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Jaylton Lopes Jr.

Manual de

PROCESSO
CIVIL

edição

revista,
atualizada
e ampliada

2024

Manuais DIZ-Lopes Jr-Manual Proc Civil-4ed.indb 3 03/01/2024 17:27:13


CAPÍTULO XXIX
CUMPRIMENTO DE SENTENÇA

1. INTRODUÇÃO
Nem sempre a pretensão da parte é atendida com a tutela jurisdicional de
certificação. Em muitos casos, é preciso buscar uma outra tutela jurisdicional, con-
sistente, agora, na efetivação do direito reconhecido. Isso porque, conforme já visto,
há sentenças não autossuficientes, que dependem, portanto, de técnicas processuais
voltadas à sua satisfação. Nessa perspectiva, o princípio do acesso à justiça (art. 5º,
XXXV, da CF) deve ser compreendido não apenas sob a ótica da via de entrada,
mas também da via de saída. Não basta ganhar, é preciso levar.
O CPC/73 foi estruturado a partir de uma visão dicotômica de processo. A tutela
jurisdicional de certificação e a tutela jurisdicional de efetivação eram perseguidas
por meio de processos autônomos, respectivamente pelo processo de conhecimento
e pelo processo executivo.
A partir do ano de 1994, importantes reformas legislativas começaram a traçar
um novo desenho de processo, culminando com a reforma promovida pela Lei nº
11.131/2005. A estrutura dicotômica do processo deu lugar a uma estrutura unitária.
O processo passou a ser sincrético, ou seja, compreendido como um único instru-
mento de realização do direito material, no qual se combinam formas e técnicas
processuais voltadas tanto à certificação quanto à efetivação do direito. Em outras
palavras, conhecimento e execução passaram a ser fases de um mesmo processo.
O CPC/15 manteve esse modelo sincrético de processo e aprimorou as técnicas
processuais de efetivação. O cumprimento de sentença está previsto no título II
do Livro II da Parte Especial do Código e tem por objetivo a efetivação do direito
reconhecido em um título executivo judicial. O código, por uma questão de funcio-
nalidade, disciplinou as técnicas executivas a partir do direito que se busca tutelar: a)
cumprimento provisório da sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de
pagar quantia certa (arts. 520 a 522 do CPC); b) cumprimento definitivo da sentença
que reconheça a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa (arts. 523 a 527
do CPC); c) cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação
de prestar alimentos (arts. 528 a 533 do CPC); d) cumprimento de sentença que
reconheça a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa pela fazenda Pública

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(arts. 534 e 535 do CPC); e) cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade


de obrigação de fazer, não fazer ou entregar coisa (arts. 536 a 538 do CPC).
Dois últimos registros são necessários: a) todas as questões relativas à validade
do procedimento de cumprimento da sentença e dos atos executivos subsequentes
poderão ser arguidas pelo executado nos próprios autos e nestes serão decididas
pelo juiz (art. 518 do CPC); b) aplicam-se as disposições relativas ao cumprimento
da sentença, provisório ou definitivo e à liquidação, no que couber, às decisões que
concederem tutela provisória (art. 519 do CPC).

