Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Precedents and constitutional jurisdiction in the new Brazilian Code of Civil Procedure
REFERÊNCIA
FEITOSA, Adriano Gonçalves; PINTO, Jhennifer Cristine Souza; SEIXAS, Bernardo Silva de. Precedentes e jurisdição
constitucional no Novo Código de Processo Civil. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, Porto Alegre, n. 35, p.
233-251, dez. 2016.
RESUMO ABSTRACT
Este trabalho pretende demonstrar a realidade inaugurada This paper aims to show the news introduced by the new
pelo NCPC – Novo Código de Processo Civil (CPC/2015) Brazilian Code of Civil Procedure (CPC/2015), pointing
–, apontando-lhe as inovações pertinentes ao exercício out the relevant innovations in the judicial exercise, so far
jurisdicional, à medida que o novo código, em consonância as the legal innovation, in line with the modern
com o moderno direito processual constitucional, reforça a constitutional Procedural Law, reinforces the binding
vinculação de certas decisões e as adequa à teoria dos quality of certain judicial decisions based on a theory of
precedentes judiciais. Paralelamente, é necessário legal precedents. At the same time, it had to be commented,
comentar, em linhas gerais e numa perspectiva histórica, a very briefly and in a historical perspective, on the
respeito da interação entre os sistemas do Common Law e interaction between the systems of Common Law and Civil
do Civil Law no sistema brasileiro e sua influência ao longo Law in the Brazilian legal system and its influence over the
da trajetória de consolidação da jurisdição constitucional e consolidation path of constitutional and procedural
processual pátria. Afinal, melhor se compreende o NCPC jurisdiction. After all, the NCPC can be understood
diante das reformas processuais promovidas ainda durante through the procedural reforms promoted during the term
a vigência do CPC/1973. Por fim, evidencia-se o papel do of the old procedural law (CPC/1973). Finally, this paper
Supremo Tribunal Federal como Corte Constitucional e a highlights the role of the Supreme Court as a
motivação que isso representa para a força dos precedentes Constitutional Court and what this represent for the
no CPC/2015. precedents in the New Brazilian Code of Civil Procedure.
PALAVRAS-CHAVE KEYWORDS
Precedentes. Novo Código de Processo Civil. Controle de Precedents. New Brazilian Code of Civil Procedure.
Constitucionalidade. Supremo Tribunal Federal. Judicial Review. Brazilian Supreme Federal Court.
SUMÁRIO
Introdução. 1. Noções gerais. 2. O Estado e a jurisdição constitucional. 3. As reformas processuais. 4. Os precedentes no
Novo Código de Processo Civil. 5. Os precedentes e o Supremo Tribunal Federal. 6. Duas novidades do CPC/2015: o
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) e o Incidente de Assunção de Competência (IAC). Conclusão.
Referências.
*
Graduando em Direito (Universidade Federal do Amazonas – UFAM).
**
Professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e do Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas
(CIESA). Mestre em Sistema Constitucional de Garantia de Direitos (Instituição Toledo de Ensino – ITE, 2014).
Especialista em Direito Processual (Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas – CIESA, 2013). Graduado em
Direito (Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas – CIESA, 2011).
***
Graduanda em Direito (Universidade Federal do Amazonas – UFAM).
1
Cruz e Tucci, Teresa Arruda Alvim Wambier, Eduardo precedentes judiciais. Tão forte foi o contato e influências
Talamini, Lênio Luiz Streck, Thomas de Bustamante, mútuas entre os dois sistemas ao longo dos séculos, que
Fredie Didier Jr., Marcelo Souza, Luiz Marinoni, Daniel René David (2002, p. 26) aponta os ordenamentos jurídicos
Mitidiero, Hermes Zaneti Jr., Lucas Macêdo, Adriana da Escócia, Israel, União Sul-Africana, Quebec e Filipinas
Vojvodic e muitos outros pesquisadores têm contribuído como pertencentes a uma categoria de direitos mista, que
fortemente na compreensão, fortalecimento e adequada contempla tanto elementos de uma família jurídica quanto
aplicação da cultura dos precedentes no sistema pátrio. de outra. Por isso mesmo, diz ser tentadora uma nova
2
O estudo dos sistemas de Common Law e Civil Law e seus classificação em “direitos ocidentais”, complementar à
pontos em comum é essencial para a compreensão dos tradicional classificação bipartida.
