Você está na página 1de 113

 

 
PRODUÇÕES LITERÁRIAS DEDICADAS À FORMAÇÃO
DE REVOLUCIONÁRIOS MARXISTAS QUE ATUAM NO DOMÍNIO
DO DIREITO, DO ESTADO E DA JUSTIÇA DE CLASSE
 
INTRODUÇÃO À OBRA
“PEQUENOS ENSAIOS SOBRE MARXISMO E DIREITO, SOCIEDADE E
ESTADO NA REVOLUÇÃO”
 

O Poder Judiciário no Estado
Burguês
e a Perspectiva dos Tribunais
da Revolução de Outubro
 
EMIL ASTURIG VON MÜNCHEN
 
Para Palestras e Cursos sobre o Tema em Destaque
Contatar emilvonmuenchen@web.de
 
Novembro de 2000
 
Voltar ao Índice Geral
http://www.scientific­socialism.de/PECapa.htm
 
 
I.
INTRODUÇÃO
 
II.
O PODER JUDICIÁRIO ENQUANTO INSTITUIÇÃO
TIPICAMENTE BURGUESA
 
II.A. Organização Institucional dos Estados Escravistas da
Antigüidade.
 
II.B. Fragmentação das Atribuições Públicas dos Estados
Feudais Estamentais
e o Tribunal da Santa Inquisição
 
II.C. Os Direitos de Soberania dos Estados Monárquico­
Absolutistas
 
II.D. A Divisão dos Poderes no Quadro da Revolução
Burguesa da Inglaterra
 
II.E. A Tripartição de Poderes no Prelúdio da Revolução
Burguesa de 1789:
 O Surgimento do Poder Judiciário
 
II.F. O Poder Judiciário no Quadro do Fortalecimento da
Burocracia e da Força Militar
dos Estados Burgueses dos séculos XVIII e XIX
 
II.G. O Poder Judiciário enquanto Guardião da
Constituição dos Estados Burgueses Imperialistas
 
III.
OS TRIBUNAIS POPULARES ELETIVOS,
I.E. TRIBUNAIS ELETIVOS DOS OPERÁRIOS, SOLDADOS
E CAMPONÊSES DA REVOLUÇÃO DE OUTUBRO :
ALTERNATIVA REVOLUCIONÁRIA
À JUSTIÇA DE CLASSE BURGUESA E ÀS REFORMAS DO
PODER JUDICIÁRIO
 

III.A. Surgimento e Significado do Estado na Concepção
Marxista
 
III.B. O Estado em face das Revoluções Proletárias
 
III.C. O Estado Proletário e os Tribunais Populares
Eletivos, i.e. Tribunais Eletivos
dos Operários, Soldados e Camponeses da Revolução de
Outubro
 
III.D. A Função Revolucionária dos Tribunais Populares
Eletivos
 da Revolução de Outubro
 
III.E. Os Tribunais Populares Eletivos da Revolução de
Outubro
 e a Ascensão do Burocratismo Soviético Stalinista
 
 
 
O PODER JUDICIÁRIO  NO ESTADO BURGUÊS
E A PERSPECTIVA DOS TRIBUNAIS DA REVOLUÇÃO DE
OUTUBRO
 
I.
INTRODUÇÃO
 
Além  dos  problemas  resultantes  dos  enfrentamentos  entre  as
classes  sociais  que  perpassam  a  existência  dos  Estados
Burgueses  e  das  demais  instituições  das  sociedades
capitalistas  contemporâneas  é  possível  constatar­se,
presentemente,  a intensificação de um fenômeno peculiar que
desponta, com toda agudez, na América Latina, bem como em
outros  países  do  mundo  :  nomeadamente  os  acesos
entrechoques e os diversos conflitos travados entre os poderes
jurídico­públicos  dos  Estados  Burgueses,  associados  à  sua
crescente corrupção e tráfico de influências.
Tal fenômeno aprofunda a crise dos Estados Burgueses e das
instituições  dos  regimes  democráticos,  erigidos  sobre  a
exploração  econômica  e  o  despotismo  capitalista  em  face  da
classe  trabalhadora  e  dos  demais  socialmente  oprimidos,
impondo  a  todos  os  juristas  socialistas­revolucionários  a
necessidade  de  reexame  do  papel  do  Poder  Judiciário,  com
vistas  a  apontar  uma  alternativa  para  a  constituição  de  uma
nova Justiça de Classe, formada pelas massas trabalhadoras e
exploradas.
Exemplos  recententes  da  situação  política  existente  em
diversos  países  do  mundo  depõem,  precisamente,  nesse
sentido : 
 
               na França, o escândalo de corrupção envolvendo
diretamente  o  Presidente  do  Conselho
Constitucional,  Roland  Dumas,  nomeado  em  24  de
feveiro  de  1995  por  François  Mitterrand,  e  os
subseqüentes  protestos  públicos  de  diversos  setores
da  sociedade  francesa,  forçaram­no  a  comunicar,  no
último  1°  de  março  de  2000,  sua  demissão  do  posto
máximo  do  Poder  Judiciário  Francês  (agora
denominado  de  Pouvoir  Hautain,  i.e.  o  Poder
Presunçoso),  abrindo  uma  profunda  crise  de
credibilidade  no  seio  do  órgão  supremo  jurisdicional
[1]
desse país;  
 
                na Alemanha, o mais renomado Presidente do
Tribunal  Constitucional  da  Alemanha
(Bundesversfassungsgericht)  da  década  de  90  do
século  XX,  Roman  Herzog,  diretamente  nomeado,  a
seguir,  pelo  antigo  chanceler  da  corrupção  e  da
unificação  imperialista  das  duas  Alemanhas,  Helmut
Kohl,  para  o  cargo  de  Presidente  da  República
Federal  da  Alemanha,  surgiu,  nos  últimos  anos,
enigmática  e  surpreendentemente,  perante  o  cenário
público  alemão,  em  virtude  de  suas  estreitas  ligações
doutrinárias  e  profissionais  com  o  recentemente
falecido  e  mais  célebre  Professor  de  Direito
Constitucional  da  Alemanha  do  pós­guerra,  Theodor
Maunz,  esse  último,  após  sua  morte,  identificado
publicamente  como  fiel  colaborador  acobertado  e
inspirador  intelectual  enrustido  da  reogarnização  das
forças neo­nazistas alemãs e européias da atualidade;
[2]
  
 
 
                na Itália, as confrontações no interior do Poder
Judiciário  e  da  Procuradoria  da  República  Italiana
demonstram  que  os  juízes  e  procuradores  da
Operazione Mani Pulite Nr. 1(Inchiesta Mani Pulite),
considerados  como  heróis  nacionais  na  luta  contra  a
criminalidade  organizada  e  petrificada  no  aparelho  de
Estado  Italiano,  graças  à  colossal  influência  da  Cosa
Nostra  dos  Corleoni,  da  Camôrra  de  la  Campania,  da
‘Ndragheta  Calabrêsa,  da  Banda  dei  Sardi,  da  Banda
della  Uno  Bianca  sobre  a  burocracia  estatal  italiana,
são  os  agentes  mais  suspeitos  e  corruptos  da
[3]
Operazione Mani Pulite Nr.2;   
 
 
                              na  Venezuela,  o  governo  de  Hugo  Chavez
embateu­se,  recentemente,  contra  o  Congresso
Nacional  Venezuelano,  conduzindo  ao  fechamento
desse  último  para  dar  lugar  a  uma  Assembléia
Nacional  Constituinte,  impulsionadora  de  processos
de  punição  e  exoneração  de  dezenas  de  juízes
corruptos venezuelanos;
                              na  Colômbia,  ministros  de  governo  surgem
acusando  a  Procuradoria  do  Estado  de  infiltração
guerrilheira;
 
                              no  Equador,  processos  judicias  contra  o  ex­
presidente  Mahuad,  impulsionaram  a  insurreição
popular que veio a desencadear a sua derrubada.
 
         No Brasil, reiterados conflitos entre os Poderes da
República apontam para o descrédito do Executivo
Federal  Brasileiro,  encabeçado  por  Fernando  H.
Cardoso,  vencido  pelo  desemprego  galopante  e
pelo agravamento da crise social, ao mesmo tempo
em  que  constantes  desentendimentos  internos
entre  órgãos  estatais  e  instituições  públicas
brasileiras corroem e desagregam a base neoliberal
de sustentação política presidencial.
O  Poder  Judiciário  Brasileiro,  presidido  por  Carlos
Velloso,  enfrenta­se  agora  com  uma  dramática
dinâmica  de  enfraquecimento  existencial  e  convive
com o descrédito da Justiça Burguesa Brasileira.
Esse descrédito possui suas raízes na hipertrofia do
poder econômico das grandes empresas capitalistas
instaladas  no  Brasil,  bem  como  no  poder  dos
proprietários  prediais  e  latifundiários,  todos  esses
ostensivos  dominadores  da  atuação  funcional  do
Judiciário  Brasileiro  através  de  múltiplos  laços
umbilicais de influência política e econômica.
Nesse  contexto,  tal  descrédito  é  aprofundado,
presentemente,  antes  de  tudo,  pela  alarmante
corrupção e pelo tráfico de influência que embasa o
vegonhoso aumento de sôldo dos juízes brasileiros.
Como se isso não bastasse, o Poder Legislativo do
Brasil  precipita­se  em  batalhas  campais  travadas
entre  os  presidentes  de  suas  duas  casas
legislativas.
Nesse  contexto  de  decomposição  progressiva  das
instituições  públicas  burguesas  brasileiras,  Antônio
Carlos  Magalhaes  surge  assumindo  posições
inglórias,  idênticas  ao  mais  repudiável  e  ignóbil
coronelismo brasileiro.
Diante  desse  quadro,  pretendemos  examinar,  no
presente  texto,    a  problemática  do  Poder  Judiciário
no  seio  do  Estado  Burguês  contemporâneo,
apontando  uma  alternativa  socialista­revolucionária
às inúmeras e deploráveis tentativas de reformá­lo e
resituá­lo no quadro do sistema capitalista­burguês.
 
Para  tanto,  projetaremos  nossa  exposição  em
momentos  distintos,  porém  essencialmente
interpenetrados e complementares :
 
                                        o Poder Judiciário enquanto instituição
burguesa ;
                                        os  tribunais  populares  eletivos,  i.e.
tribunais  eletivos  dos  operários,  soldados  e
camponeses  da  Revolução  de  Outubro  :
alternativa  revolucionária  à  Justiça  de  Classe
Burguesa e às reformas do Poder Judiciário.
 
II.
O PODER JUDICIÁRIO
ENQUANTO INSTITUIÇÃO TIPICAMENTE BURGUESA
 
No  quadro  dos  regimes  democráticos  erigidos  sobre  a
exploração  assalariada  e  a  dominação  política  do  capitalismo
contemporâneo,  a  função  pública  de  julgar  segundo  o  Direito
Burguês,  i.e.  a  função  político­jurisdicional  ou  de  dicção  do
Direito Burguês, é exercida sob a surpreendente e enigmática
forma orgânico­institucional de um poder de Estado.
Tal  poder  de  Estado,  denominado,  correntemente,  Poder
Judiciário (em francês : Pouvoir Judiciaire) ou Ramo Judicial
(em inglês : Judicial Branch) ou simplesmente Jurisdição (em
alemão : Rechtsprechung), encontrando sua raison d’être no
exercício  organicamente  independente  dessa  função  político­
jurisdicional,  surge  consagrado  pelos  mais  diversos  diplomas
estatal­constitucionais  da  atualidade  como  sendo,  por  sua
própria natureza, um poder de Estado.
Tal  poder  de  Estado  aparece,  além  disso,  supostamente
revestido  de  imparcialidade  no  julgamento  dos  casos  a  ele
submetidos  e,  além  disso,  como  categoricamente
independente  em  face  dos  demais  poderes  de  Estado
contemporâneos,  i.e.  diante  dos  assim­denominados  Poderes
Legislativo e Executivo.
Nesse sentido, os arts. 1° e 2° da Constituição Brasileira de
1988, dispõem da seguinte forma :
 
“Art. 1°. A República Federativa do Brasil, formada pela
união  indissolúvel  dos  Estados  e  Municípios  e  do
Distrito  Federal,  constitui­se  em  Estado  Democrático
de Direito. (...)
Parágrafo  Único.  Todo  poder  emana  do  povo,  que  o
exerce  por  meio  de  representantes  eleitos  ou
diretamente, nos termos dessa Constituição.
.................................................................................
Art.  2°  São  Poderes  da  União,  independentes  e
harmônicos  entre  si,  o  Legislativo,  o  Executivo  e  o
[4]
Judiciário.”
 
 
Da  mesma  maneira,  a  Lei  Fundamental  da  Alemanha,  de
1949, dispõe como segue:
 
“Art.  20  (Princípios  Constitucionais;  Direito  de
Resistência)
(1)            A  República  Federal  Alemã  é  um  Estado
Federativo, Democrático e Social.
(2)            Todo  poder  do  Estado  emana  do  povo  em
eleições.  Ele  é  exercido  pelo  voto  nas  eleições,
aprovações  e  mediante  órgãos  particulares  do  Poder
Legislativo, do Poder Executivo e do Poder Judiciário.
(3)            O  Poder  Legislativo  é  vinculado  à  ordem
constitucional,  os  Poderes  Executivo  e  Judiciário  à
[5]
lei.”
 
 
No  mesmo  sentido,  a  atual  Constituição  da  Federação
Russa,  de  1993,  expressando  juridicamente  o  processo  de
dissolução  da  antiga  URSS  e  de  restauração  de  um  Estado
Burguês­Capitalista Russo, estabelece :
 
“Artigo 1°.
A  Federação  Russa,  i.e.  a  Rússia,  é  um  Estado  de
Direito,  Federativo  e  Democrático,  dotado  de  forma
republicana de governo.
.......................................................................
Artigo 10°
O  poder  do  Estado  da  Federação  Russa  é  exercido
com fundamento na divisão entre Legislativo, Executivo
e Judiciário.
Os  órgãos  dos  Poderes  Legislativo,  Executivo  e
[6]
Judiciário são independentes.”
 
 
O  Poder  Judiciário,  ladeado,  dessa  maneira,  por  esses  outros
dois poderes de Estado, i.e. o Executivo e o Legislativo, surge,
pois,  na  atualidade,  em  um  contexto  de  tripartição  jurídico­
institucional.
À  primeira  vista,  o  poder  do  Estado  Burguês  da  atualidade
aparenta, dessa forma, estar dividido, sob o aspecto orgânico,
em Poder Legislativo – esse subdividido internamente em duas
casas  parlamentares  ou  congressuais,  i.e.  Assembléia  e
Senado  ­,  Poder  Executivo  –  esse  outro  subdivido
internamente  em  órgãos  de  Governo  e  de  Administraçao
Pública – e, finalmente, Poder Judiciário – esse último repartido
em inúmeras instâncias jurisdicionais.
Mesmo  sob  o  aspecto  jurídico  das  funções  materiais  de
Estado,  aparenta  o  Estado  Burguês  estar  ainda  plenamente
distribuido,  evitando  supostamente  a  concentração  de  poder
nas  mãos  de  um  único  déspota  totalitário  :  a  função  de
produção  de  políticas  públicas  e  normas  jurídicas  estaria
distribuída  seja  através  do  Legislativo  –  produtor  de  leis,  leis­
medidas e resoluções parlamentares ­, do Executivo – autor de
regulamentos  e  medidas  provisórias  ­,  como  do  Judiciário  –
produtor  de  seus  próprios  regimentos  internos  e  julgador  de
dissídios  coletivos  ­,  ao  passo  que  a  função  de  aplicação
dessas  mesmas  políticas  públicas  e  normas  jurídicas  também
resultaria  repartida,  antes  de  tudo,  entre  o  Judiciário  e  o
Executivo,  porém  presente,  em  certos  casos  especiais,
também no Legislativo.
Defendendo  as  qualidades  naturais  e  eternas  da  separação  e
divisão  dos  poderes,  a  doutrina  jurídico­ideológica  burguesa
procura obscurecer, em cada página de sua infindável literatura
doutrinária, a natureza mais autêntica da dominação política do
Estado Burguês.
Em  seu  mister  de  assegurar  a  exploração  e  a  repressão  da
classe  trabalhadora  e  dos  demais  socialmente  oprimidos,  tal
dominação  política  burguesa  manifesta­se  nos  mais  diversos
campos  das  atividades  humanas  das  sociedades  capitalistas
contemporâneas,  em  particular  no  âmbito  ideológico­
doutrinário,  no  domínio  jurídico­institucional,  bem  como  no
setor das corporaçoes militares e burocráticas do funcionalismo
do Estado.
Sob  uma  perspectiva  dialético­materialista,  cumpre  assinalar,
assim,  que  a  tão  conclamada  consagração  constitucional  das
trois  puissances  ou  dos  drei  Gewalten  (i.e.  das  três
potências  ou  três  poderes)  nada  mais  visa  senão  repartir  a
dominação  jurídico­institucional  burguesa  contida  no  pouvoir
d’Etat  ou  no  Staatsmacht  (poder  do  Estado),  entre  órgãos
estatais  denominados  Poderes  Legislativo,  Executivo  e
Judiciário, reponsáveis pela produção e aplicação de políticas
públicas e normas jurídicas.
A dominação militar e burocrática do Estado Burguês, em sua
essência  una  e  indivisível,  entendida  como  o  poder  estatal
efetivo  e  soberano  par  excellence,  permanece,  em  princípio,
intocada e unificada nas mãos da burguesia, sendo colocada a
serviço  de  seus  mais  profundos  interesses  materiais  de
exploração econômica do trabalho assalariado.
Sob  esse  último  aspecto,  o  Estado  Burguês,  concebido
enquanto  máquina  estatal  da  burguesia  dedicada  à
organização  da  violência  suprema  de  cunho  burocrático  e
militar  estatal,  tendo  como  objetivo  fundamental  a  garantia  da
exploração  e  da  opressão  da  classe  trabalhadora  e  das
massas  oprimidas  no  quadro  das  sociedades  fundadas  nas
economias  capitalistas  de  mercado,  não  está  colocado  à
disposição  para  divisão  entre  órgãos  de  poderes  distintos  e
independentes.
O  poder  de  organização  da  violência  do  Estado  Burguês,  em
essência uno e indivisível, tal como um produto mais autêntico
de  toda  e  qualquer  sociedade  dividida  em  antagonismos  de
classe  inconciliáveis,  colocando­se  aparentemente  acima  da
sociedade  cindida  em  classes  hostis  e  dela,  historicamente,
alienando­se  sempre  mais,  surge,  nesse  caso,  com  a  missão
estratégica de atenuar os enfrentamentos sociais – na medida
em que não os pode jamais suprimir ­, mantendo­os nos limites
da ordem, considerada ideologicamente como eterna e natural,
porém,  em  verdade,  vinculada  aos  interesses  histórico­
[7]
materiais da burguesia.
 
 
Nesse  sentido,  o  enquadramento  dessa  força  pública  militar
especial  e  dessa  burocracia  estatal,  sob  o  aspecto  jurídico­
institucional,  no  quadro  tanto  do  Governo  como  da
Administraçao Pública do Poder Executivo, tanto no âmbito do
Poder  Judiciário  como  do  Legislativo  do  Estado  Burguês  ­  e,
portanto,  no  interior  do  “Estado  de  Direito”,  tal  como  o  Direito
Burguês costuma situá­las ­ pouco pode alterar o fato de essa
máquina  de  violência  e  repressão  física  das  classes
exploradoras  e  essa  burocracia  administrativa  de  Estado  ser
colocada,  sob  o  ângulo  da  dominação  burocrático­militar  da
burguesia,  a  serviço  de  seus  interesses  materiais,
posicionando­se,  na  prática,  muitas  vezes,  acima  do  próprio
“Estado  de  Direito”  e  dos  três  Poderes  erigidos  no  plano
jurídico­institucional.
Para  a  manutenção  de  sua  dominação  política  de  classe,  a
burguesia  necessita  conservar  sempre  em  suas  mãos  a
unidade  e  a  indivisibilidade  do  poder  do  Estado  Burguês
relacionado  com  a  organização  da  violência  militar  e  da
burocracia estatal­profissional, o que se torna clarevidente nas
situações de instauração de regimes ditatorias burgueses.
Nada  obstante,  em  momentos  não  tão  candentes  de  sua  luta
contra o proletariado e os demais oprimidos, opta a burguesia,
preferencialmente,  por  instaurar  regimes  democrático­
burgueses  e  divulgar  ilusões  constitucionais  de  defesa  das
instituições  democráticas  e  dos  direitos  sociais,  bem  como  do
princípio jurídico­constitucional da divisão dos poderes, o que,
muitas  vezes,  faz  obscurecer  perante  os  olhos  das  massas
exploradas o verdadeiro caráter de seu despotismo de classe.
Tais  poderes  jurídico­institucionais  de  Estado  surgem,  então,
dinamizados  por  órgãos  estatais  distintos,  aparentemente
independentes e limitadores dos abusos dos demais. 
Na verdade, em tempos de “paz social”, todos os três poderes
de  Estado  destinam­se  a  assegurar,  harmonicamente,  a
exploração  econômica  e  a  dominação  ideológica  da  classe
trabalhadora  e  dos  demais  socialmente  oprimidos,  apoiando­
se, quando necessário, na violência organizada de Estado, na
coerção  e  na  repressão  estatal,  veiculada  pelos  seus  mais
característicos  apêndices  oficiais  :  a  polícia,  as  prisões,  os
instituitos penais e de coerção, o exército permanente etc.
Diversamente,  em  tempos  de  crise,  os  três  poderes,
entendidos como órgãos da dominaçao jurídico­institucional da
burguesia no quadro do seu Estado de classe, i.e. como partes
da dominação política de classe da burguesia, tendem a colidir
na  disputa  pelo  botim  resultante  do  processo  de  exploração
dos trabalhadores e dos demais oprimidos.
No  momento  histórico  da  atualidade,  buscando  o  projeto  neo­
liberal e a sua contraparte mais autêntica, i.e. o projeto social­
democrático,  assegurar  a  rapina  desenfreada  da  classe
trabalhadora,  torna­se  freqüentemente  inevitável  que  os
diversos  órgãos  do  Estado  Burguês  entrem  em  conflito  para
resguardar seus próprios  privilégios.
No  contexto  dos  Estados  Burgueses,  o  princípio  da  tripartição
dos  poderes,  enquanto  princípio  jurídico­estatal  e  máxima  da
doutrina  geral  do  Direito  Constitucional  Burguês,  haveria  de
surgir  e  permanecer,  entretanto,  revestido  de  suprema
hierarquia  e  corrente  atualidade  para  a  disciplina  jurídica
estatal das sociedades capitalistas.     
Entre as inúmeras construções teóricas dedicadas à divisão, à
separação, à distribuição, ao balanceamento, à articulação dos
poderes  elaboradas  por  proeminentes  pensadores  da
civilização  humana  de  todos  os  tempos,  apenas  a  concepção
formulada  por  Charles  Louis  de  Secondat,  Baron  de  la
Brède  et  de  Montesquieu,  que  dividiu,  pela  primeira  vez,  o
domínio  jurídico­institucional  do  Estado  em  Poderes
Legislativo,  Executivo  e  Judiciário,  adquiriu  significado
primordial e incontrastável para a disciplina do Estado Burguês
[8]
de nossos dias.
 
 
As outras concepções de divisão dos poderes parecem ter sido
superadas  pela  visão  pretendidamente  mais  coerente  e
racional da tripartição de poderes do Barão de Montesquieu,
sendo  ela  considerada  pela  doutrina  burguesa  e  social­
reformista  moderna  como  a  teoria  que  abarcou  a  verdadeira
essência da instituição estatal, por dotar­se do caráter de única
e  definitiva  concepção  adequada  e  natural  à  correta  e
ponderada repartição do domínio político no Estado atual.
Investigando­se  o  transcurso  histórico  das  sociedades  de
classes,  que  atravessa  a  civilização  da  humanidade  desde  a
Antigüidade  até  o  presente  momento,  é  possível,
precisamente, constatar­se que a institucionalização da função
de julgar ou jurisdicional nas alturas de um Poder Judiciário de
Estado,  supostamente  imparcial,  neutro  e  independente,
composto  por  juízes  vitalícios,  irremovíveis  e  com  sôldos
irredutíveis,  apresenta­se  como  um  produto  autêntico  e
exclusivo  das  Revoluções  Burguesas  que  percorreram  a
Europa a partir do século XVII.
Os  principais  mentores  de  tais  revoluções  procuraram,
entretanto, de maneira essencialmente formal, adaptar em um
novo  contexto  eminentemente  burguês­republicano,  porém
também  monárquico­constitucional  ­  despido  entretanto  dos
estamentos  da  sociedade  feudal  tardia  ­,  a  doutrina  relegada
pelo Barão de Montesquieu.
Apesar da mais densa e vulgar ideologia jurídico­burguesa que
subjaz  à  concepção  relativa  à  natureza  do  Poder  Judiciário,
considerado  como  neutro,  imparcial  e  independente,  mesmo
alguns  juristas  alemães  burgueses,  dotados  de  alto  potencial
crítico e investigativo, não puderam deixar de suspeitar que tal
função  público­jurisdicional,  por  seu  próprio  caráter
conteudístico  de  atividade  de  interpretação  e  aplicação  do
Direito  vigente  em  dada  sociedade,  pertenceria,
fundamentalmente,  ao  domínio  da  administração  público­
estatal  e  não  a  um  setor  que  se  pudesse,  por  sua  própria
natureza, consagrar­se como um poder jurídico­institucional de
Estado,  tido  por  sua  própria  natureza  e  conveniência  como
independente e imparcial.
Entre  tais  juristas,  destacou­se  Georg Jellinek, de  orientação
neo­kantista,  que,  enquanto  Professor  de  Direito  de  diversas
universidades  da  época  monárquico­prussiana  e  monárquico­
austríaca,  encontrava  motivos  de  sobra  para  criticar  a  versão
burguesa­republicana  da  tripartição  de  poderes,  elaborada    a
partir da doutrina do Barão de Montesquieu.
Nesse  sentido,  escreveu  Jellinek,  investigando  o  percurso
histórico da formação dos poderes de Estado :
 
“Na história, houve épocas em que o Poder Legislativo
foi  totalmente  desconhecido.  Somente  em  culturas
relativamente avançadas, surgiu o direito legislativo, ao
lado do direito consuetudinário. Porém, também hoje, o
poder  legislativo  representa  uma  função
intermediadora.
O  Poder  Judiciário  revela­se,  igualmente,  dotado  de
uma tal função.
Em  processos  incipientes  de  desenvolvimento  social,
pode transcorrer muito tempo sem que exista nenhum
impulso para a instituição de juízes.
Porém, a administração – que contém em si o governo
– há de ser sempre realizada.
Sem ela, o Estado não pode existir nem sequer por um
momento.
Déspostas  sem  lei  e  sem  juízes  são,  no  mínimo,
imagináveis.
Estado sem administração significaria, entretanto, uma
anarquia.
A administração é, portanto, a função mais abrangente.
Todos  os  preparativos  de  legislação  são  de  sua
competência.
A atividade é por ela apoiada, assim como a execução
da sentença de direito é por ela assegurada.
Também,  historicamente,  a  administração  surge  como
função fundamental.
A  legislação  advém  tão  somente  posteriormente  à
administração, dela se apartando.
A  atividade  judiciária,  limitada  de  início  a  uma
dimensão  estreita,  apenas  ganha  um  espaco  mais
[9]
amplo com o crescente desenvolvimento do Estado.”
 
 
Em seu As Próximas Tarefas do Poder Soviético, publicado
em  1918,  poucos  meses  após  a  Revolução  de  Outubro,
plenamente  atento  e  consciente  dessa  problemática  jurídica
concernente  à  natureza  da  função  jurisdicional  no  quadro  das
atividades do Estado, Lenin teve a oportunidade de formular a
seguinte análise, no quadro de construção do primeiro Estado
Proletário Internacionalista :
 
“Na  medida  em  que  a  principal  tarefa  do  poder  do
Estado  se  torna  não  a  repressão  militar,  mas  sim  a
administração, a forma fenomênica típica da repressão
e  da  coação  passa  a  ser  o  tribunal,  ao  invés  do
fuzilamento sumário.
Também  nesse  sentido,  as  massas  revolucionárias
percorreram o caminho certo, depois de 25 de Outubro
de  1917,  e  comprovaram  a  vitalidade  da  revolução,
quando  começaram  a  criar  seus  próprios  tribunais
operários  e  camponeses,  antes  mesmo,  da
promulgação  de  qualquer  tipo  de  decreto  sobre  a
dissolução do aparato judiciário burocrático­burguês.
Porém,  nossos  tribunais  revolucionários  e  nosso
tribunais  populares  são  demasiada  e  incrivelmente
débeis.
Sente­se  que  o  ponto  de  vista  popular,  herdado  do
tempo  do  julgo  dos  capitalistas  e  dos  proprietários,
acerca  do  tribunal  enquanto  algo  burocrático  e
estranho, ainda não foi definitivamente superado.
Falta  o  reconhecimento  suficiente  acerca  de  que  o
tribunal é um órgão para a incorporação, sem exceção,
da população pobre precisamente na administração do
Estado, ( pois a atividade judiciária é uma das funções
da administração do Estado ).
Falta  o  reconhecimento  suficiente  acerca  do  fato  de
que  o  tribunal  é  uma  ferramenta  para  a  educação  da
disciplina.
Falta  o  reconhecimento  suficiente  do  fato  simples  e
manifesto de que, se a principal desgraça da Rússia é
a  fome  e  o  desemprego,  esses  maus  não  podem,  de
nenhuma  forma,  ser  vencidos  por  impulsos
momentâneos,  mas  sim  apenas  através  de  uma
disciplina  e  de  uma  organização  multifacetária  e
abrangente,  levada  adiante  por  todo  o  povo,  a  fim  de
aumentar a produção de pão para os homens e de pão
para  a  indústria  (combustível),  gerando­o  no  tempo
devido e repartindo­o corretamente.
Falta, pois, o reconhecimento de que pelos sofrimentos
da  fome  e  do  desemprego  é  culpado  todo  aquele  que
viola  a  disciplina  do  trabalho  em  certa  fábrica,  em
determinada economia, em dada matéria.
Falta  o  reconhecimento  de  que  é  necessário  saber­se
descobrir  aqueles  que  se  fazem  culpados  por  essa
razão e colocá­los diante dos tribunais, para que sejam
[10]
impiedosamente punidos.”  
 
 
Vale destacar que, segundo a concepção de Lenin, a atividade
judiciária haveria de ser considerada, no quadro de um Estado
revolucionário  dos  trabalhadores,  como  uma  das  funções  da
Administraçao do Estado, sendo precisamente os tribunais dos
operários,  soldados  e  camponeses  ferramentas  da  disciplina
proletária. 
No quadro da luta revolucionária proletária e de construção de
um  Estado  da  classe  trabalhadora,  tal  posicionamento  de
Lenin  opõe­se  claramente  à  doutrina  que  defende  a
institucionalização da função de julgar em um Poder Judiciário,
tal como o conhecemos no quadro dos Estados burgueses da
atualidade,  supostamente  dotado  de  imparcialidade  e
independência. 
Adiante,  procuraremos  elucidar  sob  que  condições
precisamente, no curso do desenvolvimento histórico, o Poder
Judiciário encontrou seu surgimento e fortalecimento no quadro
dos  Estados  erigidos  pelas  Revoluções  Burguesas,  ocorridas
após  o  século  XVII,  para  então  dedicarmo­nos,  a  seguir,  ao
estudo  do  exercício  da  função  jurisdicional  no  contexto  do
Estado Proletário Russo, dirigido por Lenin.
 
 
II.A.
ORGANIZAÇÃO INSTITUCIONAL
DOS ESTADOS ESCRAVISTAS
DA ANTIGÜIDADE
 
 
Concepções  de  divisão  jurídico­institucional  do  poder  do
Estado,  no  quadro  de  sociedades  cindidas  em  antagonismos
inconciliáveis  de  classes,  podem  ser  encontradas,
originariamente,  nas  doutrinas  acerca  dos  Estados  da
Antigüidade.
A  idéia  de  divisão  da  dominaçao  jurídico­institucional,  contida
no  poder  do  Estado,  em  órgãos  funcionais  distintos  é,  com
efeito, tão antiga quanto a própria noção de Estado.
Nesse  sentido,  a  análise  acerca  do  princípio  jurídico­burguês
da  divisão  dos  poderes  possui,  em  linhas  gerais,  como  objeto
primitivo  e  pré­diluviano  de  investigação  os  tantos  fenômenos
institucionais  de  Estado  que  a  história  conheceu,  i.e.  a  
grega,  a  civitas  romana,  a  commonwealth  britânica  e,
particularmente,  o  Etat  francês,  esse  último  conducente  à
versão burguesa de Estado conhecida comumente nos dias de
hoje.
Em  situações  de  exceção  e  de  estado  de  necessidade,
afirmava­se  já  na  Antigüidade  ser  necessário  suspender  a
vigência  do  princípio  jurídico  de  funcionamento  de  diversos
órgãos  públicos  e  transferir,  temporariamente,  a
responsabilidade  indivisa  pelo  destino  do  Estado  a  um  único
órgão de Estado, na maioria dos casos o imperador ou o Chefe
[11]
de Estado, que a haveria de exercer de maneira absoluta.
 
 
Afastada tal hipotése excepcional, as sociedades de classe da
Antigüidade,  conformadas  por  regimes  monárquicos  ou
republicanos  escravistas,  confrontaram­se  com  a  questão  de
saber  como  a  concentração  ilimitada  do  poder  em  um  único
órgão  jurídico­institucional  de  Estado  poderia  ser  evitada,
permitindo­se  a  participação  no  exercício  jurídico­institucional
do  poder  de  diferentes  instâncias  políticas,  representativas  de
diversas frações da classe dominante.
Diversos  teóricos  políticos  de  então  partiram  da  análise  dos
órgãos  do  Estado  de  sua  época  histórica  correspondente,
procurando  descrever  as  distintas  atividades  estatais  por  eles
exercidas.
Através de um método jurídico de crescente abstração teórica,
procuraram  elaborar,  então,  uma  doutrina  geral  a  partir  das
atividades concretizadas organicamente pelo Estado.
Nesse  contexto,  a  Antigüidade  conheceu,  inicialmente,  a
primeira  célebre  divisão  jurídico­institucional  do  poder  do
Estado  nas  obras  do  filósofo  aristocrático­escravista  grego
Platão.
Em  sua  obra  de  mocidade,  denominada  República,  Platão,
concebendo o Estado sob o domínio do que deveria ser a idéia
da  boa  ordem  das  sociedades  escravistas  e  da  prosperidade
do público e do privado, concebeu o poder estatal como sendo
fundado e ordenado pela atuação de três estamentos sociais :
 
a.        o estamento dos homens sábios, que havia de se
ocupar do governo do Estado ;
b.                o  estamento  dos  guerreiros,  responsável  pelas
atividades militares ;
c.                  o estamento dos homens inclinados à busca da
riqueza,  incumbido  da  prática  do  comércio  e  da
[12]
indústria.  
 
 
 
Sentindo­se  assaltado  pela  decadência  da  democracia  grega
posterior à era de Péricles, Platão entendia  que  o  estamento
dos guerreiros representaria aquele estamento do Estado a ser
submetido às mais amplas limitações, não devendo ter acesso
amplo  à  propriedade  privada,  bem  como  a  valores  de  ouro  e
prata.
Essas  limitações  deveriam,  segundo  Platão,  assegurar  a
ordem  e  a  justiça  do  Estado  grego  escravista  contra  militares
[13]
aspirantes a uma maior parcela de poder político.
 
 
Os  guerreiros,  não  gozando  da  possibilidade  de  dispor  de
recursos  materiais  amplos,  o  que  pressupostamente
impossibilitaria  a  usurpação  do  poder,  permitiriam  aos  sábios
dirigir  o Estado de  modo  equilibrado  e  moderado,  para  o bem
de  todos  os  cidadãos  gregos  –  o  que  supunha
necessariamente  a  exclusão  participativa  do  povo,  i.e.  dos
pequenos mercadores e dos escravos.
Posteriormente,  em  sua  obra  da  maturidade,  Platão,
convencido  de  que  a  sabedoria  apenas  poderia  surgir  junto  a
pouquíssimos  dirigentes  de  Estado,    concebeu  –  não  sem
relutância – o Estado das Leis como uma forma relativamente
[14]
melhor de governo.
 
 
Em  lugar  do  sábio  dominador,  deveria  surgir,  então,  a  lei,
enquanto  norma  impessoal  e  genérica,  lamentavelmente
incapaz  de  reconhecer  plenamente  a  diversidade  natural  das
qualidades inerentes aos homens.
Mesmo Zippelius  teve  a  oportunidade  de  observar  acerca  do
tema :
 
„Enquanto  modelo  de  Estado  das  Leis,  Platão  projeta
um Estado agrário que se auto­abastece.
O  poder  político  reside  nas  maos  dos  5.040
proprietários fundiários.
Eles  elegem  o  Conselho  que  conduz  a  supervisão
superior  dos negócios de Estado.
Os  escravos  realizam  o  trabalho  do  campo,  os
pequenos  mercadores  realizam  o  comércio  e  a
indústria.
[15]
Ambos não possuem direitos políticos.”
 
 
 
Fundado  em  sua  concepçao  aristocrático­escravista,  Platão
identificou,  concretamente,  na  positividade  da  constituição  de
Esparta a causa do fortalecimento de seu domínio.
Analisando  a  divisão  jurídico­institucional  do  poder  do  Estado
com  base  na  verificação  dos  órgaos  estatais  efetivamente
existentes,  Platão    constatou  surgir,  ao  lado  dos  dois  Reis
espartanos, a Gerúsia, i.e. o Conselho dos Anciãos, misto de
órgão legislativo e consultivo de Estado.
O poder da Gerúsia estaria limitado pela atuação dos Éforos,
i.e.  dos  cinco  magistrados  aristocráticos,  eleitos  anualmente,
que  haveriam  de  contrabalançar  a  autoridade  dos  Reis  e  da
Gerúsia.  
O  sistema  de  Platão,  fundado  antes  de  tudo  na  análise  dos
órgãos  de  Estado,  pretendeu  legitimar  duas  formas  jurídico­
institucionais do domínio político dos proprietários latifundiários
: a forma da imposição de sua ordem de classe – representada
pela  monarquia  –  e  a  forma  de  sua  liberdade  social,
[16]
incorporada pela Gerúsia e pela atuação dos Éforos.
 