2. TÍTULOS EXECUTIVOS JUDICIAIS


Para que o Estado possa avançar coercitivamente sobre a esfera jurídica do
devedor, é preciso o prévio acertamento do direito do credor. O processo executivo
(sentido lato) pressupõe um título executivo (nulla executio sine titulo), seja ele um
processo autônomo (ação de execução de título executivo extrajudicial), seja ele uma
fase do processo (cumprimento de sentença). A instauração da fase de cumprimento
de sentença pressupõe a existência de um título executivo dotado de certeza, exigi-
bilidade e liquidez (art. 783 do CPC).
 Certeza: o título deve observar a forma prevista na lei (preenchimento dos
requisitos) e identificar todos os elementos da obrigação (sujeito ativo, sujeito
passivo e objeto);
 Exigibilidade: plena eficácia do título. Para que o título seja exigível, não
pode haver qualquer situação que impeça a produção dos seus efeitos, como,
por exemplo, a pendência do implemento do termo, da condição ou a con-
traprestação que cabe ao próprio credor. Nesse sentido, dispõe o art. 514 do
CPC que “quando o juiz decidir relação jurídica sujeita a condição ou termo,
o cumprimento da sentença dependerá de demonstração de que se realizou
a condição ou de que ocorreu o termo”;
 Liquidez: quantificação da obrigação (quantum debeatur).
Tais atributos aplicam-se tanto aos títulos executivos judiciais quanto aos títulos
executivos extrajudiciais.
O art. 515 do CPC elenca quais são os títulos executivos judiciais. Trata-se de rol
taxativo, não sendo possível, portanto, o uso da analogia ou interpretação extensiva
como mecanismos de “criação” de outros títulos executivos. São eles:

2.1. Decisões proferidas no processo civil que reconheçam a exigibilidade


de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa
(art. 515, I, do CPC)
Inicialmente, é preciso reconhecer que o código andou muito bem ao utilizar
o termo “decisões”, pois, como se sabe, é possível que o mérito da demanda seja
resolvido por decisão interlocutória, por sentença ou por acórdão. Assim, o termo
empregado compreende esses três tipos de pronunciamento judicial.

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O dispositivo traz, ainda, um outro aspecto relevante, que é a ausência de


menção à natureza da decisão. O título ora referido é a decisão que reconheça “a
exigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar
coisa”. É certo que, de uma forma geral, tais obrigações, de caráter prestacional, são
reconhecidas por meio da sentença condenatória, porém é possível que a sentença
declaratória também certifique a existência de uma obrigação, conforme estudado
no capítulo XXVIII.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça, sob a sistemática dos recursos
repetitivos, firmou entendimento no sentido de que “a sentença, qualquer que seja
sua natureza, de procedência ou improcedência do pedido, constitui título execu-
tivo judicial, desde que estabeleça obrigação de pagar quantia, de fazer, não fazer
ou entregar coisa, admitida sua prévia liquidação e execução nos próprios autos”1.
A natureza de título executivo judicial da decisão independe do prévio trânsito
em julgado. O art. 520 do CPC permite o cumprimento provisório da sentença
(leia-se: decisão) impugnada por recurso desprovido de efeito suspensivo. Portanto,
se o recurso interposto contra a decisão não for dotado de efeito suspensivo, será
possível o seu cumprimento provisório.

2.2. Decisão homologatória de autocomposição judicial (art. 515, II, do CPC)


A autocomposição, conforme já estudado, constitui meio consensual de solução
do conflito e tem por característica o sacrifício, total ou parcial, de um interesse. O
art. 487, III, do CPC revela as três principais formas de autocomposição, quais sejam:
a) reconhecimento da procedência do pedido (art. 487, III, “a”, do CPC); b) transa-
ção (art. 487, III, “b”, do CPC); c) renúncia à pretensão (art. 487, III, “c”, do CPC).
A decisão que homologa a autocomposição resolve o mérito da demanda (art.
487 do CPC). Tal decisão deve ser compreendida em sentido amplo, pois a homo-
logação pode ser realizada tanto por sentença quanto por decisão interlocutória (ex.:
homologação de autocomposição relativa a uma parte da demanda).
Buscando conferir maior efetividade ao processo – como instrumento de efetiva
realização do direito e pacificação social – o CPC admite a ampliação objetiva e sub-
jetiva da demanda para fins de homologação da autocomposição, independentemente
do estágio em que o processo se encontrar. Elogiável a previsão contida no § 2º do
art. 515 do CPC, segundo a qual “a autocomposição judicial pode envolver sujeito
estranho ao processo e versar sobre relação jurídica que não tenha sido deduzida em
juízo”. Aliás, não se pode perder de vista que a autocomposição é admitida mesmo
após o trânsito em julgado2.
A autocomposição referida no inciso II do art. 515 é realizada em um processo
em curso perante o Poder Judiciário. Difere-se, portanto, da autocomposição realizada