Precedentes e jurisdição constitucional no Novo Código de Processo Civil
, Porto Alegre, n. 35, p. 233-251, dez. 2016.
237
diversos principados feudais autônomos, erigidos sua aceitação nas academias a partir do final do
a partir de pequenos focos do desmembramento século XIX e início do século XX. Quanto a essa
de Roma. O autoritarismo e o poder se entrelaçam dialeticidade entre sistemas, é “preferível dizer
novamente, numa tendência que acaba por que existem diversos movimentos constitucionais
culminar mais uma vez na concentração de poder com corações nacionais, mas também com alguns
e, em razão disso, no surgimento dos Estados momentos de aproximação entre si, fornecendo
Modernos (absolutistas), no início do Século XIV. uma completa tessitura histórico-cultural”
O Império Romano cede aos feudos e, mais (CANOTILHO, 2000, p. 51).
adiante, estes sucumbem às monarquias Tais momentos de aproximação condizem
absolutas. bem com a história institucional do Brasil. O
Em contraponto à teoria do direito divino descobrimento tardio das Américas e a postergada
dos reis e da tradição monárquica erigida a partir colonização das terras que hoje compõem o país
da alta Idade Média, eis que surgem, a partir do já apontam, por si só, as diretrizes naturais que
Século XVII, revoluções na Inglaterra, Estados guiaram seu processo de amadurecimento
Unidos da América e França, objetivando institucional. A aplicação direta das normas de
modificar o status quo até então vigente. Na Portugal no Brasil durante o alargado período em
França, o povo insurge-se contra o Ancien que esteve sob o jugo da metrópole lusitana e o
Régime, rompendo com o absolutismo próprio fato histórico destas terem se abeberado
monárquico e fortalecendo os Parlamentos e, em mais que diretamente no direito romano nos induz
tese, a representatividade, na linha da máxima ao seguinte diagnóstico: a cultura jurídica pátria é
revolucionária Liberté, Egalité, Fraternité. A tão miscigenada quanto o seu elemento étnico-
partir de então, por muito tempo, a Europa populacional. Mais ainda o é se levarmos em
cultivou uma tradição jurídica centrada no Poder conta o grau de influência que exerceu e exerce
Legislativo, que acabou sendo exercido em território nacional a teoria constitucional
autoritariamente pelos Parlamentos. alemã. Mais tarde, no alvorecer republicano,
Contra a lógica que se inverteu, isto é, despontaria a aproximação com o sistema anglo-
contra o absolutismo legislativo, surge o americano.
movimento de fortalecimento do Judiciário, Isso apenas traduz a importância da
atribuindo-lhe verdadeiramente o papel de Constituição enquanto uma ferramenta cuja
guardião dos preceitos constitucionais. aceitação hoje é praticamente universal, atrelada
O Constitucionalismo, em sua concepção que está a expressões tais como garantias,
moderna, é resultado de um longo processo limitação ao poder do Estado, cidadania,
histórico, conforme visto, com diferentes focos de dignidade da pessoa humana, liberdade, dentre
manifestação, tanto geográficos quanto tantas outras que representam os anseios
temporais. A trajetória do Constitucionalismo não libertários e espirituais da sociedade moderna.
possui uma ordem cronológica acertada; Mas, afinal, o que é Constitucionalismo
constitui-se, sim, de fenômenos históricos e senão uma técnica específica de limitação do
políticos que, quando não isolados, estiveram poder com fins garantísticos; ou, ainda, um
estritamente atrelados uns aos outros. mecanismo que visa a garantir a efetividade das
De qualquer modo, até as experiências normas protetoras dos direitos fundamentais?
constitucionais ditas isoladas, no sentido Muitas são as possíveis conceituações sobre a
geográfico do termo, puderam ser aproveitadas matéria, muitas talvez unilaterais, priorizando
em dado momento graças ao direito comparado e aspectos específicos do todo, tal como o enfoque
sociológico dado à Constituição por Ferdinand Dinamarco (1996, p. 26) aponta que a
Lassale. reforma do Código de 1973 começou já durante
De modo geral, apreende-se que a sua vacatio legis, quando a Lei nº 5.925, de 1º de
autoridade impositiva da Constituição contra o outubro de 1973 alterou “perto de uma centena de
poder estatal é sua característica marcante. Por dispositivos”.
