Verde era uma colónia de Portugal, progressivamente tinha-se adquirido certos
A instituição Donatária
Ne entanto, foi através dos oficiais enviados que a metrópole ou a coroa portuguesa dava o
administrativos, fiscais e judiciais, pelas cartas de doações que o rei concedia aos donatários,
pertencem, cobrar impostos e “administrar a justiça, salvo nos casos de morte ou amputação
de membros, da competência dos tribunais régios” (Santos, 2007, p. 45). Segundo Andrade
(1996), nessa época, “instituiu-se pois, o regime de capitanias, sendo a administração, polícia
e justiça, da responsabilidade dos capitães donatários” (p. 169). Cohen (2001) defende a
instituição donatária como a instituição pioneira, embora pouco especializada, com domínio
sobre quase todos os campos de gestão publica. Os capitães donatários foram considerados
33
“os primeiros administradores da Justiça em Cabo Verde…. [e], a primeira autoridade judicial
De acordo Barcellos (2003), os donatários eram os responsáveis designados pelo rei para o
povoamento das ilhas, os quais podiam nomear os capitães donatários para exercer as suas
funções mediante confirmação régia. Os capitães donatários podiam também nomear os seus
os primeiros donatários das ilhas António da Noli, encarregado da capitania da parte sul de
Santiago com sede em Ribeira Grande, e Diogo Affonso, encarregado da capitania da parte
Santos (2007) afirma que os poderes dos capitães donatários eram limitados do ponto de vista
jurídico, administrativo e fiscal, pois, embora possuíam jurisdições nos feitos civis e
criminais, não tinham competências nos casos de morte ou amputação de membros de que era
de recurso ao rei, havendo ainda a correição do donatário que possuía também parte dos
nível social, económico e judicial até aos finais do século XVI e meados do século XVII,
onde os filhos da terra, ou seja, os mulatos nascidos em Cabo Verde passaram também a
que eram brancos por natureza, que eram ricos, que possuíam bens que podiam gastar
Uma vez que nem todas as ilhas foram povoadas num mesmo período, ao mesmo tempo que
esperar que as realidades das instituições administrativas também teriam de ser diferentes
consoante as ilhas. De acordo com Cohen (2001), havia espaços onde os organismos de
34
gestão pública estavam presentes e, por outro lado, ilhas onde marcavam pela total ausência
dessas instituições. Por sua vez, Varela (2011) aponta que sendo que o povoamento se centrou
mesma ilha. Na mesma linha, Santos (2007) defende que as jurisdições dos capitães
Referindo-se às outras ilhas, os quais a instituição donatária só chegou mais tarde, Santos
Manuel, em Santo Antão o donatário apenas possuía direitos vitalícios sobre a ilha, isto é, sem
possibilidade de herdança a seus familiares, e nas ilhas do Sal, Brava, Santa Luzia e os ilhéus
Branco e Raso o donatário apenas possuía direitos de arrendamento. Santos (2007) defende
que nessas ilhas, não foram concedidos poderes judiciais aos indivíduos encarregados de as
Para Santos (2007), foi só a partir do reinado de D. João III é que foi doada a jurisdição cível
e criminal às ilhas até então não povoadas, particularmente o caso de Santo Antão a partir de
1576. Na ilha da Brava, segundo Brásio (1962), “não houve nem capitão, nem donatários,
A primeira ilha a ser instituída de um instrumento jurídico foi a ilha de Santigo, no ano 1466,
pela Carta de Privilégios que D. Afonso V deu aos moradores desta ilha para irem com os
seus navios comerciarem na Guiné, sendo a única ilha povoada nessa data (Barcellos, 2003).
Como se pode verificar, assim como atualmente fazem fé as leis, decretos, acordos ou tratados
internacionais, nessa altura as cartas régias possuíam forças de leis, ou seja, seus conteúdos
pessoas a que esta carta fôr mostrada e o conhecimento d’ella pertencer que d’aqui em
diante lh’a cumpram e guardem e façam mui bem cumprir e guardar assim e pela guisa
que se em ella contem. <<E querendo algum ir contra ella que lh ‘o não consintam em
maneira alguma, porquanto assim é nossa mercê, sem outra duvida nem embargo que
uns e outros a elle ponham (Torre do Tombo, Livro das ilhas, fl. 2 v., citado em
Pela citação em cima, pode se verificar que até essa data já existiam oficiais régios em
A Carta de Privilégios de 1466, além das liberdades e licenças que davam aos moradores de
Santiago de irem com os seus navios tratarem e resgatarem nas partes da Guiné todas as
dizimas das mercadorias, e da parte jurídica outorgava ao infante D. Fernando uma grande
jurisdição, sendo “a alçada do civil e crime sobre todos os mouros negros e brancos forros e
captivos e de toda a sua geração que em dita ilha houver…” (Torre do Tombo, Livro das
O infante D. Fernando, donatário da ilha nessa época, possuía jurisdição civil e criminal sobre
Andrade (1996) considera a Carta de Privilégios de 1466 como uma espécie de carta orgânica
das ilhas, na mesma linha Barcellos (2003) como “o primeiro codigo judicial e administrativo
pelo qual se deviam reger os moradores sob a vontade suprema do infante D. Fernando” (p.
36). Dessa carta, pode se verificar que importantes passos já se tinham iniciados direcionado à
Contudo, além das cartas régias, as leis, regimentos e alvarás da coroa possuíam força de
forma dispersadas nos trabalhos de Barcellos (2003), sendo cartas e alvarás semelhantes, mas
com diferença no período dos seus efeitos, uma vez que as ações cujo efeito durariam mais de
um ano normalmente tomariam forma de cartas, obviamente os que cujo efeito durariam
menos, tomariam forma de alvarás, embora mesmo assim de vez em quando, as coisas cujo
efeito durariam mais de um ano eram atribuídas forma de alvarás, conforme se pode constatar
num alvará dado a Jorge Pimental pelo rei D. João III a 20 de Março de 1550:
mandei dar este meu alvará ao qual quero que valha e tenha força e vigor como se
fosse carta feita em meu nome e assellada do meu sello pendente sem embargo da
ordenação do livro segundo, titulo 20 que diz que as cousas cujo effeito houver de
durar mais de um anno passem por cartas, e passando por alvarás, não valham
Em Silva (1980), considera-se alvará o termo utilizado para designar uma espécie de lei que
tinha como função modificar ou impor declarações sobre coisas já estabelecidas, “no que se
diferia da carta de lei, que vinha impor novas regras ou estabelecimentos, e que durava
sempre, enquanto o alvará tinha a vigência anual, se outra condição não lhe era imposta (p.