1. REsp 1.324.152/SP, Corte Especial, rito do art. 543-C do CPC/1973.


2. Cf. STJ, REsp 1267525/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em
20/10/2015, DJe 29/10/2015.

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extrajudicialmente e submetida à homologação judicial. Neste último caso, a decisão


homologatória também será um título executivo judicial, porém na forma do inciso
III do art. 515 do CPC.

2.3. Decisão homologatória de autocomposição extrajudicial de qualquer


natureza (art. 515, III, do CPC)
A decisão homologatória de autocomposição extrajudicial também é título executivo
judicial. A presente hipótese se distingue da anterior, porque enquanto naquela há
um processo em curso e a questão litigiosa é resolvida mediante autocomposição nos
autos, nesta não há processo em curso. As partes, de forma extrajudicial, resolvem o
litígio e, posteriormente, ajuízam uma ação tão somente para que a autocomposição
extrajudicial seja homologada. O pedido de homologação pode ser formulado por
qualquer dos transatores e observará o procedimento de jurisdição voluntária (art.
725, VIII, do CPC).
Ainda que a autocomposição extrajudicial possa constituir um título executivo
extrajudicial (ex.: instrumento de transação referendado pelo Ministério Público,
pela Defensoria Pública, pela Advocacia Pública, pelos advogados dos transatores
ou por conciliador ou mediador credenciado por tribunal – art. 784, IV, do CPC),
será possível a sua homologação judicial. Quando isso ocorrer, a decisão judicial
homologatória converterá o título executivo extrajudicial em título executivo judicial3.

2.4. Formal e a certidão de partilha, exclusivamente em relação ao inventa-


riante, aos herdeiros e aos sucessores a título singular ou universal (art. 515,
IV, do CPC)
Após o processamento da ação de inventário, o juiz julgará a partilha (art. 654
do CPC). Transitada em julgado a sentença, o herdeiro receberá os bens que lhe
tocarem e um formal de partilha (art. 655 do CPC). O formal de partilha poderá
ser substituído por certidão de pagamento do quinhão hereditário quando esse não
exceder a 5 (cinco) vezes o salário-mínimo, caso em que se transcreverá nela a
sentença de partilha transitada em julgado (art. 655, parágrafo único).
Tendo em vista que o formal e a certidão de partilha espelham aquilo que ficou
definido na ação de inventário em relação aos direitos que tocam a cada um dos
herdeiros, o CPC confere a eles a qualidade de título executivo judicial. Contudo,
a eficácia executiva desses títulos executivos judiciais restringe-se ao inventariante,
herdeiros e sucessores, a título universal ou singular. Qualquer pretensão dos sujeitos
supramencionados em relação a terceiros e que diga respeito a bens e direitos previstos
no formal ou certidão de partilha deverá ser invocada em ação de conhecimento.

3. Cf. AgRg no AREsp 121.017/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em
01/03/2018, DJe 09/03/2018.

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2.5. Crédito de auxiliar da justiça, quando as custas, emolumentos ou hono-


rários tiverem sido aprovados por decisão judicial (art. 515, V, do CPC)
No CPC/73, esse tipo de crédito compunha os títulos executivos extrajudiciais.
O CPC/15, acertadamente, passou a considerá-lo como título executivo judicial,
mas é preciso que tal crédito seja aprovado por decisão judicial, como ocorre, por
exemplo, com os honorários do perito, do intérprete e do tradutor. A aprovação das
custas, emolumentos ou honorários pode ocorrer em decisão de qualquer natureza
(decisão interlocutória que não resolve o mérito, decisão interlocutória que resolve
o mérito, sentença, acórdão, decisão monocrática de relator etc.).
O crédito ora referido não se confunde com aquele decorrente de atividade notarial
ou registral (extrajudicial). Isso porque a certidão expedida por serventia notarial ou
de registro relativa a valores de emolumentos e demais despesas devidas pelos atos
por ela praticados, fixados nas tabelas estabelecidas em lei, constitui título executivo
extrajudicial (art. 784, XI, do CPC), relacionada a uma atividade exercida em caráter
privado, por delegação do Poder Público (art. 236 da CF e Lei nº 8.935/1994).