sua vez, esse viés acaba por legitimar muitas das O autor elenca três premissas fundamentais
várias outras marcas conquistadas em prol do relacionadas às minirreformas do CPC/73:
constitucionalismo moderno: o primado dos
direitos e garantias fundamentais, da dignidade da [A]bertura do processo aos influxos meta-jurídicos
que a ele chegam pela via do direito material; a
pessoa humana, da igualdade etc. transmigração do individual para o coletivo; e a
Nesse sentido, Constituição se identifica ao necessidade de operacionalizar o sistema,
pacto firmado pelo Estado e os sujeitos que com desburocratizá-lo ou deformalizá-lo tanto quanto
possível, com vista a facilitar a obtenção de seus
ele venham a se relacionar, por meio de direitos resultados.
ou deveres, em que figura a imposição de limites
à atuação estatal. Incompatíveis com as No entanto, a mais importante reforma
disposições constitucionais os atos legislativos ou operada foi a constitucional, que salientou as
administrativos, destes cabe o controle tendências evolutivas da teoria dos direitos
jurisdicional, ou “judicial review”, bem como o fundamentais e reforçou as “garantias do ‘justo
controle político e o controle misto. processo’ (tanto civil como penal), vistas não mais
Apesar de o controle de constitucionalidade exclusivamente como direitos públicos subjetivos
ser adotado por sistemas de orientação tanto dos litigantes, mas sobretudo como garantias para
romano-germânica quanto anglo-saxônica, os o correto exercício da jurisdição” (CINTRA et al.,
precedentes judiciais correspondem a uma 2013, p. 141).
importante figura que proporciona segurança A crítica quanto à falta de coerência do
jurídica e coesão. Código de 1973 não lhe foi inteiramente
exclusiva. Seu antecessor, o Código de 1939,
3 AS REFORMAS PROCESSUAIS também recebera críticas no mesmo sentido
durante sua vigência, pois, não obstante possuísse
As reformas operadas no CPC/73 ao longo uma parte geral e uma parte especial, tal como o
das últimas duas décadas buscaram, em sua atual, sua parte específica era “anacrônica, ora
essência, dar efetividade aos princípios e direitos demasiadamente fiel ao velho processo lusitano,
fundamentais amplamente reconhecidos pela ora totalmente assistemática”. A parte geral estava
Constituição de 1988, mas que na prática não repleta de “ideias novas, enquanto as que tratavam
eram prestados pelo Estado no decorrer do dos procedimentos especiais, dos recursos e da
processo. No entanto, tantas reformas pontuais e execução se ressentiam ‘de um execrável ranço
parciais – minirreformas – acabaram por medieval’” (BERMUDES apud THEODORO
transformar o sistema processual em um todo JÚNIOR, 2012, p. 13).
reduzido em consistência e coerência.3 É bem verdade que foram as duas grandes
guerras do século XX que influenciaram
3
Logo em seus parágrafos iniciais a Exposição de Motivos prestação jurisdicional. Em seguida, justifica o novo
do CPC/15 atribui às muitas reformas parciais sistema na necessidade “de um grau mais intenso de
empreendidas durante a vigência do CPC/73 o funcionalidade”, onde “incluíram-se [...] outros tantos
enfraquecimento de sua coesão, “comprometendo sua [institutos] que visam a atribuir-lhe alto grau de eficiência”.
forma sistemática” e, consequentemente, a celeridade da
Precedentes e jurisdição constitucional no Novo Código de Processo Civil
, Porto Alegre, n. 35, p. 233-251, dez. 2016.
