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Organizadores

Fernanda Duarte
Rafael Mario Iorio Filho
Ricardo Perlingeiro

Cortes e juízes em perspectiva


comparada no Mercosul
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)
Cortes e juízes em perspectiva
comparada no Mercosul
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)
Organizadores

Fernanda Duarte
Rafael Mario Iorio Filho
Ricardo Perlingeiro

Autores

Fabio Nunes De Martino


Ingrid Lemos Laczynski
Jaudar Lima Jauhar Júnior
João Fabricio Ribeiro Reis Alves do Valle
Laís Fraga Kauss
Leonardo Candido Bastos
Lília Côrtes de Carvalho De Martino
Mário Norris
Paula Camargo Daniel de Castro
Taiara Rotta

CORTES E JUÍZES EM PERSPECTIVA COMPARADA NO MERCOSUL


(ARGENTINA, BOLÍVIA, CHILE, COLÔMBIA E VENEZUELA)

1ª Edição

Niterói – Brasil
Syal Letras e Livros
2021
Copyright© de SYAL ATELIER DE LETRAS E LIVROS LTDA
Editora-Chefe: Symone Mesquita de Oliveira

Diagramação e Capa: Carlos Almeida

Conselho Editorial
Prof. Dr. Adriano Moura da Fonseca Pinto (Brasil)
Prof. Dr. Arnulfo Sánches Garcia (México)
Prof. Dr. Carlos Alberto Lima de Almeida (Brasil)
Profa. Dra. Fernanda Duarte Lopes Lucas da Silva (Brasil)
Prof. Dr. Francisco Javier Gorjon Gómez (México)
Prof. Dr. José Gil Vicente (Brasil)
Profa. Dra. Karla Saénz (México)
Profa. Dra. Kelly Gianezini (Brasil)
Prof.ª Dr.ª Lidianne Kelly Nascimento Rodrigues de Aguiar Lopes (Brasil)
Profa. Dra. Nuria Belloso Martín (Espanha)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Cortes e juízes em perspectiva comparada no Mercosul [livro


eletrônico] : (Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)
/ organizadores Fernanda Duarte, Rafael Mario Iorio Filho,
Ricardo Perlingeiro. - - 1. ed. - - Niterói, RJ: Syal Letras e
Livros 2021. PDF

Vários autores.
Bibliografia.
ISBN 978-65-990983-8-3

1. Acesso à Justiça 2. Direito constitucional 3. Mercosul 4.


Mercosul – leis e legislação 5. Poder Judiciário I. Duarte, Fernanda.
II. Iorio Filho, Rafael Mario. III. Perlingeiro, Ricardo.

22-96832 CDU-34256

Índice para catálogo sistemático:


1. Poder Judiciário : Direito Constitucional 342.56
Eliete Marques da Silva – Bibliotecária – CRB-8/9380
Syal Letras e Livros
Avenida Ernani do Amaral Peixoto, n. 500, sala 603
Centro – Niterói – RJ – CEP 24.020-077 – E-mail: contato@syal.com.br

Todos os direitos reservados. Todos os direitos reservados. É permitida a reprodução parcial ou


total desta obra, desde que citada a fonte e que não seja para venda ou qualquer fim comercial.
SUMÁRIO

1 ESTUDOS SOBRE CORTES E JUÍZES EM


PERSPECTIVA COMPARADA NO MERCOSUL
(ARGENTINA, BOLÍVIA, CHILE, COLÔMBIA E
VENEZUELA): UMA INTRODUÇÃO ............................. 08

2 APONTAMENTOS SOBRE A CORTE SUPREMA DE


JUSTIÇA DA NAÇÃO ARGENTINA ................................ 23

3 SISTEMA JUDICIÁRIO DA BOLÍVIA .............................. 65

4 SISTEMAS JUDICIAIS DE PROTEÇÃO DO CIDADÃO


EM FACE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: BRASIL E
CHILE EM PERSPECTIVA COMPARADA ..................... 165

5 O PODER JUDICIÁRIO NA COLÔMBIA ...................... 205

6 JUSTIÇA TRABALHISTA E DIREITOS SOCIAIS, SOB


PERSPECTIVAS COMPARADAS ENTRE BRASIL E
VENEZUELA .................................................................... 287

SOBRE OS ORGANIZADORES ..................................... 353

SOBRE OS AUTORES ..................................................... 355


Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

ESTUDOS SOBRE CORTES E JUÍZES EM PERSPECTIVA


COMPARADA NO MERCOSUL (ARGENTINA, BOLÍVIA,
CHILE, COLÔMBIA E VENEZUELA): UMA INTRODUÇÃO

Fernanda Duarte
Rafael Mario Iorio Filho
Ricardo Perlingeiro

Nas sociedades ocidentais contemporâneas, o papel

desempenhado pelo Poder Judiciário tem sido fundamental,

especialmente, se considerada sua função social que se

desdobra na administração institucional-estatal de conflitos. Há,

porém, uma expectativa de que, ao cumprir seu papel, as cortes

o façam assegurando um procedimento adequado que

implique acesso à justiça e aos direitos, assegurando os marcos

legais, constitucionais e internacionais abraçados pelo regime

jurídico adotado por aquela sociedade.

Tal expectativa impõe ao Judiciário, enquanto instituição

estatal, e aos seus membros (juízes e servidores), uma série de

desafios e paradoxos que ampliam os objetos dos estudos

sobre este braço do Estado para além das fronteiras

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Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

tradicionais da dogmática jurídica, e que se colocam como

necessários para a avaliação desta instituição e de seus agentes,

compromissada em repensar modelos, estruturas, práticas e

procedimentos.

Assim, temas como: administração judiciária; instituições

judiciais e sistemas de justiça; comportamento judicial;

processos decisórios; recrutamento, seleção e formação de

juízes; processos de gestão de trabalho e de pessoas;

performance judicial; independência judicial e instâncias de

controle passam a fazer parte de uma agenda de investigação

comprometida com a qualificação e a melhoria dos serviços

judiciários.

Por outro lado, conhecer as experiências vivenciadas por

outras sociedades e as formas com que elas lidam com seus

desafios se torna imprescindível para que possamos melhor

traçar os diagnósticos e prognósticos do Judiciário brasileiro.

É nesse contexto que a disciplina “Cortes e juízes em

perspectiva comparada”, integrante do Programa de Mestrado

Profissional em Justiça Administrativa da Universidade Federal

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(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Fluminense, se situa, sendo esta coletânea o produto dos

estudos realizados pelos seus alunos da turma de 2020/2021.

Em termos gerais, a disciplina se propõe a oferecer um

panorama sobre abordagens comparativas aplicadas a um

determinado conteúdo temático. Numa perspectiva tradicional,

o estudo do método do direito comparado tem por

pressuposto a compreensão de que há espaços de interseção

entre os distintos sistemas jurídicos que são desvelados em

razão de identidades e semelhanças. Já num outro giro,

igualmente, chamamos a atenção para a contribuição dos

estudos antropológicos, que sob a perspectiva da comparação

por contraste, destacam as particularidades e diferenças entre

os sistemas, apesar das aparentes aproximações. Nesse

sentido, pretendemos estimular uma compreensão do Poder

Judiciário que leve em conta seu contexto sociocultural, como

elemento determinante dos sentidos e práticas que informam

a aplicação do direito e os processos de socialização no e do

mesmo por seus agentes. E destacamos a complexidade do

tema, provocando alunos e alunas a realizar estudos futuros

mais aprofundados, a partir de seus interesses investigativos.

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Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Nosso roteiro para a análise comparativa apresenta seis

elementos:

(1) O contexto, no qual são exploradas leituras políticas

e históricas do país selecionado, levando em conta

fatores como o modelo jurídico e suas filiações com

as tradições da civil e/ou da common law; e o arranjo

político/jurídico entre os Poderes do Estado;

(2) A moldura normativa que discute a disciplina

jurídica da matéria e suas fontes normativas;

(3) A dimensão orgânica do Poder Judiciário,

perpassando diversos aspectos, em especial: sua

composição, as formas de recrutamento/acesso, a

temporalidade da judicatura (tempo de exercício,

aposentadoria e afastamentos), a formação dos

quadros, a estrutura administrativa adotada, o

sistema de remuneração, o regime de

garantias/prerrogativas dos juízes, os deveres e

responsabilidades da magistratura, e os controles

aos quais está sujeito o Poder Judiciário;

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(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

(4) A dimensão procedimental adotada, considerando

as formas de acesso ao Poder Judiciário, a disciplina

processual, o funcionamento da corte, entre outros

aspectos procedimentais;

(5) A dimensão decisória, buscando apresentar casos

ilustrativos em que a relação cidadão X

Administração Pública possa ser destacada de

modo a possibilitar a compreensão do contexto do

caso e o que foi decidido, bem como destacando a

relevância do caso para a compreensão dos

distintos modelos de Justiça Administrativa;

(6) Por fim, considerações sobre os impasses, questões

e desafios que se colocam na atualidade para o

acesso à justiça, projetado na relação entre cidadão

e Estado, enquanto administração pública.

Entre as múltiplas possibilidades temáticas, escolhemos

como linha condutora de nossos estudos, para estabelecer um

recorte geográfico, países integrantes do Mercosul, suas cortes

e tribunais. Sob essa inspiração, foram recolhidos quatro países

para nossos estudos (Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e

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(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Venezuela), e que ora são apresentados como os capítulos

desta coletânea, com abordagens diferentes em razão do

interesse dos autores nos temas discutidos, mas mantendo

uma unidade de reflexão nos sistemas judiciais de proteção do

cidadão em face da Administração Pública.

Iniciamos com João Fabricio Ribeiro Reis Alves do Valle e

Leonardo Candido Basto que assinam Apontamentos sobre a

Corte Suprema de Justiça da Nação Argentina. Este primeiro

capítulo tem como objeto de pesquisa a Corte Constitucional

Argentina (denominada CSJN - Corte Suprema de Justicia de la

Nación Argentina) e traz um pouco de sua história, composição,

dimensão procedimental (como formas de acesso, disciplina

processual e funcionamento), traçando pontos de comparação

com o Supremo Tribunal Federal brasileiro (quando pertinente).

Ainda são apresentados alguns casos que se destacaram na

jurisprudência do Tribunal, no que toca ao interesse

investigativo dessa coletânea.

Em Sistema Judiciário da Bolívia, Jaudar Lima Jauhar Júnior

e Laís Fraga Kauss se debruçam sobre o Estado boliviano e mais

detidamente sobre o Poder Judiciário daquele país. Com base

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(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

em exploração bibliográfica de fontes disponíveis na internet, os

autores apresentam a formação deste Estado e suas

instituições. Após breve histórico da justiça boliviana, o desenho

e o funcionamento da carreira da magistratura são analisados

principalmente com o objetivo comparativista em relação ao

Brasil.

Taiara Rotta e Mário Norris são os autores do texto

Sistemas judiciais de proteção do cidadão em face da

administração pública: Brasil e Chile em perspectiva comparada.

Neste capítulo serão apresentados os fatores políticos,

históricos e as características peculiares do Estado de Direito

Chileno. Também serão estudadas as principais normas que

compõem a moldura normativa da justiça administrativa no

Chile, a dimensão orgânica do Poder Judiciário Chileno e a

dimensão procedimental. Por fim, a dimensão decisória da

justiça administrativa chilena será detalhada a partir do estudo

de 3 casos submetidos à apreciação da Corte Interamericana de

Direitos Humanos (CIDH).

O Poder Judiciário Na Colômbia é o título da contribuição

feita por Fabio Nunes De Martino e Lília Côrtes de Carvalho De

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(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Martino. Para os autores, a estrutura do Poder Judiciário da

Colômbia após o período colonial vem sofrendo mudanças ao

longo de sua história, acompanhando as sucessivas

Constituições do país até a promulgação da Carta

Constitucional de 1991, quando foram criados a Corte

Constitucional, os Conselhos da Magistratura e a Procuradoria

Geral da Nação, bem como reforçadas as jurisdições especiais

dos indígenas e dos juízes de paz. A jurisdição contenciosa-

administrativa no país tem a singularidade de ser exercida de

forma apartada. Em que pese atualmente haver previsão de

concurso público para ingresso nos quadros da magistratura, o

país ainda enfrenta problemas no que tange à independência

dos magistrados, havendo fragilidades e problemas relativos a

episódios de violência e de interferências do sistema político

contra seus membros, sendo que a maioria ainda ingressa na

carreira por recomendação. Há amplo acesso à justiça; no

entanto, enfrentam-se problemas ligados à lentidão e

ineficiência. Concluem que, a partir da nova Constituição, a

Corte Constitucional colombiana assumiu um papel

protagonista nas políticas públicas do país.

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Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

E, por fim, no capítulo dedicado à Venezuela, Justiça

trabalhista e direitos sociais, sob perspectivas comparadas entre

Brasil e Venezuela, Ingrid Lemos Laczynski e Paula Camargo

Daniel de Castro abordam questões comparativistas do direito

trabalhista entre o Brasil e a Venezuela. O texto destaca que a

evolução histórica e política entre a instrumentalização dos

direitos sociais trabalhistas desses países ocorreu ao longo de

muitas décadas, que refletem claramente o deslinde econômico

e político dos Estados e sua herança sob influência de costumes

e doutrinas da Europa, os precursores do Direito, até o

panorama contemporâneo legalista vigente e a estrutura

administrativa judicial dos tribunais laborais.

Por outro lado, a coletânea também dialoga com duas

redes de pesquisa sediadas na UFF. Uma rede é o NUPEJ

(Núcleo de Pesquisa e Extensão sobre Ciências do Poder

Judiciário), que reúne especialistas da UFF e de outras

instituições em torno dos programas de pesquisa, extensão e

ensino, multidisciplinares, afetos aos assuntos voltados para as

atividades do Poder Judiciário. A outra está associada ao INCT-

InEAC (Instituto de Estudos Comparados em Administração

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Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Institucional de Conflitos), destacando as pesquisas

desenvolvidas no âmbito do subprojeto “Processo, igualdade e

administração de conflitos em perspectiva comparada”, e tendo

por objeto de estudo a administração institucional de conflitos,

recortada no estudo das relações entre o direito e o processo

como instrumentos de “pacificação social” e acesso ao direito

pelo cidadão, especialmente quando da entrega da prestação

jurisdicional pelo Estado, centrando-se, aqui, nas implicações

que tais aspectos trazem para a própria administração dos

conflitos, em suas distintas modalidades (quer por meio do

processo tradicional, dos juizados especiais, e/ou dos meios

alternativos, como mediação e conciliação, etc.).

Por fim, esperamos que esta obra coletiva seja recebida

como uma contribuição para um diálogo intercultural que

ressalta e valoriza a diversidade das experiências jurídicas e

judiciais da América Latina, recortadas no âmbito de alguns

países integrantes do Mercosul, onde se destacam distintas

possibilidades de “fazer-se o direito” e são compartilhados

dilemas e desafios semelhantes.

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Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

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Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

APONTAMENTOS SOBRE A CORTE SUPREMA DE


JUSTIÇA DA NAÇÃO ARGENTINA

João Fabricio Ribeiro Reis Alves do Valle


Leonardo Candido Bastos

1 Introdução

O presente artigo decorre dos estudos e das pesquisas

realizadas em torno da Corte Suprema de Justicia de la Nación,

órgão de cúpula do Poder Judiciário Argentino, sobre o qual se

intentou expor alguns contornos históricos e jurídicos que

definem o referido Tribunal Constitucional.

Assim, imbuído nesse propósito, optou-se por

apresentar um breve relato acerca da história do

constitucionalismo do país sul-americano, para em seguida

descrever a forma como se compõe tribunal; a sua competência

jurisdicional, selecionando-se, ao final, quatro julgamentos

emblemáticos da relevância jurídica e política alcançada pela

Corte nos últimos vinte anos.

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Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Para tanto, utilizou-se como fonte de pesquisa as obras

elencadas no item ''referências bibliográficas'', informações

encontradas no site oficial da Corte (https://www.csjn.gov.ar/),

além da leitura não comentada de alguns dispositivos

normativos, principalmente da Constitución de la Nación

Argentina.

2 Breve relato sobre o constitucionalismo Argentino

Em primeiro lugar, o presente artigo entende que, para

uma boa compreensão do problema central aqui proposto, faz-

se necessário que se saiba ao menos o panorama e o contexto

geral que levou a Corte Suprema de Justicia de la Nación Argentina

ao seu atual estágio de operação. Para tanto, os próximos

parágrafos abordarão um pouco da história do

constitucionalismo argentino, pincelando sobre as principais

mudanças políticas e jurídicas que impactaram diretamente no

funcionamento da Suprema Corte.

Apesar dos movimentos separatistas das Províncias

Unidas do Rio da Prata terem acontecido nas duas primeiras

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Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

décadas do Séc. XIX, o advento da primeira Constituição

Argentina só veio a ocorrer em 1º de Maio de 1853, cenário em

que se instituiu a forma de estado Federal, com governo

Republicano e sob o sistema Presidencialista1.

Formalmente, tal Constituição continua vigendo até o

presente dia, fato que passa uma forte impressão de

estabilidade política e jurídica do referido texto constitucional.

Porém, deve-se destacar que a Constituição passou por

reformas e revisões tão amplas que é possível defender ter

havido, ao menos materialmente, o advento de algumas novas

1
Os professores Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy (2007, p. 01-02) e Edilene Dias
Virmieiro Balbino (2015, p. 05) lembram que, assim como ocorrido em todas as colônias
da América Espanhola, o processo de independência foi sucedido por grandes disputas
políticas internas entre aqueles que defendiam a centralização do poder (normalmente
os representantes da capital da Província) e aqueles que lutavam pela descentralização
e maior autonomia regional. No caso da Constituição Federalista da Argentina de 1853,
houve inclusive uma inicial recusa da Província de Buenos Aires em participar do pacto,
situação apenas apaziguada 07 (sete) anos depois, com a primeira grande reforma da
Constituição pelo Pacto de San José de Flores de 1860. Para mais informações,
recomenda-se consultar: ‘‘GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Introdução ao direito
constitucional argentino. Piauí: jus.com.br, 2007. Disponível em
<https://jus.com.br/artigos/10740/introducao-ao-direito-constitucional-argentino>’’.
Acesso em 22 jul. 2020. No mesmo sentido: BALDINO, Edilene Dias Virmieiro. Direito
Constitucional Comparado: Chefes dos Estados da Argentina e da Bolívia. Lisboa:
Universidade Nova de Lisboa, 2015. Disponível em
https://www.academia.edu/33750983/Direito_Constitucional_Comparado_Chefes_dos_
Estados_da_Argentina_e_da_Bolivia. Acesso em: 22 jul. 2020.

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(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Constituições. Nesse sentido, cite-se as reformas de 1860,

1866, 1898, 1949, 1957 e 1994.

Fato é que o próprio texto constitucional já prevê

expressamente a possibilidade uma reforma total2, característica

essa que tende a contribuir para a preservação da Carta desde

sua promulgação em 1853 até os dias de hoje, pelo menos sob

o aspecto formal.

A título de ilustração, pode-se citar a reforma de 1949

ocorrida no primeiro governo de Juan Domingo Perón, incluída

por muitos como um bom exemplo de Constituição

característica de um Estado de Bem-Estar Social, por incluir no

rol de direitos fundamentais aqueles conhecidos como ‘‘direitos

de segunda geração’’ (direitos prestacionais ou simplesmente

direitos sociais), os quais passam a demandar do Estado uma

postura ativa, normalmente mediante políticas públicas e

prestações de serviços.

2
CONSTITUCION DE LA NACION ARGENTINA, Artículo 30: ‘‘La Constitución puede reformarse
en el todo o en cualquiera de sus partes. La necesidad de reforma debe ser declarada por el
Congreso con el voto de dos terceras partes, al menos, de sus miembros; pero no se efectuará
sino por una Convención convocada al efecto.".

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Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Por exemplo, tal reforma incluiu no art. 37 daquele texto

as garantias de proteção ao trabalho (direito a uma retribuição

justa3, direito à capacitação4, direito de condições dignas de

trabalho5 - nelas incluídas a segurança e a preservação da saúde

do trabalhador6 -, direito de livre associação sindical7, entre

3
CONSTITUCION DE LA NACION ARGENTINA, 1949, Artículo 37: ‘‘Declárense los siguientes
derechos especiales. I. Del trabajador: 2. Derecho a una retribución justa - Siendo la riqueza,
la renta y el interés del capital frutos exclusivos del trabajo humano, la comunidad debe
organizar y reactivar las fuentes de producción en forma de posibilitar y garantizar al
trabajador una retribución moral y material que satisfaga sus necesidades vitales y sea
compensatoria del rendimiento obtenido y del esfuerzo realizado’’
4
CONSTITUCION DE LA NACION ARGENTINA, 1949, Artículo 37: ‘‘Declárense los siguientes
derechos especiales. I. Del trabajador: 3. Derecho a la capacitación - El mejoramiento de la
condición humana y la preeminencia de los valores del espíritu imponen la necesidad de
propiciar la elevación de la cultura y la aptitud profesional, procurando que todas las
inteligencias puedan orientarse hacia todas las direcciones del conocimiento, e incumbe a la
sociedad estimular el esfuerzo individual proporcionando los medios para que, en igualdad
de oportunidades, todo individuo pueda ejercitar el derecho a aprender y perfeccionarse’’.
5
CONSTITUCION DE LA NACION ARGENTINA, 1949, Artículo 37: ‘‘Declárense los siguientes
derechos especiales. I. Del trabajador: 4. Derecho a condiciones dignas de trabajo - La
consideración debida al ser humano, la importancia que el trabajo reviste como función
social y el respeto recíproco entre los factores concurrentes de la producción, consagran el
derecho de los individuos a exigir condiciones dignas y justas para el desarrollo de su
actividad y la obligación de la sociedad de velar por la estricta observancia de los preceptos
que las instituyen y reglamentan’’.
6
CONSTITUCION DE LA NACION ARGENTINA, 1949, Artículo 37: ‘‘Declárense los siguientes
derechos especiales. I. Del trabajador: 5. Derecho a la preservación de la salud - El cuidado
de la salud física y moral de los individuos debe ser una preocupación primordial y constante
de la sociedad, a la que corresponde velar para que el régimen de trabajo reúna requisitos
adecuados de higiene y seguridad, no exceda las posibilidades normales del esfuerzo y
posibilite la debida oportunidad de recuperación por el reposo.
7
CONSTITUCION DE LA NACION ARGENTINA, 1949, Artículo 37: ‘‘Declárense los siguientes
derechos especiales. I. Del trabajador: 10. Derecho a la defensa de los intereses profesionales

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Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

outros), o direito à seguridade social8, o direito de assistência

aos idosos (com previsão para alimentação, vestuário e até

mesmo uma casa de repouso com condições mínimas de

higiene e comodidades inerentes à condição humana9) e o

direito à educação e cultura10.

- El derecho de agremiarse libremente y de participar en otras actividades lícitas tendientes a


la defensa de los intereses profesionales, constituyen atribuciones esenciales de los
trabajadores, que la sociedad debe respetar y proteger, asegurando su libre ejercicio y
reprimiendo todo acto que pueda dificultarlo o impedirlo.
8
CONSTITUCION DE LA NACION ARGENTINA, 1949, Artículo 37: ‘‘Declárense los siguientes
derechos especiales. I. Del trabajador: 7. Derecho a la seguridad social - El derecho de los
individuos a ser amparados en los casos de disminución, suspensión o pérdida de su
capacidad para el trabajo promueve la obligación de la sociedad de tomar unilateralmente
a su cargo las prestaciones correspondientes o de promover regímenes de ayuda mutua
obligatoria destinados, unos y otros, a cubrir o complementar las insuficiencias o inaptitudes
propias de ciertos períodos de la vida o las que resulten de infortunios provenientes de riesgos
eventuales.
9
CONSTITUCION DE LA NACION ARGENTINA, 1949, Artículo 37: ‘‘Declárense los siguientes
derechos especiales: III. De la ancianidad: 1. Derecho a la asistencia - Todo anciano tiene
derecho a su protección integral, por cuenta y cargo de su familia. En caso de desamparo,
corresponde al Estado proveer a dicha protección, ya sea en forma directa o por intermedio
de los institutos y fundaciones creados, o que se crearen con ese fin, sin perjuicio de la
subrogación del Estado o de dichos institutos, para demandar a los familiares remisos y
solventes los aportes correspondientes. 2. Derecho a la vivienda - El derecho a un albergue
higiénico, con un mínimo de comodidades hogareñas es inherente a la condición humana.
3.Derecho a la alimentación - La alimentación sana, y adecuada a la edad y estado físico de
cada uno, debe ser contemplada en forma particular. 4. Derecho al vestido - El vestido
decoroso y apropiado al clima complementa el derecho anterior’’.
10
CONSTITUCION DE LA NACION ARGENTINA, 1949, Artículo 37: ‘‘Declárense los siguientes
derechos especiales: IV. De la educación y la cultura- La educación y la instrucción
corresponden a la familia y a los establecimientos particulares y oficiales que colaboren con
ella, conforme a lo que establezcan las leyes. Para ese fin, el Estado creará escuelas de primera
enseñanza, secundaria, técnico-profesionales, universidades y academias’’.

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Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Apesar das diversas alterações que vieram a seguir,

pode-se dizer que o espírito da reforma peronista de 1949 não

foi esquecido. O trabalho e a seguridade social continuam

protegidos no texto através do atual ''art. 14 bis'' (que, de

maneira mais objetiva e detalhista, prevê limite de jornada,

descanso semanal remunerado, férias, salário mínimo,

igualdade de salário em funções semelhantes, proteção contra

dispensa imotivada e liberdade de associação sindical)11; o

respeito aos idosos foi deslocado para o art. 75, inciso 23

11
CONSTITUCION DE LA NACION ARGENTINA, Artículo 14 bis: ‘‘El trabajo en sus diversas
formas gozará de la protección de las leyes, las que asegurarán al trabajador: condiciones
dignas y equitativas de labor, jornada limitada; descanso y vacaciones pagados; retribución
justa; salario mínimo vital móvil; igual remuneración por igual tarea; participación en las
ganancias de las empresas, con control de la producción y colaboración en la dirección;
protección contra el despido arbitrario; estabilidad del empleado público; organización
sindical libre y democrática, reconocida por la simple inscripción en un registro especial.
Queda garantizado a los gremios: concertar convenios colectivos de trabajo; recurrir a la
conciliación y al arbitraje; el derecho de huelga. Los representantes gremiales gozarán de las
garantías necesarias para el cumplimiento de su gestión sindical y las relacionadas con la
estabilidad de su empleo. El Estado otorgará los beneficios de la seguridad social, que tendrá
carácter de integral e irrenunciable. En especial, la ley establecerá: el seguro social obligatorio,
que estará a cargo de entidades nacionales o provinciales con autonomía financiera y
económica, administradas por los interesados con participación del Estado, sin que pueda
existir superposición de aportes; jubilaciones y pensiones móviles; la protección integral de la
familia; la defensa del bien de familia; la compensación económica familiar y el acceso a una
vivienda digna’’.

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Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

(contudo, agora apenas com uma menção mais tímida e

genérica)12 e a educação migrou para os arts. 5º e 75, inciso 19.13

Também a reforma constitucional de 1957 realizada

pelo regime militar após a deposição de Perón pelo golpe de

1955 pode ser materialmente considerada uma outra

Constituição, já que, de imediato, o novo governo buscou

revogar todas as alterações trazidas na reforma idealizada pelo

ex-presidente em 1949.

Em verdade, tentou-se dar legitimidade a tal revogação

através de uma Assembleia Constituinte Reformadora. Tal

Assembleia teve seus integrantes eleitos pelo povo através do

12
CONSTITUCION DE LA NACION ARGENTINA, Artículo 75: ‘‘Corresponde al Congreso: 23.
Legislar y promover medidas de acción positiva que garanticen la igualdad real de
oportunidades y de trato, y el pleno goce y ejercicio de los derechos reconocidos por esta
Constitución y por los tratados internacionales vigentes sobre derechos humanos, en
particular respecto de los niños, las mujeres, los ancianos y las personas con discapacidad’’.
13
CONSTITUCION DE LA NACION ARGENTINA, Artículo 5º: ‘‘Cada provincia dictará para sí una
Constitución bajo el sistema representativo republicano, de acuerdo con los principios,
declaraciones y garantías de la Constitución Nacional; y que asegure su administración de
justicia, su régimen municipal, y la educación primaria. Bajo de estas condiciones el Gobierno
federal, garante a cada provincia el goce y ejercicio de sus instituciones.
Artículo 75: ‘‘Corresponde al Congreso: 19. Sancionar leyes de organización y de base de la
educación que consoliden la unidad nacional respetando las particularidades provinciales y
locales; que aseguren la responsabilidad indelegable del Estado, la participación de la familia
y la sociedad, la promoción de los valores democráticos y la igualdad de oportunidades y
posibilidades sin discriminación alguna; y que garanticen los principios de gratuidad y
equidad de la educación pública estatal y la autonomía y autarquía de las universidades
nacionales’’.

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Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

voto, funcionou por alguns meses na cidade de Santa Fe e, após

o fim dos trabalhos, declarou a vigência da Constituição de 1853

e das reformas de 1860, 1866 e 1898, negando, assim, a

validade da modificação de 1949. Contudo, é curioso notar que,

além da exclusão da reforma peronista, a Assembleia de 1957

apenas aprovou duas modificações no texto constitucional,

sendo que uma delas foi justamente a inclusão do atual ''art. 14

bis'', o qual, conforme acima mencionado e transcrito, não só

reproduziu como também ampliou todos os direitos

trabalhistas presentes texto de 1949 (ZIULU, 2014, p. 89-91).

De toda maneira, a alternância entre breves governos

democráticos e repressivos governos ditatoriais seguiu até

1982, contando inclusive com longos períodos de suspensão

total das garantias constitucionais por parte do regime militar, o

que culminou em inúmeros episódios de violência e práticas de

tortura (BALBINO, 2015, p. 05-06).

O período de transição democrática e retomada das

garantias constitucionais se iniciou com a eleição de Raúl

Alfonsín em 1983, teve seguimento com a posterior eleição de

Carlos Menem em 1989, mas só se consolidou com uma nova

31
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

reforma geral da Constituição, ocorrida em 1994 através das

Leis nº. 24.309 (norma que convocou a mais nova Assembleia

Constituinte Reformadora) e 24.430 (norma que efetivamente

instituiu a Constitucion de la Nacion Argentina).

Essa última reforma modificou inclusive a estrutura do

texto. De cara, a Primeira Parte ganhou um novo Capítulo: o

Primeiro, batizado de ''Declaraciones, derechos y garantías'' (arts

1º ao 35) recebe um reforço de um Segundo, intitulado ''Nuevos

derechos y garantías'' (arts. 36 ao 43), justamente para enrijecer

o papel de centralidade que os direitos fundamentais ocupam

no ordenamento jurídico. No caso, previu-se expressamente o

princípio da soberania popular, através do voto universal, igual,

secreto e obrigatório (art. 37)14, a importância dos partidos

políticos para o sistema democrático (art. 38)15, o direito dos

14
CONSTITUCION DE LA NACION ARGENTINA, Artículo 37: ‘‘Esta Constitución garantiza el
pleno ejercicio de los derechos políticos, con arreglo al principio de la soberanía popular y de
las leyes que se dicten en consecuencia. El sufragio es universal, igual, secreto y obligatorio.
La igualdad real de oportunidades entre varones y mujeres para el acceso a cargos electivos
y partidarios se garantizará por acciones positivas en la regulación de los partidos políticos
y en el régimen electoral’’.
15
CONSTITUCION DE LA NACION ARGENTINA, Artículo 38: ‘‘Los partidos políticos son
instituciones fundamentales del sistema democrático. Su creación y el ejercicio de sus
actividades son libres dentro del respeto a esta Constitución, la que garantiza su organización
y funcionamiento democráticos, la representación de las minorías, la competencia para la

32
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

cidadãos de apresentarem ao Congresso leis de iniciativa

popular (art. 39)16, o direito de participação direta, via consulta

popular (art. 40)17 e o direito de manejar as ações

constitucionais de amparo, habeas corpus e habeas data (art.

43)18, figuras próximas dos chamados ‘‘remédios constitucionais’’

brasileiros, ponto que será trabalhado mais adiante.

postulación de candidatos a cargos públicos electivos, el acceso a la información pública y la


difusión de sus ideas. El Estado contribuye al sostenimiento económico de sus actividades y
de la capacitación de sus dirigentes. Los partidos políticos deberán dar publicidad del origen
y destino de sus fondos y patrimonio’’.
16
CONSTITUCION DE LA NACION ARGENTINA, Artículo 39: ‘‘Los ciudadanos tienen el derecho
de iniciativa para presentar proyectos de ley en la Cámara de Diputados. El Congreso deberá
darles expreso tratamiento dentro del término de doce meses. El Congreso, con el voto de la
mayoría absoluta de la totalidad de los miembros de cada Cámara, sancionará una ley
reglamentaria que no podrá exigir más del tres por ciento del padrón electoral nacional,
dentro del cual deberá contemplar una adecuada distribución territorial para suscribir la
iniciativa. No serán objeto de iniciativa popular los proyectos referidos a reforma
constitucional, tratados internacionales, tributos, presupuesto y materia penal.’’
17
CONSTITUCION DE LA NACION ARGENTINA, Artículo 40: ‘‘El Congreso, a iniciativa de la
Cámara de Diputados, podrá someter a consulta popular un proyecto de ley. La ley de
convocatoria no podrá ser vetada. El voto afirmativo del proyecto por el pueblo de la Nación
lo convertirá en ley y su promulgación será automática. El Congreso o el presidente de la
Nación, dentro de sus respectivas competencias, podrán convocar a consulta popular no
vinculante. En este caso el voto no será obligatorio. El Congreso, con el voto de la mayoría
absoluta de la totalidad de los miembros de cada Cámara, reglamentará las materias,
procedimientos y oportunidad de la consulta popular’’.
18
CONSTITUCION DE LA NACION ARGENTINA, Artículo 43: ‘‘Toda persona puede interponer
acción expedita y rápida de amparo, siempre que no exista otro medio judicial más idóneo,
contra todo acto u omisión de autoridades públicas o de particulares, que en forma actual o
inminente lesione, restrinja, altere o amenace, con arbitrariedad o ilegalidad manifiesta,
derechos y garantías reconocidos por esta Constitución, un tratado o una ley. En el caso, el
juez podrá declarar la inconstitucionalidad de la norma en que se funde el acto u omisión

33
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Pertencendo ao grupo denominado pelos ocidentais

como ‘‘Constituições Modernas19’’, a Constituição da Nação

Argentina prevê um catálogo de direitos e garantias

fundamentais (arts. 1º. ao 43), divide as funções do Estado em

Legislativa, Executiva e Judicial (arts. 44 ao 12020) e organiza a

estrutura estatal com o Governo Federal e o Governo das

Províncias (arts. 121 ao 129).

É nesse contexto de efervescência política e sucessivas

revisões constitucionais que se encontra a Corte Suprema de

Justicia de la Nación Argentina, órgão de cúpula o Poder Judicial,

lesiva. Podrán interponer esta acción contra cualquier forma de discriminación y en lo relativo
a los derechos que protegen al ambiente, a la competencia, al usuario y al consumidor, así
como a los derechos de incidencia colectiva en general, el afectado, el defensor del pueblo y
las asociaciones que propendan a esos fines, registradas conforme a la ley, la que
determinará los requisitos y formas de su organización. Toda persona podrá interponer esta
acción para tomar conocimiento de los datos a ella referidos y de su finalidad, que consten
en registros o bancos de datos públicos, o los privados destinados a proveer informes, y en
caso de falsedad o discriminación, para exigir la supresión, rectificación, confidencialidad o
actualización de aquéllos. No podrá afectarse el secreto de las fuentes de información
periodística. Cuando el derecho lesionado, restringido, alterado o amenazado fuera la
libertad física, o en caso de agravamiento ilegítimo en la forma o condiciones de detención,
o en el de desaparición forzada de personas, la acción de hábeas corpus podrá ser
interpuesta por el afectado o por cualquiera en su favor y el juez resolverá de inmediato, aun
durante la vigencia del estado de sitio’’.
19
Classificação inspirada no Art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
de 1789: ‘‘A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem
estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição’’.
20
Inseridos neste mesmo Título estão ainda disposições sobre o Ministério Público, a
Auditoria Geral da Nação e a figura do Defensor do Povo.

34
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

cuja previsão data desde o texto constitucional originário de

185321 e que perdura até hoje, com mais ou menos força,

dependendo de qual dos momentos de ruptura institucional

acima narrados se tem em mente22.

3 Composição da Corte Suprema

Prevista logo no caput do primeiro artigo que trata do

Poder Judicial23, a Corte Suprema de Justicia de la Nación Argentina

possui cinco membros em sua composição atual, número

estabelecido pela Lei 26.183 de 2006, a qual substituiu a antiga

21
O Art. 91 do texto constitucional originário assim dizia: ‘‘el Poder Judicial de la Nación
sería ejercido por una Corte Suprema de Justicia compuesta por nueve jueces y dos fiscales’’.
Contudo, os primeiros Ministros somente tomaram posse em 1863, após a reforma
constitucional de 1860 em conjunto com a Ley Orgánica de la Justicia Federal n. 27/1862,
que reduziram a quantidade de membros para cinco. Informação disponível no site
oficial da Corte: <https://www.csjn.gov.ar/institucional/historia-de-la-corte-suprema/los-
jueces-de-la-corte> e <https://www.csjn.gov.ar/institucional/historia-de-la-corte-
suprema/listado-historico-de-ministros>. Acesso em 22/07/2020.
22
Para se aprofundar no tema, recomenda-se: ZIULU, Adolfo Gabino. Derecho
Constitucional – princípios y derechos constitucionales. Buenos Aires: Abeledo Perrot,
2014. Tomo I.
23
CONSTITUCION DE LA NACION ARGENTINA, Artículo 108: ‘‘El Poder Judicial de la Nación será
ejercido por una Corte Suprema de Justicia, y por los demás tribunales inferiores que el
Congreso estableciere en el territorio de la Nación.".

35
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Lei 23.774 de 1990, que, por sua vez, fixava o número em nove

o número de Ministros da Corte.

Como prática já conhecida em diversas ordens jurídicas

(inclusive a do Brasil), os Ministros da Corte Suprema de Justicia

também são escolhidos pelo Presidente da Nação e devem ser

posteriormente aprovados por dois terços dos membros do

Senado, em uma sessão pública convocada unicamente com

esta finalidade24.

O Art. 111 da Constitución25 estabelece mais dois

requisitos para que alguém se torne Ministro da Corte Suprema.

O primeiro, usual em outras Constituições, exige que o

candidato tenha os requisitos necessários para concorrer ao

cargo de Senador, tal como a idade mínima de 30 (trinta) anos26.

O segundo requisito, por sua vez, pode ser considerado uma

peculiaridade pouco reproduzida em outras Cartas

24
CONSTITUCION DE LA NACION ARGENTINA, Artículo 99: ‘‘El Presidente de la Nación tiene las
siguientes atribuciones: 4. Nombra los magistrados de la Corte Suprema con acuerdo del
Senado por dos tercios de sus miembros presentes, en sesión pública, convocada al efecto.".
25
CONSTITUCION DE LA NACION ARGENTINA, Artículo 111: ‘‘Ninguno podrá ser miembro de
la Corte Suprema de Justicia, sin ser abogado de la Nación con ocho años de ejercicio, y tener
las calidades requeridas para ser senador’’.
26
No caso da Constituição Federal Brasileira de 1988, a idade mínima escolhida como
requisito para ingresso nos cargos de Senador e de Ministro do Supremo Tribunal
Federal é a de 35 (trinta e cinco) anos (art. 14, § 3º, inc. VI, alínea ''a'' e art. 101).

36
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Constitucionais: exige-se que o candidato tenha exercido a

atividade de advocacia pelo prazo mínimo de 08 (oito) anos. Tal

exigência aparentemente acaba por obstar que um magistrado

de instância inferior ou membro do Ministério Público, que

ingressaram nessas carreiras mediante concurso público,

possam vir a ocupar o cargo de juiz na Suprema Corte caso não

possuam anteriormente os oito anos de exercício da advocacia

necessários27.

Por fim, também o Decreto nº 222/0328 do Poder

Executivo da Nação estabelece alguns critérios adicionais para

a seleção dos membros da Corte, como a exigência de

diversidade de gênero na composição, ou ainda a variedade de

especialistas em cada área do direito e a pluralidade regional

(algo que parece ser impensável no constitucionalismo

brasileiro. Aqui, um decreto desta natureza certamente teria

27
Curiosidade: historicamente, a Corte Suprema e o Conselho de Classe dos Advogados
Argentinos sempre tiveram uma ligação próxima, inclusive no sentido literal da
expressão, tanto que ambas as sedes ficavam no mesmo prédio até quase o fim do
século passado.
28
Decreto 222/03 del Poder Ejecutivo de la Nación, Art. 3° — ‘‘Dispónese que, al momento de
la consideración de cada propuesta, se tenga presente, en la medida de lo posible, la
composición general de la CORTE SUPREMA DE JUSTICIA DE LA NACION para posibilitar que
la inclusión de nuevos miembros permita reflejar las diversidades de género, especialidad y
procedencia regional en el marco del ideal de representación de un país federal’’.

37
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

sua constitucionalidade questionada e provavelmente seria

declarado nulo, uma vez que cria requisitos para além daqueles

já previstos na Constituição).

Em seguida, o Art. 110 da Carta Constitucional argentina

traz mais alguns institutos também já conhecidos pelo

ordenamento jurídico brasileiro para assegurar a

independência do Poder Judiciário frente a eventuais pressões

do Executivo e do Legislativo, tais como a inamovibilidade e a

irredutibilidade da remuneração29. Contudo, ao completar a

idade de 75 (setenta e cinco) anos, o Ministro da Corte precisará

de uma nova indicação do Presidente e posterior aprovação do

Senado para seguir no cargo, exigência esta que se repetirá com

o passar de mais cinco anos30 (ou seja, deve ser renovada

quando o Magistrado também completar a idade de 80, 85, 90,

29
CONSTITUCION DE LA NACION ARGENTINA, Artículo 110: ‘‘Los jueces de la Corte Suprema
y de los tribunales inferiores de la Nación conservarán sus empleos mientras dure su buena
conducta, y recibirán por sus servicios una compensación que determinará la ley, y que no
podrá ser disminuida en manera alguna, mientras permaneciesen en sus funciones."
30
CONSTITUCION DE LA NACION ARGENTINA, Artículo 99: ‘‘Un nuevo nombramiento,
precedido de igual acuerdo, será necesario para mantener en el cargo a cualquiera de esos
magistrados, una vez que cumplan la edad de setenta y cinco años. Todos los nombramientos
de magistrados cuya edad sea la indicada o mayor se harán por cinco años, y podrán ser
repetidos indefinidamente, por el mismo trámite."

38
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

95...). Desta forma, não há previsão de aposentadoria

compulsória por idade.

De acordo com o Art. 79 do Reglamento para la Justicia

Nacional, o presidente e o vice da Corte Suprema são eleitos

mediante eleição interna entre os cinco membros,

desempenhando o mandato pelo prazo de 3 (três) anos.

Há ainda a previsão de um processo de impeachment, no

qual a Câmara dos Deputados realiza uma acusação formal em

desfavor do Ministro nos casos de conduta criminosa (no

exercício da função ou não) ou ainda por má desempenho das

atividades jurisdicionais, denúncia esta realizada perante ao

Senado, que, por sua vez, poderá aprovar a destituição pelo

quórum qualificado de 2/3 do seus membros31.

31
CONSTITUCION DE LA NACION ARGENTINA, Artículo 53: ‘‘Sólo ella ejerce el derecho de
acusar ante el Senado al presidente, vicepresidente, al jefe de gabinete de ministros, a los
ministros y a los miembros de la Corte Suprema, en las causas de responsabilidad que se
intenten contra ellos, por mal desempeño o por delito en el ejercicio de sus funciones; o por
crímenes comunes, después de haber conocido de ellos y declarado haber lugar a la
formación de causa por la mayoría de dos terceras partes de sus miembros presentes."

39
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

4 Competência jurisdicional

O já transcrito Artículo 108 da Constitución consolida a

posição da Corte no topo da hierarquia no sistema judiciário.

Desta forma, ela exerce a função de última instância (ou seja,

dar a palavra final sobre interpretação e aplicação da

Constituição - e, consequentemente- do direito)32.