2.6. Sentença penal condenatória transitada em julgado (art. 515, VI, do CPC)
A condenação criminal torna certa a obrigação de indenizar o dano causado
pelo crime (art. 91, I, do CP). Trata-se de efeito genérico da condenação criminal,
o qual, todavia, não retira a independência existente entre as esferas cível e criminal.
É importante relembrar que se há ação de reparação civil de danos tramitando no
juízo cível e se o conhecimento do mérito depender de verificação da existência de
fato delituoso, o juiz pode determinar a suspensão do processo até que se pronuncie a
justiça criminal (art. 315, caput, do CPC). Se a ação penal não for proposta no prazo
de 3 (três) meses, contado da intimação do ato de suspensão, cessará o efeito desse,
incumbindo ao juiz cível examinar incidentemente a questão prévia (art. 315, § 1º,
do CPC). Proposta a ação penal, o processo cível ficará suspenso pelo prazo máximo
de 1 (um) ano, ao final do qual, se não houver pronunciamento da justiça criminal,
o juízo cível examinará incidentemente a questão prévia (art. 315, § 2º, do CPC).
O art. 315 do CPC está em consonância com o parágrafo único do art. 64 do
CPP (“Intentada a ação penal, o juiz da ação civil poderá suspender o curso desta,
até o julgamento definitivo daquela”).
O direito penal somente se preocupa com os bens jurídicos mais relevantes à
sociedade (caráter fragmentário). Logo, não faz sentido exigir que a vítima tenha
que se valer de uma ação de conhecimento, no âmbito cível, para ver reconhecido
o direito à reparação civil dos danos quando, no processo penal, os requisitos da
responsabilidade civil já foram analisados (conduta, resultado, nexo de causalidade
e dolo/culpa).
Se, quando da sentença penal condenatória, já houver transitado em julgado a
sentença cível, esta deve ser respeitada. Por outro lado, caso não tenha sido proposta
ação cível, o efeito genérico previsto no art. 91, I, do CP permite que a vítima se
valha da sentença penal condenatória transitada em julgado como título executivo

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judicial. Nesse caso, sendo ilíquida a sentença penal condenatória transitada em


julgado em relação à reparação civil dos danos, cabe à vítima requerer, no âmbito
cível, a liquidação (arts. 509 a 512 do CPC) e posterior cumprimento de sentença
(arts. 523 e seguintes do CPC). Se, por outro lado, a sentença penal condenatória já
fixar o valor da indenização (art. 387, IV, do CPP), cabe à vítima requerer, no cível,
o seu imediato cumprimento (arts. 523 e seguintes do CPC).
Requerido o cumprimento ou a liquidação de sentença no juízo cível, o devedor
será citado para o cumprimento ou a liquidação, conforme o caso, no prazo de 15
(quinze) dias (art. 515, § 1º, do CPC).
Registre-se, por fim, que a sentença penal absolutória, ainda que transitada em
julgado, não serve como título executivo judicial para a esfera cível. Também não
constitui título executivo qualquer sentença penal condenatória ainda não transita-
da em julgado.

