ESCOLA COMO DEMOCRACIA OU ESCOLA DEMOCRATIVA E EVOLUÇÃO DO
SISTEMA EDUCATIVO EM MOÇAMBIQUE
Democracia e Educação Segundo o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (2003), a democracia significa “governo do povo; soberania popular”, neste sentido, a democracia é um termo comumente utilizado que consiste na distribuição equitativa do poder. A democracia, porém, não é apenas um sistema político ou uma forma de organização do Estado. A democracia é viver num espaço de forma idónea, segura e livre de conflitos sociais com vista a promover a paz entre os moradores locais. A democracia pressupõe uma possibilidade de participação do conjunto dos membros da sociedade em todos os processos decisórios que dizem respeito á sua vida cotidiana, ou seja, em casa, na escola, no bairro, etc. Dewey (apud Neutzling, 1984) refere que a “democracia não é apenas uma ideia e um ideal a atingir, mas é um modo concreto de vida, um processo de experiência que vai enriquecendo o próprio processo, o qual, desta forma, avança” (p.87). Nestes pressupostos, entendemos que a democracia é sinonimo de bem-estar social, isto porque a democracia defende o direito de participação de todos em todas as decisões que favoreçam a qualidade de vida em sociedade. Para que haja essa verdadeira participação todos os indivíduos necessitam conhecer e viver desde sua infância os princípios democráticos desenvolvendo assim sua “autonomia democrática”. A educação como experiência comum de todos os seres humanos e tem em vista na preparação do homem para vida, deve ser dotada de democracia, ou seja, deve ter a função de apresentar o modo de vida democrático, já que esse modo de vida também se aprende através da experiência. Numa escola a democracia consistiria numa participação ativa de todos membros do conselho de escola junto com os alunos nos processos decisivos em relação a educação formal para garantir a efetividade no ensino. Escola Democrática A educação democrática é concebida de diversas perspetivas entre autores de épocas diferentes, mas a finalidade real é de melhorar o processo de ensino-aprendizagem, como podemos observar algumas propostas seguidamente. A proposta de Rogers (apud LUDWIG, 1998) centrada no principio da não-diretividade é pertinente. Segundo ele, as escolas precisam abandonar a ênfase colocada na aprendizagem mecânica por parte dos alunos, uma vez que ela apresenta claramente o autoritarismo pedagógico. A aprendizagem significativa, caracterizada por um envolvimento pessoal, autoiniciativa, autoavaliação, deve substituir a aprendizagem mecânica, porque além de mais eficaz retrata a democracia pedagógica. Uma outra proposta de educação democrática é defendida por Lobrot (apud LUDWIG, 1998) e leva o título de pedagogia institucional. Ela apoia-se em dois princípios: o da não-diretividade e o da autogestão. O primeiro indica que o professor deve deixar de lado suas prerrogativas acadêmicas, seus direitos para que os alunos estudem e se organizem por conta própria. Essa renúncia do exercício do poder sobre o grupo de educando ou a não-imposição de uma sujeição faz com que o professor se coloque em disponibilidade, oferecendo aos alunos seus préstimos, meios e capacidades. A concepção democrática de educação adotada por Piaget (1978) baseia-se na defesa do direito a educação para todos os indivíduos da sociedade. Esse direito não vale apenas para a criança que já sofreu influências do ambiente familiar e que se encontra pronta para adquirir um ensino escolar, pois isso torna pobre o sentido da educação. Considera, também, que o direito à educação não tem o significado de garantir a todos apenas o aprendizado do calculo, leitura e escrita, e sim o de assegurar à totalidade das crianças o pleno desenvolvimento de suas funções mentais e aquisição dos conhecimentos, bem como dos valores morais que correspondam ao exercício dessas funções. Freire (apud LUDWIG, 1998) tem uma proposta democrática bastante original. Sua concepção enfatiza a importância de uma postura não ingênua perante os acontecimentos, e a necessidade de uma educação dialogal e ativa, orientada para a responsabilidade social e política caracterizada pela profundidade na interpretação