Em relação à sua competência, a Corte Suprema da

Argentina atua, normalmente em caráter recursal, nos

seguintes casos:33 i) questões fundadas na Constituição ou em

32
Na aba de apresentação institucional do site oficial da Corte, é dito que ‘’La Corte
Suprema de Justicia de la Nación es el más alto tribunal de la República Argentina. Órgano
máximo dentro de uno de los tres poderes del Estado y su misión consiste en asegurar la
supremacía de la Constitución, ser su intérprete final, custodiar los derechos y garantías en
ella enunciados (...) Están a cargo del Poder Judicial de la Nación y, como instancia final, la
Corte Suprema el ejercicio de la función jurisdiccional para resolver los conflictos suscitados
entre ciudadanos o entre estos y el Estado, la interpretación y sistematización de todo el
ordenamiento jurídico y el control de constitucionalidad de las normas y actos estatale’’. Para
conferir, basta acessar: <https://www.csjn.gov.ar/institucional/historia-de-la-corte-
suprema/el-tribunal>.
33
CONSTITUCION DE LA NACION ARGENTINA. Artículo 116.- Corresponde a la Corte Suprema
y a los tribunales inferiores de la Nación, el conocimiento y decisión de todas las causas que
versen sobre puntos regidos por la Constitución, y por las leyes de la Nación, con la reserva
hecha en el inciso 12 del Artículo 75; y por los tratados con las naciones extranjeras; de las
causas concernientes a embajadores, ministros públicos y cónsules extranjeros; de las causas
de almirantazgo y jurisdicción marítima; de los asuntos en que la Nación sea parte; de las
causas que se susciten entre dos o más provincias; entre una provincia y los vecinos de otra;

40
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

lei federal; ii) causas fundadas em tratados internacionais; iii)

causas de almirantado e de direito marítimo; iv) processos em

que a União seja parte; v) conflitos envolvendo duas ou mais

Províncias34, entre uma Província e vecinos (vizinhos) de outra,

ou entre habitantes de Províncias diversas35; vi) processos

envolvendo uma Província ou seus habitantes e um Estado ou

cidadão estrangeiro36.

No exercício da competência originária, a Corte

Suprema, por sua vez, atua apenas em processos envolvendo

entre los vecinos de diferentes provincias; y entre una provincia o sus vecinos, contra un Estado
o ciudadano extranjero.
34
Logo no início deste artigo, mencionou-se que a Argentina adotou, desde sua primeira
Constituição, a forma de um Estado Federal. Assim sendo, Província é o nome dado aos
centros de poder político regionais, tais como os Estados-Membros da federação
brasileira. Nas palavras de ZIULU (2014, p.117): ''En nuestra organización estadual los
Estados locales reciben el nombre de ''provincias''. Éstas constituyen unidades orgánicas cuya
integridad territorial está garantizada, gozan de sus propias atribuciones y se gobiernan so
sí mismas. Están dotadas de autonomía, de modo que tienen capacidad para dictarse sus
propias leyes respetando ciertas condiciones establecidas por la Constitución’’.
35
Nos termos do art. 24 do Decreto-Lei nº 1.285/1958, consideram-se vecinos: (i) as
pessoas físicas com domicílio no país até dos anos antes do início da demanda, qualquer
que seja a sua nacionalidade; (ii) as pessoas jurídicas de direito público do país; (iii) as
demais pessoas jurídicas, constituídas e domiciliadas no país; e (iv) as sociedades e
associações sem personalidade jurídica, quando todos os seus membros se enquadrem
na descrição do item (i) acima.
36
Caso se busque aprofundar cada um destes pontos, recomenda-se a leitura de PIRES,
Thiago Magalhães. Corte Suprema de Justiça da Nação (Argentina). In: BRANDÃO, Rodrigo.
(Org.). Cortes Constitucionais e Supremas Cortes. Salvador: Juspodium, 2017. p. 33-44.

41
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

embaixadores, ministros públicos, cônsules estrangeiros37 e,

ainda, nos casos que envolvem Províncias, criando uma espécie

de foro privilegiado 38.

O principal mecanismo de acesso à Corte é o Recurso

Extraordinário Federal (REF), disciplinado no art. 24, itens de nº

2 a 639 do Decreto-Lei nº 1285/1958, onde se prevê sua

interposição contra decisões definitivas das Câmaras Federais

de Recursos dos Tribunais Superiores de Província e dos

Tribunais Superiores Militares, quando ocorrer alguma destas

hipóteses: a) se tenha declarado a invalidade de um tratado, de

uma lei ou de uma ordem exercida em nome da Nação; b) se

37
Segundo o art. 24 do Decreto-Lei nº 1.285/1958, “Son causas concernientes a
embajadores o ministros plenipotenciarios extranjeros, las que les afecten directamente por
debatirse en ellas derechos que les asisten o porque comprometen su responsabilidad, así
como las que en la misma forma afecten a las personas de su familia, o al personal de la
embajada o legación que tenga carácter diplomático”.
38
CONSTITUCION DE LA NACION ARGENTINA, Artículo 117.- En estos casos la Corte Suprema
ejercerá su jurisdicción por apelación según las reglas y excepciones que prescriba el
Congreso; pero en todos los asuntos concernientes a embajadores, ministros y cónsules
extranjeros, y en los que alguna provincia fuese parte, la ejercerá originaria y exclusivamente.
39
Segundo o item nº 7, cabe à Corte dirimir “las cuestiones de competencia y los conflictos
que en juicio se planteen entre jueces y tribunales del país que no tengan un órgano superior
jerárquico común que deba resolverlos, salvo que dichas cuestiones o conflictos se planteen
entre jueces nacionales de primera instancia, en cuyo caso serán resueltos por la cámara de
que dependa el juez que primero hubiese conocido. Decidirá asimismo sobre el juez
competentecuando su intervención sea indispensable para evitar una efectiva privación de
justicia”.

42
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

tenha afirmado a validade de leis ou atos provinciais que tivesse

sido impugnados à luz da Constituição, de tratados ou de lei

federal; ou c) se tenha declarado a invalidade de um título,

direito, privilégio ou isenção, fundada em disposição da

Constituição, de tratado, de lei federal ou de autoridade

delegada por autoridade nacional, desde que esteja em questão

a interpretação dessa mesma disposição.

Sobre esse controle de constitucionalidade

desempenhado pela Suprema Corte Argentina, destaque-se

que, sob a influência do constitucionalismo norte-americano

desde seu processo de independência, adota-se um modelo

semelhante ao do judicial review concebido nos Estados Unidos

sobre a possibilidade e o procedimento de controle dos atos

emanados pelo Legislativo e pelo Executivo (também conhecido

como modelo difuso), apesar da tradição civil law do país sul-

americano.

Cabe ressaltar também que toda a sistematização desse

controle foi feita mediante construção jurisprudencial por parte

43
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

da Corte Suprema, uma vez que inexistia qualquer menção

expressa no texto constitucional sobre o tema40.

Atualmente, considera-se que o modelo difuso e

concreto de controle de constitucionalidade está

expressamente previsto no Art. 43 da Constituição Argentina, o

qual, ao tratar da garantia fundamental conhecida como Ação

de Amparo (próxima do Mandado de Segurança brasileiro, mas

com abrangência temática bem maior), permite que qualquer

juiz ou tribunal afaste a aplicabilidade de lei ou ato contrário à

constituição. Nas palavras do dispositivo, ‘‘En el caso, el juez

podrá declarar la inconstitucionalidad de la norma en que se funde

el acto u omisión lesiva.41’’

Todavia (e guiado pelos ideais federalistas), o

constitucionalismo argentino também permite que as

Províncias elaborem suas próprias Constituições, desde que

40
Em 1871, durante o julgamento do caso conhecido como Caffarena c/ Banco Argentino
del Rosario de Santa Fe, a Corte afirmou expressamente que ‘‘está en la esencia del orden
constitucional, que los tribunales tengan, no solo la facultad, sino la obligación, de anteponer
en sus resoluciones, los preceptos de la constitución nacional’’. Para mais detalhes,
consultar: DE CASTRO, Gina Gouveia Pires; NATHALIA, Thaminne; NETO, Antônio
Beserra. Controle de Constitucionalidade no Brasil e na Argentina: As Origens e Influências
do Controle de Constitucionalidade sob uma Perspectiva Comparada. Revista Jurídica,
vol. 04, n°. 49, Curitiba, 2017. pp. 418-439. DOI: 10.6084/m9.figshare.5632162.
41
O inteiro teor do dispositivo já foi aqui reproduzido pela nota de rodapé nº 19.

44
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

não haja nenhuma incompatibilidade com a Constitución de la

Nación. Desta forma, a capital Buenos Aires possui em sua

Constituição previsão de uma espécie de sistema misto, bem

próximo do brasileiro, com hipóteses de controle de

constitucionalidade difuso e concentrado das leis e decretos

provinciais, norma esta não declarada incompatível com a Carta

Argentina42.

Assim como nos Estados Unidos, não há no

ordenamento jurídico argentino nenhum dispositivo legal

determinando expressamente que uma decisão da Suprema

Corte em um caso concreto deverá servir como precedente de

observância obrigatória aos órgãos jurisdicionais inferiores, mas

tal prática acontece naturalmente pelo costume e pela visão do

42
CONSTITUCIÓN DE LA PROVINCIA DE BUENOS AIRES, Artículo 20.- ‘‘Se establecen las
siguientes garantías de los derechos constitucionales: La garantía de Amparo podrá ser
ejercida por el Estado en sentido lato o por particulares, cuando por cualquier acto, hecho,
decisión u omisión proveniente de autoridad pública o de persona privada, se lesione o
amenace, en forma actual o inminente con arbitrariedad o ilegalidad manifiesta, el ejercicio
de los derechos constitucionales individuales y colectivos. En el caso, el juez podrá declarar la
inconstitucionalidad de la norma en que se funde el acto u omisión lesivos’’.
CONSTITUCIÓN DE LA PROVINCIA DE BUENOS AIRES, Artículo 161.- ‘‘La Suprema Corte de
Justicia tiene las siguientes atribuciones: 1- Ejerce la jurisdicción originaria y de apelación para
conocer y resolver acerca de la constitucionalidad o inconstitucionalidad de leyes, decretos,
ordenanzas o reglamentos que estatuyan sobre materia regida por esta Constitución y se
controvierta por parte interesada’’.

45
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

direito como um sistema hierárquico, coeso, coerente e

harmônico.

Cumpre ressaltar que não existe um instrumento

processual específico para submeter diretamente à Corte a

apreciação de uma suposta afronta a sua jurisprudência (com

exceção dos já mencionados casos de competência originária).

Essas alegações, em geral, são veiculadas pelo citado Recurso

Extraordinário Federal. Contudo, essa ampla competência

constitucional da Corte é limitada pelo instituto da repercussão

geral trazida pela Lei n 23.774, de 1990, que alterou, entre

outros, o art. 280 do Código Procesal Civil y Comercial de la

Nación (CPCN)43 44.

Em verdade, pode-se até dizer que o instituto brasileiro

da repercussão geral (introduzido pela Emenda n. 45 de 2004 -

conhecida como ''reforma do judiciário'' - e regulamentado no

43
Art. 280. –LLamamiento de autos. Rechazo del recurso extraordinario. Memoriales en el
recurso ordinario. ‘‘Cuando la Corte Suprema conociere por recurso extraordinario, la
recepción de la causa implicará el llamamiento de autos. La Corte, según su sana discreción,
y con la sola invocación de esta norma, podrá rechazar el recurso extraordinario, por falta
de agravio federal suficiente o cuando las cuestiones planteadas resultaren insustanciales o
carentes de trascendencia’’.
44
Outro ponto curioso: há um único código para o direito processual civil e o direito
comercial.

46
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

CPC/73 em 2006) teve forte inspiração na experiência argentina, já

que o país vizinho contava com 16 (dezesseis) anos a mais de

experiência. Ademais, lá o instituto também recebe muitas críticas.

A repercussão geral continua se enquadrando dentro dos

chamados conceitos jurídicos indeterminados, já que a norma não

fixa parâmetros claros e objetivos para se identificar quando

estamos diante desses casos (o que seria a ''lesão federal

insuficiente'' mencionada no art. 280? Uma ‘‘lesão fraca à lei

federal’’ poderia ocorrer? Quando há carência de substancialidade

ou transcendência?), ficando para a discricionariedade ou

arbitrariedade da Corte, dependendo do juízo de razoabilidade

feito (um problema bem próximo do brasileiro).

Se um ministro da Corte não conhecer do Recurso

Extraordinário por falta de transcendência da matéria, caberá uma

espécie de agravo, conhecido como ‘‘Queja por denegacion de

recursos ante la Corte Suprema’’45.

No mais, sobre o funcionamento da Corte Suprema,

registre-se que todas a decisões jurisdicionais são sempre

45
Art. 285. - Queja por denegación de recursos ante la Corte Suprema. ‘‘Cuando se dedujere
queja por denegación de recursos ante la Corte Suprema, la presentación, debidamente
fundada, deberá efectuarse en el plazo que establece el segundo párrafo del artículo 282’’

47
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

decorrentes da maioria absoluta dos seus membros46 (ou seja,

três votos de cinco). Na hipótese de ausências e impedimentos

que inviabilizem a obtenção do referido quórum, a composição

da Corte é complementada, nesta ordem, pelo Procurador-

Geral da Nação, por membros de Câmaras Nacionais de

Recursos, e por suplentes nomeados pelo Poder Executivo

entre advogados que cumpram os requisitos exigidos para o

cargo de Ministro47.

46
Decreto-Lei nº 1.285/1958. Artículo 23. - Facúltase a la Corte Suprema de Justicia a
dividirse en salas, de acuerdo al reglamento que a tal efecto dicte. Basta que el mismo no esté
en vigencia, las decisiones de la Corte Suprema se adoptarán por el voto de la mayoría
absoluta de los jueces que la integran, siempre que éstos concordaren en la solución del caso;
si hubiere desacuerdo, se requerirán los votos necesarios para obtener la mayoría absoluta
de opiniones. La Corte actuará en tribunal pleno en los asuntos en que tiene competencia
originaria y para resolver las cuestiones de inconstitucionalidad. (Artículo sustituido por art.
1° de la Ley N° 15.271 B.O. 9/2/1960).
47
Decreto-Lei nº 1.285/1958. Artículo 22. - En los casos de recusación, excusación, vacancia
o licencia de alguno de los miembros de la Corte Suprema de Justicia de la Nación, este
tribunal se integrará, hasta el número legal para fallar, mediante sorteo entre los presidentes
de las cámaras nacionales de apelación en lo federal de la Capital Federal y los de las
cámaras federales con asiento en las provincias.

48
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

5 Alguns julgamentos emblemáticos

Adotando-se como critério o pioneirismo de decisão,

assim como sua relevância jurídico-política, cita-se a seguir o

caso no qual a Suprema Corte descriminalizou a interrupção de

gravidez de feto anencéfalo, assim como as decisões acerca da

Reforma Judicial e da Lei dos Meios de Comunicação.

De modo pioneiro na América Latina, no caso

identificado como T.S. contra Gobierno de la Ciudad de Buenos

Aires - Amparo T.421 XXXVI, a Suprema Corte, em janeiro de 2001,

confirmou a decisão de instância inferior que havia autorizado

a indução do trabalho de parto em decorrência de feto

anencefálico.48

No referido caso, com sete meses de gestação, uma

mulher solicitou a indução do parto após o diagnóstico de

anencefalia. O Tribunal Superior de Justiça da Cidade Autônoma

de Buenos Aires julgou procedente a demanda e autorizou a

gerência do Hospital a induzir o parto ou, eventualmente,

48
Disponível em
www.viadialectica.com/publicaciones/material/princ_der_privado/fallos_corte_suprema/
ts.pdf. Acesso em: 25 jul. 2020.

49
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

realizar intervenção cirúrgica por cesariana, estendendo a

autorização aos médicos do hospital ou àqueles a quem o

governo da cidade autônoma determinar, destacando o direito

à objeção de consciência dos profissionais envolvidos, hipótese

onde o Hospital ou o Governo Provincial deveria fazer as

substituições necessárias com urgência.

O Conselho Geral para Pessoas com Deficiência do

Ministério Público, diante dessa decisão, interpôs recurso

extraordinário à Suprema Corte, sob o fundamento de que se

estaria praticando, veladamente, o crime de aborto previsto nos

arts. 85 e 86 do Código Penal Argentino.

A Corte Suprema Argentina manteve a decisão recorrida,

julgando improcedente o recurso do Ministério Público, sob o

fundamento de que a saúde psicológica da mulher se enquadra

no direito à saúde protegido pela Constituição, bem como

destacando que o caso envolveria o conceito médico de

trabalho de parto induzido, que não se enquadraria no tipo

criminoso do aborto.

Neste julgado, a Corte Suprema assentou que nos casos

de inviabilidade do feto não pode haver discussão sobre o

50
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

aborto e, portanto, nesses casos, o tipo criminoso não

encontraria subsunção no artigo 85 do Código Penal. Tal

decisão se fez paradgmática à época, tendo inclusive sido

invocada no bojo da petição inicial que deflagou a ADPF nº 54,

no qual o Supremo Tribunal Federal, no ano 2004, decidiu que

não deve ser considerado aborto a interrupção terapêutica

induzida da gravidez de um feto anencéfalo.49

Em outro momento e tratando de temas diversos ao

exposto, a Suprema Corte realizou dois importantes

julgamentos no ano de 2013 que, considerando seu relevo

político-jurídico, merecem ser lembrados. Em junho daquele

ano, no âmbito da Acción de Amparo (Expte. N. 3034/13) contra

Poder Ejecutivo Nacional, a Corte Suprema declarou

49
Reportando-se ao DOC nº 10 que instruiu a Petição Inicial que deu azo à Arguição de
Preceito Fundamental autuada como nº 54, a nota de rodapé registrou que a Suprema
Corte da Nação Argentina confirmou a decisão de tribunal inferior no sentido de que
"en el caso aqui analizado, y particularmente para una de las hipótesis posibles: la inducción
o adelantamiento dei parto no se verifican los extremos de la vigencia dei tipo objetivo dei
aborto - artículo 86 dei Código Penal". E acrescentou: "Frente a lo irremediable dei fatal
desenlace debido a la patología mencionada y a la impotencia de la ciencia para
solucionaria, cobran toda su vitalidad los derechos de la madre a la protección de su salud,
psicológica y física, y, en fin, a todos aquellos reconocidos por los tratados que revisten
jerarquía constitucional, a los que se ha hecho referencia supra". Referência: T.421.XXXVI.
T., S. c/Gobierno de la Ciudad de Buenos Aires s/ amparo” Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarPr
ocessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=2226954. Acesso em: 26 jul. 2020.

51
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

inconstitucional a Reforma Judicial proposta pelo então governo

de Cristina Kirchner; ao passo que, em outubro do mesmo ano,

reconheceu a constitucionalidade da Ley de Servicios de

Comunicación Audiovisual, também chamada de Ley de Medios

(Lei de Meios de Comunicação), no âmbito do recurso

interposto pelo Grupo Clarìn S.A., maior grupo empresarial do

setor de comunicação da Argentina.50

Na decisão de inconstitucionalidade da Reforma Judicial,

a Corte Suprema considerou que a eleição mediante sufrágio

universal dos membros do Conselho da Magistratura vulneraria

a imparcialidade e independência indispensáveis ao Poder

Judiciário, pois levaria o Conselho a se submeter ao poder

político dos partidos e da maioria governamental.

Em síntese, a reforma visava estabelecer que a

composição do Conselho da Magistratura se desse mediante

eleições populares diretas onde os candidatos deveriam

inscrever-se nas listas dos partidos políticos para as eleições

gerais. A forma anterior de composição que se pretendia

50
Disponível em https://www.conjur.com.br/dl/lei-medios-declarada-constitucional.pdf.
Acesso em: 26 jul. 2020.

52
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

modificar preconizava a indicação do Congresso, em conjunto

com associações de juízes, de advogados e de acadêmicos.

A Corte Suprema vislumbrou que tal alteração ao “luego

de un tiempo de aplicación, los jueces vayan adoptando posiciones

vinculadas a los partidos que los van a elegir, y luego promover o

no en sus carreras, afectándose así su imparcialidad”, razão pela

qual se manteve a vigência do regime anterior para a

composição do Conselho de Magistratura.

Quanto ao reconhecimento da constitucionalidade da

Ley de Medios, no qual se restringiu a concentração de veículos

de imprensa em conglomerados ou grupos empresariais, a

Corte Suprema anulou a decisão da Câmara Federal Civil e

Comercial que tinha sido expedida contra a constitucionalidade de

dois artigos que regulam as transferências de licenças, impedindo

que um mesmo operador acumule licenças de TV, rádio e cabo, e

os prazos de aplicação da norma – caso do art. 61 que obrigava o

53
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Grupo Clarín a se desfazer das licenças que excediam o limite

legal.51

Em síntese, prevaleceu na Suprema Corte o argumento de

que cabe ao Congresso dispor sobre o tema, sendo defeso ao

judiciário imiscuir-se nessa decisão, pois não haveria

inconstitucionalidade flagrante. Por outro lado, a decisão assentou

a necessidade de transparência em políticas de subsídios e

publicidade oficial, exaltou os direitos de propriedade dos

donos de licenças e determinou que a Casa Rosada não utilize

os meios de comunicação como instrumentos de apoio à

política do governo.

51
Acción de Amparo (Expte. N. 3034/13) contra Poder Ejecutivo Nacional: “declarar la
inconstitucionalidad de los artículos 2°, 4°, 18 y 30 de la Ley 26.855, y del Decreto 577/13”,
“disponer que en los puntos regidos por las normas declaradas inconstitucionales e
inaplicables, mantendrá su vigencia el régimen anterior previsto en las leyes 24.937 y sus
modificatorias 24.939 y 26.080”; “dejar sin efecto la convocatoria a elecciones para los cargos
de consejeros de la magistratura representantes de los jueces de todas las instancias, de los
abogados de la matrícula federal y de otras personas del ámbito académico y científico
establecida en los artículos 18 y 30 d ela Ley 26.855 y en los artículos 1°, 2°, 3° y concordantes
del Decreto 577/13”; “aclarar que lo resuelto no implica afectación alguna del proceso
electoral para los cargos de diputados y senadores nacionales establecido en el Decreto
501/13” Disponível em:
https://sj.csjn.gov.ar/sj/suplementos.do?method=ver&data=relevantes2003_2016.
Acesso em: 26 jul. 2020.

54
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

6 O caso Fontevecchia Vs Argentina, perante a Corte

Interamericana de Direitos Humanos

Por fim, um caso que merece destaque, sendo analisado

em tópico separado, inclusive pela sua pertinência com o objeto

central desta obra coletiva. O ex-presidente e ex-senador

argentino Carlos Menem é conhecido até mesmo por quem não

é muito familiarizado com a história do país, mas não com uma

boa reputação. Com um governo marcado por escândalos de

corrupção e imoralidade, Menem enfrentou a Justiça argentina

diversas vezes, acusado de superfaturamento em obras,

encobrir um atentado terrorista que matou cerca de 80 pessoas

em um templo judaico e até mesmo de chefiar uma quadrilha

internacional de tráfico de armas.

No caso de direito interno ‘‘Carlos Menem Vs

Fontevecchia’’, o ex-presidente era o autor da ação judicial. Por

sua vez, Fontevecchia era o editor chefe de um jornal local que,

após revelar que Menem (ainda presidente, em 1995) tinha um

filho não reconhecido fruto de uma relação extraconjugal e

sustentado com dinheiro público, foi imediatamente censurado

55
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

e condenado pela Corte Suprema a pagar 60 mil pesos a título

de danos morais.

Após a recomendação da Comissão Interamericana, a

Corte Interamericana julgou o caso em 2011 e declarou a

violação ao direito humano de liberdade de expressão (art.13

da Convenção Americana de Direitos Humanos - Pacto de San

José da Santa Rica), uma vez que a informação divulgada

continha caráter público, já que o filho não-assumido de Menem

estaria recebendo dinheiro público desviado.

Assim, A Corte Interamericana tornou sem efeito a

sentença da Corte Suprema Argentina e determinou o

ressarcimento do jornalista.

Ocorre que, mesmo ratificando a Convenção Americana

de Direitos Humanos (Pacto de San José da Santa Rica) e

reconhecendo a competência contenciosa da Corte

Interamericana em 1984 (inclusive incorporando tais normas

internamente com status constitucional) a Corte Suprema

Argentina declarou (por 3 votos a 2) que a sentença da Corte

Interamericana de Direitos Humanos, ao anular sua decisão,

56
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

viola a Constituição do país, a qual garantiria para aquela

primeira o poder de ser a última instância e dar a palavra final.

Afirmou ainda que nem a Convenção Interamericana de

Direitos Humanos / Pacto de San José da Costa Rica daria

poderes para a Corte Interamericana para anular trânsito em

julgado interno.

Este precedente perigosíssimo teve uma repercussão

gigante no país e foi muito criticado, até por ser uma virada no

entendimento, já que a Argentina vinha cumprindo as decisões

da Corte Interamericana nas outras 16 vezes em que havia sido

condenada, inclusive em casos parecidos de anulação de

decisões judiciais internas.

Os próprios Ministros vencidos continuam criticando a

decisão, sob a ótica do princípio da responsabilidade

internacional dos Estados em matéria de tratados e de direitos

humanos.

Quando questionado pela Corte Interamericana, o

executivo argentino - ao falar em nome do país- se limitou a

dizer que, pela independência dos Poderes, não poderia fazer

nada quanto a essa decisão da Corte Suprema.

57
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Doutrina e operadores do direito do país consideram tal

decisão uma das maiores vergonhas do Judiciário argentino do

século, causando um enorme retrocesso no sistema de

proteção dos direitos humanos (FACHIN, 2019, p. 96 e 101).

Considerações Finais

Pelo o exposto, a Corte Suprema de Justiça da Nação

Argentina se revela um interessante objeto de estudo, que

merece ser continuamente examinado, posto que muitas das

dificuldades e problemas enfrentados pelo Tribunal Argentino

se assemelham àqueles defrontados pelo Supremo Tribunal

Federal brasileiro (tais como a ingerência em questões políticas

e a dificuldade de se legitimar democraticamente decisões de

poucos Ministros não-eleitos, principalmente em uma Corte

Suprema com apenas 5 (cinco) membros, em que o voto de 3

(três) já forma maioria, como no criticado caso Fontevecchia Vs

Argentina). Ao olhar destes autores, tanto o Brasil como a

Argentina possuem o desafio de evitar a Supremocracia – isto é,

o governo dos Ministros da Corte Constitucional.

58
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

No percurso dos estudos desenvolvidos, constatou-se

uma complexidade do Direito argentino e de sua Corte

Suprema (talvez pelo sentimento de estranheza naqueles

pontos que se diferenciam do modelo brasileiro, o qual já

estamos tão acostumados). O panorama apresentado revelou

uma longa trajetória de aperfeiçoamentos, de qualidade técnica

dos julgados e dos mecanismos jurisdicionais, sobretudo nos

últimos 20 anos – características que foram refinadas ao longo

da centenária vigência Constituição (com exceção do último

exemplo trabalhado separadamente).

Referências

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Judicial. Acción de Amparo (Expte. N. 3034/13) contra Poder
Ejecutivo Nacional. Disponível em:
https://sj.csjn.gov.ar/sj/suplementos.do?method=ver&data=rel
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Derechos Humanos. Informacion Legislativa. Decreto-Lei nº
1.285 de 04/02/1958. Disponível em:
http://servicios.infoleg.gob.ar/infolegInternet/anexos/35000-
39999/37915/texact.htm. Acesso em: 25 jul. 2020.

59
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

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Comparado: Chefes dos Estados da Argentina e da Bolívia.
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Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54. Disponível
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DANTAS, Bruno. Repercussão geral: Algumas lições da Corte


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60
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FACHIN, Melina Girardi; NOWAK, Bruna. Quem dá a última


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61
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

62
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

SISTEMA JUDICIÁRIO DA BOLÍVIA

Jaudar Lima Jauhar Júnior


Laís Fraga Kauss

1 CONTEXTO

1.1 Político-histórico

A Bolívia, assim como os demais países andinos, tem

características muito específicas decorrentes do pluralismo

étnico-jurídico de seus povos. Nas palavras de Dan e

Nascimento (2016):

A peculiaridade dos países andinos, em


relação ao pluralismo étnico e jurídico, tem-
se manifestado nas suas formas políticas e
jurídicas que tem sido denominado de neo
constitucionalismo latino-americano.
Há um movimento contemporâneo na
América Latina, então denominado neo
constitucionalismo latino-americano, que
representa uma nova concepção da
construção das Constituições de países
como a Bolívia, Colômbia, Equador, entre

65
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

outros que procuram contemplar o caráter


plural da formação da Nação nos marcos do
desenho institucional dos Estados
Democráticos de Direito contemporâneos.

A Bolívia, ao ser colonizada pela Espanha, já possuía em

seu território mais de 36 nações originárias e diversos sistemas

jurídicos. Lídia Amorim (2013) descreve bem o início da história

jurídica boliviana:

No que agora é o território boliviano, antes


de se tornar colônia, existiram vários
sistemas jurídicos. O mais importante foi o
Tawantinsuyo andino, que se expandiu
desde o sul da Colômbia até o que hoje é o
norte do Chile. Mas também existiram
outros modelos como é o caso dos guaranis,
chiquitanos, mojeños, pacahuaras, guarayos,
entre outros – hoje se reconhecem 36
nações originárias e, todavia, existem nações
não reconhecidas.
Durante a colônia, o governo impôs seu
modelo de Direito e seu próprio sistema
jurídico aos habitantes originários que
viviam na região. Muitos conhecimentos dos
povos foram perdidos, nações inteiras
exterminadas.

66
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

No movimento de democratizar e descolonizar, a Bolívia

se moveu no sentido de reconhecer a existência da pluralidade

em seu povo. O neo constitucionalismo boliviano se traduz

nessa pluralidade e na garantia de direitos ao povo indígena,

antes subjugado e agora com direito à participação e

autonomia, jurisdicional e cultural. Desde 1994 a Constituição

boliviana atribui às comunidades indígenas o direito de

administrar seus próprios sistemas jurídicos, mas somente em

2006 foi incorporado ao órgão Executivo um Vice-Ministério

destinado à justiça originária e, em 2009, foi conferida a mesma

hierarquia que à justiça ordinária. Nas palavras de Dan e

Nascimento (2016):

Portanto, a Constituição Política do Estado


Plurinacional estabelece um sistema judicial
em que reconhece o pluralismo jurídico
mediante a incorporação e integração da
Justiça Originária Campesina à
administração da justiça vigente. Esta
jurisdição tem como princípio o respeito aos
direitos fundamentais, especialmente à vida,
e também às garantias da própria
Constituição. As nações indígenas exercem
suas funções jurisdicionais e de

67
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

competência através de suas autoridades,


aplicando seus valores culturais, princípios,
normas e procedimentos próprios.

Na mesma seara de democratizar, integrar e reformar o

Estado, a Bolívia é o único país latino-americano que elege seus

magistrados de Tribunais Superiores por voto popular, segundo

Rivera (2018). A eleição para os ocupantes dos cargos de

Tribunais Superiores foi inovação também criada por Evo

Morales em 2009, através da nova Constituição que aprovou em

seu primeiro mandato. Até a mudança introduzida por Morales,

os magistrados eram indicados pelo Congresso, como

menciona Quiroga (2011).

A primeira eleição se deu em 2011 e foi um tanto quanto

obscura porque a população não teve acesso às propostas dos

candidatos. Em 2017, no segundo pleito em que se buscava

eleger 52 magistrados, o sistema foi aperfeiçoado. Coube ao

Tribunal Eleitoral divulgar maciça e claramente os atributos dos

candidatos. O retrato da eleição de 2017 é demonstrado na

ilustração do artigo de Quiroz (2017):

68
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Figura 1 – Eleições Bolivianas de 2017.

FONTE: QUIROZ, Mauricio, 2017.

Embora não haja vinculação a partidos políticos,

informalmente a eleição acaba sofrendo influências políticas

através de declarações de apoio e campanhas extraoficiais. Os

candidatos são proibidos de pedir votos, não existe campanha

própria, a divulgação do material eleitoral é toda centralizada

pelo Tribunal Eleitoral. Aos candidatos resta apenas incluir nas

redes sociais seus méritos, durante determinado período

previamente aprovado pelo Tribunal.

Especificamente sobre a eleição de 2017, ela ocorreu

logo após a aprovação pelo Tribunal Constitucional da

69
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

possibilidade de reeleição indefinida de presidentes, mesmo

tendo sido precedida por um referendo que apurou que a

maioria da população não gostaria de outro mandato de

Morales. A decisão da Suprema Corte gerou uma reação da

oposição a Evo Morales e uma campanha pelo voto nulo nas

eleições judiciais, já que o voto é obrigatório. O resultado foi que

65% dos votos foram brancos ou nulos. O próximo pleito

ocorrerá em 2023, já que os mandatos são de 6 anos, como

relata Quiroz (2017).

Os apoiadores do sistema eleitoral para cargos judiciais

usam os seguintes argumentos, segundo Pimentel (2017):

[...] mais legitimidade aos juízes, já que têm


o respaldo dos eleitores; diminuição da
corrupção do Judiciário, pois no sistema de
nomeações anterior há troca de favores
entre juízes e políticos; e mais
representatividade, pois entre os candidatos
há juízes de diferentes localidades do país e
também representantes indígenas.

70
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Os juízes da primeira instância boliviana são

concursados, como relata El Deber (2015), então, a celeuma, em

princípio se restringe aos Tribunais de mais alto poder.

1.2 Modelo jurídico civil

Os países oriundos de colonização ibero-americana,

como o Brasil e a Bolívia, têm seus ordenamentos jurídicos

originados no monismo positivista de escola romana,

priorizando o processo legislativo como fonte de direitos e

deveres. Essa é a denominada escola civil law.

Nos países de origem anglo-saxônica, por outro lado,

predomina a escola common law em que a jurisprudência é

vinculante e baseia o ordenamento, sendo ela a fonte de

direitos e deveres para casos similares. A justiça do caso

concreto decorre do direito costumeiro que permeava os juízes

do século XIII da Inglaterra, de quem não se exigia formação

jurídica e a quem se atribuía o poder de criar o direito como

reflexo do que a sociedade queria, como menciona Cláudio

Lima Junior (2014).

71
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

O Estado boliviano é plurinacional, ou seja, engloba

diferentes realidades reconhecidas. Ao prever a existência e

autonomia dos tribunais campesinos, a Constituição boliviana

admite a coexistência de sistemas diversos de ordenamento

jurídico.

Enquanto o ordenamento jurídico tradicional é

tradicionalmente monista e submetido às leis estatais, os

tribunais indígenas se baseiam em suas culturas e valores para

julgar suas causas. Sobre os tribunais indígenas Dan e

Nascimento (2016):

Atualmente essas justiças funcionam em


nível comunitário, ou seja, são
instituições de direito consuetudinário
baseadas em usos e costumes, que
permitem sancionar as condutas
reprovadas das pessoas que vivem
nessas comunidades sem a intervenção
do Estado, sendo de fato, o tratamento,
considerações e análises desses direitos
realizados dentro da comunidade, com a
intervenção das autoridades naturais
que exercem o papel de conciliador
entre as partes em conflito junto com a
comunidade.

72
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

A realidade é que a Bolívia, portanto, segue diferentes

escolas em seu território. Os tribunais ordinários são

positivistas e regidos pelo princípio da segurança jurídica da lei,

como determina a Lei do órgão judicial no 25 (2010, tradução

nossa)52:

4. Segurança Jurídica. É a aplicação objetiva


da lei, de tal modo que as pessoas
conheçam seus direitos, garantias e
obrigações, e tenham certeza e
previsibilidade de todos os atos da
administração da justiça [...]

A mesma linha atesta a Organização dos Estados

Americanos (200-?) ao descrever a Bolívia e atribuir à

Constituição e às leis a forma de exercício do poder governante:

A Bolívia é uma república unitária,


independente, livre, soberana, multiétnica e
pluricultural. Adota a forma democrática
representativa de governo.

“Texto no original: 4. Seguridad Jurídica. Es la aplicación objetiva de la ley, de tal modo


52

que las personas conozcan sus derechos, garantías y obligaciones, y tengan


certidumbre y previsibilidad de todos los actos de la administración de justicia”

73
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

A Constituição Política do Estado, reformada


em 20 de fevereiro de 2004, estabelece que
o povo delibera e governa por meio de seus
representantes e mediante a Assembleia
Constituinte, a Iniciativa Legislativa Cidadã e
o Referendo, estabelecidos na Constituição
e regulamentados por lei.
Os principais órgãos do Estado são os
Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

Assim, na justiça tradicional impera a civil law e o

positivismo que lhe é inerente. Já nos tribunais comunitários, ou

indígenas, de igual relevância segundo a Constituição, os

julgamentos são baseados nas regras consuetudinárias e

tradicionais de cada povo.

1.3 Arranjo político/jurídico entre os Poderes do Estado

A Constituição Política do Estado colombiano (2009,

tradução nossa)53, prevê a coexistência independente e

53
“Texto no original: Artículo 12. I. El Estado se organiza y estructura su poder público a
través de los órganos Legislativo, Ejecutivo, Judicial y Electoral. La organización del
Estado está fundamentada en la independencia, separación, coordinación y
cooperación de estos órganos.”

74
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

harmônica dos Poderes, chamados de órgãos, Legislativo,

Executivo, Judiciário e Eleitoral:

Artigo 12. I. O Estado se organiza e estrutura


seu poder público através dos órgãos
Legislativo, Executivo, Judicial e Eleitoral. A
organização do Estado está fundamentada
na independência, separação, coordenação
e cooperação desses órgãos.

A Constituição traz as funções e a composição dos

órgãos estatais. O órgão Legislativo colombiano é exercido pela

Assembleia Legislativa Plurinacional, formada por duas

câmaras: dos deputados e dos senadores. A Assembleia é

presidida pelo Vice-Presidente do Estado e a ela compete fazer

as leis com validade por todo o território nacional. Os

legisladores são eleitos por voto proporcional à população de

cada região representada para mandatos de cinco anos.

O órgão Executivo é composto pelo Presidente, o Vice e

os Ministros de Estado. A eleição do Presidente e do Vice é

direta e majoritária. O mandato é de cinco anos e é permitida

uma reeleição. Os Ministros de Estado são escolhidos pelo

75
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Presidente e devem representar a pluralidade nacional, assim

como respeitar a igualdade de gêneros.

No que tange ao órgão Judicial, a Constituição estabelece

que a função judicial é única, todavia, exercida em diferentes

instâncias e especialidades. A jurisdição ordinária é exercida

pelo Tribunal Supremo de Justiça, instância máxima da justiça

ordinária, pelos tribunais departamentais, pelos tribunais de

sentença e pelos juízes. A jurisdição agroambiental é exercida

pelo Tribunal e juízes agroambientais. A Constituição prevê,

ainda, a existência de justiças especializadas reguladas por lei.

Por sua vez, a justiça indígena ou campesina segue suas

próprias regras e determina suas autoridades.

Vale ressaltar que, diferentemente do Brasil, o resguardo

da Constituição e o exercício da instância máxima da justiça

ordinária não se submetem a um único tribunal. A Constituição

boliviana prevê o Tribunal Supremo como instância máxima

julgadora da justiça ordinária e o Tribunal Constitucional

Plurinacional para as demandas de resguardo da Constituição.

Os membros de ambos são Magistrados eleitos por sufrágio

universal.

76
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Ao que parece, no entanto, a grande diferença do órgão

judicial boliviano que ressalta aos olhos é o reconhecimento da

pluralidade das culturas existentes no povo e a autonomia total

dada aos povos indígenas. Aos brasileiros resta até certa

dificuldade em entender como se operam dois, ou vários,

sistemas normativos em um mesmo Estado. A explicação de

Dan e Nascimento (2016) quanto aos conflitos de competência

parece oportuna:

É a lei de “Deslinde Jurisdiccional” que


determina os mecanismos de coordenação,
cooperação e complementação entre as
jurisdições indígena originária campesina, a
ordinária e a agroambiental. Na lei de
“Deslinde Jurisdicional” está disposto nos
artigos 3º, 13, 14, 15 e 16 e art. 190 da
Constituição Política que a Jurisdição
Indígena Originária Campesina goza de igual
hierarquia com todas as jurisdições
legalmente reconhecidas. No art. 14 da lei
acima citada, se estabelece que havendo
conflito de jurisdição entre a ordinária, a
agroambiental e a indígena originária
campesina será resolvido pelo Tribunal
Constitucional Plurinacional. Nota-se, porém
que apesar do dispositivo constitucional que

77
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

obriga a paridade entre os sistemas de


justiça que estejam reconhecidos
legalmente, na realidade ainda não há uma
isonomia entre os sistemas de justiça
conforme ordena a Constituição.

É importante ressaltar, a seu tempo, que a justiça

originária ou campesina não é a permissão do Estado para fazer

“justiça com as próprias mãos”, os líderes indígenas fazem

questão de esclarecer. Trata-se de respeitar tradições

milenares e locais de cada comunidade onde, grande parte das

vezes, há um limite de subjunção a partir do que os casos são

enviados para julgamento ordinário, como relata Amorim

(2013):

Nos casos de delitos graves, como


assassinato e violação sexual, o acusado é
encaminhado à justiça ordinária, além de
receber também uma punição por parte da
comunidade, a mais dura de todas: o
desterro. Isso significa perder tudo, ser
apagado da memória da comunidade, deixar
de existir para aqueles que antes eram sua
família. “Aquele que ‘elimina’ uma pessoa,
com ou sem motivo, é expulso da
comunidade e entregue à polícia. Perde

78
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

todos os seus bens, seu terreno, sua casa,


tudo. Cometeu um delito grave e não
merece a convivência em comunidade”,
detalha Rodolfo Machaca.
[...]
Grave erro. Sendo um sistema jurídico com
estrutura e procedimentos próprios, a
justiça originária indígena campesina não
engloba a “justiça” feita pelas próprias mãos
por uma multidão eventual. “Os
linchamentos não têm nada a ver com a
justiça dos povos originários. Essas pessoas
que usam o discurso da justiça comunitária
estão usando isso para encobrir um delito,
que é o linchamento, que é tomar a justiça
pelas próprias mãos sem um processo justo,
sem uma resolução, sem análise e sem
investigação”, explica o advogado Yamil Vera
Callisaya.
O artigo 190 da Constituição boliviana
estabelece que “a jurisdição indígena
originária campesina respeita o direito à
vida, o direito à defesa e demais direitos e
garantias estabelecidos na Constituição”. “Eu
não posso dizer que estou fazendo justiça se
estou me convertendo em um assassino”,
considera Julia Ramos. “É preciso respeitar o
direito à vida. A justiça indígena não mata e
não lincha, ela orienta”, explica a vice-
ministra, Isabel Ortega.

79
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Fato é que o sistema judicial da Bolívia, além de bastante

complexo aos olhos brasileiros, não é eletrônico nem

publicizado. Embora seja regido pelo princípio da

publicidade, não há formas de acesso ou pesquisa

disponibilizadas na internet, por exemplo.

2 MOLDURA NORMATIVA

2.1 Disciplina jurídica

O órgão judicial da Bolívia segue o que determina a

Constituição Política do Estado, de 07 de fevereiro de 2009, e

as leis feitas pela Assembleia Legislativa Plurinacional. A Lei

do órgão judicial no 25, de 2010, traz as normas de

organização e funcionamento dos órgãos componentes do

Judiciário boliviano.

80
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

3 DIMENSÃO ORGÂNICA

3.1 Composição

Os juízes são designados pelo Conselho da Magistratura

através de concurso de provas e títulos, na forma do art. 195, 8,

da Constituição Política do Estado, ou dos egressos da Escola da

Magistratura. A partir de então, os Magistrados passam a

integrar a carreira judicial.

Os juízes singulares são os responsáveis pelos julgados

públicos e, junto com três cidadãos, compõem os Tribunais de

Sentença. A justiça agroambiental é especializada e engloba os

juízes e o Tribunal específico.

Os Tribunais Departamentais são formados por vogais

eleitos pelo Tribunal Supremo de Justiça mediante indicação

feita pelo Conselho da Magistratura. Os vogais exercem

mandato de quatro anos e não precisam ser necessariamente

ser magistrados, podendo ser advogados ou professores

universitários. Aos Tribunais Departamentais compete

organizar e coordenar o funcionamento dos órgãos judiciais de

81
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

suas regiões, dirimir conflitos de competência e outros assuntos

de caráter gerencial.

O Tribunal Supremo de Justiça é a instância máxima da

justiça ordinária e é composto exclusivamente por Magistrados

com mandato de 6 anos. Os membros do Tribunal Supremo são

eleitos por sufrágio universal, garantida a igualdade de vagas

por gênero e por departamentos.

O Tribunal Constitucional Plurinacional, guardião da

Constituição, é composto por Magistrados eleitos que

representem tanto a justiça ordinária quanto a justiça

campesina. O rito de eleição e o tempo de mandato seguem os

mesmos critérios da eleição para o Tribunal Supremo. Os

candidatos podem ser indicados por organizações da

sociedade civil ou de origem indígena. As decisões do Tribunal

Constitucional são vinculantes e impassíveis de recurso.

3.2 Recrutamento/acesso

O acesso à carreira judicial na Bolívia se dá por concurso de

provas e títulos, seja diretamente ao cargo ou através de promoção

82
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

dos alunos egressos da Escola da Magistratura. Todavia, o acesso

aos Tribunais Superiores se dá por eleições. A questão das eleições,

embora pareça conferir isenção, assim como as escolhas políticas,

gera graves questionamentos. Nas palavras de RIVERA (2018,

tradução nossa)54 sobre o ato do Tribunal Constitucional que

permitiu a reeleição indefinida do Presidente durante o governo de

Evo Moralez:

Contamos com um tribunal constitucional


que é um experimento constituindo-se no
único no mundo em que os magistrados são
eleitos, isto levou a manipulações pelo órgão
supremo eleitoral, uma vez que aceitou os
resultados sendo que a cada 10 bolivianos
que votaram, 8 votaram nulo, não
alcançando a legitimidade mínima para
ocupar os cargos. Este tribunal se
desautorizou já que fez uma resolução
legitimando o direito à reeleição do
presidente ignorando a Constituição Política

54
“Texto no original: Contamos con un tribunal constitucional que es un experimento
convirtiéndose en el único del mundo que elige sus magistrados con voto, esto llevo a
una manipulación del órgano supremo electoral, aceptado los resultados ya que de
cada 10 bolivianos que sufragaron 8 votaron nulo no alcanzando la suficiente
legitimidad para ocupar sus cargos. Este tribunal se aplazó ya que sacan una resolución
legitimando el derecho a la relección del presidente pisoteando la Constitución Política
del Estado la cual deberían defender dando claras señales que son serviles al partido
de gobierno.”