2.7. Sentença arbitral (art. 515, VII, do CPC)


A arbitragem constitui um meio adequado de solução de conflitos, de natureza
jurisdicional (jurisdição não estatal). O árbitro é juiz de fato e de direito, embora
não tenha sido investido pelo Estado com o manto da jurisdição. Sua investidura
decorre da autonomia das partes, mediante convenção de arbitragem. Nos termos
do art. 31 da lei nº 9.307/1996, “a sentença arbitral produz, entre as partes e seus
sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário
e, sendo condenatória, constitui título executivo”.
O órgão arbitral não detém poder de imperium, razão pela qual suas decisões,
caso não sejam cumpridas voluntariamente pela parte, devem ser executadas pela
via do processo judicial.
É importante lembrar, ainda, que o efeito negativo da convenção de arbitragem
veda que o juízo estatal analise a matéria abrangida pela convenção. Logo, não será
possível rediscutir-se a justiça ou injustiça da sentença arbitral.

2.8. Sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça (art.


515, VIII, do CPC)
A sentença estrangeira, para ser executada no Brasil, deve ser homologada pelo
Superior Tribunal de Justiça, nos termos do art. 960 do CPC e Regimento Interno
deste tribunal. Embora o inciso VIII do art. 515 do CPC faça referência a “sentença”,
o dispositivo também alcança a homologação de decisão judicial definitiva, bem
como a decisão não judicial que, pela lei brasileira, teria natureza jurisdicional (art.
961, § 1º, do CPC).
Homologada a decisão estrangeira, estará formado o título executivo judicial. O
processamento do cumprimento de sentença, no entanto, não ocorrerá no Superior
Tribunal de Justiça, mas sim perante o juízo federal competente de primeiro grau
(art. 965 do CPC).

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2.9. Decisão interlocutória estrangeira, após a concessão do exequatur à carta


rogatória pelo Superior Tribunal de Justiça (art. 515, IX, do CPC)
A decisão interlocutória estrangeira poderá ser executada no Brasil por meio
de carta rogatória, nos termos do art. 960, § 1º, do CPC e conforme procedimento
previsto no Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. É o que ocorre, por
exemplo, com as decisões interlocutórias estrangeiras concessivas de tutela provisória
de urgência. A execução dessas decisões dar-se-á por carta rogatória (art. 962, § 1º,
do CPC), não cabendo à autoridade judiciária brasileira a análise quanto à urgência
ou não da medida (art. 962, § 3º, do CPC).

3. COMPETÊNCIA PARA O CUMPRIMENTO DE SENTENÇA


A competência para o cumprimento de sentença está prevista no art. 516 do CPC,
que prevê que “o cumprimento da sentença efetuar-se-á perante: I - os tribunais, nas
causas de sua competência originária; II - o juízo que decidiu a causa no primeiro
grau de jurisdição; III - o juízo cível competente, quando se tratar de sentença penal
condenatória, de sentença arbitral, de sentença estrangeira ou de acórdão proferido
pelo Tribunal Marítimo”.
As hipóteses elencadas no dispositivo supracitado referem-se a regra de competência
funcional (absoluta), pois dizem respeito à função exercida pelo órgão jurisdicional
no processo. No caso dos incisos I e II, a competência para o cumprimento de sen-
tença será do mesmo órgão onde tramitou o processo de conhecimento (tribunais,
nas causas de competência originária e juízo que decidiu a causa no primeiro grau
de jurisdição). Já na hipótese prevista no inciso III, afasta-se a competência do órgão
onde tramitou a ação de conhecimento, transferindo-a para o juízo cível.
A natureza absoluta da competência funcional é flexibilizada pelo parágrafo único
do art. 516 do CPC, segundo o qual “nas hipóteses dos incisos II e III, o exequente
poderá optar pelo juízo do atual domicílio do executado, pelo juízo do local onde
se encontrem os bens sujeitos à execução ou pelo juízo do local onde deva ser exe-
cutada a obrigação de fazer ou de não fazer, casos em que a remessa dos autos do
processo será solicitada ao juízo de origem”. Trata-se de dispositivo que não flexibiliza
apenas o caráter absoluto da competência funcional, como também estabelece foros
concorrentes (forum shopping), a saber: a) juízo do atual domicílio do executado; b)
juízo do local onde se encontrem os bens sujeitos à execução; ou c) juízo do local
onde deva ser executada a obrigação de fazer ou de não fazer.
O parágrafo único do art. 516 do CPC permite a formulação do seguinte ques-
tionamento: e se o executado mudar de domicílio somente após a protocolização
do pedido de cumprimento de sentença? Imagine o seguinte exemplo: Billa, após
sagrar-se vencedora na ação indenizatória ajuizada contra Jade, julgada pelo juízo
da 1ª vara cível da comarca de Blumenau/SC, requer, perante este mesmo juízo,
o cumprimento de sentença (art. 516, II, do CPC). No curso do cumprimento de
sentença, Billa descobre que a executada (Jade) se mudou para Joinville/SC. Nesse
caso, Billa poderá requerer, nos termos do parágrafo único do art. 516 do CPC, a
remessa dos autos à comarca de Joinville?