113).
quando este é enviado às ilhas, sendo que o próprio conteúdo da carta dizia: “e qual officio
servirá segundo forma do regimento, poder e alçada que leva e como no dito regimento e
As Câmaras
37
Na administração da justiça cabo-verdiana, tarefa que somente era confiada aos capitães
donatários ou aos donatários, veio a participar as câmaras, passando a atuar num mesmo
espaço de resolução de litígios que surgiam nas populações (Santos, 2007). De acordo com
Donatário, passa a ser um dos grandes poderes do arquipélago” (p. 278). A administração da
justiça passou a compor ao mesmo tempo os órgãos do poder local e os oficias régios
enviados pela metrópole. A ilha de Santiago passou a ter duas instituições administrativas,
uma que representava o capitão donatário (feitor ou rendeiro) e uma que representava a
população local (a câmara) (Santos, 2007). Andrade (1996) afirma que embora os centros de
Todavia, com o aparecimento das câmaras, os poderes dos capitães donatários diminuíam-se
aos poucos. Andrade (1996) aponta que já no reinado de D. João II, os poderes dos capitães
donatários se encontravam reduzidos. Na mesma linha, Santos (2007) afirma que pela carta de
D. Manuel, a 11 de julho de 1511, foi determinada ao capitão que as questões judiciais que
Santos (2007) considera que o município ou a câmara surgiu como um poder concorrente,
e na justiça em concorrência com o capitão, transformando-se num poder local paralelo, que
Como é de esperar, nessa época, a câmara ou município não se encontrava em todas as ilhas,
sendo que na primeira metade do século XVI, apenas estava presente em três regiões: uma na
capitania sul de Santiago sediada na Ribeira Grande, uma na capitania norte com jurisdição
38
limitando seu campo de atuação sobre seu determinado território (Santos, 2007).
A câmara era composta pelos juízes ordinários, vereadores, procurador, tesoureiro e escrivão,
sendo os juízes com maior projeção ou relevância, competindo lhes manter a ordem pública e
fazer cumprir as leis do reino (Santos, 2007). Eram dois os juízes camarários: um julgava as
causas dos navegantes e todos assuntos relacionados com o mar, outro administrava a justiça
aos habitantes da ilha (Santos, 2007). Varela (2011) considera que os juízes ordinários eram
paralelamente na administração da justiça, sem uma delimitação definida das suas áreas de
atuações, destacando-se para os juízes camarários que julgavam a maioria dos casos de crimes
em primeira instância. É nesta senda que Varela (2011) aponta que frequentemente podiam os
juízes camarários entrar em conflitos com o capitão, principalmente na fase inicial, ou seja, na
O Corregedor e o Syndicante
Sendo já identificados os capitães donatários e a câmara, resta saber se, estes, eram os únicos
órgãos de administração da justiça em Cabo Verde nessa época. No entanto, Santos (2007)
apresenta uma outra autoridade, o corregedor como autoridade régia periférica e com
jurisdição sobre todo o arquipélago, que passou a repartir a administração entre a câmara e os
capitães donatários. Nas palavras de Cabral (2015), o corregedor era tido como a autoridade
subtractivo da liberdade e da esfera jurisdicional dos órgãos locais e, por conseguinte, alvo de
uma oposição relativamente dissimulada por parte dos moradores e do Capitão” (p. 279). Ao
contrário dos capitães donatários que mantinham cargo até à morte ou que podiam nomear
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possuíam poderes superiores aos quais possuíam os capitães donatários (Cohen, 2001).
figura do corregedor é dada como aparecido a partir do ano 1516 e 1517 na ilha do Fogo e
Santiago respectivamente, sendo autoridade nomeada pelo poder central com o objectivo de
judicial, controlar as ações dos capitães e impedir que ultrapassem das suas jurisdições,
arbitrar conflitos entre as populações, sendo vistas como o garante da ordem na sociedade.
O problema que se coloca em relação à nomeação inicial dos corregedores data-se anterior ao
ano de 1516 e 1517, com a nomeação de Pedro Lourenço em 1481 como autoridade para as
ilhas. Contudo, existem informações de duas fontes, referindo-se à mesma data e com a
nomeação do mesmo Pedro Lourenço pelo rei D. João II, mas com designações diferentes: em
Barcellos (2003), o dito Pedro Lourenço é referenciado como syndicante, enquanto que em
Santos (2007) ele aparece como corregedor. Resta-nos então saber se o syndicante e
corregedor era designação feita à mesma autoridade. As duas fontes, Santos (2007) e
Barcellos (2003), citam como causa de nomeação do dito Pedro Lourenço, as transgressões
dos moradores que iam tratar e resgatar nas partes da Guiné as mercadorias proibidas pelo rei
D. Afonso V.
Nas palavras de Cabral (2015), após a morte do infante D. Henrique, houve uma viragem na
política dos descobrimentos imposta por D. Afonso V, onde a situação dos moradores de
Santiago tornaram-se mais complexas pela limitação geográfica de seus privilégios, como a
interdição de comerciarem na costa da Guiné com produtos que não sejam criadas e
produzidas na ilha, entre outras restrições, sendo caso procedessem, estariam sujeitos a sofrer
É nessa sequência que Barcellos (2003) cita o ano de 1481 onde D. João II, aclamado rei a 31
de agosto do mesmo ano, através de uma carta, nomeou o syndicante Pedro Lourenço com o
objectivo de julgar os moradores culpados que iam resgatar e tratar nas partes da Guiné as
Barcellos (2003) considera que essa carta dava a figura do Syndicante um grande poderio
perante a justiça, sendo “a alçada judicial, julgando os feitos sem apellação, nem agravo, e
execução nos bens dos culpados; de lhes applicar penas de cadeia e degredo, perdimento de
A partir dessa carta, o rei D. João II figurou o Syndicante como a maior autoridade judicial na
ilha, tendo em conta que todos os outros oficiais deviam lhe obedecer perante qualquer
decisão por ele tomada. Vejamos o que diz a carta de nomeação do Syndicante Pedro
Lourenço:
quaesquer outras pessoas em ella estantes e moradores que em todo o que nas ditas
compram (cumpram) e façam todo (tudo) o que lhes ello por vossa e de nossa parte
por ello requerer e mandar asy (por assim) e tam compridamente e com tanta
obediencia como se lhe nós em pessoa mandassemos e nem comprindo elles ou cada
hum delles o que nom cremos nem esperamos por esta damos ao dito Pedro Lourenço,
Nas palavras de Barcellos (2003), não tinha muita confiança do rei a justiça local que estava a
cargo dos capitães donatários, enquanto que a justiça régia estava confiada a um syndicante.
Dessa disposição, pode-se depreender que nessa época, a administração da justiça em Cabo
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Verde estava subdividida em dois polos, sendo a justiça régia, através dos oficiais régios
enviados às ilhas, e a justiça local, através dos nomeados pelos capitães donatários.
No entanto, Barcellos (2003, p. 49) ao referenciar que pela “falta de corregedores, que a ilha
pela sua pobreza ainda não podia sustentar, a justiça régia era confiada a um syndicante”,
mostra-se claramente que o sindicante e o corregedor não eram a mesma autoridade, embora
corregedores.