83
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

do Estado que deveriam defender dando


claros sinais de que são servis ao partido do
governo.

3.3 Formação dos quadros

O acesso ao quadro de juízes é regulamentado pela Lei no 25

e exige o exercício, por no mínimo dois anos, de funções judiciais ou de

advogado ou de professor universitário, além da fluência no idioma

predominante na região a que se candidata. Os títulos valem pontos.

É preciso ressaltar que para compor o quadro de Tribunais

Superiores como o constitucional ou o Conselho da Magistratura não

é exigido que o candidato seja juiz de carreira. A eleição envolve a

análise do conhecimento do direito, mas muitas vezes abarca ex-

congressistas ou componentes do governo.

3.4 Estrutura administrativa

A própria Lei no 25 prevê a existência de quadro de apoio

aos órgãos judiciais. Além de idade mínima, o cargo secretário

exige a formação de advogado. Já para ser conciliador, auxiliar

84
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

ou oficial de justiça, não, bastando nestes dois últimos ser

estudante da área do direito.

A questão do quadro de apoio, no entanto, é

problemática quanto à quantidade proporcional ao número de

juízes e de processos, conforme a reportagem do Correo del

Sur (2018, tradução nossa)55:

No ato principal do Tribunal Supremo de


Justiça por comemoração ao jurisconsulto
Pantaleón Dalence, seu presidente, José
Antonio Revilla voltou a reclamar da
desproporção entre a quantidade de juízes
e funcionários administrativos do órgão
judicial: 1.004 juízes para 830 órgãos
julgadores, frente a 1.321 servidores.

Não há dados públicos acessíveis pela internet de forma

a demonstrar a atual situação.

“Texto no original: En el acto central del TSJ en conmemoración al jurisconsulto


55

Pantaleón Dalence, su presidente, José Antonio Revilla volvió a reclamar la


desproporción que hay en cuanto a la cantidad de jueces y funcionarios administrativos
en el Órgano Judicial: 1.004 jueces para 830 juzgados, frente a 1.321 administrativos.”

85
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

3.5 Remuneração

Existe na Bolívia a regra de que ninguém pode ganhar

mais que o Presidente do Estado. São raras as informações

sobre os salários, mas há reportagens de 2012 e 2018

apontando descontentamento e diferenças remuneratórias. Na

reportagem de 2012, La Patria (tradução nossa)56 relata o

seguinte:
A magistrada do Tribunal Supremo de
Justiça, Maritza Suntura, manifestou que foi
solicitado à Diretoria Administrativo
Financeira, um aumento entre 600 e 800
bolivianos aos secretários de juízos, oficiais
de justiça e juízes.

A justificativa para esse aumento salarial foi


que esses servidores ganham menos de
2.000 bolivianos, no caso dos oficiais de
justiça e secretários de juízos; no caso dos
juízes menos de 7.000 bolivianos, é evitar a
corrupção.

“Texto no original: La magistrada del Tribunal Supremo de Justicia, Maritza Suntura,


56

manifestó que se solicito a la Dirección Administrativo Financiero (DAF), incrementar


entre 600 a 800 bolivianos a los secretarios de juzgados, oficiales de diligencia y jueces.
La justificación para este incremento salarial fue que estos administradores de justicia
ganan por debajo de los 2.000 bolivianos, en el caso de los oficiales de diligencias y
secretarios de juzgados; en el caso de los jueces por debajo de los 7.000 bolivianos, es
evitar la corrupción en estos funcionarios.”

86
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Por sua vez, a reportagem de 2018 do Correo del Sur

(tradução nossa)57 continua a trazer informações no mesmo

sentido:

O problema dos juízes segue sendo a


remuneração desigual frente aos servidores,
a falta de amparo judicial, a perseguição
disciplinar ou penal e a falta de um apoio
administrativo adequado, assinalou ontem o
presidente do Tribunal Supremo de Justiça,
José Antonio Revilla no ato adiantado do dia
do juiz boliviano que se comemora este dia
27 de julho.

O anuário estatístico do órgão judicial de 2018,

disponibilizado pelo Consejo de la Magistratura corrobora a

informação de que a variação varia entre os juízes de acordo

com as localidades e matéria:

57
“Texto no original: El problema de los jueces sigue siendo la desigual remuneración
salarial frente a los funcionarios administrativos, la falta de cobertura judicial, la
"persecución" disciplinaria o penal y la falta de una adecuada atención administrativa,
señaló ayer el presidente del Tribunal Supremo de Justicia (TSJ), José Antonio Revilla en
el acto adelantado del Día del Juez Boliviano que se recuerda este 27 de julio.”

87
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Figura 2 – Quantidade de pessoas no órgão judicial.


DISTRIT ENTE CANTIDAD DE ITEMS POR GENERO REMUNERACIÓN/MES POR GENERO
O MUJE VARO ACEFALIA TOTAL MUJER VARON ACEFALIAS TOTAL
R N S

Tribunal 42 89 6 137 43.853 1.128.722 88.646 1.261.221

Supremo de
Justicia
DAF Enlace en 9 13 0 22 45.381 86.741 0 132.122
el TSJ
Dirección 53 57 4 114 579.398 765.508 44.821 1.389.72
General 7
NACIONAL Administrativa
Financeira
Consejo de la 56 78 0 134 473.928 917.995 917.995 2.309.91
Magistratura 8
DAF Enlace en 12 8 0 20 67.445 52.783 0 120.228
el CM
Derechos 1 5 0 6 4.624 59.500 0 64.124
Reales
Tribunal 45 40 2 87 526.792 466.978 22.532 1.016.30
Agroambiental 2
DAF Enlace en 13 8 0 21 73.612 42.744 0 116.356
el TA
SUBTOTAL 231 298 12 541 1.815.03 3.520.97 1.073.99 6.409.99
3 1 4 8
Tribunal 223 149 36 408 1.241.25 1.259.65 272.565 2.773.48
Departamenta 6 9 0
l de Justicia
Consejo de la 8 15 0 23 50.668 119.055 0 169.723
Magistratura
CHUQUISACA
Derechos 10 7 3 20 42.411 44.604 16.050 103.065
Reales
Juzgados 4 2 0 6 35.312 9.248 0 44.560
Disciplinarios
DAF Enlace 15 11 0 26 84.125 67.428 0 151.553
SUBTOTAL 260 184 39 483 1.453.77 1.499.99 288.615 3.242.38
2 4 1
Tribunal 520 436 81 1.03 3.095.96 3.278.79 606.716 6.981.47
Departamenta 7 5 7 5
l de Justicia
Consejo de la 18 15 3 36 124.572 108.387 35.807 268.766
Magistratura
LA PAZ
Derechos 42 47 7 96 207.437 212.621 41.323 461.381
Reales
Juzgados 7 2 0 9 39.132 27.708 0 66.840
Disciplinarios
DAF Enlace 29 46 0 75 166.003 241.161 0 407.164
SUBTOTAL 616 546 91 1253 3.633.10 3.868.67 683.846 8.185.62
6 4 6

FONTE: CONSEJO DE LA MAGISTRATURA, 2018.

Ao comparar as informações sobre os Departamentos

de Chuquisaca e La Paz, os dados indicam que em Chuquisaca

há 149 homens com uma remuneração média de 8.454

88
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

bolivianos no Tribunal Departamental. Já em La Paz, a

remuneração média dos homens do Tribunal é de 7.520

bolivianos.

Não foi localizada informação acerca do motivo de tal

diferenciação. Vale ressaltar que os cargos eletivos dos

Tribunais Superiores não são remunerados por previsão legal.

3.6 Regime de garantias/prerrogativas

Não há na legislação boliviana qualquer previsão de

garantias ou prerrogativas especiais aos juízes, muito embora a

Constituição determine o exercício independente da função e a

Organização dos Estados Americanos – OEA indique que a

independência judicial, incluindo as garantias de

inamovabilidade arbitrária, seja um componente chave de

qualquer democracia que respeite os direitos dos cidadãos

(HUMAN RIGHTS WATCH, 2019).

Ainda segundo a Human Rights Watch (2019), a despeito,

portanto, da recomendação da OEA, o Presidente Evo Moralez

repetidamente alega que a independência judicial é doutrina

89
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

capitalista proveniente dos Estados Unidos, rejeitando a ideia.

O Conselho da Magistratura demitiu, sem qualquer justificativa,

quase 100 juízes bolivianos de 2017 até 2019. O retrato da

questão de forma objetiva segundo a Human Rights Watch

(2019, tradução nossa)58:

Uma lei de 2010 determinou que os juízes


designados antes da Constituição de 2009
seriam retrospectivamente considerados
temporários, embora naquele momento
estivesse no exercício do mandato. Uma lei
de 2011 permitiu que o Conselho da
Magistratura designasse juízes temporários
até o estabelecimento de uma escola
apropriada para a formação de potenciais
magistrados. Numa audiência antes da
Comissão Interamericana de Direitos
Humanos em setembro de 2018,
representantes bolivianos disseram que
apenas 163 dos 1200 juízes do país – quase
13 por cento – tinham mandato ou cargo
permanente.

58
“Texto no original: A 2010 law provided that judges appointed before the 2009
Constitution would retrospectively be deemed temporary, although at the time they
were judges with tenure. A 2011 law allowed the Magistrates Council to
appoint “provisional” judges until a school to train potential judges was established. In a
hearing before the Inter-American Commission on Human Rights in September 2018,
Bolivian officials said that only 163 of the country’s 1,200 judges – roughly 13 percent –
had tenure or permanent positions.”

90
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

3.7 Deveres e responsabilidades

Na teoria, de acordo com o que rege a Constituição, os

deveres dos membros do órgão judicial são descritos nas leis e

regidos pelos princípios constitucionais, ou seja, de acordo com

o artigo 178 da Constituição (2009, tradução nossa)59:

Artigo 178. I. O poder de fazer justiça emana


do povo boliviano e se sustenta nos
princípios da independência, imparcialidade,
segurança jurídica, publicidade, probidade,
celeridade, gratuidade, pluralismo político,
interculturalidade, equidade, serviço à
sociedade, participação cidadã, harmonia
social e respeito aos direitos.

Ocorre que a questão da ausência da previsão expressa

de garantias funcionais como a estabilidade e a inamovabilidade

e a ingerência política nas eleições dos componentes dos

Tribunais Superiores e do Conselho da Magistratura acabam

59
“Texto no original: Artículo 178. I. La potestad de impartir justicia emana del pueblo
boliviano y se sustenta en los principios de independencia, imparcialidad, seguridad
jurídica, publicidad, probidad, celeridad, gratuidad, pluralismo jurídico, interculturalidad,
equidad, servicio a la sociedad, participación ciudadana, armonía social y respeto a los
derechos.”

91
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

por influenciar para que o sistema jurídico não seja plenamente

confiável quanto à sua imparcialidade nos julgamentos.

3.8 Controles

O controle da atividade judicante é feito pelo sistema de

graus de jurisdição, como no Brasil, sendo a instância máxima

da justiça ordinária o Tribunal Supremo de Justiça. Já o controle

disciplinar das atividades judiciais é feito pelo Conselho da

Magistratura, que tem o poder de demitir os juízes muitas vezes

sem sequer justificar. Em entrevista ao Human Rights Watch

(2019, tradução nossa)60 um dos demitidos em 2019 descreveu

a situação:

Um dos memorandos de demissão que foi


analisado pelo Human Rights Watch foi
enviado a um juiz em fevereiro de 2019. O
juiz contou ao Human Rights Watch que ele

60
“Texto no original: One of the dismissal memorandums Human Rights Watch reviewed
was sent to a judge in February 2019. The judge told Human Rights Watch that he was
appointed in 2003 – first as a family law judge and later as a civil law judge – and that
when he was appointed it was a permanent position. But then authorities “came up with
the idea that all the positions were transitory,” he said. “Having a transitory position is a
way of extortion; if you don’t behave properly, you can receive a dismissal letter
tomorrow, since you are just transitory. Every time you rule on a case, you need to think
about who will be affected.”

92
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

ingressou na carreira em 2003 – primeiro


como juiz de família e depois como juiz cível
– e que, quando ele ingressou na carreira, o
cargo era permanente. Mas então as
autoridades “chegaram à conclusão de que
todos os cargos eram transitórios”, ele disse.
“Ter um cargo transitório é uma forma de
extorsão, se você não se comporta de
acordo, você pode receber uma carta de
demissão amanhã, já que você é apenas
temporário. Toda vez que você julga um
caso, você precisa pensar sobre quem será
afetado”.

3.9 Temporalidade (tempo de exercício, aposentadoria e

afastamentos)

Não há previsão expressa na Constituição ou na lei do

órgão judicial acerca da transitoriedade ou vitaliciedade do

cargo judicial. Ao que consta no texto da Human Rights Watch

(2019), o governo de Evo Morales, de 2006 a 2019,

desestabilizou bastante a questão no país. Cargos até então

permanentes foram interpretados como transitórios e juízes

foram demitidos por contrariar interesses políticos.

93
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Não há como relatar a situação atualmente de forma

precisa, pois trata-se de um país em séria transição política e

social.

Não foram encontradas informações sobre

aposentadoria ou afastamentos temporários de juízes, o que

indica que o tratamento é similar a qualquer outro trabalhador

do país.

4 DIMENSÃO PROCEDIMENTAL

4.1 Formas de acesso à justiça

O contexto boliviano apresenta uma pluralidade de

fatores e múltiplas especificidades sociais e culturais, mas que

contempla a falta de acesso à justiça, sempre buscando evitar

minimizar a importância histórica de trabalho e do empenho

indígena frente às conquistas desde o período colonial. Tal

previsão do direito do acesso à Justiça na Bolívia está inserido

no texto constitucional, o que vincula a importância da evolução

histórica. É necessário um fortalecimento de mecanismos de

94
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

coordenação e cooperação entre as jurisdições na Bolívia,

visando resguardar os interesses da população necessitada

(KENNEMORE et AL, 2017).

Desde 2006, houve três momentos chaves para o Estado

que buscou ampliar o acesso à justiça, pois reconhece um

sistema colonial e de grandes dificuldades de acesso a

população (MIRANDA; FRAGA, 2020):

O Plano nacional de Direitos humanos –


2009-2013, buscou construir uma justiça
plural, integral e descolonizada, mediante
exercício de direitos fundamentais. Assim, o
Ministério da Justiça criou as Casas de Justiça
como sendo uma extensão do ministério,
propiciando contato direto com a
população, sendo construído em diversos
locais na Bolívia, porém, este sistema não
fomenta diretamente a Justiça Indígena, eis
que estão ligados à jurisdição ordinária a
qual está vinculada através de juízes estatais.
A Política Plurinacional de Direitos Humanos
– PPDH – foi criada em seguida para ser um
instrumento de coordenação com a
sociedade civil, buscando ter contato direito
de ação, ditando como bandeira os direitos
fundamentais, civis, políticos, dos povos e
nação indígena, das mulheres, dos direitos

95
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

humanos e das forças armadas. E por último


o Plano Setorial de Justiça Plural – 2013-
2025, construído em 2013 com o objetivo de
moldar uma justiça plural, objetivando
harmonia entre os povos. Este plano buscou
conhecer as práticas de justiça indígena
originária campesina, bem como capacitar
os operadores judiciais referente à
pluralidade que compõe um novo órgão
judicial, sendo mais um elo das jurisdições
bolivianas, formando um novo contexto.

Em março de 2016, o Governo disse que a justiça na

Bolívia se encontrava em um “estado de crise”, anunciando

medidas para resolver os problemas da administração,

priorizando o acesso à justiça, à corrupção, à morosidade da

justiça, à política criminal, à formação dos Advogados e às

eleições de autoridades do órgão judicial. Não obstante, a Corte

Internacional de Direitos Humanos definiu em 2009 as

seguintes dificuldades de acesso à justiça, observada duas

perspectivas: acesso dos povos indígena originário campesino

ao sistema ordinário de justiça e o reconhecimento de seus

direitos coletivos e a JIOC, propondo que deve haver esforços

significativos para sobrepor tais dificuldades, mediante

96
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

instrumentos legais de políticas públicas. Importante a definição

hierárquica das quatro jurisdições na Bolívia, pois ampliam de

forma significativa o acesso à justiça no âmbito normativo,

porém, considera-se que as políticas propostas não impactaram

de forma positiva no acesso à justiça a população.

Haveria ainda muito espaço para proposição de

melhorias no acesso à Justiça, pois mesmo com a

implementação de uma Constituição Plurinacional existem

dificuldades de acesso a população à justiça. A Constituição

Política do Estado, apesar das críticas sofridas desde a sua

efetivação, no ano de 2009, propõe um acesso importante ao

cidadão boliviano, através da Defensoria do Povo. Conforme se

pode descrever, a presente Constituição regulou a grande

necessidade da Defensoria do Povo, entabulado nos Artigos

218, 219, 220, 221, 222, 223, 224, regulamentados pela Lei

1818, de 22 de dezembro de 1997.

Não obstante ao acesso plural, também houve um

grande volume de acesso da população boliviana no ano de

2015, integrado pela situação social da população, dividida em

dezenas de escritórios pelo País. Neste ano de 2015 houve

97
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

19.097 atendimentos jurídicos a nível nacional, sendo que 7.408

(38,79%) foram admitidos, sendo 8.422 casos (44,1%) foram

encaminhados, 3.242 (16,97%) receberam orientação e 25

casos (0,13%) foram rejeitados. Isso demonstra um grande

trabalho realizado pela Defensoria, buscando atender a

constituição Plurinacional que propõe a acessibilidade jurídica

de quem lhes procura.

Figura 3 - Atendimentos realizados em 2015 pela Defensoria na Bolívia.

FONTE: MIRANDA; FRAGA, 2020.

98
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Assim, necessário apontar um quadro de acesso e de

atendimento da população por região, demonstrando também

que o atendimento não é realizado somente em um local, mas

sim busca atender inúmeras regiões do País.

Diante do quadro acima, verifica-se que mesmo com a

necessidade da implementação de políticas públicas de

acessibilidade jurídica ao cidadão, o atendimento qualificado está

sendo realizado e as demandas judiciais estão sendo

encaminhadas, oportunizadas pelo Estado Plurinacional, propondo

uma efetivação da Constituição Boliviana Plurinacional para com o

cidadão. Neste contexto, verifica-se que o atendimento a população

é realizado e com um grande volume de atendimentos, bem como

os indicadores demonstram que a sociedade procura um

atendimento importante e de grande relevância social. Porém, já

analisando uma posição da população sobre o trabalho do Poder

Judiciário, necessário destacar uma avalição descrita no

Latinobarômetro em 2015, conforme figuras 4 e 5 abaixo

(MIRANDA; FRAGA, 2020):

99
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Figura 4 - Avaliação da população do trabalho do Poder Judiciário (2015).

FONTE: MIRANDA; FRAGA, 2020.

Figura 5 - Confiança da população boliviana com o Poder Judiciário (2015).

FONTE: MIRANDA; FRAGA, 2020.

Pode-se concluir que não há uma visão positiva da

população quanto ao trabalho desempenhado pelo Judiciário,

muito embora seja disponibilizado condições de acesso a

população, através da Defensoría del Pueblo. De igual sorte, a

100
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

confiança da população está abalada com o Poder Judiciário,

conforme se pôde destacar. Verifica-se que a confiança no

Governo Morales influenciou tal descrença, mas que, mesmo

com a nova Constituição Plurinacional, tal confiança vem caindo,

motivada por um descrédito com a situação política, muito

embora sua economia esteja bem estruturada, conforme dados

do Banco Mundial, relatados por Miranda e Fraga (2020). Essa

avaliação pode também ser confirmada ou comparada com a

transparência do Estado exposta na figura 6:

Figura 6 - Transparência do Estado (2015).

FONTE: MIRANDA, FRAGA, 2020.

Vale a pena considerar a forma em que os problemas

relacionados com a dificuldade de acesso e com o

101
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

congestionamento judicial estão afetando o acesso a serviços

de justiça e a equidade de suas resoluções. As populações mais

fracas enfrentam importantes e variados obstáculos que afetam

o seu pleno acesso aos sistemas judiciais. A resolução de suas

demandas é sempre dificultada ou morosa. Se o povo

considerar que suas causas demorarão, os incentivos para usar

o sistema como mecanismo para dirimir conflitos diminuem e

os autores desacreditam ainda mais no direito. Isso só aumenta

as dificuldades de acesso sino que também afetam a equidade

social dos resultados. A mora aumenta os obstáculos ao acesso,

enquanto desencoraja o uso dos serviços de justiça por parte

daqueles que não estão em condições de esperar muito tempo

por seus resultados. Por outro lado, o atraso exacerba a

desigualdade social, forçando aqueles que não podem esperar

pelos resultados do processo judicial a resolver seus conflitos

no contexto de relações binárias, extrajudicialmente, onde as

diferenças de poder entre as partes decidem o conflito. Além do

padrão e do congestionamento, há outro fenômeno que deve

ser considerado na avaliação da relação entre eficiência e

acesso: a taxa de execução das sentenças. Como o que

102
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

acontece com o atraso nas decisões, a taxa de execução das

sentenças não é apenas um indicador da eficiência do

desempenho. A taxa de execução também permite observar a

acessibilidade aos serviços de justiça e a equidade dos

resultados produzidos pelo sistema. Normalmente, as

avaliações de eficiência se concentram na análise da taxa de

resolução de casos em tempo hábil e assumem que a ação legal

termina quando os juízes decidem sobre os casos que lhes são

apresentados. Embora esses dados sejam relevantes, não

informa se as decisões dos tribunais são efetivamente

executadas. Assim, pode acontecer que um tribunal falhe no

tempo e na forma, mas que suas decisões não sejam

executadas. Se for esse o caso, esses tribunais serão

classificados como eficientes por terem produzido resoluções

nos momentos apropriados, mas para os queixosos da justiça

serão irrelevantes, os únicos dados disponíveis para a Bolívia

indicam que mais de três quartos da população carcerária é

sem uma condenação firme (SMULOVITZ E URRIBARRI, 2008,

tradução nossa).

103
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

4.2 Disciplina processual

A Bolívia tem como seu norte processual, formal e

material, a Constituição Política de 2009. Além dela, a disciplina

que regula o país tem base nas Leis 027, 254 e 257, conforme

detalhamento a seguir (TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

PLURINACIONAL DE BOLÍVIA):

Lei nº 027/2010

A Lei nº 027 do Tribunal Constitucional


Plurinacional é uma regra de
desenvolvimento constitucional, apoiada
nos arts. 196-204, especificamente nos arts.
197. I e II e 204 da Constituição Política do
Estado, sendo considerada uma lei de
natureza substantiva, por estabelecer os
princípios e bases normativas que regulam a
organização e a estrutura do Tribunal
Constitucional Plurinacional. Esta regra foi
revogada em sua Segunda Parte em relação
aos Procedimentos Constitucionais, em
virtude da promulgação do Código
Processual Constitucional, especializado em
questões processuais.

104
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Lei nº 254/2012

O Código de Processo Constitucional,


promulgado pela primeira vez na Bolívia em
5 de julho de 2012, é a representação da lei
processual boliviana, em essência a lei
adjetiva constitucional, pela qual ajudará de
certa forma no exercício do controle
constitucional a favor alcançar a Justiça
Constitucional, tão almejada pelo povo
boliviano. Esta norma constitui um guia
processual para regular os processos
constitucionais submetidos ao Tribunal
Constitucional Plurinacional.

Lei nº 212/2011

Esta lei regula a transição, transferência,


transferência e operação ordenada e
transparente da administração financeira,
ativos, passivos e outros do Judiciário para o
Poder Judiciário e o Tribunal Constitucional
Plurinacional.

Também regula a transição e transferência ordenada e

transparente de casos do Supremo Tribunal de Justiça para o

Supremo Tribunal de Justiça, do Tribunal Agrário Nacional para

o Tribunal Agroambiental, do Conselho do Judiciário para o

105
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Conselho da Magistratura e do Tribunal Constitucional para o

Tribunal Constitucional Plurinacional.

No tocante a dimensão processual propriamente dita,

está em vigor o Código de Processo Civil Boliviano, Lei 439 de

19 de novembro de 2013 e o Código de Processo Penal

Boliviano, Lei 1970 de 25 de março de 1999, bem como demais

legislações especiais esparsas.

Em suma, a disciplina processual da Bolívia é bem similar

à brasileira, tendo umas codificações específicas para tratar do

processo civil e penal, trazendo princípios gerais, competências,

regime de comunicação processual, litispendência,

procedimentos de citação, de atos processuais, provas, prazos

e recursos, organização das instâncias, penas, requisitos para

propositura das ações e seus desdobramentos internos, enfim,

todos os mecanismos genéricos inerentes ao processo civil e

criminal, excetuando-se as disposições especiais de cada

matéria.

A Bolívia adota o Civil Law, tal como o Brasil, encontrando

as disposições legais na legislação nacional. A Bolívia é signatária

de vários acordos internacionais de cooperação penal, a saber:

106
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Convenção Interamericana Sobre Assistência Mútua em Matéria

Penal (Convenção de Nassau, OEA); Acordo sobre Assistência

Jurídica Mútua em Assuntos Penais entre os Estados-Partes do

Mercosul, a República da Bolívia e a República do Chile;

Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado

Transnacional (Convenção de Palermo); Convenção das Nações

Unidas Contra a Corrupção (Convenção de Mérida); Convenção

contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias

Psicotrópicas (Convenção de Viena).

Neste diapasão, cita-se a Legislação sobre Cooperação

Jurídica Internacional Título VI – Cooperación Judicial e

Administrativa Internacional do Código de Processo Penal

Boliviano - Lei n°. 1.970, de 25 de março de 1999 (Disponível

em: <http://scm.oas.org/ pdfs/2010/ CIM02724T-G.pdf>.

Fato curioso é que a assinatura eletrônica/digital não é

legalmente aceita na Bolívia, tampouco cópia/digitalização de

documentos, havendo a necessidade de envio da

documentação física do pedido de cooperação jurídica original

e pessoalmente assinado. O Código de Procedimento Civil

boliviano determina que os documentos devem ser assinados

107
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

em manuscrito pela parte requerente, excluindo a possibilidade

de aceitação de assinaturas efetuadas de maneira eletrônica ou

digital.

A Bolívia adota uma política de retenção de dados

bancários pelo período de dez anos, a contar da última

operação bancária ou do encerramento da conta.

As autoridades competentes bolivianas afirmam que

não é possível a solicitação de assistência jurídica gratuita em

matéria penal por meio de cooperação jurídica internacional e

que, para a obtenção do referido benefício, é necessário que

seja provocado diretamente o Servicio Nacional de Defensa

Pública del Estado Plurinacional de Bolivia - SENADEP.

4.3 Funcionamento da corte

A Lei no 025 tem por objeto regular a estrutura,

organização e funcionamento do Ordenamento Jurídico

Nacional. E em seu artigo 5º determina que lei especial regulará

o funcionamento coordenado das jurisdições ordinária,

108
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

agroambiental e demais, inclusive a indígena que tem igual

hierarquia:

Artículo 5. (DESLINDE JURISDICCIONAL). La


Ley de Deslinde Jurisdiccional determinará
los mecanismos de coordinación,
cooperación y complementariedad entre la
jurisdicción indígena originaria campesina
con la jurisdicción ordinaria y la jurisdicción
agroambiental y todas las jurisdicciones
constitucionalmente reconocidas.

A referida lei foi sancionada sob o nº 073, por Evo

Morales e traz as disposições gerais, o marco constitucional, a

igualdade hierárquica, os princípios, os direitos e garantias

constitucionais, o âmbito de vigência material, territorial, os

acordos de cooperação e as obrigações do Estado.

Conforme preâmbulo da lei, seu objetivo é regular as

áreas de validade, previstas na Constituição Política do Estado,

entre a jurisdição camponesa nativa e as outras jurisdições

reconhecidas constitucionalmente e determinar os

mecanismos de coordenação e cooperação entre essas

jurisdições, no âmbito do pluralismo jurídico.

109
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

5 DIMENSÃO DECISÓRIA

A busca jurisprudencial no Tribunal Constitucional

Plurinacional da Bolívia é um pouco complexa quando

comparada a brasileira pela questão da linguagem, pelo tipo de

ementa e pela exibição do conteúdo ser distinta do Brasil.

Contudo, seguem três decisões distintas selecionadas a título

de exemplificação de como entende o tribunal em

determinados assuntos.

A primeira, de caráter modulador, trata de Direito de

Família e, analogamente à união estável, notoriamente

reconhecida pelo Brasil, consagra o entendimento de que o

matrimônio não é a única forma de concepção do núcleo

familiar bem como desconstrói a figura necessária do homem e

da mulher como forma tradicional de família, abrindo

precedente para o reconhecimento dos novos modelos de

famílias contemporâneos.

A resolução 1744/2013 traz uma importante decisão

jurisprudencial nesse sentido, que diz que o matrimônio não é

a única forma de conceber o núcleo familiar e que deve-se

110
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

reconhecer as diferentes formas de família contemporâneas,

haja vista estarem de encontro com o ordenamento vigente.

O caso foi que o réu, em ação de liberdade, denunciou a

violação de seu direito à liberdade, à presunção de inocência e

ao devido processo legal pois mesmo tendo apresentado a

documentação pertinente para demonstrar vínculos familiares

e estabilidade de lar, estes não foram observados e por isso,

considerou-se um risco de fuga do acusado (pelo estado civil e

situação familiar).

Houve uma avaliação irracional das evidências e julgou-

se o réu tendo em conta que pelo fato de ter duas filhas de

casamentos distintos, não tinha estabilidade e "raízes naturais”

capazes de configurar um núcleo familiar consolidado,

especialmente, através de laços afetivos.

No entanto, a decisão moduladora reformou tal

entendimento e firmou tese de que todos os modelos familiares

devem ser reconhecidos sob pena de uma discriminação

negativa odiosa, que afetaria a prole e toda a sociedade,

rompendo, assim, com a forma tradicional de se estabelecer

uma família.

111
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Resolução 1744/2013 – Decisão


jurisprudencial moduladora
É contrário aos critérios de razoabilidade e
justiça estabelecer o risco processual do
perigo de fuga baseado em prejuízos em
razão do estado civil ou de condições extra
matrimoniais de procriação dos filhos, por
ser discriminatório e contrário às formas de
famílias consagradas no modelo
constitucional vigente, no qual, o matrimônio
não é a única forma de conceber o núcleo
familiar.

Resumo do caso:
Nesta ação de liberdade, o autor denunciou
a violação de seus direitos à liberdade, a
presunção de inocência e ao devido
processo; pelas seguintes razões: 1) Porque
o juiz réu ordenou sua detenção preventiva
sem ter avaliado adequadamente a
documentação apresentada para
demonstrar que ele tem uma família e
trabalho estabelecidos no país, nem as
disposições dos arts. 221 e 222 do CPP; e 2)
porque as vogais demandadas, em apelação,
mantiveram a decisão do juiz que ele
ordenou sua prisão preventiva, revertendo
apenas parcialmente a decisão recorrida,
omitindo a avaliação do decreto de divórcio
em anexo como prova, o que determinou a
falta de credenciamento da família
constituída. Com base nesses fatos, é

112
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

solicitada a origem da tutela e a revogação


das resoluções jurisdicionais contestadas. O
Tribunal Constitucional Plurinacional
revogou a decisão do Juiz de Garantias e
concedeu a tutela porque, ao estabelecer a
autoridade jurisdicional, as filhas do autor
seriam de casais diferentes e consideram
que esse aspecto implicaria a ausência de
“raízes naturais” ou núcleo familiar estável e
dependência vinculada por laços afetivos e
assistência abrangente, raciocínio validado
em apelação pelos membros acusados, os
direitos das famílias são desconhecidos, pois
embora o casamento seja a maneira mais
comum de constituir família, mas não a
única, motivo pelo qual, não é razoável
sustentar que as filhas da queixosa,
provenientes de mães diferentes e não de
um casamento, não geram um vínculo
familiar com o pai, pois esse raciocínio
implicaria uma discriminação negativa
odiosa que marcaria seus filhos por toda a
vida, que desfrutam da mesmos direitos em
relação à sociedade.

Fundamentação da decisão:
Na problemática do presente caso, a Câmara
do Tribunal Constitucional Plurinacional
considera que o juiz e os membros da
instância, agora réus, sofreram uma
avaliação irracional das evidências, em
relação à determinação de se o acusado,

113
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

agora agindo, tem ou não constituiu família,


uma vez que, com base nas evidências
fornecidas para esse fim pelos indicados,
concluíram que ele não tinha uma família,
pois, embora apresentasse certidão de
nascimento de suas filhas, seriam de
diferentes casais, portanto, na opinião dele.
das autoridades co-réus, não haveria “raízes
naturais” ou núcleo familiar estável e
dependente, vinculado por laços afetivos e
assistência abrangente, etc; valorização que
não está em harmonia com o
reconhecimento dos direitos das famílias
consagrados nas artes. 62 e segs do CPE e
as normas do bloco constitucional,
considerando que, de acordo com esses
preceitos, todos os membros de uma família
têm iguais direitos, obrigações e
oportunidades; esse casamento, embora
seja o mais usual, mas não é a única maneira
de estabelecer uma família; que pai e mãe,
cônjuges, coabitados ou não, têm o mesmo
dever e, por esforço comum, o dever de
ajudar, alimentar, educar e treinar
plenamente suas filhas e filhos; Com base
em tudo isso, não se pode afirmar que, no
problema em análise, as filhas do autor, por
serem de mães diferentes, não fazem parte
ou não constituem uma família e que, em
última instância, a pessoa indicada não
possui; Pensar de outra maneira implicaria
perse, uma discriminação negativa odiosa

114
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

que marcaria as crianças para toda a vida,


que gozam dos mesmos direitos em relação
à sociedade. Nesse sentido, família não
significa necessariamente o molde
tradicional de esposa, marido, filhos
nascidos em casamento, com características
de "estabilidade" e "dependência", mas, pelo
contrário, existem diferentes maneiras não
convencionais de estabelecer ou formar
uma família, sem essa razão, os traços de
interdependência, "raízes naturais" e até
afetividade podem ser diminuídos; assim,
para os fins do art. 234.1 do CPP, não é
essencial demonstrar “família estável”; então
o que seria daqueles que são separados,
divorciados, em união conjugal livre, mães
solteiras e / ou pais solteiros, incluindo
aqueles casais formados por pessoas com
preferências diferentes; assim, no presente
caso, as filhas do autor, mesmo que cada
uma delas tenha mães diferentes, fazem
parte indiscutível da família do acusado e,
portanto, ele "estabeleceu a família";
Consequentemente, o juiz e o tribunal de
instância, tendo fundamentado a esse
respeito, da maneira como fizeram em suas
resoluções impugnadas, incorreram em uma
avaliação irracional das provas, motivo pelo
qual é apropriado garantir a proteção da
ação pela liberdade, uma vez que em virtude
dessa avaliação, foi determinado que o
demandante não credencia uma família e,

115
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

portanto, não pode distorcer um dos


elementos que compõem o risco de fuga,
uma circunstância que determinou sua
detenção preventiva.

Contextualização da linha jurisprudencial:


A questão do controle tutelar da
constitucionalidade em relação à avaliação
probatória, tem um primeiro marco
jurisprudencial na Resolução 0873/2004-R,
que, em habeas corpus, apela e no contexto
de medidas cautelares, estabeleceu que a
consideração da evidência fornecida para
obter a cessação da prisão preventiva é de
competência exclusiva do Juiz de Precaução
e de que o controle tutelar da
constitucionalidade, na proteção de uma
possível avaliação dupla da evidência, só
pode intervir quando o juiz se retirar das
disposições legais que regem o ato
processual, bem como as estruturas
previsíveis de razoabilidade e justiça, esse
entendimento, entre outros, foi assumido
pela Resolução 0106/2005-R. Em seguida, a
Resolução 0965/2006-R sistematizou as
premissas nas quais a justiça constitucional
pode revisar a avaliação das evidências,
estabelecendo o seguinte: A autoridade
jurisdicional ou administrativa tem o papel
exclusivo de avaliação probatória e somente
o controle supervisório pode ser exercido
Em relação à avaliação das evidências nos

116
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

seguintes casos: 1) Quando houver um


afastamento dos marcos legais previsíveis
de razoabilidade e justiça para decidir; 2)
Quando uma omissão é adotada, expressa,
entre outras coisas, por não receber,
produzir ou cumprir certas evidências
inerentes ao caso e, sua consequência lógica
é a lesão de direitos fundamentais e
garantias constitucionais, em ambos os
casos, a sentença sistematizante agora
analisado, ele especificou que os papéis
adequados das autoridades jurisdicionais ou
administrativas não podem ser usurpados.
Além disso, esse julgamento sistematizador
gerou um ônus argumentativo para a parte
naquele momento recorrente - agora
atuando -, indicando que, nos casos de
tutela referente à avaliação probatória, deve:
a) identificar as evidências que foram
omitidas ou que se desviam dos honorários
de razoabilidade ou justiça; b) indicar a
incidência de omissão ou afastamento dos
cânones da razoabilidade e justiça na
decisão final. Da mesma forma, em relação
às evidências não valorizadas, o Tribunal
Constitucional indicou que, para entrar na
análise do problema, ele deve ser solicitado
na maneira e no tempo legalmente
estabelecidos e também exigiu o ônus
argumentativo para o autor, que deve
especificar claramente as razões pelas quais
a avaliação das evidências afetou os

117
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

princípios da razoabilidade ou justiça. No


âmbito da Resolução 39/2012 anotado, é a
primeira frase de confirmação que assume o
entendimento observado anteriormente; No
entanto, posteriormente, a Resolução
0410/2012, modulou a linha jurisprudencial
em relação à avaliação probatória e eliminou
a exigência do ônus argumentativo exigido
pela jurisprudência para a análise do
problema nessa área, expressando assim
essa sentença. o padrão mais alto por ser
um entendimento mais favorável ao acesso
à justiça constitucional. Na estrutura acima
mencionada, Resolução 1743/2013 é uma
sentença moduladora, pois assume uma das
sub-regras da avaliação probatória referente
ao princípio da razoabilidade e sem a
exigência do ônus argumentativo entrar na
análise subjacente do problema,
desenvolvendo um entendimento
complementar à avaliação irracional dos
riscos de fuga com base em preconceitos
emergentes do estado civil ou na procriação
extraconjugal de filhas ou filhos de pessoas
em relação às quais é discutida a aplicação
de uma medida preventiva de caráter
pessoal.

Precedente Constitucional:
PRECEDENTE IMPLÍCITA Esta sentença
prevê: "Na questão do presente caso, esta
Câmara do Tribunal Constitucional

118
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Plurinacional considera que o juiz e os


membros da corte, agora réus, incorreram
em uma avaliação irracional da evidência, em
relação à determinação de se a O réu, agora
demandante, possui ou não uma família,
uma vez que, com base nas evidências
fornecidas para esse fim pelos indicados,
concluíram que ele não provou ter uma
família, pois, embora apresentasse certidões
de nascimento de suas filhas, elas teriam
casais diferentes; portanto, na opinião das
autoridades co-acusadas, não haveria
“raízes naturais” ou núcleo familiar estável e
dependente, vinculado por laços emocionais
e cuidados abrangentes, etc., uma avaliação
que não está em harmonia com o
reconhecimento dos direitos dos as famílias
que consagram os artigos 62 e ss do CPE e
as normas do bloco constitucional,
considerando que, de acordo com o referido
preceitos, todos os membros da família têm
iguais direitos, obrigações e oportunidades;
esse casamento, embora seja o mais usual,
mas não é a única maneira de estabelecer
uma família; que pai e mãe, cônjuges,
coabitados ou não, têm o mesmo dever e,
por esforço comum, o dever de ajudar,
alimentar, educar e treinar plenamente suas
filhas e filhos; Com base em tudo isso, não se
pode afirmar que, no problema em análise,
as filhas do autor, por serem de mães
diferentes, não fazem parte ou não

119
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

constituem uma família e que, em última


instância, a pessoa indicada não possui;
Pensar de outra maneira implicaria perse,
uma discriminação negativa odiosa que
marcaria as crianças para toda a vida, que
gozam dos mesmos direitos em relação à
sociedade. Nesse sentido, família não
significa necessariamente o molde
tradicional de esposa, marido, filhos
nascidos em casamento, com características
de "estabilidade" e "dependência", mas, pelo
contrário, existem diferentes maneiras não
convencionais de estabelecer ou formar
uma família, sem essa razão, os traços de
interdependência, "raízes naturais" e até
afetividade podem ser diminuídos; assim,
para os fins do art. 234.1 do CPP, não é
essencial demonstrar “família estável”; então
o que seria daqueles que são separados,
divorciados, em união conjugal livre, mães
solteiras e / ou pais solteiros, incluindo
aqueles casais formados por pessoas com
preferências diferentes; assim, no presente
caso, as filhas do autor, mesmo que cada
uma delas tenha mães diferentes, fazem
parte indiscutível da família do acusado e,
portanto, ele "estabeleceu a família";
Consequentemente, o juiz e o tribunal de
instância, tendo fundamentado a esse
respeito, da maneira como fizeram em suas
resoluções impugnadas, incorreram em uma
avaliação irracional das provas, motivo pelo

120
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

qual é apropriado garantir a proteção da


ação pela liberdade, uma vez que Em virtude
dessa avaliação, foi determinado que o
demandante não credencia uma família e,
portanto, não pode distorcer um dos
elementos que compõem o risco de fuga,
uma circunstância que determinou sua
detenção preventiva

Precedente constitucional:
O julgamento precedente de mesma
matéria é a Resolução 1743/2013, porque,
sem a exigência do ônus argumentativo,
entra na análise do problema,
desenvolvendo um entendimento
complementar para a avaliação irracional
dos riscos de fuga com base em
preconceitos emergentes do Estado ou
procriação civil ou extraconjugal de filhas ou
filhos de pessoas em relação às quais é
discutida a aplicação de uma medida
preventiva de natureza pessoal.

Observações do revisor:
A ação da liberdade é concedida porque, ao
estabelecer a autoridade jurisdicional de
que as filhas do demandante seriam de
diferentes casais e consideram que esse
aspecto implicaria a ausência de “raízes
naturais” ou núcleo familiar estável e
dependência ligada por laços afetivos e
assistência abrangente, raciocínio validado

121
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

em recurso dos réus, os direitos das famílias


são desconhecidos, pois, embora o
casamento seja a maneira mais comum de
estabelecer uma família, no entanto, não é o
único, portanto, não é razoável sustentar
que as filhas do autor, quando vêm de mães
diferentes e não de um casamento, não
geram um vínculo familiar com o pai, pois
esse raciocínio implicaria uma discriminação
negativa odiosa que marcaria os filhos por
toda a vida, que gozam dos mesmos direitos
em relação à sociedade.

Uma segunda decisão, do âmbito Constitucional,

bastante interessante e curiosa, corroborando com o

reconhecimento pela ONU, em 2010, o direito a água é matéria

de tutela jurisdicional na Bolívia, por ser tratada como um direito

humano indissociável à vida, a saúde e a alimentação do

cidadão e o Estado tem o dever de provê-la, garantindo o

abastecimento adequado e a sua manutenção.

No Brasil, apesar de se saber da importância da água e

do reconhecimento da ONU, não há disposição expressa

vinculativa ressaltando esse direito que, por sua vez, pode

justificar a ausência de saneamento básico em grande parte do

122
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

país e as condições precárias de vida das populações mais

pobres, que, em última análise, se trata de uma questão de

saúde pública.

A Resolução 0035/2014 consolidou a importância

desse direito à água e o considerou fundamentalmente

relacionado à vida, no sentido amplo, à alimentação e a saúde,

atribuindo ao Estado a obrigação de garantia desse suprimento

fundamental, de modo permanente, as pessoas sob pena de

ameaça à vida plena.

A decisão supracitada foi proferida após demanda

constitucional em que se alegou que as autoridades violaram os

direitos à água potável, à vida, à alimentação, à saúde e ao

esgoto através do corte do abastecimento, o que seria um ato

arbitrário e ilegal, justificando-se de um suposto

inadimplemento dos usuários - que consignaram estarem em

dia com os pagamentos.

Reconheceu-se que os compromissos estavam sendo

honrados e que a supressão foi arbitrária, violando direitos

fundamentais, constitucionalmente garantidos. Firmou-se,

deste modo, o precedente de que a água é um direito humano

123
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

vital, sendo seu uso prioridade da experiência humana pois

"sem água, a vida não flui" (yaku kaitin kaylay tivan).


Resolução 0035/2014 – Decisão
jurisprudencial moduladora

O direito à água é um direito fundamental


diretamente relacionado à vida, alimentação
e saúde, para o qual o Estado tem a
obrigação de garantir suprimento
permanente por meio de suas respectivas
instâncias, portanto de forma alguma e sob
nenhuma hipótese legal poderia ser
interrompido por medidas de fato, pois
ameaçaria a própria vida do ser humano,
que desde a concepção do povo quíchua:
"yaku kajtin kausay tiyan", significa que, se
houver água, a vida flui.