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646 MANUAL DE PROCESSO CIVIL • Jaylton Lopes Jr.

O art. 43 do CPC dispõe que “determina-se a competência no momento do


registro ou da distribuição da petição inicial, sendo irrelevantes as modificações do
estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem ór-
gão judiciário ou alterarem a competência absoluta”. Trata-se da regra da perpetuatio
jurisdictionis. Como a mudança de domicílio corresponde a uma modificação do
estado de fato, a remessa dos autos, em tese, não seria possível.
Não obstante, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o
credor pode optar pela remessa dos autos ao foro de domicílio do executado, mesmo
após o início do cumprimento de sentença. Tal entendimento está baseado em dois
grandes fundamentos: o primeiro, é o fato de que a lei não impõe qualquer outra exi-
gência ao exequente no momento de optar pelo foro de processamento do cumprimento
de sentença, tampouco estabelece o momento em que o pedido de remessa dos autos
deve ser feito – se antes de iniciada a execução ou se ele pode ocorrer incidentalmente
ao seu processamento. O segundo, é que a norma constante no parágrafo único do art.
516 do CPC tem por escopo viabilizar a efetividade da pretensão executiva4.
Especificamente no tocante à sentença estrangeira (art. 516, III, do CPC), viu-se
que a sua eficácia no Brasil depende da prévia homologação pelo Superior Tribunal
de Justiça. Uma vez homologada, o cumprimento de sentença será de competência
da Justiça Federal (juízo federal cível), nos termos do art. 109, X, da CF.
O procedimento do cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade da obri-
gação de prestar alimentos também confere uma flexibilização às regras de competência
previstas no art. 516 e parágrafo único do CPC. Dispõe o § 9º do art. 528 do CPC que
“além das opções previstas no art. 516, parágrafo único, o exequente pode promover
o cumprimento da sentença ou decisão que condena ao pagamento de prestação ali-
mentícia no juízo de seu domicílio”. Tal regra, portanto, se soma às demais previstas
no art. 516 do CPC, conferindo um leque maior de opções ao exequente de alimentos.

4. LEGITIMIDADE ATIVA, REQUERIMENTO E INTIMAÇÃO DO EXECUTADO


O cumprimento de sentença deve ser requerido pelo credor previsto como tal
no título executivo judicial. A instauração da fase de cumprimento de sentença pode
ou não depender de prévio requerimento do credor.
O cumprimento, provisório ou definitivo, de sentença que reconheça a exigibilidade
de obrigação de pagar quantia certa far-se-á a requerimento do exequente (art. 513,
§ 1º, do CPC). O mesmo ocorre com o cumprimento de sentença que reconheça a
exigibilidade de obrigação de pagar alimentos (art. 528 do CPC).
No tocante ao cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obri-
gação de pagar quantia certa pela Fazenda Pública, o art. 534 do CPC não prevê o
prévio requerimento do exequente, até mesmo porque o pagamento, pela Fazenda
Pública, segue formalidade própria, decorrente do art. 100 da CF (precatórios ou