 
Através  da  atuação  desses  órgãos  estatais  no  quadro  de  um
único  sistema  de  dominação  política  de  classe,  tornar­se­ia
possível,  segundo  Platão,  promover­se  um  certo  equilíbrio
político que assegurasse a ordem dos proprietários fundiários e
de escravos da Antigüidade.
Esse modelo jurídico­institucional de atenuação e de limitação
dos  embates  entre  classes  sociais  antagônicas  permite  já
reconhecer  os  traços  originais  dos  futuros  sistemas
constitucionais  burgueses,  dotados  de  divisao  da  dominaçao
jurídico­institucional do poder estatal.
O célebre mentor ideológico de Alexandre Magno, Aristóteles
de  Estagira  foi,  por  assim  dizer,  o  autor  da  segunda  célebre
concepção de divisao jurídico­institucional do poder do Estado.
Em  sua  teoria  das  três  partes  do  poder  estatal,  Aristóteles
descreveu  as  grandezas  fundamentais  típicas  das
constituições da Antigüidade, conforme à seguinte divisão :
 
a.                o  Conselho  de  Deliberação  sobre  Matérias
Comuns ;
b.        o Principado ou a Magistratura ;
[17]
c.         a Justiça.
 
 
Aristóteles,  diferentemente  de  Platão,  dedicou­se  ao  estudo
da  divisão  das  funções,  das  atividades,  das  matérias  ou  dos
negócios  do  Estado,  partindo  da  análise  das  três  grandezas
[18]
orgânicas reais e históricas de seu tempo.
 
 
Entretanto,  a  existência  dessas  três  partes  jurídico­
institucionais  divisórias  do  poder  do  Estado  das  sociedades
gregas  escravistas  não  corresponde  precisamente,  entretanto,
à  idéia  contemporânea  de  tripartição  do  poder  do  Estado,  na
medida  em  que  essa  última,  tal  como  veremos,  foi  concebida
tendo  como  base  órgãos  vinculados  ao  exercício  parcial  de
funções  estatais  materiais  genéricas,  i.e.  o  Poder  Legislativo,
enquanto  órgão  de  exercício  parcial  da  função  material
normativa (i.e. responsável pela produção de leis, leis­medidas
e  resoluções  parlamentares  –  porém  não  de  regulamentos),  o
Poder  Executivo,  enquanto  órgão  governamental  e
administrativo  reponsável  pelo  exercício  parcial  da  função
material  normativa  (i.e.  responsável  pela  produção  de
regulamentos  ou,  dado  o  caso,  de  medidas  provisórias  ou
decretos­leis – porém não de leis), e ainda da função material
administrativa de aplicação das leis – excluindo­se a atividade
jurisdicional  ­,  e,  por  fim,  o  Poder  Judiciário,  enquanto  órgão
independente voltado ao exercício da função administrativa de
aplicação  de  normas  jurídicas  em  casos  exclusivos  de
jurisdição.  
Com  efeito,  a  análise  de  Aristóteles  não  conduzia  a  uma
classificação  eminentemente  abstrata  e  essencialmente
interno­segmentadora  das  funções  realizadas  pelos  órgãos
estatais,  para  daí  alcançar  sua  configuração  essencial,  mas
sim  partia  da  verificação  efetivamente  real  de  tais  atividades
estatais  formulando,  a  partir  daí,  sua  doutrina  da  divisão  da
dominação jurídico­institucional do poder estatal.
Nesse  quadro,  afirmou  corresponder  aos  órgãos  estatais  do
Estado escravista grego certas atribuições funcionais materiais,
exercidas  não  de  maneira  essencialmente  parcial  e
segmentada.
As  matérias  que  competiam  ao  βουλευομενον  περι  των
χοινον, i.e. ao Conselho Deliberativo sobre Matérias Comuns,
tais  como  as  decisões  soberanas  sobre  a  deflagração  de
guerra,  graves  delitos  apenados  com  morte,  exílio  ou
confiscação,  a  escolha  de  autoridades  e  juízes  etc.
ultrapassavam,  claramente,  as  competências  inseridas  nas
funções  parlamentares  ou  congressuais  do  Poder  Legislativo
contemporâneo.
Além disso, tratava­se, então, de um Estado escravista, porém
marcado pela democracia direta dos cidadãos gregos e dirigido
pelos senhores fundiários e de escravos, em que todos esses
podiam,  dada  a  circunstância,  deliberar  juridicamente  sobre
quaisquer das matérias de Estado.
Além  disso,  as  democracias  diretas  gregas  da  Antigüidade
submetiam  a  freqüentes  renovações  os  mandatos  eletivos  ou
sorteados das autoridades públicas.
No  sentido  contemporâneo  da  ideologia  jurídico­burguesa,
pode­se  afirmar  que  o  βουλευομενον  legislava,  decidia  e
julgava  matérias  de  diversas  natureza,  segundo  sua
importância  política,  e,  além  disso,  exercia  consideráveis
funções  de  governo  e  de  administração,  na  medida  em  que
dispunha  acerca  da  política  de  defesa  das  cidades­Estado,
mediante normas regulamentoras e medidas jurídicas.
As  matérias  de  sua  competência  correspondiam  apenas  ao
círculo  das  questões  atribuídas  à  parte  superior  e  dominante
do poder das cidades­Estado escravistas da Grécia antiga, i.e.
ao χυριον, ou ainda à Curia.
Tais materias tornavam­se, por si mesmo, as mais importantes
do Estado de então.
A  seguir,  Aristóteles  identificou  no  Principado  ou  na
Magistratura  as  atribuições  de  comando  e  de  decisão,
contemplando nessas últimas a presença da χυρια αρχή, i.e. o
traço característico do poder supremo.
Por  fim,  o  poder  de  julgar  representava  o  conteúdo
preponderante, porém não exclusivo, das atividades realizadas
pela διχαζον, i.e. a Jurisdição.
Os  tribunais  deveriam  ser,  segundo  Aristóteles,  dividos  pela
natureza dos casos a serem julgados, sendo os mandatos dos
cidadãos  gregos  conduzidos  aos  órgãos  jurisdicionais
estabelecidos por eleições ou sorteio.
Enquanto  Demóstenes  e  Eurípedes  empreendiam  a  defesa
da democracia grega em face dos eminentes ataques militares
do  Rei  Filipe  da  Macedônia,  tal  teoria  de  divisão  jurídico­
institucional do poder estatal, formulada por Aristóteles, não o
impediu de permanecer fiel à sua concepção política de que a
monarquia  hereditária  representaria  a  melhor  forma  de
constituição  do  Estado,  quando  inspirada  pelo  espírito
[19]
aristocrático.
 
     
Seria,  portanto,  precipitado  concluir  que  a  teoria  da  divisão
jurídico­institucional  do  poder  do  Estado  de  Aristóteles  tenha
servido  de  modelo  para  a  moderna  doutrina  da  tripartição  de
poderes,  simplesmente  pelo  fato  de  que,  em  sua  concepção
original,  o  Estado  grego  escravista  surgia  composto  por  três
grandezas orgânicas distintas.
A  superficial  identificação  ou  mesmo  aproximação  do
pensamento  relativo  à  divisão  da  dominação  jurídico­
institucional  estatal  de  Aristóteles  com  a  teoria  dos  três
poderes do Barão de Montesquieu, produzida no século XVIII,
no préludio das Revoluções Burguesas da Europa Continental,
pode apenas servir aos intuitos jurídico­ideológicos burgueses
de  fazer  crer  às  massas  populares  que,  por  sua  própria
natureza  histórica  imutável,  o  poder  supremo,  eterno  e
venerável do Estado há de ser partilhado, em sentido jurídico­
institucional,  sempre  em  três  partes  para  que  haja  lugar  um
[20]
sistema de poderes ordenado e democrático.
 
 
Nesse  sentido,  mesmo  os  juristas  burgueses  mais  analíticos,
como  é  o  caso  de  Karl  Loewenstein,  tiveram  olhos  para
perceber  o  grande  contraste  que  estrema  o  conteúdo  e  o
método  de  análise  da  doutrina  das  três  grandezas  jurídico­
institucionais  de  Aristóteles  da  tripartição  de  poderes  do
Barão de la Brède et de Montesquieu :
 
“Existem  teóricos  do  Estado  que  pretendem  ter
encontrado  já  na  Politeia  de  Aristóteles  o  cerne  da
moderna separação de poderes ...
Porém,  a  compreensão  mesmo  da  distinção  de
categorias  não  pode  ser  comparada  com  a  exigência
atual  da  separação  no  seu  exercício,  a  qual  se
pretende extrair daquelas categorias.
A  partir  da  exposição  que  se  segue  dos  locais
mencionados resulta que Aristóteles tentou – e isso já
é  em  si  um  trabalho  considerável  –  elaborar  uma
análise  das  atividades  do  Estado  em  conformidade
com sua substância objetiva.
Nada  em  seu  trabalho  permite  concluir  –  seja  a
observação  empírica,  seja  a  exigência  teórica  –  que
essas  três  funções  parciais  deveriam  ser  atribuídas  a
três órgãos ou pessoas distintas.
Precisamente  nisso  reside  o  significado  ideológico  da
doutrina  da  separação  de  poderes  no  moderno
constitucionalismo liberal.
O  constitucionalismo  da  Antigüidade  nao  se  vinculou
[21]
ao conceito da separação de poderes.”    
 
No  que  concerne  às  doutrinas  de  divisão  da  dominação
jurídico­institucional  contida  no  poder  dos  Estados  da
Antigüidade,  cumpre  ainda  assinalar  que  o  grande  jurista
romano Marco  Túlio  Cícero,  através das palavras de Cipião,
contidas  em  De  Re  Publica,  dá­nos  apenas  a  conhecer  que
concebia  a  existência  de  três  formas  políticas  de  Estado
[22]
distintas, i.e. a democracia, a monarquia, a aristocracia.
 
 
Em  conformidade  com  seu  método  lógico­analítico
essencialmente  eclético,  Cícero  demonstrava  que  o  Estado
romano  escravista  deveria  dividir­se  em  órgãos  que
incorporassem  a  expressão  dessas  três  formas  políticas
estatais,  sendo  que  nenhuma  dessas  formas,  considerada
isoladamente, poderia ser consagrada como a mais adequada.
Para  o  mais  célebre  jurista  de  todos  os  tempos,  o  melhor
Estado  estaria  dotado  de  uma  constituição  formada  pela
[23]
mescla dessas três formas políticas mencionadas.   
 
 
 
II.B.
FRAGMENTAÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES PÚBLICAS
NOS ESTADOS FEUDAIS ESTAMENTAIS E O
TRIUBUNAL DA SANTA INQUISIÇÃO
 
 
 
A efetiva fragmentação das forças políticas no curso da Idade
Média  projetou­se,  profundamente,  sobre  as  concepções  de
poder  do  Estado  da  nobilidade  feudal,  fundado  esse  último
na exploração de servos da gleba e escravos.
Príncipes, barões, condes, bispos, abades, senhores feudais e
eclesiásticos  em  geral  exerciam  uma  quantidade  considerável
de  funções  públicas,  denominadas  regalias,  exercutando,
assim, diversas atividades de índole estatal com base em seu
[24]
próprio poder fundiário.
 
 
Em  níveis  hierárquicos  a  eles  subordinados,  surgiam  diversos
tipos  de  órgãos  para  os  ramos  específicos  das  tarefas  de
administração.
Tais  ramos  da  administração  eram  divididos,  entretanto,  de
maneira  puramente  aleatória,  tendo  como  critério  a  própria
conveniência de divisão dos órgãos.
Onde se concentravam diversas matérias em um determinado
ramo  administrativo,  subdividia­se,  dado  o  caso,  o  próprio
órgão  administrativo  competente  em  questão,  mediante  a
criação de diversos departamentos e instâncias. 
Já ao final da Idade Média, começou­se a conceber o poder do
Estado  através  de  certa  relação  estamental  havida  entre
imperator  e  populus,  esse  último  fazendo­se  representar
através da votação dos príncipes eleitores.
Precisamente  nesse  sentido,  Marsilius  di  Padua,  Magister
Artium  da  Universidade  Sorbonne,  perseguido,  a  seguir,  pela
Santa  Inquisição,  concebeu,  no  início  do  século  XIV,    a
existência  de  órgãos  legislativo  e  executivo,  em  consonância
[25]
com a diferença formulada entre principatus e populus.
 
 
Na obra Defensor Pacis, o critério diferenciador dos órgãos de
Estado não repousava, entretanto, em distinção abstrata, mas
sim  na  própria  existência,  efetivamente  real  e  histórica,  de
diferentes organismos de poder da monarquia e da nobreza.
Uma instituição especial de cunho judiciário, surgida na Idade
de  Média,  em  cujo  contexto  imperou  desbragadamente  o
poder  ideológico  cristão­eclesiástico,  irradiado  a  partir  do
Estado da Igreja Romana, foi indubitavelmente o Tribunal da
Santa Inquisição.
Destaque­se, retrospectivamente, que, o resultado político final
da  intensíssima  perseguição  dos  cristãos  em  solo  europeu
havia  sido,  em  313,  a  promulgação  do  Edito  da  Tolerância,
pelo  Imperador  Romano  Diocleciano,  que  reconheceu,
então,  oficialmente  o  cristianismo  e  concedeu  proteção  do
[26]
poder do Estado Romano aos seus seguidores.
 
 
A  partir  de  então,  a  Igreja  Romana  e,  em  particular  seus
bispos,  assumiram  um  papel  sempre  crescente  na  política  do
Estado e dos imperadores de então.
Já  no  período  dos  primeiros  quatro  Concílios  Ecumênicos
(Nícia,  em  325,  Constantinopla,  em  381,  Efeso,  em  431  e
Calquedão,  em  451),  i.e.,  já  ao  tempo  de  vida  do  grande
teólogo  do  mundo  cristão­romano,  o  Bispo  Aurelius
Augustinus,  a  Igreja  Romana  surgia  como  a  segunda  maior
proprietária  de  terras  no  interior  do  Império  Romano  em
franco processo de dissolução, sendo que já se tornara, então,
praticamente  impossível  que  o  Estado  Escravista  Romano
dinamizasse  qualquer  política  de  natureza  pública  ou  privada
sem  contar  com  o  expresso  apoio  dos  bispos  cristães­
eclesiásticos.
Sua riqueza resultava, sobretudo, das doações e outras formas
de  transferências  de  propriedade,  operadas  da  parte  dos
imperadores romanos cristianizados.
Em  391,  verificou­se  um  grande  triunfo  da  Igreja  Romana,
quando  o  Imperador  Constantino  declarou  o  cristianismo
religião de Estado, tornando­o obrigatório para todos.
Grande  parte  das  polêmicas  emergentes  até  então  dentro  e
fora da Igreja Romana – como p.ex. a concernente à tentativa
de  definição  da  pessoa  do  Deus­Homem  e  do  mistério  da
incarnação  –  era  resolvida  no  quadro  de  Concílios
Ecumênicos, concebidos pelos bispos e pelo Papa como uma
forma de equacionamento pacífico das divergências teóricas e
práticas  já  havidas  entre  as  principais  personalidades  do
mundo  eclesiástico  romano,  como  Aurelius  Augustinus,
Salviano  de  Marselha,  os  maniqueístas,  os  arianos  –
seguidores do Padre Arius ­, os pelagianos – defensores das
idéias do Monge Pelagius ­, os donalistas – adeptos do Bispo
Donatus ­, os defensores crentes e pagãos da tradição greco­
romana etc.  
Precisamente  nesse  sentido,  é  possível  compreender­se  o
significado da promulgação do Credo de Nícia.
Destruído  o  Império  Romano  do  Ocidente,  teve  início  o
processo  de  cristianização  dos  povos  germânicos  invasores,
logo  nos  primeiros  anos  da  Idade  Média  Baixa,  seja  no
[27]
continente europeu, seja sobre o solo britânico­insular.
 
 
Nesse  novo  quadro,  a  dinastia  merovíngea  e,  em  particular,
Carlos Magnus surgem, ao longo dos séculos VIII a X, como
os  maiores  expoentes  do  fenômeno  histórico  de  conversão
violenta, a ferro e fogo, ao cristianismo da grande maioria dos
povos germânicos.
Sob a égide da maioria preponderante das diversas legislações
dos  reinos  germânicos  de  então,  surge  a  Igreja  Romano­
Cristã  como  religião  de  Estado  e  obrigatória  para  todos  os
[28]
habitantes.
 
 
Seria necessário, porém, esperar­se até o século XIII para que,
no  quadro  do  implacável  aguçamento  da  luta  religiosa­
ideológica  entre  valdenses,  maniqueístas,  albigeneses,
arianos,  donalistas,  catarenses,  pelagianos,  franciscanos  –
seguidores de Francisco  de  Assisi  ­,  dominicanos  –  adeptos
de Domingo de Guzman da Espanha ­ e tantas outras ordens
eclesiásticas  de  base,  bem  como  em  meio  à  crise  provocada
pelas  conquistas  territorias  do  excomungado  Imperador  do
Sacro­Império  Romano­Germânico  Frederico  II,
representante  da  dinastia  dos  Staufer,  a  Igreja  Romana
reagisse  procurando  recuperar  seu  poder  ideológico  abalado,
mediante  a  instituição  de  um  Tribunal  para  Erradicação  de
[29]
Heresias.   
 
 
Em  1231,  i.e.  durante  a  vida  do  mais  célebre  Professor
Eclesiástico,  Tomás  de  Aquino,      a  Santa  Inquisição  foi
instituída, mediante Decreto, promulgado pelo Papa Gregório
IX, enquanto instituição permanente da Igreja Cristã Romana,
encarregada de promover a apuração dos crimes religiosos de
[30]
heresia.
 
 
Apoiada  em  sua  estrutura  centralista­burocrática  existente  no
século  XIII,  foi  possível  aos  bispos  e  aos  papistas  declararem
ser  passíveis  de  correção  ético­moral  todos  aqueles  cujas
crenças  e  práticas  desviassem  suficientemente  da  ortodoxia
romano­cristã.
As  heresias,  i.e.  do  latim  haeresis,  as  seitas,  as  correntes
fideístas,  haviam  de  ser  perseguidas  e  condenadas,  sendo
que,  de  início,  seus  adeptos  seriam  punidos  seja  com
repreensões públicas, em casos de arrependimento expresso,
seja  com  prisão  perpétua,  em  caso  de  se  demonstrarem
renegados,  seja  ainda  com  pena  de  morte,  em  casos  de
contumácia expressa.
De toda sorte, eram as autoridades públicas do Estado Feudal
Estamental as que permaneciam encarregadas de proceder à
execução  das  sentenças  proferidas  pelo  Tribunal  da  Santa
Inquisição, a menos que cumprisse aplicar a pena em questão
no  interior  dos  limites  da  jurisdição  exercida  pelo  Estado  da
Igraja Romana.   
Além  disso,  o  Papa  Gregório  IX  desencarregara,
expressamente,  em  seu  Decreto  de  1231,  os  bispos  e
arcebispos  de  ocuparem­se  das  funções  de  inquisidores
judiciários,  ao  mesmo  tempo  em  que  transferiu  o  exercício  de
tal  competência  para  os  frades  mendicantes,  integrantes  da
Ordem  Dominicana,  fundada  por  Dominigo  de  Guzman  da
Espanha (1170 – 1221).           
Entretanto,  essa  medida  não  impediu  que,  posteriormente,
muitos outros eclesiásticos, seja os provindos de outras ordens
religiosas,  seja  os  aderentes  do  clero  secular  romano­cristão,
viessem a exercer a função de inquisidores.
Já  na  última  década  do  século  XIII,  o  Tribunal  da  Santa
Inquisição havia­se tornado uma instituição ativa em todos os
países  europeus,  funcionando  diretamente  sob  as  instruções
do Papa, e contando com aparelhos burocráticos especiais no
interior  dos  Estados  Feudais  encarregadas  de  dar
cumprimento as sentenças lavradas pelo Santo Juízo.
O  inquisidor  que  atuava  nos  autos  exercendo,  ao  mesmo
tempo,  a  função  de  juiz,  podia  processar  qualquer  pessoa.
Permitia­se­lhe  colher  depoimentos  de  excomungados,
hereges, pagãos, criminosos, pessoas de notória má­reputação
[31]
e de todos aqueles que julgasse conveninete.
 
 
Alguns  frades  dominicanos  inquisidores  interrogavam
populações inteiras.
Por sua vez, o acusado ou, dado o caso, a acusada havia de
testemunhar  contra  si  mesmo,  não  possuindo  o  Direito  de
avistar  ou  questionar  o  seu  acusador,  consultar­se  com  um
advogado,  sendo  que  mesmo  a  existência  de  relação  de
parentesco  não  impedia  que  alguém  depusesse  contra  o
acusado.
Esse último devia ser interrogado na presença de, no mínimo,
duas testemunhas.
Meios  diversos  eram  empregados,  a  fim  de  obter­se  a
confissão do acusado, a ser produzida em conformidade com o
libelo  de  acusação,  previamente  lido  em  voz  alta  por  ocasião
de uma grande audiência pública inaugural.
A  despeito  de  não  existir,  positivado  no  Direito  Canônico
Cristão,  qualquer  previsão  jurídica  de  emprego  de  torturas
físicas no procedimento de inquérito a ser efetuado, já a partir
de meados do século XIII, essas eram largamente utilizadas. 
Em caso de confissão, o penitente havia de arrenpender­se de
joelhos,  colocando  sua  mão  direita  sobre  a  Bíblia,  segurada
pelo inquisidor.
Das  sentenças  exaradas  pelo  Tribunal  da  Santa  Inquisição
não cabia apelação.
As  penas  variavam  amplamente,  podendo  ir  desde  a
determinação  de  freqüência  de  igrejas,  peregrinações  forças,
arrastamento da cruz da infâmia por vários locais até mesmo à
prisão  perpétua  ou  de  morte  –  em  caso  de  negativa  de
abjuração ­, mediante queima em fogueira pública, erigida por
autoridades  públicas  do  Estado  Feudal  Estamental,  na
hipótese  de  ocorrer  exterioremente  aos  limites  do  Estado  da
Igreja Romana.
Muitas  das  condenações  fixavam  sentenças  de  prisão  que
eram,  porém,  comutadas,  posteriormente,  em  penas  de
espécies diferentes.
De  toda  sorte,  as  condenações  judiciárias­eclesiásticas  que
cominavam penas de prisão possuiam com conseqüência civil
sempre  a  confiscação  dos  bens  do  acusado,  executada  em
proveito da Igreja Cristã­Romana. 
Nos casos em que o acusado houvesse morrido antes mesmo
de  poderem  ser  instituídos  os  autos  do  Tribunal  da  Santa
Inquisição, seus restos mortais deveriam ser exumados e, em
caso de condenação, queimados em praça pública.
No  entanto,  os  inúmeros  abusos  cometidos  pelo  Tribunal  da
Santa  Fé  conduziram  a  clamores  de  reforma  do  Direito
Canônico  Cristão,  sendo  que,  já  no  século  XIV,  autoridades
públicas  do  Estado  Feudal  Estamental  passaram  a  intervir
comumente  nos  processos  de  erradicação  de  heresias,
integrando­se  nas  atividades  de  julgamento,  exercendo
[32]
atribuições de diversas naturezas.  
 
 
No  fim  do  século  XV,  sob  a  coroa  de  Fernando  e  Isabel  de
Castilla,  a  Inquisição  Espanhola  tornou­se  essencialmente
independente  da  orientação  da  Igreja  Romano­Cristã,
passando a ocupar­se intensamente do julgamento também de
supostas  heresias  cometidas  por  muçulmanos,  judeus  e
intelectuais  iluministas,  considerados  todos  como  portadores
de “sangre impura”.
Passou­se,  então,  em  território  espanhol,  a  empregar­se,
massivamente,  “la  garrucha,  la  toca  y  el  potro”  como
métodos  judiciariamente  admissível,  para  a  obtenção  de
confissões.
Os assim conhecidos como Los Autos de Fe consagraram­se
um  capítulo  especialmente  de  torturas  sangüinolentas  na
história  dos  julgamentos  promovidos  pelos  defensores  da
ortodoxia cristã, visando a “salvar las almas de los herejes.”
O  primeiro  dessa  nova  versão  espanhola  dos  Autos  de  Fe
ocorreu  em  16  de  agosto  de  1486,  na  cidade  de  Toledo,
quando todos os acusados que possuíam idades entre 13 e 86
anos foram condenados à morte, por meio de fogueira pública.
Sob  a  Coroa  Espanhola,  muitas  condenações  resultavam
também em escravidão, a ser prestada “en los galleys”. 
Los Autos de Fe eram concebidos com o objetivo de inspirar
temor  e  prostração  pela  Santa  Inquisição  que  se  valia  de
processos  públicos  espetaculares,  visando  a  exibir  seu  poder
sobre  as  massas  populares.  Os  dias  de  julgamento  eram,  em
alguns  casos,  considerados  dias  de  celebração  e  veneração
religiosa.
Como forma de servir de meio de resistência e contra­reforma
contra  os  hussitas,  luteranos,  calvinistas  e  rosicrucianos,  a
Santa  Inquisição  veio  a  ser  fundamentalmente  reestruturada
em  1542  pelo  Papa  Paulo  III,  tendo  suas  competências
fortalecidas  e  extendidas,  visando  até  mesmo  a  opor­se  às
[33]
falsas doutrinas da moderna ciência natural burguesa.
 
 
Porém,  no  norte  da  Europa,  nos  países  escandinavos,  a
Inquisição  foi  consideravalemente  mais  branda,  sendo  que
sobre o solo da Inglaterra jamais veio a ser instituída.
Em  1616,  a  Santa  Inquisição,  composta  por  um  grupo
internacional  de  consultores,  especialistas  em  teologia  e
Direito  Canônico  Cristão,  promulgou  um  parecer  normativo
estabelecendo que seria plenamente “estúpido e absurdo em
filosofia”,  “formalmente  herege  e  finalmente  errôneo,  em
sentido  fideísta”,  a  tese  de  que  o  sol  encontrar­se­ia  no
centro  do  universo,  movendo  a  terra  incessantemente  à  sua
volta ...
Esse  parecer  normativo  fez  com  que  a  renomada  obra  de
Copérnico, intitulado De Revolutionibus Orbium Coelestium
viesse  a  ser  colocado  no  Índice  dos  Livros  Proibidos,  ao
mesmo tempo em que levou Filippo Giordano Bruno à morte
e à abjuração expressa  de  Galileo Galilei, a  despeito  de  sua
declaração “eppure si muove”...  
Apenas  nas  primeiras  décadas  do  século  XIX,  tornou­se
possível  verificar  uma  mudança  de  orientação  da  Igreja
Romano­Cristã em relação à sua luta contra o copernicismo e
os heliocentrista.
 
 
 
II.C.
OS DIREITOS DE SOBERANIA
DOS ESTADOS MONÁRQUICO­ABSOLUTISTAS
 
 
A  doutrina  dos  Estados  monárquicos  absolutistas  é
característica  de  um  momento  histórico  em  que  as  classes
sociais  em  luta  –  sobretudo  a  nobreza  feudal  e  a  burguesia
ascendente  –  possuem  forças  quase  que  iguais,  sendo  que  o
poder  estatal  de  então,  na  qualidade  de  aparente  mediador,
adquire  momentaneamente,  uma  certa  autonomia  em  face  de
[34]
ambas essas classes em luta.
 
 
Nesse  contexto,  foram  concebidas  apenas  distinções  de
atividades  estatais  oriundas  dos  assim­denominados  poderes
privativos dos príncipes soberanos ou monarcas.
O  célebre  jurista  francês,  Jean  Bodin,  elaborou,  assim,  a
teoria  dos  direitos  de  soberania  ou  majestáticos,  dividindo
juridicamente o poder do Estado a partir de um ângulo material
concreto de suas inúmeras atividades.
Tais  direitos  eram  contemplados  segundo  uma  série
enumerativa e sistemática, considerada como natural e eterna,
sendo  todos  exercidos  pelo  poder  de  decisão  supremo  e
centralizado do monarca.
Confirmando  o  caráter  indivisível  do  novo  conceito  de
soberania  monárquica  que  então  surgia,  Bodin,  negando  a
possibilidade  da  coexistência  de  órgãos  jurídico­institucionais
do  Estado  distintos  e  independentes,  sustentava  que  quem
possuisse  um  imperii  socium  estaria  privado  do  poder
supremo.
O príncipe soberano seria, então, a imagem de Deus entre os
[35]
homens.
 
 
A concepção dos direitos de soberania de Bodin correspondia
às  relações  político­estatais  francesas  do  período  histórico  do
monarquismo absolutista, em um momento em que o monarca
libertava­se das prentensões do poder eclesiástico.   
Da mesma forma procedeu, o preceptor de Carlos II, Thomas
Hobbes,  pretendendo  deduzir  dos  objetivos  da  ordem  estatal
[36]
britânica os direitos essencialmente privativos do soberano.
 
 
Fundado em seu parecer antropológico sintetizado na sentença
homo homini lupus, resultante de suas trágicas experiências
relacionadas  com  a  Guerra  dos  Trinta  Anos  e  as  primeiras
turbulências  republicanas  revolucionárias  inglesas,  Hobbes
afirmou  que  o  Leviathan,  o  deus  mortal,  o  bíblico  monstro
gigantesco,  que  representa  o  Estado  dirigido  de  modo
absolutista  pelo  dententor  do  poder  supremo,  seria  o  único
meio  de  proteger  os  homens  contra  os  ilimitados  arbítrios
individuais egoísticos de cada um.
Após enumerar os fundamentos do poder da Commonwealth,
Hobbes  empreendeu  uma  divisão  dos  direitos  e  das
[37]
faculdades exercidas exclusivamente pelo poder soberano.   
   
 
 
 
II.D.
A DIVISÃO DOS PODERES
NO QUADRO DA REVOLUÇÃO BURGUESA DA
INGLATERRA
 
A  doutrina  da  divisão  jurídico­institucional  do  poder  do  Estado
que  repartiu  as  funções  estatais  segundo  a  formação  de
distintos  órgãos  políticos  emergiu  dotada  de  inigualável
importância  com  os  primeiros  albores  da  classe  burguesa
ascendente  em  face  da  monarquia,  da  nobreza  e  do  clero
feudal.
Suas origens alcançam o século XVII.
As  experiências  que  a  burguesia  inglesa  empreendeu,  ainda
sob  o  manto  religioso,  no  contexto  conducente  à  Revolução
Gloriosa,  através  da  consolidação  do  domínio  jurídico­
institucional  do  Parlamento  Inglês,  estimularam  a  produção
intelectual  e  a  prática  política  de  distinguir  diversos  domínios
[38]
jurídicos de atividade do poder estatal.
 
 
O Instrument of Government de Oliver Cromwell, positivado
em  1653,  surge,  por  assim  dizer,  como  o  paradigma
embrionário  de  uma  tentativa  prática  de  divisão  jurídico­
institucional  de  poderes,  no  contexto  das  então  modernas
Revoluções Burguesas.
O modo de reflexão e os métodos de trabalho das ciências da
natureza,  sobretudo  a  descoberta  de  novas  leis  físicas  em
contraste  com  as  supertições  feudais,  tornaram­se  modelo
para  burguesia  ascendente  no  sentido  de  aquisição  de  novos
conhecimentos científicos aplicáveis ao processo de produção
capitalista.
Disso  resultou  a  novidadeira  compreensãoo  da  lei,  enquanto
norma  genérica,  abstrata,  estabelecida  de  modo  eterno  e
imutável  pelo  parlamento  do  Estado,  em  conformidade  com  a
[39]
ordem da razão universal e natural.
 
 
A  universalidade  e  a  igualdadade  formal  contida  no  espírito  e
nos institutos do Direito Burguês em surgimento pressupunha,
por  outro  lado,  a  desigualdade  econômico­material  dos
cidadãos,  a  apropriação  privada  dos  meios  sociais  de
produção, a legitimação da violação da igualdade na repartição
efetiva  dos  bens  sociais  de  consumo,  i.e.  um  Direito
simplesmente igual, ao invés de um Direito desigual, de modo
a viabilizar não apenas as diferenças de riqueza, senão ainda a
exploração capitalista do homem pelo homem em um processo
[40]
de acumulação capitalista.
 
 
Ainda nesse momento histórico, a Coroa, entendida enquanto
órgão  de  Estado,  apresentava­se  como  indispensável  à
garantia da ascensão da classe burguesa ao poder.
Porém,  entendia­se  que  apenas  a  disciplina  de  suas
atribuições  estatais  criaria  a  possibilidade  de  limitação  do
absolutismo  monárquico,  com  vistas  à  consolidação  das
liberdades dos cidadãos burgueses, concebidas essas últimas
no  contexto  da  novidadeira  doutrina  burguesa  britânica  do
Direito Natural, elaborada e defendida pela esquerda puritana
quacre.
Essa  última  portava  como  principais  eixos  teóricos  a
reconfiguração  doutrinária  dos  conceitos  de  liberdade,
igualdade  e  soberania  popular,  no  sentido  religioso­puritano  e
jurídico­ideológico burguês.
A  totalidade  do  povo,  entrevisto  como  um  povo  composto
eminentemente  por  cidadãos  burgueses,  passava  agora  a  ser
concebida  como  uma  associação  inteiramente  voluntária,
fundada em um contrato social volitivo pactuado supostamente
por  indivíduos  considerados  como  originariamente  livres  e
iguais, i.e. um original agreement voluntariamente celebrado.
O  poder  supremo  do  Estado  passava  a  encontrar,  assim,  seu
fundamento  de  validade  na  vontade  geral  dos  cidadãos
burgueses, proprietários livres e juridicamente iguais.
Opondo­se  às  teorias  do  Estado  monárquico­absolutista,
contidas no Leviathan,  de  Thomas  Hobbes  of  Malmesbury,
no  Patriarcha,  de  Robert  Filmer,  e  no  pensamento  dos
teólogos  protestantes,  emergiu  a  doutrina  burguesa  britânica
do  Direito  Natural,  ainda  mesclada  com  profundas
concepções teológicas.
Tal  doutrina  estruturou­se,  inicialmente,  com  as  formulações
inovadoras de John Lilburn(+1650), com a Lei da Liberdade
de  Gerard  Winstanley(+1652),  e  a  Oceana  de  James
Harrington(1611­1677),  com  as  Conversações  de  Mesa  de
John  Selden(1584­1654),  e  a  Areopagitica  de  John
Milton(1608­1674),  com  as  Análises  sobre  a  Direção  do
Estado  de  Algernon  Sydney(1622­1683),  e  o  Esboço  da
Direção do Estado da Província da Pennsilvania de William
[41]
Penn(1644­1718).
 
 
Segundo  tais  doutrinas,  a  vontade  geral  da  associação
voluntária  dos  indivíduos  burgueses  egoístas  haveria  de  ser
reconhecida  como  o  fundamento  jurídico  do  poder  do  Estado.
[42]

 
 
Ela  delegaria  o  exercício  do  poder  a  um  único  ou  a  muitos
representantes, incumbidos de administrá­lo em confiança.
Para  todos  os  órgãos  de  Estado  a  garantia  da  liberdade
individual,  da  igualdade  formal,  da  vida  de  cada  um,  entre
outros  valores  jurídicos,  concebidos  agora  segundo  a  ótica
burguesa, deveria de ser o princípio máximo de Direito.
No asseguramento dessa garantia residiria os limites naturais e
eternos às atribuiçoes das autoridades de Estado.
Arbítrio  e  incondicional  submissão  do  indíviduo  burguês  à
Coroa seriam fenômenos a excluir­se de antemão. 
Porém,  para  a  conformação  jurídico­institucional  do  poder  do
Estado, não bastariam apenas periódicas eleições e votações,
expressivas da vontade popular dos novos cidadãos burgueses
: a divisão do poder do Estado em sentido jurídico­institucional
deveria  surgir  enquanto  limitação  adicional  ao  exercício  das
atribuições  do  monarca  e  da  nobreza,  e  decorrer,
necessariamente,  da  primazia  da  lei  parlamentar,  i.e.  da
legalidade do Estado.
Pelos representantes dos novos direitos burgueses passou­se
a acentuar, então, gradativamente, a superiodade da lei sobre
o  poder  monárquico,  esse  último  devendo  assumir  a  posição
de um poder encarregado do dever de dar­lhes cumprimento.
Com  o  fortalecimento  do  Parlamento  Inglês  decorrente  da
insurreição dos católicos e puritanos britânicos que, com base
no English Convenant juraram defender sua liberdade política
e religiosa contra o absolutismo de Carlos I, surgia esse órgão
legislativo de Estado já contando com decisiva atuação política
da burguesia, ao lado da nobreza e do clero, no âmbito de um
Estado monárquico.
Os  parlamentares  britânicos,  reunidos  de  1640  a  1653,
atacaram, de início, profundamente o absolutismo monárquico
e condenaram o Ministro Starfford e o bispo anglicano Laud
à morte.
Quando  os  cavaleiros  de  Carlos  I  bateram­se  contra  os
Roundheads,  o  Protetor  da  República  Inglesa,  Oliver
Cromwell,  à  frente  dos  Costelas  de  Ferro,  venceu­os  na
batalha de Naseby.
Prêso  e  vendido  ao  Parlamento  Inglês,  Carlos  I  foi  por  esse
julgado  e  conduzido  ao  patíbulo,  acabando  decapitado  em
[43]
praça pública, em 1648.
 
 
A idéia de divisão e de balanceamento de poderes passaria a
representar,  desde  então,  um  tema  jurídico  de  primordial
importância para a conformação do constitucionalismo burguês
[44]
britânico.
 
 
Rapidamente  alcançou­se  uma  clara  diferenciaçao  entre  as
atribuições do protector e do parlament.
Essas  atribuições  foram,  então,  positivadas  em  virtude  das
grandiosas  transformações  constitucionais  que  não  mais  se
assentavam na recepção do Direito feudal anterior.
O  Instrument  of  Government  de  1653  dispôs,  então,  da
seguinte forma:
 
“I.Que  a  autoridade  legislativa  suprema  na  República
da Inglaterra (...) deve estar e residir em uma pessoa, e
nas mãos do povo reunido no Parlamento (...)
II.Que  o  exercício  da  principal  magistratura  e  da
administração  do  governo  (...)  deve  competir  ao  Lord
[45]
Protetor.”
 