Resumo do caso:
Nesta ação constitucional, os demandantes
denunciam que as autoridades demandadas
violaram seus direitos à água potável, vida,
alimentação, saúde e esgoto, sofrendo um
corte no suprimento de água potável,
através de medidas de fato, que constitui um
ato arbitrário e ilegal da empresa ELAPAS,
argumentando a existência de um
macrômetro no condomínio Los Tarcos e
que estaria inadimplente devido à falta de
pagamento Bs. 43 045,40. que possuem
medidores individuais e as respectivas

124
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

faturas mensais estão atualizadas com o


respectivo pagamento; portanto, solicitaram
a concessão de tutela, prevendo a
restituição imediata do suprimento de água
potável para suas respectivas casas. O
Tribunal Constitucional Plurinacional
confirmou a resolução revisada e concedeu
a proteção solicitada pelo tribunal de
serviços de água potável às residências em
um condomínio da Empresa Local de Água
Potável e Esgoto de Sucre (ELAPAS), através
de meios ou medidas de fato, reivindicar o
compromisso de quebra de pagamento do
proprietário do condomínio.)

Fundamentação da decisão:
"(...) até a data em que o serviço de água
potável foi cortado, devido a um suposto
atraso no pagamento, os demandantes
estavam em dia com o pagamento pelo
consumo de beber água de seus medidores
individuais em suas casas; apesar disso, a
ELAPAS começou a cortar diretamente o
suprimento de água potável, sem considerar
que, com essa determinação arbitrária, eles
afetavam os direitos constitucionalmente
garantidos, ainda mais de acordo com o
contexto. reconhecimento voluntário da
dívida por terceiros, de modo que, se a
Companhia acima mencionada se
considerasse afetada pelo não
cancelamento do consumo desse serviço,

125
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

decorrente da quebra do referido


compromisso de pagamento por terceiros,
abrisse os canais legais correspondentes a
fim de cobrar o que era devido, os réus
sofreram medidas de fato, tentando aplicar
pressão com o corte da água, sem medir as
consequências de suas ações ou que, em
um Estado de Direito Constitucional, não
possa ser deixado à vontade de indivíduos
ou empresas, transformando o
comportamento observado pelos acusados
em flagrante abuso, contrariando a ordem
constitucional que violou o direito
fundamental à água potável, afetando assim
a vida de famílias inteiras que vivem no
condomínio Los Tarcos, um serviço
elementar do qual foram privados desde o
momento em que sofreram o referido corte;
influenciando também outros direitos, como
alimentação e saúde, uma vez que,
conforme foi dito, a dívida deveria ter sido
cobrada pelas instâncias correspondentes, o
que não ocorreu no presente caso, motivo
pelo qual é necessário reverter essa
determinação arbitrária, que viole o direito
que, nos termos do art. 373.I do CPE, é
considerado extremamente fundamental,
garantindo plenamente o direito à água
potável dos autores, abrindo assim a
proteção imediata proporcionada pela ação
constitucional do amparo,
independentemente do princípio da

126
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

subsidiariedade, uma vez que são medidas


de fato que violam o núcleo essencial desse
direito e, portanto, a vida digna dos autores
e suas famílias, correspondendo, portanto, à
tutela solicitada ".

Precedente constitucional:
"A água é um direito humano vital, devido à
sua importância para a pessoa, as famílias e
a comunidade, sendo seu uso uma
prioridade na experiência dos seres
humanos; nesse entendimento, desde a
concepção do povo quíchua. : "Yaku kajtin
kausay tiyan", traduzido para castelhano
sério, se houver água, a vida flui. da
pachamama e, por outro, fonte de vida ". (...)
"(...) entende-se que é um direito
fundamental que está diretamente
relacionado à vida, alimentação e saúde,
para o qual o Estado tem a obrigação de
garantir suprimento permanente por meio
de sua instâncias respectivas, portanto, de
maneira alguma e sem orçamento legal,
poderiam ser interrompidas por medidas de
fato, pois ameaçariam a própria vida do ser
humano".

Observações do revisor:
Conceder a ação de proteção constitucional
cortando o serviço de água potável para
residências em um condomínio pela
Empresa Local de Água Potável e Esgoto de

127
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Sucre (ELAPAS), através de meios ou


medidas de fato, alegando violação do
compromisso de pagamento do proprietário
do condomínio.

Uma terceira decisão que se relaciona com o Direito

Penal e com uma garantia Constitucional existente no Direito

Brasileiro, invoca o princípio da presunção de inocência,

devidamente reconhecido na Bolívia em que só se pode

considerar alguém culpado após a sentença penal

condenatória. Registra-se a discussão interna acerca da

possibilidade ou não de início do cumprimento da pena após

decisão de segunda instância e se isso fere ou não o princípio

supracitado:

Resolução 0052/2015 – Decisão


jurisprudencial moduladora

De acordo com o princípio, direito e garantia


da presunção de inocência, nenhuma regra
pode impor à simples emissão da acusação
formal a cessação ou destituição de funções
em qualquer tipo de organização, pública ou
privada, uma sanção que só pode ser
imposta após uma sentença condenatória
aplicada.

128
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Resumo do caso:
Em uma ação abstrata de
inconstitucionalidade apresentada por um
membro do Departamento Indígena do
Povo Weenhayek do departamento de Tarija,
exigindo a inconstitucionalidade do art. 30
inc. b) do Regulamento de Organização,
Operação e Procedimentos Internos do
Comitê Departamental da Pessoa com
Deficiência (CODEPEDIS) - Tarija, por
presumivelmente ser contrário aos arts. 28,
116.I e 410 da Constituição Política do
Estado, porque no atual regime processual
penal, o início de ações criminais de ordem
pública e privada, não admite a figura da
"acusação"; assim, no processo de ação
penal privada, o ato anteriormente
questionado seria equivalente à resolução
pela qual a autoridade judicial renuncia à
denúncia; em crimes de ação pública, a
admissão da denúncia é atribuída ao
representante do Ministério Público que
conhece o caso e não à autoridade
jurisdicional. Nesse sentido, no antigo
sistema processual penal, a acusação foi
efetivamente emitida como uma figura
processual equivalente à denúncia formal,
que, sendo um ato que inicia formalmente a
investigação, não pode constituir uma
condenação antecipada. Nesse sentido, ele
ressalta que a presunção de inocência tem

129
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

três dimensões: Princípio, torna-se uma


diretiva da administração da justiça que deve
ser observada por todas as autoridades e
funcionários públicos; certo, por ser
reconhecido nos diferentes instrumentos
internacionais; e a garantia de natureza
normativa, dentro do processo judicial ou
administrativo, evita a presunção de culpa,
em virtude da qual não é o réu que deve
provar sua inocência, mas cabe ao acusador
provar a culpa do acusado. Pelo exposto, ele
observou que o art. 30 inc. b) o Regulamento
de Organização, Funcionamento e
Procedimentos Internos do CODEPEDIS-
Tarija é inconstitucional, uma vez que se
destina a revogar uma autoridade,
simplesmente porque há uma “ordem
judicial” contra ela, uma vez que, em
primeiro lugar, disse esse número não existe
no sistema jurídico e, segundo, porque o
princípio da presunção de inocência seria
violado. O Tribunal Constitucional
Plurinacional declarou o art. 30 inc. b) do
Regulamento de Organização,
Funcionamento e Procedimentos Internos
do CODEPEDIS-Tarija, uma vez que, ao
submeter o acusado à simples emissão da
acusação formal às consequências de uma
firme condenação, viola o princípio da
presunção de inocência.

Fundamentação da decisão:

130
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

"... a presunção de inocência é uma condição


inata do ser humano que permite que o
acusado receba o tratamento correspondente
ao inocente, enquanto isso não há sentença
condenatória executada como uma coisa
julgada formal e material; da mesma forma, foi
especificado que, em rigor de sua natureza, a
acusação formal não possui a qualidade de
uma sentença final que determina a culpa da
pessoa. Nesse sentido, essa jurisdição
determinou que a suspensão temporária do
cargo e a revogação da função pública, como
consequência da acusação formal, quebra
claramente o estado de inocência. No
problema examinado, o artigo 30, inc. b), do
Regulamento de Organização, Operação e
Procedimentos Internos da CODEPEDIS-Tarija,
estabelece que a emissão da "acusação",
equivalente à denúncia formal, leva à revogação
do mandato dos membros do Conselho de
Administração da CODEPEDIS-Tarija. Mative de
cuja constitucionalidade o autor duvida, viola
claramente a presunção de inocência
concebida a partir de sua tripla dimensão
(princípio, garantia e direito); portanto,
aplicando o preceito normativo contestado, a
mera emissão da acusação formal leva o réu a
ser privado de continuar a exercer um mandato
legítimo, apesar de o referido ato processual
não determinar ou encontrar a culpa do
acusado, pois é uma decisão da natureza
unilateral do Ministério Público, por isso não se

131
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

assemelha à qualidade de uma sentença


condenatória executada, e menos adquire a
qualidade para distorcer seu estado de
inocência. Portanto, se a garantia da presunção
de inocência só é viável por meio de sentença
condenatória executada como coisa julgada
formal e material, a simples emissão da
acusação formal não tem capacidade para
afetar negativamente o tratamento e menos no
exercício da direitos fundamentais do
demandado; no entanto, a norma acusada de
inconstitucional faz com que o acusado avance
para as consequências de uma sentença firme,
daí a inconstitucionalidade do art. 30 inc. b) do
Regulamento de Organização, Operação e
Procedimentos Internos da CODEPEDIS-Tarija,
por violar o art. 116.I do CPE. "

Fundamental Precedente Constitucional:

Resolução 0052/2015 estabelece que: "... a


presunção de inocência é uma condição
inata do ser humano que permite que o
acusado receba o tratamento que
corresponde ao inocente; entretanto, não há
sentença condenatória executada como
uma ação julgada formal e material; da
mesma forma, foi especificado que,
estritamente falando de sua própria
natureza, a acusação formal não possui a
qualidade de um julgamento final que

132
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

determina a culpa da pessoa. Nesse sentido,


essa jurisdição determinou que a suspensão
temporária do cargo e a revogação da
função pública, como como consequência
da acusação formal, quebra claramente o
estado de inocência. No problema que está
sendo examinado, o artigo 30 inc. b) do
Regulamento de Organização,
Funcionamento e Procedimentos Internos
da CODEPEDIS-Tarija, estabelece que a
emissão do processo ", equivalente à
acusação formal, leva à revogação do
mandato dos membros do Conselho de
Administração da CODEPEDIS-Tarija. Nesse
sentido, o preceito normativo de cuja
constitucionalidade o autor duvida viola
claramente a presunção de inocência
concebida a partir de sua tripla dimensão
(princípio, garantia e direito); portanto,
aplicando o preceito normativo contestado,
a mera emissão da acusação formal leva o
réu a ser privado de continuar a exercer um
mandato legítimo, apesar de o referido ato
processual não determinar ou encontrar a
culpa do acusado, pois é uma decisão da
natureza unilateral do Ministério Público, por
isso não se assemelha à qualidade de uma
sentença condenatória executada, e menos
adquire a qualidade para distorcer seu
estado de inocência. Portanto, se a garantia
da presunção de inocência só é viável por
meio de sentença condenatória executada

133
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

como coisa julgada formal e material, a


simples emissão da acusação formal não
tem capacidade para afetar negativamente o
tratamento e menos no exercício dos
direitos fundamentais do demandado; no
entanto, a norma acusada de
inconstitucional faz com que o acusado
avance para as consequências de uma
sentença firme, daí a inconstitucionalidade
do art. 30 inc. b) do Regulamento de
Organização, Operação e Procedimentos
Internos da CODEPEDIS-Tarija, por violar o
art. 116.I do CPE. "

Observação do revisor:
Declara a inconstitucionalidade do art. 30
inc. b) do Regulamento de Organização,
Funcionamento e Procedimentos Internos
da CODEPEDIS-Tarija, ao determinar a
referida norma a revogação do mandato dos
membros do Diretório da CODEPEDIS, como
consequência da emissão do "mandado de
defesa" que no regime processual penal
equivalente à acusação formal viola o
princípio, direito e garantia da presunção de
inocência.

134
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

6 IMPASSES, QUESTÕES, DESAFIOS QUE SE COLOCAM NA

ATUALIDADE

O conflito de classes na Bolívia é fruto de um processo

histórico de colonização e a nação tem participado da divisão

internacional do trabalho numa posição subordinada, como

exportadora de matérias primas em estado bruto ou com um

processamento rudimentar, o que lhe conferiu por décadas os

piores indicadores sociais da América Latina. Por séculos, as

riquezas extraídas do subsolo boliviano produziram miséria

para os povos originários e riquezas para os colonizadores.

(MOREIRA, 2019).

Com o fim do ciclo da prata, a região foi condenada a

decadência e ao abandono e um novo ciclo econômico se abriu

no início do século XX, com a descoberta de grandes jazidas de

estanho no altiplano da Bolívia. A importância deste minério

ganhou um protagonismo cada vez maior na pauta exportadora

boliviana e já em 1909 representava 40% das exportações do

país, proporção que aumentou até atingir 75% em 1949. O

aumento das exportações, entretanto, pouco contribuiu para

135
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

produzir o desenvolvimento nacional. Isto porque a cobrança

de impostos sobre a produção era muito baixa, situando-se

entre 3% e 5%, o que se somava à concentração da produção

de minérios em pouquíssimas mãos. Assim, a maior parte do

excedente boliviano era transferida para o exterior. A partir dos

anos 1950 a extração do estanho entrou em decadência

(MOREIRA, 2019).

Com o deslocamento do eixo econômico do estanho

para o petróleo, os governos bolivianos concederam acesso

crescente de suas reservas minerais às transnacionais

estrangeiras. Por fim, um golpe militar realizado em novembro

de 1964 encerrou o ciclo político nacional-popular e abriu um

período de governos militares que se estendeu até 1982. À

semelhança do Brasil, o governo ditatorial de Barrientos

reprimiu as organizações operárias e indígenas e aprofundou o

modelo econômico desenvolvimentista autoritário. Barrientos

também foi o responsável pelo assassinato do comandante

guerrilheiro Che Guevara, no dia 8 de outubro de 1967

(MOREIRA, 2019).

136
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

A morte inesperada de Barrientos, em uma queda de

helicóptero em 1969, levou à tomada de poder pelo general

Ovando Candía, que procurou aproximar o governo da

esquerda reformista. Candía legalizou o Central Obrera

Boliviana (COB), suspendeu a repressão aos trabalhadores das

minas e nacionalizou petroleira estadunidense Bolívia Gulf Oil

Company. Com a intensificação das lutas sociais, Candía foi

derrubado em outubro de 1970 pelo general Juan José Torres,

que deu início a um governo fortemente centrado no programa

da esquerda radical. Além de confrontar diretamente o governo

dos Estados Unidos, a inciativa mais ousada de seu governo foi

a tentativa de substituir o Parlamento tradicional por uma

Assembleia Popular, em que os sindicatos detinham a maioria

absoluta das cadeiras e quase todos os participantes eram

ligados aos partidos de esquerda. Mas a Assembleia Popular se

mostrou sem força para pôr em prática suas próprias

deliberações e diante da crescente pressão das oligarquias

tradicionais, a proposta fracassou. Após um intenso processo

de golpes e contragolpes, se iniciou um longo período

neoliberal que persistiu até o início dos anos 2000, processo

137
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

que foi interrompido com o avanço das lutas contra o

neoliberalismo e que levou à vitória eleitoral de Evo Morales, em

2005 (MOREIRA, 2019).

Com a posse de Víctor Paz Estenssoro, em 1985, iniciou-

se um novo momento político na Bolívia marcado pelo

aprofundamento de políticas neoliberais. A perda de receitas e

a dificuldade em financiar o endividamento público empurrou o

Estado Boliviano para uma situação de insolvência e dificultou a

obtenção de recursos para financiar o déficit orçamentário.

Com a economia estagnada e com crescentes taxas de

desemprego, a Bolívia se tornou um país extremamente

dependente dos capitais internacionais (MOREIRA, 2019).

Com a crise do modelo neoliberal, os movimentos

indígenas e camponeses tomaram novamente protagonismo na

cena política e após vários conflitos no decorrer dos anos, o

resultado das eleições de 18 de dezembro de 2005 foi uma

inequívoca vitória dos movimentos populares e democráticos

que exigiam mudanças profundas na política econômica do

país. Com quase 54%, Evo Morales foi o primeiro presidente

indígena eleito e alcançou a margem mais alta de votação na

138
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

história democrática da Bolívia, com comparecimento recorde

de 84% dos eleitores nas urnas (MOREIRA, 2019).

Evo Morales assumiu a presidência da Bolívia em 2006 e

alimentou as esperanças dos mais pobres de combater o

neoliberalismo e produzir melhorias no bem-estar de todos os

cidadãos. Na visão dos dirigentes do MAS, esse processo

passava pela nacionalização do petróleo e do gás natural

(MOREIRA, 2019).

A reafirmação da propriedade estatal sobre o petróleo e

o gás natural e o aumento as taxas de impostos pagas pelas

petroleiras aumentou fortemente as receitas do Estado.

Somado a isto, foi definida uma política de soberania industrial

no setor, com grandes investimentos e protagonismo da

empresa estatal YPFB. O governo Evo estimulou o projeto de

industrialização nacional que tinha como foco a transformação

do petróleo e do gás natural em produtos de maior valor

agregado. Tratava-se na prática de substituir a base neoliberal

por uma política em que o Estado operasse como núcleo do

desenvolvimento nacional (MOREIRA, 2019).

139
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Como resultado da política de nacionalização, a parcela

das receitas do governo oriundas dos hidrocarbonetos passou

a corresponder a 70% da receita total, enquanto os 30%

restantes eram apropriados pelas empresas transnacionais. No

ano de 2006, a renda do país obtida com a exportação de

petróleo e principalmente gás natural atingiu quase 1,3 bilhão

de dólares, mais do que o dobro da receita do ano anterior, de

608 milhões de dólares (MOREIRA, 2019).

Em 2008, com o aumento dos preços internacionais do

petróleo (que afeta diretamente o valor do gás), a receita

boliviana ultrapassou 1,6 bilhão de dólares, ou seja, 25% maior

do já espetacular salto realizado em 2006. Com o aumento das

receitas e da soberania nacional sobre seus recursos, o PIB da

Bolívia cresceu nos três primeiros anos do governo de Evo a um

ritmo acelerado de 5,2% ao ano e fechou 2009 com 3,5%, a

maior taxa de crescimento da América Latina. Assim, a Bolívia

pôde constituir as bases fiscais para ampliar as políticas sociais

(MOREIRA, 2019).

A maior batalha travada no primeiro governo de Evo foi

sem dúvida a nova Constituinte. Entre os temas que mais

140
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

provocavam divergências, estavam a autonomia provincial e a

autonomia indígena. Liderada pelo partido de direita “Podemos”

que havia sido derrotado nas eleições de 2005, os setores da

burguesia empresarial e agrária impulsionaram suas demandas

a partir dos departamentos da chamada Meia-Lua (Bení, Pando,

Santa Cruz e Tarija), no leste do país (MOREIRA, 2019).

A Meia-Lua se tornou o foco de contestação ao governo

Morales à medida que as forças políticas ligadas ao

neoliberalismo foram perdendo espaço das regiões andinas,

onde o apoio ao presidente era hegemônico. No leste da Bolívia,

a elite econômica era bem mais forte politicamente que no

oeste, apoiadas pelos interesses transnacionais do gás e,

principalmente, do agronegócio. Os conflitos se tornaram cada

vez mais frequente e atingiu seu auge quando grupos fascistas

espancaram indígenas na rua de Sucre, capital do

departamento de Chuquisaca. As forças populares se

insurgiram e, por fim, no dia 9 de novembro de 2007, a nova

Constituição foi votada (MOREIRA, 2019).

Derrotado na tentativa de impedir a elaboração da nova

Constituinte, os setores conservadores reorientaram sua

141
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

ofensiva contra o governo. Diante do impasse político

produzido pelo quase estado de guerra civil, foi realizada uma

consulta popular para decidir a revogação ou não do mandando

de Evo. O presidente recebeu um amplo apoio da sociedade

boliviana, obtendo quase 70% dos votos, o que fortaleceu sua

legitimidade. O governo que a pouco tempo parecia fragilizado,

emergiu da consulta popular mais forte e pronto para enfrentar

os temas fundamentais da Constituição aprovada no ano

anterior (MOREIRA, 2019).

Em uma prova do fortalecimento das instituições diretas

de participação popular, a Constituição do Estado Boliviano foi

submetida a um referendo em 25 de janeiro de 2009 e

aprovada por 61,4% dos votos. Entre um de seus principais

avanços, a atual Constituição da Bolívia estabeleceu o caráter

plurinacional e comunitário do Estado (MOREIRA, 2019).

Embora os avanços sociais sejam inegáveis na Bolívia,

acompanhado com um fortalecimento dos instrumentos

democráticos, o governo de Evo não deixou de expressar

algumas contradições que explicam parte do golpe de Estado

que ocorreu no último dia 10 de novembro (MOREIRA, 2019).

142
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

O crescimento econômico da Bolívia foi o mais estável e

mais alto da América Latina. O salário mínimo, que era de 440

bolivianos (moeda nacional) em 2005, subiu para 1646

bolivianos em 2015, enquanto a taxa de desemprego que era

de 8,1% em 2005, caiu para 5,5% e a inflação se manteve estável

em 5% para o período assinalado. Em seu conjunto, os três

principais programas sociais do país (Bônus Juacinto Pinto,

Renda Dignidade e Bônus Juana Azurduy) beneficiaram

diretamente 42% da população (MOREIRA, 2019).

Com a nacionalização do setor elétrico, as tarifas de

eletricidade também reduziram drasticamente e permitiu a

ampliação do acesso a energia elétrica para as regiões mais

pobres. As conquistas na arena econômica e social, também

foram expressas no plano da política e da cultura, dando início

a um forte processo de descolonização do Estado Boliviano,

com ampliação do direito de ingresso de indígenas e

camponeses aos postos de poder. Em 2011, cinco dos nove

governadores eleitos eram de origem indígena ou camponesa,

e 90% dos 166 deputados eleitos na Assembleia Legislativa

eram oriundos dos movimentos sociais. No Judiciário, a

143
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

composição total possuía um número recorde de 50% de

mulheres indígenas e camponesas juízas e promotoras

(MOREIRA, 2019).

Assim, a presença indígena tornou-se o elemento central

na refundação da Bolívia. As divergências entre Evo e sua base

social indígena se deu incialmente a partir das diferenças

materiais entre a economia “extrativa” e o Estado de Bem-Viver

defendido pelos povos tradicionais. O primeiro grande conflito

ocorreu em 2011, quando foi anunciada a construção de uma

rodovia que cruzava o Território Indígena Parque nacional

Isiboro-Securé (Tipins), uma área de proteção ambiental com

1,1 milhão de hectares e onde viviam 12 mil pessoas

pertencentes aos povos Yucaré, Moxenho e Chimane. O Tipins

localiza-se na Amazônia e produziu intensos debates que

envolveram os povos indígenas, o governo e ambientalistas.

Após intensos conflitos e as tentativas de impor a construção da

rodovia, Morales recuou em sua proposta (MOREIRA, 2019).

Desta forma, conflitavam interesses entre elevar a

necessidade de extração mineral para geração de divisas com a

perspectiva do Bem Viver de muitos povos originários, que em

144
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

sua essência, difere diametralmente de qualquer vertente do

capitalismo (MOREIRA, 2019).

A oposição soube se aproveitar dessa fragilidade e

mobilizar sua base social para desestabilidade do governo de

Morales. Foi nesse contexto que se deu a derrota de Evo no

referendo de 2016 e que se desdobraram nos conflitos sociais

recentes (MOREIRA, 2019).

A experiência da esquerda latino-americana no governo

marca o término de uma longa história mundial caracterizada

pela tentativa de consolidar políticas redistributivas, regulação

dos agentes econômicos e incorporação das massas populares

ao campo eleitoral. A Bolívia, sem dúvida, representa uma das

expressões mais avançadas desse processo (MOREIRA, 2019).

É importante observar que o neoliberalismo impactou

profundamente toda a região e buscou restituir os elementos

neocoloniais que estruturam o processo de

subdesenvolvimento dos países latino-americanos. Assim, se

desenvolveu no interior das sociedades locais um forte

processo de polarização que buscava combater o

145
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

neoliberalismo e o déficit crescente de participação popular nos

processos políticos (MOREIRA, 2019).

Na Bolívia, o processo de nacionalização dos recursos

naturais permitiu fortalecer a soberania nacional e aprofundar

o processo de desenvolvimento e distribuição de renda. Neste

sentido, o fracasso da experiência dos governos progressistas

de países como o Brasil ou Chile, possuem marcadores

diferentes do que observamos na Bolívia, embora existam

também muitas semelhanças (MOREIRA, 2019).

Dentre os elementos que nos aproxima, observa-se a

dependência econômica e a participação subordinada na

divisão internacional do trabalho, processo que estrutura

graves impasses econômicos e políticos em toda América

Latina. A força dos países hegemônicos, associada aos grupos

internos de poder, buscam reduzir as condições de existências

dos povos latino-americanos e super explorar sua força de

trabalho (MOREIRA, 2019).

Esta política visa extinguir os padrões mínimos de

solidariedade social e alimenta conflitos abertamente racistas.

Em linhas gerais, pode-se dizer que esta é a base que sustenta

146
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

a polarização entre os grupos de esquerda e extrema direita

nos dias de hoje (MOREIRA, 2019).

Portanto, os impasses da gestão social na América

Latina, se quiser romper com o racismo estrutural, deverá

operar de outra forma, deslocando as forças progressistas para

reformas estruturais e enfrentando os grupos conservadores

que buscam a todo custo perpetuar as estruturas neocoloniais.

Na Bolívia, o povo mobilizado e o peso dos movimentos

indígenas e camponeses são contrapesos fundamentais para

responder aos ataques golpistas perpetrados no último dia 10

de novembro. Os capítulos dessa história ainda estão por ser

escritos e o avanço de consciência da sociedade boliviana joga

um peso fundamental no enfrentamento da crise política que

se instaurou no país (MOREIRA, 2019).

Constata-se menos confiança o que reflete também

pouca transparência do Estado no período mencionado,

demonstrando que são necessárias mudanças políticas no

intuito de propiciar com que o cidadão volte a ter confiança no

sistema e, consequentemente, no resultado almejado pela

população. A busca por mudanças sociais e políticas, deve servir

147
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

de fundamento basilar para a população boliviana, que

demonstra descrédito com o poder público e o poder judicial,

originado por inúmeros fatores, dentre eles a esperança de

uma Constituição Plurinacional. Apesar das intensas

modificações propostas pelo Governo de Evo Morales no

campo econômico e social, avanços foram constatados frente à

população boliviana, mas não estão sendo suficientes para

devolver a confiança nos órgãos estatais, dentre eles o Poder

Judiciário que também sofre críticas, mesmo respeitando o

direito indígena hierarquicamente aos demais poderes. Citam-

se como elemento importante os indicadores que apontam

pouca transparência e a baixa confiança no Governo (MOREIRA,

2019).

A Bolívia realizou eleições presidenciais em 20 de

outubro. Havia duas apurações: uma preliminar e mais rápida,

e outra de resultado definitivo, por contagem voto a voto. Os

resultados iniciais da primeira apuração apontavam um

segundo turno quando ela foi interrompida.

Passou-se somente à contagem definitiva, mais lenta.

Antes mesmo do resultado definitivo que apontava a vitória de

148
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Evo, já começaram as manifestações. Simpatizantes de Carlos

Mesa, o candidato derrotado, foram às ruas para denunciar

uma fraude na apuração. Houve relatos de confrontos em

Sucre, Oruro, Cochabamba e La Paz, entre outras cidades

(PRESSE, 2020).

Em 24 de outubro, foi confirmada a vitória de Evo, com

10,56 pontos percentuais à frente de Carlos Mesa. Após o

resultado, a Organização dos Estados Americanos - OEA e o

governo da Bolívia anunciaram que a entidade faria uma

auditoria do processo eleitoral inteiro (PRESSE, 2020).

Durante o início de novembro, os protestos voltaram a

acontecer, não apenas entre a população. Departamentos de

polícia das regiões de La Paz, Cochabamba, Sucre e Santa Cruz

decidiram que não iriam mais reprimir os manifestantes e se

amotinaram (PRESSE, 2020).

No dia 10 de novembro, a auditoria da OEA confirmou

que houve fraude nas eleições. Logo em seguida, Evo Morales

convocou a imprensa e anunciou a dissolução do Tribunal

Superior Eleitoral e a convocação de novas eleições (PRESSE,

2020).

149
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Depois, os chefes das Forças Armadas e da Polícia

pediram que Evo Morales deixasse o cargo para "pacificar" o

país. No mesmo dia, Morales renunciou à presidência (PRESSE,

2020).

"Houve um golpe cívico, político e policial. Meu pecado é

ser indígena, líder sindical e plantador de coca", disse o ex-

presidente boliviano, ao comunicar sua decisão em um

pronunciamento na televisão ao lado do seu então vice-

presidente, Álvaro García Linera. Morales justificou sua renúncia

para evitar a continuação da violência no país após três

semanas de confrontos entre seus apoiadores e críticos. "A vida

não acaba aqui, a luta continua", afirmou no final de seu

discurso (BBC NEWS, 2019).

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) comentou a renúncia

de Morales. "Denúncias de fraudes nas eleições culminaram na

renúncia do presidente Evo Morales. A lição que fica para nós é

a necessidade, em nome da democracia e transparência,

contagem de votos que possam ser auditados. O VOTO

IMPRESSO é sinal de clareza para o Brasil!", disse (BBC NEWS,

2019).

150
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

O ex-presidente Lula lamentou a saída de Morales do

cargo. "Acabo de saber que houve um golpe de Estado na

Bolívia e que o companheiro @evoespueblo foi obrigado a

renunciar. É lamentável que a América Latina tenha uma elite

econômica que não saiba conviver com a democracia e com a

inclusão social dos mais pobres", afirmou (BBC NEWS, 2019).

O presidente eleito da Argentina, Alberto Fernández,

afirmou que um "golpe de Estado se consumou" na Bolívia e

classificou os fatos como uma "quebra institucional" (BBC

NEWS, 2019):

Nós, defensores das instituições


democráticas, repudiamos a violência
desencadeada que impediu @evoespueblo
de concluir seu mandato presidencial e
alterou o curso do processo eleitoral. Vamos
defender fortemente a democracia em toda
a América Latina. Após esse colapso
institucional, a Bolívia deve retornar o mais
rápido possível ao caminho da democracia
através do voto popular.

Os governos de Cuba e da Venezuela, que já haviam

manifestado seu apoio a Morales, também consideraram estes

151
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

acontecimentos um "golpe". O presidente cubano Miguel Diaz-

Canel disse ter ocorrido um ato "violento e covarde" contra a

democracia, enquanto o líder venezuelano Nicolas Maduro

afirmou: "Condenamos categoricamente o golpe realizado

contra nosso irmão".

A OEA determinou ser estatisticamente improvável que

Morales tenha vencido pela margem de 10% necessária para

evitar um segundo turno, conforme determina a lei eleitoral do

país (BBC NEWS, 2019).

A auditoria do órgão internacional também encontrou

registros com alterações e assinaturas falsificadas. O relatório

de 13 páginas afirma que, em muitos casos, a cadeia de custódia

das atas de votação não foi respeitada e que houve

manipulação do sistema de computador (BBC NEWS, 2019).

"As manipulações ao sistema de computadores são de

tal magnitude que devem ser profundamente investigadas pelo

Estado boliviano para chegar ao fundo e negar as

responsabilidades desse caso grave", disse o relatório (BBC

NEWS, 2019).

152
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Morales anunciou então novas eleições e a renovação de

todos os membros do Supremo Tribunal Eleitoral (STE), que

foram duramente criticados pela forma como foi feita a

contagem dos votos, algo também recomendado pela OEA (BBC

NEWS, 2019).

O governo brasileiro reconheceu a senadora Jeanine

Áñez como nova presidente da Bolívia. Em publicação no

Twitter, o Ministério das Relações Exteriores saudou a

determinação de Jeanine em trabalhar pela realização de novas

eleições e diz que quer aprofundar a “fraterna amizade” entre

Brasil e Bolívia (VARDELIO, 2019):

O governo brasileiro congratula a senadora


Jeanine Áñez por assumir
constitucionalmente a Presidência da Bolívia
e saúda sua determinação de trabalhar pela
pacificação do país e pela pronta realização
de eleições gerais. O Brasil deseja
aprofundar a fraterna amizade com a Bolívia.

A senadora do partido oposicionista Unidad Demócrata

declarou-se presidente da Bolívia nesta terça-feira (12).

153
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

"Assumo imediatamente a Presidência", disse Jeanine, embora

a bancada do MAS, partido liderado pelo ex-presidente Evo

Morales, não estivesse presente no Congresso. Morales

chegou ontem ao México, país que lhe concedeu asilo político

após a renúncia à Presidência da República (VARDELIO, 2019).

Jeanine Áñez anunciou que decidiu "assumir

imediatamente" a presidência da Bolívia, em seu novo status de

líder do Senado, depois de considerar que no país havia uma

situação de vacância, devido à renúncia do ex-chefe de Estado,

Evo Morales, e do vice-presidente Álvaro García Linera

(VARDELIO, 2019).

Também renunciaram aos cargos os presidentes do

Senado e da Câmara e o primeiro vice-presidente do Senado.

Como segunda vice-presidente da Casa, Jeanine Áñez entendeu

que cabia a ela assumir o posto deixado vago por Morales

(VARDELIO, 2019).

As novas eleições na Bolívia estão marcadas para o dia

03 de maio de 2020, em princípio, data que pode ser alterada

em virtude da pandemia do Coronavírus no mundo (COVID-19)

e quem sair vitorioso é quem ditará os novos rumos do país,

154
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

que segue indefinido e instável após a renúncia de Evo Morales

por fraude nas eleições, inclusive avançará ou não nas tratativas

de ingresso no Bloco Mercosul.

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164
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

SISTEMAS JUDICIAIS DE PROTEÇÃO DO CIDADÃO EM FACE DA


ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: BRASIL E CHILE EM PERSPECTIVA
COMPARADA61

Taiara Rotta

Mário Norris

1 Introdução

Em diversos países e ordenamentos jurídicos que se

organizam conforme o Estado de Direito, o Poder Judiciário

desempenha relevante função de administrar

institucionalmente os conflitos. Os desafios inerentes a essa

tarefa institucional são múltiplos e se encontram suscetíveis a

fatores sociais, econômicos, históricos e políticos de cada

sociedade.

61
Texto para conclusão da disciplina Cortes e Juízes em perspectiva comparada no
Mestrado Profissional em Justiça Administrativa da Universidade Federal Fluminense,
Niterói/RJ, ministrada pelos Professores: Dra. Fernanda Duarte; Dr. Rafael Iorio Filho e
Dr. Alberto Nogueira Júnior.

165
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Nesse contexto, conhecer os arranjos institucionais

adotados por outras sociedades é um exercício poderoso para

reunir experiências sobre como outras sociedades lidaram com

seus desafios. Esse exercício tem o potencial de permitir melhor

compreensão do funcionamento do Poder Judiciário brasileiro

a partir da análise comparativa e, adotando-se os devidos

cuidados, vislumbrar potenciais ajustes institucionais de

inspiração estrangeira.

Nessa esteira, o presente artigo propõe fazer algumas

reflexões comparando os sistemas judiciais de proteção do

cidadão em face da administração pública no Brasil e no Chile.

A abordagem proposta pressupõe o conhecimento prévio do

sistema brasileiro, de modo que a organização do artigo se

concentra na apresentação do sistema chileno em suas

diversas dimensões e, de forma transversal, são inseridas

reflexões comparativas com o sistema brasileiro.

Assim, nos dois primeiros tópicos, serão apresentados

os fatores políticos, históricos e as características peculiares do

Estado de Direito chileno. No tópico 3, serão apresentadas as

principais normas que compõem a moldura normativa da

166
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

justiça administrativa no Chile. Os tópicos 4 e 5 apresentam,

respectivamente, a dimensão orgânica do Poder Judiciário

chileno e a dimensão procedimental.

No tópico 6, a dimensão decisória da justiça

administrativa chilena será apresentada a partir do estudo de 3

casos submetidos à apreciação da Corte Interamericana de

Direitos Humanos (CIDH).

A opção por essa abordagem da dimensão decisória, que

não tem foco em decisões nacionais propriamente ditas, mas

sim na revisão destas decisões feitas pela CIDH, se justifica pela

compreensão compartilhada por PERLINGEIRO (2017), de que

“a incorporação pelos Estados latino-americanos da doutrina do

controle difuso de convencionalidade estabelecida pela Corte

IDH é atualmente a peça-chave para a concretização do dever

das autoridades administrativas de proteger direitos

fundamentais”.

Além disso, serão feitas considerações quanto aos

impasses, questões e desafios que se colocam na atualidade

chilena e brasileira, considerando especialmente o contexto de

transição constitucional do Chile.

167
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Por fim, cabe demonstrar que o assunto é objeto de

pouca produção científica. Por conta disso, buscou-se material

na Constituição e nas leis chilenas, em relatos de atuação do

advogado chileno Pablo Sanguino, em algumas obras históricas

e jurídicas e em documentos jornalísticos acessados na rede

mundial de computadores.

2 Contexto histórico, político e Estado de Direito

2.1 Estado de Direito

Para contextualizar os elementos e os países em

comparação, é salutar mencionar conceitos afetos ao Direito e

ao Estado. Isso porque, no estudo comparado entre Brasil e

Chile, é possível perceber que ambos passaram por diferentes

momentos e regimes de governo, desde uma ditadura militar,

passando por um Estado Liberal até um Estado democrático.

O direito pode ser visto como uma ciência social aplicada

e criada a partir da dificuldade de se viver numa sociedade sem

regras. Como base nos primeiros ensinamentos nas faculdades

168
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

de direito, está o “Contrato Social” de LOCKE, no século XVIII, que

falava da importância da institucionalização do Estado, a fim de

criar regras para viver em sociedade. O regime pode ser

escolhido pela maioria, por meio do voto, democraticamente,

ou, em outras vezes, por um regime totalitário, seja civil ou

militar.

Nesse sentido, buscou-se estudar o direito através do

teórico Alexis de Tocqueville, em sua obra “A democracia na

América”, a fim de definir regimes e, principalmente, os

diferentes tipos de democracia.

Para TOCQUEVILLE (1835), a democracia pode ser

dividida em quatro tipos: a Democracia liberal, como um regime

que garante liberdade individual e tem a igualdade de

condições formal, social, cultural e política; a Democracia

Tirânica, que se divide de duas formas: Democracia Tirânica da

Maioria, quando a maioria impõe a sua vontade sobre a minoria

e não a deixa se expressar, e Democracia dando surgimento a um

Estado Totalitário ou Absolutista, que estimula o individualismo

exacerbado, deixa o Estado tomar decisões, cria um Estado

controlador que toma decisões que o indivíduo não quer tomar,

169
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

um Estado déspota62, e, por fim, a Democracia como soma de

liberdade e igualdade, em que o desenvolvimento sócio-político

é possível quando houver igualdade de condições perante a lei,

a cultura, a política e os aspectossociais. Com isso, diminui a

pobreza e a violência social.

Para tanto, é salutar lembrar que, ao se aumentar a

liberdade, pode-se gerar desigualdade entre as pessoas; por

outro lado, priorizar a igualdade limita a liberdade para que as

pessoas se mantenham no mesmo nível, iguais entre si. Para

fazer algumas reflexões, é possível observar os costumes e da

vida diária das pessoas, o que não é nada simplista.

Diante das democracias apresentadas, como formas de

governo, TOCQUEVILLE (1835) afirma que é possível evitar a

democracia tirânica com a participação da política constante

dos cidadãos, situação em que é preciso se preocupar com o

que é coletivo e de todos. Além disso, dessa forma se

descentraliza a administração e separam-se efetivamente os

62
“Despotismo significa, em sentido específico, a forma de Governo em que quem
detém o poder mantém, em relação aos seus súditos, o mesmo tipo de relação que o
senhor tem para com os escravos que lhe pertencem” (BOBBIO, 2002. p. 339)

170
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

poderes e suas distribuições de funções políticas e

administrativas, feitas por órgãos variados. Afirma o autor no

seguinte sentido: “Na ação política constante dos cidadãos,

fundada no exercício da liberdade individual, que essa própria

liberdade está garantida” (página).

Ademais, o desenvolvimento sócio-político da

democracia será possível quando houver igualdade de

condições no plano legal, cultural, político e social. Com isso,

diminui-se a pobreza e a violência dela decorrente.

Porém, num regime militar63 como forma de governo

ditatorial ou autoritária, controlada pelos militares,

TOCQUEVILLE (1835) afirma: “como qualquer ditadura ou

regime, ela pode ser oficial ou não, e também existem forma

mistas, onde o militar exerce uma influência muito forte, sem

ser totalmente dominante” (página). Para inserir as

comparações entre o Chile e o Brasil, pode-se afirmar que

ambos viveram regimes militares.

63
(BOBBIO, 2002. p. 753-/54)

171
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Por outro lado, é importante trazer o Estado Liberal que

surgiu com o período iluminista (séculos XVII e XVIII, na França),

tendo como “Pai do Liberalismo” John Locke quando escreveu o

“Contrato Social”, ratificado por Adam Smith ao publicar “A

Riqueza das Nações”. As bases do Estado Liberal são a vida, a

liberdade e a propriedade, o capital é livre. É uma forma

diferente de Estado Intervencionista. Sendo o Chile, atualmente,

um Estado Liberal.

2.2 Contexto histórico e político

Neste momento trataremos dos fatos vividos pelo Brasil

e pelo Chile que influenciaram a vida política de cada país.

O Brasil vivia desde 1946 um Estado Democrático de

Direito, após a promulgação da Constituição Democrática, e em

1964 houve um golpe militar, quando o Presidente da República

João Goulart (Jango) exilou-se no Uruguai, e os militares

assumiram o poder.

O Chile vivia num Estado Liberal; em 1970, teve seu primeiro

presidente socialista eleito por voto popular na América Latina,

172
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Salvador Allende, sem revolução. E, em 1973, Allende foi deposto pelo

regime militar, tendo assumido o General do Exército Augusto

Pinochet, que ficou no cargo por 17 anos, entre 1973 e1990.

No período do regime militar chileno ocorreram muitos

massacres de antigos comunistas que estavam no poder,

muitas pessoas foram consideradas “desaparecidas” e até hoje

não há resposta sobre seu paradeiro. Por outro lado, como o

Estado liberal manteve uma economia estável, passando por

muitas mudanças legais, em 1980 foi outorgada a Constituição

Chilena vigente até hoje, muito embora, tenha havido pequenas

reformas em 1989 e 2005.

No entanto, há controvérsias quando se fala em pobreza

chilena: no período militar, os pobres eram 40% da população

e, com a abertura democrática em 1973, essa pobreza passou

a ser de 11%. Com a abertura do Estado, começou-se a falar

apenas em “desigualdade”, não mais em pobreza, e houve

grande imigração de haitianos, bolivianos e colombianos em

busca de trabalho.

No Brasil, o regime militar durou de 1964 até 1986.

Durante a ditadura militar, houve muitos movimentos sociais,

173
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

principalmente de estudantes, e muitos também

desapareceram ou foram exilados. A anistia ocorreu somente

em 1978, podendo os exilados regressarem ao País. Elaborou-

se uma nova Constituição da República Federativa do Brasil,

outorgada pelos militares em 1967, e diversos Atos

Institucionais que objetivavam restringir as liberdades coletivas

e individuais. Os militares deixaram o poder como resultado do

movimento popular das “Diretas Já”, quando foi eleito um civil

para o cargo de Presidente da República, Tancredo Neves, de

forma indireta, pelo Congresso Nacional.

Com a abertura democrática no Brasil, formou-se uma

Assembleia Constituinte que promulgou a Constituição da

República Federativa do Brasil em 1988, vigente até então e com

mais de 100 Emendas Constitucionais.

Assim como Chile e Brasil têm experiências próximas de

regimes de governo, existem diferenças que sobressaem ao

longo dos tempos, conforme a tabela abaixo:

174
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Tabela 1 - Educação, Saúde e Previdência no Chile e no Brasil


Tema Chile Brasil
Educação Escola Primária e Secundária (pública ou Escola Primária e Secundária (pública ou
privada) em turno integral; privada), geralmente, em turno único;

Ensino primário até o oitavo ano é Ensino primário é obrigatório, sem muita
obrigatório e fiscalizado nasescolas públicas fiscalização;
– caso os filhos fiquem ausentes, os pais são
chamados e, caso a situação não se
normalize, os pais são levados aos Tribunais
de Família;
Ensino Superior (público ou privado) – o
Ensino Superior – todo privado; as ingresso é por meio de provas, em ambos.
universidades são administradas por As universidades públicas são patrocinadas
Fundações e os prédios utilizados pelas pelos governos Federal ou Estadual. As
universidades são de empresas privadas do universidades privadas são empresas
mesmo grupo da fundação da universidade. privadas.