dos problemas e livre de explicações mágicas. De acordo com Freire (apud LUDWIG, 1998) uma educação voltada para a democracia deve possibilitar ao homem a discussão valente de sua problemática, de sua inserção nessa problemática, que o advirta para perigos de seu tempo, o fim de que, consciente deles, ganhe a força e o valor para lutar, em lugar de ser arrastado á perdição de seu próprio eu submetido ás prescrições alheias. Educação que o coloque em diálogo constante com o outro, que o predisponha a constantes revisões, a análises criticas de seus descobrimentos uma certa rebeldia, no sentido mais humano da expressão; que o identifique com os métodos e processos científicos. Entretanto, uma escola democrática é uma escola que se baseia em princípios democráticos, em especial na democracia participativa, dando direitos de participação para estudantes, professores e funcionários. Esse ambiente de ensino coloca os alunos como atores centrais do processo educacional, os educadores participam facilitando as atividades de acordo com os interesses dos estudantes. Outro aspecto importante de uma escola democrática é dar aos estudantes a possibilidade de escolher o que querem fazer com seu tempo. Os estudantes são livres para escolher as atividades que desejam ou que acham que devem fazer. Dessa forma aprendem a terem iniciativa. Eles também ganham a vantagem do aumento da velocidade e no aproveitamento do aprendizado, como acontece quando alguém está praticando uma atividade que é do seu interesse. Os estudantes dessas escolas são responsáveis pelo processo de ensino-aprendizagem e têm o poder de dirigir seus estudos desde muitos novos. Uma das características marcante desse tipo de escola é o diálogo entre todos os envolvidos no processo: pais, educadores e estudantes se reúnem em uma Assembleia para conversarem sobre o que é necessário para a escola, desde o conteúdo na sala de aula, até se a escola precisa de pintura ou não, em algumas escolas até as crianças de dois anos participam desta reunião. A escola democrática é diferente da escola tradicional. A primeira geralmente não está divida em séries e sim em ciclos, os alunos junto com os professores escolhem o que será aprendido. A outra é a escola que muitos de nós estudamos, ou estudou, onde as coisas simplesmente são impostas aos alunos, como se estes fosses um problema e não parte do processo. Ramos (apud CUCIO, 2007) diz que “nas escolas democráticas a relação com o conhecimento se baseia em que todos querem aprender sempre, e que obrigar alguém a aprender algo que ele não queira é desestimulá-lo a aprender”. Numa escola democrática não há barreiras educacionais, eliminam-se a formação de grupos com base na capacidade dos alunos, provas preconceituosas e outras iniciativas que tantas vezes impedem o acesso e permanências de todos na escola, proporcionando um ensino de qualidade para todos, sem exclusão. A escola democrática tem um conceito fomentado na participação ativa dos alunos nas decisões escolares. O conceito de apenas transmitir conhecimento é ultrapassado, é preciso dar espaço para os alunos expressarem suas opiniões e participarem de processos de tomada de decisão. Portanto, entende-se que o processo educativo democrático possibilita: a liberdade de expressão (tanto do professor quanto do aluno); a liberdade de ensinar e de aprender; a participação nas decisões pedagógicas e administrativas da escola; o desenvolvimento da postura crítica frente a si próprio e à sociedade um espaço de prática política. EVOLUÇÃO DO SISTEMA EDUCATIVO EM MOÇAMBIQUE A história da educação em Moçambique compreende dois períodos: a educação antes da independência e pós-independência. Cada período é caracterizado por principais marcos. No período antes da independência destacam-se, como marcos importantes, o facto de ter havido a educação colonial e a educação no governo de transição. Este período foi caracterizado por uma educação discriminatória, devido ao regime colonial. Os curricula defendiam as finalidades da Metrópole. Mas, com a fundação da FRELIMO, surgiram as zonas libertadas, constituindo a primeira fase de integração e valorização da educação moçambicana. O período pós-independência