 
Com  a  morte  de  Oliver  Cromwell  em  1658,  o  Parlamento
Inglês,  revigorado  após  sua  dissolução  no  período  ditatorial
cromwelliano,  restabeleceu  a  monarquia  de  Carlos  II,  dando
criação  aos  dois  grandes  partidos  britânicos  de  então  :  os
tories,  i.e.  os  burgueses  conservadores,  e  os  whigs,  i.e.  os
burgueses  liberais,  defensores  da  soberania  do  Parlamento
Inglês.
Coube  aos  whigs,  descontentes  com  o  reinado  de  Jaime  II,
chamar da Holanda o Stathouder Guilherme de Orange, i.e.
o Chefe da República da Holanda.
Refugiando­se Jaime II na França, o Parlamento Inglês deu a
Guilherme  de  Orange  a  Coroa,  instituindo  um  regime
monárquico­constitucional,  no  quadro  de  um  Estado
Aristocrático­Burguês.
Após  essa  assim­denominada  Revolução  Gloriosa  de  1688,
que derrotou, definitivamente, a dinastia dos Stuarts, a Bill of
Rights  foram  delimitadas  as  prerrogativas  do  Rei,
fortalecendo­se as do Parlamento Inglês.
Desde então, o governo de Estado passaria a ser exercido por
um  Primeiro  Ministro,  responsável  perante  o  Parlamento,
escolhido,  em  um  primeiro  momento,  entre  os  notáveis  do
partido dominante.
No ano de 1690, o mundo ocidental conheceu, então, além da
legitimação  jurídico­teórica  dos  propósitos  da  Revolução
Gloriosa,  uma  brilhante  expressão  da  nova  doutrina
aristocrático­burguesa da divisão jurídico­institucional do poder
do Estado, contida na célebre obra de John  Locke,  intitulada
Two  Treatises  of  Civil  Government(Dois  Tratados  acerca
do Governo Civil).
Baseando  nas  idéais  políticas  dos  whigs,  Locke  examinou  o
novo Estado Britânico seja desde uma perspectiva relacionada
com  seus  órgãos  estatais,  denominando­os  Poderes
Legislativo  e  Executivo  (Legislative  and  Executive  Powers),
seja  desde  um  ângulo  de  suas  funções  materiais  concretas,
contemplando  a  existência  dos  assim­denominados  Poderes
Federativo  e  de  Prerrogativa  (Federative  and  Prerogative
Power).
O  Poder  Judiciário,  enquanto  terceiro  poder  constituído,
pretendidamente  imparcial  e  independente,  foi  desconhecido
por Locke.
O terceiro poder de Estado, concebido na perspectiva material
concreta  das  atividades  funcionais  do  Estado,  representava
para  Locke  um  poder  para  declarar  a  guerra  e  a  paz,  bem
como  para  tratar  das  alianças  e  dos  negócios  externos,
[46]
denominado por ele Federative Power.
 
 
Além  disso,  Locke  atribuiu  ao  Chefe  do  Executivo
determinadas  atribuiçoes  reservadas,  incorporadas  no  Poder
de  Prerrogativa  –  esse  último  tradicional  do  Direito
revolucionário  britânico  aristrocrático­burguês,  sendo,
entretanto,  tais  atribuiçoes  submetidas  a  limitações,  não
consideradas como encroachments.
Segundo  Locke,  devendo  os  Poderes  Legislativo  e  Executivo
serem  exercidos  por  órgãos  estatais  distintos  –  i.e.  pelo
Parlamento e pela Coroa ­, os Poderes Executivo, o Federativo
e o de Prerrogativa haveriam de estar costumeiramente unidos
nas mãos do Chefe do Executivo.
Nesse  quadro,  os  Poderes  Federativo  e  de  Prerrogativa  –
diferentemente  do  Poder  Executivo  –  não  haveriam  de  ser
dirigidos,  estritamente,  por  leis  positivas,  devendo  ser
[47]
exercidos segundo o livre arbítrio de seu titular.
 
 
Nada  obstante,  todos  esses  poderes  referidos  pelo  célebre
pensador  de  Wrington  eram  por  ele  considerados  como
Fiduciary  Powers,  i.e.  como  poderes  fiduciários  ou  de
confiança.
Em  princípio,  todos  eles  estariam  subordinados  ao  Poder
Legislativo, considerado enquanto o órgão de Estado que, em
última instância, representaria, juridicamente, o poder supremo
da Commonwealth.
O  povo,  eminentemente  composto  de  cidadãos  burgueses,
delegaria,  por  sua  vez,  em  confiança,  ao  Poder  Legislativo
certas  atribuições,  plenamente  revogáveis,  na  hipótese  de  o
seu exercício resultar em manifesta decepção popular.
Em seus comentários à Constituição da Inglaterra, Friedrich
Engels, assinalou  que  o  equilíbrio  dos  poderes  da  monarquia
constitucional  representava,  em  verdade,  o  temor  da
humanidade  diante  de  si  mesmo,  e  desvendou  o  significado
efetivo  da  teoria  aristocrático­burguesa  da  divisão  da
dominação  jurídico­institucional  do  poder  do  Estado  com  as
seguintes palavras:
 
“O  primeiro  princípio  da  monarquia  constitucional  é
aquele relacionado com o equilíbrio.
Esse  princípio  é  a  expressão  mais  acabada  do  medo
da humanidade diante de si mesmo.
Não  quero  discorrer  acerca  da  irracionalidade  ridícula,
da  total  inexecutabilidade  desse  princípio,  quero
apenas  investigar  se  ele  é  concretizado  na
[48]
Constituição da Inglaterra (...)”
 
 
 
Sem  dúvida,  nessa  citação  de  Engels  resulta  efetivamente
claro que esse grande pensador revolucionário proletário tinha
perfeito  conhecimento  das  formulações  jurídico­ideológicas  do
constitucionalismo burguês britânico, como também da grande
propaganda  política  desencadeada  por  Henry  St.  John,
Viscount  of  Bolinbroke,  que,  em  favor  de  um  reinado
conservador  e  fortalecido  contra  o  domínio  parlamentar  já
consolidado  dos  whigs,  fazia  ecoar  aos  quatros  ventos  do
Império Britânico a defesa das virtudes aristocrático­burguesas
do  ”equilibrium  of  powers”  :  garantia  de  freios  políticos
recíprocos, controles recíprocos, check and balances.
Bolinbroke  logrou  mesmo  elaborar  uma  teoria  de  tripartição
jurídico­institucional  de  poderes,  em  que  a  Coroa,  a  Câmara
dos  Lors  e  a  Câmara  dos  Comuns  seriam  capazes  de
[49]
produzir as virtudes de um governo moderado.   
 
 
Diante  de  todo  esse  contexto,  escreveu,  então,  Engels,  de
maneira  meridianamente  precisa,  destacando  a  crescente
consolidação da dominação do poder do Estado nas mãos da
burguesia inglesa :
 
„O poder da Coroa reduz­se, na prática, a zero e se um
fato  notório  em  todo  mundo  ainda  carece  de  prova,
então  já pode servir  como  prova  o  fato  de  que,  desde
há  mais  de  cem  anos,  toda  a  luta  contra  a  Coroa
deixou de existir, que mesmo os cartistas democrátas­
radicais  sabem  empregar  seu  tempo  em  algo  melhor
do que nessa luta ...
Se o escárnio que se acumula continuadamente sobre
a  Câmara  Alta  há  mais  de  cem  anos  tornou­se
gradativamente parte integrante da opinião pública, se
esse  órgão  do  Poder  Legislativo  é  considerado,  em
geral,  como  uma  casa  de  inválidos  para  homens  de
Estado desgastados, que o oferecimento de uma pária
é considerada por todo membro ainda não esgotado da
Câmara  Baixa  como  uma  ofença,  então  pode­se
facilmente  entrever  em  que  nível  de  respeito  se
encontra  o  segundo  dos  Poderes  do  Estado
estabelecido pela Constituição.
Na  realidade,  a  atividade  dos  Lords  na  Câmara  Alta
rebaixou­se  a  uma  mera  formalidade,  sem  maior
[50]
importância ...“
 
 
II.E.
A TRIPARTIÇÃO DE PODERES
NO PRELÚDIO DA REVOLUÇÃO BURGUESA DE 1789 :
O SURGIMENTO DO PODER JUDICIÁRIO
 
Apesar de a doutrina de John Locke ter adquirido significativa
importância  para  a  elaboração  das  teorias  burguesas
subseqüentes sobre a divisão jurídico­institucional do poder do
Estado  –  nomeadamente  através  de  sua  grande  influência
exercida  sobre  a  disciplina  constitucional  dos  EUA  ­  cumpre
destacar  que  seu  pensamento  doutrinário  repartia  apenas  as
diferentes  funções  de  Estado  entre  tão  somente  dois  órgãos
[51]
estatais, atuantes de maneira independente.
 
 
Assinale­se,  adicionalmente,  que  na  concepção  aristocrático­
burguesa  do  célebre  revolucionário  de  Wrington,  a  Coroa,
enquanto  chefe  dos  Poderes  Executivo,  Federativo  e  de
Prerrogativa,  surge,  ainda,  como  o  principal  órgão  de  Estado,
apesar  de  todas  as  limitações  a  que  estava  submetida
mediante  lei  e,  em  certos  casos,  apesar  de  sua  vinculaçao  à
lei.
Em  um  contexto  histórico  em  que  a  burguesia,  lutando
crescentemente  contra  a  realeza  e  a  nobreza,  procurava
assegurar  sua  dominação  política,  conquistando  para  si  o
poder  supremo  do  Estado,  teve  surgimento  a  doutrina
aristocrático­burguesa  da  tripartição  da  dominaçao  jurídico­
institucional  do  poder  do  Estado  elaborada  pelo  Barão  de  la
Brède et de Montesquieu em sua principal obra intitulada De
l’Esprit  des  Lois(Sobre  o  Espírito  das  Leis),  surgida  em
[52]
1748.
 
 
Se  a  bandeira  religiosa  havia  tremido  pela  última  vez  na
Inglaterra, no século XVII, a visão jurídico­burguesa do mundo
totalmente  purificada  de  elementos  teológicos  haveria  de
[53]
emergir na França, menos de cinqüenta depois.
 
 
Karl  Marx  e  Friedrich  Engels  sublinharam,  em  A  Ideologia
Alemã,  de  maneira  eminentemente  crítica,  as  seguintes
considerações acerca de tal concepção relativa à consagração
dos  assim­denominados  poderes  de  Estado,  enunciada  agora
como uma “lei eterna” :
 
“As  concepções  da  classe  dominante  são,  a  cada
momento, as concepções dominantes (...)
As  concepções  dominantes  nada  mais  são  do  que  a
expressão ideal das relações materiais dominantes, i.e.
das relações materiais concebidas como pensamentos.
(...)
Os  indivíduos  que  constituem  a  classe  dominante
possuem,  entre  outras  coisas,  também  consciência  e,
por isso, pensam.
Na  medida  em  que  dominam  como  classe  e
determinam  todo  o  âmbito  de  uma  época  histórica,  é
evidente  que  o  façam  em  toda  a  sua  extensão  e,
conseqüentemente,  entre  outras  coisas,  dominem
também  como  pensadores,  como  produtores  de
concepções,  que  regulem  a  produção  e  a  distribuição
das idéias de seu tempo e que suas idéias sejam, por
isso mesmo, as idéias dominantes da época.
Por exemplo : em uma época e em um país em que o
poder  real,  a  aristocracia  e  a  burguesia  lutam  pelo
domínio,  onde  o  domínio  se  encontra  pois  dividido,
surge como idéia dominante a doutrina da divisão dos
poderes,  que  agora  surge  enunciada  como  uma  “lei
[54]
eterna.”
 
 
 
Com  efeito,  ao  longo  dos  séculos  subseqüentes,  a  teoria  da
tripartição  de  poderes  de  Charles  de  Montesquieu  tornou­se
concepção  dominante,  mesmo  no  quadro  dos  posteriores
Estados Burgueses democráticos­republicanos, mesmo depois
de  abolidos  os  órgãos  de  Estado  representadores  das  forças
políticas monárquicas, aristocráticas e clericais.
Embora  Montesquieu  tivesse  desenvolvido  seu  pensamento
relativo  à  divisão  dos  poderes  tendo  como  base  a
Constituição  da  Inglaterra,  onde  “a  liberdade  política  aí
aparecia  como  em  um  espelho”,  a  Europa  Continental  não
foi decisivamente influenciada pela doutrina britânica de divisão
jurídico­institucional do poder do Estado de John Locke : a “lei
eterna” teria como respaldo teórico incontrastável a formulação
doutrinária original de autoria do Barão de Montesquieu.
Montesquieu  viveu,  precisamente,  no  final  da  época  de  ouro
do Estado absolutista francês e formulou seus pensamentos a
partir  de  uma  perpectiva  aristocrático­burguesa,  a  seguir
consolidada,  no  terreno  político,  através  da  força  política  dos
Girondinos.
Para  Montesquieu,  todo  homem  seria  levado  a  pretender
conquistar  e  ampliar  seu  poder,  dele  necessariamente
abusando, caso não encontrasse limites para essa sua assim­
considerada tendência natural.
Partindo dessa premissa, entendia que era imprescindível que,
pela própria disposição das coisas, o poder freasse o poder.
A  concentração  ilimitada  do  poder  seria,  então,  incompatível
com  a  pretensa  liberdade  natural,  originariamente  adquirida
pelos homens.
Em  conformidade  com  suas  premissas  ideológicas  jus­
naturalistas,  Montesquieu  defendeu  a  divisão  da  dominação
jurídico­institucional do Estado entre diferentes órgãos estatais,
entre si independentes e incumbidos cada qual do exercício de
certa  função  estatal,  entrevista  como  parcela  de  determinada
[55]
função material geral, eminentemente distinta das demais.
 
 
A função legislativa surgia, aos olhos de Montesquieu, como a
primeira  função  de  Estado  :  aquela  cujo  exercício  permitiria
fazer  as  leis  por  um  certo  tempo  ou  para  a  eternidade,
emendá­las ou abrogá­las.
Após  nomear  la  puissance  exécutrice  des  choses  qui
dépendent  du  droit  de  gens(i.e.  o  poder  executivo  das
coisas  que  dependem  do  Direito  Público  Internacional),
enumerando  enquanto  seu  conteúdo  concreto  às  atribuições
de  deflagrar  a  guerra  e  celebrar  a  paz,  Montesquieu  –
diferentemente de John Locke – decidiu­se simplesmente por
associá­la  à  puissance  exécutrice  des  choses  qui
dépendent du droit civil(i.e. ao poder executivo das coisas
que  dependem  do  Direito  Civil),  denominando,  então,  tanto
uma como outra, sinteticamente, de puissance exécutrice de
l’Etat, i.e. como Poder Executivo do Estado. 
Com  essa  sua  formulação  inovadora,  o  Federative  Power  de
John  Locke,  enquanto  o  terceiro  poder  de  Estado,  deixava
simplesmente  de  existir  enquanto  tal,  sendo  que  o  segundo
poder passava a ser, exclusivamente, o Poder Executivo.
Para  Montesquieu,  todas  as  funções  de  governo  –  quer  as
domésticas,  quer  as  internacionais  –  estariam  situadas  no
domínio desse novo Poder Executivo.
Uma terceira função foi, então, entrevista, de maneira distinta,
por  Montesquieu,  a  puissance  de  juger,  sendo  que  a
expressao  puissance  judiciaire  não  veio  a  ser  por  ele
utilizada.
A  função  de  julgar  surgiu,  na  obra  de  Montesquieu,  como
emanação  do  poder  político  executivo  interno,  dedicado  aos
julgamentos dos crimes e disputas judiciais.
Segundo  a  concepção  de  Montesquieu,  a  divisão  jurídico­
institucional do poder do Estado nas três diferentes funções por
ele concebidas, não garantiria, entretanto, o ideal de liberdade
do  indivíduo  e  não  impediria  o  avanço  do  Estado  na  esfera
individual,  se  o  responsável  pelo  exercício  dessas  funções
permanecesse sendo um único ou um mesmo órgão de Estado
que as acumulasse.
Para  a  garantia  da  liberade  política  da  sociedade  françesa
marcada  então  pela  ascensao  política  da  burguesia,  seria
necessário,  segundo  o  Barão  de  Montesquieu,  um  sistema
jurídico­institucional  refinado  de  controles  e  balanceamentos,
i.e.  um  sistema  de  check  and  balances,  em  que  as  três
funções estatais por ele concebidas fossem exercidas por três
distintos órgãos de Estado, independentes entre si, porém não
inteiramente separados.
Na  ótica  essencialmente  aristocrático­burguesa  de
Montesquieu,  profundamente  atenta  às  efetivas  grandezas
políticas  de  sua  época  histórica,  a  Coroa  deveria  formar  o
Poder Executivo.
No  âmbito  desse  poder,  ocorreria  a  adoção  de  rápidas
decisões,  que,  na  maioria  das  vezes,  tornavam  inviável  uma
intervenção direta do órgão legislativo do Estado.
Esse  Poder  Executivo  Monárquico  seria,  além  disso,
responsável  pela  convocação  e  estipulação  do  tempo  de
funcionamento  do  Poder  Legislativo,  o  qual,  na  concepção  do
Barão  de  la  Brède  et  de  Montesquieu,  deveria  ter  uma
[56]
atuação permanente e ininterrupta.
 
 
O Poder Legislativo seria composto, então, pela nobreza e pelo
clero  –  reunidos  em  uma  Câmara  Alta  ­,  e  pela  burguesia,
atuante em uma Câmara Baixa.
Para  Montesquieu,  se  a  nobreza  –  privilegiada  pelo
nascimento, riqueza e honra – viesse a ser confundida com os
cidadãos  burgueses  e  pequeno­burgueses,  i.e.  o  povo  de  seu
tempo  histórico,  a  liberdade  geral  passaria  a  significar  a  sua
servidão.
A nobreza haveria, pois, de formar um órgão estatal legislativo
diferenciado,  tal  como  um  Senado,  revestido  do  direito  de
[57]
impedir os empreendimentos do órgão legislativo burguês.
 
 
Em  conformidade  com  o  pensamento  de  Montesquieu,  os
poderes  de  Estado  deveriam  permanecer  consideravelmente
divorciados, porém não absolutamente atomizados, de modo a
produzirem  uma  certa  situação  institucional  por  ele  definida
como de equilíbrio.
O  Poder  Legislativo  nao  poderia,  assim,  exercer  funções
executivas, nem impedir o cumprimento dessas funções.
Competia­lhe,  entretanto,  la  faculté  d’examiner  a  forma  e  o
modo, segundo os quais o Poder Executivo daria cumprimento
[58]
às leis.  
 
 
O  Chefe  do  Poder  Executivo  nao  deveria  possuir  nenhuma
participação preponderante no processo legislativo, porém nele
poderia  intervir  através  da  faculté  d’empêcher,  quando
apusesse seu veto contra determinada lei, jamais porém com a
[59]
faculté de proposer et de statuer.
 
 
Montesquieu  foi  plenamente  claro  em  assinalar  que  não
subsistiria nenhuma liberdade política se o Poder de Julgar nao
fosse  instituído  orgânica  e  independentemente,  de  maneira
diferenciada dos Poderes Executivo e Legislativo.
Segundo  ele,  a  função  jurisdicional  deveria  ser  exercida  por
pessoas  oriundas  das  distintas  classes  sociais,  as  quais,  em
distintos períodos do ano, formariam respectivamente tribunais
ou  o  corpo  dos  nobres  reunido  para  julgar  seus  pares,  com
[60]
duração fixada segundo as exigências da necessidade.  
 
 
Montesquieu propôs, nesse contexto, julgamentos por classes
sociais, a fim de, segundo ele, evitar­se julgamentos injustos : 
 
 
“Os grandes estão sempre expostos à inveja e se eles
fossem julgados pelo povo poderiam estar em perigo e
não  gozariam  de  qualquer  privilégio,  o  qual  possui  o
menor  dos  cidadãos  em  um  Estado  livre,  i.e.  o  de  ser
julgado por seus pares.
É  necessário,  entao,  que  os  nobres  sejam  chamados
não diante dos tribunais ordinários da Nação, mas sim
diante dessa parte do corpo legislativo que é composta
[61]
pelos nobres.”
 
As  referência  do  Barão  de  Montesquieu  ao  Poder  de  Julgar
são, além do que aqui já foi exposto, extremamente escassas.
O  Poder  de  Julgar  surge  aos  olhos  de  Montesquieu
extremamente  debilitado  e  designado  como  sendo,  de  certa
forma, nulo e invisível :
 
“Dessa  forma,  o  Poder  de  Julgar,  tão  terrível  entre  os
homens,  não  estando  vinculado  nem  a  um  certo
estado, nem a uma certa profissão, torna­se, por assim
dizer, invisível e nulo.
Nao  se  possui,  continuadamente,  nenhum  juiz  diante
dos  olhos  e  teme­se  a  magistratura,  porém  nao  os
[62]
magistrados.”
 
 
 
As  palavras  multívocas  e  obscuras  de  Monstequieu  que
afirmavam  ser  o  poder  de  julgar  pour  ainsi  dire  invisible  et
nulle,  revelam  o  embaraço  desse  jurista  françês  em  situar  o
Poder  Judiciário  que  entrevia  ao  lado  dos  poderes  jurídicos
mais  claramente  atuantes,  o  Executivo  Monárquico  e  o
Legislativo Aristocrático­Burguês.
O célebre jurista burguês Maurice Hauriou também identificou,
ainda  que  superficialmente,  esse  surgimento  esquálido  do
Poder  Judiciário,  destinado  a  existir  apenas  esporadicamente,
estando  divido  entre  nobres  e  burgueses  em  julgamentos  de
pares, ele mesmo como objeto de disputas entre a aristocracia
e a burguesia :
 
“Ele  (o  Poder  Judiciário)  é  “terrível  entre  os  homens”,
i.e. ele é terrível como poder sobre o justiciável, mas é
nulo  como  eficácia  em  face  dos  poderes  políticos  do
Estado,  visto  que  ele  nao  possui  o  poder  de  impedir
[63]
sua ação.”
 
 
 
Acerca  do  tema,  escreveu  ainda  o  célebre  jurista  burguês
alemão, de orientação nazista, Ernst Forsthoff :
 
“Tanta  maior  desvêlo,  porém,  Montesquieu  dedica  à
ordem da relação dos poderes entre si.
Ela  é  o  próprio  cerne  da  teoria  tão  grosseiramente
designada com a palavra de divisão dos poderes.
De início, ele exclui o Poder Judiciário. Esse último não
se reveste politicamente de pêso e, em certo sentido, é
inexistente.
Por  essa  razão,  ele  não  carece  também  de  uma
moderação.
Tanto mais, entrentato, disso carecem os outros dois.
Montesquieu  volta­se,  com  semelhante  penetração,
contra  a  dominação  seja  do  Poder  Legislativo  seja  do
[64]
Poder Executivo.”
      
 
II.F.
O PODER JUDICIÁRIO
NO QUADRO DO FORTALECIMENTO DA BUROCRACIA
E DA FORÇA MILITAR DOS ESTADOS BURGUESES
DOS SÉCULOS XVIII E XIX  
 
 
A  essa  altura  de  nossa  exposição,  cumpriria  indagar,  em  vias
de  conclusão  do  primeiro  ponto  de  nossa  exposição,  se,  ao
longo  dos  últimos  duzentos  anos  de  exploração  e  dominação
das  instituições  capitalistas  e  de  seu  Estado  burguês,  teria  o
Poder Judiciário, após seu esquálido surgimento, permanecido
como  um  poder  “invisible  et  nulle”,  tal  como  concebido  por
Montesquieu, ou adquirido uma presença jurídico­institucional
mais determinante e ativa, enquanto Justiça Burguesa ?
Teria  o  Poder  Judiciário  reduzido­se  a  uma  mera  formalidade,
convertido­se em uma casa de inválidos, tornado­se uma pária,
tal  como  foi  o  decadente  destino  da  Câmara  dos  Lords
Britânicos,  tal  como  bem  assinalou  Engels  na  citação  que
reproduzimos acima ou, pelo contrário, adquirido a posição de
uma  burocracia  de  funcionários  exclusivamente  burguesa,
composta  por  juízes  de  carreira,  vitalícios,  inamovíveis,
dotados  de  sôldos  irredutíveis,  colocando­se  não  mais
intermediariamente  entre  a  dominação  jurídico­institucional  do
Executivo Monárquico e do Legislativo Parlamentar­Burguês ?
Teria  o  Poder  Judiciário  deixado  de  ser  “invisível  e  nulo”  ou
permanecido  apenas  como  „a  boca  que  pronuncia  as
palavras  da  lei,  um  ser  inanimado  que  não  lhes  poderia
moderar  nem  sua  força  nem  seu  rigor”,  tal  como  dizia
[65]
Montesquieu?
 
 
A elevação da função jurisdicional à qualidade de um poder de
Estado  na  obra  do  Barão  de  la  Brède  et  de  Montesquieu  –
i.e. como o terceiro poder na tripartição da dominação jurídico­
institucional  do  poder  do  Estado  ­,  não  foi  marcada,  tal  como
visto,  por  sua  altivez  em  face  dos  Poderes  Legislativo  e
Executivo.
Pelo  contrário,  tal  função  de  julgar  surgiu  aos  olhos  de
Montesquieu  marcada  por  sua  falta  de  continuidade
existencial, divida entre nobres e burgueses em julgamentos de
pares,  não  sendo  incorporada  concentradamente  em  uma
única grandeza jurídico­institucional.
Nesse  seu  primeiro  momento  histórico  de  vida,  o  Poder
Judiciário  emergiu  de  modo  extremamente  debilitado,  não
tendo  sido  projetado  juridicamente  por  Montesquieu  para
existir nem seguer de modo permanente.
Esse é o Poder Judiciário anterior à e no quadro da Revolução
Burguesa de 1789.
Isso  não  impediu  que  a  Grande  Revolução  Francesa
pretendesse  suprimir  de  todo  Estado  do  mundo  civilizado,
existente no contexto histórico da época, sua natureza jurídico­
constitucional, caso não assegurasse o princípio da repartição
dos  poderes  entre  diferentes  órgãos  estatais,  ao  lado  da
[66]
garantia dos Direitos do homem e do cidadão burgueses.
 
 
Com  efeito,  o  artigo  XVI  da  Déclaration  des  Droits  de
l’Homme et du Citoyen(Declaração dos Direitos do Homen
e  do  Cidadão),  de  agosto  de  1789,  inspirada  na  doutrina  de
Montesquieu e na força política dirigente dos Girondinos, em
um  momento  em  que  governava  a  grande  burguesia  francesa
que pretendia conciliar a revolução com as instituiçoes jurídico­
institucionais  monárquicas  e  aristocráticas,  dispôs
expressamente :
 
“Artigo  XVI.  Toda  sociedade  na  qual  a  garantia  dos
direitos  não  é  assegurada  nem  a  separação  dos
poderes  determinada  não  possui  nenhuma
[67]
Constituição.”
 
 
Após  a  eclosão  dessa  grande  revolução,  inspirada,
progressivamente,  na  obra  clássica  de  Jean­Jacques
Rousseau,  intitulada  Du  Contrat  Social  ou  Principes  de
Droit Politique(Do Contrato Social ou Princípios de Direito
Político),  a  posição  do  Poder  Judiciário  no  contexto  da
tripartição equacionada por Montesquieu haveria de modificar­
se considerável e gradativamente.
Porém,  as  novas  doutrinas  jurídico­burguesas  de  Direito  do
Estado,  ainda  que  imprimindo  uma  nova  dimensão  jurídico­
política à teoria da tripartição de poderes de Montesquieu, não
tiveram  como  objetivo  colocar  nenhuma  concepção
inteiramente nova em seu lugar.
Entretanto,  aquele  balance  de  pouvoirs  constituído  no
pensamento  de  Montesquieu  através  da  participação  de
diferentes  classes  sociais  na  dominação  jurídico­institucional
veiculada pelo poder do Estado, pareceu aos seus sucessores
intelectuais  como  crescentemente  irrealizável  e  incompatível
com  a  prevalência  dos  ideais  burgueses  e  a  abolição  radical
dos restos das sociedades feudais.
Já  a  doutrina  da  democracia  ou  ­  como  a  denominavam  os
teóricos do século XVIII – a doutrina da soberania popular, de
Rousseau  assentou­se,  resolutamente,  sobre  o  princípio  da
unificaçao de todos os poderes jurídico­institucionais nas mãos
do povo, composto majoritariamente por cidadãos burgueses e
pequenos­burgueses,  criticando  amargamente  a  divisibilidade
do poder soberano do Estado :
 
“Pela mesma razão que a soberania é inalienável, ela é
indivisível. (...)
Mas, nossos políticos, não podendo dividir a soberania
em seu princípio, dividem­na em seu objeto.
Eles  a  dividem  em  força  e  em  em  vontade;  em  Poder
Legislativo e Poder Executivo; em Direitos; em Direitos
de impostos, de justiça e de guerra; em administração
interior e em Poder de tratar com o estrangeiro : tanto
mais confundem todas as suas partes, quanto mais as
separam.
Fazem  do  soberano  um  ser  fantástico  e  formado  de
pedaços relacionados, tal como se eles compusessem
um  homem  com  vários  corpos,  dos  quais  um  teria  os
seus olhos, outro um braço, um outro ainda seus pés e
nada de diferente. (...)
Esse erro decorre de não se ter noções exatas sobre a
autoridade  soberana  e  de  tomar  por  partes  dessa
autoridade  o  que  não  representa  senao  suas
[68]
emanações.”
 
 
Entretanto,  tal  convicção  não  impediu  Rousseau  de
recomendar distinguir­se entre Poder Executivo e Legislativo :
 
“Aquele  que  faz  a  lei  sabe  melhor  do  que  ninguém
como ela deve ser executada e interpretada.
Parece,  entao,  que  não  se  poderia  ter  uma  melhor
constituição do que no caso em que o Poder Executivo
estivesse juntado ao Poder Legislativo.
Porém,  é  isso  mesmo  que  torna  esse  governo
insuficiente  em  certos  aspectos,  visto  que  as  coisas
que  devem  ser  distinguidas  não  o  são  e  sendo  o
príncipe  e  o  soberano  a  mesma  pessoa  não  formam,
por assim dizer, senão um governo sem governo.
Não é bom que aquele que faz as leis as execute, nem
que  o  corpo  do  povo  desvie  sua  atenção  das  vistas
[69]
gerais para dirigí­la aos objetos particulares.”  
 
 
O  aprofundamento  da  tormenta  revolucionária,  protagonizada
pelo  jurista  incorruptible,  aboliu,  a  seguir,  resolutamente,  os
traços  de  convívio  da  burguesia  ascendente  com  os  poderes
monárquicos e aristocráticos, jogando por terra o cenário sócio­
histórico conhecido pelo Barão de Montesquieu.
Sob a influência de Robespierre, a puissance irrésistible du
torrent  révolutionnaire(o  poder  irresistível  da  torrente
revolucionária)    de  fins  do  século  XVIII,  haveria  de  abrir  o
caminho da consagração da doutrina da tripartição de poderes
de Montesquieu, entretanto com a relevantíssima modificação
concernente  ao  caráter  eminentemente  burguês  de  todos  os
poderes  jurídico­institucionais  imagináveis  do  Etat  français,
cada vez mais centralizado :
 
“Qual é o objetivo que perseguimos ? O gozo pacífico
da liberdade e da igualdade (...)
Nós  queremos  substitutir  (...)  todos  as  virtudes  e  os
milagres  da  República  a  todos  os  vícios  e  a  todos  os
ridículos da Monarquia.
Domem,  pelo  terror,  os  inimigos  da  liberdade  e  terão
razão como os fundadores da República.
O governo da Revolução é o despotismo da liberdade
[70]
contra a Tirania.”
 
 
 
A  seguir,  no  quadro  de  incessantes  revoluções  burguesas  e
restaurações monárquicas, insurreições proletárias e golpes de
Estado  ditatoriais,  que  percorreram  toda  a  Europa  durante  o
século XIX, o resultado marcante desses movimentos foi, sem
dúvida,  o  fortalecimento  da  burocracia  e  da  força  militar  dos
Estados  Burgueses,  abrindo­lhes  a  via  para  a  sua  atual
configuração imperialista.
Em  o  18  Brumário  de  Luís  Bonaparte,  Marx  observa  com
precisa clareza o fenômeno de que agora tratamos :
 
“Esse  Poder  Executivo,  com  sua  enorme  organização
burocrática  e  militar,  com  seu  mecanismo  estatal
complicado e artificial, com um exército de empregados
de meio milhão, ao lado de um outro exército de meio
milhão  de  soldados,  esse  corpo  parasitário  espantoso
que envolve como um invólucro o corpo da sociedade
francesa e lhe obstrui todos os poros, constituiu­se no
período da monarquia absoluta, i.e. ao cair do sistema
feudal,  cuja  queda  ajudou  a  tornar  mais  rápido  esse
processo.
A  primeira  revolução  francesa  desenvolveu  a
centralização e, ao mesmo tempo, teve de desenvolver
a  amplitude,  os  atributos  e  os  instrumentos  do  Poder
de Governo.
Napoleão  conduziu  à  perfeição  esse  mecanismo  do
Estado.
A Monaquia Legítima e a Monarquia de Julho nada lhe
acrescentaram,  a  não  ser  uma  maior  divisão  do
trabalho (...)
A  República  Parlamentar,  enfim,  viu­se  forçada  a
reforçar  na  sua  luta  contra  a  revolução,  juntamente
com  as  medidas  de  repressão,  os  instrumentos  e  a
centralização do poder do Estado.
Todos  as  reviravoltas  políticas  não  fizeram  senão
aperfeiçoar  essa  máquina,  ao  invés  de  despedaçá­la.
(...)
Os  partidos  que  sucessivamente  lutaram  pelo  poder
consideraram a posse desse enorme edifício do Estado
[71]
com o botim principal do vencedor.”
 
 
Nesse curso histórico geral de fortalecimento e aprimoramento
da  organização  burocrática  e  militar  do  Estado  Burguês,  bem
como no quadro da afirmação cada vez mais intensa dos ideais
burgueses,  a  situação  de  convívio  político  entre  Legislativo
Democrático­Burguês  e  Executivo  Monárquico,  verificada  ao
longo  de  quase  todo  o  século  XIX  na  Europa,  foi  sendo
paulatinamente superada.
No  entanto,  enquanto  se  verificou  esse  dualismo  fundamental
entre o componente monárquico e o componente democrático­
burguês  na  partilha  dos  poderes  jurídico­institucionais  do
Estado  da  primeira  metade  do  século  XIX,  o  Poder  Judiciário
permaneceu  como  que  à  parte  dessa  principal  polarização
política.
Nesse  quadro,  o  passo  mais  significativo,  empreendido  pela
burguesia  européia  ascendente  contra  as  forças  monárquicas
restauracionistas,  foi  o  de  lutar  em  favor  de  uma  certa
neutralidade  do  Poder  Judiciário,  através  da  consagração  da
independência  dos  juízes,  bem  como  de  suas  principais
garantias de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de
salários,  desvinculando­os  de  seus  laços  com  o  Executivo
Monárquico,  mantendo­os  ausentes  de  sua  principal
confrontação com esse último poder de Estado.
Nesse  sentido,  escreve  o  jurista­historiador  alemão  Karl
Kroeschell :
 
“Um importante objetivo jurídico­político de luta tornou­
se,  finalmente,  no  século  XIX,  também  a
independência do Judiciário.
O  Código  Geral  Fundiário  Prussiano  de  1794  tinha
ainda  designado  a  função  jurisdicional  dos  tribunais
como direito de soberania inalienável do Rei.
Porém,  ao  seu  redator,  Svarez,  pareceu  tal  pretensão
de  poder  do  Rei  já  uma  intervenção  ilegítima  na
administração da Justiça.
A  essa  posição  iluminista­liberal  ligou­se,  no  início  do
novo  século,  ao  novo  senso  comum  científico  do
estamento dos juristas.
Também  juristas  conservadores  não  estavam  mais
dispostos  a  conceder  ao  Monarca  um  direito  de
confirmação ou suspensão das sentenças ou mesmo a
[72]
destituição e deslocamento de varas dos juízes.”
 
 
A Europa do século XVIII e XIX não possuía, nomeadamente,
para  o  Poder  Judiciário  nenhum  classe  social  própria,  que
[73]
reinvidicasse especificamente o seu apoderamento.
 
 
Nesse  contexto,  já  significava  uma  certa  vitória  para  a
burguesia  em  vias  de  consolidação  de  seu  despotismo  de
classe fazer permanecer o Poder Judiciário, praticamente, fora
das  missões  dominantes  de  conformação  da  dominação
política do Estado do início do século XIX.
O juiz do século passado aparentava ser, assim, um autômato
[74]
da subsunção.  
 
 
O  Poder  Judiciário  independente  caracterizava­se,  antes  de
tudo,  por  seu  status  negativus,  estando  timidamente
vinculado  à  legislação  positiva  e  marcado  pelo  fato  de  que
deveria  surgir  plenamente  emudecido  em  face  dos  embates
existentes entre os dois poderes jurídicos­institucionais efetivos
de Estado.
Entretanto,  já  na  segunda  metade  do  século  XIX,  quando  as
forças    burguesas  francesas  pareciam  já  haver  eliminado  o
componente jurídico­institucional monárquico de Estado, tendo
pela  frente  agora  a  necessidade  de  reprimir  com  suas
instituições sociais e seu aparelho de Estado as aspirações de
seu  novo  inimigo  de  classe,  i.e.  o  proletariado  revolucionário
em  surgimento,  o  exercício  da  função  jurisdicional  tornou­se
politicamente irrenunciável e sua crescente atuação infirmou o
fato de que ele poderia até mesmo sucumbir, em virtude de sua
nulidade  e  invisibilidade,  no  sentido  doutrinário  utilizado  por
Montesquieu.    
Lenin teve a oportunidade de observar que o fim do século XIX
e  o  início  do  século  XX  consagrou,  nos  países  mais
industrializados,  além  do  fortalecimento  generalizado  do
aparelho  militar  e  burocrático  do  Poder  Executivo,  a
consolidação de um Poder Legislativo Parlamentar, tantos nos
países  republicanos,  tais  como  a  França,  os  EUA  e  a  Suiça,
como nos monárquicos, de que eram exemplos a Alemanha e
a  Inglaterra  e,  até  certo  ponto,  a  Itália  e  os  países
escandinavos.
Esse  período  abriria  o  caminho  para  uma  luta  pelo  poder  dos
diversos  partidos  burgueses  e  pequenos  burgueses,  que
buscavam  então  repartir  entre  si  o  botim  dos  cargos  estatais,
[75]
mantendo ilesas as bases do sistema capitalista.
 
 
Não  estando  subordinado  ao  Executivo  e  ao  Legislativo,
poderes esses mais expostos à luta de classes travada agora
preponderantemente  entre  a  burguesia  e  o  proletariado,
poderes esses mais sujeitos às transformações e instabilidades
eleitorais  marcadas  pelo  fortalecimento  dos  partidos
revolucionários  da  classe  trabalhadora,  o  Poder  Judiciário
iniciava o seu processo de consolidação burocrático­burguesa,
[76]
às sombras dos acontecimentos políticos.
 
 
Nesse  domínio,  pôde  o  Poder  Judiciário  desenvolver,
gradativamente,  novas  formas  de  ligação  burocrática  com  a
burguesia, na medida em que no seio dos Poderes Legislativo
e  Executivo  se  consolidava,  gradativa  e  progressivamente,  o
caráter democrático­burguês da representaçção popular. 
Assim,  o  Poder  Judiciário  adquiriu,  crescentemente,  o  caráter
de  poder  jurídico­institucional  de  Estado,  no  sentido  mais
próprio  e  essencial  dessa  expressão,  situando­se  em  uma
posiçao burocrático­conservadora em face dos demais poderes
de  Estado  Burguês  cuja  direção  política  era  exposta,  agora,
crescente  e  alargadamente,  às  disputas  dos  partidos  políticos
de massas.
O  fortalecimento  dessa  burocracia  judiciária,  fomentada
estimulantemente  pela  burguesia  dominante,  ofereceu
pressupostos  satisfatórios  para  que  fosse  formado  e
selecionado,  rigorosamente,  um  corpo  elitista  de  juízes
educados  no  mais  restrito  positivismo  jurídico,  bem  como
estruturado  um  sistema  de  funcionamento  orgânico  peculiar,
composto  por  funcionários  estatais  disciplinados  e  atuantes
preponderantemente  segundo  a  própria  normatividade
regimental  interna  desse  novo  Poder  Judiciário  colocado
estritamente  ao  serviço  dos  mais  decisivos  interesses  do
Direito Burguês do século XX.
 