A admissão para a universidade se dá por A admissão para a universidade se dá por


meio de provas. meio provas, antes vestibular e, atualmente,
ENEM64
Cursos de Direito – as faculdades são
segmentadas por áreas (comercial, Cursos de Direito – há um currículo
internacional, civil, outras áreas) nacional com algumas disciplinas,
optativas, diferentes em cada
universidade.
Saúde Pública – apenas Pronto Atendimento básico Pública – Tem o Sistema Único de Saúde,
para a população carente – quando se marca com responsabilidade solidária entre
algum procedimento, tem-se que aguardar União, Estados, Municípios e Distrito
por meses ou mesmo anos. Federal.

Privada – segue o modelo norte-americano, Privada – com valores mensais, variando


constituindo um negócio lucrativo. conforme a idade e as opções de
internação e exames.
Regime Público – apenas para os militares Público – antes da reforma em 2019, os
Previdenciário servidores públicos podiam se
aposentar com 100% do rendimento,
sem adicionais. Atualmente, o servidor
público precisa ter plano de previdência
suplementar para aposentar-se com
valor próximo ao integral.
Privado – AFP (Associação de Fundo de Pensão) Privado – feito por fundos de pensão
- os valores são aplicados em bolsa de valores. privados por cada grupo.
Até março de 2016, a rentabilidade mínima era
obrigada a pagar 2% para os pensionistas,
independentemente do rendimento.
Atualmente, não há rentabilidade mínima.
Fonte: ROTTA, Taiara; NORRIS, Mario. Comparação Chile e Brasil em direitos
fundamentais latentes no ano de 2020. Rio de Janeiro, 2020.

64
Exame Nacional de Ensino

175
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Tabela 2 - Constituições Chile e Brasil

CHILE BRASIL
• 1828 (Liberal) • 1824 (outorgada)
• 1833 (conservadora) • 1891 (outorgada)
• 1925 (democrática) • 1934 (promulgada)
• 1980 (Militar) • 1937 (outorgada)
• 1946 (promulgada)
• 1967 (outorgada)
1988 (promulgada)
Fonte: ROTTA, Taiara; NORRIS, Mario. As Constituições do Chile e do Brasil. Rio de
Janeiro, 2020.

Tabela 3 - Diferenças em direitos na própria constituição:

Constituição Chile 1980 Constituição Brasil 1988

Família é núcleo fundamental da Direitos e Garantias fundamentais –


sociedade; individuais e coletivos; direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à
Função do Estado: proteção da ordem propriedade;
pública, segurança, defesa e garantias
de justiça; Garantia de ordem social;

Estado é subsidiado (governo Augusto Garantias fundamentais: previdência


Pinochet privatizou serviços básicos – social, saúde, educação, família, meio
saúde, educação e previdência social); ambiente, criança, liberdade
Riquezas nacionais: cobre, carvão econômica.
(novas riquezas – Abacate e Vinho);
Voto Obrigatório
Senadores começaram a ser eleitos a
65
partir de 1995

Voto Facultativo
Fonte: ROTTA, Taiara; NORRIS, Mario. Diferenças constitucionais que são basilares para
o Chile e o Brasil. Rio de Janeiro, 2020.

65
Antes os Senadores eram indicados pelo Presidente da República.

176
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

3 Moldura normativa – justiça administrativa no Chile

O sistema de justiça administrativa chileno está

delimitado, sobretudo, na Constituição Política da República do

Chile, pela Lei nº 19.880, de 14 de maio de 2003, que estabelece

as bases dos procedimentos administrativos que regem a

Administração Pública, pelo Código Orgânico dos Tribunais e

pelo Decreto nº 1953, de 13 de dezembro de 2000, que

regulamenta a Lei nº 18.575, a Lei Orgânica das bases gerais da

administração do Estado.

Deste quadro normativo, releva destacar

primeiramente o artigo 20 da Constituição Chilena:

Artículo 20. El que por causa de actos u


omisiones arbitrarios o ilegales sufra privación,
perturbación o amenaza en el legítimo ejercicio
de los derechos y garantías establecidos en el
artículo 19, números 1º, 2º, 3º inciso cuarto, 4º,
5º, 6º, 9º inciso final, 11º, 12º, 13º, 15º, 16º en lo
relativo a la libertad de trabajo y al derecho a
su libre elección y libre contratación, y a lo
establecido en el inciso cuarto, 19º, 21º, 22º,
23º, 24º y 25º podrá ocurrir por sí o por
cualquiera a su nombre, a la Corte de
Apelaciones respectiva, la que adoptará de

177
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

inmediato las providencias que juzgue


necesarias para restablecer el imperio del
derecho y asegurar la debida protección del
afectado, sin perjuicio de los demás derechos
que pueda hacer valer ante la autoridad o los
tribunales correspondientes.

A relevância deste dispositivo para o sistema de

proteção do cidadão em face da administração pública está no

fato de ele estabelecer um rol taxativo dos direitos e garantias

constitucionais que gozam de proteção judicial especial. Note-

se que este rol não contempla os artigos 9º – direito à saúde,

10º – direito à educação, e 18 – direito à seguridade social,

tampouco o direito de acesso à informação.

Adiante, o artigo 38 assim dispõe quanto à proteção do

cidadão em face dos eventuais danos causados por atos do

Estado:

Artículo 38. […] Cualquier persona que sea


lesionada en sus derechos por la
Administración del Estado, de sus organismos o
de las municipalidades, podrá reclamar ante
los tribunales que determine la ley, sin perjuicio
de la responsabilidad que pudiere afectar al
funcionario que hubiere causado el daño.

178
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Quanto à reserva de jurisdição, observe-se o disposto no

artigo 73 da Constituição Chilena:

Artículo 73 - La facultad de conocer de las


causas civiles y criminales, de resolverlas y de
hacer ejecutar lo juzgado, pertenece
exclusivamente a los tribunales establecidos
por la ley. Ni el Presidente de la República ni el
Congreso pueden, en caso alguno, ejercer
funciones judiciales, avocarse causas
pendientes, revisar los fundamentos o
contenido de sus resoluciones o hacer revivir
procesos fenecidos.

Por fim, importante mencionar que a Lei nº 19.880/2003

também possui dispositivos que ocupam posição de destaque

na estrutura do sistema de proteção do cidadão em face da

Administração Pública. São eles:

Artículo 53 - [...] El acto invalidatorio será


siempre impugnable ante los Tribunales de
Justicia, en procedimiento breve y sumario.

Artículo 54 - Interpuesta por un interesado una


reclamación ante la Administración, no podrá
el mismo reclamante deducir igual pretensión
ante los Tribunales de Justicia, mientras aquélla
no haya sido resuelta o no haya transcurrido el
plazo para que deba entenderse desestimada.

179
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

[...]

Si respecto de un acto administrativo se deduce


acción jurisdiccional por el interesado, la
Administración deberá inhibirse de conocer
cualquier reclamación que éste interponga
sobre la misma pretensión.

4 Breve síntese da dimensão orgânica do Poder Judiciário.

No sistema judicial do Chile as cortes superiores são: I –

a Suprema Corte, composta por um presidente e 20 ministros;

II – a Corte Constitucional, composta por 10 membros; e III – a

Corte Eleitoral Qualificada, composta por 5 membros.

Na Suprema Corte, o presidente e os ministros são

indicados pelo Presidente da República e submetidos à

ratificação do Senado, a partir de uma lista de candidatos

apontados pela própria corte. Os ministros têm mandato

vitalício, com aposentadoria compulsória aos 70 anos.

Na Corte Constitucional, as indicações são divididas,

sendo 3 indicações feitas pela Suprema Corte, 3 pelo Presidente

180
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

da República, 2 pela Câmara dos Deputados e 2 pelo Senado.

Os ministros exercem mandatos de 9 anos.

Na Corte Eleitoral, os magistrados dispõem de mandato

de 4 anos, sendo 1 membro apontado pela Presidência do

Senado, 1 pela Presidência da Câmara dos Deputados, 2 pela

Suprema Corte e 1 pela Corte de Apelação de Valparaíso.

As demais cortes que compõem a dimensão orgânica do

Poder Judiciário chileno são as Cortes de Apelação, as Cortes

Criminais, as Cortes Militares, as Cortes Policiais locais e as varas

especializadas em matérias como direito de família, trabalho,

tributos e matéria eleitoral.

Portanto, em síntese são três graus de jurisdição: o

primeiro grau é formado pelos tribunais de primeira instância,

que agregam os tribunais de juízo oral no penal, os juizados de

letras, os juizados de garantia e os juizados de família; o

segundo grau é formado pelas 17 Cortes de Apelações,

exercendo sua jurisdição sobre um conjunto de províncias; a

Corte Suprema de Justiça é o máximo tribunal da hierarquia. A

justiça especial é composta pela Justiça Eleitoral e pelos

181
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

tribunais militares. O Tribunal Constitucional é independente do

Poder Judiciário66.

Segundo ENGELMANN (2017), o sistema judicial chileno

é extremamente centralizado na Corte Suprema, o que ocorre

desde a Constituição de 1925. Com a Constituição de 1980, a

autogestão da judicatura e o poder da Corte Suprema foram

fortalecidos. A independência do Judiciário em sua gestão é

extensiva ao recrutamento dos magistrados, sendo que a

formação dos magistrados se dá na Academia Judicial do Chile,

criada pela Lei n. 19.346/1994, que exerce um papel

fundamental na formação e no aperfeiçoamento dos

magistrados.

5 Dimensão processual

O modelo de Justiça Administrativa desenvolvido no

Chile tem origem histórica na Constituição de Cádiz67, de 1812,

66
Conforme ENGELMANN; BANDEIRA, 2017, p. 209.
67
Também conhecida como a Constituição Espanhola.

182
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

reproduzindo desde a primeira constituição chilena a vedação

expressa do exercício de funções judiciais ao Poder Executivo.

Com efeito, o art. 243 – nem as Cortes nem o Rei poderão exercer,

em nenhum caso, as funções judiciais, avocar causas pendentes

nem mandar abrir os judícios oferecidos, e o art. 242 – o poder de

aplicar as leis nas causas civis e criminais pertence exclusivamente

aos tribunais, encontram espelho no art. 108 da Constituição

Chilena de 1833 e art. 73 da Constituição Chilena em vigor68.

Contudo, PERLINGEIRO (2015) adverte que a regra

contida no art. 242 da Constituição de Cádiz é por vezes mal

interpretada:

a utilização da expressão tribunais civis e


criminais no art. 242 de Cádiz deixa claro
que a regra não tinha por foco impedir a
solução de um conflito administrativo pelo
próprio Executivo, mas sim determinar que
este não interferisse nas funções judiciárias
que, à época, afora o direito penal, eram
mais associadas a uma jurisdição sobre

68
Artículo 73. La facultad de conocer de las causas civiles y criminales, de resolverlas y
de hacer ejecutar lo juzgado, pertenece exclusivamente a los tribunales establecidos
por la ley. Ni el Presidente de la República ni el Congreso pueden, en caso alguno, ejercer
funciones judiciales, avocarse causas pendientes, revisar los fundamentos o contenido
de sus resoluciones o hacer revivir procesos fenecidos.

183
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

causas de direito privado (ainda que


envolvessem a Administração) do que
propriamente a uma jurisdição
administrativa. [...] Nesse aspecto, é
bastante esclarecedor o disposto no art. 9º
do Reglamento para el Arreglo de la
Autoridad Ejecutiva Provisoria de Chile, de
14 de agosto de 1811, considerada a
primeira Constituição chilena: “A autoridade
executiva não conhecerá causas de justiça
entre as partes, senão as de puro governo
(acte du gouvernement), hacienda e guerra”,
isto é, as questões governativas eram
admitidas como questões inerentes ao
Executivo e a ele competia exclusivamente
decidir (pp. 96-97).

Se, por um lado, o modelo de Justiça Administrativa

chilena se distancia do modelo francês, por não constituir um

contencioso administrativo através do Conselho de Estado, por

outro lado, se distancia do modelo norte-americano, por vedar

expressamente o exercício de funções judiciais pelo Poder

Executivo.

A maioria dos países da América Latina adotou a mesma

estrutura inspirada na Constituição de Cádiz, e no decorrer do

tempo foram incorporando ajustes institucionais para resolver

184
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

os problemas que decorrem deste sistema particular de Justiça

Administrativa.

Estes ajustes e soluções institucionais podem ser

compreendidos basicamente em duas espécies:

I - criação de um foro especializado para


conhecer os litígios em que a Administração
Pública faça parte, em que prevalecem
questões de Direito Administrativo (não é o
caso do Chile); ou

II - reconhecimento limitado de certas


funções jurisdicionais a órgãos da
Administração Pública, embora seguindo o
princípio do controle judicial suficiente, que
exige a admissão de um controle judicial
pleno, com amplitude de debate inclusive
sobre evidências (caso Chileno).

Sendo assim, conforme analisa GONZALEZ PÉREZ (2005,

p. 5):

[…] tanto en Chile como en Argentina se ha


admitido el ejercicio de potestades
jurisdiccionales a favor de órganos
administrativos, fundado en razones de
especialidad funcional y no como cláusula
general, es decir, como anota SILVA CIMMA, se
trata de “funciones jurisdiccionales respecto de

185
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

ciertas y determinadas materias que les han


sido expresamente encargadas por la ley. Así,
ejercen esta función en determinados casos el
Director General de Aduanas, el Director
General de Impuestos Internos, etc.” Quien
agrega que “en doctrina, todos estos
organismos pueden configurarse por ello como
Tribunales Administrativos especiales. Además,
dentro de lá propia Administración existen
otros tribunales con competencia específica en
lo contencioso administrativo respecto de
ciertas materias, tales como los Tribunales de
Cuentas, de Aduanas, de Patentes, de Abastos,
etc.

6 Dimensão decisória

Neste tópico trataremos de três casos específicos que

tramitaram junto ao poder judiciário chileno e vieram a ser

apreciados na Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Dentre outros casos em que o Estado chileno também

foi julgado pela CIDH, a escolha destes três casos específicos

observou o critério da representatividade destes litígios para a

temática aqui abordada. Em outras palavras, a escolha destes

casos foi orientada pela análise de que as circunstâncias destes

186
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

casos seriam mais representativas quanto à forma como o

sistema judicial chileno trata a proteção do cidadão em face do

Estado.

Quanto à opção por se recorrer aos casos julgados pela

CIDH, e não julgados em âmbito nacional, a justificativa está

presente nas ponderações de PERLINGEIRO (2017):

[...] a incorporação pelos Estados latino-


americanos da doutrina do controle difuso
de convencionalidade estabelecida pela
Corte IDH é atualmente a peça chave para a
concretização do dever das autoridades
administrativas de proteger direitos
fundamentais, ainda que, para tanto, seja
necessário superar leis (inconstitucionais).

6.1 Caso 1: “Karem ATALA” Rifo e Filhas Vs. Chile:

Uma juíza chilena, Karem Atala, perdeu a guarda de suas

filhas porque, ao se divorciar, casou-se com outra mulher,

187
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

levando uma vida normal no seu trabalho, porém, numa relação

homoafetiva. Insatisfeita com a decisão da Suprema Corte

chilena, que deferiu a guarda das filhas ao Pai, buscou na Corte

Internamericana de Direitos Humanos seu direito, como mãe,

de poder conviver e ter a guarda de suas filhas69.

A CIDH julgou o caso como de responsabilidade

internacional do Estado, ao discriminar e intervir

arbitrariamente na vida privada e familiar, por uma

discriminação que afeta os direitos humanos da pessoa.

Os artigos do Estatuto70 que foram violados são: art. 11

(Proteção da honra e da dignidade), 17.1 e 17.4 (Proteção da

Família), 19 (Direito das Crianças), 24 (Igualdade perante a Lei),

8 (Garantias Judiciais) e 25.1 e 25.2 (Proteção Judicial). Foram

ouvidos 32 Amici Curiae.

É importante firmar datas importantes da

movimentação do processo na CIDH: em 24/11/2004 –

Protocolo Petição; em 23/07/2008 – Juízo de Admissibilidade;

69
CIDH – Corte Interamericana de Direitos Humanos. Será usada a sigla para se referir
a Corte.
70
Pacto San José da Costa Rica.

188
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

em 18/12/2009 – Decisão; e, em 17/09/2010 – Prazo para o

Chile cumprir.

As recomendações aplicadas ao Chile foram: (I) Maior

interesse das crianças; (II) Violação à vida privada (casa e

trabalho da mãe); (III) Indenizações de danos materiais (gastos

com assistência psiquiátrica, terapêutica, médicas às vítimas);

(IV) Ao Estado elaborar políticas públicas para manter ambiente

de tolerância e respeito às minorias.

6.2 Caso 2: “POBLETE Vilches e outros Vs. Chile.

Fato em que os filhos de Poblete, também, levaram o

processo até a última instância em recursos no Estado chileno

devido à forma como seu pai foi atendido e foi determinada a

alta do Hospital Sótero del Rio, o que incidiu numa rápida

deterioração de sua saúde nos dias imediatamente posteriores

àa sua saída do hospital e à sua morte, o que caracterizou

negligência no tratamento e na alta.

A Suprema Corte Chilena não decidiu em favor dos filhos

que buscavam indenização pela responsabilidade civil do

189
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Hospital pelo desrespeito à pessoa doente em sua integridade

física e moral.

Ao levar o julgado até a CIDH, o processo foi recebido

por violar os seguintes artigos do Estatuto: 4.1 (direito à vida),

5.1 (respeito à integridade física, psíquica e moral), 26

(compromisso com a adoção de providências no

desenvolvimento do progresso), 8 (garantias judiciais), 25

(precisão Judicial), 13.1 (liberdade de pensamento e expressão),

11 (proteção à honra e à dignidade) e 7 (liberdade pessoal).

Diferentemente do primeiro caso, o andamento deste

não foi muito célere, vejamos: em 15/05/2002 – Protocolo

Petição; em 19/03/2009 – Juízo de Admissibilidade; em

13/04/2016 – Decisão, dando ao Estado Nacional dois meses –

Prazo para o Chile cumprir.

As recomendações da CIDH foram: (I) Reconhecimento

parcial da Responsabilidade Internacional do Estado; (II)

realização de investigação penal completa por parte do Estado;

(III) realização de um ato público de reconhecimento da

responsabilidade do Estado; (IV) pagamento, pelo Estado, de

tratamento médico e psicológico que custeasse as despesas de

190
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

até 10 mil dólares; (V) Indenização de dano material a cada filho,

no valor de US$ 880; (VI) Indenização de dano moral no valor de

US$ 100.000; (VII) Reparação de custos processuais de 14 anos

à CIDH; (VIII) pagamentos de custas e danos morais e materiais

no prazo de um ano.

6.3 Caso 3: “Caso Claude Reyes e outros Vs. Chile” - acesso à

informação e recurso judicial efetivo

Entre maio e agosto de 1998, o Estado chileno teria

negado aos seus cidadãos o acesso à informação em respeito

ao Comitê de Investimentos Estrangeiros, especificamente com

relação à empresa florestal Trillium e ao Projeto Rio Condor, um

projeto de desflorestamento potencialmente prejudicial ao

meio ambiente.

Sem argumentar uma justificação válida, o Estado

Chileno também teria sonegada a chance a um recurso judicial

efetivo. A conduta representaria violações aos direitos

consagrados nos artigos 13 (Liberdade de Pensamento e de

Expressão) e 25 (Direito à Proteção Judicial).

191
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Os cidadãos apresentaram um recurso de proteção

perante a Corte de Apelações de Santiago, fundado na suposta

violação, por parte do Chile, do direito dos recorrentes à

liberdade de expressão e de acesso à informação em poder do

Estado, garantido pelo artigo 19.12 da Constituição chilena, em

relação ao artigo 5.2 da mesma; o artigo 13.1 da Convenção

Americana e o artigo 19.2 do Pacto Internacional sobre Direitos

Civis e Políticos. Solicitaram à referida Corte de Apelações que

ordenasse ao Comitê de Investimentos Estrangeiros uma

resposta ao pedido de informação e que colocasse à disposição

das supostas vítimas a informação, em um prazo razoável.

A Corte de Apelações de Santiago declarou inadmissível

o recurso de proteção para amparar a pretensão dos autores,

tendo acordado que “o recurso de proteção tem por objetivo

restabelecer o império do direito quando este foi enfraquecido

por atos ou omissões arbitrárias ou ilegais que ameaçam,

perturbam ou privam do exercício legítimo de alguma das

garantias taxativamente incluídas no artigo 20 da Constituição

Política da República, deixando a salvo as demais ações legais”.

Por fim, declarou improcedente a reposição solicitada.

192
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

A Corte Suprema, por sua vez, declarou inadmissível o

recurso de queixa, considerando que a decisão que declarou

inadmissível o recurso de proteção, de acordo com a decisão

sobre tramitação e decisão deste recurso, era recorrível por

meio do recurso de reposição.

Em face do caso, a CIDH concluiu que o Estado Chileno

violou a proteção de seus cidadãos, especialmente no que toca

ao direito de acesso à informação. Confira-se a decisão da corte:

o Estado violou o direito à liberdade de


pensamento e de expressão,
consagrado no artigo 13 da Convenção
Americana, em detrimento dos
senhores Marcel Claude Reyes e Arturo
Longton Guerrero, e descumpriu a
obrigação geral de respeitar e garantir
os direitos e liberdades, disposta no
artigo 1.1 deste tratado. Além disso, ao
não ter adotado as medidas necessárias
e compatíveis com a Convenção para
fazer efetivo o direito ao acesso à
informação sob controle do Estado, o
Chile descumpriu a obrigação geral de
adotar disposições de direito interno
prevista no artigo 2 da Convenção. [...] o
Chile não garantiu um recurso judicial

193
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

efetivo que fosse decidido de acordo


com o artigo 8.1 da Convenção e que
permitisse decidir o mérito da
controvérsia sobre o pedido de
informação sob controle do Estado, isto
é, que se determinasse se o Comitê de
Investimentos Estrangeiros deveria ou
não dar acesso à informação solicitada.
[...] A Corte aprecia os esforços
realizados pelo Chile em 1999, ao criar
um recurso judicial especial para
amparar o acesso à informação pública.
Entretanto, é preciso assinalar que as
violações no presente caso ocorreram
antes de que o Estado realizasse tal
avanço em sua legislação, de modo que
não é aceitável o argumento do Estado
de que as supostas vítimas deste caso
“poderiam tê-lo interposto”, já que não
se encontrava previsto na época dos
fatos deste caso. [...] Além disso, a Corte
conclui que a referida decisão da Corte
de Apelações de Santiago que declarou
inadmissível o recurso de proteção não
cumpriu a garantia de se encontrar
devidamente fundamentada, de modo
que o Estado violou o direito às garantias
judiciais, consagrado no artigo 8.1 da
Convenção, em relação ao artigo 1.1

194
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

deste tratado, em detrimento de Marcel


Claude Reyes, Arturo Longton Guerrero
e Sebastián Cox Urrejola.

7 Impasses, questões e desafios que se colocam na

atualidade

No ano de 2019, o Chile passou por uma transição

constitucional, após a ocorrência de mobilizações populares

que demonstraram a insatisfação com a baixa proteção social

garantida pela Constituição em vigor. Naquele contexto, uma

questão que desafia o povo chileno é a transição de um sistema

de justiça adaptado a um estado liberal para um estado de bem-

estar social que vem sendo construído.

Nesse sentido, a exemplo do que ocorre no estado de

bem-estar social garantido pela Constituição brasileira de 1988,

o Chile deverá estar preparado para um provável crescimento

das demandas judiciais movidas por cidadãos em face do

Estado em busca de efetividade para os novos direitos sociais

que a futura carta constitucional promete assegurar.

195
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Contemplando esse desafio que relaciona os modelos

de estado liberal e de bem-estar social, GARGARELLA (2009) faz

oportuna análise:

nadie duda de que presenciamos una


“inflación” de derechos, y que muchos de
los derechos incorporados en las nuevas
Constituciones serán de difícil o imposible
satisfacción. Pero ello no nos debe llevar a
descalificar automáticamente a la
operación de expandir el apartado de los
derechos propio de estos nuevos textos. Al
respecto, el mencionado ejemplo de la
espartana Constitución de los Estados
Unidos es interesante, y nos permite
aprender algunas cuestiones de interés.
«En efecto, Constituciones austeras como la
estadounidense –o, en América Latina, la
de Chile– vienen de la mano de una
práctica judicial muy hostil frente a los
derechos sociales, culturales o económicos,
en general. Ocurre que, típicamente,
cuando los jueces no encuentran respaldo
escrito a esos derechos nuevos (por
ejemplo, cuando no ven escrita en la
Constitución ninguna mención al derecho
a la salud, o a los nuevos derechos
indígenas), ellos tienden a negares toda

196
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

relevancia. Es decir, parece haber una alta


correlación entre la no inclusión de nuevos
derechos y el no reconocimiento judicial de
los nuevos derechos. Entiéndase bien: decir
lo dicho no implica afirmar que, por incluir
nuevos derechos en las nuevas
Constituciones, esos derechos van a
convertirse, mágicamente, en realidad. Lo
que se afirma es lo opuesto, es decir, que la
ausencia de tales derechos tiende a
trabajar negativamente contra su posible,
y por lo demás deseable, materialización.

8 Conclusão:

A reflexão em perspectiva comparada entre Chile e

Brasil permite perceber que na década de 70 ambos os países

viveram um período de regimes totalitários, bem como outros

países da América Latina.

Noutro giro, independentemente de os países serem

politicamente totalitários ou não, e de terem diferentes formas

de governo, é possível conciliar uma proposta econômica

197
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

liberal, em que se defenda a privatização como forma de

estabilizar a economia, com um regime democrático não liberal,

em que os direitos individuais e sociais podem gerar igualdade

com estabilidade ou até uma desigualdade social.

Além disso, foi possível verificar que o modelo jurídico

chileno tem tribunais que exercem jurisdição judiciária ou

administrativa com validade. A exemplo do Tribunal

Constitucional que, aparentemente, seria para garantir os

direitos constitucionais no Chile, e que, no entanto, é um

tribunal político do Poder Executivo que analisa as leis quando

aprovadas no legislativo e faz as limitações antes de serem

sancionadas pelo Presidente da República. O poder desse

tribunal é tão arbitrário que já houve leis que mudaram

consideravelmente, como o Código de Defesa do Consumidor.

Quanto ao arcabouço normativo, destacou-se o fato de

o sistema de proteção do cidadão em face da administração

pública estabelecer um rol taxativo dos direitos e garantias

constitucionais que gozam de proteção judicial especial,

sobretudo o fato de não contemplar os artigos 9º (direito à

198
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

saúde), 10º (direito à educação) e 18 (direito à seguridade

social), tampouco o direito de acesso à informação.

Já com relação à dimensão processual, conclui-se que,

se por um lado o modelo de Justiça Administrativa chilena se

distancia do modelo francês, por não constituir umcontencioso

administrativo através do Conselho de Estado, por outro lado,

também, se distancia do modelo norte-americano, por vedar

expressamente o exercício de funções judiciais pelo Poder

Executivo, muito embora, na prática, seja possível verificar a

existência de dentro de um contencioso administrativo em

certas matérias, tais como os Tribunais de Contas, Aduaneiros e

de Patentes.

Dentre os estudos de caso escolhidos para analisar a

dimensão decisória, ficou claro que o direito no Chile, ainda, tem

reflexos conservadores, como no caso “Karen ATALA”, em que

foi necessário ir até a Corte Interamericana de Direitos

Humanos para garantir um direito de família, para que ela

pudesse estar com suas filhas.

Tanto no estudo do caso “POBLETE Vilches e outros Vs.

Chile” quanto no “Caso Claude Reyes e outros Vs. Chile”, foi

199
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

possível perceber que a exclusão dos direitos à saúde e ao

acesso à informação do rol protetivo da Constituição chilena em

vigor acabam se refletindo em dificuldades práticas ao exercício

da cidadania, o que foi reconhecido pela própria CIDH.

Por fim, importante destacar que, nas manifestações de

rua no ano de 2019, estudantes, professores universitários e a

população chilena como um todo reivindicaram mudanças na

constituição e a garantia de direitos sociais, clamando pela não

comercialização da educação e da saúde, além da melhoria nos

planos de previdência a fim de garantir um bem-estar social na

fase senil ou na aposentadoria.

Sendo assim, as reivindicações nas ruas deram início a

um processo constituinte que aponta para uma possível

transição do modelo de Estado liberal para um Estado de bem-

estar social, o que justifica a realização de futuros estudos

quanto à necessidade de adaptação do sistema de justiça

chileno para reagir ao provável crescimento das demandas

judiciais movidas por cidadãos em face do Estado em busca de

efetividade para os novos direitos sociais que a futura carta

constitucional provavelmente irá assegurar.

200
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

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Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

204
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

O PODER JUDICIÁRIO NA COLÔMBIA

Fabio Nunes De Martino


Lília Côrtes de Carvalho De Martino

1 Introdução

Pelo presente, os autores buscam apresentar o sistema

judicial colombiano em diversos de seus aspectos, procedendo

ao cotejo em relação a determinados pontos-chave pinçados ao

longo do texto quanto ao sistema judicial brasileiro.

Para tanto, coletou-se legislação e doutrina, tanto

alienígena quanto nacional, com menção inclusive a

importantes julgamentos realizados na Colômbia, a fim de

poder delimitar os marcos do Poder Judiciário colombiano, seu

contexto, moldura normativa, dimensão orgânica, dimensão

procedimental, dimensão decisória, com três marcantes temas

julgados na Corte Costitucional colombiana e breve percurso

acerca de impasses, questões e desafios que se colocam em

relação ao sistema judicial e político daquele país.

205
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Com isso, serão trazidas questões acerca da história da

democracia colombiana e a estrutura que foi sendo moldada

em relação ao Poder Judiciário, traçando o seu modelo

estrutural e chamando a atenção para temas fulcrais que,

inclusive, são comuns a outros países da América Latina, no que

se inclui o Brasil, referentes à independência judicial, ao papel

ativo que o Poder Judiciário tem adotado em relação a

implementação de políticas públicas, substituindo-se ao papel

do legislador, que carece de credibilidade, à singularidade em

decorrência da adoção de um sistema de jurisdição dual, às

jurisdições especiais existentes no país e à agenda de reformas

de vêm sendo implementadas, dentre outros temas relevantes.

2. Contexto

Dentre os países participantes da Corte Interamericana

de Direitos Humanos, a Colômbia é um país que se caracteriza

por uma singular história de democracia. Mesmo sem a

presença de clássicas ditaduras militares, como se evidenciou

em outros países da América Latina, não se pode dizer que foi

206
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

um país democrático ao longo de sua história em face do uso

permanente do estado de sítio e dos regimes de exceção pelos

governos a fim de possibilitar a implementação das políticas

pretendidas pelo Poder Executivo. Ao longo de 42 anos, do

fechamento temporário do Congresso durante o governo de

Ospina Pérez, em novembro de 1949, à promulgação da Carta

Constitucional de 1991, a Colômbia viveu praticamente em

regime de exceção permanente, pois esteve durante 35 anos

sob estado de sítio (YEPES, 2007).

Em que pese ser considerada como um dos países

latino-americanos que possuem um Judiciário mais estável e

independente, sem interferência direta do Executivo ou das

Forças Armadas em tempos de ditadura (GUEVARA, 2011),

como nos casos de Venezuela e Argentina, a história

colombiana aponta que o sistema impunha ao Judiciário

neutralidade política como condição para independência, haja

vista a falta de autonomia nos âmbitos administrativo e

financeiro, que somente foi obtida no final dos anos 80, e com

diversos modelos ao longo do tempo para o recrutamento de

magistrados. Com a instituição da Frente Nacional, em 1957, e

207
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

a divisão de poderes entre os Partidos Conservador e Liberal,

essa repartição do poder político e burocrático atingiu também

o Judiciário, em face do sistema de cooptação dos juízes por

parte das cúpulas (ENGELMANN; BANDEIRA, 2011).

Segundo Samper (2012), desde a independência do país

do reino espanhol, a Colômbia passou por uma primeira etapa

centralista (1821 a 1850), com a atribuição ao Poder Judiciário

de aplicar as leis em causas cíveis e criminais, estabelecimento

de tribunais superiores e uma Alta Corte de Justiça. Por outro

lado, se estabeleceu um Conselho de Estado como órgão

assessor do Governo Nacional. Durante as Constituições que se

passaram ao longo da etapa (1821, 1830, 1832 e 1843), há

algumas alterações, findando com uma estrutura formada pela

Corte Suprema de Justiça, tribunais superiores de Distrito e

juízes, com o Conselho de Estado substituído por um Conselho

de Governo como órgão consultivo do presidente.

Há um período de transição centro federal (1850-1858),

onde há o surgimento dos partidos tradicionais (Liberal e

Conservador), com a Constituição de 1853, e com eleição dos

208
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

juízes da Suprema Corte e dos magistrados e promotores dos

tribunais por períodos de quatro anos.

Passa-se ao Federalismo (1858-1886), atribuindo-se ao

Senado algumas funções judiciais, passando-se por duas

Constituições no país ao longo do período (1858 e 1863).

Em 1886, retorna-se ao modelo de Estado Unitário, com

a maior parte das funções públicas retornando ao poder do

Estado Nacional, inclusive todo o Poder Judiciário com caráter

nacional. A estrutura do Poder Judiciário era formada pela

Suprema Corte de Justiça, tribunais superiores de distrito

judicial e juízes, os magistrados da Corte Suprema com

vitaliciedade. Se seguiram reformas à Carta de 1886,

suprimindo-se o Conselho de Estado em 1905, sendo que, em

nova reforma constitucional de 1914, ele é reestabelecido e,

além de ser o corpo consultivo do Governo Nacional, também

passou a preparar projetos de lei e de códigos, assim como a

ser o tribunal supremo do contencioso-administrativo.

Outras reformas se passaram até um momento de grave

crise institucional, o que levou a Colômbia a estabelecer uma

Assembleia Constituinte e culminou com a promulgação da

209
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Carta Política de 1991, que vige até hoje e trouxe importantes

mudanças no sistema judicial colombiano.

Nesse sentido, Samper (2012) esclarece que, do regime

anterior, se conserva a estrutura, com algumas mudanças,

criando-se a Corte Constitucional como guardiã da Constituição,

o Conselho Superior e os Conselhos Seccionais da Magistratura,

a Procuradoria Geral da Nação e as jurisdições especiais,

compostas pelas autoridades indígenas e pelos juízes de paz.

Dessa forma, passa-se a um modelo que possui quatro

altas cortes, tendo uma delas (a Corte Constitucional) a função

específica do controle de constitucionalidade das leis, antes

realizado pela Corte Suprema de Justiça, permitindo àquela

nova corte que se tornasse uma das cortes mais fortes do

mundo (LANDAU, 2011), por ter a faculdade de atender a

petições de revisão abstrata formuladas por qualquer cidadão

em qualquer momento e, também, de revisar as falhas de

tribunais inferiores mediante um procedimento de reclamação

individual de proteção dos direitos fundamentais nominado

tutela, também de fácil acesso.

210
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Com o desenho institucional estabelecido pela Carta

Constitucional de 1991, que será explicitado mais adiante,

pode-se concluir que o modelo jurídico colombiano pode ser

classificado como misto entre os modelos de civil law e common

law, como esclarece Guevara (2011), e que segue as demais

tradições latino-americanas, pois se aceita a necessidade de

contar com um poder judicial independente, mas os

mecanismos e a estrutura institucional acabam sendo

insuficientes para garantir uma magistratura efetivamente

autônoma, com forte intervenção dos outros poderes, como é

o caso do Poder Executivo na escolha dos magistrados do

Supremo Tribunal Federal no Brasil e em outros países como

Argentina, México e Chile.

A título de ilustração, valendo-se, ainda, de Guevara

(2011), no sistema de civil law prevalece a ideia do juiz como um

funcionário e o princípio da inamovibilidade busca garantir a

independência dos juízes na sua atuação, sendo o concurso a

via natural de acesso, sendo que, no sistema da common law, o

sistema político prevalece como forma de acesso, pelo sistema

de eleição e com forte influência dos partidos políticos.

211
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

O artigo 113 da Carta Constitucional colombiana prevê o

Judiciário como um dos ramos do Poder Público, junto com

Legislativo e Executivo. Além dos órgãos que os compõem,

existem outros, autônomos e independentes, para o

cumprimento das demais funções do Estado. Os diferentes

órgãos do Estado têm funções separadas, mas colaboram

harmoniosamente para a realização de seus propósitos.

Assim, evidencia-se que, tal qual a Constituição

Brasileira, há previsão constitucional do sistema de freios e

contrapesos. No entanto, muitas vezes vai-se além disso, diante

da falta de força institucional de um dos poderes, como é o caso

do Poder Legislativo colombiano que, diante de sua fraqueza e

crise de representação, levou a Corte Constitucional a passar a

desempenhar um papel ativo na defesa do respeito aos direitos

fundamentais (YEPES, 2007).

Já o artigo 116 da Constituição Colombiana prevê, acerca

do exercício de funções administrativas e judiciais, que a Corte

Constitucional, a Corte Suprema de Justiça, o Conselho de

Estado, a Comissão Nacional de Disciplina Judicial, a

Procuradoria Geral da Nação, os Tribunais e os Juízes

212
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

administram a Justiça. O mesmo acontece com a Justiça Penal

Militar. Trata-se de forma de assegurar a devida independência

e autonomia do Poder Judiciário, superando o histórico de falta

de autonomia financeira e gerencial que já marcou o país, de

modo a atender aos padrões internacionais de Estado de

Direito.

Por outro lado, prevê que o Congresso exercerá certas

funções judiciais. O artigo 174 da Constituição prevê que é

responsabilidade do Senado conhecer as acusações

formuladas pela Câmara dos Deputados contra o Presidente da

República ou quem faça as suas vezes; contra os magistrados

da Corte Suprema de Justiça, do Conselho de Estado e da Corte

Constitucional, os membros do Conselho Superior da

Magistratura e o Procurador Geral da República, ainda que

tenham deixado seus cargos. Nesse caso, devem ser fatos ou

omissões ocorridos em seu desempenho. Prevê ainda, que,

excepcionalmente, a lei pode atribuir função jurisdicional em

assuntos específicos a determinadas autoridades

administrativas. No entanto, eles não terão permissão para

avançar instruções resumidas ou processar crimes.

213
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

A título comparativo com a Constituição Brasileira,

acerca da harmonia e separação de poderes, da mesma forma,

são previstos no Brasil como poderes da União, independentes

e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Ao longo de seu texto, também se pode extrair que o Poder

Judiciário possui autonomia administrativa e financeira (art. 99)

e o Legislativo possui certas funções jurisdicionais (art. 52, I e II).

No que tange à atribuição de exercício de funções jurisdicionais

pelo Executivo, existe a exceção do Tribunal Marítimo, em que

parte da doutrina entende que não integra o Poder Judiciário

mas exerce jurisdição com definitividade (Lei 2.180/54).

3. Moldura normativa

O modelo do Poder Judiciário colombiano se encontra

disciplinado pela Constituição Política de 1991 e, em especial,

pela Lei 270 de 1996, já modificada posteriormente, que

consiste no Estatuto da Administração da Justiça. É dividido em

cinco jurisdições (jurisdição ordinária, jurisdição constitucional,

214
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

jurisdição contenciosa-administrativa, jurisdição especial e

jurisdição disciplinária) e a Procuradoria Geral da Nação.

O artigo 228 da Constituição Colombiana prevê que a

Administração da Justiça é uma função pública e seu

funcionamento será descentralizado e autônomo.

Por outro lado, a Lei 270/96 explicita a disposição,

esclarecendo que a administração da justiça é a parte da função

pública desempenhada pelo Estado, encarregado pela

Constituição e pela lei, para fazer valer os direitos, obrigações,

garantias e liberdades neles consagrados, com o fim de obter a

paz social.

O artigo 11 da Lei 270/96 esclarece que a jurisdição

ordinária é integrada pela Corte Suprema de Justiça, os

Tribunais Superiores de Distrito Judicial e os juízes civis,

trabalhistas, penais, penais para adolescentes, de família, de

execução de penas, de pequenas causas e de competência

múltipla e outros especializados criados conforme a lei.

A Corte Suprema de Justiça é o tribunal máximo da

jurisdição ordinária e possui suas atribuições previstas pelo

artigo 235 da Constituição Política da Colômbia. Anteriormente

215
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

à Carta Constitucional de 1991, era quem detinha a atribuição

de realizar o controle de constitucionalidade das leis, mas

detinha atuação discreta nesse particular, com enfoque

predominantemente orgânico (GUEVARA, 2011).

Suas atribuições são: 1. atuar como tribunal de cassação;

2. conhecer o direito de contestar e apelar em questões

criminais, conforme determinado por lei; 3. julgar o Presidente

da República, ou quem faça suas vezes, e os altos funcionários

a que se refere o artigo 174 da Constituição; 4. investigar e julgar

os membros do Congresso; 5. julgar o Procurador Geral da

Nação, o Vice Procurador Geral da Nação ou os seus delegados

da unidade do Ministério Público perante a Corte Suprema, o

Vice-Presidente da República, os Ministros de Estado, o

Advogado-Geral, o Defensor do Povo, os Agentes do Ministério

Público perante a Corte, perante o Conselho de Estado e

perante os Tribunais, Diretores dos Departamentos

Administrativos, o Controlador Geral da República, os

Embaixadores e Chefes de Missão Diplomática ou Consular, os

Governadores, os Magistrados de Tribunais e os Generais e

Almirantes das Forças Armadas, pelos atos puníveis que lhes

216
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

sejam imputados; 6. julgar, através da Câmara de Cassação

Criminal da Corte Suprema, os recursos interpostos contra as

decisões proferidas pela Câmara Especial de Primeira Instância

da Câmara Penal da Corte Suprema de Justiça; 7. julgar, através

de uma Câmara composta por três magistrados da Câmara de

Cassação Penal da Corte Suprema de Justiça e que não tenham

participado da decisão, nos termos da lei, o pedido de dupla

conformidade judicial da primeira condenação da sentença

proferida pelos magistrados restantes da referida Câmara nos

assuntos mencionados nos números 1, 3, 4, 5 e 6 ou das

sentenças que os Tribunais Superiores ou Militares fizerem

nessas condições; 8. conhecer os assuntos contenciosos dos

agentes diplomáticos acreditados perante o Governo, nos casos

previstos pelo direito internacional; 9. ser responsável por seu

próprio regulamento; 10. as demais atribuições referidas por lei.

Ainda, sobre conflitos de competência, prevê o artigo 18

da Lei 270/96 que serão resolvidos pela Corte Suprema de

Justiça os que surgirem entre autoridades da jurisdição comum

que tenham especialidades jurisdicionais diferentes e que

pertençam a diferentes distritos, assim como conflitos da

217
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

mesma natureza que surjam entre autoridades da mesma

categoria ou de categoria diferente e pertencentes ao mesmo

Distrito.

A jurisdição constitucional na Colômbia é exercida pela

Corte Constitucional, criada com a Constituição de 1991.

Também o podem fazê-lo todos os juízes da República em

matéria de ação tutelar71. Importante ressaltar que, em que

pese ser o órgão único da jurisdição constitucional, comporta

uma exceção, referente à competência que manteve o

Conselho de Estado em controlar constitucionalidade em casos

específicos que não sejam atribuídos à Corte Constitucional.

O artigo 241 da Constituição estabelece que à Corte

Constitucional se confia a guarda da integridade e supremacia

da Constituição e, com esse fim, cumprirá as seguintes funções:

1. decidir sobre as demandas de inconstitucionalidade que

71
A ação de tutela (acción de tutela) está prevista no artigo 86 da Constituição Política da
Colômbia e foi regulamentada pelo Decreto nº 2591/1991. Essa ação busca tutelar os
direitos constitucionais fundamentais, sejam eles explícitos na Constituição colombiana,
ou implícitos. A proteção deve ser imediata e pode ser requerida diretamente pela
pessoa afetada sem a necessidade de um advogado. A ação de tutela cumpriu um
relevante papel na democratização do acesso à justiça na Colômbia (CESAR, 2007). No
Brasil não existe nenhuma ação tão ampla e que confira tamanho acesso à justiça em
todos os seus níveis.

218
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

promovam os cidadãos contra os atos reformadores da

Constituição, qualquer que seja a sua origem, apenas por vícios

de procedimento em sua formação; 2. decidir, antes do

pronunciamento popular, sobre a constitucionalidade da

convocação de um referendo ou uma Assembleia Constituinte

para reformar a Constituição, apenas por vícios de

procedimento em sua formação; 3. decidir sobre a

constitucionalidade de referendos sobre leis e consultas

populares e plebiscitos de ordem nacional. Este último apenas

por vícios de procedimento na convocação e realização; 4.

decidir sobre as demandas de inconstitucionalidade que os

cidadãos apresentem contra as leis, tanto por seu conteúdo

material quanto por vícios de procedimento em sua formação;

5. decidir sobre as demandas de inconstitucionalidade que os

cidadãos apresentem contra os decretos com força de lei

emitidos pelo Governo com base nos artigos 150, número 10 e

341 da Constituição, por seu conteúdo material ou por vícios de

procedimento em sua formação; 6. decidir sobre a recusa a

comparecer à comissão permanente do Poder Legislativo para

dar declarações sobre fatos relacionados às investigações; 7.