tem como marcos: o antes e o depois do surgimento do SNE (Lei 4/83); o surgimento da Lei nº 6/92 e da Lei 18/2018. Resumo do tema 41 – FORMAÇÃO DE PROFESSORES DO ENSINO PRIMÁRIO. A independência trouxe uma nova dinâmica na educação em Moçambique, a qual se refletiu na garantia, pelo Estado, da educação para todos, expansão da rede escolar; sistematização da experiência de educação nas zonas libertadas, formação de professores e revisão curricular contínua. A proclamação do direito à educação para todos os moçambicanos, pela Constituição da República e a consequente massificação do acesso à educação, em todos os níveis de ensino, constitui o principal marco da educação pós-independência. De forma detalhada, podemos observar os pontos subsequentes. A Educação antes da Independência A história da educação em Moçambique antes da Independência pode ser dividida em duas etapas relevantes: a educação no período colonial e a educação no governo de transição. A Educação no período colonial (1845 – 1974) A educação neste período foi caracterizada pela dominação, alienação e cristianização. Foi o período em que surgiu a primeira regulamentação do ensino nas colónias, período da Monarquia em Portugal, a 2 de Abril de 1845. A 14 de Agosto do mesmo ano, foi estabelecido um decreto que diferenciava o ensino nas colónias e na Metrópole e criava as escolas públicas nas colónias. Em 1846 foi publicada a primeira providência legal para a organização da instrução primária no ultramar português; depois de 1854 foram criadas, por decreto, as primeiras escolas primárias na Ilha de Moçambique, no Ibo, Quelimane, Sena, Tete, Inhambane e Lourenço Marques. Em 1846 foi publicada a primeira providência legal para a organização da instrução primária no ultramar português; depois de 1854 foram criadas, por decreto, as primeiras escolas primárias na Ilha de Moçambique, no Ibo, Quelimane, Sena, Tete, Inhambane e Lourenço Marques. A 30 de Novembro de 1869, foi reformado o Ensino Ultramar, onde se decretava o ensino primário obrigatório, dividido em dois graus, com duas classes cada, em que as escolas estavam sob tutela das missões católicas. Em 1912 foi criada, em Lourenço Marques, foi concebida a primeira escola secundária em Moçambique. Um dos maiores marcos da educação colonial em Moçambique é a vigência de dois subsistemas de ensino, nomeadamente: Ensino Oficial – para os filhos dos colonos ou assimilados; Ensino rudimentar – para os chamados “indígenas” - os nativos. Característica do sistema colonial: Caracter discriminatório – estabelecimento de dois tipos de educação, um destinado à população negra e dirigido pelas missões, e outro reservado às crianças brancas e aos assimilados, confiado ao estado e às instituições privadas; Limitação de ingresso na escola primária oficial e nos níveis superiores de escolarização. Caracter urbano da rede escola – as escolas oficiais localizavam-se nos centros urbanos e eram melhor equipadas, enquanto que os postos escolares eram construídos em zonas rurais para a maioria da população moçambicana; as escolas para indígenas eram mal equipadas. Unidade entre a religião e o ensino – a organização, direção e controlo do “ensino para indígenas” estavam confiadas aos missionários; o processo de assimilação e aculturação dos moçambicanos era sobretudo feito através da educação moral cristã católica; o ensino da religião e moral católicas eram obrigatórios em quase todas as escolas e níveis de ensino; a religião católica era religião oficial do Estado. Caracter fictício da escolarização obrigatória – a limitação dos ingressos na escola na base da idade, a existência de uma rede escolar insuficiente e inadequada foram, entre outros, factores inibidores para uma melhor oferta dos serviços educativos e maior acesso aos mesmos; outros factores inibidores foram: i) carências familiares e individuais de natureza económica; ii) elevadas taxas de escolarização; iii) discriminação no recenseamento escolar; iv) proibição de inscrição e matrícula nas escolas oficiais de crianças não recenseadas Caracter paternalista – complexo de superioridade do branco em relação ao “negro”, onde a ideia subjacente consistia em fazer crer que os brancos