 
II.G.
O PODER JUDICIÁRIO ENQUANTO
GUARDIÃO DA CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS
BURGUESES IMPERIALISTAS
  
 
  No  quadro  do  imperialismo,  enquanto  fase  suprema  do
capitalismo,  i.e.  sobretudo  após  a  I  Guerra  Mundial,  o  Poder
Judiciário  viria  a  assumir  os  contôrnos  de  uma  não  apenas
sólida  e  mas  também  petrificada  formação  burocrático­
conservadora de juízes de carreira do Estado Burguês, ligada à
necessidade objetiva e aos interesses materias do capitalismo
dominante.
Tais  juízes  de  carreira,  vitalícios,  inamovíveis,  dotados  de
irredutibilidade salarial e de noblesse  de  la  robe(nobreza  da
toga),  surgiriam,  então,  excluidos  de  qualquer  processo
democrático­burguês  eletivo  e  desprovidos  de  qualquer
representatividade  em  face  da  classe  trabalhadora  e  das
massas  oprimidas  das  sociedades  burguesas­capitalistas
contemporâneas.
Por  sua  vez,  as  garantias  jurídico­constitucionais  de  suposta
independência, imparcialidade, inamovibilidade no exercício da
função  de  julgar,  irredutibilidade  salarial,  consagradas
praticamente  em  todos  os  Estados  Burgueses  ao  longo  do
século XX, adquiriram o preciso objetivo de obscurecer, diante
dos  olhos  da  classe  da  trabalhadora  e  demais  segmentos
socialmemte  explorados  pelo  despotismo  capitalista,  o  caráter
crescentemente  político  assumido  pelo  Poder  Judiciário  na
interpretação e aplicação da ideologia contida no ordenamento
jurídico burguês da atualidade.
Esse  novo  contexto,  solidificou­se  no  quadro  dos  Estados
Burgueses Imperialistas da primeira metade do século XX, i.e.
nos EUA e  nos  Estados  Europeus,  quando  o  Poder  Judiciário
emergiu,  ostensiva  e  progressivamente,  como  o  Guardião  da
Liberdade  ou  da  Constituição,  i.e.  como  o  Guardian  of
Liberty  ou  o  Hüter  der  Verfassung,  enquanto  burocracia
estatal  burguesa  conservadora  e  independente,  fundada  no
exercício  da  função  de  julgar  as  normas  e  medidas  jurídicas
produzidas pelos Poderes Legislativo e Executivo.
Em verdade, tal fenômeno histórico começou, historicamente, a
adquirir  forma  já  com  a  criação  e  fortalecimento  da  Supreme
Court dos EUA que conduziu, rapidamente, já em 1803, sob a
presidência  do  Chief  Justice  John  Marshall(Presidente  da
Corte  Suprema  dos  EUA), à consagração,  no  caso  Marbury
v. Madison, do Direito de controle constitucional das leis e de
aplicação  unicamente  daquelas  leis  que  fossem  consideradas
[77]
como conformes à Constituição dos EUA.
 
 
Porém, teria sido apenas nas primeiras décadas do século XX,
com  o  advento  do  capitalismo  imperialista  e  de  sua  agonia
mortal, que se generalizaria a concepção jurídico­burguesa de
que  atuações  políticas  e  normativas  descontroladas  do
Legislativo  e  do  Executivo,  dominados  pela  componente
democrático­representativa  do  Estado,  poderia  produzir
grandes  perigos  para  os  valores  essenciais  e  sagrados  da
economia de mercado capitalista. 
O respeito dos direitos capitalistas de liberdade e propriedade
permaneceria sem efeito caso não existisse uma instituição de
[78]
controle da vigência dos valores constitucionais burgueses.
 
 
Nesse  contexto  histórico  de  formação  do  capitalismo
imperialista,  o  Poder  Judiciário  passaria  a  assumir,
crescentemente,  não  apenas  a  atribuição  de  julgar  litígios,
aplicando as leis vigentes aos casos concretos, senão ainda a
de  rever  juduciariamente  a  constitucionalidade  das  próprias
leis,  regulamentos  e  demais  atos  jurídicos  (Judicial  Review),
produzidos  pelos  agora  mais  debilitados  órgãos
representativos  da  democracia  burguesa  dos  Estados
capitalistas imperialistas.
Esse  último  e  atual  estágio  alcançado  pelo  Poder  Judiciário
desembocou,  em  território  Europeu,  na  célebre  polêmica  dos
anos 20 e 30 do século XX, travada entre Hans Kelsen e Carl
Schmitt,  acerca  da  Poder  Judiciário  enquanto  Guardião  da
[79]
Constituição.
 
 
Sob  a  égide  da  débil  e  enfraquecida  República  Imperial  de
Weimar,  perpassada  pelos  enfrentamentos  havidos  entre  a
burguesia  reacionária  e  o  proletariado  alemão,  tornou­se
bastante  característica  a  importância  transcendental  adquirida
pelo Poder Judiciário.
A  partir  de  1925,  o  Tribunal  do  Império  Alemão
(Reichsgericht)  assumiu  a  função  de  examinar  a
constitucionalidade das normas e medidas jurídicas produzidas
pelos  dois  outros  poderes  de  Estado,  i.e.  o  Legislativo  e  o
Executivo.
Além  disso,  nas  decisões  desse  tribunal  formulavam­se
proposições  jurídicas  que  vinculavam  as  cortes  judiciárias,  os
juizados  de  primeiro  grau  –  tal  como  verdadeiras  súmulas
vinculantes  ­  e,  além  disso,  até  mesmo,  em  certos  casos,  o
legislador ordinário
Nessa conquista de crescente espaço no quadro da dominação
jurídico­institucional,  após  o  fortalecimento  das  atribuições  do
Tribunal do Império Alemão, a Corte do Tribunal do Estado
do  Império  Alemão  (Staatsgerichsthof  für  das  Deutsche
Reich) não se intimidou em pronunciar­se acerca dos conflitos
políticos  de  classe  da  atribulada  vida  da  República  Imperial
de  Weimar,  atuando  como  se  fosse  um  verdadeiro
sustentáculo supremo do Direito e da dominação burocrática e
[80]
militar do Estado Burguês Imperialista da Alemanha.
 
 
A  Corte  do  Tribunal  do  Estado  para  o  Império  Alemão
assumiu  como  principal  competência  a  função  de  pronunciar­
se  jurisdicionalmente  nas  disputas  de  Direito  havidas  entre  o
Império  e  os  Estados  federados,  bem  como  naquelas  havidas
entre esses últimos.
Aqui,  o  Poder  Judiciário  passava  a  poder  reagir,  de  maneira
clara,  contra  as  debilidades  democrático­burguesas  dos
Poderes  Legislativo  e  Executivo,  adquirindo  o  status  de  uma
burocracia  burguesa­estatal  conservadora,  capaz  de
estabelecer  certos  limites  da  ordem  política  do  Estado
Burguês. 
Por  força  da  possibilidade  aberta  de  controle  judiciário  da
constitucionalidade do Direito Burguês, expandiu­se, no século
XX,  crescentemente,  a  justicialidade  sobre  as  funções
exercidas pelos Poderes Legislativo e Executivo.
Tal controle de defesa das garantias fundamentais da liberdade
e  propriedade  capitalista,  passou  a  ser  efetivamente
dinamizado  durante  o  período  histórico  da  emergência  dos
Estados  Social­Intervencionistas  Burgueses,  subseqüente  à
[81]
Grande Depressão Mundial de 1929.
 
 
O caráter novidadeiro de notória e crescente politização dessa
nova  versão  de  Poder  Judiciário  foi  observada  por  diversos
juristas  burgueses  da  primeira  metade  do  século  XX  e,  da
maneira mais clara e polêmica, pelo célebre jurista do nazismo
[82]
e do imperialismo capitalista alemão, Carl Schmitt.
 
 
Derrotados os regimes totalitários raciais, o período posterior à
II  Guerra  Mundial  consagraria  na  doutrina  européia  a  vitória
das  teses  defendidas  por  Hans  Kelsen  –  em  verdade,  agora
uma  cópia  alemã  do  pensamento  jurídico­constitucional  de
John Marshall da Corte Suprema Norte­Americana dos EUA
­  sobre  a  doutrina  de  Carl  Schmitt,  essa  última  de  linhagem
pequeno­burguesa  nazista  e  mais  conforme  ao  imperialismo
alemão  do  início  e  meados  do  século  XX,  no  sentindo  de
consolidar­se  o  Poder  Judiciário  como  o  mais  autêntico
Guardião  da  Constituição  dos  Estados  Burgueses
Imperialistas.
Ness período do após­guerra, em face da crescente expansão
dos  Estados  Soviéticos  Burocratizados  na  Europa  do  Leste  e
na  Ásia  Continental,  o  capitalismo  imperialista  ocidental
procurou  dogmatizar  e  supra­historicizar  a  doutrina  da  divisão
dos poderes de Montesquieu,  situando­a  agora no  âmbito do
ideologia  jurídico­burguesa  do  assim­denominado  Estado  de
Direito,  Social  e  Democrático,  tendo  como  o  paradigma  o
sistema republicano congressual dos EUA.
Já  não  se  tratava  de  uma  simples  e  fiel  restauração  da  velha
fórmula  aristocrático­burguesa  da  separação  ou  divisão  dos
poderes,  existente  à  época  do  Barão  de  la  Brède  et  de
Montesquieu, em cujo contexto o Poder Judiciário surgia, por
assim dizer, invisible et nulle.
Em  face  da  nova  realidade  do  capitalismo  imperialista,
comandado  sobretudo  pelas  forças  materiais  do  imperialismo
norte­americano,  a  tripartição  de  poderes  haveria  de  ser
reconfigurada diversamente, tendo agora como principal reduto
burocrático  de  defesa  jurídico­constitucional  dos  direitos  de
liberdade  e  propriedade  capitalistas  o  Poder  Judiciário,
Guardião da Constituição. 
Nesse  novo  momento  histórico,  o  Judiciário,  reformulado  em
sua  essência  e  autoridade  jurídico­institucional,  haveria  de
cumprir,  no  exercício  de  sua  função  político­burguesa  de
hermenêutica  jurídica,  o  importante  papel  de  guardião  da
ordem  constitucional  dos  Estados  Burgueses  Imperialistas  da
[83]
atualidade.
 
 
Dessa  mesma  forma,  certos  princípios  jurídico­constitucionais
de  grande  importância  para  a  dominação  jurídico­institucional
do  poder  do  Estado  Burguês  haveriam  de  ser  protegidos
através  dessa  atividade  jurídico­hermenêutica  de  natureza
político­burguesa, impulsionada pelo Poder Judiciário contra as
[84]
maiorias democrático­burguesas cambiantes.  
 
 
Nesse  quadro,  é  que,  por  exemplo,  o  atual  Tribunal
Constitucional  da  Alemanha  pronunciou­se  sobre  a
inconstitucionalidade  de  certos  partidos  políticos  –  como,  em
1956, relativamente ao Partido Comunista da Alemanha ­, o
reenvio de tropas militares alemães em operações imperialistas
externas  no  curso  dos  anos  90,  a  proibição  da  consigna  de
esquerda Tucholsky “Soldatos Alemães são Assassínos”, a
perseguição  militar  dos  agentes  do  antigo  serviço  secreto  da
antiga  Alemanha  Oriental,  o  emprego  de  violência  policial
aberta  nos  bloqueios  e  manifestações  de  rua,  as  limitações
[85]
constitucionais ao direito de aborto das mulheres etc.
 
   
Nesse  quadro,  é  que,  por  exemplo,  a  Corte  Suprema  dos
EUA, ainda sob a presidência do republicano­reaganiano Chief
of  Justice  William  H.  Rehnquist  ­  que  a  comanda  já  a  14
anos  ininterruptos  ­,  segue  restabelecendo  seus
posicionamentos  mais  extremamente  reacionários  de  defesa
da lei e da ordem do capitalismo imperialista norte­americano.
Os  posicionamentos  da  Corte  Suprema  dos  EUA,
comandadas  por  Rehnquist  tratam  de  reverter,
sistemativamente,  as  antigas  posições  mais  propriamente
sociais­liberais  burguesas  da  presidência  judiciária,  de  16
anos,  de  Earl  Warren,  da  década  de  50  e  60,  responsável
essa  última  pelas  decisões  relacionadas  com  a  luta  dos
Direitos  Civis  dos  negros  norte­americanos,  o  fim  da
segregação  racial  nas  escolas  federais  (Brown  v.  Board  of
Education  of  Topeka,  Kansas),  o  direito  de  consulência
advocatícia e de proteção do acusado, em casos criminais, em
face de abusos policiais.
      
 
 
III.
OS TRIBUNAIS POPULARES ELETIVOS,
I.E. TRIBUNAIS ELETIVOS DOS OPERÁRIOS, SOLDADOS
E CAMPONESES
DA REVOLUÇÃO DE OUTUBRO : ALTERNATIVA
REVOLUCIONÁRIA
À JUSTIÇA DE CLASSE BURGUESA E ÀS REFORMAS DO
PODER JUDICIÁRIO
 
 
 
O  surgimento  dos  tribunais  populares  eletivos,  i.e.  tribunais
eletivos dos operários, soldados e camponeses, no quadro da
Revolução  de  Outubro,  pode  ser  apenas  devidamente
compreendida  tendo­se  em  conta  a  perspectiva  doutrinária
marxista acerca do Estado.
Sendo assim, dedicamos os primeiros itens da presente parte,
à  exposiçao  do  significado  político­teórico  e  prático­social  do
Estado,  para  então,  a  seguir,  voltarmo­nos,  propriamente,  à
análise  da  gênese,  composição  e  funções  dos  tribunais  da
Revolução de Outubro.
 
II.A.
SURGIMENTO E SIGNIFICADO
DO ESTADO NA CONCEPÇÃO MARXISTA
 
 
Em sua obra intitulada A Origem da Família, da Propriedade
Privada  e  do  Estado,  Friedrich  Engels  teve  a  oportunidade
de  precisamente  assinalar,  desde  uma  perspectiva  histórico­
materialista,  que  o  Estado  é  um  produto  de  certa  sociedade
situada já em determinado estágio de desenvolvimento, o qual
a  conduz  a  uma  contradição  insolúvel,  em  razão  de
antagonismos inconciliáveis de classes inimigas que é incapaz
de eliminar.  
Para  que  esses  antagonismos  de  classe  não  distruam  o
organismo social em uma luta estéril, surge a necessidade de
um poder que se coloque, aparentemente, acima da sociedade
como  um  todo,  dela  se  distanciando  progressivamente,  cujo
mister  é  o  de  atenuar  e  manter  os  conflitos  de  classe  nos
limites da “ordem” : esse poder, segundo Engels,  é  o  Estado.
[86]

 
 
Na  concepção  marxista,  o  Estado  surge,  então,  como  um
poder para a dominação da classe economicamente mais forte,
um  instrumento  de  opressão  de  uma  classe  por  outra,  poder
esse  criador  de  uma  ordem  legalizadora  e  consolidadora  da
opressão de classe, destinada a moderar, a frear, a atenuar, os
[87]
conflitos entre as classes sociais.
 
 
A  classe  economicamente  dominante  adquire,  assim,  um
instrumento que lhe permite se tornar politicamente dominante,
mantendo submetidas e exploradas as classes oprimidas.
Um  dos  principais  sinais  distintivos  do  Estado  em  formação
passa a ser, então, segundo Engels, a instituição de uma força
pública  militar,  autônoma  e  especial,  que  não  coincide  mais
diretamente  com  a  população,  organizada  espontâneamente
enquanto poder armado.
Essa  força  militar  particular,  composta  por  destacamentos
especiais  de  homens  armados,  i.e.  exército  permanente  e
polícia,  tendo  à  sua  disposição  prisões,  institutos  penais  de
coerção  e  órgãos  de  burocracia  estatal  de  todos  os  gêneros,
passa a ser indispensável na medida em que a sociedade já se
encontra  divida  em  classes  sociais  hostis,  cujos  interesses
materiais,  insuscetíves  de  serem  conciliados,  não  permitem
mais  a  existência  de  uma  organização  armada  de  toda  a
população.
Além  disso,  a  formação  histórica  do  Estado  traz  como
característica  marcante  o  recolhimento  de  impostos  e  a
consolidação  de  uma  dívida  pública,  sendo  que  o
funcionalismo  estatal,  dotado  de  garantias  jurídicas  de
inviolabilidade, tende, cada vez mais, a emergir como um corpo
[88]
orgânico da sociedade situado acima da própria sociedade.
 
 
O Estado passa a ser, assim, o representante oficial de toda a
sociedade,  sua  síntese  em  um  corpo  visível,  porém  o  é
enquanto Estado da classe dominante que se apresenta por si
[89]
mesma como representante de toda a sociedade.
 
 
Assim  surgiu,  na Antigüidade,  o  Estado  dos  cidadãos  patrões
de escravos, na Idade Média, o Estado da nobreza feudal, no
nosso tempo, o Estado da burguesia.
Nesse preciso sentido, segundo Engels, não apenas o Estado
Antigo e o Estado Feudal eram instrumentos de exploração dos
escravos  e  servos,  mas  também  o  moderno  Estado
Representativo  Burguês  constitui­se  em  instrumento  para  a
exploração do trabalho assalariado por parte do capital :
 
“Na  República  Democrática”  –  observa  Engels  –  “a
riqueza  exercita  o  seu  poder  indiretamente,  mas  de
maneira tanto mais segura. Em primeiro lugar, através
da  corrupção  direta  dos  funcionários  (América),  em
segundo  lugar,  com  a  aliança  entre  governo  e  bolsa
[90]
(França e América).”    
 
 
 
Em conformidade com sua concepção histórico­materialista do
Estado,  Engels  assinalou  que,  tendo  havido  sociedades
primitivas  que  não  careceram  da  instituição  de  um  aparelho
estatal, o advento de um novo estágio de desenvolvimento da
produção social deveria fazer com que a existência das classes
sociais não apenas viesse a desaparecer, senão ainda que se
tornasse um autêntico obstáculo à produção comum.
Com  o  desaparecimento  dos  antagonismos  de  classe  e  o
surgimento  de  uma  associação  livre  e  igual  de  produtores,
deixaria  de  existir,  inelutavelmente,  o  Estado,  sendo  a  inteira
máquina estatal relegada ao museo da antigüidade, juntamente
[91]
com a roda de fiar e o machado de bronze.  
 
 
Tal processo pressupõe, entretanto, o apoderamento do poder
do  Estado  pelo  proletariado,  sua  transformação  em  classe
dominante,  sua  conquista  da  soberania  proletária  e,  em  um
primeiro momento, a conversão dos meios de produção social
em propriedade estatal.
Tal  apoderamento  significa,  precisamente,  portanto,  o
despedaçamento,  a  demolição,  die  Sprengung,  i.e.  a
explosão, a supressão, a extinção, o fazer saltar pelos ares do
Estado  Burguês  por  obra  da  revolução  proletária,  bem  como
sua  substituição  por  um  Estado  Proletário,  um  Estado  das
grandes massas oprimidas, i.e um Estado de novo tipo. 
Nesse  contexto  revolucionário,  a  substituição  do  Estado
Burguês  despedaçado  pelo  Estado  Proletário  não  é  possível
sem a violência empreendida no sentido do exercício da função
[92]
revolucionária do proletariado.
 
 
Tirando  a  conclusão  efetiva  dessas  premissas,  Karl  Marx
assinalou, então, em sua Crítica ao Programa de Gotha, que
entre  a  sociedade  capitalista  e  a  sociedade  comunista,  existe
um período de transformação revolucionária de uma em outra,
um  período  de  transição,  no  qual  o  Estado  não  poderia  ser
[93]
outro senão a Ditadura Revolucionária do Proletariado.
 
 
Emergindo  do  seio  do  capitalismo,  trazendo  os  vestígios  da
velha sociedade de cujo âmbito procede, essa Ditadura  pode
conduzir, segundo Marx, à primeira fase, i.e. à fase inferior do
comunismo, ou, como se diz comumente, ao socialismo.
Nessa  primeira  fase,  se  o  Direito  Proletário  passa  a  reger  as
relações  de  propriedade  dos  meios  sociais  de  produção,
consagrando  sua  estatização,  o  Direito  Burguês,  que
pressupõe  a  desigualdade  material  dos  homens,  segue
existindo como regulador no domínio da repartição dos bens de
consumo  e  necessários  à  vida,  segundo  o  seguinte  princípio
jurídico­burguês : “para  igual  quantidade  de  trabalho,  igual
[94]
quantidade de produtos”.
 
 
Assim, o socialismo não pode ainda realizar a justiça material e
a  igualdade  real,  na  medida  em  que  seguem  existindo  as
injustas diferenças de riqueza, embora não seja mais possível,
sob  seu  domínio,  perpetrar­se  a  exploração  capitalista  do
homem pelo homem.
Apenas  na  fase  mais  elevada  da  sociedade  comunista  ­  ou,
como se diz habitualmente, no quadro do comunismo ­, quando
resulta  eliminada  à  subordinação  do  homem  à  divisão  do
trabalho, bem como o contraste entre trabalho físico e trabalho
intelectual, deixando o trabalho de ser um meio de subsistência
para tornar­se a primeira necessidade de vida, apenas então o
horizonte do Direito Burguês pode ser totalmente superado no
domínio  da  repartição  dos  produtos  econômicos,  podendo  os
homens trabalharem para a sociedade sem qualquer Direito e
sem  qualquer  norma  jurídica,  segundo  o  seguinte  princípio
comunista de convivência social : “de cada um segundo sua
[95]
capacidade, a cada um segundo sua necessidade.”      
 
 
Procedendo dessa forma, o proletariado dá início, entretanto, a
um  processo  de  supressão  de  si  mesmo  enquanto  classe,
abrindo  a  perspectiva  de  abolição  de  toda  diferença  e
antagonismo  de  classe  e,  por  consegüinte,  de  extinção  do
Estado  Proletário  enquanto  tal  e,  por  consegüinte,  da
Soberania  proletária,  enquanto  forma  política  desse  Estado,
rumo a uma sociedade comunista.
No  curso  da  consolidação  da  sociedade  comunista,  já  não
existiriam  as  forças  burguesas  e  latifundiárias  a  serem
oprimidas,  que  tornam  indispensáveis  uma  força  repressiva
particular  exercida  contra  elas  pelas  grandes  massas
oprimidas,  i.e.  um  Estado  Proletário,  e  consequentemente  ­
acrescentamos  nós  ­,  na  medida  em  que  desaparecesem
progressivamente as diferenças de riqueza e as desigualdades
materiais,  seria  possível  caminhar­se  rumo  à  própria  extinção
de  toda  e  qualquer  forma  de  Direito  ou  fenômeno  jurídico­
normativo.  
Nesse  quadro,  o  primeiro  ato  com  o  qual  o  Estado  se
apresenta  efetivamente  como  autêntico  representante  de  toda
a  sociedade,  i.e.  através  da  tomada  de  posse  de  todos  os
meios  de  produção  em  nome  da  sociedade,  já  deve
representar,  segundo  Engels,  o  seu  último  ato  independente
enquanto Estado.
No  lugar  do  governo  sobre  as  pessoas,  tende  a  surgir  a
administração  sobre  as  coisas  e  a  direção  consciente  dos
[96]
processos produtivos.
 
 
Sendo  assim,  é  correto  afirmar  que  o  Estado  não  é  abolido  –
tal  como  o  afirmam  os  anarquistas,  porém  sim  que  ele  se
[97]
extingue.
 
 
III.B.
O ESTADO EM FACE DAS REVOLUÇÕES PROLETÁRIAS
 
 
 
Em  face  dessa  concepção  histórico­materialista  do  Estado,
cabe anotar que toda revolução proletária que logre abalar ou
destruir esse poder do Estado Burguês, já permite entrever que
a  classe  exploradora  dominante  pretenderá,  sempre  e
necessariamente,  desde  que  possível,  reconstruí­lo,  a  fim  de
poder  melhor  serví­la  em  seus  propósitos  de  dominação
política.
Nesse sentido, Karl Marx e  Friedriech  Engels  esforçaram­se
por  elaborar,  ao  longo  de  mais  de  cinqüenta  anos  de
investigações  revolucionárias,  uma  concepção  clara  e  precisa
das  tarefas  do  proletariado  revolucionário  em  face  do
fenômeno estatal. 
Já  em  sua  obra  a  Miséria  da  Filosofia,  produzida  entre
dezembro  de  1846  e  abril  de  1847,  Karl  Marx  afirmou  que  a
tarefa  central  da  classe  trabalhadora  seria  a  de  lutar  por
estabelecer  uma  associação  livre  e  igual  de  produtores  que
excluisse as classes sociais e seus antagonismos.
Uma vez estabelecida esse nova situação social, já deixaria de
existir o poder político propriamente dito, já que esse último é a
síntese  oficial  das  contradições  de  classes  na  sociedade  civil.
[98]

 
 
Com a publicação do Manifesto Comunista, escritos por Marx
e  Engels  em  novembro  de  1847,  resultou  nitidamente  claro
que  a  fase  geral  de  desenvolvimento  do  proletariado,
conduzida  no  quadro  de  uma  guerra  civil  mais  ou  menos
oculta, haveria de explodir em uma revolução aberta que teria
como  objetivo  a  derrubada  violenta  da  burguesia  e  o
[99]
estabelecimento de seu próprio domínio político proletário.
 
 
O primeiro passo da revolução proletária deveria ser, assim, a
elevação  do  proletariado  em  classe  dominante,  conquistando
sua  democracia,  servindo­se  de  sua  supremacia  política  para
arrancar  da  burguesia,  pouco  a  pouco,  todo  o  capital  e
concentrar  todos  os  instrumentos  de  produção  nas  mãos  do
novo Estado Proletário, i.e. do proletariado mesmo, organizado
enquanto  classe  dominante,  aumentando  com  a  máxima
rapidez possível a massa das forças produtivas.
Nesse  sentido,  o  Estado,  para  Marx  e  Engels,  no  quadro
irrupção  da  revolução  proletária,  seria,  pois,  o  próprio
proletariado  organizado  enquanto  classe  dominante  e
opressora  da  antiga  classe  exploradora  no  poder,  i.e.  a
burguesia.
Tratar­se­ia,  pois,  agora  de  um  Estado  em  via  de  extinção,
organizado de forma a ser colocado a serviço da repressão da
imensa maioria do povo contra a ínfima minoria dos modernos
escravistas, i.e. os proprietários fundiários e capitalistas, com o
objetivo  de  introdução  de  medidas  transicionais  rumo  a  uma
[100]
sociedade socialista.
 
 
Detalhando ainda mais precisamente sua concepção acerca do
Estado  em  face  da  revolução  proletária,  Karl  Marx  elaborou,
em sua obra o 18 Brumário de Luís Bonaparte, redigida entre
dezembro  de  1851  e  março  de  1852,  o  balanço  histórico  das
primeiras revoluções proletárias européias de 1848 a 1851.
Nessa sede, Marx  assinalou  que  a  revolução  do  proletariado,
trabalhando  metódica  e  progressivamente,  teria  empurrado,
inicialmente,  o  Poder  Legislativo  para  poder  derrubá­lo,
seguindo,  então,  imediatamente,  adiante  em  sua  luta  contra  o
Poder Executivo, a fim de reduzí­lo a sua expressão mais pura,
isolá­lo,  levantando­se  diante  desse  último  entrevisto  como  o
único  obstáculo,  concentrando  contra  ele  todas  as  forças  de
[101]
destruição da revolução.    
 
 
A partir daqui, passou a tornar­se mais claro o posicionamento
de  que  as  revoluções  do  proletariado  deveriam  destruir,
despedaçar,  demolir  a  máquina  estatal  burguesa,  o  poder  do
Estado Burguês.
Esse  ponto  decisivo  da  revolução  proletária,  Lenin  viria  a
considerar,  posteriormente,  como  o  traço  prinicipal  e
fundamental  da  doutrina  de  Marx  sobre  o  Estado  (glavnoe,
ocnovnoe v utchenii marksizma o gosudarstve), traço esse
plenamente  desnaturado  e  esquecido  pelos  teóricos  sociais­
[102]
democrátas mais célebres da II Internacional.
 
 
Em  sua  carta  de  5  de  março  de  1852,  dirigida  a  Joseph
Weydemeyer,  Marx  assinalou,  então,  que  sua  contribuição
particular  e  inovadora  para  a  doutrina  da  luta  de  classes  foi,
efetivamente,  o de esclarecer que, estando as classes sociais
ligadas a determinadas fases de desenvolvimento histórico da
produção  econômica,  a  luta  travada  entre  elas  haveria  de
conduzir,  inevitavelmente,  à  Ditadura  Revolucionária  do
Proletariado,  entendida  essa  última  tão  somente  como  uma
passagem  rumo  à  supressão  de  todas  as  classes  e  o
[103]
estabelecimento de uma sociedade sem classes.
 
 
Tal  colocação  destacou,  claramente,  a  imprescindibilidade  de
edificação de um Estado democrático de novo gênero – i.e. um
Estado  para  os  proletários  e  não  para  os  proprietários
capitalistas  em  geral  ­,  e,  essencialmente,  ditatorial  de  novo
gênero,  para  o  abatimento  e  a  aniquilação  completa  da
[104]
burguesia.
 
 
Na  Comuna  de  Paris,  Karl  Marx  entreviu,  a  seguir,  uma
experiência  histórica  de  incomparável  relevância,  a  primeira
tentativa de revolução proletária voltada à destruição do Estado
Burguês,  um  passo  adiante  na  revolução  proletária  mundial,
um  passo  muito  mais  significativo  do  que  uma  centena  de
programas e de formulações teóricas.
A  luta  revolucionária  da  Comuna  justificou  a  única  grande,
profunda  e  essencial  alteração,  empreendida  conjuntamente
por  Marx  e  Engels,  em  sua  doutrina  dialético­materialista
sobre o Estado, tendo como base a experiência revolucionária
dos communards parisiens, a qual foi incorporada, em 24 de
junho de 1872, à nova edição alemã do Manifesto do Partido
[105]
Comunista.
 
 
Segundo  Marx  e  Engels,  esse  manifesto  havia  resultado
envelhecido  no  preciso  e  particular  aspecto  de  que  a  classe
operária  não  se  poderia  limitar  a  apenas  apoderar­se,  pura  e
simplesmente,  de  uma  máquina  estatal  já  pronta  e  colocá­la
em movimento para os seus próprios fins : seria indispensável
para o proletariado precisamente despedaçar, i.e. zerbrechen,
a  máquina  militar  e  burocrática  do  Estado,  sendo  essa  a
condição  preliminar  de  toda  e  qualquer  revolução  proletária  e
[106]
popular.
 
 
Entretanto,  a  experiência  da  Comuna  de  Paris  concedeu  a
Marx e Engels a possibilidade de estudarem abrangentemente
um  novo  e  grandioso  processo  revolucionário  proletário  em
curso,  conduzindo­os  a  sintetizarem  suas  conclusões  na  obra
redigida por Marx em abril e maio de 1871, intitulada a Guerra
[107]
Civil na França.
 
 
Nessa sua obra, Marx assinalou que a Comuna de Paris foi a
antítese  direta  do  Estado  Imperial  Francês,  a  forma  positiva
de  uma  República  que  não  apenas  havia  de  eliminar  a  forma
monárquica  do  domínio  da  classe  burguesa,  senão  ainda  o
[108]
próprio domínio burguês de classe.
 
 
A  Comuna  de  Paris  substituiu,  portanto,  a  máquina  estatal
burguesa  que  havia  despedaçado,  com  uma  democracia
republicana  proletária  de  índole  socialista­revolucionária  e
internacionalista, com instituições públicas baseadas, portanto,
sobre princípios organizativos inteiramente diversos.
O  Estado  Burguês  foi  transformado  em  qualquer  coisa  que  já
não  era  propriamente  um  Estado,  i.e.  tratava­se  de  um  certo
Estado  porém  do  tipo  de  Comuna,  segundo  Engels,  algo
como  um  Gemeinwesen,  estando  dotado  agora  da  tarefa  de
reprimir  a  resistência  permanente  de  uma  ínfima  minoria  de
[109][110]
exploradores burgueses­capitalistas.  
 
 
Segundo Marx, o primeiro decreto da Comuna foi a supressão
do exército permanente e a sua substituição pelo povo armado,
i.e. por uma força geral da maioria do povo – dos operários e
camponeses  ­,  e  não  mais  uma  força  particular  colocada  a
serviço da classe economicamente exploradora.
A  polícia  foi  despida  de  suas  atribuições  político­burguesas  e
transformada  em  um  instrumento  da  Comuna,  sendo  o
mandato de seus membros revogáveis a qualquer tempo.  
A  Comuna  foi  composta  por  conselheiros  municipais  eleitos
por  sufrágio  universal  nos  diversos  departamentos  de  Paris,
sendo seus representantes naturalmente operários, dotados de
mandatos revogáveis.
O mesmo afirmou Marx ter sido válido para os funcionários de
todas os demais ramos da administração pública.
Todos  os  funcionários  judiciários  foram  despidos  de  sua
sediciosa  independência,  devendo  prestar  contas  à  Comuna
de suas atividades jurisdicionais.
Juízes,  procuradores  e  demais  funcionários  judiciários
passavam  agora  a  dever  ser  eleitos,  estando  seus  mandatos
sujeitos à revogação a qualquer tempo.
Nesse  quadro  de  absoluta  elegibilidade  e  revogabilidade  a
qualquer  momento  de  todos  os  funcionários  communards,
sem  qualquer  exceção,  todos  os  cargos  do  serviço  público
haviam de ser prestados na base de salários de operários.
Destruindo­se,  assim,  as  duas  maiores  fontes  de  despesas
estatais  burguesas  –  i.e.  as  despesas  com  o  funcionalismo
estatal  e  o  exército  permanente  –  a  Comuna  concretizou,
efetivamente,  as  frases  publicitárias  propagandeadas
incansavelmente pela burguesia relativas a um governo barato
[111]
e à redução dos gastos públicos.
 
 
Mais do que isso : a Comuna deixou de ser um Parlamento de
Estado  e  assumiu  a  forma  de  um  órgão  efetivamente  de
trabalho, legislativo e executivo ao mesmo tempo, fortalecendo
a  unidade  nacional  e  a  liberdade  municipal  local,  contra  as
[112]
tendências federalistas.
 
 
Assim,  a  Comuna  apresentou,  concretamente,  a  via  para
suprimir  os  sistemas  de  governo  parlamentaristas  e
presidencialistas, venais e corruptos, demontrando que não se
tratava  de  destruir  as  instituições  representativas  e  a
elegibilidade,  mas  de  transformá­las  em  organismos  de
trabalho efetivo, i.e. em orgarnismos não de debates acerca de
ilusões políticas e de engôdos populares, mas sim de trabalho
revolucionário  proletário,  concentrando  em  suas  mãos  as
atividades  efetivas  relacionadas  com  o  exercício  de  funções
executivas  de  administração,  controle,  registro,  supervisão,
[113]
contabilidade etc.
 
 
Escrevendo sobre a Comuna de Paris, Marx enfatisou :
 
“O  seu  verdadeiro  segredo  foi  este:  a  Comuna  foi  um
governo da classe operária, o produto da luta da classe
dos  produtores  contra  a  classe  apropriadora,  a  forma
política  finalmente  descoberta,  na  qual  se  podia
cumprir  com  a  emancipação  econômica  do
[114]
trabalho.”
 
 
A  seguir,  no  quadro  do  surgimento  dos  Estados  Burgueses
Imperialistas, Lenin observou  que  os  armamentos  estatais  de
terra  e  de  mar  haviam  sido  reproduzidos  em  proporções
inacreditáveis  em  todos  os  países  do  globo,  sendo  que  a  I
Guerra  Mundial  Imperialista  travada  para  a  definição  do
domínio da Inglaterra ou da Alemanha sobre o mundo e para a
repartilha das colônias entre elas e seus associados, conduziu
à  formação  de  poderes  estatais  vorazes,  que  ameaçavam
engolir todas as forças da sociedade.
O  imperialismo  enquanto  época  do  capital  financeiro  e  dos
grandes  monopólios  capitalistas,  época  na  qual  o  capitalismo
monopolista  se  transforma  em  capitalismo  monopolista  de
Estado,  determinou  a  extraodinária  consolidação  da  máquina
de  repressão  estatal  burguesa,  bem  como  o  inaudito
crescimento  de  seu  aparelho  militar  e  burocrático  para
acentuar  a  opressão  do  proletariado  em  todos  os  países  do
[115]
mundo.
 
 
Diante  desses  fatos,  Lenin,  em  O  Estado  e  a  Revolução,
escrito  em  agosto  de  1917,  assinalou  que,  com  a  deflagração
da I Guerra Mundial Imperialista, a reserva de Marx,  contida
no  18  Brumário  de  Luis  Napoleão,  concernente  a
necessidade  de  despedaçamento  da  máquina  militar  e
burocrática  do  Estado  Burguês  apenas  no  quadro  das
revoluções proletárias do continente Europeu, também estava,
essencialmente, envelhecida.
A  Inglaterra  e  os  EUA,  últimos  representantes  da  liberdade
anglo­saxônica ­ consagradora da ausência de um militarismo
e  de  uma  burocracia  administrativa  já  existente  nos  Estados
Burgueses  da  Europa  Continental  ­,  haviam  emergido  as
mesmas  instituições  militaristas  e  burocráticas  características
da violenta dominação burguesa.
A  partir  de  então,  a  condição  preliminar  de  toda  e  qualquer
revolução  proletária  nesses  dois  países  passava  a  ser,
igualmente,  a  ruptura  e  destruição  de  suas  máquinas  estatais
burguesas  engendradas  para  reprimir  as  classes  subalternas
[116]
violentamente.
 
 
Tal  contexto,  coloca,  em  escala  incomparavelmente  mais
ampla,  a  atual  tarefa  de  concentração  de  todas  as  forças  da
revolução  proletária  para  a  destruição  do  poder  dos  Estados
Burgueses Imperialistas da atualidade.
 
 
III.C.
O ESTADO PROLETÁRIO
E OS TRIBUNAIS POPULARES ELETIVOS,
I.E. TRIBUNAIS ELETIVOS DOS OPERÁRIOS, SOLDADOS
E CAMPONESES
DA REVOLUÇÃO DE OUTUBRO
 
 
No  quadro  da  Revolução  de  Outubro  de  1917,  o  Partido
Bolchevique,  fundando­se  na  concepção  de  Marx  e  Engels
acerca do Estado, procurou aplicar, na prática, o programa de
demolição e despedaçamento do Estado Burguês­Latifundiário,
encabeçado por Kerensky, lutando pela edificação de um novo
poder proletário e camponês, revolucionário e internacionalista,
baseado  na  força  militar  dos  trabalhadores  armados  e  no
[117]
impulsionamento de medidas de transição ao socialismo.
 