219
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

decidir definitivamente sobre a constitucionalidade dos

decretos legislativos emitidos pelo Governo com base nos

artigos 212, 213 e 215 da Constituição (Estados de Exceção); 8.

decidir definitivamente sobre a constitucionalidade dos

projetos de lei que foram contestados pelo Governo como

inconstitucionais e os projetos de leis estatutárias, tanto pelo

seu conteúdo material quanto por vícios de procedimento em

sua formação; 9. revisar, na forma determinada por lei, decisões

judiciais relacionadas à ação para proteger os direitos

constitucionais; 10. decidir definitivamente sobre a

exequibilidade dos tratados internacionais e das leis que os

aprovam. Para esse fim, o Governo os enviará à Corte, dentro

de seis dias após a promulgação da lei. Qualquer cidadão pode

intervir para defender ou contestar sua constitucionalidade. Se

o Tribunal os declarar constitucionais, o Governo poderá trocar

cartas; caso contrário, eles não serão ratificados. Quando uma

ou várias regras de um tratado multilateral são declaradas

inaplicáveis pelo Tribunal Constitucional, o Presidente da

República somente pode expressar seu consentimento fazendo

a reserva correspondente; 11. resolver os conflitos de

220
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

competência que ocorram entre as diferentes jurisdições; 12.

ser responsável por seu próprio regulamento.

A jurisdição contenciosa-administrativa na Colômbia é

exercida pelo Conselho de Estado desde a Constituição de

1886, com um pequeno período de supressão entre 1905 e

1910, tendo a Lei 130 de 1913, pela primeira vez, lhe assinalado

competências judiciais. Trata-se de um diferencial desse país

em relação aos demais modelos da América Latina, tendo

optado pelo modelo de jurisdição dual, em face da influência do

pensamento francês, tendo sido importado esse modelo,

primeiro como assessor do Poder Executivo e, após, como o juiz

especial da administração pública. No entanto, é um modelo

mais complexo do que simplesmente se afirmar que se trata de

um transplante simples do modelo francês de juiz especializado

e único da atividade administrativa (MALAGÓN-PINZÓN;

GAITÁN-BOHÓRQUEZ, 2008).

No entanto, o modelo colombiano se diferenciou do

modelo francês na ideia de que deveria, em homenagem à

separação dos poderes, integrar o Poder Executivo de forma

concentrada. No caso, embora tenha sido instituído o Conselho

221
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

de Estado como o órgão principal de controle administrativo em

jurisdição contenciosa, não o foi como única entidade, eis que,

no Judiciário, também a Corte Suprema de Justiça permaneceu

como juiz da administração, como já o fazia desde o século XIX.

E, até hoje, continua sendo o juiz da atividade administrativa em

questões de bens públicos e litígios corporativos (MALAGÓN-

PINZÓN; GAITÁN-BOHÓRQUEZ, 2008).

A Constituição Política da Colômbia, em seu artigo 237,

estabeleceu como atribuições do Conselho de Estado: 1.

desempenhar as funções de tribunal supremo do contencioso

administrativo, conforme a lei; 2. conhecer as ações de nulidade

por inconstitucionalidade dos decretos editados pelo Governo

Nacional, cuja competência não esteja atribuída à Corte

Constitucional; 3. atuar como corpo supremo consultivo do

Governo em assuntos de administração, devendo ser

necessariamente ouvido em todos os casos que determinem a

Constituição e as leis. Nos casos de trânsito de tropas

estrangeiras pelo território nacional, estação ou trânsito de

navios ou aeronaves estrangeiras, nas águas ou no território ou

no espaço aéreo da nação, o governo deve primeiro ouvir o

222
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Conselho de Estado; 4. preparar e apresentar projetos de

reforma da Constituição e projetos de lei; 5. conhecer os casos

de perda de investidura dos congressistas, nos termos da

Constituição e da lei; 6. conhecer a ação de nulidade eleitoral

sujeita às regras de concorrência estabelecidas por lei. Por fim,

o artigo 238 da Carta ainda estabelece que a jurisdição do

contencioso administrativo pode suspender provisoriamente,

pelos motivos e com os requisitos estabelecidos em lei, os

efeitos de atos administrativos sujeitos a impugnação por via

judicial.

A jurisdição contenciosa-administrativa é formada,

ainda, pelos Tribunais Administrativos e pelos juízes

administrativos. Importante ressaltar, também, que o artigo 42A

da Lei 270/96, introduzido em 2009, estabeleceu a conciliação

como requisito de procedibilidade, com o adiantamento do

trâmite pela conciliação extrajudicial quando a causa versar

sobre questão passível de conciliação.

A jurisdição especial é composta pela jurisdição de paz e

pela jurisdição das comunidades indígenas. Tratam-se de

formas de jurisdição tradicionais na Colômbia, sendo que as

223
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

autoridades indígenas remontam a época colonial e os juízes de

paz, o século XIX (SAMPER, 2012).

O artigo 246 da Constituição prevê que as autoridades

dos povos indígenas podem exercer funções jurisdicionais em

seu âmbito territorial, de acordo com suas próprias regras e

procedimentos, desde que não sejam contrárias à Constituição

e às leis da República. A lei estabelecerá as formas de

coordenação desta jurisdição especial com o sistema judicial

nacional.

Quanto à jurisdição indígena, Burgos (2015) relata uma

dificuldade de convivência com as demais jurisdições,

especialmente pela inexistência de legislação específica sobre o

tema, sendo certo que essas tensões acabam sendo

solucionadas a nível jurisprudencial. Nesse ponto, as decisões

judiciais exigem que, para a caracterização de um conflito como

de interesse indígena, o conflito deve se relacionar com um

interesse da comunidade indígena, com um membro da

comunidade indígena e o fato deve ter ocorrido na área

territorial de uma comunidade indígena.

224
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Acrescenta o mesmo autor que, no ano de 2012, a

câmara administrativa do Conselho Superior da Magistratura

expediu o acordo PSAA12-9614, de julho de 2012, que teve

como objeto estabelecer medidas de coordenação e

interlocução entre o Poder Judiciário e as comunidades

indígenas.

Os juízes de paz estão previstos no artigo 247 da

Constituição, foram regulamentados pela Lei 497 de 1998 e

visam resolver os conflitos que as pessoas ou a comunidade,

voluntariamente e de comum acordo, submetam ao seu

conhecimento, e que versem sobre assuntos suscetíveis de

transação, conciliação ou desistência e que não estejam sujeitos

a solenidades legais, em quantidade que não exceder cem

salários mínimos legais mensais vigentes. No entanto, os juízes

de paz não têm jurisdição para conhecer ações constitucionais

e contencioso-administrativas, bem como ações civis que

versem sobre a capacidade e o estado civil das pessoas, exceto

pelo reconhecimento voluntário de crianças extraconjugais.

225
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

A jurisdição disciplinária72 é composta pelo Conselho

Superior da Magistratura e pelos Conselhos Seccionais da

Magistratura. As atribuições do Conselho Superior da

Magistratura, segundo artigo 256 da Constituição, são as

seguintes: 1. administrar a carreira judicial; 2. elaborar as listas

de candidatos para a designação de funcionários judiciais e

enviá-las para a entidade que deve fazê-la. Se excetua a

jurisdição penal militar que segue normas especiais; 3.

acompanhar a produtividade; 4. preparar o projeto de

orçamento do Poder Judiciário que deve ser submetido ao

Governo e executá-lo de acordo com a aprovação do

Congresso; 5. as demais que forem previstas por lei.

Por fim, a Procuradoria Geral da Nação73 na Colômbia

faz parte do Poder Judiciário, possui autonomia administrativa

72
Nesse ponto, existe relevante diferença para o modelo adotado no Brasil, em que o
Conselho Nacional de Justiça não exerce qualquer tipo de atividade jurisdicional,
embora seja um órgão do Poder Judiciário. Já na Colômbia, nos termos da Constituição
política de 1991, os Conselhos da Magistratura, além das funções administrativas,
também possuem funções jurisdicionais, como, por exemplo, o julgamento de conflito
de competência que ocorram entre distintas jurisdições, conforme se observa pelo teor
do artigo 241 da Constituição Política colombiana.
73
As atribuições da Procuradoria Geral da Nação na Colômbia (La Fiscalía General de la
Nación) são semelhantes às atribuições do Ministério Público brasileiro, embora este

226
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

e orçamentária e é formada pelo Procurador Geral, os

procuradores delegados e os outros funcionários determinados

por lei, consoante artigo 249 da Constituição da Colômbia.

A Procuradoria Geral da Nação é obrigada a promover o

exercício da ação penal e conduzir a investigação dos fatos que

tenham as características de um crime que venha a seu

conhecimento, desde que haja motivos suficientes e

circunstâncias factuais que indiquem sua possível existência.

Consequentemente, não poderá suspender, interromper ou

renunciar a processos criminais, exceto nos casos estabelecidos

por lei para a aplicação do princípio de oportunidade regulado

no âmbito da política criminal do Estado, que estará submetido

ao controle de legalidade por parte do juiz que exerça as

funções de controle de garantias. Excetuam-se os crimes

cometidos por membros da Força Pública em serviço ativo e em

relação ao mesmo serviço. O artigo 251 prevê funções especiais

do Procurador Geral da Nação. Importante salientar que a

último não faça parte do Poder Judiciário brasileiro, sendo entendido como um quarto
Poder, nos moldes dos artigos 127 e seguintes da Constituição Federal de 1988.

227
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Constituição estabelece, ainda, que, mesmo durante os Estados

de Exceção mencionados na Constituição em seus artigos 212

e 213, o Governo não pode suprimir, nem modificar as

organizações, nem mesmo as funções básicas de acusação e

julgamento.

Diante da moldura normativa apresentada no que toca

ao Poder Judiciário Colombiano, quando se pensa no modelo

brasileiro desenhado com a Constituição Federal de 1988, é

possível destacar algumas diferenças substanciais dignas de

nota, em que pese também haver semelhanças tal qual em

relação aos demais modelos da América Latina.

A primeira delas diz respeito ao fato de a Colômbia se

tratar de um Estado Unitário, de modo que todo o Poder

Judiciário, embora exercido de forma descentralizada, está

concentrado no poder central nacional. No Brasil, por se tratar

de uma Federação, o Poder Judiciário está dividido entre a

União e os estados, só não sendo exercido no âmbito municipal.

O amplo controle de constitucionalidade, que se

consolidou com a Carta Constitucional de 1991, também se

evidencia no Brasil, onde há o controle tanto de forma difusa

228
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

por todos os órgãos julgadores como de forma concentrada

pelos órgãos de cúpula, sendo, no Brasil, o Supremo Tribunal

Federal o tribunal supremo de defesa do respeito à ordem

constitucional.

No que tange ao exercício da jurisdição contenciosa-

administrativa, o Brasil adotou o modelo de jurisdição una,

diferentemente do caso colombiano, que adotou a jurisdição

dual inspirada no modelo francês. O exercício da jurisdição

administrativa no Brasil é realizado tanto pelo Poder Judiciário

da União, naquilo que é previsto pela Constituição, como pelo

Poder Judiciário dos Estados e do Distrito Federal, de forma

residual.

Quanto aos casos de jurisdição especial previstos pela

ordem jurídica colombiana, notadamente a autoridade dos

indígenas para o exercício de jurisdição dentro de seus

territórios e a eleição de juízes de paz não remunerados, eleitos

para causas de menor complexidade e valor que sejam

passíveis de conciliação, o Brasil não previu hipóteses

semelhantes.

229
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Em relação às disputas sobre direitos indígenas,

especializou-as aos juízes federais apenas (art. 109, XI da CF/88),

sendo que, assim como na Colômbia, o Brasil tenta empreender

maior eficiência à resolução de conflitos e, para tanto, criou a

figura do juiz leigo que, no entanto, auxilia a atuação dos juízes

dentro do próprio Poder Judiciário.

A Procuradoria Geral da República não integra o Poder

Judiciário como a Procuradoria Geral da Nação colombiana, mas

ambas possuem autonomia administrativa e financeira.

Inicialmente, o modelo colombiano concentrava funções

judiciais e investigativas, em um híbrido entre os sistemas

inquisitivo e acusatório (GUZMÁN-RINCÓN, 2012). As reformas

que foram empreendidas na Colômbia levaram à instituição do

sistema penal acusatório, com a introdução, inclusive, do juiz de

garantias, também introduzido de forma recente na ordem

jurídica brasileira pela Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de

2019, embora ainda pendente de implementação.

230
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

4. Dimensão orgânica

Como foi visto, a Constituição Política da Colômbia de

1991 trouxe importantes inovações para o Poder Judiciário

colombiano, trazendo, por exemplo, a criação da Corte

Constitucional (como guardiã da Constituição), o Conselho

Superior e os Conselhos Seccionais da Magistratura, a

Procuradoria Geral da Nação e as jurisdições especiais como as

autoridades indígenas e a Justiça de Paz (SAMPER, 2012).

A partir desse item, serão esmiuçados os principais

órgãos judiciais na sua dimensão orgânica com os pontos mais

relevantes, tendo como base especialmente a Constituição

Política colombiana de 1991 e a Lei 270/96, que dispõe sobre o

Estatuto da Administração da Justiça colombiana.

A Corte Constitucional, que foi criada pela Constituição

de 1991, atualmente é composta por nove magistrados que são

eleitos pelo Senado, sendo que as respectivas indicações são

feitas pelo Presidente da República, pela Corte Suprema de

Justiça e pelo Conselho de Estado no número de três membros

231
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

cada. A legislação exige que a Corte seja composta por juristas

com diversas especialidades.

A Corte Suprema de Justiça possui atualmente 23

magistrados nomeados pela respectiva corporação, a partir de

listas elaboradas pelo Conselho Superior da Magistratura.

O Conselho de Estado possui 31 magistrados que são

nomeados pelo próprio tribunal a partir de listas com pelo

menos 5 membros enviadas pela câmara administrativa do

Conselho Superior da Magistratura.

A Constituição da Colômbia exige o preenchimento de

requisitos para fazer parte dessas três cortes: ser cidadão

colombiano, ser advogado, não ter condenação judicial a pena

privativa de liberdade, exceto crimes políticos e culposos, e ter

desempenhado por 10 anos funções no Poder Judiciário, no

Ministério Público, como advogado ou como professor

universitário do ramo jurídico.

A permanência nesses três tribunais ocorrerá pelo

período de oito anos, vedada a reeleição, e seus membros

permanecerão no cargo enquanto tiverem bom

232
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

comportamento, desempenho satisfatório e não atingirem a

idade de aposentadoria obrigatória.

O Conselho Superior da Magistratura é composto por 13

magistrados. Desse total, seis desempenham suas funções por

oito anos na câmara administrativa, sendo que dois são

indicados pela Corte Suprema, um pela Corte Constitucional e

três pelo Conselho de Estado. Já na câmara disciplinar, atuam

sete magistrados eleitos pelo congresso, com indicação pelo

governo, pelo período de oito anos.

São exigidos requisitos distintos dos demais tribunais

superiores. Exige-se a comprovação da cidadania colombiana,

que o candidato seja maior de 35 anos, que seja advogado e,

por fim, que tenha exercido a profissão por 10 anos com bons

créditos.

O Procurador Geral da Nação, também inovado pela

Constituição de 1991, é escolhido pela Corte Suprema de

Justiça dentre lista de candidatos enviada pelo Presidente, por

um período de 4 anos, vedada a reeleição, devendo atender os

mesmos requisitos para ser um juiz da Corte Suprema de

Justiça.

233
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

As jurisdições especiais, que englobam as autoridades

indígenas (Art. 246 da Constituição) e os juízes de paz (Art. 247

da Constituição e Lei 497/1999), têm inúmeras especificidades

de acordo com as características próprias que regem esses

ramos especiais da justiça.

Os juízes de paz e de reconsideração74, nos termos da

Lei 497/1999, são eleitos por votação popular dos cidadãos das

comunidades localizadas no distrito eleitoral para um período

de cinco anos, reelegíveis de forma indefinida. São particulares

que administram a justiça em equidade, de acordo com as

disposições da Constituição e da lei, e não recebem

remuneração alguma para o exercício da função.

Já a jurisdição indígena será adotada em cada

comunidade indígena, de acordo com as peculiaridades

culturais da tribo.

74
As diretrizes que regulamentam a figura dos juízes de paz e dos juízes de paz de
reconsideração estão previstas na lei 497/99. Essa lei estabelece os princípios da justiça
de paz, delimita a competência desses juízes, elenca os requisitos para acesso e define
o período em que atuarão. Tanto os juízes de paz como os juízes de reconsideração
recebem tratamento idêntico e compõe o sistema de justiça de paz da Colômbia. A
resolução 2543/2003 regulamenta a forma como se dá a eleição para o preenchimento
dessa relavante função no sistema judicial colombiano.

234
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Por tudo o que foi exposto, observa-se que o provimento

dos quatro órgãos de cúpula do Poder Judiciário da Colômbia

se dá de forma mista, ora pelo sistema de cooptação interna,

em que a escolha se dá internamente pelo Poder Judiciário, ora

através da participação dos Poderes Executivo e Legislativo,

esses em menor número.

Por outro lado, o provimento dos juízes de menor

hierarquia se dá, em regra, por concurso público e por

aprovação em curso de formação realizado nas escolas da

magistratura.

O concurso público é feito tanto para os juízes

(chamados pela legislação de funcionários) como para os

servidores (chamados pela legislação de empregados) do Poder

Judiciário da Colômbia.

A fase de mérito do concurso para juízes se dá com uma

prova que busca avaliar os conhecimentos, a experiência, a

formação e as publicações do candidato. Os aprovados

cursarão a escola judicial Rodrigo Lara Bonilla por nove meses,

sendo esse curso dividido em duas etapas: uma etapa geral

comum a todas as especialidades e uma etapa específica já

235
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

relacionada ao âmbito de atuação optada. Ainda existe uma

terceira fase de entrevista e, após a aprovação em todas as

fases, o candidato será relacionado em uma listagem e será

elegível por quatro anos até que ocorra uma vacância de uma

vaga por ele desejada (BURGOS, 2015).

Também existe a previsão de avaliações periódicas e de

cursos de capacitação e atualização tanto para os funcionários

como para os empregados.

Não obstante essa sistemática, um estudo do Ministério

da Justiça e Direito da Colômbia concluiu que 61% dos juízes

acessaram o judiciário por recomendação e apenas 21% por

concurso (GUEVARA, 2011).

Cabe ressaltar que existem diversas especificidades no

acesso e nos requisitos para atuar nos diversos órgãos de

menor hierarquia do Poder Judiciário da Colômbia, dispondo a

legislação sobre a exigência de requisitos gerais para atuar

como magistrado dos tribunais, juízes da república e

procuradores: ser cidadão colombiano no gozo dos direitos

civis, ter título de advogado, exceto para os juízes de paz, e não

ter nenhuma incapacidade ou incompatibilidade.

236
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Dentre as incapacidades, a legislação enumera as

seguintes: interdição judicial, distúrbio mental, privado da

liberdade, estar suspenso ou ter sido excluído da função de

advogado, ter sido destituído de qualquer qualquer cargo

público, ter sido declarado culpável por fatos puníveis (exceto

delitos políticos e culposos) e consumir drogas ou álcool e isso

traga transtornos de conduta.

Já as incompatibilidades são as seguintes: a ocupação de

outro cargo remunerado, ser membro das forças militares, ser

comerciante ou gestor de sociedades, salvo exceções legais,

atuar na gestão de negócios, exercer a advocacia ou outra

profissão e desempenhar ministério em qualquer religião.

A legislação permite que os funcionários da justiça

exerçam a docência universitária pelo período máximo de cinco

horas semanais desde que não prejudique o desempenho das

suas funções.

Burgos (2015) esclarece que é comum na prática que

juízes desempenhem funções de direção acadêmica e, em

outras situações, se dediquem em horário superior às cinco

horas semanais, o que gera inúmeras críticas de que os juízes

237
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

passariam mais tempo nas atividades acadêmicas do que no

labor judicial.

Além desses requisitos gerais, a legislação também

elenca requisitos específicos de prática judiciária para a atuação

em cada uma das esferas, sendo exigida a prática de dois anos

para ser juiz municipal, quatro anos para ser juiz de circuito, oito

anos para atuar em um dos tribunais, sendo mantidos os

mesmos períodos para os procuradores conforme o nível em

que atuem.

De acordo com dados compilados pela Corporacion

Excelencia en la justicia (CEJ), em 2013, o Estado Colombiano

contava com nove juízes para cem mil habitantes e com 9,8

procuradores para o mesmo número de habitantes (BURGOS,

2015).

Com relação à estrutura da justiça na Colômbia, além

dos magistrados dos tribunais, dos juízes da república e dos

procuradores, as atividades são apoiadas por funcionários da

justiça que se dividem no nível administrativo e assistencial

(exige-se que seja advogado e que tenha aprovação nos

estudos de direito), nível profissional (formação profissional

238
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

com a conclusão dos estudos superiores), nível técnico

(preparação técnica e tecnológica) e nível auxiliar (educação

média e capacitação técnica ou tecnológica).

Além dos funcionários efetivos, também existe o auxílio

de funcionários temporários, além de magistrados auxiliares

com atuação nas cortes, secretários, diretores, entre outros,

fazendo com que a composição orgânica da justiça na Colômbia

possua uma estrutura complexa e bem dividida.

Tendo sido exposto esse panorama estrutural da justiça

colombiana, é importante que seja aprofundado o estudo da

independência institucional do Poder Judiciário da Colômbia e

da independência de seus membros no exercício da jurisdição

para melhor compreensão da dimensão orgânica da estrutura

judicial desse país, estando essa independência relacionada

com diversos aspectos concretos da atuação como as

prerrogativas e garantias, a remuneração, os deveres e

responsabilidades e os controles a que estão sujeitos os

membros do Poder Judiciário colombiano.

Em regimes democráticos de direito, a independência do

Poder Judiciário se identifica como uma necessidade que

239
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

contribui para a defesa da Constituição frente a excessos do

poder político. Assim, a independência do juiz deve garantir com

que ele esteja livre de influências dos poderes Executivo e

Legislativo, bem como de pressões políticas (GUEVARA, 2011).

Os Estados de Direito devem se basear na separação de

poderes e no princípio da legalidade, fazendo com que o

governo se submeta ao direito e, nesse sentido, a

independência judicial é fundamental para a defesa dos direitos

humanos e para a proteção contra a indevida intromissão do

poder político (REVELO-REBOLLEDO, 2008).

O princípio da independência judicial na Colômbia está

consagrado em diversas normas constitucionais, especialmente

nos artigos 228 e 230 da Carta Política, que estabelecem que as

decisões da administração da justiça são independentes e só se

submetem ao império da lei. Também é definida a autonomia

do Poder Judiciário, o que garante a independência da justiça

como tal, assim como o artigo 249 prevê a autonomia financeira

e administrativa da Procuradoria Geral da Nação (BURGOS,

2015).

240
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Da mesma forma, Revelo-Rebolledo (2008) interpreta o

artigo 230 da Constituição colombiana no sentido de que os

juízes em suas decisões estão submetidos ao império da lei, o

que garante a todos os cidadãos que serão julgados com

independência por um juiz que segue a lei e não qualquer outro

tipo de interesse.

A independência judicial pode se manifestar no plano

externo e no plano interno. No primeiro está relacionado à

separação dos poderes, à inamovibilidade, a existência de

pressupostos para o poder judicial e a existência de

mecanismos claros de seleção dos magistrados. Por outro lado,

no plano interno a independência está relacionada à autonomia

que devem ter os juízes de hierarquia inferior frente aos seus

superiores (GUEVARA, 2011).

Ainda sobre a independência externa do Poder Judiciário

da Colômbia, cabe ressaltar que apenas em 1989, com a Lei

38/1989, é que o Judiciário passou a ser responsável pela

autonomia do seu orçamento, sendo que, no período anterior,

dependia financeiramente do Ministério da Justiça (ENGELMAN;

BANDEIRA, 2011).

241
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Assim, tanto a Constituição colombiana como a Lei

270/96 trouxeram importantes normas e instituições para a

garantia da independência judicial no plano institucional.

A primeira mudança, que institucionalmente foi muito

importante para atuação independente e autônoma do Poder

Judiciário, diz respeito à criação pela Constituição de 1991 do

Conselho Superior da Magistratura, que é o órgão responsável

pelo autogoverno da magistratura colombiana.

Embora tenha sido muito importante a implementação

dessa corte com a função de gerir e fixar as diretrizes de

atuação do Poder Judiciário, Guevara (2011) traz uma crítica no

sentido de que a criação dessa estrutura como órgão

encarregado de gerenciar o aparato judicial não bastou para, de

fato, garantir a autonomia do Poder Judiciário, especialmente

pela interferência indevida do poder político que nomeia alguns

membros da câmara disciplinar sem base no mérito.

Dentre as principais críticas que são feitas à atuação do

Conselho Superior da Magistratura no que concerne à

independência judicial, destacam-se a forma como são

escolhidos os integrantes das câmaras administrativas e

242
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

disciplinares, as influências políticas na elaboração das listas, a

indicação de integrantes sem experiência no ramo judicial para

ocuparem as câmaras disciplinares e, por fim, o uso do

mecanismo de expedição de circulares para interferir na

independência dos juízes, especialmente na área laboral

(BURGOS, 2015).

Quanto à ocupação das câmaras disciplinares por

políticos sem vínculo com o Poder Judiciário, o mesmo autor

ressalta que tal situação gera uma crise de legitimidade dentro

da própria magistratura, que fica à mercê de uma corte

disciplinar que frequentemente é utilizada para pressionar os

juízes no exercício da jurisdição.

Uma segunda característica que deve ser ressaltada na

justiça colombiana diz respeito à sistemática adotada na

nomeação dos membros das principais cortes do país através

do sistema de cooptação pelos próprios tribunais e, em outras

hipóteses, que as indicações não fiquem exclusivamente a

cargo do Poder Executivo. Essa característica possibilita que,

pelo menos na teoria, o Poder Judiciário seja independente na

formação dos seus quadros.

243
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

A utilização do sistema de cooptação para a formação de

algumas dessas cortes, aliada ao concurso público para a

magistratura de piso, foram importantes ferramentas para

diminuir a interferência dos demais poderes na função

jurisdicional.

Não obstante, cabe referir observação feita por

Engelman e Bandeira (2011) no sentido de que, embora o

sistema de cooptação tenha evitado que a Corte Suprema tenha

caído no clientelismo político existente nos anos anteriores,

esse mesmo sistema acabou originando um sistema judicial

elitizado, em que, mesmo com a criação do Conselho Superior

da Magistratura, ainda prevalece um alto grau de

discricionariedade na escolha dos juízes de hierarquia superior.

Assim, embora o sistema de cooptação seja importante

na defesa da independência judicial no plano externo ou

institucional, ele pode de alguma forma prejudicar a

independência judicial dos juízes que atuam nas instâncias

inferiores pois a inexistência de requisitos objetivos para a

escolha dos membros das cortes pode fazer com que fique

fragilizada a atuação independente dos juízes de piso.

244
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Por outro lado, no âmbito da independência pessoal dos

operadores judiciais, a lei estatutária da administração da

justiça estabelece uma série de direitos e deveres que, em tese,

garantem uma atuação independente dos funcionários

judiciais.

Entre os direitos previstos, que permitem a atuação dos

operadores com independência, podem ser citados os

seguintes: a existência de uma carreira judicial com

possibilidade de promoções por mérito, estabilidade no cargo,

direito de ser transferido por seu requerimento por questões

de saúde ou segurança, receber remuneração de acordo com

suas atribuições e ter garantida a proteção da segurança e

integridade física pessoal, bem como dos seus familiares.

Por outro lado, diversos deveres são exigidos dos

membros do Poder Judiciário: 1. cumprir a Constituição, as leis

e seus regulamentos; 2. desempenhar o cargo com honra,

celeridade, eficiência, moralidade, lealdade e imparcialidade; 3.

obedecer e respeitar os superiores e ser cortês com seus

companheiros e subordinados; 4. atuar com cortesia; 5. ser

reservado; 6. respeitar o horário de trabalho; 7. fazer a devida

245
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

capacitação; 8. cuidar da apresentação pessoal; 9. residir no

locar em que exerce o cargo ou nas imediações; 10. evitar a

lentidão processual e medidas procrastinatórias nos processos,

entre outros ditados pela legislação.

Entre as diversas proibições a que estão submetidos,

podem ser destacadas as seguintes: 1. realizar outras atividades

durante o horário de serviço; 2. abandonar ou suspender o

serviço sem autorização prévia; 3. retardar injustificadamente a

prestação de serviço; 4. realizar atividades incompatíveis com a

conduta do cargo; 5. embriaguez habitual ou uso de substâncias

proibidas por lei; 6. participar de processos eleitorais; 7. receber

remuneração indevida em um processo; 8. aceitar doações das

partes e 9. exercer o comércio ou a indústria pessoalmente, ou

exercer atividades com fins lucrativos.

Percebe-se que, na Colômbia, tanto os direitos previstos

aos funcionários judiciais como os deveres e as proibições são

importantes para garantir a independencia na atuação

jurisdicional, estando essas disposições, em linhas gerais, de

acordo com as normativas internacionais que regem o tema

(BURGOS, 2015).

246
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Cabe ressaltar que a existência de uma carreira para os

funcionários judiciais é muito importante para a efetiva

independência judicial, assim, os funcionários judiciais (juízes e

magistrados) permanecerão na atividade sem limitação

temporal enquanto tiverem bom comportamento,

desempenho satisfatório e não atingirem a idade de

aposentadoria obrigatória.

Embora haja previsão de acesso aos cargos judiciais por

concurso público, um dos grandes problemas que ocorre na

Colômbia diz respeito aos juízes de descongestão75, que são

aqueles que não ingressam por concurso público mas por

nomeação, e que ocupam as vagas que os juízes concursados

não têm interesse. Na prática, esses juízes atuam da mesma

forma que os juízes concursados embora, em razão da ausência

de estabilidade e de não fazerem parte da carreira judicial,

75
A figura dos juízes de descongestão (jueces de descongestión) foi criada em razão do
grande congestionamento da justiça colombiana, tendo a sua previsão normativa no
artigo 11 §1º da Ley 270/96. De acordo com Camacho et al (2019) esses juízes já ocupam
parcela significativa no Poder Judiciário colombiano. No Brasil, não existe figura similar,
já que o artigo 93, I da Constituição Federal exige que o ingresso na carreira da
magistratura se dê por concurso público, exceto na hipótese do quinto constitucional,
previsto no artigo 94 da Constituição Federal.

247
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

estejam sujeitos a interferências externas, sendo, na atualidade,

um problema para a independência da justiça colombiana

(BURGOS, 2015).

A criação dos cargos de juizes de descongestão se deu

principalmente a partir do ano de 2009, e foi impulsionada pela

Lei 1285/2009, que previu um plano de descongestionamento

judicial, onde uma das medidas era exatamente a criação

desses cargos (CAMACHO et al, 2019).

Em que pese a legislação não mencionar expressamente

a inamovibilidade, se permite aferir, a partir da leitura da

Constituição e do estatuto da justiça colombiana, que os juízes

não podem ser removidos de ofício, tendo, pelo contrário, a

prerrogativa de se removerem a pedido para cargos iguais em

região diversa do país por questões de saúde ou de segurança

do juiz ou de seus familiares. Também são permitidas permutas

entre ocupantes de cargos iguais.

Existem críticas acerca da falta de requisitos objetivos

para o deferimento dessas remoções, bem como da existência

de corporativismo por parte dos juízes que privilegiam as

248
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

remoções em detrimento dos concursados que aguardam nas

listas para ingresso na carreira (BURGOS, 2015).

No que toca à vitaliciedade, embora a legislação também

não mencione expressamente essa prerrogativa, como ocorre

no Brasil, é possível concluir, pelas disposições normativas

vigentes, que o juiz tem direito a estabilidade no exercício do

seu cargo desde que mantenha uma boa conduta e seja

avaliado de forma satisfatória, ou seja, permanecerá no cargo

enquanto atuar em conformidade com as exigências do cargo.

A avaliação pode ser qualitativa, no que se refere à

qualidade da prestação jurisdicional, e quantitativa com relação

à quantidade de processos analisados. A primeira delas fica a

cargo do juiz de hierarquia superior (por exemplo, os

magistrados do tribunal são avaliados pela Corte Suprema e

avaliam os juízes de circuito que avaliam os juízes municipais) e

a avaliação quantitativa é feita pelo Conselho Superior da

Magistratura e pelos Conselhos Seccionais (BURGOS, 2015).

O mesmo autor refere que existem críticas acerca da

forma como a avaliação qualitativa é feita pois, por meio de

249
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

acusações em matéria disciplinar, os juízes podem se sentir

coagidos a decidir de uma determinada maneira.

Outro direito conferido aos juízes colombianos está

relacionado ao recebimento de remuneração compatível com

a sua atribuição.

Nesse aspecto, recebem boas remunerações, o que

permite o exercício da função jurisdicional com independência.

Por exemplo, no ano de 201776, o total mensal recebido

por um magistrado das altas cortes, incluindo gratificações, foi

de 32.542,129 pesos colombianos, o que equivale a mais de

9.600 dólares americanos nos valores atuais77.

Observa-se uma diferença considerável em relação à

remuneração dos juízes de instâncias inferiores, sendo que, no

mesmo ano de 2017, um juiz de circuito recebia 9.490,863

pesos colombianos e um juiz municipal o valor de 8.152,944

76
Dados obtidos no site Ambito Juridico. Conozca cuál es el sueldo de los magistrados y
jueces de Colombia. Dia 11/1/2018. Disponível em:
https://www.ambitojuridico.com/noticias/general/administracion-publica/conozca-cual-
es-el-sueldo-de-los-magistrados-y-jueces-de. Acesso em: 5 fev. 2020.
77
Câmbio realizado no dia 6 de Fevereiro de 2020.

250
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

pesos colombianos, o que corresponde, em valores atuais, a

aproximadamente 2.800 e 2.400 dólares americanos.

Assim como ocorre no Brasil, existem diversas críticas a

respeito do ganho dos integrantes do Poder Judiciário

colombiano, seja pelos altos valores recebidos ou mesmo pelas

inúmeras gratificações que fazem parte do vencimento78.

Por fim, além de todas as garantias e direitos acima

narrados, a legislação garante aos juízes a proteção e a

segurança física pessoal e de seus familiares. Tal garantia é um

pilar básico para o pleno exercício da função jurisdicional em

qualquer lugar do mundo.

Embora exista essa expressa proteção legal, na prática,

o que ocorre é exatamente o oposto, o que fragiliza de forma

determinante a independência judicial.

78
Nesse sentido, podem ser citadas as seguintes reportagens: Sueldos en el Poder
Judicial: el laberinto de los bonos para jueces supremos., publicada no dia 24/6/2019.
Disponível em: https://elcomercio.pe/politica/sueldos-judicial-laberinto-bonos-jueces-
supremos-noticia-ecpm-648058-noticia/?ref=ecr. Acesso em 5 Fev. 2020. Salarios de
magistrados de justicia especial, entre los más altos en Colombia. Dia 31/10/2020.
Disponível em: https://es.panampost.com/felipe-fernandez/2017/10/31/salarios-de-
magistrados/. Acesso em: 5 fev. 2020.

251
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

De acordo com Guevara (2011), estudo elaborado pela

Comissão Andina de Juristas79 indicou que, entre 1979 e 1991,

cerca de 290 funcionários judiciais foram mortos, estando

incluído nesses números o triste episódio ocorrido em 1985, em

que 11 dos 23 magistrados da Corte Suprema de Justiça foram

mortos80.

Estudo mais recente, realizado pela organização civil de

defesa dos juízes denominada FASOL e citada por Burgos

79
Esse estudo discrimina a violência sofrida por Juízes e advogados na Colômbia no
período de 1979 a 1991, citando a existência de pelo menos 515 casos de violência
contra juízes e advogados, com pelo menos 328 homicídios ou atentados. O estudo
ainda conclui pela existência de multiplas origens para a existência dessa violência,
desde o narcotráfico, até os paramilitares, passando por questões relacionadas a
agentes estatais e a processos relacionados a direitos humanos. COMISION
INTERNACIONAL DE JURISTAS. Justicia Para La Justicia. Violência contra jueces y abogados en
Colombia: 1979 -1991. Bogotá, Jul. De 1992. Disponível em:
https://www.coljuristas.org/documentos/libros_e_informes/justicia_para_la_justicia.pdf.
Acesso em: 10 fev. 2020.
80
No dia 6 de novembro de 1985, uma organização armada de esquerda invadiu o
palácio de justiça da Colômbia e fez inúmeros refens, incluindo diversos juízes da Corte
Suprema de Justiça. No dia 7 de novembro o exército invadiu o recinto e ocorreram
inúmeras mortes, incluindo 12 juízes da Corte Suprema. Dessa operação de retomada
do palácio de justiça, decorreram inúmeros desaparecimentos, o que redundou na
abertura de um processo na Corte Interamericana de Direitos Humanos que condenou
o governo Colombiano pelo desaparecimento de 13 pessoas durante a referida
operação militar. INTER-AMERICAN COURT OF HUMAN RIGHTS. Case Rodríguez Vera et
al (the disappeared from the palace of justice) v. Colombia, Judgement of November 14,
2014, Series C No. 287. Disponível em:
https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_287_ing.pdfAcesso em: 26 jan.
2021.

252
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

(2015), relata que, entre 1989 e 2015, foram assassinados 308

funcionários judiciais, além de diversos casos de ameaças e

desaparecimentos, o que demonstra que a violência contra os

funcionários do Poder Judiciário da Colômbia é uma realidade

que não se modificou nos últimos quarenta anos.

É certo que essa situação afeta a imparcialidade dos

juízes colombianos, especialmente aqueles que atuam em

locais de conflito armado, pois interfere na tranquilidade que se

exige daquele que está na posição de julgar. A violência

direcionada contra os funcionários da justiça certamente causa

um temor no juiz que se vê em posição de risco ao julgar certos

tipos de processos e a atuar em certas localidades.

Mas não é apenas a violência que coloca em risco a

independência judicial da magistratura colombiana. A história

recente da Colômbia mostrou inúmeras tentativas de

interferência no Poder Judiciário, seja por propostas de

reformas com o objetivo de enfraquecer a justiça, a declaração

de estado de exceção, a transferência de competências para

tribunais militares, chegando a ataques mais baixos como a

253
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

realização de espionagem, interceptações ilegais e a realização

de campanhas midiáticas (GUEVARA, 2011).

Tais ataques talvez sejam explicados pelo protagonismo

que vem sendo exercido pelo Poder Judiciário, que acabou

ocupando o lugar dos demais poderes em razão da falta de

legitimidade que possuem com a população.

Nesse sentido, Yepes (2007) relata que as decisões da

Corte Constitucional, limitando as declarações do estado de

exceção por parte do Poder Executivo, bem como decisões

importantes no âmbito das minorias e da concessão de direitos

sociais, fizeram com que as pressões políticas aumentassem

contra o Poder Judiciário e, em especial, contra a Corte

Constitucional.

Na Colômbia, embora existam bons salários, boas

condições de trabalho e aposentadoria para os funcionários

judiciais, tais condições são insuficientes para garantir uma total

independência judicial no país (REVELO-REBOLLEDO, 2008).

Após esse panorama da composição orgânica da justiça

colombiana, cabe trazer algumas diferenças mais importantes

com relação à realidade brasileira.

254
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

No que toca ao preenchimento dos cargos nas cortes

nacionais, com exceção do Conselho Nacional de Justiça, em

que os integrantes atuam em um mandato de dois anos

prorrogáveis, os demais tribunais brasileiros não adotam a

sistemática de atuação por período fixo, sendo todos os

membros nomeados com definitividade.

Uma segunda diferença importante diz respeito à forma

de acesso. No Brasil, existe uma forte participação do Poder

Executivo na nomeação dos membros dos tribunais superiores,

existindo a participação também do Senado Federal na

aprovação dos componentes em alguns casos.

Por exemplo, no Supremo Tribunal Federal, o acesso se

dá por nomeação do Presidente da República após a aprovação

pelo Senado Federal por maioria absoluta, sem nenhuma

participação do Poder Judiciário na escolha, enquanto que, no

Superior Tribunal de Justiça, o acesso se dá por nomeação do

Presidente da República após aprovação por maioria absoluta

do Senado Federal, devendo a composição se dar por membros

dos tribunais federais, dos tribunais estaduais e pelo quinto

255
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

constitucional, que engloba membros da advocacia e do

Ministério Público.

Uma outra diferença bem visível entre a magistratura

brasileira e a colombiana diz respeito à maior independência

judicial que existe no Brasil, onde todos os membros da

magistratura de carreira são concursados, não existindo a figura

colombiana do juiz de descongestão que não faz parte da

carreira e não possui qualquer tipo de garantias.

Com relação às garantias, a magistratura brasileira

também parece estar mais protegida do que a colombiana, pois

o artigo 95 da Constituição da República prevê expressamente

a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de

subsídio, enquanto que, na Colômbia, essas garantias não são

tão claras.

Freitas (2009) esclarece que poucos países no mundo

conferem aos seus juízes a garantia que têm os juízes

brasileiros. Assim, conclui que os juízes brasileiros gozam de

absoluta independência para o exercício das suas funções.

No que toca à segurança para a atuação com

independência, a situação do Brasil também parece bem

256
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

melhor do que a colombiana, embora existissem em 2017 mais

de cem magistrados em situação de risco81.

Ainda que os números de homicídios sejam menores

quando comparados com a situação colombiana, não se pode

deixar de observar que, nos últimos anos, magistrados foram

brutalmente executados no Brasil em razão das suas atuações

profissionais, como ocorreu no caso da juíza Patrícia Acioli,

executada em 2011 na cidade de Niteroi/RJ com 21 tiros, do juiz

Alexandre Martins, que foi executado em 2003 na cidade de

Vitória/ES com três tiros, e o juiz corregedor Antônio José

Machado Dias que, no mesmo ano, foi assassinado a mando de

facção criminosa em Presidente Prudente/SP.

5. Dimensão procedimental: acesso à justiça

O acesso à justiça na Colômbia possui um arcabouço

normativo sólido composto especialmente pela Constituição de

81
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Diagnóstico da Segurança Institucional do Poder
Judiciário 2018. Brasília, 2018. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-
content/uploads/conteudo/arquivo/2018/09/f961723d40e5b6ccb2c9ea230cc8f2c9.pd
f . Acesso em: 10 fev. 2020.

257
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

1991, pela Lei 270/96 e pelos códigos específicos de cada

jurisdição.

A Constituição traz inúmeras disposições referentes ao

amplo acesso à justiça, sendo a principal prevista no artigo 229,

que dispõe que todas as pessoas têm direito de acessar a

justiça, ficando a cargo da lei indicar os casos em que o cidadão

poderá fazê-lo sem advogado.

Outros artigos da Constituição também formam esse

marco normativo, como é o caso do artigo 13, que trata do

princípio da igualdade, e do artigo 29, que trata do devido

processo legal.

A Lei 270/96, nos artigos 1º e 2º, traz os conceitos

básicos da administração da justiça e dispõe sobre a obrigação

do Estado de garantir a todos o acesso à justiça, inclusive

àqueles que não possuem condições financeiras através da

defensoria pública.

No mesmo sentido, é a previsão contida no artigo 2° do

Código Geral de Processo (Lei 1564/2012), que trata do

procedimento a ser adotado em ações civis, comerciais, agrárias

e de família, e que dispõe que todas as pessoas ou grupo de

258
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

pessoas têm o direito a uma tutela judicial efetiva para o

exercício de seus direitos e defesa dos seus interesses.

Já o Código de Processo Penal colombiano (Lei

906/2004) dispõe sobre os princípios da igualdade, do devido

processo legal, do contraditório e, especialmente no artigo 10,

estabelece que o Estado garantirá a todas as pessoas o acesso

efetivo à administração da justiça nos termos do devido

processo legal.

Na Colômbia, o acesso à justiça é fácil e pouco custoso.

Desde 1910, existe a possibilidade de ajuizamento da ação

pública, em que qualquer cidadão pode pedir que se declare a

inconstitucionalidade de qualquer lei sem a necessidade de ser

advogado e sem nenhum formalismo. Por outro lado, a

Constituição de 1991 criou a ação de tutela, na qual qualquer

pessoa pode pedir a qualquer juiz a defesa dos seus direitos

fundamentais (YEPES, 2007).

Sobre a abrangência do acesso à justiça na Colômbia,

Landau (2011) afirma que a Corte Constitucional da Colômbia

tem a faculdade de atender petições de revisão abstrata de

qualquer cidadão e em qualquer momento, além de poder

259
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

revisar os fatos julgados por tribunais inferiores através de um

procedimento de reclamação individual de proteção de direitos

fundamentais chamado de tutela.

Mesmo com essa sistemática de amplo acesso à justiça,

tal fato não faz com que todos tenham de forma efetiva uma

resposta igual quando demandam judicialmente. Nesse

sentido, estudo proposto por Marc Galanter indica que as

pessoas com menos posses financeiras possuem menores

possibilidades de vitória na justiça do que aqueles com mais

recursos (GUSMÁN-RINCON, 2012).

Embora haja a previsão do amplo acesso à justiça, com

a entrada em vigor da Lei 1594/2010, passou a ser admitida a

cobrança de uma taxa criada para suportar os gastos de

financiamento da administração da justiça em processos cíveis,

comerciais e do contencioso administrativo que superem o

patamar de 200 salários mínimos mensais em certas situações.

Assim, diante dessa nova realidade, se pergunta se ainda é

possível afirmar que todos os colombianos têm o pleno acesso

a justiça (SAMPER, 2012).