4. Cf. REsp 1776382/MT, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/12/2019,
DJe 05/12/2019.

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CAPÍTULO XXIX • CUMPRIMENTO DE SENTENÇA 647

requisição de pequeno valor). Muito embora não se exija, de forma expressa, o prévio
requerimento do exequente, impõe-se a ele a obrigação de apresentar demonstrativo
discriminado e atualizado do crédito, na forma do art. 534 do CPC.
Já em relação ao cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de
obrigação de fazer, não fazer ou entrega de coisa, não há qualquer exigência quanto
ao prévio requerimento do exequente. A possibilidade de atuação oficiosa do juiz
decorre da regra constante no art. 536 do CPC (“No cumprimento de sentença
que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá,
de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção
de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à
satisfação do exequente”), bem como na regra prevista no § 3º do art. 538 do CPC
(“Aplicam-se ao procedimento previsto neste artigo, no que couber, as disposições
sobre o cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer”).
Instaurada a fase de cumprimento de sentença, o devedor será intimado para cum-
prir a obrigação: a) pelo Diário da Justiça, na pessoa de seu advogado constituído nos
autos; b) por carta com aviso de recebimento, quando representado pela Defensoria
Pública ou quando não tiver procurador constituído nos autos, salvo quando houver
sido revel na fase de conhecimento; c) por meio eletrônico, quando, no caso do § 1º
do art. 246, não tiver procurador constituído nos autos; d) por edital, quando, citado
na forma do art. 256, tiver sido revel na fase de conhecimento (art. 513, § 2º, do CPC).
A regra geral estabelecida pelo código é a intimação pelo Diário da Justiça, na
pessoa do advogado do executado. Discute-se se ela também se aplica ao cumpri-
mento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou não fazer
ou se, nesses casos, exige-se a intimação pessoal do executado. O Superior Tribunal
de Justiça firmou entendimento no sentido de que “a prévia intimação pessoal do
devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento
de obrigação de fazer ou não fazer” (Súmula 410).
É preciso, no entanto, fazer uma distinção importante: a intimação do executado
para cumprir voluntariamente a obrigação de fazer ou não fazer pode ser realizada
pela regra geral, ou seja, pelo Diário da Justiça na pessoa do advogado do executado
constituído nos autos (art. 513, § 2º, I, do CPC). O que não se admite, todavia, é
a incidência da multa diária eventualmente fixada para o caso de descumprimento
sem prévia intimação pessoal do executado. Isso porque o cumprimento da obriga-
ção depende de um comportamento pessoal do próprio devedor. Vê-se, assim, que a
Súmula 410 do Superior Tribunal de Justiça exige a intimação pessoal como conditio
sine qua non à incidência da multa.
Conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, o réu que foi revel na
fase de conhecimento e que não tem advogado constituído nos autos ou que está
sendo representado pela Defensoria Pública deve ser intimado pessoalmente, por
carta com aviso de recebimento5.

5. REsp 1.760.914-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado
em 02/06/2020, DJe 08/06/2020; REsp 2.053.868-RS, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta
Turma, por unanimidade, julgado em 6/6/2023, DJe 12/6/2023.

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648 MANUAL DE PROCESSO CIVIL • Jaylton Lopes Jr.