 
Esse  novo  poder  proletário  e  camponês  encontrou  sua  forma
de  dominação  política  proletária­ditatorial  nos  Soviets  dos
Deputados  dos  Operários,  Soldados  e  Camponeses,
constituídos  como  veículos  da  ditadura  de  milhões  e  milhões
de  trabalhadores  e  explorados,  conclamados  a  participar
voluntariamente  nas  execuções  das  tarefas  de  direção  e
administração do Estado.
O  novo  Estado  Soviético,  encabeçado  por  Lenin,  pretendeu
organizar a grande indústria e toda a economia nacional russa,
situadas  em  um  estágio  de  desenvolvimento  relativamente
atrasado,  partindo  daquilo  que  o  capitalismo  russo  já  havia
precedentemente  criado,  para  então,  a  partir  daí,  lançar  as
bases  de  uma  disciplina  proletária  rigorosa  forjada  nas
experiências  revolucionárias  proletárias  havidas
[118]
precedentemente no continente europeu.
 
 
Nesse  sentido,  a    Revolução  de  Outubro  inspirou­se,
particularmente,  nos  ensinamentos  da  Comuna  de  Paris,
sobretudo  no  campo  de  organização  do  poder  soviético,
aspirando,  entretanto,  ao  fortalecimento  proletário­ditatorial
desse  poder,  de  modo  a  lograr  reprimir  completamente  a
poderosa  resistência  burguesa  contra­revolucionária,
manifestada  militarmente  em  escala  nacional  e  internacional,
bem  como  almejando  o  aniquilamento  da  exploração  do
homem pelo homem e divisão da sociedade em classes hostis.
[119]

 
 
Segundo  Lenin,  teria  sido,  com  efeito,  necessário  que  a
Comuna de Paris houvesse cumprido, com mais rigor, a tarefa
de  quebra  da  resistência  burguesa,  e  por  não  tê­lo  feito  com
suficiente  resolução  determinou  a  causa  de  sua  própria
[120]
derrota.
 
 
Nas  palavras  de  Trotsky,  tratava­se  de  edificar  um  Estado
[121]
forte, sem Mandarins, um poder armado sem Samurais.
 
 
No  que  concerne  à  política  bolchevique  em  face  do  Poder
Judiciário  Russo,  a  orientação  de  destruição  e
desbaratamento  da  Justiça  Burguesa  surgia,
conseqüentemente,  como  parte  integrante  inseparável  do
objetivo  estratégico  de  demolição  do  Estado  Burguês­
Latifundiário Russo em seu conjunto.
Acerca  do  antigo  Poder  Judiciário  Russo,  totalmente
destroçado  com  a  Revolução  de  Outubro,  Stutchka  teve  a
ocasião  de  escrever  em  seu  célebre  artigo  Tribunal  Velho  e
Novo, publicado em 3, 4 e 5 de janeiro de 1918 no Pravda de
Petrogrado :  
 
“Na realidade, o Tribunal constituia, depois do exército
permanente  e  da  polícia  burocrática,  a  mais  sólida
defesa do sistema burguês­fundiário.
Sob o ângulo de uma pretensa defesa do Direito e da
justiça, o Poder Judiciário, dito independente do Estado
Burguês, representava, entretanto, o mais sólido órgão
do  sistema  capitalista  e  dos  interesses  das  classes
possuidoras.
Não  apenas  porque  os  tribunais  eram  agentes  diretos
do  Estado  e  do  poder  estatal,  instrumentos  de
assujeitamento  das  classes  oprimidas,  mas  também
porque  eles,  por  sua  situação  social,  pertenciam  à
classe dos opressores.
Eles  entendiam  o  Direito  e  a  justiça,  bem  como  a
liberdade  e  a  igualdade,  tal  como  os  declaravam  os
[122]
interesses da sua classe.”   
 
A  Revolução  de  Outubro,  impulsionada  pelos  Sovietes  de
Trabalhadores,  Soldados  e  Camponeses,  sob  a  direçao
política do Partido Bolchevique, culminou com a supressao, o
despedaçamento,  a  aniquilaçao  violenta  do  Estado  Burguês­
Latifundiário Russo, e, por consegüinte, também de seu Poder
Judiciário,  com  o  objetivo  de  dar  início  ao  processo  de
transformaçao dos meios sociais de produçao em propriedade
estatal,  dirigido  por  novas  instituiçoes  proletárias  e
camponesas.
Nesse  contexto,  Stutchka  expressou,  da  seguinte  forma,  a
concepçao  dos  revolucionários  bolcheviques  de  Outubro
acerca do significado da doutrina da divisao dos poderes :
 
“O  princípio  da  divisao  dos  poderes  tem  para  nós,
como para a vida real, valor apenas de um princípio de
divisao técnica do trabalho.
O poder, no caso concreto o poder soviético, deve ser
naturalmente  um  poder  unitário  que  inclua  em  si
mesmo  seja  o  Poder  Legislativo,  seja  o  Poder
Executivo, seja, enfim, o Poder Judiciário.
Estamos  em  favor  de  um  poder  popular  e,  na  nossa
República,  esse  poder  popular  concretiza­se  apenas
nos  Soviets  dos  Deputados  dos  Operários,  dos
[123]
Soldados e dos Camponeses.”
 
Nesse  contexto,  teve  lugar,  em  22  de  novembro  (5  de
dezembro) de 1917, sob o governo de Lenin, a emanação do
primeiro  ato  normativo  do  Estado  Soviético  concernente  à
organização judiciária.
Promulgado  sob  a  forma  de  um  decreto  acerca  dos  tribunais,
estabelecido e assinado pelo Conselho dos Comissários do
Povo  –  integrado  à  época  por  Lenin,  Schlichter,  Trotsky,
Schliapnikov,  Stálin,  Avilov  e  Stutchka  ­,  esse  primeiro  ato
normativo  passou  a  ser  conhecido,  historicamente,  como  o
[124]
Decreto Nr. 1 sobre o Tribunal.
 
 
A  redação  de  tal  decreto  contou  com  um  primeiro  projeto
redigido por P. I. Stutchka e M. J. Kotslovskii, e era composto
por uma introdução e nove artigos. Sob a influência de Lenin,
o projeto em questão foi, a seguir, modificado  algumas partes.
O  Decreto  Nr.  1  sobre  o  Tribunal  aboliu  integralmente,  em
seu Art. 1°, os velhos órgãos judiciários em funcionamento no
quadro  dos  regimes  czarista  e  burguês  de  Kerensky,
instituindo  novos  tribunais  populares  eletivos,  em  cujo  âmbito
os mandatos dos juízes eleitos nos Soviets eram revogáveis a
qualquer tempo.
Com  efeito,  o  Art.  1°  do  Decreto  Nr.  1  sobre  o  Tribunal  em
tela dispôs expressamente :
 
“O Conselho dos Comissários do Povo decreta :
1.)  Suprimir  as  instituições  judiciárias  em  geral,
existentes  até  o  presente  momento  :  os  tribunais
regionais,  as  câmaras  judiciárias  e  o  Senado  de
Governo  com  todos  os  seus  departamentos,  os
tribunais de guerra e de marinha dotados de todos
os  nomes,  e  também  os  tribunais  comerciais,
substituindo todas essas instituições por tribunais
formados  na  base  de  eleições  democráticas.
[125]
(...)”
 
 
 
Apresentamos, a seguir, os traços essenciais do novo sistema
judiciário eletivo instituído pela Revolução de Outubro :
 
I.
A  Revolução  de  Outubro  suprimiu,  em  primeiro  lugar,  o
Senado  de  Governo  (Provitelstvennyi  Senat),  órgão
honorário, instituído por Pedro I,  em  1711,  enquanto  suprema
instância  judiciária,  administrativa  e  de  supervisão  do  Poder
Judiciário  Russo,  que,  em  fins  do  século  XIX,  se  tornou  o
órgão  judiciário  supremo  competente  pelo  julgamento  de
[126]
delitos cometidos contra o Estado.
 
 
Os membros desse Senado de Governo eram, anteriormente,
escolhidos  pelo  Czar  entre  os  altos  funcionários  do  Estado
Absolutista Russo.
A  Revolução  de  Fevereiro  de  1917  manteve,
substancialmente,  intacto  esse  supremo  órgão  supremo
jurisdicional russo.
O Senado de Governo, afirmando situar­se acima da política,
não  hesitou,  entretanto,  em  declarar  a  legitimidade  do  novo
poder  de  Estado  surgido  com  a  Revolução  de  Fevereiro  de
1917,  por  contar  esse  último  com  a  investidura  do  poder
supremo do Czar Nicolau II, e proclamar, a seguir, tratar­se a
Revolução de Outubro de 1917 de um infâme delito.
Suprimido o Senado de Governo, os dirigentes da Revolução
de Outubro consideraram altamente desnecessário instituir um
novo  órgão  central  de  uniformização  da  interpretação  e  de
controle judiciário das normas jurídicas soviéticas.
Segundo bem assinalou Stutchka acerca desse tema :
 
“Em  princípio,  consideramos  supérflua  a  existência  de
um  órgão  central  de  controle  e  interpretação
uniformizadora  das  leis  e,  em  última  instância,  bater­
nos­emos, com todas as forças, contra a instituição de
um  Senado  do  tipo  da  Suprema  Corte  dos  EUA,
competente  até  mesmo  para  julgar  a
[127]
constitucionalidade dos atos legislativos.”  
 
 
Ao  longo  do  ano  de  1918,  passou­se,  então,  a  cogitar­se
acerca  da  criação  provisória  de  um  Tribunal  Supremo
(Vysschii  Sud)  composto  por  especialistas  eleitos  nos
Soviets,  dotado  apenas  de  limitada  competência  recursal
máxima,  porém  jamais  revestido  da  função  de  realizar  o
controle de constitucionalidade das normas jurídicas soviéticas.
[128]
 
 
II.
A Revolução de Outubro promoveu, além disso, a supressão
(unichtojenia)  também  de  todos  os  órgãos  e  instâncias
judiciárias  inferiores,  i.e.  tribunais  e  varas  judiciárias,
considerando­os  como  andares  subalternos  do  aparato
judiciário em cujo vértice localizava­se o Senado de Governo.
Por  consegüinte,  todos  os  juízes  do  antigo  Poder  Judiciário
Russo  foram  afastados,  ainda  que  se  reconhecesse  existir
entre  eles  certos  especialistas  capazes  e  sinceramente
[129]
dedicados à causa da Revolução de Outubro.
 
 
III.
Nesse  mesmo  sentido,  resultaram,  igualmente,  abolidos  os
Tribunais  de  Paz  (Mirovoi  Sud),  cujos  magistrados  eram
extraídos  de  eleição  indireta  realizada  na  antiga  Duma  de
Petrogrado.
Segundo  Stutchka,  nenhum  dos  juízes  desses  tribunais
resolveu­se  a  cumprir  com  seus  deveres  após  a  eclosão  da
[130]
Revolução de Outubro.
 
 
IV.
No  lugar  dos  tribunais  burgueses  abolidos,  surgiu,  então,  o
Tribunal Popular Eletivo (Vybornyi Narodnyi Sud), formado
por  integrantes  das  fileiras  dos  proletários  e  dos  camponeses
revolucionários.
A  esse  Tribunal  competia  o  exame  de  relações  humanas
[131]
costumeiras e comuns.
 
 
Nesse  contexto,  foram  instituidos  os  Tribunais  Locais
(Mestnyie  Sudi)  enquanto  instâncias  inferiores,  situadas
próximas  das  necessidades  das  populações  da  periferia,
devendo  compor­se  sempre  de,  no  mínimo,  três  juízes  eleitos
diretamente  nos  Soviets  –  com  possibilidade  de  ampliação
para  nove  ou  doze  juízes,  na  medida  em  que  as  condições
econômico­financeiras  o  viessem  a  permitir  em  um  futuro
próximo.
Desses três juízes eleitos, um deles surgia como um juiz local
permanente (postoiannyi  mectnyi  sudia),  dotado,  porém,  de
mandato  revogável  a  qualquer  tempo,  sendo  os  outros  dois
assistentes  ordinários  (dve  otcherednyie  zasedatieliei),
propostos  em  cada  sessão  judiciária  segundo  lista  especial
[132]
existente nos tribunais ordinários.
 
 
Na  medida  em  que  se  tratavam  de  juízes  eleitos  e  revestidos
de mandatos revogáveis a qualquer tempo, todos eles estavam
compromissados  a,  desde  que  necessário,  prestarem  contas
de suas atividades e eram responsáveis perante os Soviets.
De início, o valor de alçada dos julgamentos civis efetuados por
esses tribunais locais não podia ultrapassar o valor máximo de
3.000  mil  rublos  e  sua  competência  permitia­lhes  fixar  tão
somente penas de privação da liberdade não superiores a dois
[133]
anos.
 
 
Para  causas  mais  complexas  e  economicamente  mais
valiosas,  previu­se,  então,  inicialmente,  a  criação  de  um
Tribunal  Regional  Eletivo  (Vyibornyi  Okrujnyi  Syd)  e,  para
aquelas  concernentes  a  delitos  penais  mais  graves,  um
Tribunal  de  Jurados  Populares  (Sud  Narodnyrr
Zacedatelei),  sendo  esse  último  integrado  apenas  por
operários  e  camponeses.  Tanto  o  primeiro  como  o  segundo
desses  tribunais  deveriam  representar,  ainda,  as  instâncias
inferiores  de  uma  instância  especial  de  cassação,  composta
por  juízes  escolhidos  entre  os  membros  eleitos  dos  tribunais
regionais,  organizada  essa  última  não  em  nível  nacional,  mas
[134]
sim em escala regional.   
 
 
Os  Tribunais  Locais  eram  desprovidos  de  especialistas  e
compostos massivamente por operários e soldatos eleitos nos
Sovietes,  particularmente  porque  os  juristas  burgueses  não
pretenderam apresentar suas candidaturas.  
De toda sorte, os dirigentes da Revolução de Outubro partiam
do  princípio  de  que  se  as  normas  jurídicas  fossem
compreendidas  apenas  por  juristas  especialistas  seriam,  em
verdade,  lamentáveis  e  gravemente  deficientes,  contrastando
notoriamente  com  a  consciência  revolucionária  do  Direito.
[135]

 
 
Em  causas  jurídicas  que  requeriam  uma  compreensão
intelectual  inacessível  aos  juízes  populares  eletivos  de
determinado  Tribunal  Local,  previa­se,  entretanto,  a
possibilidade de convocação de especialistas técnicos.
Em  relação  aos  Tribunais  Locais,  a  instância  superior  era
constituida  pelo  Conselho  de  Juízes  Populares  (Soviet
Narodnyirr  Sydiei),  composto  em  número  não  inferior  a  três
juízes.
Em essência, esse tribunal superior funcionava como um órgão
de  cassação,  em  casos  limitados,  abrogando  sentenças
prolatadas  pelos  tribunais  locais,  na  medida  em  que  existisse
eventualmente  flagrante  injustiça  em  determinado  julgamento
ou  violações  substanciais  do  Direito  da  Revolução  de
Outubro.
Sendo  assim,  o  Conselho  de  Juízes  Populares  não  possuia
competência  para  pronunciar  nova  sentença  nos  casos
precedentemente julgados, embora pudesse, em casos penais,
diminuir a pena imposta ou mesmo declarar a absolvição.
Nesse  sentido,  o  Art.  2  do  Decreto  Nr.  1  sobre  o  Tribunal
estabeleceu,  de  maneira  cristalina,  que  as  sentenças  e  as
decisões  prolatadas  pelos  Tribunais  Locais  eram  definitivas,
não  existindo  possibilidade  de  impugná­las  através  do
mecanismo  de  apelação  (i.e.  v  apeliatsionnom  poriadke)  às
[136]
instâncias superiores.
 
 
V.
Em  conformidade  com  esse  quadro,  resultou  abolida,
igualmente, a Procuradoria do Estado (Sledstvennaia Vlast),
concebida  pelos  revolucionários  de  Outubro  enquanto  dócil
instituição  monopolizadora  das  atividades  inquisitoriais  da
fazenda  pública,  composta  por  jovens  instrutores  judiciários
[137]
carreiristas.
 
 
Em  seu  lugar,  surgiu,  provisoriamente,  uma  instrutoria
preliminar  para  questões  criminais  (predvaritelnoe  sledstvie
po  ygolovnym  delam),  situada  mais  nas  proximidades  do
povo  oprimido  e  confiada  ao  exercício  dos  Tribunais  Locais,
considerados esses últimos como muito mais conhecedores da
[138]
vida social de uma circunscrição territorial em específico.
 
 
VI.
Destruiu­se, igualmente, o velho monopólio burguês­estatal da
Promotoria  do  Estado  (Obvinitelia),  única  interessada  em
impulsionar  as  acusações  criminais  no  interesse  da  opressão
das classes exploradoras.
Suas funções foram confiadas a todas instituições públicas e a
todos  cidadãos,  tornados  agora  livres  para  cumprir  os  papéis
de  acusadores  e  defensores  (v  roli  obvinitelei  i
zaschschitinikov)  de  todas  pessoas  privadas  e  funcionários
do  novo  Estado  revolucionário  junto  aos  tribunais  populares
[139]
locais, relativamente a qualquer delito imaginável.
 
 
VII.
A  Revolução  de  Outubro  suprimiu  ainda  a  livre  profissão  da
Advocacia  (Svobodnoia  Professia  Advokatura),  e,  nesse
sentido,  tanto  as  ordens  da  Advocacia  Juramentada
(Priciajnoi Advokatur) quanto  as  associações  de  Advocacia
Particular  (Tchastnoi  Advokatur),  tendo­se  em  conta  que  o
processo de nivelamento dos grandes e pequenos rendimentos
não poderia deixar intacto o estamento privilegiado dos juristas.
No  período  posterior  à  Revolução  de  Outubro,  os
profissionais  liberais  do  Direito  revelaram­se,  quase  sem
exceção, como um inimigo de classe do governo dos operários,
soldados e camponeses. 
[140][141]

 
 
VIII.
Cumpria  aos  Soviets  de  Deputados  Operários,  Soldatos  e
Camponeses  indicar,  adicionalmente,  comissários  populares
especiais  para  a  Justiça,  responsáveis  pela  custódia  de
arquivos  ­  elaborados  sob  sua  direção  ­,  bem  como
encarregados  da  preservação  do  patrimônio  das  instituições
[142]
judiciárias.  
 
 
IX.
Além  disso,  a  Revolução  de  Outubro  rechaçou,
categoricamente, o conceito jurídico­burguês de delito político,
porém  não  renunciando  a  combater,  a  ferro  e  fogo,  a  contra­
revolução em todas as suas formas fenomênicas.
Assim, criando especialmente Tribunais Revolucionários dos
Operários  e  Camponeses  (Rabothie  i  Krestianskie
Revoliutsionnyi  Tribunal),  os  revolucionários  de  Outubro
afirmaram, precisamente, que não se os estava instituindo para
o apenamento de delitos políticos, mas sim para a organização
da  luta  contra  as  forças  contra­revolucionárias,  mediante
medidas  de  defesa  da  revolução  e  de  suas  conquistas  (dlia
borbi protiv kontrrevolutsionnyirr sil v vidarr priniatia mer
[143]
orhranitchenia ot nirr revolutsionii i eio zavoevanii).
 
 
Esses  Tribunais  Revolucionários  eram  compostos  por  um
presidente  e  seis  assistentes  ordinários,  eleitos  nos  Soviets
das cidades ou das regiões.
Concebidos  enquanto  instrumentos  de  luta  contra  as  forças
contra­revolucionárias,  esses  tribunais  representavam  órgãos
de  instrução  pública,  dotados  de  funções  de  denúncia  e  de
punição. 
Eles haveriam de conformar uma instituição típica da época de
transição, sendo que a própria contra­revoluçao determinaria o
[144]
grau de severidade da repressão e do terror proletários.
 
 
X.
Se  o  projeto  original  de  Stutchka  e  Kotslovskii  postulava  a
proibição  de  os  tribunais  inferiores  das  localidades  aplicarem
leis  promulgadas  pelos  governos  derrubados,  a  redação  final
do decreto em questão, adotando o posicionamento de Lenin,
consagrou,  em  seu  artigo  5°,  o  princípio  de  que  essas  leis
podiam ser por eles aplicadas desde que não houvessem sido
expressamente  abrogadas  pelos  novos  decretos  da
Revolução  de  Outubro  e  não  contradissessem  a  moral
revolucionária  (i.e  revoliutsionoe  sovest)  e  a  consciência
revolucionária  do  Direito  (i.e.  revoliutsionnoe
[145]
pravosoznanie).
 
 
Nesse sentido, dispôs expressamente o Art. 5° em destaque :
 
“5.) Os tribunais locais decidem os casos em nome
da República Russa, aplicando em suas decisões e
sentenças  as  leis  dos  governos  derrubados  tão
somente  quando  essas  não  tiverem  sido  abolidas
pela  revolução  e  não  contradigam  a  moral
revolucionária  e  a  consciência  revolucionária  do
Direito”.
 
Por  obra  direta  de  Lenin,  acrescentou­se  minuciosamente  a
esse Art. 5 em referência uma glosa, na forma de um parágrafo
explicativo, explicitando­se da seguinte forma :
 
“Observação.  Como  abolidas  são  consideradas
todas  as  leis  que  contradigam  os  decretos  do
Comitê  Executivo  Central  dos  Soviets  de
Deputados Operários, Soldatos e Camponeses e os
decretos  do  Governo  Operário  e  Camponês,  bem
como  o  programa  mínimo  do  Partido  Social­
Democráta  da  Rússia  e  do  Partido  Social­
[146]
Revolucionário.”  
   
 
Esse  contexto  condizia  com  o  fato  de  que,  no  período
imediatamente  posterior  à  Revolução  de  Outubro,  inexistia
um  Direito material  revolucionário  sistematicamente  positivado
que pudesse orientar os novos tribunais populares eletivos.
Nesse  mesmo  sentido,  os  revolucionários  de  Outubro
entendiam  que  seria  de  toda  forma  absurdo  sonhar  com  uma
estabilidade  da  legislação  escrita  em  um  momento  de  tão
grandes abalos político­sociais.
Nesse  sentido,  Lenin  teve  a  oportunidade  de  observar,  no  V.
Congresso  dos  Sovietes  de  Deputados  Operários,
Soldados  e  Camponeses  de  Toda  Rússia,  de  4  a  10  de
Julho de 1918 :
 
“Porém,  realmente  lamentável  é  o  revolucionário  que,
no  momento  da  mais  dura  luta,  respeita  a
inviolabilidade da lei.
As  leis  possuem  em  um  período  de  transição  apenas
um  significado  provisório.  E  se  uma  lei  entrava  o
desenvolvimento da revolução, ela deve ser abolida ou
[147]
aprimorada.”
 
 
Dando  especial  ênfase  ao  sentido  e  ao  significado  da  moral
revolucionária  e  da  consciência  revolucionária  do  Direito
no  contexto  de  um  período  transitório  de  transformações
revolucionárias,  em  que  o  Estado  assume  a  forma  de  uma
ditadura  revolucionária  do  proletariado,  Lenin  destacou,  em
março de 1919 :
 
“Quando a Revolução de Outubro derrubou os velhos
burocrátas,  pode  fazê­lo  porque  ela  havia  criado  os
Soviets.
Ela  repudiou  os  velhos  juízes  e  transformou  o  tribunal
em um tribunal popular.
Porém, um tribunal pode­se facilmente criar.
Para tanto não se carece do conhecimento das velhas
leis.
É  necessário  apenas  deixar  se  levar  pelo  sentimento
da justiça.
Nos  tribunais,  o  burocratismo  foi  fácil  de  ser
[148]
liquidado.”
 
 
Permanentemente  preocupado  em  fixar  os  fundamentos  do
novo Direito Proletário Revolucionário, Lenin, dirigindo­se a
Kurski,  Comissário  do  Povo  da  Justiça  que  substitui
Stutchka,  demonstrou  compreender  profundamente  a
essência  do  Direito  Burgûes,  sabendo  apontar,  com
perspicácia, uma alternativa concreta capaz de superá­lo :
 
“Nós nao reconhecemos nada de “privado”.
Para nós, tudo, no domínio da economia, é de natureza
jurídico­pública, e não privada.
Permitimos apenas o capitalismo de Estado.
Conseqüentemente,  devemos  fazer  uso  ampliado  da
ingerência  estatal  nas  relações  “jurídico­privadas”,
alargando  o  Direito  do  Estado  de  dissolver  contratos
“privados”.
No  que  concerne  às  “relações  de  Direito  Civil”,
devemos  aplicar  não  o  Corpus  Iuris  Romani,  mas  sim
nossa  consciência  revolucionária  do  Direito,
sistematicamente,  insistentemente,  rigorosamente,
demonstrando  em  uma  série  de  processos
paradigmáticos  como  deve­se  proceder  com
[149]
compreensão e energia.”       
 
 
Stutchka observou  que,  ao  longo  dos  mêses  subseqüentes  à
Revolução  de  Outubro,  a  fórmula  contida  no  Art.  5  do
Decreto  Nr.  1  sobre  o  Tribunal  passou  a  ser  corrente  e  até
mesmo os adversários originais da explosão revolucionária de
Outubro vieram a reconhecer que a revolução não condenaria
e  não  absolveria  seus  inimigos  com  base  em  leis  escritas  e
[150]
oficialmente aprovadas.
 
 
A  seguir,  legitimando  esse  novo  sistema  judiciário  eletivo,
introduzido  pelo  Decreto  Nr.  1  sobre  o  Tribunal,  a
Constituição da República Soviética Russa, de 10 de Julho
de  1918,  i.e.  a  Constituição  de  Lenin,  a  Constituição  da
Guerra Civil, adotada pelo V. Congresso dos Soviets de Toda
Rússia, presidido por J. M. Sverdlov, determinou no âmbito da
Parte  III  relativa  à  Estrutura  do  Governo  Soviético,  a
competência  do  Congresso  dos  Soviets  e  do  Comitê
Executivo  Central  de  Toda  a  Rússia  para  estabelecerem  a
legislação  federal  e  regularem  o  sistema  judicial  proletário
revolucionário, dispondo da seguinte forma :
 
Art.  24. O Congresso  dos  Soviets  de  Toda  Rússia é a
autoridade suprema da República Soviética Federativa
Socialista Russa.
..........................................................................
Art. 31. O Comitê Executivo Central de Toda a Rússia é
o  órgão  supremo  legislativo,  administrativo  e  de
supervisão  da  República  Soviética  Federativa
Socialista Russa.
..........................................................................
 
Artigo  49.  Sob  a  jurisdição  do  Congresso  dos  Soviets
de  Toda  a  Rússia  e  do  Comitê  Executivo  Central
encontram­se todas as matérias de importância estatal,
tal como :
 
..........................................................................
 
n.  a  legislação  federal,  o  sistema  e  os  procedimentos
[151]
judiciários, a legislação civil e criminal etc.;
  
 
 
Em meio ao aprofundamento do processo revolucionário russo
no  interior  de  todo  país,  ao  longo  dos  anos  de  1918  e  1919,
consagrando  o  poder  dos  operários  e  camponeses  pobres  e
trabalhadores,  Lenin,  preocupado  em  precisar  a  concepção
classista  acerca  da  formação  dos  tribunais  eletivos  da
Revolução  de  Outubro,  bem  como  o  significado  e  extensão
da  consciência  revolucionária  do  Direito,  propôs  fosse
inserido  no  primeiro  parágrafo  do  ponto  sobre  o  tribunal  do
Projeto  do  Programa  do  PC  da  Rússia(B),  as  seguintes
considerações :
 
“No caminho rumo ao comunismo, através da ditadura
do proletariado, o Partido Comunista, desaprovando as
consignas  democráticas,  elimina  inteiramente  também
aqueles  órgãos  da  dominação  burguesa  como  os
tribunais  da  velha  estrutura,  substituindo­os  por
tribunais de classe dos operários e camponeses.
Depois  de  o  proletariado  ter  tomado  todo  o  poder  em
suas  mãos,  ele  coloca  no  lugar  da  velha  fórmula
ambígua “Eleição dos Juízes pelo Povo” a consigna
de  classe  “Eleição  de  Juízes  dos  meios  dos
Trabalhadores  apenas  pelos  os  Trabalhadores”,
concretizando­a  em  todo  o  campo  organizativo  do
sistema judiciário.
O Partido Comunista, que apenas elege no tribunal os
representantes  dos  operários  e  dos  camponeses  que
não  empreguem  nenhum  trabalho  assalariado,  não
tirando do trabalho assalariado portanto nenhum lucro,
não  estabelece  nenhuma  distinção  relativa  às
mulheres.
Ele  iguala  em  todos  os  direitos  ambos  os  sexos,  seja
na  eleição[MSOffice1]  de  juízes  seja  no  exercício  das
funções jurisdicionais.
Após  ter  abolido  as  leis  dos  governos  derrubados,  o
Partido  lança  aos  juízes  eleitos  pelos  eleitores
soviéticos a consigna de conferir validade à vontade do
proletariado mediante a aplicação de seus decretos e,
na  hipótese  de  inexistência  de  tais  decretos  ou  em
caso  de  lacunas,  de  deixarem­se  dirigir  pela
consciência  socialista  do  Direito,  sem  levar  em
[152]
consideração as leis dos governos derrubados.”   
        
 
 
III.D.
A FUNÇÃO REVOLUCIONÁRIA
DOS TRIBUNAIS POPULARES ELETIVOS
DA REVOLUÇÃO DE OUTUBRO
 
 
No  III  Congresso  dos  Sovietes  de  Deputados  Operários,
Soldados e Camponeses de Toda Rússia, realizado entre os
dias  10  e  18  (23  e  31)  de  Janeiro  de  1918,  Lenin  observou,
enfaticamente,  que  as  mesmas  providências  adotadas  pelo
poder soviético revolucionário em relação ao exército socialista
haviam  sido  tomadas  relativamente  a  um  outro  instrumento
ainda mais refinado e complexo da classe dominante russa : o
Tribunal Burguês.
Segundo  Lenin,  o  Poder  Judiciário  surgindo  sob  a  máscara
de  Guardião  da  Ordem  representava,  em  verdade,  um
instrumento  cego  e  refinado  para  a  opressão  dos  explorados,
um instrumento para a defesa dos interesses do capital.
Por  essa  razão,  a  Revolução  de  Outubro  decidiu­se  por
remeter todos os tribunais burgueses ao ferro velho da história.
A função revolucionária dos novos tribunais populares eletivos
que  substituiram  o  Poder  Judiciário  Russo  passaria  a  ser  de
elevada  importância,  quer  no  domínio  da  destruição  da
resistência  burguesa  contra­revolucionária,  quer  na  seara  da
formação educacional e fortalecimento da disciplina proletária,
quer  no  campo  da  democratização  do  poder  soviético,  quer
ainda  no  âmbito  da  NEP  e  no  combate  ao  burocratismo
soviético.
Nesse  sentido,  Lenin  assinalou  precisamente,  em  diferentes
oportunidades :
 
“É  possível  alegar­se  que  nós,  ao  invés  de
reformarmos  os  velhos  tribunais,  jogamo­los
imediatamente no ferro velho.
Agindo  dessa  forma,  abrimos  porém  o  caminho  para
um  verdadeiro  Tribunal  Popular,  não  o  fazendo,
todavia,  com  tanto  emprego  de  medidas  de  violência,
mas  sim  muito  mais  com  o  exemplo  das  massas,
através da autoridade dos trabalhadores.
Sem  formalidades,  transformamos  o  tribunal,  atuante
enquanto  um  instrumento  de  exploração,  em  um
instrumento  de  formação  educacional,  erigido  sobre  a
sólida base da sociedade socialista.
Não  resta  a  menor  dúvida,  porém,  que  uma  tal
sociedade não podemos obter em um único golpe. (...)
Não  tenho  nenhuma  ilusão.  Sei  que  ingressamos
apenas no período de transição ao socialismo, que não
alcançamos ainda o socialismo.” 
[153]

 
 
   
No  VII  Congresso  do  Partido  Comunista  da  Rússia,
realizado entre 6 e 8 de março de 1918, em seu relatório sobre
a  revisão  do  programa  e  a  mudança  do  nome  do  partido
bolchevique, Lenin teve a oportunidade de declarar acerca da
forma  de  constituição  pessoal  classista  dos  tribunais  da
Revolução de Outubro : 
 
“Nós mesmos devemos nos tornar juízes.
Os  cidadãos  devem,  em  seu  conjunto,  participar  do
sistema judiciário e da administração do país.
Para  nós  o  importante  é  a  incorporação  de  todos  os
trabalhadores,  sem  exceção,  na  administração  do
Estado. (...)
Não se pode historicamente polemizar sobre o fato de
que a Rússia criou a República Soviética.
Nós  dizemos  :  em  cada  contra­golpe,  iremos  aspirar
(...) ao poder dos sovietes, ao tipo de Estado soviético,
[154]
um Estado do tipo da Comuna de Paris.”
 
 
Acentuando  suas  idéias  acerca  da  aniquilação  do  sistema
judiciário  burguês  e  de  sua  substituição  pelos  tribunais
populares  eletivos,  i.e.  tribunais  eletivos  compostos  por
operários e camponeses, Lenin precisou em seu Esboço  das
Próximas  Tarefas  do  Poder  Soviético  a  função
revolucionária  desses  tribunais  na  luta  pela  destruição  da
resistência  burguesa  contra­revolucionária  e  pelo
fortalecimento da disciplina proletária : 
 
“Na  sociedade  capitalista,  o  tribunal  era
preponderantemente  um  aparato  da  repressão,  um
aparato da exploração capitalista.
Por isso, o dever incondicional da revolução proletária
não foi o de reformar as instituições judiciárias (a essa
tarefa  limitaram­se  os  cadetes  e  seus  lacaios,  os
mencheviques  e  os  sociais­revolucionários  de  direita),
mas  sim  o  de  completamente  aniquilar,  integralmente
desbaratar,  todo  o  velho  sistema  judiciário  e  seu
aparato.
Essa tarefa indispensável foi cumprida pela Revolução
de Outubro e, em verdade, exitosamente.
No  lugar  do  velho  tribunal,  ela  começou  a  criar  um
novo  tribunal,  um  Tribunal  Popular,  melhor  dito,  um
Tribunal  Soviético,  erigido  sobre  o  princípio  da
participação  na  administração  do  Estado  das  classes
operárias e exploradas – e apenas dessas classes.
O novo tribunal é indispensável, antes de tudo, para a
luta contra os exploradores que procuram restabelecer
seu  domínio  ou  defender  seus  privilégios,  ou  ainda
para  impor,  subrepticiamente,  essa  ou  aquela
partezinha  de  seus  privilégios,  reconquistando­os
mediante fraude.
Além  disso,  compete  aos  tribunais  uma  outra  tarefa,
ainda  mais  importante,  se  realmente  se  organizam
segundo  o  princípio  das  instituiçoes  soviéticas  :  essa
tarefa consiste em assegurar o mais rigoroso respeito à
disciplina e à auto­disciplina dos trabalhadores. (...)
Sem  coação  não  pode  ser  realizada,  de  nenhuma
maneira, uma tal tarefa. Nós necessitamos do Estado,
necessitamos da coação.
O órgão do Estado Proletário que exerce essa coação
há  de  ser  os  tribunais  soviéticos.  A  estes  compete  a
imensa tarefa de educar a população para disciplina do
trabalho.  Para  esse  objetivo,  fizemos
incomensuravelmente  pouco,  praticamente  nada.
Precisamos  conseguir  que  tais  tribunais  sejam
organizados  na  dimensão  mais  ampla,  expandindo
suas  atividades  sobre  a  inteira  vida  de  trabalho  do
país.”
   
 
E,  além  disso,  destacando  a  forma  de  democratização  do
poder  soviético  através  do  funcionamento  dos  tribunais
populares  eletivos,  Lenin  salientou,  da  maneira  mais  clara  e
cristalina, no mesmo texto em destaque :     
 
 
“Apenas  tribunais  desse  gênero  podem  cumprir  tais
tarefas,  pressupondo­se  que  as  massas  mais  amplas
da população operária e explorada deles participem em
uma  forma  democrática,  em  conformidade  com  o
princípio do poder soviético, de forma a fazer com que
a  disciplina  e  a  auto­disciplina  não  se  tornem  desejos
vãos.
Apenas  tribunais  desse  gênero  saberão  propiciar
nossa  tomada  do  poder  revolucionário  do  Estado,  o
que todos reconhecemos em palavras quando falamos
da  ditadura  do  proletariado,  mas  em  cujo  lugar
entretanto  vemos  em  torno  de  nós  muito
frequentemente  algo  extremamente  flácido  como  uma
papa.
De  toda  sorte,  seria  mais  correto  não  comparar  a
situação  social  em  que  nos  encontramos  com  uma
papa,  senão  com  a  refundição  de  metal  para  a
[155]
produção de uma firme ligadura de aço.”
 
 
Precisando  suas  idéias,  Lenin  destacou  em  A  Revolução
Proletária e o Renegado Kautsky, de fins de 1918, o signado
profundamente  revolucionário  da  elegibilidade  dos  juízes  dos
tribunais da Revolução de Outubro :
 
 
“Na  Rússia,  o  aparelho  do  funcionalismo  foi,  pelo  contrário,
totalmente  despedaçado.  Dele  não  se  deixou  pedra  sobre
pedra.
Os  velhos  juízes  foram  expulsos,  o  Parlamento  Burguês,
desbaratado.
E,  precisamente  os  trabalhadores  e  camponeses  obtiveram
uma representação muito mais acessível.
Através de seus Soviets, os funcionários foram substituídos, os
seus Soviets foram colocados acima dos funcionários, por seus
Soviets os juízes são eleitos.
Apenas  esse  fato  basta  para  que  todas  as  classes  oprimidas
reconheçam que o poder soviético, i.e. a forma dada à ditadura
do proletariado, é milhões de vezes mais democrática do que a
[156]
república democrático­burguesa.”
 
 
No  quadro  do  ressurgimento  do  burocratismo  pós­
revolucionário, Lenin demonstrou, claramente, conceber, ainda
em 1921, os tribunais populares eletivos como instrumentos de
luta na “arte da guerra” contra esse tipo de degeneração dos
ideais da Revolução de Outubro.
Em uma de suas cartas a Kurski, então Comissário do Povo
da Justiça, escreveu Lenin, da seguinte forma :
 
“Repassei­lhe  através  do  Diretor  do  Gabinete  do
Conselho  dos  Comissários  do  Povo,  uma  petição  do
Professor  Graftio  que  contém  documentos  incríveis
acerca de casos de burocratismo. (...)
Tenho a impressão de que o Comissariado do Povo da
Justiça trata essa questão de modo puramente formal,
i.e. de maneira fundamentalmente falsa. É necessário :
1.        levar essa matéria diante dos tribunais ;
2.                lograr  fazer  com  que  os  culpados  sejam
denunciados na imprensa e recebam severas penas ;
3.                instruir  os  juízes  através  do  Comitê  Central  a
procederem severamente contra o burocratismo ;
4.        convocar uma sessão com os juízes populares de
Moscou,  membros  dos  tribunais  etc.,  para  elaborar
medidas  de  lutas  efetivas  contra  o  burocratismo.
[157]
(...)”
  