As duas fontes, (Barcellos, 2003 & Santos, 2007), denominam as duas autoridades de
Contudo, Santos (2007) afirma que apesar dos amplos poderes que possuíam os corregedores,
possuíam limitações, pois podiam ser suspendidos do cargo pelo rei, não podiam interferir na
jurisdição local, não podiam averiguar nos agravos relativos às sentenças dos tribunais locais,
embora tinham autoridade para solicitar auxílio do aparelho coercivo no âmbito das suas
Como dito anteriormente, a situação da administração da justiça não era homogenia para
todas as ilhas, uma vez que as principais autoridades se centravam sobretudo na ilha de
Santiago. Conforme nos diz Varela (2011), com o povoamento da ilha do Fogo e das outras
transferida para essas ilhas. Santos (2007) afirma que em Fogo, na fase inicial, supostamente a
justiça estava entregue a um capitão à semelhança da ilha de Santiago, e que a partir de 1528,
quando o rei D. João III pela carta doou a capitania dessa ilha a D. João de Meneses de
simultaneamente capitão e ouvidor” (p. 65). Barcellos (2003) considera que só a partir
daquela carta os moradores do Fogo passaram a gozar dos privilégios sobre a jurisdição e
eleição, rendas, direitos e tributos que já gozavam os moradores de Santiago, carta aquela que
ele considera como a primeira legislação administrativa para os moradores do Fogo que
De acordo com Santos (2007), na ilha do Fogo o capitão e ouvidor apreciava os feitos depois
de julgados pelos juízes ordinários, havia um tribunal de primeira instância composta por dois
autoridade do capitão e ouvidor, julgando causas cíveis e criminais excepto casos de pena de
morte, e o corregedor como a terceira autoridade que podia julgar na ilha. Na ilha do Fogo
assim como em Santiago, era frequente conflito de jurisdição entre as três autoridades com
Em suma, no primeiro século do povoamento das ilhas de Cabo Verde, são os que foram
O Juiz de Fora
No entanto, um outro órgão que veio a participar na administração da justiça em Cabo Verde
pela denominação régia, foi o juiz de fora, a partir de 31 de outubro 1566 onde foi nomeada
um oficial com este título para a Ribeira Grande (Barcellos, 2003). Apesar das diferenças
encontradas numa letra do nome do oficial nomeado nessa data para esse cargo em Barcellos
(2003) e em Cohen (2001), mostra-se que tratava da mesma pessoa. Em Barcellos (2003) o
43
dito oficial aparece com o nome de “Francisco Pires Pisão” (p. 138), enquanto que em Cohen
O juiz de fora tratava-se de um indivíduo que não pertencia a comunidade local, eleito pelo
centro de administração régia para ocupar os cargos que normalmente ocupavam os juízes da
atribuições que os juízes ordinários, atuavam junto com corregedor, promovendo a vigência
Contudo, os juízes de fora não parecem ter sido uma autoridade nomeada frequentemente para
as ilhas. Cohen (2007) demostra-nos que em Cabo Verde, apenas teve notícia da nomeação de
Os Capitães Gerais
Já a partir do ano 1587, Barcellos (2003) afirma que D. Filippe alterou a administração das
ilhas de Cabo Verde e definiu melhor a alçada das autoridades administrativas e judiciais,
nomeando a partir desta data um capitão geral. Foi nomeado Duarte Lobo da Gama capitão de
todas as ilhas, e com provisão sobre todos os ofícios da justiça, ficando então os donatários
sujeitos à ação tutelar dos capitães gerais (Barcellos, 2003). Cohen (2001) carateriza essa
época como uma “fase… “de transição” para o estabelecimento de um governo centralizado
Os Ouvidores Gerais
Já nos finais do século XVI e início do século XVII (ano de 1596), houve uma pequena
alteração nas autoridades judiciais das ilhas de Cabo Verde. Passou-se a nomear os ouvidores
gerais, em substituição dos corregedores, tendo sido primeiro nomeado Manuel Dias Calheta
44
(Barcellos, 2003). A partir do ano 1606 passou-se regimento aos ouvidores semelhante ao que
mais qualidade, conferindo-lhes jurisdição nos feitos cíveis e criminais, podendo tomar
conhecimento do agravo dos juízes ordinários, passar cartas de seguros nos casos que
passavam os corregedores das comarcas, aplicar penas e condenar em penas de dinheiro até
Enfim, pode se verificar que em Cabo Verde nessa época não havia uma estrutura judicial
bem definida, e que os vários cargos de administração da justiça que existiam surgiam em
Como dito anteriormente e de acordo com Cabral (2015), os “homens horados brancos”
constituíam o poder local, isto é, eram eles quem controlavam a sociedade cabo-verdiana,
influenciando a política local. Já os naturais da ilha ou os filhos da terra aos poucos veio se
afirmar na administração social em Cabo Verde. Nos finais do século XVI e meados do
século XVII, os naturais da ilha começaram a ocupar os vazios nos cargos deixados pelos
brancos quando estes começaram a abandonar a ilha, tendo em conta que para eles, “já nada
atraía para essa ilha do Atlântico, <<longínqua>>, <<doentia>> e sem nenhuma riqueza
No entanto, Barcellos (2003) e Cabral (2015) figuram o ano de 1546 o marco desse período,
administração.
Barcellos (2003) aponta que através de uma carta, no ano de 1546, os moradores de Santiago
pediram ao rei para entrarem nos ofícios do concelho ou no policiamento da terra para
acabarem com os abusos dos poderosos, vigiar melhor a terra para onde fugiam os escravos, e
45
opor às exigências dos poderosos que faziam dos seus parentes vizinhos que ali chegavam
sem terem cumprido o tempo previsto nas ordenações, prejudicando assim os tratos da Guiné.
No entanto, Barcellos (2003) figura o nome de André Alvares d’Almada em primeiro lugar
que ocupou os cargos entre os filhos ilustres de Cabo Verde. Foi-lhe atribuído o cargo de
Cavaleiro da ordem de Cristo, cargo este que Cabral (2015) alega como o único que estava ao
alcance das ilites dos filhos de Cabo Verde. De acordo com Barcellos (2003), “André Alvares
d’Almada era natural de S. Thiago, filho de Cypriano Alvares d’Almada e neto de João
Alvares d’Almada, proprietario dos mais poderosos da ilha, e foi capitão de ordenanças” (p.
145).
Na segunda metade do século XVI e início do século XVII, os nascidos em Cabo Verde
conquistaram direitos como o de entrar no regimento da câmara, de servir nos cargos não
cargos régios (Cabral, 2015). As informações em Cabral (2015) demostram-nos que já no ano
de 1626, na composição da Câmara da Ribeira Grande apenas um oficial não era natural da
ilha, posto que se encontravam presentes em todos os cargos, desde o procurador, até do juiz
ordinário.