fizeram enorme bem aos negros e que, estes, por sua vez, eram ociosos, improdutivos, apesar de enormes recursos que a sua terra lhes oferece. A educação no Governo de Transição (1974-1975) Este período é consequência dos acontecimentos destacados nos anos anteriores. Por exemplo, a fundação da FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique), em 1962, permitiu o desencadeamento da luta armada para a libertação nacional, na sequência da qual, com os Acordos de Luzaka em 1974, condicionou o surgimento do Governo de Transição. Assim, uma das razões que leva à consideração deste período prende-se com o facto de que grande parte das transformações no campo educacional aplicadas a nível nacional teve como origem as experiências levadas a cabo pela FRELIMO e resultam da visão deste movimento sobre o modelo de sociedade pretendido e os princípios defendidos durante a Luta Armada. A FRELIMO implementou um tipo de escola ligada ao povo, às suas causas e interesses. A educação realizada nestas escolas era essencialmente política e ideológica, uma vez que estava condicionada pelos factores que têm a ver com a natureza revolucionária da luta conduzida pela FRELIMO. A educação pós-Independência Ao longo deste período, o sistema educativo sofreu várias reformas que tinham em vista adequar a formação dos moçambicanos aos contextos sociopolíticos, económicos e culturais, marcado pelo alcance da Independência, em 1975. Neste período, destacam-se como principais marcos: o surgimento da lei 4/83; da lei 6/92; e da Lei 18/2028. Antes do Sistema Nacional de Educação (1975–1982) Neste período registaram-se os seguintes factos: a nacionalização da educação a 24 de Julho de 1975, e a consequente suspensão de todas as formas do sistema do ensino colonial português; a proclamação do direito à educação para todos os moçambicanos, pela Constituição da República Popular de Moçambique (20 de Junho de 1975) e a consequente massificação do acesso à educação em todos os níveis de ensino; a introdução de um currículo educacional transitório do sistema colonial português para o nacional (1975); a criação dos centros de formação de professores primários e a consequente abolição das instituições portuguesas vocacionadas à formação de professores (1975). O surgimento da lei 4/83 (1983 – 1991) Em 1983, procedeu-se à introdução do Sistema Nacional de Educação (SNE), através da Lei nº 4/83. Em 1990, é introduzida a Constituição da República, que possibilita a reabertura do ensino particular em 1991 e o reajustamento da Lei do SNE.
O surgimento da Lei nº 6/92 (1992 - 2018)
A lei nº 6/92 surgiu para reajustar a lei 4/83. Em 2004 é introduzido o Plano Curricular do Ensino Básico, ora em vigor, em consequência da reforma do currículo escolar anterior (vide REGEB 2008). Neste período, nota-se uma educação democrática, baseada na aplicação de métodos de aprendizagem centrados no aluno, em função da evolução das ciências da educação e do contexto em que a aprendizagem ocorre. O surgimento da Lei nº 18/2018 Esta lei traz as seguintes alterações ao SNE: introdução da educação pré-escolar; o ensino primário em seis classes; o ensino bilingue como modalidade do ensino primário; o ensino básico obrigatório gratuito de nove classes; o ensino secundário de seis classes; o ensino à distância como modalidade do ensino secundário e superior; o perfil de ingresso para formação de professores; a Educação Inclusiva em todos os níveis de ensino; a educação vocacional. Bibliografia
Ludwig, A. C. W. (1998). Democracia e ensino militar. São Paulo, Brasil: Cortez.
Neutzling, C. (1984). Tolerância e democracia em John Dewey. Roma, Itália: Pontifícia Universidade Gregoriana. Piaget, J. (1978). Para onde vai a educação? Rio de Janeiro, Brasil: José Olimpio. <https://www.unicef.org/mozambique/pesquisas-e-publicações>. Acesso no dia 10 de Fevereiro de 2024. <http://ead.mined.gov.mz/manuais/Psicopedagogia/aula1-4.html>. Acesso no dia 10 de Fevereiro de 2024.
EDUCAR ALÉM DAS PAREDES E MUROS: PRÁTICAS INOVADORAS, CENTRADAS NA PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO E NA SOCIALIZAÇÃO INDIVIDUAL E COLETIVA, UMA CONSTRUÇÃO SEM IMPROVISOS PARA A VIDA. Prof. Wilson Batista Martins