No  mesmo  sentido,  Lenin  entendeu  dever  ser  a  função
revolucionária  dos  tribunais  populares  eletivos  no  combate  ao
burocratismo  soviético  crescente,  particularmente  em  relação
ao  célebre  caso    concreto  de  Schlendrian­Lomov­Stiunkel,
[158]
que Bogdanov procurava acobertar.
 
 
No  contexto  do  IX  Congresso  dos  Soviets  de  Toda  Rússia,
Lenin  ainda  teve  a  oportunidade  de  assinalar  acerca  dos
tribunais da Revolução de Outubro, no quadro da NEP :
 
“Tomemos  um  negociante  qualquer,  que  prática
relações  de  comércio  sob  o  controle  do  Estado  e  do
Tribunal.
Dispomos  de  tribunais  proletários  e  nosso  tribunais
estão  capacitados  a  supervisionar  cada  empresário
privado,  a  fim  de  que  ele  não  intérprete  a  lei  em  seu
benefício, como é o caso nos Estados Burgueses.”
 
E, na mesma ocasiao, Lenin acrescentou :
 
“O  IX  Congresso  dos  Soviets  exige  do  Comissariado
do  Povo  da  Justiça  incomparavelmente  maior  energia
em dois sentidos :
Em primeiro lugar, os tribunais populares da República
devem  acompanhar  atentamente  a  atividade  dos
negociantes e empresários privados.
Os  tribunais  não  podem  permitir  que  as  atividades
desses  últimos  seja  minimamente  limitada,  devem,
entretanto  e  ao  mesmo  tempo,  punir  severamente  a
sua  mínima  tentativa  de  esquivarem­se  ao  estrito
respeito das leis da República.
As  mais  amplas  massas  dos  trabalhadores  e
camponeses  devem  ser  educadas  a  incorporarem­se
rápida,  autônoma  e  energicamente  nos  tribunais,
quando se tratar de velar pelo respeito da legalidade.
Em segundo lugar, os tribunais populares devem cuidar
mais atentamente para que o burocratismo, o môfo do
funcionalismo  e  a  má  organização  econômica  sejam
punidas judiciariamente.
São  necessários  processos  desse  gênero  :  por  um
lado,  com  vistas  a  elevar  o  sentimento  de
responsabilidade  em  face  desse  mau,  que  é  tao  difícil
de  combater  em  nossas  condições,  por  outro,  para
direcionar  a  atenção  dos  operários  e  camponeses  a
essa  questão  extremamente  importante  e  alcançar  o
objetivo prático de êxitos econômicos maiores.” 
[159]

   
 
III.E.
OS TRIBUNAIS POPULARES ELETIVOS
DA REVOLUÇÃO DE OUTUBRO E A ASCENSÃO
DO BUROCRATISMO SOVIÉTICO STALINISTA  
 
 
No  VIII  Congresso  do  Partido  Comunista  da  Rússia,
realizado  entre  18  e  23  de  março  de  1919,  examinando  o
significado  dos  tribunais  populares  eletivos  da  Revolução  de
Outubro  em  face  da  questão  do  burocratismo  e  da
incorporação  das  amplas  massas  no  trabalho  dos  Soviets,
Lenin teve a oportunidade de assinalar criticamente :
 
“Na  luta  contra  o  burocratismo  fizemos  o  que  nenhum
Estado do mundo logrou ainda fazer. (...)
Tomemos como exemplo o sistema judiciário.
Aqui,  a  tarefa  foi,  no  entanto,  mais  simples.  Aqui,  não
tivemos  de  criar  nenhum  novo  aparato,  pois  todo  e
qualquer um pode pronunciar o Direito, apoiando­se na
consciência  revolucionária  do  Direito  das  classes
trabalhadoras.
Falta  muito  ainda  para  levarmos  ao  fim  essa  questão,
porém, em uma série inteira de domínios, fizemos dos
tribunais o que deveria efetivamente ser feito.
Criamos  órgãos  em  que  podem  se  tornar  juízes  não
apenas  homens  senão  também  mulheres,  bem  como
os elementos mais atrasados e sem movimento. (...)
Combater o burocratismo completamente, até a vitória
total,  é  apenas  possível,  entretanto,  se  a  grande
população tomar parte na administração.
Nas  repúblicas  burguesas,  isso  não  apenas  não  era
possível : a própria lei impedia­o. (...)
Nós  eliminamos  esses  obstáculos,  porém  ainda  não
conseguimos  que  as  massas  trabalhadoras  atuem
conjuntamente  na  administração,  pois,  além  das  leis,
existe  ainda  o  obstáculo  do  nível  cultural,  que  não  se
sujeita à nenhuma lei.
Esse  baixo  nível  cultural  faz  com  que  os  Soviets,  que
segundo  seu  programa  devem  ser  órgãos  da
administração através dos trabalhadores, sejam órgãos
da  administração  para  os  trabalhadores,  i.e.  uma
administração  da  camada  avançada  do  proletariado,
porém  não  uma  administraçao  das  próprias  massas
[160]
trabalhadoras. (...)”
 
 
 
Percebendo,  além  disso,  os  perigos  relacionados  com  o
ressurgimento da advocacia burguesa para o fortalecimento do
burocratismo  do  novo  Estado  Proletário  Russo,  Lenin
observou, claramente, em seu O Radicalismo de Esquerda :
 
 
 
“Nós  suprimimos  na  Rússia  a  advocacia  burguesa  e
nisso tivemos total razão.
Porém, agora, sob o manto das “assistências jurídicas”
“soviéticas” ela renasce entre nós. (...)
Enquanto a burguesia não for derrubada e, além disso,
a  pequena  economia  e  pequena  produção  de
mercadorias  não  desaparecerem  completamente,  as
condições  burguesas,  os  hábitos  burgueses  e  as
tradições  pequeno­burguesas  prejudicaram  o  trabalho
proletário  seja  de  fora  como  de  dentro  do  movimento
dos trabalhadores. (...)
É  necessário  aprender­se  a  dominar  e  manejar  todos
os  domínios  de  atividade  e  de  trabalho,  bem  como
superar  todas  as  dificuldades  e  todas  as  práticas
burguesas, tradições e costumes, em todas as partes,
[161]
em todos os lugares.”
 
 
 
Em seu Sobre o Imposto em Natura, obra redigida em 1921
que  forneceu  fundamento  teórico  acabado  à  Nova  Política
Econômica  (NEP),  Lenin  veio  a  observar  acerca  do
ressurgimento  do  burocratismo  e  suas  causas  econômicas,
defendendo,  entretanto,  ainda  claramente  o  significado  dos
tribunais eletivos da Revolução de Outubro  :
 
“Tomemos a questão do burocratismo e analisemo­la a
partir do lado econômico.
Em  5  de  maio  de  1918,  o  burocratismo  não  se
encontrava diante de nosso campo de visão.
Meio ano depois da Revolução de Outubro, depois de
termos destroçado o velho aparato burocrático de cima
a baixo, não havíamos sentido ainda esse mau.
Mais um ano se passou.
No VIII Congresso do Partido Comunista da Rússia (de
18  a  23  de  março  de  1919)  foi  adotado  um  novo
programa  partidário  e  nesse  programa  falamos  em
admitir  a  existência  desse  mau.  Diretamente,  sem
mascaramento,  falamos  do  ressurgimento  parcial  do
burocratismo  no  interior  da  ordem  soviética,  animados
do  desejo  de  revelá­lo,  desmascará­lo,  estigmatizá­lo,
despertando  a  idéia  e  a  vontade,  a  energia  e  a  ação,
para a luta contra esse mau.  
Passaram­se mais dois anos.
No  início  de  1921,  depois  do  VIII  Congresso  dos
Soviétes,  onde  foi  tratada,  em  dezembro  de  1920,  a
questão  do  burocratismo,  bem  como  depois  do  X
Congresso do PC da Rússia, de março de 1921, o qual
elaborou  o  balanço  das  discussões  relacionadas
estreitamente  com  a  análise  do  burocratismo,  vemos
esse  mau  então  mais  clara,  nitida  e  perigosamente
diante de nós.
Quais sao as raizes econômicas do burocratismo ?
Essas raizes são principalmente de dois tipos : de um
lado,  a  burguesia  desenvolvida  necessita,
principalmente,  de  um  aparato  burocrático  contra  o
movimento revolucionário dos trabalhadores (em parte
também  dos  camponeses),  em  primeira  linha  um
aparato militar, bem como judiciário etc.
Esse aparato não, entretanto, existe junto a nós.
Junto a nós, os tribunais são tribunais de classe contra
a  burguesia.  Nosso  exército  é  um  exército  de  classe
contra a burguesia.
O  burocratismo  não  está  no  próprio  exército,  mas  nos
departamentos relacionados com ele.
Junto a nós, a raiz econômica do burocratismo é uma
outra  :  a  isolação,  a  fragmentação  dos  pequenos
produtores, sua pobreza e falta de cultura, a ausência
de perspectivas, o analfabetismo, o volume insuficiente
de  negócios  entre  a  agricultura  e  a  indústria,  a
ausência  de  uma  conexão  e  inter­condicionamento
[162]
entre elas.”         
  
 
Nesse mesmo quadro de progressivo e ameaçador ascenso do
burocratismo, Lenin iria destacar, enfaticamente, nos primeiros
mêses de 1922, em sua correspondência com A.  D.  Ziurupa,
Presidente  do  Pequeno  Conselho  dos  Comissários  do
Povo :
 
“Entre nós, subsiste, aparentemente, uma fundamental
divergência.
O  mais  importante,  em  meu  modo  de  ver,  é  largar  de
escrever decretos e ordens ( aqui só estamos indo da
estupidez à idiotice ) e colocar todo o pêso na escolha
de pessoas e no controle da execução. (...)
Junto a nós, estão todos afundados no pântano nojento
e burocrático das “autoridades de Estado”.
Grande  autoridade,  espírito  e  habilidade  são,  pelo
contrário, necessários para a luta diária.
Autoridades de Estado, porém, são porcarias. Decretos
são porcarias.
Procuremos  homens,  controlemos  o  trabalho  –  nisso
reside tudo.” 
[163]
         
 
 
 
Em  plena  coerência  com  sua  “arte  de  guerra”  contra  o
burocratismo  ascendente,  Lenin  não  hesitou  em  acionar  a
polícia secreta e todos os meios possíveis e imagináveis, com
vistas  a  procurar  reverter  o  sufocamento  da  democracia  dos
operários  e  dos  camponeses  pobres  e  trabalhadores  que
penetrava,  agora,  crescentemente  a  ordem  soviética  de
conjunto, bem como os tribunais populares, tal como se extrai
de uma de suas últimas cartas à Kurski :
 
“A  antiga  Tcheka  de  Moscou  deu  início,  sob  minha
ordem, a um inquérito relativo à negligência criminosa,
môfo e passividade do funcionalismo no Departamento
de  Ciência  e  Técnica,  bem  como  no  Comitê  de
Sistemas de Descobertas.
Os  resultados  foram  apresentados  ao  Tribunal
Revolucionário de Moscou, que, ao invés de investigar
efetivamente  essa  matéria,  de  avaliar  e  punir  os
culpados  (e  que  nessas  instituiçoes  existem  uma
porção de sábios imprestáveis, parasitas e semelhante
gentalha, já foi freqüentemente divulgado na imprensa
nos artigos do comp. Soznovski e de outros), portou­se
de  modo  extremamente  apadrinhador  em  relação  aos
acusados,  não  surgindo  sequer  acusadores  em  juízo,
sendo que, finalmente, a acusação foi declarada como
carente e todos os culpados foram absolvidos.
Agora,  informaram­me  que  o  Departamento  de
Govêrno  de  Moscou  da  Administração  Policial  do
Estado  apresentou  recurso  contra  a  decisão  do
Tribunal  Revolucionário  de  Moscou  junto  à  Divisão  de
Controle  Judiciário  do  Comissariado  do  Povo  para  a
Justiça.
Peço­lhe  que  se  informe  pessoalmente  sobre  o  caso,
dedicando­lhe a maior atenção (...)
É  necessário  instaurar­se,  no  Tribunal  Revolucionário,
um  processo  político  que  deve  revirar,
minuciosamente,  esse  pântano  “científico”  (para  a
impresa convocar o comp. Soznovski).
Nesse caso, eu requeiro uma severa repreensão para
o  Tribunal  Revolucionário  de  Moscou  por  inadmissível
[164]
moderação e comportamento burocrático formal.”   
         
 
 
Em  uma  de  suas  derradeiras  referências  acerca  dos  tribunais
eletivos  da  Revolução  de  Outubro,  Lenin  ainda  pôde
observar  no  XI  Congresso  do  PC  da  Rússia,  de  1922,  em
tom  de  admoestação  e  percepção  da  crescente  degeneração
das  instituições  judiciárias  soviéticas,  de  modo  a  ressaltar  o
dever  de  responsabilidade  e  prestação  de  contas  das
atividades dos juízes perante os Soviets :
 
“Em  relação  ao  capitalismo  de  Estado,  é  necessário
saber­se o que se deve fazer no sentido de consignas
de propaganda, bem como o que deve ser esclarecido,
a fim de que seja ele entendido praticamente.
Isso significa que o nosso capitalismo de Estado não é
o mesmo acerca do qual os alemães escreveram.
Ele é um capitalismo autorizado por nós. (...)
Se  nós  passamos  da  Tcheka  de  Toda  Rússia  para  os
tribunais  políticos  de  Estado,  devemos  dizer  no
Congresso  dos  Soviets  que  nós  não  reconhecemos
tribunais situados acima das classes.
Nós necessitamos de tribunais proletários eletivos e os
tribunais  devem  saber  exatamente  do  que
necessitamos.
Os membros do tribunal devem saber bem exatamente
[165]
o que é capitalismo de Estado.”   
 
 
 
Em  seu  último  pronuncionamento  acerca  do  tema,  Lenin
escreveu,  em  maio  de  1922  ,  à  Kurski,  relativamente  à
reformulação do Direito Penal Proletário,  ressaltando o dever
de  acolhimento  continuado  da  moral  revolucionária  e  da
consciência revolucionária do Direito pelos tribunais eletivos
para  assegurar­se  a  luta  pela  vitória  da  Revolução  de
Outubro e contra o burocratismo soviético crescente :
 
“Completando  nossa  conversação,  envio­lhe  o  projeto
de um parágrafo suplementar para o Código Penal. (...)
O  Tribunal  não  deve  eliminar  o  terror  –  prometer  isso
seria  um  auto­engano  ou  uma  fraude  ­,  mas  sim
fundamentá­lo, por princípio, claramente, sem falsidade
ou maquilagem, consagrando­o legalmente.
A formulação deve ser tão ampla quanto possível, pois
apenas  a  consciência  revolucionária  do  Direito  e  a
moral  revolucionária  colocam  as  condições  para  uma
[166]
aplicação mais ou menos ampla na prática.”    
 
 
 
Anos  a  seguir,  produzindo  um  balanço  econômico­político
acerca  do  burocratismo  que  envolveu  e  degenerou
acentuadamente  o  Estado  Proletário  Soviético,  atrasado  e
isolado, Léon Trotsky observou,  de  maneira  clara,  em  sua  A
Revolução Traída, redigida em 1936, que a União Soviética,
enquanto  elo  mais  débil  da  cadeia  do  capitalismo  mundial,
havia  validamente,  com  a  Revolução  de  Outubro,  dado  os
primeiros passos no sentido de transitar para o estágio inferior
do  comunismo,  i.e.  para  a  primeira  fase  da  sociedade
[167]
comunista, i.e. para o habitualmente chamado socialismo.
 
 
O  regime  da  União  Soviética  havia  logrado  instaurar,  dessa
forma,  não  um  regime  socialista,  mas  sim  um  regime
preparatório  de  transição  do  capitalismo  ao  socialismo,  dado
que  ele  não  se  situava  nem  sequer  em  um  nível  de
desenvolvimento  igual  ou  superior  àquele  alcançado  pelos
países capitalistas ocidentais.
Mais precisamente, Trotsky assinalou  que  a  União  Soviética
encontrava­se ainda longe de atingir mesmo o primeiro estágio
do socialismo, concebido enquanto um sistema equilibrado de
produção  e  distribuição,  de  vez  que  seu  desenvolvimento
socio­econômico  ocorria  não  de  maneira  harmoniosa,  porém
[168]
contraditoriamente, segundo sua própria lógica peculiar.
 
 
Segundo  Trotsky,  Lenin,  apoiando­se  em  Marx  e  Engels,
havia  admitido,  coerentemente,  que  o  proletariado,  tendo
destruído o poder de Estado Burguês, devendo o substituir por
um  Estado  Proletário  Revolucionário,  daria  início  a  um
processo  de  supressão  de  si  mesmo  enquanto  classe
dominante,  abrindo  a  perspectiva  de  abolição  de  todas  as
diferenças  e  antagonismos  de  classe,  bem  como  de  extinção
mesmo  das  instituições  desse  Estado,  pertecente  à  grande
[169]
maioria de oprimidos enquanto tal.
 
 
Tal  posicionamento  favorável  à  liquidação  de  todo  o
burocratismo  e  parasitismo  de  Estado,  plenamente  coerente
com  a  concepção  marxista  e  o  regime  instaurado  pela
Comuna de Paris –  elegibilidade  e revogabilidade  a  qualquer
tempo  de  todos  os  funcionários  do  Estado,  sôldos  de
funcionários  não  superior  aos  salários  dos  operários,
participação das mais amplas massas no exercício das funções
de  controle  e  supervisão  das  atividades  públicas,  todos
podendo tornar­se “burocrátas” e, portanto, ninguém tornando­
se burocráta etc. ­ passou a contrastar, diametralmente, com a
política  que  passou  a  ser  adotada,  sistematicamente,  após  a
morte  de  Lenin,  por  Stálin  e  pelos  idólatras  dos  Soviets,
inspirados  em  seu  culto  de  um  Estado  que  não  possuia  a
miníma  intenção  de  perecer  e,  pelo  contrário,  promovia  o
sistemático desarmamento da população.
A  razão  da  ascensão  do  burocratismo  soviético  situava­se,
segundo  Trotsky,  antes  de  tudo  na  subsistência  de  agudos
antagonismos  sociais  insuperados  que  necessitavam  ser
atenuados,  ajustados,  regulados,  sempre  em  favor  dos
interesses  da  casta  de  privilegiados  e  intelectuais,  da
oficialidade militar e do funcionalismo parasitário, que chegava
até mesmo a sabotar a economia nacional e tornar­se cada vez
mais  um  órgão  da  burguesia  mundial  no  Estado  Proletário
[170]
Soviético.
 
 
Tais  antagonismos  eram  produzidos,  antes  de  tudo,  pelos
embates de tendências socialistas ­ expressadas na defesa da
propriedade  estatizada,  condizentes  com  os  princípios
fundamentais  do  Direito  Proletário  –  contra  as  tendências
capitalistas  ­  manifestadas  na  subsistência  da  desigualdade
econômicamente­material  do  Direito  Burguês  subsistente,
relativamente  ao  processo  de  distribuição  dos  bens
econômicos de vida.
Esses embates projetavam­se no seio de todas as instituições
do  novo  Estado  Proletário  Revolucionário,  que  continha,
dialeticamente  em  si  mesmo,  elementos  do  Direito  Burguês
como  também  de  um  Estado  Burguês  sem  burguesia  (i.e.
burjuaznoe pravo, no daje i burjuaznoe gosudarstvo – bez
[171]
burjuazii !).
 
 
Precisamente  nesse  sentido,  Trotsky  escreveu,  de  maneira
perspicaz,  acerca  das  contradições  relacionadas  com  a
ascensão  do  burocratismo  na  União  Soviética,  apresentando
novas preocupações para os futuros processos revolucionários
proletários :
 
“”Um  Estado  Burguês  sem  burguesia”  provou  ser
inconsistente com a genuina democracia soviética.
A função dual do Estado não pôde deixar de afetar sua
estrutura.
A  experiência  revelou  o  que  a  teoria  foi  incapaz  de
claramente prever.
Se  para  a  defesa  da  propriedade  socializada  contra  a
contra­revolução  burguesa  um  “Estado  de
trabalhadores  armados”  foi  totalmente  adequado,  uma
questão  bem  diferente  foi  a  de  regular  as
desigualdades na esfera do consumo.
Os desprovidos de propriedade não estão inclinados a
criar e defender essa regulação.
A maioria não pode preocupar­se com os privilégios da
minoria.
Para a defesa do “Direito Burguês”, o Estado Proletário
foi  forçado  a  criar  um  tipo  “burguês”  de  instrumento  –
i.e.  a  mesma  velha  polícia,  embora  vestida  com  um
novo uniforme.”    
[172]

 
 
 
Sendo  assim,  para  a  defesa  desse  Direito  Burguês,  que
subsistia  e  se  afirmava  em  permanente  conflito  com  o  Direito
Proletário  emergente  no  seio  do  Estado  Soviético,  haveria  de
surgir uma burocracia parasitária, cada vez mais despótica na
defesa dos privilégios de uma minoria e atuando com métodos
de terror, incapaz de garantir uma genuina igualdade.
Referindo­se  às  raizes  do  burocratismo  da  União  Soviética,
Trotsky assinalou, então, de maneira crítica :
 
“As  tendências  de  burocratismo  que  estrangulam  o
movimento  dos  trabalhadores  nos  países  capitalistas
haveria de se apresentar, em todos os lugares, mesmo
depois de um revolução proletária.
Porém, é perfeitamente óbvio que quanto mais pobre é
a sociedade que sai da revolução tanto mais severa e
mais nua haveria de ser a expressão dessa “lei”, tanto
mais  cruas,  as  formas  assumidas  pelo  burocratismo,
tanto  mais  perigosas,  para  o  desenvolvimento  do
socialismo.
O  Estado  Soviético  vê­se  impedido  não  apenas  de
extinguir­se, mas até mesmo de libertar­se do parasita
burocrático,  não  em  razao  dos  “resíduos”  das  antigas
classes  dominantes,  tal  como  declara  a  doutrina
ostensivamente  policial  de  Stálin  –  pois  esses
“resíduos” são impotentes em si mesmos.
Ele  está  impedido,  isso  sim,  por  fatores
incomensuravelmente  poderosos,  tais  como  a
escassez  material,  o  atraso  cultural  e  a  dominação
resultante  do  “Direito  Burguês”  que  toca,  da  maneira
mais  imediata  e  aguda,  todo  ser  humano  na  atividade
[173]
de assegurar sua existência pessoal.”     
 
Nesse  contexto,  a  problemática  teórica  equacionada  por
Trotsky  de  maneira  criativa  e  reflexiva  acerca  do  Direito,  o
Estado  e  os  tribunais  populares  eletivos  a  partir  das
experiências  da  Comuna  de  Paris  e  da  Revolução  de
Outubro,  ecoou,  severamente,  com  as  seguintes  palavras
penetrantes e desafiadoras :
 
“Baseando­se  inteiramente  na  teoria  marxista  da
ditadura do proletariado, Lenin não conseguiu, tal como
dissemos, nem em sua obra maior, dedicada à questão
(O  Estado  e  a  Revolução),  nem  no  programa  do
partido,  sacar  todas  as  conclusões  necessárias
relativas  ao  caráter  do  Estado  a  partir  do  atraso
econômico e da isolação do país.
Esclarecendo  o  ressurgimento  do  burocratismo  pela
falta de familiaridade das massas com a administração
e  por  dificuldades  especiais  resultantes  da  guerra,  o
programa prescreve meramente medidas políticas para
a  superação  das  “distorções  burocráticas”  :  eleições  e
revogação  a  qualquer  tempo  de  todos  os
plenipotenciários,  abolição  dos  privilégios  materiais,
controle ativo das massas etc.
Admitiu­se que, ao longo desse caminho, o burocrata,
deixando  de  ser  um  chefe,  passaria  a  ser  um  simples
agente técnico e, além disso, temporário, sendo que o
Estado desapareceria gradual e imperceptivelmente de
cena.
A  óbvia  subestimação  das  dificuldades  pendentes  é
esclarecida  pelo  fato  de  que  o  programa  foi  baseado
completamente  sobre  a  perspectiva  internacional  :  “A
Revolução de Outubro na Rússia realizou a ditadura do
proletariado ... A era da revolução comunista proletária
mundial começou”.
Essas eram as linhas introdutórias do programa.
Seus autores não apenas não colocaram a si mesmos
o objetivo de construção do “socialismo em só país” –
essa idéia não entrava, então, na cabeça de ninguém e
muito  menos  na  de  Stálin  –  como  não  tocaram  a
questão  relativa  à  que  caráter  o  Estado  Soviético
assumiria,  se  forçado  a  resolver,  em  isolação,  por
durante duas décadas, esses problemas econômicos e
culturais que o capitalismo avançado resolveu há muito
tempo atrás.
A  crise  revolucionária  do  pós­guerra  não  conduziu  à
vitória do socialismo na Europa. Os sociais­democratas
salvaram a burguesia.
Aquele  período,  que  Lenin  e  seus  colegas  encaravam
como  um  “período  de  respiro”,  prolongou­se  em  uma
inteira época histórica.
A  estrutura  social  contraditória  da  União  Soviética  e  o
caráter  ultra­burocrático  de  seu  Estado  são  as
consequências  diretas  dessa  pausa  única  e
historicamente  “imprevisível”,  que,  ao  mesmo  tempo,
conduziu os países capitalistas ao fascismo e à reaçao
[174]
pré­fascista.”      
 
 
 
Em face desse contexto analítico, Trotsky levantou, em 1938,
no  Programa  de  Transição,  as  seguintes  consignas,  entre
outras, de luta contra o burocratismo stalinista, deformador das
instituições do Estado Proletário, emergente com a Revolução
de  Outubro,  destacando  que  apenas  o  levantamento
revolucionário  das  massas  oprimidas  poderia  regenerar  o
regime  soviético  e  assegurar  seu  futuro  desenvolvimento  em
direção ao socialismo :   
 
                              Derrubada  da  Burocracia  Termidoriana  e  da
Aristocracia  Soviética  com  sua  hierarquia  e  suas
condecorações ;
                Expulsão da Burocracia e da nova Aristocracia
dos  Soviets.  Nos  Soviets  só  existe  lugar  para  os
representantes dos operários,    
         camponeses trabalhadores e soldados ;
                Luta pelo renascimento e pelo desenvolvimento
da Democracia Soviética ;
                Reconstituição dos Soviets enquanto órgãos de
classe e democráticos ;
               Fim da ficção do sufrágio universal à maneira de
Hitler e Goebbels;
                Maior igualdade no salário, em todas as formas
de trabalho ;
                Luta contra a desigualdade social e a opressão
política ;
               Revisão de todos os processos políticos forjados
pela Burocracia Termidoriana, com ampla publicidade e
livre exame.
                              Abaixo  a  política  internacional  reacionária  da
Burocracia ;
[175]
               Viva a política do internacionalismo proletário.
 
 
 
Limitando­nos  aqui  ao  exame  da  ordem  dos  tribunais
soviéticos,  cumpre  assinalar,  por  fim  e  sem  comentários
adicionais,  que  a  Constituição  da  União  das  Repúblicas
Socialistas  Soviéticas,  de  dezembro  de  1936,  i.e.  a
Constituição  do  Soviet  Supremo  de  Stálin,  a  Constituição
de  Stálin  e  Vyshinskii,  rompendo  totalmente  com  os
princípios  consagrados  pela  Revolução  de  Outubro,
estipulou,  da  seguinte  forma,  em  seu  Capítulo  IX,  relativo  aos
Tribunais e à Procuradoria :
 
“Artigo  30.  O  órgão  supremo  da  autoridade  de  Estado
da URSS é o Soviet Supremo da URSS.
...................................................
 
Artigo  102.  Na  URSS,  a  justiça  é  administrada  pelo
Supremo  Tribunal  da  URSS,  os  Supremos  Tribunais
das Repúblicas da União, os Tribunais Regionais e os
Tribunais  das  Repúblicas  e  Regiões  Autonômas,  os
Tribunais  de  Área  e  os  Tribunais  Especiais  da  URSS
estabelecidos  por  decisão  do  Soviet  Supremo  da
URSS e os Tribunais do Povo. 
 
...................................................
 
Artigo  105.  O  Tribunal  Supremo  da  URSS  e  os
Tribunais  Especiais  da  URSS  são  eleitos  pelo  Soviet
Supremo da URSS para um mandato de cinco anos.
 
Artigo  106.  O  Tribunal  Supremo  das  Repúblicas  da
Uniao são eleitos pelo Soviet Supremo das Repúblicas
da União para um mandato de cinco anos.
 
Artigo  107.  Os  Tribunais  Supremos  das  Repúblicas
Autônomas  são  eleitos  pelos  Soviets  Supremos  das
Repúblicas  Autônomas  para  um  mandato  de  cinco
anos.
 
Artigo  108.  Os  Tribunais  Regionais  e  Territoriais,  os
Tribunais  das  Regiões  Autônomas  e  os  Tribunais  de
Áreas  são  eleitos  pelos  Soviets  Regionais,  Territoriais
ou  de  Área  dos  Deputados  do  Povo  Trabalhador  das
Regiões Autônomas para um mandato de cinco anos.
 
Artigo  109.  Os  Tribunais  do  Povo  são  eleitos  pelos
cidadãos do distrito sobre a base do sufrágio universal,
direto, igual e secreto, para um mandato de três anos.
 
...................................................
 
Artigo  112.  Os  juízes  são  independentes  e  sujeitos
apenas à lei.
 
Artigo 113. O Poder de Supervisão Supremo da estrita
execução  das  leis  pelos  Comissariados  do  Povo  e  as
instituições  a  eles  subordinadas,  como  também  pelos
funcionários públicos e cidadãos da URSS, é exercido
pelo Procurador da URSS.
 
Artigo  114.  O  Procurador  da  URSS  é  apontado  pelo
Soviet  Supremo  da  URSS  para  um  mandato  de  sete
anos.
 
Artigo  115.  Procuradores  das  Repúblicas,  Territórios  e
Regiões,  como  também  Procuradores  das  Repúblicas
Autônomas  e  Regiões  Autônomas,  são  indicados  pelo
Procurador da URSS para um mandato de cinco anos.
 
Artigo 116. Procuradores de Área, Distrito e Cidade são
indicados,  para  um  mandato  de  cinco  anos,  pelos
Procuradores  das  Repúblicas  da  União,  estando
sujeitos à aprovação do Procurador da URSS. 
 
Artigo 117. Os órgãos da Procuradoria executam suas
funções  independentemente  de  quaisquer  órgãos
locais, estando subordinados apenas ao Procurador da
[176]
URSS.”
 
 
 
 
 
EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES
“UNIVERSIDADE COMUNISTA REVOLUCIONÁRIA J. M. SVERDLOV”
PARA A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO MARXISTA­REVOLUCIONÁRIA
DO PROLETARIADO E SEUS ALIADOS OPRIMIDOS
MOSCOU ­ SÃO PAULO ­ MUNIQUE – PARIS
 
 
 
 
 
 
 