No entanto, pode-se depreender que nessa época, a sociedade cabo-verdiana não era
Os Governadores
A partir dos anos 1600, os capitães gerais, que eram considerados uma das maiores
possuíam poderes limitados, ocupando apenas os cargos que sobravam, as suas jurisdições
46
Tomaremos como exemplo a informação em Barcellos (2003), onde pela carta régia foi
autorizada à Manuel da Costa Ramalho a vir como syndicante para Santiago e tirar residência
do governador Inácio da França Barbosa. Ainda em setembro de 1622, foi dada provisão ao
intrometteram nas coisas e contas das fazendas dos defunctos e auzentes; … que
até final sentença dando appelação e aggravo para a meza da consciencia e ordens;
Andrade (1996) defende que desde a nomeação do primeiro governador de Cabo Verde até o
fim da escravatura, toda a história da administração colonial foi marcada por conflitos, “não
só entre governadores e bispos, mas também entre governadores e outros funcionários” (p.
apresenta o facto do governo da metrópole não tenha se definido claro nos seus regimentos
apresentavam reclamações ao rei contra as suas ações. Tomaremos como exemplo um dos
dirigiram queixas contra os governadores, que tiravam de seus cargos os juizes, sem
47
nos annos em que servissem, não podessem ser presos pelos governadores e ouvidores
Barcellos (2003) considera essa decisão como, “o primeiro procedimento real contra a
incorrigibilidade do governador Ferraz” (p. 255). Desse caso, pode-se concluir que a Câmara
tinha como o único recurso as reclamações que dirigiam ao rei para fazer face aos abusos dos
governadores.
Foi criado o Conselho Ultramarino em 1643, órgão que de facto administrava as colónias,
uma vez que para cada decisão importante a ser tomada pelo governador, teria de consultar o
rei, este que por sua vez iria solicitar o parecer do Conselho antes de tomar qualquer decisão
(Andrade, 1996).
do conselho”, deviam continuar a ter este título, e, respondeu que, “…recahindo a nomeação
capitães-generaes ou generaes e do conselho, e aos outros que não tiveram esta graduação
sómente o de governadores” (p. 349). Pela decisão do Conselho, o título continuou-se como
governador-geral até o ano de 1895, onde mudou para o governador de província (Barcellos,
2003).
Andrade (1996) mostra-nos que no ano 1836, em Cabo Verde havia um governo geral
A figura de governadores e ouvidores ainda nos finais do século XIX e início do século XX
órgãos do poder local. Com isso, pode se verificar que já no século XX, a figura de
com as suas atribuições diminuídas, tendo em conta que com a separação dos poderes
mãos dos juízes ou nos tribunais, ficando assim os governadores direcionados apenas às
Varela (2011) considera que a partir da época da nomeação dos ouvidores em substituição dos
corregedores, a situação da justiça local nas ilhas não sofreu grandes alterações até os meados
do século XVIII, enquanto que ao nível da justiça régia as mudanças eram direcionadas
desembargador Custodio Correia de Matos, para investigar e enviar provas à metrópole sobre
caso de conflito entre o governador e o ouvidor geral (Varela, 2011 - caso retirado em
Barcellos, 2003).
Com essa afirmação de Varela (2011), podemos dizer então que até os meados do século
A partir do século XIX, com a aprovação da primeira Constituição de Portugal em 1822, deu-
Código Administrativo de 1842, que mudaram o panorama da justiça local em Cabo Verde
(Varela 2011).
A divisão entre os três poderes é encontrada nos artigos 29° e 30° da Constituição portuguesa
de 1822. O artigo 29° define o regime português como Monarquia constitucional hereditária,
com leis que regulam o exercício dos três poderes do Estado. Já o artigo 30° identifica esses
três poderes como o legislativo, o executivo e o judicial, fixando o poder judicial nos juízes
ou nos tribunais, e estipulando que cada um dos poderes atuam de forma independentes.
Conforme o artigo 176° dessa Constituição, o poder judicial pertencia exclusivamente aos
Desta feita, então à luz dos artigos dessa Constituição, podemos dizer que o longo período de
administração da justiça em Cabo Verde seguiu um novo rumo, tendo em conta que com a
separação dos três poderes do Estado, os grandes oficiais que historicamente intrometiam
facilmente nos feitos da justiça não poderão mais, uma vez que a própria constituição não os
permitia. A prova de aplicabilidade dessa legislação para Cabo Verde é o artigo 20° que
define o território da nação portuguesa, mais concretamente no seu ponto III onde identifica
as ilhas de Cabo Verde como sendo parte do reino de Portugal. Além disso, de acordo com o
Livro/ Praia (2006), “É importante recordar que a constituição de 1822 tinha proclamado o
Em relação aos juízes, a Constituição portuguesa de 1822 aponta os juízes de facto (artigo
177°, com atribuições nos casos de crimes cíveis, as causas relacionadas com o abuso da
liberdade de imprensa entre outras determinadas pelo código), os juízes letrados de primeira
instância para cada um dos distritos (artigo 179°, com competência nas causas que julgam os
50
juízes de facto e outras não pertencentes à competência desses juízes) e os juízes electivos
para cada uma das subdivisões dos distritos (artigo 180°, 181°, com atribuições para julgar
ainda havia uma junta de justiça criminal composta pelo governador, juiz, delegado do
fora os juízes ordinários que historicamente fizeram parte das Câmaras e que eram um dos
órgãos de administração da justiça local em Cabo Verde. A partir do artigo 116°, (“SECÇÃO
de regular suas rendas e administrar seus estabelecimentos, porém também ficaram omissos
Podemos concluir então que, a partir dessa data, com a separação dos poderes do Estado e a
nomeação de novos oficiais, embora se continuavam a atuar num mesmo espaço os órgãos do
poder central e do poder local, pelo visto as Câmaras não estavam mais relacionadas com
Nos meados do século XIX, através das informações retiradas no B.O n° 34 de 3 de julho de
1843, Andrade (1996) mostra nos que nessa época a administração da justiça compreendia
órgãos como: Juiz da Província, Delegado do Procurador Real e Juízes de Paz, mas que
Já a partir do ano 1851, Varela (2011) afirma que foi alterada a figura dos órgãos de
Procurador Régio.
Ao nível dos concelhos Varela (2011) aponta como órgãos de administração da justiça nessa
época os Juízes Eleitos, que atuavam sob a jurisdição dos tribunais superiores das comarcas,
cargos de Juízes Eleitos, e os Cabos de Polícia, que juntamente com os regedores eram na
prática os dirimidores dos conflitos das camadas menos favoráveis da população, posto que
A partir de 1926, época de vigência da ditadura na metrópole e com reflexo nas colónias, a
situação da administração da justiça em Cabo Verde não parecia ser a melhor coisa do mundo,
tendo em conta que conforme nos diz Amado (2019), era normal presenciar-se com casos de
julgamentos sem culpas formadas, os tribunais não eram independentes nem imparciais, e a
novo período de administração das ilhas, época, que coincide com a aprovação da
nascimento do Estado Novo em Portugal, sendo um Estado que de acordo com Amado (2019)
Segundo Amado (2019), o regime Salazar rejeitava claramente a separação dos poderes, ao
Governo. Por sua vez, Andrade (1996) defende que nessa época privilegiavam-se a
portuguesa que em última instância decidiam da vida política, económica e social do povo de
Cabo Verde.