240
com o que popularmente se chama de stare Cassio Scarpinella Bueno (2015, p. 568)
decisis. anota que, apesar de não estar explícito no texto,
Há, ainda, outras classificações, tais como o novo CPC
precedentes persuasivos, precedentes
relativamente obrigatórios e precedentes [..] [N]ão emprega a palavra “vinculante” no sentido
que aqui interessa. Ela parece ser insinuada com o
absolutamente obrigatórios. Dessas classificações uso de afirmativos imperativos toda vez que a
importa abordar tão somente os precedentes temática dos “precedentes” e dos “julgamentos
persuasivos ou obrigatórios, numa síntese que não repetitivos” vem à tona, prevê-se, até mesmo – e
expressamente – o uso da reclamação para afirmar e
parece prejudicar a tratativa da matéria. O reafirmar a “observância” dos precedentes (art. 988,
contraponto entre esses dois tipos de precedentes IV), mas, do ponto de vista textual, aquela palavra é
evitada. Ela só é empregada pelo novo CPC para
está na sua autoridade e, também, na sua
indicar as Súmulas Vinculantes do STF – mas, para
vinculação com o stare decisis. estas, há expressa previsão constitucional – e, no §
Uma vez obrigatórios, há que se falar na 3º do art. 947, a propósito do Incidente de Assunção
de Competência, lê-se que o acórdão proferido
máxima do stare decisis et non quieta movere, isto vinculará rodos os juízes é órgãos fracionários,
é, respeitar as decisões postas e não alterar o que exceto de houver revisão de tese.
está estabelecido. 7 (BLACK, 1968, p. 1578)
No que diz respeito à cultura dos No Código de 2015, o termo “precedente” é
precedentes judiciais, o NCPC, ao dispor em seu utilizado no artigo 926, § 2º, em sua acepção
art. 926 que “os tribunais devem uniformizar sua tradicional, comum, qual seja, simples decisões
jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e judiciais que poderão ser usadas, a depender das
coerente”, consagra o primado dos precedentes no circunstâncias futuras, como parâmetros de
sistema que se inaugura. Mas isso não exime o julgamentos de novas demandas, quando houver
novo código de críticas, dentre as quais a que aspectos identificadores suficientes que
contesta o seu alto teor prescritivo e a falta de justifiquem o embasamento jurisprudencial.
mecanismos verdadeiramente processuais e Nos demais artigos, a expressão parece
pormenorizados que garantam a efetividade do fazer referência principalmente – se não tão-
cumprimento do dever de uniformização somente – aos precedentes obrigatórios, distintos
jurisprudencial (SALLES, 2015, p. 78). daqueles acima comentados em razão do grau de
Todavia, isso deve ser resolvido por nova hierarquia e respeitabilidade que ultrapassa a
legislação processual extravagante, que deverá fronteira do processo em análise, estendendo-se a
procedimentalizar tantas outras prescrições gerais outras partes de outras demandas sub judice.
no sentido de respeito aos precedentes. Outra conquista do Código de 2015 parece
Na esteira da prevalência dos pretender superar aquela crítica exposta bem mais
pronunciamentos judiciais carregados de acima, quanto à prática equivocada de uso e
vinculatividade, o CPC/2015 não só confirma colação de julgados desconexos do caso corrente
eficácia erga omnes às decisões em sede de como se precedentes fossem. Equívoco comum na
controle de constitucionalidade, como também prática forense. O § 2º do art. 926 dispõe que “ao
amplia as hipóteses de aplicabilidade dos editar enunciados de súmulas os tribunais devem
precedentes obrigatórios, dando seguimento à ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes
tendência iniciada em meados do século passado.
7
Tradução livre do respectivo verbete constante do célebre
Black’s Law Dictionary: “To adhere to precedents, and not
to unsettle things which are established.”
Precedentes e jurisdição constitucional no Novo Código de Processo Civil
, Porto Alegre, n. 35, p. 233-251, dez. 2016.
243
que motivaram sua criação”. Para Humberto decisões; (inciso IV) não enfrentar todos os
Theodoro Júnior (2015, p. 248): argumentos deduzidos no processo que sejam
capazes de infirmar a conclusão adotada pelo
O equívoco não se resume ao uso dos julgados como julgador; (inciso V) quando se limitar a invocar
se lei fossem, com a utilização de uma
“metodologia” tradicional que os presume (ementas
precedente ou enunciado de súmula, sem
e enunciados de súmula) como enunciados identificar seus elementos e demonstrar seu ajuste
normativos abstratos (dos casos julgados), mas na ao caso; e, por fim, (inciso VI) quando não seguir
sua construção desde o início como esgotamentos
interpretativos quando produzidos por técnicas de enunciado de súmula, jurisprudência ou
causa-piloto (como as da repercussão geral do precedente invocado pela parte, sem fazer uso das
recurso extraordinário no STF ou do recurso especial
técnicas da distinção do caso ou da superação do
do STJ) que induzem o erro de que, uma vez sendo
proferida a decisão por estes órgãos de cúpula do entendimento.