[1]
 Com efeito, Roland Dumas, antigo Ministro do Exterior da República Francesa, teria recebido cerca de
25  milhões  de  dólares  de  comissão,  através  da  funcionária  Christine  Deviers­Joncourt  da  empresa
oligopolista  multinacional Elf­Acquitaine, por ocasião da venda de fragatas Thomson ao governo de Taiwan
em  1991.  Nomeado  por  Mitterrand  como  homem  de  confiança  dos  socialistas  franceses  para  o  cargo  de
Presidente do Conselho Constitucional, o nome Roland Dumas passou a surgir, já desde agosto de 1997,
nos dossiers de operações da Elf­Acquitaine e  nas  principais  manchetes  dos  jornais  franceses,  provocando
uma progressiva desmoralização do Poder Judiciário Francês.  No quadro das apurações do affaire Roland
Dumas,  Christine  Deviers­Joncourt  alegou  que  havia  sido  contratada  propositadamente  pela  Elf­
Acquitaine, com o objetivo de subornar Roland Dumas. Em 30 de abril de 1998, o Poder Judiciário Francês,
em uma tentativa remoralizadora inédita, determinou a reclusão domiciliar do Presidente de seu Conselho
Constitucional,  por  cumplicidade  e  malversação  abusiva  de  bens  sociais.  Em  16  de  março  de  2000,  os
advogados de Dumas alegaram  judicialmente  que,  em  razão  de  seus  diversos  problemas  de  saúde  e  idade
avançada, o antigo Presidente do Judiciário Francês estaria incapacitado de defender­se de suas acusações.
Presentemente, Dumas brada, de maneira alucinada, contra uma suposta campanha de “denegrimento de seu
nome”, “alimentada pelo mundo mediático­judiciário”, “conducente ao renascimento do fascismo francês”.
Acerca do tema, vide LIBÉRATION, L’Affaire Roland Dumas, Dossier, Paris, 1999.
[2]
 O fortalecimento parlamentar do SPD e a subseqüente posse do chanceler social­liberal burguês Gerhard
Schröder confirmou a nomeação de Jutta Limbach, ocorrida em Setembro de 1994, após longos mêses de
lutas partidárias, enquanto Presidente do Supremo Tribunal Federal da Alemanha e juiza de estrita confiaça
da  fração  burguesa,  atualmente  governante  na  Alemanha.  Acerca  do  tema,  vide  SÜDDEUTSCHE
ZEITUNG, Dossier Theodor Maunz, Munique, 1998.; HERTA DÄUBLER­GMELIN,  Vita  :  Detaillierter
Lebenslauf, Berlim, 1998.
[3]
  A  disputa  entre  as  diferentes  frações  da  Magistratura  Italiana,  diversas  delas  associadas  à  corrupção
impulsionada  pelas  organizações  mafiosas  italianas,  outras  mais  ou  menos  com  elas  comprometidas,
marcaram a dinâmica dessas instituições públicas no curso dos anos 90. A descoberta de uma vasta rede de
corrupção no quadro da Operazione Mani Pulite Nr. 2 submeteu à crítica cerrada os métodos de trabalho da
Procuradoria de Milão – acusada de também estar ligada com a máfia italiana, no caso auto­parc di Milano
­,  e  em  particular  colocaram  em  cheque  o  modo  de  atuação  do  Procurador  Milanês,  Antonio  Di  Pietro,
protagonista da Operazione Mani Pulite Nr. 1 e, posteriormente, Ministro do Estado dos Trabalhos Públicos,
até 14 de novembro de 1996. Com efeito, o setor de juízes de La Spezia, juízes da Rivoluzione Giudiziaria,
passaram, a partir de então, a atacar Di Pietro por não ter trazido à luz as orquestrações mafiosas de um dos
homens  mais  poderosos  da  Itália  dos  anos  90  :  o  banqueiro  Pacini  Battaglia.  Esse  último,  por  sua  vez,
passou  a  acusar  Di  Pietro  de  tê­lo  saqueado  financeiramente,  em  troca  de  prometer  orientá­lo,  de  modo
acorbertado, nos depoimentos da comissão de inquérito sobre as operações da empresa oligopolista italiana
ENI. Acerca do tema, vide ERIK PALENI, La Riforma della Giustizia, in : Rivista Elettronica di Diritto &
Cultura, Nr. 5, Fev. de 2000.; ANTONIO DI PIETRO & ANTONIO CARLUCCI, Grazie Tonino, Milano,
1995,  pp.  113  e  s.;  G.  MONCALVO,  Di  Pietro.  Il  Giudice  Terremoto.  L’Uomo  della  Speranza,  Milano,
1996, pp. 11 e s.; OBSERVATIONS GEOPOLITIQUES DES DROGUES, Rapport Annuel : Italie, Paris,
1995­1996.       
[4]
 Cf. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, de 5 de Outubro de 1988, Sao
Paulo, 1988, p. 13.
[5]
  Cf.  GRUNDGESETZ  FÜR  DIE  BUNDESREPUBLIK  DEUTSCHLAND,  vom  23.  Mai  1949  (Lei
Fundamental da República Federal da Alemanha de 23 de maio de 1949), in : Grundgesetz mit Umsetzung
des Maastricht­Vertrages (Lei Fundamental com Aplicação do Tratado de Maastricht), Munique, 1992, p. 19.
[6]
 Cf. CONSTITUTSIA ROSSIISKOI FEDERATSII,  12 Dekabria 1993 g. (Constituição da Federação
Russa de 12 de Dezembro de 1993), in : Iuriditcheskaia Litieratura (Literatura Jurídica), Moscou, 1993, p. 7.
[7]
 Acerca da gênese, do significado histórico e da função social do Estado, vide sobretudo FRIEDRICH
ENGELS,  Der  Ursprung  der  Familie,  des  Privateigentums  und  des  Staates  (A  Origem  da  Família,  da
Propriedade  Privada  e  do  Estado)  (Maio  1884),  in  :  Marx  und  Engels  Werke  (Obras  de  Marx  e  Engels),
Berlim,  1962,  Vol.  XXI,  pp.  165  e  s.;  VLADIMIR  I.  LENIN,  Gosudarstvo  i  Revolutsia.  Utchenie
Marksisma o Gosudarstve i Zadatchi Proletariata v Revoliutsi (Estado e Revolucao. A Doutrina do Marxismo
sobre o Estado e as Tarefas do Proletariado na Revoluçao) (1917), Moscou, 1989, pp. 6 et s. 
[8]
Tendo em conta o contexto mundial da literatura jurídico­burguesa contemporânea, não predomina sob o
aspecto terminológico qualquer orientação no uso das expressões separação, divisão, distribuição, repartição
de  poderes. Alguns  pensadores  preferem  usar  a  expressão  articulação  de  poderes para exprimir que não se
trataria de separar poderes, mas sim de articular as funções do poder uno e supremo do Estado. Sobre esse
debate  terminológico,  vide  sobretudo  WILHELM  HASBACH,  Gewaltentrennung,  Gewaltenteilung  und
gemischte  Staatsform  (Separação  de  Poderes,  Divisão  de  Poderes  e  Forma  Mista  de  Estado),  in  :
Vierteljahresschrift für Sozial­ und Wirtschaftsgeschichte (Escritos Quadrimestrais de História Econômica e
Social), Vol. XIII, 1916, pp. 562 e s.; A. SAINT GIRONS, Essai sur la Séparation des Pouvoirs, Paris, 1881,
pp.  3  e  s.;  CHARLES  EISENMANN,  L’Esprit  des  Lois  et  la  Séparation  des  Pouvoirs,  in  :  Mélanges
Raymond  Carré  de  Malberg,  Paris,  1933,  pp.  165  et  s.  tb.  in  :  Cahier  de  Philosophie  Politique,  Bruxelles,
1985,  pp.  35  e  s.;  IDEM,  Le  Système  Constitutionnel  de  Montesquieu  et  le  Temps  Présent,  in  :  Actes  du
Congrès  Montesquieu  de  Bourdeaux,  1956,  pp.  241  e  s.;  HANS  PETERS,  Die  Gewaltentrennung  in
moderner  Sicht  (A  Separação  de  Poderes  em  uma  Visão  Moderna),  in: Arbeitsgemeinschaft  für  Forschung
des  Landes  Nordrhein­Westfalen  (Grupo  de  Trabalho  de  Pesquisa  do  Estado  de  Nordrhein­Westfalen),
Caderno  25,  Köln,  1954,  pp.  5  e  s.;  MICHEL  TROPER,  La  Séparation  des  Pouvoirs  et  l’Histoire
Constitutionnelle Française, Thèse, Paris, 1967, pp. 3 et s.; IDEM, Charles Eisenmann contre le Mythe de la
Séparation des Pouvoirs, in : Cahiers de Philosophie et Politique, 1985, pp. 67 e s.; ERNST VON HIPPEL,
Gewaltenteilung im modernen Staate (Divisão do Poder no Estado Moderno), Berlim­Munique, 1949, pp. 7 e
s.; OTTO KÜSTER, Das Gewaltproblem im modernen Staat (O Problema do Poder no Estado Moderno),
in:  Archiv  des  öffentlichen  Rechts  (Arquivo  de  Direito  Público),  Vol.  LXXV,  pp.  397  e  s.;  MARTIN
DRATH, Gewaltenteilung im heutigen Deutschen Staatsrecht (Divisão do Poder no Direito Estado Alemao
de Hoje), in: Faktoren der Machtbildung (Fatores de Formação do Poder), Vol. II, 1952, pp. 99 e s.; HANS
BRILL,  Gewaltenteilung  im  modernen  Staat  (Divisão  de  Poderes  no  Estado  Moderno),  in  :
Gewerkschaftliche Monatshefte (Cadernos Mensais Sindicais), Vol. VII, Frankfurt a.M., 1956, pp. 385 e s.;
PETER  SCHNEIDER,  Zur  Problematik  der  Gewaltenteilung  im  Rechtsstaat  der  Gegenwart  (Acerca  da
Problemática da Divisão de Poderes no Estado de Direito da Atualidade), in : Archiv des öffentlichen Rechts
(Arquivo  de  Direito  Público),  Vol.  LXXXII,  1957,  pp.  21  e  s.;  WERNER  WEBER,  Die  Teilung  der
Gewalten als Gegenwartsproblem (A Divisão de Poderes enquanto Problema da Atualidade), in : Festschrift
für  C.  Schmitt  (Escritos  em  Homenagem  à  C.  Schmitt),  1959,  pp.  255  e  s.;  WERNER  KÄGI,  Von  der
klassischen Dreiteilung zur umfassenden Gewaltenteilung (Da Tripartição Clássica à Abrangente Divisão de
Poderes), in : Festschrift für H. Huber (Escritos em Homenagem à H. Huber), Bern, 1961, pp. 151 e s. Em
defesa  da  expressão  balanceamento  de  poderes,  vide  sobretudo  GEORG  JELLINEK,  Allgemeine
Staatslehre (Doutrina Geral do Estado) (1900), Berlim, 1920, pp. 613 e s.; IDEM, Eine Neue Theorie (Uma
Nova Teoria), in : Grünhuts Zeitschrift (Revista Grünhut), Vol. XXX, 1903, pp. 1 e s.; CARL  SCHMITT,
Verfassungslehre (Doutrina Constitucional), Munique­Leipzig, 1928, pp. 183 e 184.
[9]
  Cf.  GEORG  JELLINEK,  Allgemeine  Staatslehre  (Doutrina  Geral  do  Estado)(1900),  Berlim,  1920,
Capítulo XVIII : As Funções do Estado, p. 612.
[10]
  Cf.  VLADIMIR  I.  LENIN,  Die  nächsten  Aufgabe  der  Sowjetmacht.  Die  Internationale  Lage  der
Russischen  Sowjetrepublik  und  die  Hauptaufgaben  der  Sozialistischen  Revolution.  (A  Próxima  Tarefa  do
Poder Soviético. A Situação Internacional da República Soviética Russa e as Principais Tarefas da Revolução
Socialista.) (Março e Abril de 1918), in : W. I. Lenin Werke (Obras de LENIN), Vol. XXVII, Berlim, 1962,
pp. 256 e 257.  
[11]
  Vide  CARL  SCHMITT,  Die  Diktatur.  Von  den  Anfängen  des  modernen  Souveranitätsgedanken  bis
zum proletarischen Klassenkampf (A Ditadura. Dos Inícios do Pensamento Moderno de Soberania até a Luta
de Classes do Proletariado)(1928), Berlim, 1989, pp. 11 e s.
[12]
  Acerca  do  tema,  vide  PLATON,  La  République  ou  l’Etat,  in  :  Oeuvres  Complètes,  Tome  Septième,
Paris, 1912, p. VII e s., ou ainda PLATON, Politeia (O Estado), in : Sämmtliche Werke (Obras Completas),
Vol. III, Hamburg, 1958, pp. 71 e s. 
[13]
 Sobre a obra de Platão, observou Zippelius : „Em face do povo comum, da classe possuidora mais baixa,
surgem os dois estamentos dirigentes do Estado, tal como o pastor em face do gado, tal como, mais tarde, o
clero  em  face  dos  laios.  O  povo  deve  trabalhar  até  o  esgotamento.  Ele  é  conduzido.  Também  mentiras  e
engôdos são válidos para esse fim. Parece, diz Platão, „que os governantes tem de empregar muitas mentiras
e engôdos para o bem do governo“, pois tal como remédio essas coisas seriam extremamente necessárias.“
Vide REINHOLD ZIPPELIUS, Geschichte der Staatsideen (História das Idéias do Estado), Munique, 1989,
p. 24.   
[14]
  A  esse  respeito,  vide  PLATON,  Les  Lois,  in  :  ibidem,  Tome  Huitième,  Paris,  1913,  pp.  VIII  e  s.  ou
ainda  PLATON,  Nomoi,  in  :  ibidem,  Vol.  IV,  Hamburg,  pp.  11  e  s.    Sobre  o  tema  em  destaque,  observa
Jellinek  :  „No  primeiro  sistema  da  filosofia  pós­socrática  que  marcou  época,  na  doutrina  de  Platão,  a  lei
aparece  como  uma  regra  abstrata  e,  por  isso  mesmo,  enrijecida,  que  não  pode  ser  justa,  em  razão  de  sua
própria  generalização  uniforme  nos  preenchimentos  dos  casos  concretos,  onde  deve  encontrar  a  realidade.
Por isso, no melhor Estado não deve existir nenhuma lei vinculante. A visão filosófica do dominador, criada
a  partir  da  idéia  de  justiça,  é  que  deve  encontrar  para  cada  caso  individual  a  norma  que  lhe  cabe.“    Vide
GEORG JELLINEK, Gesetz und Verordnung (Lei e Regulamento), Freiburg, 1887, p. 36.   
[15]
 Cf. REINHOLD ZIPPELIUS, ibidem, p. 26.
[16]
 Acerca do tema, vide PLATON, Politeia (O Estado), in : Sämmtliche Werke(Obras Completas), Vol. III,
Hamburg, 1958, Cap. 5­11. 
[17]
  Vide  ARISTOTELES,  Πολιτιχον  Δ.  (Política),  in  :  Aristotelis  Opera,  ex.  Rec.  I.  Bekkeri,  Volumen
Alterum, Berlim, 1960, pp. 1.297 e 1.298. Vide tb. as traduções ARISTOTELES, Politik (Política), Leipzig,
1943,  especialmente  Cap.  14:  Acerca  das  Três  Coisas,  cuja  Instituição  diferencia  as  Constituições  e
condiciona  o  Bem  do  Estado  :  o  Poder  Consultivo,  a  Magistratura  e  a  Justiça,  pp.  150  e  s.,  ou  ainda
ARISTOTELE, La Politique, Tome I, Paris, 1962, especialmente IV­14: La Partie Délibérative de l’État, IV­
15: Le Pouvoir Exécutif, IV­16: Les Magistrats de l’Ordre Judiciaire, p. 315 e s.          
[18]
 Nesse sentido, escreve Georg Jellinek : „ Tendo em conta as funções que exercem esses três elementos
da  organização  estatal,  Aristóteles  elabora  uma  divisão  dos  negócios  do  próprio  Estado  :  aos  sujeitos
separados  devem  corresponder  funções  separadas.  Não  se  conclui  então,  indo  das  funções  para  os  órgãos,
senão muito mais, inversamente, indo dos órgãos para as funções.“ Vide GEORG JELLINEK, Allgemeine
Staatslehre (Teoria Geral do Estado)(1900), 1920, Berlim, p. 596. 
[19]
  Acerca  do  tema,  vide  HANS  KELSEN,  Die  hellenisch­makedonische  Politik  und  die  „Politik“  des
Aristoteles (A Política Helênico­Macedônia e a „Política“ de Aristóteles), in :  Aufsätze  zur  Ideologiekritik
(Ensaios para uma Crítica da Ideologia), Neuwied­Berlim, 1964, pp. 308 e s.
[20]
  Em  contraste  com  esse  nosso  posicionamento  crítico,  escreve  Pereira  Ribeiro  em  seu  artigo  :
“Aristoteles não chegou a formular uma teoria acerca da separação das funções do Estado, mas já na Grécia
Antiga, distinguiu que o governo se dividia em três partes : a que delibera acerca dos negócios públicos ; a
segunda,  que  exerce  a  magistratura  (  uma  espécie  de  função  executiva)  ;  e  a  terceira  é  a  que  administra  a
justiça.  Estas  três  partes  do  governo  discriminadas  por  Aristóteles  guardam  estreita  semelhança  com  as
modernas funções e ou poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. A importância dada ao funcionamento
destas  "três  partes  do  governo"  é  semelhante  ao  conferido  aos  três  poderes,  modernamente,  o  seja,  de
elemento  fundante  de  uma  sociedade  politicamente  organizada.  Diz  Aristóteles  (p.  233)  :  "Há  em  todo
governo  três  partes  nas  quais  o  legislador  sábio  deve  consultar  o  interesse  e  a  conveniência  particulares.
Quando  elas  são  bem  constituídas,  o  governo  é  forçosamente  bom,  e  as  diferenças  existentes  entre  essas
partes constituem os vários governos(...)” Vide LÚCIO R. PEREIRA RIBEIRO, Teoria da Separação dos
Poderes, p. 233.  
[21]
 Cf. KARL LOEWENSTEIN, Verfassungslehre (Doutrina Constitucional), Tübingen, 1975, p. 34.
[22]
 Vide MARCO T. CICERO,  De  Re  Publica,  Liber  Primus,  in  :  The  Loeb  Classical  Library,  London,
1956, pp. 64 e s.
[23]
  Acerca  da  divisão  do  poder  do  Estado  na  República  Romana,  vide  sobretudo  MONTESQUIEU,
Considération sur les Causes de la Grandeur des Romains et de leur Décandence, in : Oeuvres Complètes,
Paris, 1951, Vol. II, Chap. 11.; IDEM, De l’Esprit des Lois, in : ibidem, Seconde Partie, Chap. XII e s.
[24]
  Acerca  do  tema,  vide  p.ex.  KARL KROESCHELL,  Deutsche  Rechtsgeschichte  (História  do  Direito
Alemão), Darmstadt, 1989, Vol. I : Até 1250, especialmente : Os Príncipes Imperiais e a Senhoria Fundiária,
pp. 283 e s., Vol. II : de 1250 a 1650, especialmente : Príncipes e Império na Alta Idade Média, pp. 192 e s.;
KARL  A.  ECKHARDT,  Die  Gesetze  des  Karolingenreiches  (As  Leis  do  Império  Carolíngeo),  in  :
Germanengesetze (Leis Germânicas), Weimar, 1953, pp. 32 e s.
[25]
 Vide MARSILIUS DI PADUA, Defensor Pacis (O Defensor da Paz)(1324), Madrid, 1989, pp. 53 e s.
[26]
  Acerca  do  tema,  vide  p.ex.  WILHELM  BLUM  &  MICHAEL  RUPP.  Politische  Philosophen
(Filósofos Políticos), München : Bayerische Landeszentrale für pol. Bildung, 1992, pp. 60 e s.
[27]
  No  que  concerne  à  legislação  positiva  anglo­saxônica  do  período  da  Idade  Média  Baixa,  vide,
particularmente, DOMAS ÞE ÆÐELBIRHT CYNING ASETTE ON AGUSTINUS DÆGE (Leis que o
Rei Aethelbert  Promulgou  nos  Dias  de  Augustinho)  (601  –  604  bzw.  597  –  616),  (LXXVIII),  in  :    Leges
Anglo­Saxonum  (601—925),  ed.  K.  A.  Eckhardt  (1958),  S.  34.;  DOMAS  ĐE  HLOÞHÆRE  OND
EADRIC,  CANTWARA  CYNINGAS,  ASETTON  (Leis  que  Hlothere  e  Eadric,  Reis  de  Kent,
Promulgaram)  (685­686), (VI), in : Leges Anglo­Saxonum (601—925), ed. K. A. Eckhardt (1958), S. 42.;
Vgl. WIHTRÆDES DOMAS CANTWARA CYNINGES (Leis de Wihtred, Rei de Kent) (695), (XIII), in :
Leges  Anglo­Saxonum  (601—925),  ed.  K.  A.  Eckhardt  (1958),  S.  52.;  DOMAS  ÐE  INE  CYNCG
GECEAS (Leis Promulgadas pelo Rei Ine) (688­695), (XIII), in : Leges Anglo­Saxonum (601—925), ed. K.
A.  Eckhardt  (1958),  S.  140.;  DOMAS  ÐE  ÆLFRED  CYNCG  GECEAS  (Leis  Promulgadas  pelo  Rei
Alfred)  (871­900),  (X.9),  in  :  Leges  Anglo­Saxonum  (601—925),  ed.  K.  A.  Eckhardt  (1958),  S.  60.;
DOMAS ÐE ÆLFRED CYNCG OND GUÐRUM CYNCG GECURON  (Leis Promulgadas pelos Reis
Alfred e Guthrum) (921), (VII), in : Leges Anglo­Saxonum (601—925), ed. K. A. Eckhardt (1958), S. 188.;
EADWERDES GERÆDNESSE (Resoluções de Eadward) (900­ 925), (B ­ VI), in : Leges Anglo­Saxonum
(601—925), ed. K. A. Eckhardt (1958), S. 202. 
[28]
 Acerca do tema, vide PACTVS LEGIS SALICAE. Legvm Sectio I. Legvm Nationvm Germanicarvm,
Tomi  IV,  Pars  I,  (481  –  714),  in  :  Monvmenta  Germaniae  Historica.  Leges  Nationvm  Germanicarum,  ed.
Societas Aperiendis Fontibvs Rervm Germanicarvm, Hannover : Impensis Bibliopolii Hahniani, 1957, S. 82.;
LEX  RIBVARIA.  Legvm  Sectio  I.  Legvm  Nationvm  Germanicarvm,  Tomi  III,  Pars  II,  (634­764),  in  :
Monvmenta Germaniae Historica. Leges Nationvm Germanicarum, ed. Societas Aperiendis Fontibvs Rervm
Germanicarvm,  Hannover  :  Impensis  Bibliopolii  Hahniani,  1956,  S.  94.;  LEGES  ALAMANNORUM.
Legvm Sectio I. Legvm Nationvm Germanicarvm, Tomi V, Pars I, (613 – 623), in : Monvmenta Germaniae
Historica.  Leges  Nationvm  Germanicarum,  ed.  Societas  Aperiendis  Fontibvs  Rervm  Germanicarvm  Medii
Aevi,  Hannover  :  Impensis  Bibliopolii  Hahniani,  1888,  S.  22.;  LEX  FRISIONUM.  Legvm  Sectio  XII.
Fontes Iuris Germanici Antiqui in Usum Scholarum Separatim Editi, (802 – 890) in : Monvmenta Germaniae
Historica.  Leges  Nationvm  Germanicarum,  ed.  Karl.  A.  Eckhardt  und  Albrecht  Eckhardt,  Hannover  :
Hahnsche Buchhandlung, 1982, S. 46.; CONCILIA AEVI KAROLINI.  Legvm Sectio III. Concilia, Tomi
II, Pars I, (796 – 829),  in : Monvmenta Germaniae Historica. Leges Nationvm Germanicarum, ed. Societas.;
CAPITVLARIA REGVM FRANCORVM. Legvm Sectio II. Capitvlaria Regvm Francorvm, Tomvs I, (803
–  850),  in  :  Monvmenta  Germaniae  Historica.  Leges  Nationvm  Germanicarum,  ed.  Societas  Aperiendis
Fontibvs Rerum Germanicarvm Medii Aevi, Hannover : Hahnsche Buchhandlung, 1883, S. 122 u. 124. 
[29]
 Acerca do tema, vide vide p.ex. WILHELM BLUM & MICHAEL RUPP. Politische Philosophen
(Filósofos Políticos), München : Bayerische Landeszentrale für pol. Bildung, 1992, pp. 76 e s.
[30]
  A  respeito  do  tema,  BERNARD  HAMILTON.  The  Medieval  Inquisition  (A  Inquisição  Medieval),
New York: Holmes & Meier, 1981, pp. 3 e s.
[31]
  Vide  JOHN  A.  O'BRIEN.    The  Inquisition  (A  Inquisição),  New  York:  Macmillan;  London:  Collier
Macmillan, 1973, pp. 11 e s.
[32]
  Vide  EDWARD  PETERS,  Inquisition  (A  Inquisição),  New  York:  Free  Press;  London:  Collier
Macmillan, 1988, pp. 13 e s.
[33]
  Acerca  do  tema,  vide  JOHN  TEDESCHI,  The  Prosecution  of  Heresy:  Collected  Studies  on  the
Inquisition  in  Early  Modern  Italy  (O  Processamento  da  Heresia  :  Estudos  Selectos  sobre  a  Inquisição  na
Alvorada da Itália Moderna), Binghamton, NY: Center for Medieval and Early Renaissance Studies, 1991,
pp. 3 e s.
[34]
  Vide  FRIEDRICH  ENGELS,  Der  Ursprung  der  Familie,  des  Privateigentums  und  des  Staates  (A
Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado) (Maio 1884), in : Marx und Engels Werke (Obras de
Marx e Engels), Berlim, 1962, Vol. XXI, pp. 167 e s.
[35]
 Vide JEAN BODIN ANGEVIN, Les Six Livres de la République(1576), in : Corpus des Oeuvres de
Philosophie en Langue Française, Lyon, 1986, especialmente Chap. X : Des Vrayes de Souveraineté, pp. 295
e s.
[36]
  Vide  THOMAS  HOBBES  OF  MALMESBURY,  Leviathan  :  or  Matter,  Form  and  Power  of  a
Commonwealth,  Ecclesiastical  and  Civil  (Leviathan  :  ou  Matéria,  Forma  e  Poder  Eclesiástico  e  Civil  do
Estado)(1651), Vol. III, London, 1966, especialmente Ch. XVIII : Of the Rights of Sovereigns by Institution
(Dos Direitos dos Soberanos por Instituição), pp. 159 e s.
[37]
 Vide IDEM, ibidem, pp. 165 e s.
[38]
  Acerca  do  tema,  vide  CARL  SCHMITT,  Verfassungslehre  (Doutrina  Constitucional),  Munique­
Leipzig, 1928, pp. 183 e s.; HEINE O. BRAUN, Politische Philosophie (Filosofia Política), Hamburg, 1991,
pp.  130  e  s.;  REINHOLD  ZIPPELIUS,  Geschichte  der  Staatsideen  (História  das  Idéias  do  Estado),
Munique, 1989, p. 83. 
[39]
 O conceito de lei surgido com a moderna doutrina burguesa inglesa do Estado continha uma noção mais
rigorosa  do  que  a  lei  positiva  de  conteúdo  plenamente  volitivo,  característica  dos  Estados  capitalistas
imperialistas  do  século  XIX  e  XX. Nesse  sentido,  vide  FRIEDRICH  v.d.  HEYDTE,  Einführung  in  Vom
Geist der Gesetze (Introdução ao Espírito das Leis), Berlim, 1950, p. 29. 
[40]
 A esse respeito, vide KARL MARX, Kritik des Gothaer Programms (Crítica do Programa de Gotha), in
: Marx und Engels Werke (Obras de Marx e Engels), Berlim, 1962, Vol. XXIX, pp. 28 e s.
[41]
 Vide E. KLIMOWSKY, Die englische Gewaltenteilungslehre bis Montesquieu (A Doutrina da Divisão
dos Poderes até Montesquieu), Berlim­Leipzig, 1927, pp. 7 e s.; FRIEDRICH v.d. HEYDTE, ibidem, pp.
26 e s.
[42]
 Nesse sentido, vide KARL MARX, Zur Judenfrage (Acerca da Questão Judía) (1843­44), in: Marx und
Engels Werke. Gesamtausgabe MEGA (Obras de Marx e Engels: Edição Completa MEGA), Berlim, 1982,
Vol. II, p. 158.  Nesse sítio, Karl Marx sublinha : „O Direito do homem de propriedade privada é, portanto, o
Direito de gozar de seu partrimônio e dele dispor, arbitrariamente (à son gré), sem relacionar­se com outros
homens,  independentemente  da  sociedade,  é  o  Direito  do  próprio  uso.  Tanto  aquela  liberdade  individual
como essa aplicação do uso da mesma constituem os fundamentos da sociedade burguesa. Ela permite a todo
homem  encontrar  em  outro  homem  não  a  concretização, porém  muito  mais  o  limite  de  sua  liberdade.  Ela
proclama,  sobretudo,  porém  o  Direito  do  homem  „de  jouir  et  de  disposer  à  son  gré  de  ses  biens,  de  ses
revenus, du fruit de son travail et de son industrie “(de gozar et de dispor a seu grado de seus bens, de seus
rendimentos, do fruto de seu trabalho e de sua indústria).   
[43]
 Vide JEAN A. MAUROIS, Histoire de l’Angleterre, Paris, Tome V, 1962, pp. 167 e s.
[44]
 Vide CARL SCHMITT, Verfassungslehre (Doutrina Constitucional), Munique­Leipzig, 1928, pp. 183 e
s.;  IDEM,  Die  Diktatur.  Von  den  Anfängen  des  modernen  Souveranitätsgedanken  bis  zum  proletarischen
Klassenkampf  (A  Ditadura.  Dos  Inícios  do  Pensamento  Moderno  de  Soberania  até  a  Luta  de  Classes  do
Proletariado)(1928),  Berlim,  1989,  pp.  103  e  s.;  FRIEDRICH  v.d.  HEYDTE,  ibidem,  p.  27.  De  modo
nitidamente superficial e sem a precisa percepção da essência da problemática do balanceamento de poderes
que  perpassou  o  constitucionalismo  burguês  britânico  do  século  XVII  e  XVIII,  vide  EROS  R.  GRAU,  O
Direito Posto e o Direito Pressuposto, Sao Paulo, 1996, pp. 168 e s.
[45]
 Cf. GEORG JELLINEK, Gesetz und Verodnung (Lei e Regulamento), Freiburg, 1887, pp. 48 e s.
[46]
  Vide  JOHN  LOCKE,  The  Second  Treatise  of  Government.  An  Essay  Concerning  the  True  Original
Extent,  and  End  of  Civil  Governement  (O  Segundo  Tratado  do  Governo.  Um  Ensaio  sobre  a  Verdadeira
Extensão  Original  e  o  Fim  do  Governo  Civil)  (1690),  in  :  Two  Treatises  of  Government  of  John  Locke,
Cambridge, 1967, §§ 134 e s.
[47]
 Vide IDEM, ibidem, §§ 159, 160, 162.
[48]
  Cf.  FRIEDRICH  ENGELS,  Die  Lage  Englands  (A  Situação  da  Inglaterra),  especialmente  II:  Die
Englische Konstitution (II: A Constituição Inglesa), in : Marx & Engels Werke (Obras de Marx & Engels),
Vol. I, Berlim, 1961, p. 572.
[49]
 Nesse sentido, vide HENRY ST. JOHN, VISCOUNT OF BOLINBROKE, The Idea of a Patriot King
(A Idéia de um Rei Patriótico)(1738), in: FRIEDRICH v.d. HEYDTE, Einführung in Vom Geist der Gesetze
(Introdução ao Espírito das Leis), Berlim, 1950, pp. 15 e s. 
[50]
  Cf.  FRIEDRICH  ENGELS,  Die  Lage  Englands  (A  Situaçao  da  Inglaterra),  especialmente  II:  Die
Englische Konstitution (II: A Constituiçao Inglesa), in : Marx & Engels Werke (Obras de Marx & Engels),
Vol. I, Berlim, 1961, p. 572 e 573.
[51]
  No  momento  da  independência  dos  EUA,  adquirida  em  1776,  os  representantes  da  burguesia  norte­
americana inspiraram­se no sistema da divisão dos poderes existente na Inglaterra no início do século XVIII,
contido  em  linhas  gerais  na  Bill  of  Rigths,  baseando­se  para  tanto  na  leitura  dos  textos  de  Locke  e  de
Montesquieu. Nesse quadro, o Rei Britânico, dirigente dos Poderes Executivo, Federativo e de Pregorrativa,
irresponsável  perante  o  Parlamento,  haveria  de  ser  substituído  por  um  Presidente  de  Estado,  eleito
exclusivamente com base no sufrágio universal dos cidadãos da nova República Escravista dos EUA, com
vistas a encabeçar essa nova versão norte­americana de Poder Executivo. Esse Poder Executivo não deteria,
entretanto,  a  prerrogativa  de  promover  a  dissoluçao  do  Poder  Legislativo  que  o  deveria,  teoricamente,
contrabalançar. Por outro lado, o Parlamento Inglês, detendo em suas mãos o Poder Legislativo, haveria de
ser  substituído  por  um  Congresso  Nacional,  composto  por  duas  Câmaras,  desprovido,  entretanto,  da
atribuição de promover a destituição do Presidente da República. Nesse contexto,  a Declaração dos Direitos
de Vrigínia, de 1776, estabeleceu, em seu § 5°, que os Poderes Legislativo e Executivo de Estado deveriam
ser  separados  e  distintos  do  Poder  Judiciário.  A  dinâmica  da  dominação  política  da  burguesia  dos  EUA
confirmou, a seguir, um gradual fortalecimento do Poder Executivo Presidencial, bem como o crescimento
do  aparelho  burocrático­administrativo  colocado  sob  sua  representação  política,  ao  mesmo  tempo  em  que
consolidou, rapidamente, a estruturação do Poder Judiciário enquanto burocracia estatal de juízes guardiães
da  Constituição,  já  a  partir  de  1803.  Acerca  do  tema,  vide  THE  CONSTITUTION  OF  THE  UNITED
STATES  OF  AMERICA  FROM  MARCH  4,  1789,  Articles  I  e  s.,  New  York,  1969,  pp.  97  e  s.;
PHILIPPE GEORGES, Organisation Constitutionnelle et Administrative de la France, Paris, 1988, p. 22.;
CARL  SCHMITT,  Verfassungslehre  (Doutrina  Constitucional),  Munique­Leipzig,  1928,  pp.  185  et  s.;
DAVID  P.  CURRIE,  Die  Verfassung  der  Vereinigten  Staaten  von  Amerika  (A  Constituiçao  dos  EUA),
Frankfurt am Main, 1988, pp. 20 e s.
[52]
 Vide MONTESQUIEU, De l’Esprit des Lois(1748), in Oeuvres Complètes, Paris, 1951, especialmente
Seconde Partie, Liv. IX, Chap. VI, pp. 396 e s.
[53]
  Acerca  do  tema,  vide  FRIEDRICH  ENGELS  &  KARL  KAUTSKY,  Juristensozialismus  (O
Socialismo dos Juristas)(1887),  in:  Marx  und  Engels  Werke  (Obras  de  Marx  e  Engels),  Vol.  XXI,  Berlim,
1961, p. 492. 
[54]
 Cf. KARL  MARX  &  FRIEDRICH  ENGELS,  Die  Deutsche  Ideologia  (A  Ideologia  Alemã)  (1845­
1846), in : ibidem, Vol. III, p. 46.
[55]
 Segundo Montesquieu : „ Il y a dans chaque Etat trois sortes de pouvoirs : la puissance législative, la
puissance  exécutrice  des  choses  qui  dépendent  du  droit  de  gens,  et  la  puissance  exécutrice  de  celles  qui
dépendent  du  droit  civil.  Par  la  première,  le  prince  ou  le  magistrat  fait  des  lois  pour  un  temps  ou  pour
toujours,  et  corrige  ou  abroge  celles  qui  sont  faites.  Par  la  seconde,  il  fait  la  paix  ou  la  guerre,  envoie  ou
reçoit des ambassades, établit la sûreté, prévient les invasions. Par la troisième, il punit les crimes, ou juge les
différends  des  particuliers.  On  appellera  cette  dernière  la  puissance  de  juger,  et  l’autre  simplement  la
puissance exécutrice de l’Etat.“ Vide MONTESQUIEU, ibidem, Seconde Partie, Liv. XI, Chap. VI, pp. 396
e 397.
[56]
 Vide IDEM, ibidem, Seconde Partie, Liv. XI, Chap. VI, pp. 401 e 402.
[57]
 Vide IDEM, ibidem, Seconde Partie, Liv. XI, Chap. VI, pp. 400 e 401.
[58]
 Vide IDEM, ibidem, Seconde Partie, Liv. XI, Chap. VI, p. 403.
[59]
 Vide IDEM, ibidem, Seconde Partie, Liv. XI, Chap. VI, p. 405.
[60]
 Vide IDEM, ibidem, Seconde Partie, Liv. XI, Chap. VI, p. 398.
[61]
 Cf. IDEM, ibidem, Seconde Partie, Liv. XI, Chap. VI, p. 397.
[62]
 Cf. IDEM, ibidem, Seconde Partie, Liv. XI, Chap. VI, p. 398.
[63]
 Cf. MAURICE HAURIOU, Principes de Droit Public, Paris, 1916, p. 38.
[64]
  Cf.  ERNST  FORSTHOFF,  Einführung  in  Montesquieus  Vom  Geist  der  Gesetze  (Introdução  ao
Espírito das Leis de Montesquieu), Vol. I, Tübingen, 1951, p. XXXI.
[65]
 Vide MONTESQUIEU, ibidem, Seconde Partie, Liv. XI, Chap. VI, p. 404.
[66]
 Acerca do tema, vide KARL MARX, Zur Judenfrage (Sobre a Questao Judía)(1843­44), in: Marx und
Engels Werke  Gesamtausgabe MEGA (Obras de Marx e Engels. Ediçao Completa MEGA), Berlim, 1982,
Vol. II, pp. 158 e s.
[67]
 Apud WERNER WEBER, Die Teilung der Gewalten als Gegenwartsproblem (A Divisão dos Poderes
enquanto Problema da Atualidade), in : Festschrift für C. Schmitt (Escritos de Homenagem à Carl Schmitt),
Berlim, 1959, p. 254. 
[68]
 Cf. JEAN­JACQUES ROUSSEAU,  Du  Contrat  Social  ou  Principes  du  Droit  Politique(1756),  Paris,
1946, pp. 69 e 70.
[69]
 Cf. IDEM, ibidem, p. 122.
[70]
  Cf.  MAXIMILIAN  ROBESPIERRE,  La  Terreur  et  la  Vertu,  apud  :  Itinéraire  d’un  Tyran,  in  :
L’Histoire. Revue Mensuelle, Nr. 177, Mai 1994, Paris, p. 38. 
[71]
  Cf.  KARL  MARX,  Der  Achtzehnte  Brumaire  des  Louis  Bonaparte  (O  18  Brumário  de  Napoleao
Bonaparte), in: Marx und Engels Werke (Obras de Marx & Engels), Berlim, 1961, Vol. VIII, pp. 196 e 197.
[72]
 Cf. KARL KROESCHELL, Deutsche Rechtsgeschichte (História do Direito Alemao), Vol. III : Desde
1650, Darmstadt, 1993, especialmente : A Reforma da Administraçao da Justiça, pp. 163.
[73]
  Acerca  do  tema,  vide  WERNER  KÄGI,  Zur  Entstehung,  Wandlung  und  Problematik  des
Gewaltenteilungsprinzips  (Acerca  do  Surgimento,  Transformação  e  Problemática  do  Princípio  da  Divisão
dos  Poderes),  Zürich,  1937,  p.  45.;  MARTIN  DRATH,  Die  Gewaltenteilung  im  heutigen  Staatsrecht  (A
Divisão dos Poderes no Direito do Estado Atual), in: Faktoren der Machtbildung (Fatores da Formaçao do
Poder),  Vol.  II,  1952,  pp.  57  e  s.;  OTTO  KÜSTER,  Das  Gewaltproblem  im  heutigen  Staatsrecht  (O
Problema do Poder no Direito do Estado de Hoje), in : Archiv des öffentlichen Rechts (Arquivo de Direito
Público),  Vol.  LXXV,  p.  406.;  CARL  SCHMITT,  Verfassungslehre  (Doutrina  Constitucional),  Munique­
Leipzig, 1928, pp. 185 e s.
[74]
  Nesse  sentido,  ERICH  KAUFMANN,  Verwaltungsrecht  (Direito  Administrativo),  in  :  Stengel­
Fleischmanns Wörterbuch des Staats­ und Verwaltunsrechts (Dicionário Stengel­Fleischmann de Direito do
Estado e da Administração), Vol. III, §5°, pp. 692 e s.
[75]
 Vide VLADIMIR I. LENIN, Gosudarstvo i Revolutsia. Utchenie Marksisma o Gosudarstve i Zadatchi
Proletariata  v  Revoliutsi  (Estado  e  Revolução.  A  Doutrina  do  Marxismo  sobre  o  Estado  e  as  Tarefas  do
Proletariado na Revolução) (1917), Moscou, 1989, especialmente Cap. II.2 : O Balanço de uma Revolução,
pp. 27 e s.
[76]
  Acerca  do  tema,  vide  KARL  KROESCHELL,  Deutsche  Rechtsgeschichte  (História  do  Direito
Alemão), Vol. III : Desde 1650, Darmstadt, 1993, especialmente : A Reforma da Administração da Justiça,
pp.  163  e  s.;  EMMERICH  KERN,  Geschichte  des  Gerichtsverfassungsrechts  (História  do  Direito
Constitucional dos Tribunais), Berlim­Munique, 1954, pp. 55 e s.
[77]
 Com efeito, John Marshall é considerado o Great Chief Justice de todos os tempos da Supreme Court,