A Constituição portuguesa de 1933, artigo 115°, além de informar que a função judicial era
judiciais do continente, das ilhas adjacentes e das colónias, os tribunais judicias de primeira
instância nas comarcas de todo o território nacional, os juízes municipais com competências
artigos importantes, que se fossem aplicados, trariam alguns benefícios para os colonizados.
Esta constituição era incompatível com a realidade vivida nas colónias, e em alguns aspetos,
Já no período da luta anticolonial, Varela (2011) defende que na maior parte dos Estados
mesmo espaço, dando origem a vários conflitos. Dessa situação de confronto entre o direito
período que ele considera como uma fase de “combinação, articulação e tensão entre a justiça
É nesta senda que Varela (2011) afirma que Amílcar Cabral, antigo líder do PAIGC, pretendia
Como consequência, apareceram os tribunais populares que foram introduzidos nas zonas
segundo uma análise da Revista do Ministério da Justiça (1979) mostrou-se que, “os filhos da
nossa terra têm mostrado capacidade de julgar os erros, os crimes e outras faltas cometidas
por outros filhos da nossa terra” (citado em Varela, 2011, p. 300). Em relação à última parte
da afirmação, podemos deduzir que se referia aos filhos de Cabo Verde, uma vez que, na
altura, Cabo Verde e Guiné-Bissau através do PAIGC, se encontravam unidos por um mesmo
objectivo, a independência.
No entanto, o que quer dizer Varela (2011) é que nessa época, além da justiça era
administrada exclusivamente pelos órgãos indicados pela metrópole, PAIGC nas zonas
pelo seu próprio povo, através dos tribunais instituídos com base nas suas ideologias, crenças
e tradições, o que pareceu mais tarde transportar esse modelo de justiça para Cabo Verde com
(1979), em Cabo Verde “o Estado contava oficialmente com dois Tribunais de Comarca (um
também com os Tribunais Municipais que situavam nos concelhos” (Citado em Varela, 2011,
p. 306). Nessa época, as autoridades jurisdicionais locais que existiam eram os Regedores e os
Em suma, são os que foram apresentados por Varela (2011), os Tribunais de Comarca, o
principais órgãos de administração da justiça em Cabo Verde dessa época que se prolongaram
54
até as vésperas da independência, onde foram formalmente dissolvidos pelo novo Estado
recém-independente.
55
independência
Após a independência, parece se ter mudado o quadro dos órgãos de administração da justiça
órgãos e novos instrumentos jurídicos no que tange a administração judicial, social e política
da sociedade cabo-verdiana.
Nessa altura, foi aprovada pela Assembleia Nacional Popular, a Lei sobre a Organização
que vigorou até 1980, com a aprovação da primeira Constituição da República de Cabo
Verde. A LOPE no artigo 17° apresentava como órgãos de administração da justiça em Cabo
previstos pela lei (neste caso seriam os que vieram a ser introduzidos pelo Decrecto-lei
Como dito anteriormente, com a independência o Estado deixa de lado as estruturas judiciais
A estrutura judiciária herdada do colonialismo não serve às reais necessidades nem aos
verdadeiros objectivos da Justiça em Cabo Verde…. Por outro lado, a verdadeira justiça
que se quer edificar no nosso País, de acordo com a linha político-ideológica traçada pelo
Nesse Decrecto-lei, pelo artigo 2° foi dividido o Território Judicial da República de Cabo
os concelhos (artigo 5°), e as zonas judicias as que foram determinadas pela lei (artigo 6°).
O Conselho Nacional de Justiça, como instância judicial suprema, era um tribunal de recurso
e de revista, e possuía competência plena sobre todas as causas cíveis, criminais, judiciarias e
encontravam direcionados para cada uma das regiões, composto por um Juiz de Direito e
quarenta assessores populares. O Juiz de Direito da região possuía jurisdição sobre toda a
região (artigo 17°). Competia aos Tribunais da Região julgar em primeira instância as causas
encontravam excluídas das suas competências ou não pertenciam ao juízo final (artigo 34°.1 /
34°.2).
eram direcionados para os concelhos do Tarrafal, Santa Cruz, Brava e Maio, e na Região de
57
Barlavento para os concelhos do Paúl, Porto Novo, São Nicolau, Boa Vista e Sal (Decrecto-lei
que não pertenciam ao Juízo Especial quando a pena aplicável não era superior a dois anos de
prisão, e os processos cujo valor não ultrapasse a 50.000 escudos (decreto-lei n° 33/75, artigo
pena aplicável não ultrapassasse a dois anos de prisão, mas diferentemente dos Tribunais Sub-
Regionais de 1ª classe, estes só podiam julgar os processos cíveis cujo o valor não
Das decisões dos Tribunais Sub-Regionais cabiam recurso aos Tribunais Regionais em
Por último os Tribunais de Zona, conforme referenciado pelo artigo 26°.1 do decreto-lei n°
idoneidade social.
justiça em Cabo Verde logo após a independência. Nas palavras do Presidente do Supremo
vazio e esse vazio é preenchido pelos TZs … (Cadernos de Campo, 2011, citado em
conciliação entre as partes, possuíam competências para julgar as causas cíveis cujo o valor
não ultrapasse a 5.000 escudos, as injurias, calunias, difamações e os demais crimes contra a
honra, honestidade e a moral pública, os crimes de roubo, furto, abuso de confiança, crimes de
ofensa corporais e outras atribuições que lhe forem delegadas pela lei.
Maia (1996) defende que a justiça popular, feita pelos Tribunais de Zona, tratava-se de uma
justiça “efectuado por cidadãos comuns, pertencentes inclusive às camadas sociais subalternas
Varela (2011) afirma que os Tribunais de Zona julgavam apenas as pequenas causas cíveis e
Apesar que não eram considerados tribunais judiciais, não possuíam juízes ou magistrados
alternativa aos tribunais oficiais, que para além de mediação e conciliação, podiam por
iniciativa própria desencadear processos que possivelmente iria originar decisões que gerava
obrigações, o que causaria legalmente recurso aos tribunais superiores (Varela, 2011).
Conforme o artigo 46° do decreto-lei n° 33/75 de 16 de Outubro, das decisões dos Tribunais
de Zona cabiam recurso aos Tribunais Regionais, que iriam decidir definitivamente.