Judiciário pátrio, teríamos chegado a um padrão A fundamentação dos atos decisórios,
decisório preciso, abrangente e que poderia ser
aplicado mecanicamente mediante uma simples verdadeiro instrumento que promove a
subsunção. publicidade e a veiculação da psique jurídica do
juiz, isto é, sua motivação e sua imparcialidade.
Isto significa enrijecer a aplicação dos Num quadro maior ainda, é “através da motivação
precedentes, distintos de casos julgados que se avalia o exercício da função jurisdicional”
quaisquer, e identificáveis entre si por meio de (FERNANDES, 1999, p. 14).
técnicas próprias de cruzamentos fáticos. Se antes É a fundamentação que viabiliza que seja
se postulava perante o juízo utilizando-se como fiscalizada a conduta ética do aplicador do direito,
fundamento ementa de um julgado sem considerar bem como seja posta à prova sua capacidade
sua base fática ou ainda súmulas de tribunais, sem intelectual para o exercício das funções
adentrar no mérito dos casos que as tinham judicantes.
originado, agora isso não mais pode acontecer.
Não mais devem ser confundidas ementas ou 5 OS PRECEDENTES E O SUPREMO
súmulas com normas genéricas e abstratas tais TRIBUNAL FEDERAL: ANTES E DEPOIS
quais as legislativas. DO CPC/2015
Interessante é o modo como a aplicação dos
precedentes pelos tribunais está ainda atrelada à Na estrutura do Judiciário brasileiro, o
fundamentação das decisões judiciais. O art. 489, Supremo Tribunal Federal desponta como tendo
que em seu caput elenca os elementos essenciais por funções constitucionalmente estabelecidas
da sentença, define em seu § 1º as balizas para a julgar determinadas causas originárias (art. 102,
correta fundamentação das decisões judiciais e inc. I c/c art. 103, §2º, CRFB/88), bem como
não eventuais simulações de fundamentação. julgar recursos ordinários (art. 102, inc. II,
O dispositivo aponta que não se considera CRFB/88) e extraordinários (art. 102, inciso III,
fundamentada a decisão judicial de qualquer tipo CRFB/88).
nas seguintes hipóteses: (inciso I) quando se Originariamente, o STF possui amplas
limitar a indicar, reproduzir ou parafrasear ato atribuições, dentre as quais se destacam a
normativo, sem explicar sua relação com a causa competência para julgar a ação direta de
ou a questão decidida; (inciso II) quando inconstitucionalidade, a ação declaratória de
empregar “conceitos jurídicos” indeterminados, constitucionalidade, a arguição de
sem explicar sua incidência no caso; (inciso III) descumprimento de preceito fundamental, a ação
invocar motivos que prestariam a justificar outras
8
Respectivamente, ADI e ADC - inciso I, alínea a, do art. 102, inciso I, alínea q, do art. 102, todos constantes da
102; ADPF - § 1º do art. 102; ADO - art. 103; e MI - art. CRFB/88.
Precedentes e jurisdição constitucional no Novo Código de Processo Civil
, Porto Alegre, n. 35, p. 233-251, dez. 2016.
245
9
Entenda-se aqui a diferença do uso dos precedentes no corrente e o precedente. Além disso, o respeito aos
Brasil e em países de Common Law: no sistema anglo- precedentes se dá de forma natural e costumeira. No Brasil,
americano um juiz deve seguir a mesma linha decisória de os precedentes, a princípio, são meramente persuasivos,
um caso previamente julgado se os seus elementos podem ou não influenciar a decisão de um juiz, havendo
justificadores coincidirem, mesmo que não concorde com a observância obrigatória apenas em casos específicos e
solução prática da lide; se dela discordar, para julgar de previstos em lei.
modo diferente, deve comprovar distinção entre o caso
Precedentes e jurisdição constitucional no Novo Código de Processo Civil
, Porto Alegre, n. 35, p. 233-251, dez. 2016.