precisamente  porque  retirou­a  de  uma  posição  esquálida  e  anômala  no  quadro  do  sistema  de  dominação
política  da  burguesia  ascendente  norte­americana,  consolidando­a  no  exercício  de  sua  função  jurisidicional
em face dos Poderes Executivo e Legislativo, comandados então pela orientação política pequeno­burguesa
revolucionária de Thomas Jefferson e dos jeffersonianos. Com Marshall surgiu, precocemente, nos EUA a
concepção  burguesa­burocrática  conservadora  ­  correspondente  aos  interesses  da  grande  burguesia  norte­
americana  ­,  de  que  o  Poder  Judiciário  deve  modelar  a  Constituição  do  Estado  com  a  inteligência  e  a
respiração  de  sua  atividade  hermenêutica,  defendendo  a  unidade  nacional,  bem  como  as  garantias  de
propriedade privada  capitalista  e  segurança  burguesa.  Marshall defendeu,  pela  primeira  vez  na  história,  a
legitimidade constitucional da função do Poder Judiciário de controlar leis federais e estaduais, pronunciando
um julgamento final acerca de sua constitucionalidade.  Os principais posicionamentos teóricos de Marshall
acerca  da  nova  função  de  controle  de  constitucionalidade  do  Poder  Judiciário  podem  ser  encontrados,
sobretudo,  nas  célebres  decisões  da  Supreme  Court  denominadas  Marbury  v.  Madison,  de  1803,  e 
McCulloch v. Maryland, de 1818. Por outro lado, o Presidente Thomas Jefferson e os jeffersonianos foram
os grandes antagonistas da Judicial Review e do que denominavam Judicial Despotism, na medida em que
acreditavam violar esse procedimento de controle de constitucionalidade o próprio princípio da divisão dos
poderes, em razão da intromissão ilegitíma do Poder Judiciário no domínio do Legislativo e do Executivo.
Os jeffersonianos propunham, com efeito, que cada um dos Poderes decidisse suas questões constitucionais
por  si  mesmo,  sendo  responsável  por  elas  exclusivamente  perante  os  eleitores.    Vide  acerca  do  tema
THOMAS JEFFERSON, The Writings of Thomas Jefferson, New York, 1903­1904, Vols. XIV, p. 303, XV,
p. 212, 277 e 451, XVI, p. 47 e 114.; ROBERT L. CLINTON, Marbury v. Madison and Judicial Review,
New York, 1989, p. 3 e s.; U.S. SUPREME COURT, Members of the Supreme Court of the United States,
New York, 1993, pp. 11 e s.
[78]
 Acerca do tema, vide HENRY J. ABRAHAM, The Judicial Process, Oxford­Cambridge, 1993, pp. 358
e s.; DAVID P. CURRIE, Die Verfassung der Vereinigten Staaten von Amerika (A Constituiçao dos EUA),
Frankfurt am Main, 1988, pp. 20 e s.  
[79]
 Vide CARL SCHMITT, Das Reichsgericht als Hüter der Verfassung (O Tribunal do Império enquanto
Guardião da Constituição) in : Verfassungsrechtliche Aufsätze aus den Jahren 1924­1954, Berlim, 1958, pp.
63  e  s.;  tb.  ERNST  v.  HIPPEL,  Das  richterliche  Prüfungsrecht  (O  Direito  de  Prova  Judiciário),  in  :
Handbuch des Staatsrechts (Manual de Direito do Estado), 1932, pp. 546 e s.
[80]
 Acerca  do  tema,  vide  FRITZ  HARTUNG,  Deutsche  Verfassungsgeschichte  vom  15.  Jahrhundert  bis
zur Gegenwart (História Constitucional Alemã do Século XV até o Presente), Stuttgart, 1950, especialmente
§  62  :  Die  Entwicklung  der  Reichsverfassung  von  1919  bis  1933  (O  Desenvolvimento  da  Constituição
Imperial  de  1919  a  1933),  pp.  329  e  s.;  ERNST  RUDOLF  HUBER,  Reichsgewalt  und  Staatsgerichtshof
(Poder  Imperial  e  Corte  do  Tribunal  do  Estado),  Berlim­Munique,  1932,  especialmente  Dokumentarischer
Bericht über den Prozeß contra Reich vor dem Staatsgerichtshof (Relatório Documentário sobre o Processo
contra o Império diante da Corte do Tribunal do Estado), pp. 5 e s.
[81]
 Esse aspecto jurídico deve ser considerado, em primeiro lugar, desde uma perspectiva histórica, tendo
em conta a grande resistência dos juízes norte­americanos da Supreme Court em face das políticas públicas
social­intervencionistas,  impulsionadas  pelo  governo  burguês  de  Franklin  D.  Roosevelt  como  forma  de
remediar os efeitos catastróficos da Grande Depressão de 1929. A maioria conservadora da Supreme Court,
comandada pelo Chief  of  Justice  Charles  Evans  Hughes,  votava,  com  efeito,  sistematicamente,  contra  as
políticas contidas no New Deal, opondo­se até mesmo aos votos bem fundamentados de Harlan Fiske Stone.
Stone, entre 1941 e 1946, emergindo, então, como o sucessor rooseveltniano de Hughes, na qualidade agora
de  Chief  Justice  da  Supreme  Court,  nada  mais  logrou  senão  formar  uma  minoria  vigorosa  de  apoio  ao
Estado Social­Intervencionista Burguês, comandado por Roosevelt. Acerca do tema, vide U.S.  SUPREME
COURT, Members of the Supreme Court of the United States, New York, 1993, pp. 11 e s.
[82]
 Vide CARL SCHMITT, Der Hüter der Verfassung (O Guardião da Constituição), Tübingen, 1931, pp.
114 e s.; IDEM, Der Hüter der Verfassung (O Guardião da Constituição) (1929), in: Archiv des öffentlichen
Rechts (Arquivo de Direito Público), Vol. LV, Caderno 2, pp. 160 e s.; IDEM, Das Reichsgericht als Hüter
der  Verfassung  (O  Tribunal  do  Império  enquanto  Guardião  da  Constituição)  (1929),  in  :
Verfassungsrechtliche Aufsätze aus den Jahren 1924­1954, Berlim, 1958, pp. 63 e s.
[83]
 Nesse sentido, vide indícios dessa temática em ADOLF ARNDT, Das Bild des Richters (A Imagem do
Juiz), Karlsruhe, 1957, pp. 8 e s.
[84]
  Escrevendo  sobre  tema  com  os  óculos  da  ideologia  jurídico­burguesa,  vide  JUTTA  LIMBACH,  Das
Bundesverfassungsgericht  als  politischer  Machtfaktor  (O  Tribunal  Constitucional  Federal  enquanto  Fator
Político  de  Poder),  in  :  Immatrikulationsfeier  der  Humboldt­Universität  zu  Berlim  (Festa  de  Matrículas  da
Universidade Humbolt de Berlim), Berlim, 1995, pp. 1 e s.; KONRAD HESSE, Verfassungsrechtsprechung
im  geschichtlichen  Wandel  (Jurisprudência  Constitucional  em  Mudança  Histórica),  in:  Juristische  Zeitung
(Jornal  Jurídico),  1995,  pp.  265  e  s.;  CHRISTOPH  GUSY,  Das  Bundesverfassungsgericht  als  politischer
Faktor (O Tribunal Constitucional Federal como Fator Político) in : Europäische Gerichtsrechtzeitung (Jornal
do  Direito  dos  Tribunais  Europeus),  1982,  pp.  93  e  s.;  PETER  HÄBERLE,  Verfassungsgerichtsbarkeit
zwischen  Politik  und  Rechtswissenschaft  (Justicialidade  Constitucional  entre  Política  e  Ciência  Jurídica),
Königstein, 1980, p. 59.; GERHARDT LEIBHOLZ, Der Status des Bundesverfassungsgerichts (O Status
do Tribunal Constitucional Federal), in : Das Bundesverfassungsgericht 1951­1971, Karlsruhe, 1971, p. 32.
[85]
 Vide HANS­JOCHEN VOGEL, Gewaltenvermischung statt Gewaltenteilung (Intromissão de Poderes
ao invés de Divisão dos Poderes), in : Neue Juristische Woche (Nova Revista Jurídica), 1996, pp. 1.505 e s.;
THOMAS ELLWEIN, Der überforderte Staat (O Estado Sobrecarregado), Baden­Baden, 1994, p. 135.; LE
MONDE, Le Secret de la Puissance Allemande, 23 de Março de 1995, p. 20.
[86]
  Vide  FRIEDRICH  ENGELS,  Der  Ursprung  der  Familie,  des  Privateigentums  und  des  Staates  (A
Origem  da  Família,  da  Propriedade  Privada  e  do  Estado),  in  :  Marx  und  Engels  Werke  (Obras  de  Marx  e
Engels) (Maio 1884), Berlim, 1962, Vol. XXI, pp. 165 e s.
[87]
  Nesse  sentido,  vide  particularmente  VLADIMIR  I.  LENIN,  Gosudarstvo  i  Revolutsia.  Utchenie
Marksisma o Gosudarstve i Zadatchi Proletariata v Revoliutsi (Estado e Revolucao. A Doutrina do Marxismo
sobre o Estado e as Tarefas do Proletariado na Revoluçao) (1917), Moscou, 1989, especialmente Cap. I.1 : A
Sociedade de Classes e o Estado – O Estado, Produto do Antagonismo Inconciliável entre as Classes, pp. 5 et
s. 
[88]
 Vide FRIEDRICH ENGELS, ibidem, pp. 166 e s.
[89]
  Vide  IDEM,  Anti­Dühring.  Herrn  Eugen  Dühring’s  Umwälzung  der  Wissenschaft  (Anti­Dühring.  A
Subversão da Ciência do Sr. Eugênio Dühring) (Setembro 1876 – Junho 1878), in : Marx und Engels Werke
(Obras de Marx e Engels), Berlim, 1962, Vol. XX, pp. 261 e s.
[90]
 Cf. IDEM, Der Ursprung der Familie, des Privateigentums und des Staates (A Origem da Família, da
Propriedade  Privada  e  do  Estado)  (Maio  1884),  in  :  Marx  und  Engels  Werke  (Obras  de  Marx  e  Engels),
Berlim, 1962, Vol. XXI, pp. 165 e s.
ibidem, p. 167.
[91]
 Vide IDEM, ibidem, p. 168.
[92]
 Nesse sentido, vide precisamente KARL MARX, Brief an L. Kugelmann (Carta à L. Kugelmann) (12
de Abril de 1871), in: ibidem, Vol. XXXIII, p. 205.; FRIEDRICH ENGELS,  Anti­Dühring.  Herrn  Eugen
Dühring’s  Umwälzung  der  Wissenschaft  (Anti­Dühring.  A  Subversão  da  Ciência  do  Sr.  Eugênio  Dühring)
(Setembro 1876 – Junho 1878), in : Marx und Engels Werke (Obras de Marx e Engels), Berlim, 1962, Vol.
XX,  p.  171.;  VLADIMIR  I.  LENIN,  Gosudarstvo  i  Revolutsia.  Utchenie  Marksisma  o  Gosudarstve  i
Zadatchi Proletariata v Revoliutsi (Estado e Revolução. A Doutrina do Marxismo sobre o Estado e as Tarefas
do Proletariado na Revolução) (1917), Moscou, 1989, especialmente Cap. I.4 : A Sociedade de Classes e o
Estado ­ A „Extinção“ do Estado e a Revolução Violenta, pp. 16 e s.
[93]
 Vide KARL MARX, Kritik des Gothaer Programms (Crítica do Programa de Gotha), in : ibidem, Vol.
XXIX, pp. 28 e s.; VLADIMIR I. LENIN, ibidem, especialmente Cap. 5.2 : Os Fundamentos Econômicos
da Extinção do Estado – Transição do Capitalismo ao Comunismo, pp. 87 e s.
[94]
 Vide KARL MARX,  ibidem,  p.  30.  Vide  ainda  VLADIMIR  I.  LENIN,  ibidem,  especialmente  Cap.
5.3. : Os Fundamentos Econômicos da Extinção do Estado – A Primeira Fase da Sociedade Comunista. No
mesmo sentido, FRIEDRICH ENGELS, Zur Wohnungsfrage (Acerca da Questão Habitacional), in: ibidem,
Vol. XXVIII, pp. 226 e 227.
[95]
 Vide KARL MARX,  ibidem,  p.  31.  Vide  ainda  VLADIMIR  I.  LENIN,  ibidem,  especialmente  Cap.
5.4. : Os Fundamentos Econômicos da Extinção do Estado – A Fase Superior da Sociedade Comunista.
[96]
 Vide KARL MARX, Der politische Indifferentismus (O Indiferentismo Político)(Dezembro de 1873),
in:  ibidem,  Vol.  XXXVIII,  pp.  299  e  s.;  FRIEDRICH ENGELS,  Von  der  Autorität  (Sobre  a  Autoridade)
(Dezembro de 1873), in : ibidem, Vol. XXXVIII, pp. 305 e s.
[97]
  Vide  FRIEDRICH  ENGELS,  Anti­Dühring.  Herrn  Eugen  Dühring‘s  Umwälzung  der  Wissenschaft
(Anti­Dühring. A Subversao da Ciência do Sr. Eugênio Dühring) (Setembro 1876 – Junho 1878), in : Marx
und Engels Werke (Obras de Marx e Engels), Berlim, 1962, Vol. XX, p. 171.
[98]
 Vide KARL MARX, Das Elend der Philosophie (A Miséria da Filosofia), in : Marx und Engels Werke
(Obras de Marx e Engels), Berlim, 1962, Vol. IV, pp. 63 e s.
[99]
 Vide KARL MARX & FRIEDRICH ENGELS, Manifest der Kommunistischen Partei (Manifesto do
Partido Comunista), in : ibidem, Vol. IV, pp. 473 e s.
[100]
 Vide VLADIMIR I. LENIN, Gosudarstvo i Revolutsia. Utchenie Marksisma o Gosudarstve i Zadatchi
Proletariata  v  Revoliutsi  (Estado  e  Revolucao.  A  Doutrina  do  Marxismo  sobre  o  Estado  e  as  Tarefas  do
Proletariado  na  Revoluçao)  (1917),  Moscou,  1989,  especialmente  Cap.  II.I  :  O  Estado  e  A  Revolução.  A
Experiência de 1848­1851 ­  As Vésperas da Revolução, pp. 23 e s. 
[101]
  Vide  KARL  MARX,  Der  Achtzehnte  Brumaire  des  Louis  Bonaparte  (O  18  Brumário  de  Luís
Bonaparte, in : Marx und Engels Werke (Obras de Marx e Engels), Berlim, 1962, Vol. VIII, pp. 196 e s.
[102]
  Vide  VLADIMIR  I.  LENIN,  ibidem,  especialmente  Cap.  II.2  :  O  Estado  e  A  Revolução.  A
Experiência de 1848­1851 ­ O Balanço de uma Revolução, pp. 27 e s.
[103]
 Vide KARL MARX, Brief an J. Weydemeyer (Carta à J. Weydemeyer), in : Marx und Engels Werke
(Obras de Marx e Engels), Berlim, 1962, Vol. XXVIII, pp. 507 e 508.
[104]
 Vide VLADIMIR I. LENIN, Gosudarstvo i Revolutsia. Utchenie Marksisma o Gosudarstve i Zadatchi
Proletariata  v  Revoliutsi  (Estado  e  Revolucao.  A  Doutrina  do  Marxismo  sobre  o  Estado  e  as  Tarefas  do
Proletariado  na  Revoluçao)  (1917),  Moscou,  1989,  especialmente  Cap.  II.2  :  O  Estado  e  A  Revolução.  A
Experiência de 1848­1851 ­ O Balanço de uma Revolução, pp. 35 e s.
[105]
 Vide KARL MARX & FRIEDRICH ENGELS, Vorwort zum Manifest der Kommunistischen Partei
–  Deutsche  Ausgabe  1872,  Leipzig  (Prefácio  ao  Manifesto  do  Partido  Comunista.  Edição  Alemã  de  1872,
Leipzig), in : Marx und Engels Werke (Obras de Marx e Engels), Berlim, 1962, Vol. XVIII, pp. 92 e s.
[106]
 Vide KARL MARX, Brief an L. Kugelmann (Carta à L. Kugelmann)(12 de Abril de 1871), in: ibidem,
Vol. XXXIII, p. 205.
[107]
 Vide IDEM, Der Bürgerkrieg in Frankreich (A Guerra Civil na França), in : ibidem, Vol. XVII, pp. 336
e s.
[108]
 Vide IDEM, ibidem, pp. 337.
[109]
  Vide  KARL  MARX  &  FRIEDRICH  ENGELS,  Die  Partei  und  die  Internationale  (O  Partido  e  a
Internacional) (5 de Maio de 1875), in : ibidem, Vol. XIX, pp. 6 e 7.
[110]
 Vide VLADIMIR I. LENIN, Gosudarstvo i Revolutsia. Utchenie Marksisma o Gosudarstve i Zadatchi
Proletariata  v  Revoliutsi  (Estado  e  Revolucao.  A  Doutrina  do  Marxismo  sobre  o  Estado  e  as  Tarefas  do
Proletariado  na  Revoluçao)  (1917),  Moscou,  1989,  especialmente  Cap.  III.  2:  O  Estado  e  a  Revoluçao.  A
Experiência  da  Comuna  de  Paris(1871).  A  Análise  de  Marx  –  Com  o  que  Substituir  a  Máquina  Estatal
Despedaçada ?, pp. 40 e s.
[111]
  Vide  KARL  MARX,  Der  Bürgerkrieg  in  Frankreich  (A  Guerra  Civil  na  França),  in  :  ibidem,  Vol.
XVII, pp. 336 e 337.
[112]
 Vide IDEM, ibidem, p. 338 e 339. Vide ainda FRIEDRICH ENGELS, Kritik des Erfurter Programms
(Crítica ao Programa de Erfurt)(1891), in: ibidem, Vol. XXII, pp. 225 e s.
[113]
  Nesse  sentido,  vide  precisamente  VLADIMIR  I.  LENIN,  Gosudarstvo  i  Revolutsia.  Utchenie
Marksisma o Gosudarstve i Zadatchi Proletariata v Revoliutsi (Estado e Revolucao. A Doutrina do Marxismo
sobre o Estado e as Tarefas do Proletariado na Revoluçao) (1917), Moscou, 1989, especialmente Cap. III.3 :
O Estado e a Revolução. A Experiência da Comuna de Paris(1871). A Análise de Marx – A Supressão do
Parlamentarismo, pp. 45 e s.
[114]
 Cf. KARL MARX, Der Bürgerkrieg in Frankreich (A Guerra Civil na França), in : ibidem, Vol. XVII,
p. 341.
[115]
  Vide  VLADIMIR  I.  LENIN,  ibidem,  especialmente  Cap.  II.2  :  O  Estado  e  A  Revolução.  A
Experiência de 1848­1851 ­ O Balanço de uma Revolução, pp. 27 e s.
[116]
  Vide  VLADIMIR  I.  LENIN,  ibidem,  especialmente  Cap.  III.1  :  O  Estado  e  a  Revolução.  A
Experiência da Comuna de Paris(1871). A Análise de Marx – Em que consiste o Heroísmo da Tentativa dos
Communards, pp. 36 e s.
[117]
  Acerca  do  tema,  vide  as  observaçoes  de  LEON  TROTSKY,  Predanaia  Revoliutsia  (A  Revolução
Traída) (1936), especialmente  Ch. 3.1. Capitalismo e Estado – O Regime de Transição, Moscou, 1991, pp.
39 e s.    
[118]
  Acerca  ao  tema,  vide  VLADIMIR  I.  LENIN,  Gosudarstvo  i  Revolutsia.  Utchenie  Marksisma  o
Gosudarstve  i  Zadatchi  Proletariata  v  Revoliutsi  (Estado  e  Revolução.  A  Doutrina  do  Marxismo  sobre  o
Estado  e  as  Tarefas  do  Proletariado  na  Revolução)  (1917),  especialmente  5.3.  Economitcheskie  Osnovy
Otmirania Gosudarstva – Piervaia Faza Komunistitcheskovo Obschchestva (Os Fundamentos Econômicos da
Extinção do Estado – Primeira Fase da Sociedade Comunista), Moscou, 1989, pp. 92 e s.; KARL MARX,
Kritik des Gothaer Programms, in : Marx und Engels Werke (Obras de Marx e Engels), Berlim, 1962, Vol.
XIX,  pp.  31  e  s.  Sobre  o  estágio  relativamente  atrasado  do  capitalismo  russo,  vide,  p.  ex.,  LÉON
TROTSKY,  Permanent  Revolution  &  Results  and  Prospects  (1906/1930),  especialmente  Ch.  I.  The
Peculiarities of Russian  Historical  Development  (As  Peculiaridades  do  Desenvolvimento Histórico Russo),
London, 1931, pp. 5 e s.; IDEM, Predanaia Revoliutsia (A Revoluçao Traída) (1936), Ch. 3.4. Capitalismo e
Estado – „Escassez Generalizada e Polícia, pp. 45 e s.  
[119]
 Vide VLADIMIR I. LENIN, ibidem, Cap. III.3 : O Estado e a Revolução. A Experiência da Comuna
de Paris(1871). A Análise de Marx – A Supressão do Parlamentarismo, pp. 50 e s.
[120]
 Vide IDEM, ibidem, Cap. III.2 : O Estado e a Revolução. A Experiência da Comuna de Paris(1871). A
Análise de Marx – Com o que Substituir a Máquina Estatal Despedaçada ?, pp. 42 e 43.
[121]
  LEON  TROTSKY,  Predanaia  Revoliutsia  (A  Revoluçao  Traída)  (1936),  especialmente    Ch.  3.2.
Capitalismo e Estado – Programa e Realidade, Moscou, 1991, pp. 41 e s.    
[122]
 Cf. PIOTR I. STUTCHKA, Staryi i Novyi Sud (Tribunal Velho e Novo) (1918), in : 13 Let Borbyi za
Revoliutsionno­Marksistskyiu  Teoriu  Prava  (13  Anos  de  Luta  pela  Teoria  do  Direito  Revolucionária
Marxista), Moscou, 1931, Cap. II : Borba za Razruschenie Burjuaznovo Prava i Suda (Luta pela Destruição
do Direito e do Tribunal Burgueses), p. 7.
[123]
 Cf. IDEM, ibidem, pp. 13 e 14.
[124]
  Algumas  modificações  posteriores  desse  ato  normativo,  de  caráter  essencialmente  suplementar,
surgiram, então, com o Decreto Nr. 2, de 7 de março de 1919, o Decreto Nr. 3, de 20 de julho de de 1918, e,
a seguir, como o Regulamento do Tribunal Popular da República Soviética da Federação Socialista Russa,
de  30  de  novembro  de  1918.  Acerca  do  tema,  vide  DEKRET  O  SUDE  (Decreto  sobre  o  Tribunal)
(Publicado no Nr. 17 da Gazeta do Governo Operário e Camponês Provisório de 24 de Novembro de 1917),
in:  Piotr  Stutchka,  13  Let  Borbyi  za  Revoliutsionno­Marksistskyiu  Teoriu  Prava  –  Prilojenia  (13  Anos  de
Luta pela Teoria do Direito Revolucionária Marxista – Apêndice), Moscou, 1931, pp. 229 e s.  
[125]
 Cf. ibidem, Stat. 1°, p. 229.
[126]
 Acerca do tema, vide PIOTR I. STUTCHKA, Staryi i Novyi Sud (Tribunal Velho e Novo)(1918), in :
ibidem,  Cap.  II  :  Borba  za  Razruschenie  Burjuaznovo  Prava  i  Suda  (Luta  pela  Destruição  do  Direito  e  do
Tribunal Burgueses), pp. 7 e s.   
[127]
 Cf. IDEM, ibidem, p. 13.
[128]
 Vide IDEM, ibidem, p. 13.
[129]
 Vide IDEM, ibidem, p. 8.
[130]
 Vide IDEM, ibidem, p. 9. Vide ainda DEKRET O SUDE (Decreto sobre o Tribunal) (Publicado no
Nr.  17  da  Gazeta  do  Governo  Operário  e  Camponês  Provisório  de  24  de  Novembro  de  1917),  in:  ibidem,
Stat. 2, p. 229.
[131]
 Vide PIOTR I. STUTCHKA, ibidem, p. 12.
[132]
  Vide  DEKRET  O  SUDE  (Decreto  sobre  o  Tribunal)  (Publicado  no  Nr.  17  da  Gazeta  do  Governo
Operário e Camponês Provisório de 24 de Novembro de 1917), in: ibidem, Stat. 2, p. 229.
[133]
 Vide ibidem, Stat. 2, p. 229.
[134]
 Vide PIOTR I. STUTCHKA, Staryi i Novyi Sud (Tribunal Velho e Novo)(1918), in : ibidem, Cap. II :
Borba za Razruschenie Burjuaznovo Prava i Suda (Luta pela Destruição do Direito e do Tribunal Burgueses),
p. 13.
[135]
  Vide  IDEM,  ibidem,  p.  12.  Vide  tb.  VLADIMIR  I.  LENIN,  Brief  an  D.  I.  Kurski  (Carta  à  D.  I.
Kurski), in : W. I. Lenin Weke (Obras de V.I. Lenin), Vol. XXXVI (1900­1923), p. 508.
[136]
  Vide  DEKRET  O  SUDE  (Decreto  sobre  o  Tribunal)  (Publicado  no  Nr.  17  da  Gazeta  do  Governo
Operário e Camponês Provisório de 24 de Novembro de 1917), in: ibidem, Stat. 2, p. 229.
[137]
 Vide, ibidem, Stat. 3, p. 229.
[138]
 Vide PIOTR I. STUTCHKA, Staryi i Novyi Sud (Tribunal Velho e Novo)(1918), in : ibidem, Cap. II :
Borba za Razruschenie Burjuaznovo Prava i Suda (Luta pela Destruição do Direito e do Tribunal Burgueses),
p. 14.
[139]
 Vide IDEM, ibidem, p. 14.
[140]
  Vide  DEKRET  O  SUDE  (Decreto  sobre  o  Tribunal)  (Publicado  no  Nr.  17  da  Gazeta  do  Governo
Operário e Camponês Provisório de 24 de Novembro de 1917), in: ibidem, Stat. 3, p. 229.
[141]
 Vide PIOTR I. STUTCHKA, Staryi i Novyi Sud (Tribunal Velho e Novo)(1918), in : ibidem, Cap. II :
Borba za Razruschenie Burjuaznovo Prava i Suda (Luta pela Destruiçao do Direito e do Tribunal Burgueses),
p. 9.
[142]
  Vide  DEKRET  O  SUDE  (Decreto  sobre  o  Tribunal)  (Publicado  no  Nr.  17  da  Gazeta  do  Governo
Operário e Camponês Provisório de 24 de Novembro de 1917), in: ibidem, Stat. 8, p. 230.
[143]
 Vide ibidem, Stat. 4, p. 230.
[144]
 Vide PIOTR STUTCHKA, Staryi i Novyi Sud (Tribunal Velho e Novo)(1918), in : ibidem, Cap. II :
Borba za Razruschenie Burjuaznovo Prava i Suda (Luta pela Destruição do Direito e do Tribunal Burgueses),
pp. 11 e 14. Vide ainda acerca dos Tribunais Revolucionários dos Operários e Camponeses, VLADIMIR I.
LENIN, Zum Dekret über die Revolutionstribunale (Acerca do Decreto dos Tribunais Revolucionários) (30
de Março de 1918), in : W. I. Lenin Weke (Obras de V.I. Lenin), Vol. XXVII  (De Fevereiro à Julho de 1918),
p. 209.; IDEM, Entwurf eines Beschlusses des Rats der Volkskomissare (Projeto de Resolução do Conselho
dos Comissários do Povo), (Março de 1918), in : ibidem, p. 210.; IDEM, Brief an D. I. Kurski (Carta à D. I.
Kurski) (8 de Maio de 1918), in ibidem, Vol. XXXV (De Fevereiro de 1912 à Dezembro de 1922), p. 309. 
[145]
  Vide  DEKRET  O  SUDE  (Decreto  sobre  o  Tribunal)  (Publicado  no  Nr.  17  da  Gazeta  do  Governo
Operário  e  Camponês  Provisório  de  24  de  Novembro  de  1917),  in:  ibidem,  Stat.  5.  p.  230.  Acerca  do
significado particular da consciência revolucionária do Direito na obra de Stutchka,  vide nossa traduçao de
PIOTR STUTCHKA, O Problema do Direito de Classe e da Justiça de Classe(1922), Sao Paulo­Munique­
Rio de Janeiro, 1999, especialmente : A Revoluçao Proletária e a Lei Burguesa, pp. 23 e s., A Consciência
Revolucionária do Direito, pp. 25 e s. Vide tb. IDEM, Staryi i Novyi Sud (Tribunal Velho e Novo)(1918), in
: ibidem, Cap. II : Borba za Razruschenie Burjuaznovo Prava i Suda (Luta pela Destruiçao do Direito e do
Tribunal Burgueses), p. 11.  
[146]
 Cf. ibidem, Stat. 5, p. 230. Acerca desse ponto, observou Stutchka precisamente : „ Essa idéia não é
minha, porém considero­a tanto mais correta que cuidarei de defendê­la contra todos os seus críticos. Como
já  escrevi  diversas  vezes,  essa  fórmula  pertence  a  V.  I.  Lenin.  Deve­se  recordar  que,  nessa  época,
participavam  do  governo  também  os  sociais­revolucionários  de  esquerda.    Aparentemente,  a  mais
significativa  de  todas  essas  críticas  foi  a  de  que  entre  os  programas  de  ambos  esses  partidos  subsistiam
desacordos,  exemplificativamente  quanto  à  questão  acerca  da  nacionalização  ou  socialização  da  terra.
Segundo Lenin, „enquanto nós permanecermos no quadro da produção mercantil e do capitalismo, a abolição
da  propriedade  da  terra  representa  uma  nacionalização  da  terra.  A  palavra  „socialização“  expressa  apenas
uma tendência, um desejo, de preparação da transição ao socialismo (Lenin, Out. 1918, Vol XV, p. 519).“ (...)
Para  além  desse  desacordo,  existem  suficientes  pontos  de  convergência  que  conferem  à  codificaçao
(compêndio)  do  Direito  revolucionário  suficientes  indicações  para  a  aniquilação  de  volumes  inteiros  de
antigas leis e a sua substituição por um novo Direito escrito ou apenas interior à consciência. Tome­se como
exemplo  a  abolição  dos  estamentos,  a  elegibilidade  dos  juízes,  a  separação  da  Igreja  do  Estado,  a  plena
liberdade  de  consciência,  a  jornada  de  trabalho  de  oito  horas,  a  confiscação  das  terras  dos  proprietários
fundiários etc. Essas reinvindicações do programa mínimo possuem ou não significado jurídico determinado
?“ Vide IDEM, ibidem, p. 11. 
[147]
  Cf.  VLADIMIR  I.  LENIN,  V.  Gesamtrussischer  Kongress  der  Sowjets  der  Arbeiter­,  Bauern­,
Soldaten  und  Rotarmistendeputierten  (V.  Congresso  dos  Soviets  de  Deputados  Operários,  Soldados,
Camponeses  e  Combatentes  do  Exército  Vermelho)  (De  4  a  10  de  Julho  de  1918),  in  :  W.  I.  Lenin  Weke
(Obras de V.I. Lenin), Vol. XXVII (De Fevereiro à Julho de 1918), p. 519.
[148]
  Cf.  IDEM,  Bericht  über  die  Aussen­  und  Innenpolitik  des  Rats  der  Volkskomissare.  Sitzung  des
Petrograder  Sowjets  (Relatório  sobre  a  Política  Externa  e  Interna  do  Conselho  dos  Comissários  do  Povo.
Sessão  do  Soviet  de  Petrogado)  (12  de  Março  de  1919),  in  :  ibidem,  Vol.  XXIX  (De  Março  à  Agosto  de
1919), p. 15.
[149]
 Vide IDEM, Notiz für D. I. Kurski. (Nota para D. I. Kurski) (20 de Fevereiro de 1922), in : ibidem,
Vol. XXXVI (1900­1923), p. 550. Acerca do mesmo tema, vide ainda IDEM, Brief an D. I. Kurski (Carta à
D. I. Kurski) (28 de Fevereiro de 1922), in : ibidem, Vol. XXXIII (De Agosto de 1921 à Março de 1923), pp.
186 e 187.
[150]
 Vide PIOTR I. STUTCHKA, Staryi i Novyi Sud (Tribunal Velho e Novo)(1918), in : ibidem, Cap. II :
Borba za Razruschenie Burjuaznovo Prava i Suda (Luta pela Destruição do Direito e do Tribunal Burgueses),
p. 10.
[151]
  Cf.  CONSTITUTION  OF  THE  RUSSIAN  SOCIALIST  FEDERATED  SOVIET  REPUBLIC,
Adopted  by  the  Fifth  All­Russia  Congress  of  Soviets  (Adotada  pelo  V  Congresso  dos  Soviets  de  Toda
Rússia), Parte III Estrutura do Governo Soviético, Moscou, 10 de Julho de 1918.
[152]
  Cf.  VLADIMIR  I.  LENIN,  Erster  Absatz  des  Programmpunkts  über  das  Gericht.  Entwurf  des
Programms der KPR(B). (Primeiro Parágrafo do Ponto do Programa sobre o Tribunal. Projeto do Programa
do PCR(B)) (1919), in: W. I. Lenin Weke (Obras de V.I. Lenin), Vol. XXIX (De Março à Agosto de 1919), p.
115.
[153]
  Cf.  IDEM,  Bericht  über  die  Tätigkeit  des  Rats  der  Volkskomissare  11(24)  Januar  1918.  (Relatório
acerca das Atividades do Conselho dos Comissários do Povo de 11 (24) de Janeiro de 1918), in : ibidem, Vol.
XXVI (De Setembro de 1917 à Fevereiro de 1918), Berlim, 1961, pp. 464 e s.
[154]
 Cf. IDEM, Referat über die Revision des Parteiprogramms und die Änderung des Namens der Partei
vom 8. März 1918. (Relatório sobre a Revisão do Programa do Partido e a Alteração do Nome do Partido, de
8 de Março de 1918), in: ibidem, Vol. XXVII (De Fevereiro à Julho de 1918), p. 122.
[155]
 Cf. IDEM, Urprünglicher Entwurf des Artikels „Die nächsten Aufgaben der Sowjetmacht, diktiert am
28.  März  1918,  (Esboço  Original  do  Artigo  „As  Próximas  Tarefas  do  Poder  Soviético,  Ditado  em  28  de
Março de 1918), in: ibidem, Vol. XXVII (De Fevereiro à Julho de 1918), pp. 207 e 208. 
[156]
  Cf.  IDEM,  Die  proletarische  Revolution  und  der  Renegat  Kautsky  (A  Revolução  Proletária  e  o
Renegado  Kautsky)  (Outubro­Novembro  de  1918),  Título  :  Bürgerliche  und  Proletarische  Demokratie
(Democracia Burguesa e Proletária), in : ibidem, Vol. XXVIII (De Julho de 1918 à Março de 1919), p. 248. 
[157]
 Cf. IDEM,  Brief  an  D.  I.  Kurski.  (Carta  à  D.  I.  Kurski)  (3  de  Setembro  de  1921),  in  :  ibidem, Vol.
XXXV  (De  Fevereiro  de  1912  à  Dezembro  de  1922),  p.  497.  No  mesmo  sentido,  IDEM,  Brief  an  D.  I.
Kurski  (Carta  à  D.  I.  Kurski)  (17  de  Janeiro  de  1922),  in  :  ibidem,  Vol.  XXXV  (De  Fevereiro  de  1912  à
Dezembro de 1922), pp. 511 e 512.; IDEM, Zweiter Politischer Bericht des ZK. XI  Parteitag  der  KPR(B)
(Segundo Relatório Político do Comitê Central. XI Congresso do PC da Rússia(B)) (de 27 de Março à 2 de
Abril de 1922), in : ibidem, Vol. XXXIII (De Agosto de 1921 à Março de 1923), p. 278 e 284.
[158]
 Acerca desse tema, vide IDEM, Brief an P. A. Bogdanow (Carta à  P. A. Bogdanov) (23 de Dezembro
de 1921), in : ibidem, Vol XXXVI (1900­1923), p. 545.
[159]
  Cf.  IDEM,  Über  die  Innen­  und  Aussenpolitik.  IX  Gesamtrussischer  Sowjetkongreß  (Acerca  da
Política Interna e Externa. IX Congresso dos Soviets de Toda a Rússia) (de 23 a 28 de dezembro de 1921), in
: ibidem, Vol. XXXVIII (De Agosto de 1921 a Março de 1923), p. 155.
[160]
 Cf. IDEM, Bericht über das Parteiprogramm. VIII Parteitag der KPR(B) (Relatório sobre o Programa
do Partido. VIII Congresso do PC da Rússia(B)) (De 18 à 23 de Março de 1919), in : ibidem, Vol. XXIX (De
Março à Agosto de 1919), pp. 168 e 169.
[161]
  Cf.  IDEM,  Der  „linke  Radikalismus“.  Die  Kinderkrankheit  im  Kommunismus  (O  „Radicalismo  de
Esquerda“. A Enfermidade Infantil do Comunismo), Título : Falsche Schlüsse aus richtigen Voraussetzungen
(Falsas Conclusões tiradas a partir de Pressupostos Corretos)  (Junho de 1920), in : ibidem, Vol. XXXI (De
Abril a Dezembro de 1920), pp. 103 e 104.
[162]
 Cf. IDEM, Über die Naturalsteuer. Die Bedeutung der neuen Politik und ihre Bedeutung. (Acerca do
Imposto em Natura. O Significado da Nova Política e seu Significado) (21 de Abril de 1921), in :  ibidem,
Vol. XXXII (De Dezembro de 1920 a Agosto de 1921), pp. 364 e 365.  
[163]
 Cf. IDEM, Brief an A. D. Ziurupa (Carta à A. D. Ziurupa) (21 de Fevereiro de 1922), in : ibidem, Vol.
XXXVI (1900­1923), p. 551. 
[164]
 Cf. IDEM, Brief an D. I. Kurski (Carta à D. I. Kurski) (12 de Abril de 1922), in : ibidem, Vol. XXXVI
(1900­1923), pp. 563 e 564.
[165]
 Cf. IDEM,  Drittes  Schlußwort  zum  politischen  Bericht  des  ZK.  XI  Parteitag  der  KPR(B).  (Terceira
Conclusao ao Relatório Político do Comitê Central do PC da Rússia(B). XI Congresso do PC da Rússia(B)
(de 27 de Março à 2 de Abril de 1922), in : ibidem, Vol. XXXIII (De Agosto de 1921 à Março de 1923), p.
299.
[166]
 Cf. IDEM, Brief an D. I. Kurski (Carta à D. I. Kurski) (17 de Maio de 1922), in : ibidem, Vol. XXXIII
(De Agosto de 1921 a Março de 1923), pp. 344 e 345.
[167]
 Vide LEON TROTSKY, Predanaia Revoliutsia (A Revoluçao Traída) (1936), especialmente  Ch. 3.1.
Capitalismo  e  Estado  –  O  Regime  de  Transição,  Moscou,  1991,  pp.  39  e  s.  Acerca  do  tema,  vide  ainda
IDEM,  Agonia  Kapitalizma  i  Zadatchi  IV  Internatsionala  (A  Agonia  do  Capitalismo  e  as  Tarefas  da  IV
Internacional), especialmente A Situação da URSS e as Tarefas da Época de Transição, Paris, 1938, pp. 14 e
s. Suplementarmente, vide acerca dessa temática KARL MARX, Kritik des Gothaer Programms, in : Marx
und Engels Werke (Obras de Marx e Engels), Berlim, 1962, Vol. XIX, pp. 29 e s.; VLADIMIR I. LENIN,
Gosudarstvo i Revolutsia. Utchenie Marksisma o Gosudarstve i Zadatchi Proletariata v Revoliutsi (Estado e
Revolução.  A  Doutrina  do  Marxismo  sobre  o  Estado  e  as  Tarefas  do  Proletariado  na  Revolução)  (1917),
especialmente  5.3.  Economitcheskie  Osnovy  Otmirania  Gosudarstva  –  Piervaia  Faza  Komunistitcheskovo
Obschchestva  (Os  Fundamentos  Econômicos  da  Extinção  do  Estado  –  Primeira  Fase  da  Sociedade
Comunista), Moscou, 1989, pp. 92 e s.    
[168]
  Vide  LEON  TROTSKY,  Predanaia  Revoliutsia  (A  Revoluçao  Traída)  (1936),  Moscou,  1991,
especialmente    Ch.  3.1.  Capitalismo  e  Estado  –  O  Regime  de  Transição,  pp.  39  e  s.  e,  ainda,  Ch.  3.3.
Capitalismo e Estado ­ O Duplo Caráter do Estado dos Trabalhadores, pp. 43 e s.      
[169]
 Vide IDEM, ibidem, especialmente Ch. 3.2. Capitalismo e Estado – Programa e Realidade, p. 42.
[170]
 Vide IDEM, ibidem, especialmente Ch. 3.2. Capitalismo e Estado – Programa e Realidade, p. 42. Vide
ainda IDEM, Agonia Kapitalizma i Zadatchi IV Internatsionala (A Agonia do Capitalismo e as Tarefas da IV
Internacional), especialmente A Situação da URSS e as Tarefas da Época de Transição, Paris, 1938, pp. 14 e
s.    
[171]
 Vide VLADIMIR I. LENIN, Gosudarstvo i Revolutsia. Utchenie Marksisma o Gosudarstve i Zadatchi
Proletariata  v  Revoliutsi  (Estado  e  Revolução.  A  Doutrina  do  Marxismo  sobre  o  Estado  e  as  Tarefas  do
Proletariado  na  Revolução)  (1917),  especialmente  5.4.  Economitcheskie  Osnovy  Otmirania  Gosudarstva  –
Vysschaia Faza Komunistitcheskovo Obschchestva (Os Fundamentos Econômicos da Extinção do Estado – 
Fase Superior da Sociedade Comunista), Moscou, 1989, p. 100.
[172]
 Cf. LÉON TROTSKY,  Predanaia  Revoliutsia  (A  Revoluçao  Traída)  (1936),  Ch.  3.3.  Capitalismo  e
Estado ­ O Duplo Caráter do Estado dos Trabalhadores, Moscou, 1991, p. 44.
[173]
 Cf. IDEM, ibidem.
[174]
 Cf. IDEM, ibidem, especialmente Ch. 3.4. Capitalismo e Estado – „Escassez Generalizada“ e Polícia,
pp. 46.  
[175]
 Cf. IDEM, Agonia Kapitalizma i Zadatchi IV Internatsionala (A Agonia do Capitalismo e as Tarefas da
IV Internacional), especialmente A Situação da URSS e as Tarefas da Época de Transição, Paris, 1938, pp.
15 e 16.
[176]
  Cf.  CONSTITUTION  OF  THE  UNION  OF  SOVIET  SOCIALIST  REPUBLICS,  Adopted
December 1936 (Adotada em Dezembro de 1936), Ch. IX : Os Tribunais e a Procuradoria, Moscou, 1938.  
 [MSOffice1]

Você também pode gostar