Embora apresentado esses tribunais como órgãos de administração da justiça em Cabo Verde,
Cardoso (2016) alega que a separação dos poderes, legislativo, executivo e judicial, não havia
59
sido instituído e o poder judicial foi esvaziado do seu conteúdo essencial, uma vez que os
interesses políticos e ideológicos do PAIGC. Cardoso (2016) afirma que o próprio artigo 20°
n° 2 da LOPE constituía um obstáculo ao estipular que, “no exercício da justiça <<só pode
participar da composição dos tribunais aquele que tiver provado a sua idoneidade para o
Verde>>” (p. 54). A última parte da frase parece referir às conquistas e objetivos do PAIGC,
Enfim, do ano 1975 a 1980, embora figuravam-se como órgãos de administração da justiça o
Tribunais de Zona, a própria lei que se organizava o Estado colocava total subordinação do
poder judicial aos interesses políticos e ideológicos do partido político que dirigia a sociedade
cabo-verdiana.
Verde, a situação dos órgãos de administração da justiça não parece ter tido uma alteração
A CRCV de 1980, artigo 87°.2, estipula que “a Justiça é administrada com base na ampla
participação popular”, conteúdo que Varela (2011) refere aos Tribunais de Zona, afirmando
exclusivamente aos tribunais instituídos pela lei. Neste caso, seria o Supremo Tribunal de
A CRCV de 1980 indicava ainda como órgãos de administração da justiça em Cabo Verde os
exclusivo das causas e processos dentro das suas áreas de atuações (artigo 89°.2). Seria então
aprovação dessa lei, o Conselho Nacional de Justiça passou a ser denominado de Supremo
(Varela, 2011). Por essa lei, o território judicial da República de Cabo Verde também se
dividia em regiões e sub-regiões. Pelo artigo 3°, é indicado que a administração da justiça
competia aos tribunais judiciais, os que de acordo com o artigo 4° seriam o Supremo Tribunal
Justiça era considerado a instância judicial suprema no país (artigo 5°.). Já os Tribunais
Regionais, conforme o artigo 15°.1, eram direcionados para cada uma das regiões e possuíam
competências sobre todas as causas, desde que não sejam excluídas das suas competências ou
não pertençam ao juízo especial (artigo 18°.1). Por último, os Tribunais Sub-Regionais,
comparando com o ano de 1975, também eram direcionados para cada uma das sub-regiões
(artigo 22°.1). Em relação aos Tribunais de Zona, todas as disposições que referem a este tipo
A partir da década de 1990, com a revisão constitucional, o PAICV deixou de ser força
política dirigente da sociedade e do Estado de Cabo Verde pela aprovação da lei dos partidos
políticos.
61
Segundo Varela (2011), nessa época, com a abertura política e a substituição do regime do
partido único pela democracia representativa seguido das eleições legislativas de 1991, os
Tribunais de Zona, que eram um dos órgãos de administração da justiça em Cabo Verde,
acabaram por ser dissolvidos pelo novo partido político que entrou no poder. Os Tribunais de
Zona foram formalmente extintos logo no primeiro artigo da Lei n° 6/IV/91. Já no artigo
segundo estipulava-se que suas competências passariam aos Tribunais Regionais e Sub-
Regionais de acordo com as áreas de suas jurisdições. Enfim, com essa presente lei foram
revogados os Tribunais de Zona, os estatutos dos seus juízes, assim como toda a legislação
A Constituição da República de Cabo Verde de 1992 parece ter trazido algumas novidades em
relação aos órgãos de administração da justiça em Cabo Verde. Logo no preâmbulo dessa lei
constitucional defendia-se um poder judicial forte e independente, o que constituía uma boa
Portanto, em Varela (2011) é encontrada uma pequena mudança em relação aos órgãos de
Tribunais Militares, fiscais e aduaneiros (CRCV, 1992, artigo 228°). Além disso, era definido
ainda podiam ser criados nos termos da lei tribunais especializados de acordo com a matéria
O Supremo Tribunal de Justiça, como sabido, é o órgão jurisdicional supremo no país e com
jurisdição sobre todo o território nacional. O STJ podia apreciar a constitucionalidade das
República e entre outras funções que lhe foram delegadas pela constituição ou pela lei
(CRCV, 1992, artigo 237°). No entanto, vê-se aqui que o STJ desempenhava o papel que
que por lei não eram atribuídas às outras jurisdições (CRCV, 1992, artigo 239°).
públicas e do julgamento das contas que por lei lhe foram submetidos (CRCV, 1992, artigo
241°).
Os Tribunais Militares, conforme o próprio nome diz e de acordo com o artigo 240°, julga
essencialmente as causas ou crimes militares e das suas decisões cabem recurso ao STJ nos
termos da lei.
Contudo, além dos tribunais nacionais apresentados como órgãos de administração da justiça
em Cabo Verde, no ano de 1992, a Constituição da República estipulava no seu artigo 223°.2
que a justiça podia também ser administrada por “tribunais instituídos por convenções
constituía uma grande novidade em relação aos instrumentos jurídicos nacionais que fixaram
A partir de 1999
A partir de 1999, marca-se um novo período no que tange aos órgãos de administração da
justiça em Cabo Verde. De acordo com Silva (2014), pela revisão constitucional ordinária de
1999 deu-se as seguintes inovações em relação aos órgãos de administração da justiça no país:
No entanto, embora para Silva (2014) foi com a revisão constitucional de 1999 é que se
possibilidade, mas apenas com uma designação diferente. Vejamos o que diz o artigo 223°.2
da CRCV (1992): “O poder jurisdicional poderá também ser exercido por tribunais instituídos
por convenções constitutivas de organizações supra-nacionais de que Cabo Verde seja parte,
acordos ou convenções internacionais de que Cabo Verde seja parte (artigo 209°).
Contas, o Tribunal Militar de instância, os Tribunais Fiscais e Aduaneiros, além dos tribunais
judiciais de segunda instância, dos tribunais administrativos, dos tribunais arbitrais e dos
64
do tribunal judicial de primeira instância, que podem ser criados nos termos da lei (CRCV,
possui jurisdição sobre todo o território nacional (CRCV, 1999, artigo 214°).
Os Tribunais judiciais de primeira instância, segundo o artigo 215°, são os tribunais comuns
com jurisdição nas matérias cíveis, criminais e todas as causas que por lei não sejam
da fiscalização de legalidade das despesas públicas e de julgamento das contas que pela lei lhe
foram submetidas.
Por último, o Tribunal Constitucional, conforme o artigo 219°, possui competências para
1999, aquando da publicação da CRCV dessa época. Para Silva (2014), com a CRCV de 2010
instituídos através de tratados, acordos ou convenções internacionais de que Cabo Verde seja
parte.
No entanto, no que se refere aos tribunais nacionais como órgãos de administração da justiça,
criminal, administrativa e em toda a matéria que por lei não for reservada à outra jurisdição.