260
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

No período entre 2001 e 2011, houve na Colômbia

tendências de reforma com o objetivo de descongestionar os

juizados e tribunais, fortalecer a conciliação e meios

extrajudiciais de resolução de conflitos, o aprimoramento do

sistema penal, o fortalecimento da justiça de paz e a otimização

dos modelos de gestão e administração da justiça, estando tais

reformas vinculadas à agenda de organismos internacionais

(GUSMÁN-RINCON, 2012).

No processo civil, as alterações recentes foram no

sentido de descongestionar a jurisdição ordinária e atualizar o

procedimento. Nesse sentido, a Lei 640/2001 consagrou um

regime geral de conciliação judicial e extrajudicial na Colômbia,

bem como as Leis 794/2003, 1194/2008 e 1394/2010

buscaram, entre outros objetivos, descongestionar e tornar

mais célere a jurisdição ordinária na Colômbia (GUSMÁN-

RINCON, 2012).

No direito processual penal, foi adotado um modelo

acusatório através de alterações constitucionais, por meio do

Ato Legislativo 03 de 2002, e legais através da implementação

do novo Código de Processo Penal de 2004, bem como a

261
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

adoção de um novo sistema de responsabilidade penal

adolescente (GUSMÁN-RINCON, 2012).

Em outros ramos do direito, também existem normas

específicas que buscam garantir o acesso à justiça como ocorre,

por exemplo, no Código de Processo do Trabalho e da

Seguridade Social (Decreto-lei 2158/48) e no Código de

Processo Administrativo previsto na Lei 1437/2001.

Assim, observa-se que o Estado colombiano vem

adotando normas gerais e específicas que buscam implementar

o direito de acesso à justiça, bem como vem buscando

estruturar a justiça de forma que possam ser respeitadas as

garantias do devido processo legal, bem como do acesso à

justiça dentro de um prazo razoável (BURGOS, 2015).

No Brasil, o acesso à justiça também se mostra bem

amplo, com a existência de diversas ações mandamentais para

garantir a implementação de direitos fundamentais, a existência

da Defensoria Pública como instituição de apoio jurídico aos

que não tenham condições de pagar advogados e a existência

de diversas isenções no pagamento de despesas no processo

daqueles que sejam pobres.

262
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Cappelletti e Garth (1998) fazem um apanhado histórico

e mencionam as três ondas de acesso à justiça nos países

centrais. Inicialmente, buscou-se o aperfeiçoamento da

assistência judiciária para os pobres, seguindo-se à uma onda

de aperfeiçoamento dos mecanismos existentes para o fim de

proteger os direitos difusos e, em uma terceira onda, se buscou

uma concepção mais ampla de acesso à justiça, visando a

prevenção de conflitos e a implementação de soluções

alternativas à via tradicional dos tribunais como, por exemplo, a

arbitragem e a conciliação.

Diferentemente dos países centrais, onde as conquistas

sociais foram se consolidando paulatinamente, as sociedades

periféricas e semiperiféricas viveram o que se pode chamar de

um curto-circuito histórico pois passaram, de forma abrupta, de

regimes autoritários para regimes democráticos que previam

uma série de direitos para as pessoas (SANTOS, 2011).

É exatamente esse o caso do Brasil, conforme destacam

Cambi e Camacho (2017), ao descreverem que a Constituição

Federal de 1998 foi uma conquista histórica pois assegurou o

acesso à justiça e a duração razoável do processo, em

263
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

contraposição a uma situação anterior que vigorou durante

parte do período militar, em que o Ato Institucional n° 5 fazia

exatamente o oposto ao excluir o amplo alcance da apreciação

judicial.

Ocorre que esse acesso amplo à justiça no Brasil, assim

como ocorre na Colômbia, gerou uma situação de enorme

sobrecarga em que o Poder Judiciário se viu com inúmeros

processos82, o que acaba gerando lentidão e ineficiência.

6. Dimensão decisória

Passa-se à análise de relevantes casos julgados pelo

Poder Judiciário colombiano e que trouxeram repercussão

relevante no país.

O primeiro assunto selecionado diz respeito à jurisdição

indígena reconhecida pela Carta Constitucional de 1991, que

82
Estudo do Conselho Nacional de Justiça (2020) revelou que, apenas em 2019, foram
ajuizadas 30.214.346 (trinta milhões, duzentos e catorze mil e trezentos e quarenta e
seis) novas demandas, sendo constatada, além das novas ações, a existência de
77.096.939 (setenta e sete milhões, noventa e seis mil e novecentos e trinta e nove)
processos pendentes de julgamento em todos os ramos do Poder Judiciário brasileiro.

264
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

visa garantir que a resolução do conflito para esses povos se dê

conforme os seus costumes, mais especificamente no que

tange à colisão de competências entre a jurisdição ordinária e a

jurisdição especial (BURGOS, 2015).

Nesse sentido, o mesmo autor cita as sentenças C-139

de 1996, M.P Carlos Gaviria Díaz, la T-254 de 1994, M.P Eduardo

Cifuentes Muñoz, T-349 de 1996, Carlos Gaviria Díaz, T-496 de

1996 M.P Carlos Gaviria Díaz y T-009 de 2007 M.P Manuel José

Cepeda, que estabeleceram em seu conjunto os seguintes

elementos delimitadores: a) o caráter pessoal, devendo seu

autor ser reconhecido como indígena; b) o caráter geográfico,

no sentido de que o fato tenha ocorrido em território indígena;

c) o elemento objetivo, referente à natureza do bem jurídico

tutelado, que deve ser um interesse da comunidade indígena

ou de sua maioria.

Caso a conduta praticada seja somente sancionada pelo

ordenamento jurídico nacional colombiano, em princípio, os

juízes da República seriam competentes para conhecer o caso,

mas depende de determinação sobre se o sujeito entendia a

ilicitude da sua conduta. Caso a conduta seja sancionada pelas

265
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

duas jurisdições, deve-se levar em consideração a consciência

étnica do sujeito e o grau de isolamento da cultura a que

pertence para que seja possível fazer a distinção e determinar

por qual jurisdição deve a pessoa indígena ser julgada.

Ademais, se estabeleceu também como parte da

garantia do direito de acesso à justiça os limites da jurisdição

que implicam no direito à vida, à proibição da tortura e da

escravidão e a legalidade de procedimento e dos delitos e das

penas, sobre os quais existe consenso intercultural, sendo

considerados grupo de direitos intangíveis que, pelos tratados

internacionais de direitos humanos, não podem ser suprimidos

sequer em situações de conflito armado. Assim, limita a

autonomia da autoridade dos indígenas no que tange a atos

arbitrários que violem a dignidade humana.

Por outro lado, Burgos (2015) apresenta, ainda, os

seguintes princípios estabelecidos pelas decisões da Corte

Constitucional, que servem para dirimir os conflitos de

competência ou quando se suscita exceção pessoal,

expressados através da sentença 866 de 2013, M.P Alberto

Rojas Ríos: a) princípio da maximização da autonomia das

266
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

comunidades indígenas, devendo as restrições à autonomia

desses povos serem impostas apenas excepcionalmente; b)

princípio de maior autonomia para a decisão de conflitos

internos, quando o problema envolva membros de uma mesma

comunidade; c) princípio de maior preservação da identidade

cultural, com maior autonomia diretamente proporcional ao

seu grau de isolamento. No entanto, o autor esclarece que

existe uma verdadeira tensão quando a Corte Constitucional ou

a Corte Suprema de Justiça conhecem de tutelas, como nos

casos de violência sexual contra menor de idade realizado por

integrante de uma mesma comunidade indígena, devendo

prevalecer o direito de proteção especial que goza o menor

presumidamente vulnerado em face da sanção segundo os

usos e costumes indígenas.

Outra decisão digna de nota diante de sua repercussão

nacional se refere ao sistema hipotecário colombiano, em que

as decisões do Poder Judiciário acabaram interferindo na

política econômica de modo a forçar uma revisão desse

sistema.

267
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Nesse sentido, Yepes (2007) chama atenção para o fato

de que, a partir de 1997, a Colômbia entrou em aguda recessão,

o que levou a uma crise dos devedores hipotecários em 1998 e

1999, sendo que se chegou a falar em duzentas mil famílias que

poderiam perder as suas moradias.

No entanto, Landau (2011) ressalta que, em que pese a

preocupação presidencial com a crise, o Congresso colombiano

era demasiadamente disfuncional para agir. Havia uma fórmula,

nominada UPAC, que ajustava anualmente os contratos

hipotecários pela taxa de inflação do ano anterior, sendo que a

Corte Constitucional atuou para reduzir as taxas de juros,

atacando alguns aspectos dessa fórmula, diferenciando taxa de

inflação e taxa de juros, que, segundo ela, “destruiu” o saldo

entre o devedor e o credor, atingindo o valor

constitucionalmente protegido referente à promoção da

habitação, justificando a sua atuação. Além disso, o autor

aponta que a Corte em outras decisões proibiu a capitalização

de juros e as multas pelo pagamento antecipado das hipotecas

diante de sua excessiva onerosidade aos proprietários.

268
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Em face da progressividade de atuação da Corte

Constitucional nesse particular, em que pese o apoio dos

devedores e alguns movimentos sociais, houve reação e críticas

dos grupos empresariais e alguns setores do governo, sendo

que o posicionamento do tribunal levou a uma reforma, a partir

do final de 1999, com a aprovação de uma nova lei de

financiamento da habitação, com alívio aos devedores e

amarrando novamente a evolução das dívidas hipotecárias

apenas na taxa de inflação (YEPES, 2007).

Landau (2011) especifica que a lei incorporou a

jurisprudência formada para proibir a capitalização de juros e

multas por pagamento antecipado, sendo que todas as

mudanças foram retroativas, com reembolso aos devedores

pelo excesso.

Por fim, se entende relevante apresentar as importantes

decisões da Corte Constitucional que passaram a controlar o

uso dos regimes de exceção no país a partir de sua instituição

com a Carta Constitucional de 1991. Nos períodos anteriores,

como já salientado, a Colômbia vivia praticamente em regime de

exceção permanente.

269
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

No entanto, conforme indicam Yepes (2007) e Landau

(2011), diferentemente da Corte Suprema de Justiça, que

entendia que a questão escapava ao controle judicial, cabendo

unicamente o controle político por parte do Congresso

Nacional, a Corte Constitucional colombiana entendeu que

caberia o controle das declarações de emergência, reduzindo a

capacidade de o presidente desenhar políticas de forma

autônoma e analisando a questão sob o aspecto material.

Assim, entre 1992 e 2003, houve doze declarações de estado

de exceção, todas submetidas à Corte Constitucional, que

validou cinco, anulou totalmente três e parcialmente quatro

declarações realizadas pelo presidente da República,

diminuindo o tempo do estado de exceção de 82% nas décadas

de 1970/1980 para 17,5% entre 1991 e 2002.

Laundau (2011) menciona, ainda, que a maioria das

aprovações que respaldaram o estado de emergência se deram

nos primeiros anos de existência da Corte Constitucional, tendo

respaldado totalmente 5 de 6 decretos entre 1992 e 1994 e

desde então passou a adotar a postura mais restritiva a

respeito. Esclarece, por fim, que, tratando-de de uma das

270
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

intervenções mais importantes e originais da Corte

Constitucional, esse tipo de jurisprudência estrutural se justifica

em face do problema da debilidade legislativa que se verifica no

país.

7. Impasses, questões, desafios que se colocam na atualidade

Sob esse aspecto, parece fundamental delinear que a

Colômbia tem se submetido a reformas em seu sistema judicial

em face de pressão de organismos internacionais para se

adequar aos padrões internacionais que assegurem efetiva

independência e eficiência do sistema, diminuindo o fator de

risco do país e adequando-se ao padrão neoliberalista.

Guzmán-Rincón (2012), nesse sentido, explicita que as

reformas visam primordialmente obter a descongestão dos

julgamentos em primeira instância e nos tribunais com melhora

no desempenho, o fortalecimento dos mecanismos para

obtenção de conciliações judiciais e extrajudiciais para a

resolução de conflitos e a modernização do modelo,

particularmente no sistema penal.

271
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

A reforma do sistema penal gradativamente levou à

eliminação do sistema inquisitivo, passando inicialmente a um

sistema híbrido, encaminhando-se para a implementação de

um sistema acusatório, obtendo, ainda, a despenalização de

algumas condutas para descongestionar o sistema. No âmbito

civil, buscou-se a promoção de uma maior informalidade para a

resolução dos conflitos, empregando-se métodos alternativos

(GUZMÁN-RINCÓN, 2012).

De Mesa (2014), por outro lado, esclarece que essas

transformações fazem parte da tendência dos anos 90 dentro

de um ciclo de reformas impulsionadas pelos organismos

internacionais para adequação às necessidades de mercado e

que geram tensão em relação ao Estado social de direito

preconizado originalmente pela Carta Constitucional de 1991,

cheia de avanços de caráter social.

Importante salientar, também, que o Poder Legislativo

fraco manteve o seu papel de bloquear a política presidencial

mesmo depois da Constituição atual, com problemas de

corrupção, abdicando de apresentar iniciativas de reforma da

política nacional, relegando ao executivo que precisa lidar com

272
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

oferecimentos aos legisladores em troca de votos ao invés de

haver compromissos políticos (LANDAU, 2011).

No entanto, as estratégias, em especial do Banco

Mundial (BM), do Banco Interamericano de Desenvolvimento

(BID) e da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento

(USAID), condicionam os projetos de reforma em ações

estratégicas para a atuação dos governos que contraem os

empréstimos e levam à obtenção da segurança jurídica e

política necessárias aos atores econômicos (GUZMÁN-RINCÓN,

2012). Assim, elimina-se a incerteza jurídica para as transações

de mercado, inicialmente voltando-se para o campo civil e

comercial para tanto, em seguida ao sistema penal, mais

especificamente para a política internacional de guerra contra o

narcotráfico e, por fim, aos programas voltados para robustecer

a democracia com a consolidação da independência de atuação

do Poder Judiciário como mecanismo real para garantir as

liberdades individuais e a proteção dos direitos humanos,

fortalecendo a capacidade de controle de abusos do poder

estatal e de resguardo dos direitos das minorias (DE MESA,

2014).

273
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Um momento marcante na história colombiana e digno

de nota no que tange a relação entre o fortalecimento do Poder

Judiciário e a atuação do Poder Executivo em detrimento de sua

independência diz respeito ao episódio conhecido como

chuzadas, em que foi evidenciada a existência de interceptações

ilegais das comunicações de magistrados da Corte Suprema de

Justiça durante o governo de Álvaro Uribe, em franca

perseguição a trabalhos de investigação em processos ligados

à parapolítica, com políticos investigados associados a colisão

governamental, atentando contra a independência judicial

(GUEVARA, 2011).

No entanto, em que pesem os esforços voltados ao

desenvolvimento do país e suas reformas estruturais, a grande

disfuncionalidade que se identifica no sistema político do país

levou ainda a uma inusitada situação descrita por Samper

(2012), em que um projeto de ato legislativo voltado para uma

ampla reforma do sistema de administração judicial, de

iniciativa governamental e que tramitou entre os anos de 2011

e 2012, foi tão desfigurado no Congresso que, ao final, acabou

levando ao veto governamental e a seu arquivamento.

274
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

8 Conclusão

Assim como na Colômbia, a debilidade do sistema

político brasileiro leva a um exacerbado protagonismo judicial,

cuja atuação, muitas vezes, se sobrepõe inclusive à atividade

legislativa.

Nesse sentido, há evidente protagonismo de ambas as

cortes constitucionais: no Brasil através do Supremo Tribunal

Federal que exerce de forma concomitante funções de corte

constitucional, corte de revisão e de corte ordinária para certas

situações e na Colômbia através da Corte Constitucional que da

mesma forma possui amplos poderes jurisdicionais e vem

exercendo, desde a sua criação, um importante papel no

cenário político e jurídico colombiano.

1. Da mesma forma, tanto o Brasil como a Colômbia

possuem uma Constituição voltada para a garantia de direitos

individuais e sociais, com amplo acesso à justiça aos seus

cidadãos, e tem se submetido a reformas estruturais ao longo

dos anos, visando se adequar às exigências dos padrões

internacionais de mercado impostas pela globalização, com

275
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

reformas legislativas buscando aprimorar a eficiência e

independência na resolução dos conflitos.

2. Esse cenário de amplo acesso a justiça acaba por

muitas vezes gerando em ambos os países um

congestionamento no Poder Judiciário, fazendo com que o

excesso de demandas acabe contribuindo com a falta de

efetividade judicial em muitos casos.

3. No que tange à independência judicial, ao se

analisar a independência interna dos magistrados, o Brasil se

encontra em posição de vantagem, dadas as garantias

constitucionalmente estabelecidas, bem como a predominância

do acesso por juízes concursados. No entanto, no aspécto

externo, ainda há problemas decorrentes da interferência dos

outros poderes em relação ao acesso aos tribunais superiores,

em especial ao Supremo Tribunal Federal, diferentemente do

que ocorre na Colômbia onde o sistema de cooptação para as

vagas dos tribunais, aliado a uma menor participação dos

demais poderes nessa escolha, garante uma forte proteção da

independência da magistratura no plano externo.

276
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

4. Um outro aspecto que prejudica a independência

judicial na Colômbia diz respeito à existência do juiz de

descongestão que não faz parte da carreira judicial e

consequentemente não é protegido pelas garantias que são

inerentes aos magistrados de carreira.

5. Por outro lado, embora em ambos os países

existam casos de violência contra a magistratura, a situação

brasileira é bem menos caótica do que a colombiana, onde

existe um histórico de incontáveis assassinatos e atentados

contra os integrantes do Poder Judiciário, o que acaba por

colocar em cheque a existência de condições mínimas para o

exercício da magistratura, especialmente em territórios com

conflitos armados.

6. Também vale ressaltar que a Colômbia traz

importantíssimas experiências judiciais como a jurisdição

indígena e o juiz de paz que possibilitam um maior respeito com

a diversidade etnica e uma maior proximidade com a população

que se vê representada no Poder Judiciário também.

7. Em síntese, independentemente das

semelhanças ou diferenças pontuais entre o sistema judicial

277
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

colombiano e o brasileiro, o estudo comparado pode ser útil

para o aprimoramento de ambos os sistemas, sempre

considerando as peculiaridades regionais de cada país.

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286
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Justiça trabalhista e direitos sociais, sob perspectivas


comparadas entre Brasil e Venezuela

Ingrid Lemos Laczynski


Paula Camargo Daniel de Castro

1 Notas introdutórias

As configurações e normatizações jurídicas em países

da América do Sul, foram constituídas e consolidadas sob a

influência do direito europeu, seus colonizadores.

Especificamente no que tange à República Federativa do Brasil

e à República Bolivariana da Venezuela, em seus aspectos

sociais e trabalhistas, estes também emanaram dos seus

princípios constitucionais pautados em sua evolução histórica

social. Contudo as garantias laborais de tais nações, foram

lentamente conquistadas ao longo de anos de lutas e levantes

conflitantes com demandas econômicas. Embora ambos

países operem o mesmo modelo jurídico, seus sistemas

operacionais são divergentes, porém garantistas, conquanto

no Brasil apresenta remodelação em parte de sua

sistemática.

287
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Nessa esteira o artigo busca brevemente traçar a

descrição da ascenção histórica e política, que nortearam as

diretrizes fundamentais das perspectivas trabalhistas nas

duas nações, bem como é realizada a organização jurídica e

política na instrumentalização dos poderes no Estado,

enquadrando a disciplina jurídica por sua moldura norrmativa,

iniciando pelo arcabouço constitucional que serviu como base

para estruturação da principal legislação laboral da Venezuela,

a Ley Orgánica del Trabajo para los Trabajadores y las

Trabajadoras (LOTTT). Após, serão referenciadas as estruturas

dos tribunais trabalhistas e suas diferenças. Por fim, será

demonstrada a apresentação de um caso concreto ocorrido

na Venezuela, a fim de elucidar o entendimento e deslinde de

demandas de um país diferente do Brasil, eleito para

caracterização comparativista.

O objetivo principal é evidenciar as interseções jurídicas

normativas e sociais, aquelas descoincidentes de países

membros de um mesmo bloco econômico, territorialmente

próximos e prismas históricos relativamente convergentes.

288
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

2 Aspecto político-histórico

Inicia-se a perspectiva comparativista dos aspectos

históricos e políticos relacionados à justiça laboral da

Venezuelana, citando-se o sistema jurídico latino americano,

considerando que possuem similaridade quanto o seu contexto

histórico, dadas as características culturais e geográficas

próximas, além de sua interação econômica.

Observam-se padrões semelhantes nas leis dos estados

latino americanos, que abarcam a influência do direito europeu,

embora ofereçam distinções na aplicação. Um aspecto

observado entre os estados latino-americanos é o grau

de consolidação do estado de direito e, mais especificamente, a

independência judicial. Contudo restringindo-se a Venezuela, tal

independência não é vista de maneira tão ampla.

Em análise comparativista com o Brasil, é destacado que

desde a primeira metade do século XIX, ainda na era colonial, a

Venezuela sofria influência do direito civil e processual da

Europa.

Por volta de meados do século XX, a Venezuela, dentre

289
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

outros países da região, conseguiu consolidar regimes

constitucionais a partir da Constituição Mexicana de 1917 e

passou a adotar o que é conhecido como

“constitucionalismo social”, ou seja, introduziu em seus

estatutos constitucionais diversos direitos sociais, como

o direito ao trabalho, educação, saúde e moradia.

Na primeira década do século atual, os sistemas jurídicos

latino-americanos, como do Brasil, eram rotulados como um

constitucionalismo radical. Já a Venezuela, assim como outros

países que não conseguiram a adaptação ao sistema, lograram

como reflexo a frustração popular, em virtude da incapacidade

dos sucessivos regimes constitucionais de fazer progressos

efetivos para reduzir a pobreza e a desigualdade, além da

negligência no controle da corrupção, surgindo assim

"repúblicas bolivarianas".

As repúblicas bolivarianas emergiram da revolução

bolivariana, que tinha cunho de trazer mudanças de caráter

ideológico e social, baseadas no Projeto Nacional de Simon

Bolívar.

No que tange à construção de identidade do Estado

290
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Venezuelano, os estudos demonstram que a falta

de legitimidade do constitucionalismo liberal na Venezuela, foi

utilizada pelos seus líderes a fim garantir o controle de poderes

não só do Executivo, mas também do Legislativo e se estendeu

ao Judiciário. O que possibilitou na era de Hugo Cháves realizar

uma reforma constitucional que preceituava o "renascimento"

político e social da Venezuela, que à época, não havia a previsão

de referendos para que a população pudesse opinar sobre a

necessidade de adotar uma nova ordem constitucional. Eles

usaram decretos executivos exigindo que esses referendos

pedissem assembleias constitucionais, que eventualmente

passassem por novas Cartas Fundamentais.

As experiências constitucionais radicais enfraqueceram

intencionalmente o princípio da separação de poderes,

especialmente em detrimento da autonomia do

judiciário; expandindo a autonomia de poder do executivo.

Houve substituição do bicameralismo pelo unicameralismo no

poder legislativo, onde restou configurado que todas as

transformações baseadas na ideia de que uma "unidade" de

poderes era necessária para promover mudanças sociais

291
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

radicais.

No tocante aos aspectos políticos e históricos

relacionados ao Brasil, é importante ressaltar que o marco

temporal abordado na presente pesquisa, é inicialmente

tangível à década de 1990.

Contudo, desde 1930, no Brasil, observou-se um elevado

grau de intervencionismo estatal, manifestado inclusive nas

regulações laborais.

Nesse sentido “[...] no que concerne às políticas do

trabalho, o Brasil viveu um período liberal até 1930, quando se

instaura um novo modelo econômico.” (MORAES, 2014, s.p.).

Na Venezuela, por sua vez, desde 1980 as medidas

trabalhistas visaram o atendimento às políticas neoliberais

primando pela subordinação do interesse dos trabalhadores ao

capital e imperialismo americano, o que foi rompido em 1999

com o ingresso de Chávez no poder, eis que, sua política

legalista na esfera laboral, atendeu os movimentos sociais das

ruas.

Sob esse enfoque, Delgado (2015) aponta que essa

concepção liberal no Brasil, implicou na edição de leis esparsas

292
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

e uma postura não intervencionista do Estado. É importante

destacar a ausência de efetiva organização dos trabalhadores

empregados, os quais, estavam alocados em São Paulo e Rio de

Janeiro, onde respectivamente, desenvolveu-se o setor agrícola

cafeeiro e processo de industrialização.

No período compreendido de 1990 até a década de

1920 (em que houve forte repressão estatal), teve início o

sindicalismo nacional, porém, inspirado na doutrina sindical dos

imigrantes italianos representada pelo anarcossindicalismo, a

qual, defendia a sabotagem e greve geral como mecanismos

apolíticos de combate ao capitalismo, governo e autoridades

(NASCIMENTO, 2012).

Na década de 1930 iniciou-se a chamada Era Vargas,

bem como, o período de institucionalização do Direito do

Trabalho no Brasil (1930-1945).

A contar do lapso temporal de 1930, houve marcante

intervenção do Estado na economia o que o fez ser reconhecido

como período desenvolvimentista ou de corporativismo estatal,

passando as leis trabalhistas serem legalmente consolidadas

(MORAES, 2014).

293
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Corroborando essa postura intervencionista estatal, no

período de institucionalização do Direito do Trabalho (1930-1945)

houve forte atividade administrativa e legislativa do Estado e

rigorosa repressão sobre as manifestações operárias, sendo

lastreada por legislação e por um novo modelo de Direito do

Trabalho, ora compilado e ampliado, consubstanciado na

Consolidação das Leis do Trabalho em 1943 (CORREIA, 2018).

Torna-se salutar evidenciar que, a sociedade civil

brasileira não participou do processo de sistematização do

Direito do Trabalho, fato que resultou no modelo centralizado e

fechado. Segundo ainda pontua Delgado (2015) esse modelo

trabalhista autoritário e formatado na Era Vargas subsistiu com

a redemocratização do país no período republicano (1945-

1964) e depois, no regime militar (1964).

Por sua vez, o modelo corporativista (1945-1964) e

autoritário vigora até a promulgação da Constituição Federal de

1988 que se constitui um marco para a fase democrática do

Direito do Trabalho (CORREIA, 2018).

Na órbita da política e macro economia, tem-se que o

cenário brasileiro na década de 1990 foi marcado pela abertura

294
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

econômica de concorrência nos mercados mundiais, pelas

privatizações, aumento do desemprego e flexibilização dos

direitos trabalhistas (MORAES, 2014).

3 Organização político-jurídico entre os Poderes do

Estado

Em breve síntese, vale referenciar pontos essenciais que

nortearam o histórico político e jurídico relativos à Venezuela e

Brasil.

Nesse diapasão, cumpre-nos refletir sobre o arranjo

político e jurídico entre os poderes do Estado e a normatização do

Direito do Trabalho Brasileiro, com o olhar aqui detido, a contar da

década de 1990. Tem-se que, a crescente postura de flexibilização

no ordenamento jurídico trabalhista apresenta-se como tendência

legislativa no Brasil, tendo como reforço o discurso político sob a

justificativa do necessário corte de gastos empresariais para

competitividade na economia internacional.

Em consonância com o disposto:

295
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Particularmente, no que concerne às


demandas no âmbito do Direito do Trabalho
ocorridas na década de 1990, podemos
afirmar que elas foram defendidas como
panaceia para os diversos problemas
econômicos brasileiros na inserção na
economia mundializada. Os "excessivos
direitos" foram apresentados como
obstáculo ao crescimento econômico e à
competitividade do país no cenário
internacional. A Era Vargas tinha que acabar,
com vistas a diminuir o chamado "Custo
Brasil". Estas foram expressões típicas do
momento. (MORAES, 2014, s.p.).

Ao perquirirmos pelas políticas liberais, ainda sob a ótica

da dualidade capital-trabalho é relevante frisar a postura de

alguns governantes no Brasil, em especial, o governo de

Fernando Henrique Cardoso, onde notou-se mudanças na

legislação trabalhista, visando maior flexibilização de direitos

sociais e possibilidade de negociação entre empregador e

empregado. Assolando tais medidas, tem-se que:

[...] as alterações ocorreram


fundamentalmente em cinco campos: 1)
flexibilização da jornada de trabalho; 2)
mudança nas leis previdenciárias; 3)

296
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

alterações nos meios processuais e da


Justiça; 4) novos meios de contratação como
forma de burlar direitos trabalhistas; 5)
vedação de correção automática de salários.
Todas estas mudanças foram em detrimento
dos interesses dos trabalhadores e
reivindicadas pelos empresários. (MORAES,
2014, s.p.).

Destarte, essa postura de política liberalizante também

adotada no âmbito trabalhista foi incentivada desde o governo

de Fernando Henrique e apresentou traços de

complementaridade nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e

Dilma Rousseff.

Partindo-se dessa perspectiva neoliberal, tendo como

pano de fundo os direitos sociais, pode-se aferir que o

crescente movimento de flexibilização das normas trabalhistas

caminhou no sentido contrário ao modelo do corporativismo

estatal.

Outrossim, as principais evidências que emergem do

contexto político, tanto nos mandatos de Fernando Henrique e

Lula foram as submissões das normas trabalhistas às

preocupações dos interesses do empresariado.

297
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

No entanto, durante os dois mandatos de Luiz Inácio

Lula da Silva (2003-2010) pode-se aduzir que as alterações nas

leis trabalhistas seguiram uma tríade: “[...] 1) pró-sindicalistas; 2)

leis contra o trabalho; e 3) pró-trabalho.” (MORAES, 2014, s.p.).

Advém dessa divisão elaborada por Moraes (2014) que,

algumas mudanças nas normas laborais foram em prol dos

trabalhadores, já outras, atenderam aos interesses do

empresariado e sindicalistas filiados às centrais sindicais de

apoio ao governo de Lula.

No que pertine ao Brasil, percebe-se ao longo das

décadas, uma verdadeira “desregulamentação” nas conquistas

dos direitos trabalhistas, haja vista a almejada tentativa de

garantir-se lucro, qual seja, como maior finalidade do

capitalismo.

Uma análise pormenorizada das ações petistas

relacionadas à flexibilização das leis trabalhistas e redução dos

direitos sociais brasileiros (com exceção ao bolsa família) é

detalhada por Moraes (2014, s.p.) em cinco pontos:

298
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

1. As medidas de flexibilização das leis


trabalhistas realizadas sob o governo
Cardoso foram renovadas pelo governo Lula,
mostrando concordância com as mesmas.
Isto é, este não as reverteu e, portanto, não
retomou nem estabeleceu um novo projeto
desenvolvimentista, tampouco combateu as
políticas neoliberais.

2. As normas previdenciárias, que pioram a


situação para o trabalhador, alteradas no
governo de Cardoso, foram aprofundadas
pelo governo Lula.

3. O governo petista criou novas formas de


flexibilização das leis em detrimento dos
interesses dos trabalhadores.

4. A redução da jornada de trabalho, a


atualização salarial de acordo com o real
custo de vida e a estabilidade no emprego
não foram postas em prática pelo governo.
Este não implementou a proteção contra a
dispensa arbitrária, mantendo o desrespeito
à Convenção 158 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), tal como os
governos anteriores.

5. Das medidas pró-trabalho do governo,


nenhuma foi universal. Favoreceram-se os
pescadores, as gestantes, os setores do
funcionalismo público e principalmente as

299
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

centrais sindicais, já existentes, que foram


reconhecidas, enquanto diversos outros
setores sociais permaneceram esquecidos.
Cabe ressaltar que todas as medidas não
contaram com nenhuma participação
contributiva dos empresários. Em outras
palavras, o governo se resguardou para que
todas as medidas favoráveis ao trabalhador
não gerassem nenhum ônus sobre os lucros
dos capitalistas.

Depreende-se das medidas adotadas durante os

governos de Lula que não ocorreu inovação das políticas

públicas firmadas por Fernando Henrique Cardoso nem

ampliação dos direitos trabalhistas, havendo apenas, como

característica diferenciadora, o seu tom conciliador entre

sindicalistas com os representantes do empresariado.

Por sua vez, o governo de Dilma Rousseff (2011-2014)

trilhou na continuidade do mesmo caminho de flexibilização das

leis trabalhistas, mediante renovação das condutas dos

governantes que a precederam.

Outrossim, é o que se reafirma na contemporaneidade

brasileira com a chamada Reforma Trabalhista:

300
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Por fim, podemos afirmar que nos últimos


anos, o Direito do Trabalho tem como
tendência, no Brasil, a flexibilização das
normas trabalhistas, com a valorização do
negociado sobre o legislado. [...] Além disso,
foi promulgada a Lei nº 13.467/2017,
denominada de Reforma Trabalhista,
enfatizando acordos e convenções coletivas
de trabalho em detrimento de dispositivos
legais. (CORREIA, 2018, p. 12).

No que tange aos princípios que orientaram a Revolução

Bolivariana, podem ser suscitados a ruptura com o imperialismo

norte-americano e a instauração de uma democracia social. Em

aspecto aos reflexos ainda contemporâneos, aponta-se o

governo de Hugo Chávez Frías (1999-2012), que simboliza o

rompimento com o neoliberalismo e o fomento de

determinadas elites do país com benefícios dos recursos do

petróleo.

Traçando um paralelo com o Brasil, podem ser

observadas algumas diferenças. O Brasil viveu um período

liberal até 1930, quando se instaura um novo modelo

econômico, durante o Governo Constitucional de Getúlio

Vargas, denominado a “Era Vargas”. Nesse período as leis

301
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

trabalhistas foram consolidadas legalmente, sendo criado o

Ministério do Trabalho em 1930, com a forte intervenção do

Estado na economia. Tal período foi conhecido como

desenvolvimentista, alguns com pensamento controvertido o

nomearam de corporativismo estatal. Durante a década de

1980, a força dos sindicatos e dos trabalhadores organizados,

resultou na conquista de novos direitos trabalhistas,

alcançando o ápice com a Constituição de 1988. Ressalta-se que

a greve fora o principal instrumento de luta para conquista dos

objetivos.

Numa diagramação comparativa entre o Brasil com a

Venezuela, há se destacar que o auge das garantias trabalhistas

ocorre durante o governo de Hugo Chávez Frias (1999-2012). É

justamente a postura do Executivo manifestada pelo seu

governo, com a ampliação dos direitos trabalhistas que

diferenciou o Chavismo do Petismo, no que se refere à política

nacional interna.

Durante o governo de Chávez houve o implemento de

direitos aos trabalhadores, mediante instituição da legislação

do trabalho sendo: “[...] 1) os principais pontos da reforma

302
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

estabelecida em abril de 2006, quando foi promulgada a

Reforma del Reglamento de la Ley Orgánica del Trabajo (RLOT); e

2) a Nueva Ley Orgánica del Trabajo de los Trabajadores y

Trabajadoras (LOTTT) de maio de 2012.” (MORAES, 2014, s.p.).

Num paradoxo com a realidade laboral brasileira, a

Venezuela adotou medidas políticas sociais-democratas e

desenvolvimentistas porque incrementou direitos aos

trabalhadores que os reivindicavam por meio de movimentos

sociais nas ruas, o que caracterizou a Era de Chávez como o

“capitalismo de las calles”.

Conforme disserta Moraes (2014), durante o governo

Chávez, dentre as principais conquistas dos movimentos sociais

venezuelanos que foram consagradas em normas trabalhistas

estão a diminuição da jornada de trabalho, a garantia de

estabilidade no emprego, a proibição da terceirização, o

aumento das licenças maternidade e paternidade. Além destas,

a legislação trabalhista venezuelana assegurou indenizações

para vedar a dispensa arbitrária dos trabalhadores, exarando

um movimento inverso à flexibilização dos direitos - tida como

tendência mundial.

303
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

3.1 Disciplina jurídica e moldura normativa

Torna-se imperioso suscitar que o modelo jurídico

adotado pela Venezuela, assim como no Brasil, é o Civil Law.

Contudo suas aplicações são distintas, inclusive na esfera

trabalhista, o objetivo principal do presente artigo.

A República Federativa do Brasil está basilada pela sua

Constituição do ano de 1988, enquanto a consolidação das suas

leis trabalhistas, tem como parâmetro Constituições anteriores,

entre a Segunda República e o Estado Novo, as primeiras Leis

Trabalhistas brasileiras consubstanciais foram através do

Decreto-lei nº 5.452/1943 e suas ramificações, atualmente a Lei

nº 13.467.2017, reformou a legislação aplicada, sendo esta a

que passou a vigorar. O país conta com uma gama legislativa e

jurisprudencial muito ampla.

A República Bolivariana da Venezuela implementou as

primeiras leis laborais nos anos de 1928 e 1936, sua legislação

trabalhista foi estabelecida pelo Decreto nº 5.152 de 18 de

junho de 1997, de toda sorte, a Constituição Venezuelana já

apresentava muitas previsões no aspecto trabalhista, conforme

304
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

será exemplificado. A reforma dos regulamentos da Lei

Orgânica do Trabalho (Reglamento de la Ley Orgánica del Trabajo

- RLOT) foi realizada através do Decreto N° 4.447 publicado em

28 de abril de 2006, fomentando a garantia de melhores

condições no meio ambiente de trabalho (Ley Orgánica de

Condiciones y Medio Ambiente de Trabajo - LOCYMAT). A mais

importante das leis trabalhistas do país é o seu código laboral,

denominado de LOTTT – Ley Orgánica del Trabajo para los

Trabajadores y las Trabajadoras, por meio do Decreto nº 8.938

publicado em 1º de maio de 2012, que estabelece garantias e

preceitos de ordem fundamental de forma mais ampla, clara e

conforme recomendações da ONU, OIT e demais organizações

internacionais.

3.2 Arcabouço constitucional

Para argumentar a respeito de direito do trabalho é

preciso primeiro contextualizar o princípio basilar, que é a

relação constitucional da Venezuela com o direito trabalhista.

Por toda a evolução histórica relativa à República da

Venezuela, deve ser destacado que sua Constituição atual e

305
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

vigente, foi promulgada em 15 de dezembro de 1999 (sendo

essa a vigésima-sexta já promulgada) por última e, trazendo

preceitos e garantias fundamentais de respeito ao ser humano

e ao trabalhador, bem como garantias individuais e coletivas em

face da promulgação da Lei Orgânica do Trabalho para os

Trabalhadores e as Trabalhadoras (LOTTT) (VENEZUELA, 2012).

A Constituição Venezuelana83 trata o trabalho como

princípio fundamental e inicia essa valorização logo em seu

artigo 3º, declarando que:

O Estado tem como propósitos essenciais a


defesa e o desenvolvimento da pessoa e o
respeito à sua dignidade, garantindo o
exercício democrático da vontade popular, à
construção de uma sociedade justa e amante
da paz, à promoção da prosperidade e do
bem-estar do povo e a garantia do
cumprimento dos princípios, direitos e
deveres consagrados na Constituição.
(VENEZUELA, 1999).

83
O documento se encontra disponível par consulta em:
https://web.oas.org/mla/en/Countries_Intro/Ven_intro_fundtxt_esp_1.pdf. Acesso em 20
nov. 2021.

306
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Ademais ressalta que a Educação e o trabalho são os

processos fundamentais para atingir tais objetivos.

Após, o legislador dedica todo o Capítulo V para relacionar

detalhadamente os direitos sociais e das famílias onde são

evidenciadas as garantias trabalhistas, visto que é o caminho para

que os demais bens sejam acessados.

A partir do artigo 80 são descritas mais especificamente

questões relacionadas às matérias trabalhistas, cotejando no

mesmo dispositivo as garantias sociais e direitos dos idosos.

Dentre esses, aos idosos será garantido o direito de trabalhar

de acordo com aqueles que expressam seu desejo e se mantêm

em capacidade para o desempenho da função.

De acordo com a Carta, todos têm o direito ao trabalho,

bem como cabe ao Estado garantir a adoção das medidas

necessárias, para que os indivíduos possam obter um emprego

que proporcione uma existência digna. Logo, caberá a

legislação, adotar medidas para garantir os direitos trabalhistas

daqueles trabalhadores não dependentes ou autônomos.

Compete ao empregador proporcionar meio de trabalho

adequado aos seus empregados, e ao Estado fiscalizar o

307
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

cumprimento de tais condições através de instituições de

controle.

A constituição garante a equidade no trabalho entre

homens e mulheres, merecendo ser suscitado que de acordo

com o artigo 88, que o Estado reconhece o trabalho doméstico

como atividade econômica, garantindo às donas de casa o

direito à seguridade social.

Embora não seja esse o tema abordado, apenas a título

de conhecimento, vale mencionar que tais garantias sociais e

previdenciárias são tratadas pelo IVSS – Instituto Venezoelano de

los Seguros Sociales.

A melhor síntese do entendimento trabalhista pela

Venezuela, está descrita no caput do artigo 89, quando expõe

que nenhuma lei pode estabelecer disposições que alterem a

intangibilidade e progressividade dos direitos e benefícios

trabalhistas. Nas relações de trabalho, a realidade prevalece

sobre as formas ou aparências. Os direitos trabalhistas são

inalienáveis. Qualquer ação, acordo ou convênio que implique

renúncia ou prejuízo desses direitos é nula. A transação é

possível somente no final da relação de trabalho, de acordo com

308
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

os requisitos estabelecidos por lei. Quando houver dúvidas

sobre a aplicação ou concordância de vários padrões, ou na

interpretação de um determinado padrão, o mais favorável ao

trabalhador será aplicado. Evidencia-se ainda, que não é cabível

qualquer discriminação desses direitos que serão protegidos

contra explorações econômicas e sociais.

Foram estabelecidas na Constituição, diretrizes sobre

jornada de trabalho, tendo sofrido mudanças após a LOTTT.

Nesse sentido, sua versão constitucional era semelhante à

Brasileira antes da reforma trabalhista, garantista e pouco

flexível.

No texto constitucional da referida República

Bolivariana, é relacionada à inviolabilidade salarial, com exceção

da verba alimentar. E garante aos trabalhadores públicos e

privados um salário mínimo que deverá ser ajustado

anualmente tendo como referência a cesta básica.

Outra semelhança com a lei brasileira é observada nas

situações de desemprego, onde trabalhador recebe benefícios

sociais imediatos. Da mesma forma ocorre quando há atraso no

pagamento, o que acarreta juros ao empregador, gerando

309
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

dívidas no mesmo escopo que a dívida principal.

Importante destacar que a Constituição é garantista pró

empregado, e traz praticamente a estabilidade nas relações de

emprego, sendo admitido desligamento nos casos de justa

causa. Assim demanda o “Art. 93. A lei garantirá a estabilidade

no trabalho e proporcionará o que for necessário para limitar

qualquer forma de demissão injustificada. As demissões

contrárias a esta constituição são nulas.” (VENEZUELA, 1999)

A constituição brasileira não reprime a despedida

arbitrária, porém instituiu indenização pecuniária em favor do

empregado, de modo a amenizar o evento abrupto no que

tange eventual demissão.

Quanto às questões sindicais, estas também estão

relacionadas pela Carta Constitucional, onde dispõe que a

liberdade de criação e associação sindical, não estão sujeitas à

intervenção administrativa, e seus membros gozam de

inamovibilidade durante seu exercício. Os estatutos e

regulamentos das organizações sindicais estabelecerão a

alternância dos membros dos conselhos e representantes por

meio de sufrágio universal, direto e secreto. Os membros das

310
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

diretrizes das organizações sindicais serão obrigados a fazer

uma declaração juramentada de bens.

Por derradeiro esboço constitucional Venezuelano,

quanto aos aspectos trabalhistas, há que se falar dos

trabalhadores dos setores públicos e privados. Ambos têm

direito à greve, conforme as especificações da lei. Possuem

condições de negociação coletiva para celebrar acordos de

trabalho e solucionar conflitos trabalhistas. Curioso e elementar

que diferentemente do Brasil, as disputas trabalhistas seguem

os mesmos aspectos, mas tramitam por tribunais distintos, ou

seja, os trabalhadores públicos são atendidos por tribunais

trabalhistas próprios, enquanto os privados utilizam tribunais

específicos de dissoluções trabalhistas próprias dos privados.

Após análises e estudos de base Constitucional,

acumulado com as convenções coletivas laborais, usos e

costumes, ocorreu o advento da legislação específica de

garantia do trabalho, a LOTTT.

311
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

3.3 A Lei Orgânica do Trabalho para os Trabalhadores e

Trabalhadoras - Ley Orgánica del Trabajo para los

Trabajadores y las Trabajadoras (LOTTT)

Inicialmente, os direitos trabalhistas venezuelanos foram

disciplinados pelo Código Civil, o qual, previa as relações de

trabalho na forma de contratação de serviços. Tais disposições

foram suplantadas pela primeira legislação trabalhista da

Venezuela, promulgada em 1928. Tem-se que, no ano de 1936

a legislação é ampliada de forma a manter-se vigente por longos

55 anos, passando por reformas parciais em 1945, 1947, 1966,

1974, 1975 e 1983 (DOMÍNGUEZ, 2017).

É cediço que a dicotomia capital-trabalho estabelecida

pela política neoliberal na Venezuela, vigente nos anos de 1980,

ditaram as regras relacionadas ao trabalho em atendimento ao

empresariado e imperialismo norte-americano.

Nesse patamar, as reformas ocorridas na Venezuela

anteriores a 1980 se mostraram lentas no processo de

definição dos direitos dos trabalhadores, sedimentando-se com

312
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

a Legislação Orgânica do Trabalho (LOT) no ano de 1990

(GRACIANI, 2010).