246
cinco décadas, iniciado com a edição de Súmulas trabalho: segurança jurídica, isonomia, justiça,
pelo STF em 1963, a tratativa prática dos celeridade, dignidade da pessoa humana,
precedentes com a finalidade de uniformizar o coerência, uniformidade e previsibilidade da
direito se mostrou superficial. tutela jurisdicional.
A utilização de enunciados de súmulas e Aqui, bem se encaixa a ideia contida no
ementas de acórdãos de forma abstrata e genérica, trecho do romance O Leitor, do jurista alemão
como se lei fossem, denuncia o alto grau de Bernhard Schlink, citado em epígrafe no início
preferência ao direito legislado em detrimento do deste trabalho, de que a História do Direito é
uso de técnicas de distinção e superação dos marcada por avanços e recuos, repleta de
fundamentos determinantes da decisão tomada chegadas e partidas, ocasionalmente abalada por
como paradigma, isto é, as rationes decidendi. fracassos e gloriosa em suas conquistas.
Parece demonstração mais que suficiente de Nesse sentido, a Lei nº 13.105/2015
que se está dando espaço e voz à doutrina para que representa um verdadeiro avanço na cultura
desenvolva, à luz da academia, uma nova e jurídico-administrativa brasileira, à medida que
verdadeira teoria dos precedentes judiciais revigora a busca pela efetividade da prestação da
brasileiros; o que, todavia, não faria sentido se não tutela jurisdicional, mediante a cooperação entre
se fizesse acompanhar de uma complexa reforma os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
cultural da sociedade e das instituições que com Essa verdadeira Odisseia – a busca pela
ela dialogam. efetividade do direito – jamais será em vão
Afinal, a lógica dos precedentes no âmbito enquanto cada cidadão e agente público, todos
do STF enquanto Corte Superior, bem como dos eles células do Estado Constitucional, persistir no
tribunais superiores em geral, coaduna-se com seu encalço.
valores já amplamente repisados ao longo deste
REFERÊNCIAS
BASÍLIO, Ana Tereza; DE MELO, Daniela Muniz Bezerra. IRDR potencializa resultado de
julgamentos de processos repetitivos. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 2 out. 2015. Disponível
em: <http://www.conjur.com.br/2015-out-02/irdr-potencializa-resultado-julgamentos-processos-
repetitivos>. Acesso em: 25 jun. 2016.
BERMUDES, Sergio. Introdução ao direito processual civil. 1. ed. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1973.
BLACK, Henry C. Black's Law Dictionary. 4. ed. Saint Paul: West Publishing, 1968.
BRASIL. Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:
Senado Federal, 1988.
______. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13300.htm>. Acesso em: 28 jul.
2016.
BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015.
CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2015.
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.
Teoria Geral do Processo. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2013.
DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Trad. Hermínio A. Carvalho. 4. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2002.
DIDIER Jr., Fredie; DA CUNHA, Leonardo Carneiro. Curso de Direito Processual Civil: meios de
impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais, v. 3. 13. ed. Salvador: Juspodivm, 2016.
DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do código de processo. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1996.
DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2016.
______. A força dos precedentes no novo Código de Processo Civil. Revista Unifacs, 2015. Disponível
em: <http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/viewFile/3446/2472>. Acesso em: 22 fev.
2016.
FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 10. ed.
São Paulo: Saraiva, 2015.
NUNES, Dierle; PICARDI, Nikolas. O Código de Processo Civil Brasileiro: origem, formação e
projeto de reforma. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 48, n. 190, abr./jun. 2011.
Disponível em:
<http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/242945/000939985.pdf?sequence=3>. Acesso
em: 10 abr. 2016.
______. É preciso repensar o modo como os tribunais vêm atuando. Revista Consultor Jurídico, São
Paulo, 11 jun. 2014. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-jun-11/dierle-nunes-preciso-
repensar-modo-tribunais-atuam>. Acesso em: 23 mai. 2016.
SALLES, Carlos Alberto. Precedentes e jurisprudência no novo CPC. In: BONATO, Giovanni (Ed.).
Novo Código de Processo Civil: questões controvertidas. São Paulo: Atlas, 2015.
SCHAUER, Frederick. Precedent. SSRN, Rochester, NY, 16 May 2011. Disponível em:
<http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.1836384>. Acesso em 08 de abril de 2016.
SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. Curitiba: Juruá, 2006.
______; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC:
fundamentos e sistematização. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.