Contas, o Tribunal Militar de Instância, os Tribunais Fiscais e Aduaneiros e ainda podem ser
regulação de conflitos em áreas territoriais mais restritas do que a de jurisdição dos tribunais
especializados, mas não exclusivo em relação à determinadas matérias (CRCV, 2010, artigo
214°). Pela Lei n° 88/VII/2011, os tribunais judiciais são o Supremo Tribunal de Justiça, os
Conforme se encontra estipulado nessa lei, o território judicial da República de Cabo Verde se
ilhas de Sotavento e de cada conjunto das ilhas de Barlavento, cada um composto por um
Município onde o respetivo tribunal se encontra instalado ou as áreas definidas pela lei (artigo
15°).
assim como na revisão constitucional de 1999, possui competências para administrar a justiça
O Supremo Tribunal de Justiça, agora também considerado órgão superior da hierarquia dos
funciona como um tribunal de revista e de recurso das decisões dos Tribunais de Relação
quando estes julgam as causas em primeira instância e como um tribunal de primeira instância
De acordo com a Lei 88/VII/2011, o STJ pode funcionar em plenário sob a direção do seu
Magistratura Judicial e exerce as demais funções que lhe forem conferidas pela lei (Lei
n°88/VII/2011, artigo 34°). Já ao funcionar por secções possui competências para julgar as
Relação, os recursos das decisões dos tribunais de segunda instância, os recursos que por lei
67
são da sua jurisdição, pode exercer ainda jurisdição em matéria de habeas corpus, conhecer
que lhe forem conferidas pela lei (Lei n°88/VII/2011, artigo 35°).
Tribunais de Relação, estes, de acordo com artigo 217° da CRCV de 2010, são considerados
tribunais de recurso das decisões proferidas pelos Tribunais Judiciais de Primeira Instância,
das, pelos tribunais administrativos, fiscais e aduaneiros e das, pelo Tribunal Militar de
Instância. São apresentados dois Tribunais de Relação em Cabo Verde: o Tribunal de Relação
de Sotavento, sediada na Cidade de Assomada com jurisdição sobre todas as comarcas das
jurisdição sobre todas as comarcas das ilhas de Barlavento (Lei n°88/VII/2011, artigo 36°).
Já em relação aos tribunais Judiciais de Primeira Instância, conforme o artigo 218° da CRCV
de 2010, estes, são considerados “tribunais comuns em matéria cível e criminal e conhecem
de todas as causas que por lei não sejam atribuídas a outra jurisdição”. “A área de
artigo 44°).
Contas (CRCV, artigo 219° - com competência na fiscalização da legalidade das despesas
públicas e do julgamento das contas que lhe foram submetidas pela lei), o Tribunal Militar de
instância (CRCV, artigo 220° - que julga as causas de matérias essencialmente militares), os
Tribunais Fiscais e Aduaneiros (que julga as causas relacionadas com matérias fiscais,
que possui competências para decidir no decurso da execução das sanções criminais sobre a
a reabilitação judicial e em geral as questões relacionadas com a execução cuja decisão não
esteja legalmente conferida a outro tribunal ou à outra autoridade (Lei n°88/VII/2011, artigo
67°).
de superfície, nos processos penais especiais de transação, entre outras (Lei n°88/VII/2011,
artigo 69°).
competência para julgar os processos de matéria penal nos termos da lei processual penal, e os
solicitadores, como auxiliares de administração da justiça que exercem mandatos judiciais nos
casos e com limitações estabelecidas pela lei (Lei n°88/VII/2011, artigo 76°).
internacionais de que Cabo Verde seja parte como órgãos de administração da justiça no país,
Delgado (2018) afirma que, em princípio, Cabo Verde não se encontra vinculado a muitos
internacionais.
69
Para Delgado (2018), a disposição que legitima os tribunais internacionais como órgãos de
No entanto, Delgado (2018) apresenta seguintes requisitos para que um tribunal internacional
seja considerado órgão de administração da justiça em Cabo Verde: tem que possuir natureza
judiciária, que seja criado por meio de um tratado com base na decisão adotada com amparo
no Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, que confere poder desse tribunal e fixa
encontra vinculado
República.… e se tal efeito estiver previsto nesses instrumentos, nem sequer é preciso
cumprimento, nos termos das suas regras de competência e de processo. (p. 132).
O que quer dizer autor é que naturalmente Cabo Verde deve cumprir a decisão desses
tribunais, sendo que também são considerados tribunais nacionais à luz da lei constitucional.
convenções internacionais de que Cabo Verde seja parte: o Tribunal Penal Internacional, os
70
tribunais criados pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, o Sistema de Solução de
Investimentos (CIRDI) do Banco Mundial. Ainda para Delgado (2018), embora Cabo Verde
não fez a concessão geral de jurisdição ao Tribunal Internacional de Justiça, pode ser
demandado perante esse tribunal através dos vários tratados seus de que o país é parte, que
preveem a intervenção desse órgão, como por exemplo os em relação a matéria de proteção de
relação a proteção internacional do meio ambiente e vários outros instrumentos desse tribunal
Para além dos mencionados tribunais, existem casos de situações mais complexas, que tem
vindo a suscitar discussões no país, que trata de saber se Cabo Verde deve ou não, ou se está
diferente
são as decisões prolatadas por tribunais a cuja jurisdição Cabo Verde não está, geral ou
nacional, não tendo os tribunais internos qualquer dever de seguir as suas orientações
jurisprudenciais. O que não significa que, não sendo obrigados a acata-las, não as possam
são trazidas ao seu conhecimento para efeitos de análise da decisão. (p. 158).
Um dos exemplos seria o caso do Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos, em
que Cabo Verde não vinculou ao protocolo que criou este tribunal.
71
que Cabo Verde assinou, mas não ratificou o protocolo que criou este tribunal e nem sequer
de proteção dos Direitos Humanos” (p. 126). No entanto, em torno do Tribunal de Justiça de
CEDEAO gira uma grande problemática a ser esclarecida em saber se, este, também seria
ou não as obrigações deste tribunal, questão que teve maior discussão recentemente a partir de
2020 quando veio ao público a problemática do caso Alex Saab. Todavia, existem diferentes
Em relação ao caso Alex Saab a questão foi levada ao Tribunal de Justiça da CEDEAO, mas o
Tribunal da Relação de Barlavento não acatou as suas decisões, assim como é da opinião do
CEDEAO não deve ser cumprida equivale a declarar igualmente que uma decisão do
Supremo Tribunal de Justiça não deve ser cumprida, o que em si mesmo envolve a
meu entender, tais Protocolos recebem título de vigência a partir do próprio Tratado que
razão principal é que se está perante um conjunto de tratados que se vão criando a partir
um conjunto de Protocolos… Todos eles com natureza de tratado, o que significava que
mas somente na medida em que tenha consentido com aquelas obrigações de acordo com
Existem ainda outras opiniões que defendem que em princípio, Cabo Verde não possui
obrigações perante o Tribunal de Justiça da CEDEAO por não ter assinado nem ratificado o
protocolo que institui este tribunal, e que por isso os seus relativos protocolos não se
encontram em vigor na ordem jurídica interna cabo-verdiana. Essa foi a primeira vez que
Cabo Verde foi demandado perante o Tribunal de Justiça da CEDEAO, mas, no entanto, não
Constitucional e o Supremo Tribunal de Justiça, nas suas decisões referentes ao caso Alex
73
Saab, deixaram bem claro que o Estado de Cabo Verde não possui obrigações perante o
De acordo com o Tribunal Constitucional (2021), o órgão judicial recorrido, neste caso o
Tribunal Constitucional num dos recursos feitos pelo senhor Alex Saab,
não aplicou uma norma resultante dos artigos 15, número 4, e artigos 34, 89 e 90 do
1991 e 2005 que, vinculando Cabo Verde, obrigariam o país a cumprir as decisões
tomadas pelo órgão dessa comunidade, usando argumento que para que um tratado tenha
eficácia plena tem de ser assinado e ratificado e não sendo aquela organização
supranacional não poderiam ser incorporados a partir do número 3 do artigo 12, e porque
mecanismo interno de incorporação dessas normas não tem a ver diretamente com o número 3
O número 3 do artigo 12 da CRCV (2010) indica que “os actos jurídicos emanados dos órgãos
competentes das organizações supranacionais de que Cabo Verde seja parte vigoram
directamente na ordem jurídica interna, desde que tal esteja estabelecido nas respectivas
por órgãos da entidade sobre o direito interno; b) a definição clara das competências que a
efeito direto dos seus atos normativos nessas matérias dentro da ordem jurídica de cada
2010.