Por sua vez, a LOT de 1990 representou um marco na

expressão dos trabalhadores sindicalizados pela luta dos

direitos laborais e sociais:

A Legislação Orgânica do Trabalho (LOT) de


1990 foi uma resposta do Estado à luta dos
sujeitos sociais trabalhadores, coletivamente
organizados em seus sindicatos, pelo
reconhecimento dos direitos do trabalho,
assim como pelo acesso à educação e à
seguridade social. (DOMÍNGUEZ, 2017, p.
44).

Diante das desigualdades impostas à população

venezuelana pelo capitalismo central ao custo dos seus

sacrifícios sociais, emergiriam os movimentos nas ruas por

direitos trabalhistas e levaram ao poder o presidente Hugo

Chávez (1999) que adotou novas políticas públicas, novos

mecanismos produtivos e maior proteção ao trabalho.

Contudo, é importante destacar que o papel do

crescimento industrial na Venezuela - enquanto reestruturação

313
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

produtiva, a qual, migrou da exclusiva dependência do petróleo,

se contrapôs ao movimento de flexibilização do trabalho e

interesse do empresariado.

Atendendo aos anseios dos movimentos populares de

rua, o presidente Hugo Chávez aprova, com a participação dos

trabalhadores, a chamada LOTTT - Ley Orgánica del Trabajo de

los Trabajadores y Trabajadoras - Decreto no 8.938 outorgado

em 1º de maio de 2012 (Comemoração do Dia do Trabalho).

Referida legislação permitiu a constituição de novos direitos

trabalhistas na Venezuela.

Disserta Domínguez (2017) sobre o arcabouço histórico

que previamente permeia a denominada LOTTT (2012) sendo a

legislação trabalhista anterior, conhecida como Lei Orgânica do

Trabalho – LOT (1991-1997), a Constituição da República

Bolivariana de Venezuela de 1999, entre outras legislações

associadas com a LOCYMAT – Ley Orgánica de Condiciones y

Medio Ambiente de Trabajo (2005).

Impende ainda mencionar a Reforma del Reglamento de

la Ley Orgánica del Trabajo (RLOT) advinda com o Decreto n°

4.447, publicado em 28 de abril de 2006 (MORAES, 2014).

314
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Considerando-se os aspectos históricos-políticos na

Venezuela, pode-se inferir que a LOTTT - Ley Orgánica del

Trabajo de los Trabajadores y Trabajadoras simbolizou uma

quebra de paradigma, partindo a premissa do capitalismo que

impõe subordinação dos direitos dos trabalhadores aos

interesses do empresariado, emergindo assim como uma “voz”

da Revolução Bolivariana.

Assim, o governo revolucionário procedia de


acordo com os poderes que lhe foram
outorgados pelos que o elegeram, optando
por favorecer os trabalhadores e não o
empresariado da Venezuela, tensionando,
assim, a relação capital e trabalho.
Inegavelmente a LOTTT afetava os interesses
da classe dominante, porquanto interferia
na sua dinâmica de acumulação pelo
aumento do gasto social, devido à
incorporação de novos direitos que
gerariam custos para as empresas.
(DOMÍNGUEZ, 2017, p. 33-34).

315
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

4 Os principais direitos sociais e trabalhistas dos

trabalhadores venezuelanos alterados com a LOTTT

Primeiramente, se torna essencial esclarecer que o

presente artigo não possui a pretensão de esgotar o tema -

dada sua enorme abrangência, mas sim, destacar os principais

pontos de mudanças em alguns direitos sociais e trabalhistas

oriundos com a LOTTT - Ley Orgánica del Trabajo de los

Trabajadores y Trabajadoras.

Partindo-se da vigência dessa legislação venezuelana em

comento, ocorrida desde 07 de maio de 2012, tem-se o

estabelecimento de novos parâmetros nas relações e condições

de trabalho.

Por oportuno, reporta-se à previsão contida no artigo 16

da LOTTT, que trata sobre as fontes do Direito do Trabalho na

Venezuela, sendo as seguintes:

a) A Constituição da República Bolivariana da


Venezuela e a justiça social como princípio
fundador da República.
b) Os tratados, pactos e convenções
internacionais assinados e ratificados pela

316
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

República.
c) Leis trabalhistas e os princípios que as
inspiram.
d) O acordo coletivo de trabalho ou a
sentença arbitral, se for o caso, desde que
não sejam contrários às normas
constitucionais e legais imperativas.
e) Os usos e costumes, na medida em que
não sejam contrários às normas imperativas
de natureza constitucional e jurídica.
f) a Jurisprudência em questões trabalhistas.
g) Aplicação da norma e interpretação mais
favorável.
h) Equidade, igualdade e ideologia
Bolivariano, Zamorano e Robinsoniano.
(VENEZUELA, 2012)

Sob esse enfoque, pode-se mencionar que as fontes

do Direito do Trabalho na Venezuela, se aproximam em alguns

pontos das fontes primárias e secundárias do Direito do

Trabalho Brasileiro, estando lastreadas na Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988, na Consolidação das

Leis do Trabalho (Decreto-lei no 5.452/1943 e lei 13.467.2017),

no arsenal legislativo esparso e jurisprudencial.

Visando maior elucidação sobre os moldes fixados

para competência legislativa em questões laborais no

317
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

ordenamento jurídico trabalhista na Venezuela, é conveniente

mencionar a disposição do artigo 9 da LOTTT:

A legislação e a regulamentação legal em


questões trabalhistas e previdenciárias são
de competência exclusiva do Poder Público
Nacional, por meio dos Poderes Executivo e
Legislativo, de acordo com a Constituição da
República Bolivariana da Venezuela.
Consequentemente, os estados e os
municípios não podem emitir leis, portarias
ou qualquer disposição sobre esses
assuntos. As disposições que essas
entidades ditam para favorecer
trabalhadores e funcionários públicos que
prestam serviços sob sua dependência,
dentro das normas estabelecidas pela
legislação trabalhista, não são afetadas.
(VENEZUELA, 2012, tradução livre).

Com a promulgação dessa nova legislação na Venezuela,

a denominada LOTTT, houve um distanciamento dos rasos

preceitos contidos no Decreto no 5.152 de 18 de junho de 1997,

eis que, estabeleceu-se garantias de ordem fundamental de

forma mais ampla, clara e conforme recomendações da ONU,

OIT e demais organismos internacionais (GOMES; VAZ, 2013).

318
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Nessa toada, despontam na LOTTT algumas mudanças

sobre os contratos de trabalho e formas de contratação, “[...]

que incidiram na redução da jornada de trabalho, nos tempos

de repouso remunerado, direito a férias, erradicação das

terceirizações e maior democratização das decisões dos

trabalhadores.” (DOMÍNGUEZ, 2017, p. 17).

A Ley Orgánica del Trabajo para los Trabajadores y las

Trabajadoras (LOTTT), sem sombra de dúvidas, significou

avanços na esfera da proteção ao trabalhador na Venezuela, eis

que, foi aderente aos preceitos recomendados pela OIT,

destacando-se o repouso remunerado à trabalhadora

adotante, benefício de cunho previdenciário cujo ônus foi

transferido para o governo (GOMES; VAZ, 2013).

Ainda nessa linha, os mesmos autores Gomes e Vaz

(2013) destacam outros direitos encampados na lei

venezuelana (LOTTT), tal como, a estabilidade do pai, inclusive

aos adotantes, de até dois anos após o nascimento e a

indenização em dobro para demissão sem justa causa.

No campo da política social, igualmente, foram criados

direitos que significaram maior proteção ao trabalhador,

319
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

assegurando benefícios da seguridade social destituídos

anteriormente com a LOT (1991- 1997), tais como, o retorno à

retroatividade (garantia do pagamento das prestações sociais

em função do último salário), redução da idade de

aposentadoria e das prestações sociais, além da incorporação

de benefícios sociais de caráter remuneratório e recreativo

(DOMÍNGUEZ, 2017).

Outrossim, fazendo-se uma suscinta abordagem na

LOTTT sobre os citados aspectos, principalmente, tangíveis às

mudanças nas formas de contratação e condições dos

contratos de trabalho, pode-se evidenciar nos seus artigos 47 e

4884, os quais, tratam da proibição à terceirização, o

contundente intuito de eliminar as relações fraudulentas

associadas à tal espécie de relação contratual, precária e

intermediária de mão-de-obra (VENEZUELA, 2012).

Quanto ao instituto da terceirização, se estabelece aqui,

um contraponto com o Brasil, pois tal forma de contratação é

amplamente admitida em nosso país, inclusive nas atividades

84
Vide íntegra dos artigos correlatos no Decreto nº 8.938 de 7 de maio de 2012 (LOTTT).

320
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

fins empresariais, havendo posicionamento favorável nesse

sentido, já sedimentado pelo Supremo Tribunal Federal.

Seguindo as alterações favoráveis aos trabalhadores na

Venezuela, naquilo que corresponde à redução da jornada de

trabalho e tempos de repouso correlatos, apontam-se as

previsões contidas nos artigos 167, 168, 173 e 175 da LOTTT85

(VENEZUELA, 2012).

Sobre esse aspecto disserta Domínguez (2017),

atentando-se para a redução da jornada de trabalho de 44

horas para 40 horas semanais, o aumento do intervalo de

refeição e descanso que, anteriormente era de 45 minutos para

60 minutos, ainda com possibilidade do empregado ausentar-

se da fábrica, a proibição do trabalhado por mais de cinco horas

contínuas, a instituição de dois dias consecutivos livres para o

descanso e, nos casos de labor em seis dias por semana, haverá

compensação com um dia adicional no tempo de férias, bem

como, inclusão no pagamento do salário e das férias

(remuneração dupla).

85
Vide íntegra dos artigos correlatos no Decreto nº 8.938 de 7 de maio de 2012 (LOTTT).

321
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

No que concerne à ruptura contratual, é imperioso

destacar que a LOTTT nos termos do seu artigo 42286,

estabeleceu que a dispensa do trabalhador somente será

permitida em caso de três faltas consideradas graves, tidas

como atos de violência (VENEZUELA, 2012).

Esclarecendo sobre os moldes para caracterização e

formalização de tais faltas graves, “[...] estas devem ficar

estabelecidas por meio de atas de caráter descritivo, relatando

o sucedido. Estas atas devem ser elaboradas pelo chefe que

sanciona a irregularidade e o trabalhador deve assinar a ata,

manifestando sua conformidade com a falta descrita.”

(DOMÍNGUEZ, 2017, p. 51).

Conforme dispõe o artigo 92 da LOTTT87, ocorrendo

demissão sem justa causa e extinguindo a relação de trabalho,

haverá o pagamento em dobro das “prestações sociais”

(VENEZUELA, 2012).

Também nesse aspecto, a LOTTT superou o direito

estabelecido na anterior Legislação Orgânica (LOT), vez que

86
Vide teor do artigo correlato no Decreto nº 8.938 de 7 de maio de 2012 (LOTTT).
87
Vide teor do artigo correlato no Decreto nº 8.938 de 7 de maio de 2012 (LOTTT).

322
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

estipulava o pagamento desta indenização a um valor fixo

conforme os anos de labor (DOMÍNGUEZ, 2017).

No tema relativo às mudanças nas férias, reportam-se

às disposições contidas nos artigos 189 até 20388 da LOTTT

(VENEZUELA, 2012).

Destaca-se a inovação legislativa no sentido de que, os

15 dias livres de férias serão de caráter obrigatório e foram

acrescentados o direito a um pagamento equivalente aos 15

dias de salário. Além disso, o direito do período de férias não

pode ser posposto a períodos que excedam os três meses.

Frise-se que, na legislação do trabalho que precedia à LOTTT, o

período de férias era de 15 dias sem remuneração e o período

proposto das férias era de 6 meses (DOMÍNGUEZ, 2017).

No que se refere às férias, denota-se um caráter

protetivo ao interesse do trabalhador pois, é garantido o seu

direito equivalendo a uma fração do valor, computando-se um

dia livre por cada ano trabalhado até cumprir-se um máximo de

30 dias, ainda na hipótese de término da relação empregatícia.

88
Vide íntegra dos artigos correlatos no Decreto nº 8.938 de 7 de maio de 2012 (LOTTT).

323
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Assolando tal perspectiva legal:

Dos direitos anteriormente expostos,


evidencia-se que a LOTTT se posiciona a
favor do trabalhador, valorizando seu
trabalho ao acrescentar um dia livre a suas
férias por cada ano trabalhado, sendo estes
remunerados. Também se destaca o direito
de desfrutar férias nos períodos
correspondentes, cuidando de seu devido
cancelamento até mesmo diante de uma
possível finalização da relação de trabalho.
(DOMÍNGUEZ, 2017, p. 54).

Em se tratando dos períodos de licença maternidade

ou paternidade, também foram concedidos pela LOTTT para os

casos de adoção. O artigo 72 LOTTT89 estabelece as

circunstâncias provisórias de suspensão do contrato de

trabalho, sendo a ausência justificada. No instituto da licença

maternidade tem-se a subdivisão em dois períodos, quais

sejam: o pré-natal que corresponde ao descanso remunerado

por 06 semanas antes do parto e o pós-natal cujo descanso fora

ampliado de 16 para 20 semanas (NOGUEIRA, 2012).

89
Vide teor do artigo correlato no Decreto nº 8.938 de 7 de maio de 2012 (LOTTT).

324
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Adicionalmente, há se mencionar que, a LOTTT trouxe

mais estímulo aos trabalhadores nas situações

correspondentes ao pagamento das horas extras, inclusive

como feriados, prevendo o acréscimo do valor de 50% ao valor

usual de um dia de labor. Correlacionados ao direito trabalhista

das horas extras estão os artigos 178 até 183 da LOTTT90, cujas

previsões estabelecem o necessário controle das horas

prestadas nas formas semanais, mensais e anuais, fixam o

acréscimo de 50% do valor de um dia da jornada de trabalho, o

limite máximo de dez horas extras semanais e 100 horas anuais,

a vedação para além de duas horas extras diárias. No mesmo

limiar, o artigo 119 da referida lei dispõe sobre o pagamento de

50% adicional para os dias feriados ( DOMÍNGUEZ, 2017).

Como peculiaridade, refere-se às categorias

profissionais que não estão abarcadas pelo disciplinamento

normativo da LOTTT, sendo essas relativas aos membros das

forças armadas e funcionários públicos, tal como apregoam os

artigos 5 e 6 da citada Lei, respectivamente:

90
Vide íntegra dos artigos correlatos no Decreto nº 8.938 de 7 de maio de 2012 (LOTTT).

325
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Os membros das forças armadas estão


isentos do disposto nesta lei, mas as
respectivas autoridades, dentro de seus
poderes, estabelecerão, por meios
regulatórios, os benefícios de que gozarão.
(VENEZUELA, 2012, tradução livre).

Funcionários públicos e funcionários


públicos nacionais serão regidos pelas
normas na função pública em relação à sua
renda, promoção, transferência, suspensão,
aposentadoria, sistemas de remuneração,
estabilidade, aposentadoria, pensões,
sistema jurisdicional; e pelos benefícios
acordados nesta Lei em tudo que não estiver
previsto nesses sistemas legais.
(VENEZUELA, 2012, tradução livre).

É relevante ponderar que os funcionários públicos que

trabalham em carreiras terão direito à negociação coletiva, à

solução pacífica de conflitos e a exercer o direito de greve nos

moldes previstos na LOTTT, na medida em que seja compatível

com a natureza dos serviços que prestam e com os requisitos

da Administração Pública (VENEZUELA, 2012).

326
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Por fim, considerando-se que os direitos trabalhistas

tutelados podem vir a não serem cumpridos e se tornarem

objeto de discussão, salienta-se que, nos termos do artigo 11

da LOTTT a justiça do trabalho é gratuita tanto na sede judicial

quanto na sede administrativa do trabalho. Por corolário, os

Registros Públicos e Notários Públicos não podem estabelecer

tarifas, taxas ou exigir o recebimento de qualquer pagamento

pelos serviços, concessão de poderes e registros de ações

trabalhistas (VENEZUELA, 2012).

4.1 Breves considerações sobre o Direito Coletivo na LOTTT

A título complementar, não sendo o escopo maior do

presente estudo, aborda-se de maneira despretensiosa sobre

alguns aspectos do direito coletivo na Venezuela, tratados no

Título VII da LOTTT.

No particular assunto, é válido ressaltar que, a

LOTTT assegurou amplas garantias à liberdade sindical, de

associação e de participação dos trabalhadores nas atividades

associativas e sindicais.

327
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Assim, o primeiro capítulo do Título VII da LOTTT trata do

livre direito aos trabalhadores venezuelanos (empregado,

desempregado e aposentado) de filiação às entidades sindicais

e organizações sociais sem necessidade de autorização,

constituindo-se um preceito fundamental do cidadão

(VENEZUELA, 2012).

Inserta no mesmo capítulo do Título VII da LOTTT está a

garantia de emprego para o trabalhador que desempenha as

atividades sindicais, visando tutelar os interesses coletivos e

autonomia do exercício dessas funções, gozando da garantia de

foro sindical que proíbe a transferência do empregado

exercente de cargos sindicais (GOMES; VAZ, 2013).

Consoante ainda esclarecem Gomes e Vaz (2013), o

que se depreende das disposições contidas na LOTTT é que, os

trabalhadores usufruem da autonomia para organizar

sindicatos, exercem atividades sindicais no âmbito nacional ou

internacional com ampla liberdade na tomada de decisões, de

maneira que, livremente também podem se filiar e desfiliar,

votar e serem votados. Evidencia-se como ampla a liberdade e

autonomia dos sindicatos, restando os limites jungidos aos

328
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

preceitos e disposições específicas dispostas na lei orgânica.

Relacionado ao tema da organização sindical, cabe uma

importante comparação com o direito trabalhista brasileiro, ao

analisar-se o artigo 372 da LOTTT91 quando trata da base

territorial.

Diversamente da previsão legal no Brasil (artigo 8º, II,

da CF/88), a legislação em comento não adotou na Venezuela o

instituto da unicidade sindical, sendo permitida a constituição

de mais de uma entidade sindical sob a mesma base territorial.

Dessa forma, as organizações sindicais podem ter o âmbito

territorial de atuação tanto local, estadual, regional ou nacional

(VENEZUELA, 2012).

De toda sorte, Gomes e Vaz (2013) elucidam que cada

classe deverá ter seu próprio sindicato, o qual, necessita de

registro perante o Registro Nacional de Organizações Sindicais,

sendo proibida a criação de sindicatos para a representação de

empregados e empregadores, cumulativamente.

91
Vide teor do artigo correlato no Decreto nº 8.938 de 7 de maio de 2012 (LOTTT).

329
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Distanciando-se da postura de flexibilização das normas

trabalhistas brasileiras, em especial, ditadas pela Reforma Trabalhista,

a qual, admite o negociado sobre o legislado (artigo 611, A, da CLT

incluído pela Lei nº 13.467/2017), o Capítulo II da LOTTT prevê os

procedimentos para a realização e validação de negociações e

acordos coletivos de trabalho na Venezuela, os quais, não podem

conferir direitos aquém dos contratos de trabalho existentes.

Na Venezuela, pairando ditas violações oriundas dos

instrumentos coletivos de negociação, as implicações seriam a

pena de nulidade e intervenção do Ministério do Trabalho que,

porventura, poderia submeter o conflito à mediação. Tratando-

se de empregados do setor privado o conflito é submetido ao

tribunal, já nos casos do setor público, haverá comunicação

imediata da respectiva Procuradoria Federal para o seu

acompanhamento (GOMES; VAZ, 2013).

Pelas normas jurídicas venezuelanas, uma similitude

com o direito brasileiro (cuja previsão expressa está no artigo

114, § 2º da Constituição Federal de 1988) é que, igualmente, no

conflito coletivo torna-se possível vincular as partes numa

decisão, ao submetê-lo à arbitragem na Câmara Arbitral.

330
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

5 Estrutura dos tribunais laborais

As estruturas organizacionais dos tribunais do trabalho

na Venezuela diferem do sistema dos tribunais brasileiros, em

tempo, deve ser asseverado que da mesma forma que possuem

distinções e possuem também algumas semelhanças.

O tribunal laboral venezuelano inicialmente está

estruturado pelo art. 14 da sua Lei Organica Processual do

Trabalho – LOPT, o qual é dividido em Tribunais do Trabalho que

conhecem em primeira instância, equivalente à primeira

instância aplicada no sistema trabalhista brasileiro; Tribunais

Superiores do Trabalho que ouvem em segunda instância,

também compatível com o brasileiro; e Supremo Tribunal de

Justiça na Câmara de Cassação Social.

Pela República Bolivariana aqui abordada, pode ser dito

que os tribunais do trabalho são organizados em cada

circunscrição judicial em duas instâncias, sendo uma primeira

instância composta pelos Tribunais de Substânciação, Mediação

e Execução do Trabalho; Tribunais de julgamento do Trabalho.

Uma segunda instância é composta pelos Tribunais Superiores

331
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

do Trabalho. Toda essa fundamentação está amparada no art.

15 da própria LOPT.

Os Tribunais Superiores serão colegiados ou

unipessoais, quando colegiado é composto por três juízes e um

secretário. Já o Tribunal do Trabalho, em primeira instância,

compõe-se por um juiz e um secretário, este precisa ser

profissional específicamente da área do direito, conforme

define o art. 19 da LOPT.

A Lei Orgânica Trabalhista da Venezuela, traz muitas

definições e diretrizes através de seu art. 29, onde delibera que

os Tribunais do Trabalho são competentes para fundamentar e

decidir: assuntos de trabalho contencioso, que não

correspondem a conciliação ou arbitragem; pedidos de

qualificação para demissão ou reintegração formulados com

base na estabilidade do emprego, consagrados na Constituição

da República Bolivariana da Venezuela e no direito do trabalho;

pedidos de proteção por violação ou ameaça de violação dos

direitos e garantias constitucionais estabelecidos pela mesma

Constituição; questões de natureza contenciosa que surgem

por ocasião das relações de trabalho como fato social, das

332
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

estipulações do contrato de trabalho e da seguridade social.

Descreve ainda que o trabalho contencioso é relacionado a

interesses coletivos ou difusos.

As atribuições dos magistrados nos tribunais

venezuelanos estão elencados pelo art. 17 da LOPT, definindo e

estruturando que os juízes de primeira instância conhecerão as

fases e ritos do processo trabalhista. Na fase de comprovação,

mediação e execução ficará a cargo de um tribunal individual,

que é o denominado Tribunal de Substanciação, Mediação e

Execução do Trabalho. A fase de julgamento corresponde aos

Tribunais do Trabalho.

Os Juízes de primeira instância exercem suas funções

como Juízes de Substanciação, Mediação e Execução ou como

Juízes de Julgamento, de acordo com o caso. (Art. 18 - LOPT).

No que tange à estrutura administrativa nos quadros

dos tribunais, deve ser suscitado que assim como no Brasil, a

forma de acesso para os cargos é através de concurso público.

Nessa estrutura deve haver um Secretário, necessáriamente

venezuelano, maior de idade, advogado da República e será

nomeado ou destituído da maneira e nas condições

333
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

determinadas por lei (Art. 20 da Lei Orgânica Processual do

Trabalho – LOPT). É importante saber que os tribunais de

primeira instância são unipessoais, a lei orgânica processual do

trabalho em seu artigo 21 estabelece os deveres dos secretários

que a lei antiga não estabelece.

Deve haver um serviço de oficial de justiça para os

Tribunais do Trabalho. Os oficiais de justiça serão os executores

imediatos das ordens emitidas. Por meio deles, serão realizadas

as notificações e chamadas exaradas pelo Tribunal e serão

comunicadas as nomeações às quais os processos em

andamento dão origem (Art. 23 da Lei Orgânica Processual do

Trabalho - LOPT). Os oficiais de justiça devem ser maiores de

idade, venezuelanos e, de preferência, ter um diploma de

bacharel.

O cargo de funcionário da Justiça do Trabalho é

incompatível com o exercício de qualquer cargo público ou

privado, exceto nos casos previstos em lei (Art. 24 da Lei

Orgânica Processual do Trabalho - LOPT). Esses, no exercício de

suas funções, são responsáveis criminal, civil, administrativa e

disciplinarmente, de acordo com a Constituição da República

334
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Bolivariana da Venezuela e as leis (Art. 26 da Lei Orgânica

Processual do Trabalho - LOPT).

Com competência e funções em nível nacional, operará

um Serviço de Defensor Público para Trabalhadores, cuja

organização, poderes e operação serão estabelecidos pela Lei

Orgânica de Defesa Pública (Art. 28 da Lei Orgânica Processual

do Trabalho - LOPT). Algo que difere do sistema trabalhista

brasileiro, que não contempla a figura do Defensor Público na

esfera laboral.

Nessa esteira, resta demonstrar em linhas gerais, pontos

paralelos de estrutura do Tribunal Trabalhista no Brasil e sua

estrutura administrativa.

No Brasil os juízes são investidos de jurisdição através de

concurso público de provas e títulos, se tornando órgãos

federais. De acordo com o artigo 93, inciso I da Carta Magna,

para a investidura necessita-se comprovar no mínimo três anos

de atividade jurídica. Inicialmente ingressam na carreira como

juízes substitutos, somente após adquirem a titularidade em

uma Vara Trabalhista. Gozam de inamovibilidade. E são

fundamentados pelo art. 116 da CRFB, Lei Complementar 35 de

335
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

14 de abril de 1979.

A composição e organização interna dos tribunais

regionais do trabalho, sua alteração e criação de cargos está

disposta na Lei 7.119 de 30 de agosto de 1983, onde no mesmo

escopo aponta a estrutura organizacional.

Os juízes do trabalho, responsáveis pelas Varas do

Trabalho, possuem sua jurisdição em primeira instância, a

competência funcional das Varas do Trabalho pode ser exercida

monocraticamente pelo juiz titular; existem os Tribunais

Regionais do Trabalho correspondentes à segunda instância; e,

por conseguinte, no terceiro (e maior) grau de jurisdição, o

Tribunal Superior do Trabalho. Seguido pelo maior tribunal e

última instância, comum as demais esferas do direito brasileiro

que é o Supremo Tribunal Federal.

Tal modelo de organização dos tribunais trabalhistas,

passou a ter vigência com o advento da Emenda Constitucional

nº 45/2004.

A justiça trabalhista brasileira não faz diferenciação entre

empregados privados, públicos ou servidores públicos, todos

são abarcados pelos mesmos tribunais, diferenciando a

336
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

instância, conforme a fase processual. Há restrição quanto à

competência de julgamento pelo lugar da causa ou exceção de

incompetência. Como apoio à estrutura, contudo

independente, o país conta com o Ministério Público do

Trabalho que tem aquiescência no artigo 128 da Constituição

Federal. Demanda as ações civis de caráter público, nos limites

da Justiça do Trabalho, objetivando a defesa dos interesses

coletivos, ou afronta à ordem constitucional de direito dos

trabalhadores. A carreira de Procurador do Ministério Público

do Trabalho, enconta disciplina legal no artigo 86 da Lei

Complementar nº 75/93.

6 O case “Paro Petroleiro de 2002”

Preliminarmente, explicita-se que o direito de greve é

conferido pela LOTTT, sendo assegurado inclusive com garantias

de desligamento, inamovibilidade e substituição dos empregados,

bem como, estão previstas diversas formas de fiscalização e

punição aos trabalhadores que descumprem as normas

estabelecidas nessa legislação orgânica (VENEZUELA, 2012).

337
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Um case emblemático na Venezuela, com grande

repercussão nacional foi a greve geral que ficou conhecida

como o “Paro do Petróleo”. Para compreender sua dimensão é

necessário tecer, em linhas gerais, algumas considerações

históricas.

Imprescindível destacar que a empresa Petróleos de

Venezuela (PDVSA), foi criada em 1976 quando a atividade

petroleira passou integralmente para as mãos do Estado

venezuelano. Tal ação consagrou-se como parte da política de

nacionalização petroleira adotada pelo governo naquela

ocasião, constituindo-se como um dos polos centrais do

aparato estatal na Venezuela (um aparato dentro do aparato),

pois responsável pela gestão da principal atividade produtiva no

país (FERREIRA, 2012).

Destarte, conforme ainda disserta Ferreira (2012) havia

uma crise geral externalizada por rebeldia, a qual, se convertia

em conflito com uma direção sindical que não enfrentava os

interesses do governo e estabelecia relações de proximidade

com os partidos Acción Democrática e COPEI.

Com a intenção de fazer oposição ao governo, essa

338
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

direção sindical entendia que somente conseguiria gerar uma

greve geral massiva e longa (já que não contava com o apoio da

maioria dos trabalhadores) através da paralisação total da

empresa PDVSA. Mediante a paralisação da principal

controladora do ramo petroleiro, o setor industrial não poderia

funcionar por falta de energia, nem o setor de transportes,

gerando uma carência geral no país, inclusive impedindo os

empregados de chegar aos postos de trabalho (CARUSO, 2017).

Anteriormente ao Paro, ocorrido em 2 de dezembro de

2002, a gerência da PDVSA adotara a estratégia de elevar a

produção petrolífera, alegando superprodução e assim, lotou

todos os reservatórios de petróleo in natura da Venezuela, bem

como, ludibriou os governantes e analistas que jamais

suspeitariam de uma greve. Com tal conduta e diante do Paro,

os tanques de armazenamento do petróleo estavam cheios e

não havia meios de continuar a prospecção, interrompendo a

faina pois, não existia local de armazenagem, parando também

o setor de refino do produto já que, dependeria de tanques

vazios, cujo escoamento necessitava dos navios cargueiros que

também aderiram à greve (DAMASCENO, 2010).

339
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Tendo em vista que o alto escalão hierárquico da

empresa PDVSA era aderente ao convencimento no movimento

grevista, mas que de outra ponta, os empregados dos níveis

mais baixos eram contrários à greve e continuavam

trabalhando, a solução encontrada pela direção sindical de

oposição ao governo, foram as ações de sabotagem, inclusive

na esfera de tecnologia da informação sobre os sistemas

operacionais da empresa. Somente quando o governo de

Chávez ameaçou invadir o navio petroleiro Pilín León mediante

força militar e havendo o atentado em Altamira que lhe fora

atribuído, a greve ganhou mais força e contou com adesão de

Juízes da Suprema Corte, ficando prorrogada por prazo

indeterminado. De tal sorte, o movimento grevista produziu

reflexos desastrosos na Venezuela com a falta de eletricidade e

combustível, instaurando-se o caos no país. Atingidas essas

consequências, o objetivo central do Paro Petroleiro fora

alcançado, eis que, se tornou um Paro Patronal generalizado

(CARUSO, 2017).

Somaram-se ainda, os prejuízos econômicos perante o

comércio externo de petróleo, diante a inviabilidade de

340
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

fornecimento do combustível, passando a Venezuela

descumprir os compromissos internacionais assumidos com os

EUA, o seu principal consumidor.

As ações combativas de Chávez visando a retomada da

empresa PDVSA e término da greve cingiram-se às demissões

em massa dos grevistas e gerentes, além da ocupação militar

do navio Pilín León, mediante ordem de prisão à tripulação.

Porém, a luta contra o Paro Patronal se tornou um marco

fundamental para os trabalhadores sindicalizados pois

politizaram suas demandas, romperam com o sindicalismo

tradicional (que visa a paralisação da atividade fabril) e iniciaram

verdadeiras experiências do controle operário sobre a

produção desde suas bases ao colocarem em funcionamento

as fábricas (inclusive privadas), ocuparem a PDVSA, formando

conselhos operários e desenvolvendo sua capacidade de

gestão por ação direta. Essa mobilização política do movimento

operário permaneceu em ebulição, originando a criação de uma

nova central sindical na Venezuela, a Unión Nacional de

Trabajadores – UNETE (CARUSO, 2017).

Segundo Bilbao (2003), a retomada da PDVSA pelo

341
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

governo bolivariano representa um momento histórico, sendo

compreendido como a verdadeira nacionalização da empresa

vez que, lhe foi conferida pelas mãos da classe operária.

No aspecto político, declina ainda Caruso (2017) que a

vitória sobre o Paro Patronal implicou num controle mais efetivo

do governo sobre a PDVSA, combatendo a evasão de divisas

oriundas da burocracia estatal, aumentado a capitação da

renda petroleira e controle de sua distribuição para a

sociedade, fortalecendo os programas sociais (marca do

governo chavista).

Pode-se concluir que o Paro do Petróleo significou uma

revolução obreira e popular vitoriosa, seguindo rumos muito

além de um projeto nacionalizador (FERREIRA, 2012).

6.1 Desafios da Atualidade

Originalmente, a efetivação da LOTTT na Venezuela

implicou num desafio governamental ao adotar uma postura

mais classista e anticapitalista.

342
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Conquanto a nova lei orgânica tenha ampliado os

direitos dos trabalhadores nas relações laborais, houve um

reflexo paradoxal experimentado na Venezuela. Com o

aumento dos custos empresariais não existiu um implemento

nas contratações, mas, ampliação das dispensas, gerando a

existência de mais desemprego. Ao longo do tempo, além da

resistência inicial ofertada pelos empresários, foram adotadas

medidas saneadoras do incremento nos custos da produção,

tais como, o aumento do controle do empregador, a

intensificação do trabalho, os contratos temporários e de

experiência (DOMÍNGUEZ, 2017).

Cediço que os países integrantes do Mercosul, incluindo-

se a Venezuela, possuem ordenamentos jurídicos

constitucionais num estágio avançado em relação à proteção

dos direitos sociais.

Porém, os desafios atuais no Brasil são oriundos da

informalidade dos trabalhadores venezuelanos imigrantes que

laboram sem contratos formais, caracterizando o dumping

social e percebendo valores abaixo do mínimo legal.

343
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Consolidando essa assertiva, uma pesquisa realizada

sobre o perfil sociodemográfico e laboral dos imigrantes

venezuelanos, coordenada pelo Conselho Nacional de

Imigração aponta que quase 80% dos venezuelanos não

indígenas que migraram para o Brasil têm ensino médio

completo, sendo que, mais da metade daqueles que trabalham

recebem menos de um salário-mínimo (ROSA, 2018).

De outro ponto, sabe-se que não há legislação uniforme

que atenda os interesses dos países integrantes do Mercosul,

quanto aos direitos trabalhistas.

Essa constatação possui repercussão entre Brasil e

Venezuela, pois o desafio se apresenta como desnivelamento

dos ganhos quando os trabalhadores são privados de isonomia

remuneratória, seus reflexos e derivações, tais como:

participação nos lucros e resultados, plano de cargos e salários,

FGTS (direito constitucional não previsto na Venezuela), 13°

salário (não assegurado na Constituição Federal da Venezuela),

alguns benefícios previdenciários específicos, dentre outros

(ROSA, 2018).

344
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

7 Conclusão

Conclui-se que transições econômicas e sociais, marcos

históricos e políticos, foram elementares para configuração do

direito trabalhista contemporâneo no Brasil e na Venezuela.

Observa-se que nas duas nações competem bases

garantistas aos trabalhadores que, incialmente não contavam

com amparo social nesse sentido, logo fez-se necessário a

criação de normas regulamentadoras. Após, o auxílio aos

trabalhadores empregados cresceu em detrimento dos

empregadores, em função da fragilidade necessária daqueles

que precisavam do labor para seu sustento, mas, o atendimento

às políticas neoliberais margeou a constituição e flexibilização

dos direitos trabalhistas, principalmente, no Brasil.

Conforme exposto, atualmente os referidos países

distanciam-se entre si na aplicação dos direitos trabalhistas.

Pelo Brasil, após a reforma trabalhista titulada pela Lei nª

13.467, de 13 de julho de 2017, assentou-se larga flexibilização

dos direitos anteriormente operacionalizados, pautados na

negociação e acordo entre empregadores e empregados. Algo

345
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

que pode trazer benefícios às duas partes. Ao empregador cria

maiores possibilidades para absorção do custo benefício,

relacionado à manutenção de contrato de pessoal, contudo, se

analisado sobre o aspecto de fragilidade dos subordinados, o

benefício tende a tornar-se um prejuízo.

Pela Venezuela com o advento da LOTTT, foram

configurados, de maneira mais específica e assertiva, as

diretrizes protecionistas pró empregado, já esboçado pela

própria Constituição. Observa-se ainda a dificuldade do

empregador em dispensar um empregado, tal ato é admitido

em casos de dispensa motivada, que de toda forma, precisa

estar muito bem fundamentada. Fato que pode prejudicar a

atonomia do empregador. Nesse seguimento, pode-se

apreender que os benefícios sociais com cunho trabalhista, são

muito vastos no país de acordo com as fontes pesquisadas.

Ressalta-se, inclusive, que o acesso à justiça e dados não

apresentam-se de maneira prática aos pesquisadores, logo as

informações pertinentes ao texto foram extraídas, em sua

maioria, de dados oficiais venezuelanos e legislação disponíveis.

Quanto ao aspecto politico histórico, existe um

346
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

retrocesso na construção de identidade do Estado

Venezuelano, tendo em vista a falta de legitimidade do

constitucionalismo liberal na Venezuela, utilizada pelos seus

líderes a fim de garantir o controle de poderes que deveriam

ser genuinamente independentes. O que possibilitou ao

governo chavista, realizar uma reforma constituinte, que de

certa forma massificou os poderes, enfraquecendo o princípio

de separação entre eles, especialmente em detrimento da

autonomia do judiciário. Com a expansão da autonomia de

poder do executivo, substituiu-se o bicameralismo pelo

unicameralismo no poder legislativo, trazendo a concepção de

que unificar os poderes seria o meio adequado para alcançar

reais benefícios sociais. O método causou medidas

desastrasosas na economia do país, ferindo a ideia do estado

democrático de direito e a própria Carta Magna da Venezuela.

Portanto, medidas necessitam ser implementadas para

a volta do estado democrático de direito, possivelmente através

da reimplantação do bicameralismo no poder legistalivo e o

respeito à separação de poderes, resgatando a real equidade

entre Executivo, Legislativo e Judiciario.

347
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Destarte, as peculiariedades apontandas sobre a Justiça

Trabalhista e direitos sociais assegurados no Brasil e Venezuela

demonstram dessemelhanças e movimentos contrapostos em

relação à evolutiva flexibilização normativa brasileira e a postura

garantista legalista de maior proteção ao trabalhador

venezuelano.

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352
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

SOBRE OS ORGANIZADORES

Fernanda Duarte é doutora em Direito pela Pontifícia


Universidade Católica do Rio de Janeiro e graduada em língua
inglesa pela Cambridge University. É professora associada
Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF)
e professora do Programa de Pós-Graduação em Justiça
Administrativa da UFF, integrando a rede de pesquisadores do
NUPEJ/PROPPI/UFF e do INCT-InEAC. Coordena o CRN1
“Comparative Constitutional Law and Legal Culture: Asia and the
Americas” no âmbito da Law and Society Association/LSA- EUA.
Foi bolsista do Departamento de Estado Norte-Americano no
Programa International Visitors IV. É Global Ethics Fellow
Alumna of the Carnegie Council for Ethics in International Affairs
(Nova York, EUA). É professora visitante na Mercer School of Law
(Macon/GA, EUA) e professora convidada do “War and Peace –
Oxford Iniciative for Global Ethics” (Oxford University, GB).

CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/0996653467128442
E-mail: fernanda_duarte@id.uff.br

Rafael Mario Iorio Filho é doutor em Direito pela Universidade


Gama Filho e doutor em Letras Neolatinaslíngua italiana pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Realizou pesquisa de
Pós-Doutorado em Ciência Política no Centro de Estudos de
Cultura Contemporânea (bolsista Pós-Doutorado Júnior do
CNPq). É professor adjunto da Faculdade de Direito da
Universidade Federal Fluminense e professor do Programa de
Pós- Graduação em Justiça Administrativa da UFF. É também
pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia -

353
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Instituto de Estudos Comparativos em Administração de


Conflitos (INCT-InEAC) e do NUPEJ. Coordena o CRN1
“Comparative Constitutional Law and Legal Culture: Asia and the
Americas” no âmbito da Law and Society Association/LSA- EUA.
É professor visitante na Mercer School of Law (Macon/GA, EUA)
e professor convidad do “War and Peace – Oxford Iniciative for
Global Ethics” (Oxford University, GB). Presidente da Comissão
de Ensino Jurídico da Seccional da Ordem dos Advogados do
Brasil no Estado do Rio de Janeiro.

CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/6556597388531401
E-mail: rafael_iorio@id.uff.br

Ricardo Perlingeiro é doutor em Direito pela Universidade


Gama Filho, tendo desenvolvido pesquisa de pós-doutorado
(como Gastforscher) no Forschungsinstitut für Öffentliche
Verwaltung Speyer. É professor titular da Faculdade de Direito
da Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor do
Programa de Pós- Gradua ção em Justiça Administrativa da UFF.
É professor visitante da Birmingham City University (GB) e
coordenador do Núcleo de Pesquisas em Ciências do Poder
Judiciário (NUPEJ)/PROPPI/UFF, Tem coordenado projetos
internacionais de pesquisa na área do direito processual
internacional e do direito processual administrative. É também
desembargador federal do Tribunal Regional Federal da 2ª
Região.

CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/9417933078870901
E-mail: ricardoperlingeiro@id.uff.br

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SOBRE OS AUTORES

Fabio Nunes De Martino é mestre em Justiça Administrativa pela


Universidade Federal Fluminense (PPGJA/UFF/RJ) e Juiz Federal
junto à Justiça Federal do Paraná do Tribunal Regional Federal
da 4ª Região (Cascavel-PR).

CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/9514650685107696
E-mail: fabio.martino@trf4.jus.br

Ingrid Lemos Laczynski é mestre em Justiça Administrativa pela


Universidade Federal Fluminense (PPGJA/UFF/RJ) e pós-
graduada em Processo Civil com Ênfase em Relações Jurídicas
Privadas pela UFF. É também. Procuradora Municipal da
Prefeitura de Cachoeiras de Macacu (RJ).

CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/0946761320719401
E-mail: ingridllaczynski@gmail.com

Jaudar Lima Jauhar Júnior é mestre em Justiça Administrativa


pela Universidade Federal Fluminense - UFF. É Servidor Fiscal do
Município de São Gonçalo (RJ). É também pós-graduado em
Direito Público e Privado pela Escola de Direito do Ministério
Público do Estado do Rio de Janeiro.

CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/4017217534774293
E-mail: jaudar@gmail.com

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(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

João Fabricio Ribeiro Reis Alves do Valle é mestre pela


Universidade Federal Fluminense (PPGJA/UFF/RJ). É membro do
Instituto de Direito Administrativo do Rio de Janeiro (IDARJ) e do
Grupo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Direito
Administrativo Contemporâneo (GDAC-CEEJ). Também é
advogado.

CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/1667651911168523
E-mail: jfdovalle.adv@gmail.com

Laís Fraga Kauss é mestre em Justiça Administrativa pela


Universidade Federal Fluminense (PPGJA/UFF/RJ) e é
Procuradora Federal atuante na defesa judicial da Previdência
Social. É também Máster en Dirección y Gestión de los Sistemas
de Seguridad Social. É ainda pós-graduada em Gestão Pública,
Direito Previdenciário, Direito Constitucional e Direito Público e
Privado, cursou Altos Estudos de Política e Estratégia - CAEPE na
Escola Superior de Guerra.

CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/5609106231252352
E-mail: laiskauss@gmail.com

Leonardo Candido Bastos. É mestre em Justiça Administrativa


pela Universidade Federal Fluminense (PPGJA/UFF/RJ). Também
é advogado atuando no Setor de Direito Administrativo,
Regulatório e Infraestrutura.

CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/4060284961838289
E-mail: lbastos@siqueiracastro.com.br

356
Estudos sobre cortes e juízes em perspectiva comparada
(Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela)

Lília Côrtes de Carvalho De Martino é mestre em Justiça


Administrativa pela Universidade Federal Fluminense
(PPGJA/UFF/RJ) e Juíza Federal junto à Justiça Federal do Paraná
do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Cascavel).

CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/8535441889202036
E-mail: lilia.martino@trf4.jus.br

Mário Norris é mestre em Justiça Administrativa pela


Universidade Federal Fluminense (PPGJA/UFF/RJ) e Procurador
do Município de Barra do Piraí/RJ.

CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/0353925703659012
E-mail: mariolnorris@hotmail.com

Paula Camargo Daniel de Castro é mestre em Justiça


Administrativa pela Universidade Federal Fluminense
(PPGJA/UFF/RJ) e advogada. É pós-graduada em Direito e
Processo do Trabalho pela Universidade Presbiteriana
Mackenzie - SP. Cursou também o MBA em Gestão de Recursos
Humanos pela Universidade Federal Fluminense – UFF.

CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/8535441889202036
E-mail: paulamfreitasadv@gmail.com

Taiara Rotta é mestre em Justiça Administrativa pela


Universidade Federal Fluminense (PPGJA/UFF/RJ). É também
historiadora e advogada.

CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/5165452314070025
E-mail: taiara@gmail.com

357
Autores

Fabio Nunes De Martino

Ingrid Lemos Laczynski

Jaudar Lima Jauhar Júnior

João Fabricio Ribeiro Reis Alves do Valle

Laís Fraga Kauss

Leonardo Candido Bastos

Lília Côrtes de Carvalho De Martino

Mário Norris

Paula Camargo Daniel de Castro

Taiara Rotta

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