Tribunal Constitucional (2021) afirma que sendo não assinados nem validamente aprovados
na ordem jurídica interna cabo-verdiana, pelo que o Estado de Cabo Verde não pode ser
Das decisões do Tribunal Constitucional pelo acórdão N° 39°/2021 saiu a seguinte conclusão:
decorrente dos artigos 15°, número 4, e artigos 34°, 89° e 90° do Tratado Constitutivo da
nacional, considerando que para que um tratado entre na esfera jurídica interna e tenha
não tendo Cabo Verde assinado os protocolos que reconhecem a competência do Tribunal
75
vinculação do Estado de Cabo Verde a tratados e do princípio de acordo com o qual não
não pode ser considerado como um dos órgãos de administração da justiça no país, pois, como
referenciado, Cabo Verde não possui obrigatoriedade de cumprimento das decisões deste
tribunal.
Enfim, de acordo com a última Constituição da República de Cabo Verde e com a Lei n°
internacionais de que Cabo Verde seja parte, os órgãos que actualmente fazem parte da
Considerações Finais
O tema “Historia dos órgãos de administração da justiça em Cabo Verde” se enquadra num
trabalho científico do fim do curso que se interessa pelo campo histórico-jurídico dos órgãos
Como dito anteriormente, a pretensão principal deste trabalho foi de conhecer e identificar de
uma forma mais recente e atualizada os principais órgãos que fizeram e que fazem parte da
administração da justiça em Cabo Verde, entender como funcionava esses órgãos e, se houve
participarem na administração da justiça, o que não chegou a resolver o problema no seu todo
pelo facto desses órgãos preocuparem mais com suas relações económicas do que com o bem-
estar e a resolução dos litígios que surgiam nas comunidades. Muitas das vezes, eram esses
Levando em conta essa situação e face a distância da colónia em relação à metrópole, foi
nomeada um outro órgão, de maior confiança do rei e como a mais alta autoridade para as
ilhas, com o intento de aprimorar a justiça no país. Até os meados do século XVII, foram
sucessivas autoridades ou órgãos que vem substituindo uns aos outros, uns adquirindo e
que existiam surgiam em função da necessidade da melhor administração da justiça por parte
da coroa. Nessa época, a justiça encontrava-se dividida em dois polos: haviam autoridades
77
directamente nomeados pela metrópole, assim como órgãos do poder local que, embora
assim a justiça era considerada precária no país, posto que não havia instituído a separação
atuavam com uma certa liberdade e pouco controlo, o que levasse a que muitas das vezes
negligenciasse nas suas funções e entrassem em conflitos pela falta de uma delimitação
No entanto, até o final do século XVIII, a situação dos órgãos de administração da justiça em
República de Portugal em 1822, nota-se uma grande viragem nos órgãos de administração da
justiça em Cabo Verde. Com essa Constituição, foi determinada que a justiça passaria a ser
ou órgãos que eram nomeados conforme as circunstâncias perderam suas relevâncias, tendo
em conta que com a fixação do poder judicial nos tribunais, as nomeações que existiam
passaram a ser direcionadas para os juízes que constituíam esses tribunais. Apesar disso, nessa
época também se nomeavam os órgãos do poder local, que juntamente com os juízes dos
Contudo, a partir do século XX, os órgãos de administração da justiça que existiam eram
também os tribunais e os órgãos do poder local que atuavam nos concelhos. Nessa época,
embora a Constituição da República portuguesa de 1933 definia que a função judicial era
exercida pelos tribunais, verificou-se que mesmo assim o poder judicial não possuía total
independência, uma vez que o regime salazarista, a partir do ano 1932, tentava exercer total
Já com a independência, o Estado de Cabo Verde instituiu novos tribunais como órgãos de
administração judicial. Nessa época, os tribunais não possuíam independência nas suas ações,
uma vez que se encontravam submetidos aos interesses do partido político que dirigia a
alterações. Nesse período, os principais órgãos de administração da justiça que existiam eram
o Conselho Nacional de Justiça, que passou a ser denominado de Supremo Tribunal de Justiça
especializados e os Tribunais de Zona que, embora com suas atribuições diminuídas, também
julgavam certos casos. Já em 1991, os Tribunais de Zona acabaram por ser formalmente
Na sequência disso, foi aprovada pela Assembleia Nacional a CRCV de 1992, onde os
de primeira, segunda e terceira instância. Foi a partir dessa época é que se admitiu a
possibilidade de a justiça ser administrada pelos órgãos não internos do Estado, determinando
que a justiça poderia também ser administrada pelos órgãos supranacionais de Cabo Verde
seja parte.
Já em 1999, com a revisão constitucional ordinária, houve também mudanças nos órgãos de
administração da justiça em Cabo Verde. Com essa Constituição foi determinada que a justiça
poderia também ser administrada pelos tribunais instituídos através de tratados, acordos ou
convenções internacionais de que Cabo Verde seja parte. Foi a partir daí é que se criou o
79
Tribunal Constitucional em Cabo Verde, sendo que antes era o Supremo Tribunal de Justiça
Em suma, face à pergunta inicial proposta, sobre se “os figurinos dos órgãos de administração
da justiça seguiram sempre uma estrutura linear e continua em Cabo Verde”, podemos
responder que não, tendo em conta que como se vem evidenciando ao longo de todo o
dos órgãos de administração da justiça em Cabo Verde vem sofrendo alterações em função da
primeiras décadas dos descobrimentos até os dias atuais, onde, com a mudança do panorama e
períodos.
metodologia mais da parte jurídica em relação a essa época, foram fatores que condicionaram
desses órgãos, como por exemplo um dos tribunais internacionais de que o país é parte.
80
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