Na hipótese do § 2º, incisos II e III (intimação por carta com aviso de recebi-
mento, quando representado pela Defensoria Pública ou quando não tiver procurador
constituído nos autos e intimação por meio eletrônico, quando, no caso do § 1º do
art. 246 do CPC, não tiver procurador constituído nos autos), considera-se realizada
a intimação quando o devedor houver mudado de endereço sem prévia comunicação
ao juízo. Aplica-se, nesse caso, a regra prevista no, parágrafo único do art. 274 do
CPC (“Presumem-se válidas as intimações dirigidas ao endereço constante dos autos,
ainda que não recebidas pessoalmente pelo interessado, se a modificação temporária
ou definitiva não tiver sido devidamente comunicada ao juízo, fluindo os prazos
a partir da juntada aos autos do comprovante de entrega da correspondência no
primitivo endereço”).
Se o requerimento de cumprimento de sentença for formulado após 1 (um) ano
do trânsito em julgado da sentença, a intimação será feita na pessoa do devedor,
por meio de carta com aviso de recebimento encaminhada ao endereço constante
dos autos, observado o disposto no parágrafo único do art. 274 do CPC e no § 3º
do art. 513 do mesmo código.

5. LEGITIMIDADE PASSIVA
Os limites subjetivos da coisa julgada impedem a sua extensão a quem não fez
parte da relação processual. Logo, a legitimidade passiva para o cumprimento de
sentença será do devedor indicado no título executivo judicial.
Cumpre lembrar duas importantes regras que decorrem da intervenção de ter-
ceiros: a) na denunciação da lide, procedente o pedido da ação principal, pode o
autor, se for o caso, requerer o cumprimento da sentença também contra o denun-
ciado, nos limites da condenação deste na ação regressiva (art. 128, parágrafo único,
do CPC); b) no chamamento ao processo, a sentença de procedência valerá como
título executivo em favor do réu que satisfizer a dívida, a fim de que possa exigi-la,
por inteiro, do devedor principal, ou, de cada um dos codevedores, a sua quota, na
proporção que lhes tocar (art. 132 do CPC).
Se na relação jurídica de direito material a obrigação do devedor foi garantida
por fiança, aval ou ainda se houver outros coobrigados, o cumprimento de sentença
somente pode ser direcionado a tais sujeitos, caso eles tenham integrado a relação
processual na fase de conhecimento. É o que dispõe o § 5º do art. 513 do CPC (“O
cumprimento da sentença não poderá ser promovido em face do fiador, do coo-
brigado ou do corresponsável que não tiver participado da fase de conhecimento”).

6. PROTESTO DO TÍTULO E INCLUSÃO DO NOME DO EXECUTADO EM


CADASTROS DE INADIMPLENTES
Preocupado com a efetividade da tutela jurisdicional, o CPC admite que, sem
prejuízo do processamento da fase de cumprimento de sentença, o título executi-
vo judicial seja levado a protesto. Segundo o art. 517 do CPC, “a decisão judicial
transitada em julgado poderá ser levada a protesto, nos termos da lei, depois de
transcorrido o prazo para pagamento voluntário previsto no art. 523”.

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CAPÍTULO XXIX • CUMPRIMENTO DE SENTENÇA 649

A inovação é digna de elogio, na medida em que representa mais um instrumento


vocacionado a forçar o devedor a adimplir a obrigação já reconhecida na decisão
definitiva. Nota-se, porém, que somente a decisão transitada em julgado pode ser
levada a protesto, de maneira que no cumprimento provisório de sentença, tal ex-
pediente não se mostra possível.
Nos termos do art. 1º da lei nº 9.492/1997, “protesto é o ato formal e solene
pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em
títulos e outros documentos de dívida”. Para efetivar o protesto, incumbe ao exequente
apresentar certidão de teor da decisão junto ao Tabelião de Protesto de Títulos (art.
517, § 1º, do CPC). A certidão de teor da decisão deverá ser fornecida no prazo
de 3 (três) dias e indicará o nome e a qualificação do exequente e do executado, o
número do processo, o valor da dívida e a data de decurso do prazo para pagamento
voluntário (art. 517, § 2º, do CPC).
Se o executado tiver proposto ação rescisória para impugnar a decisão exequenda,
poderá requerer, a suas expensas e sob sua responsabilidade, a anotação da proposi-
tura da ação à margem do título protestado (art. 517, § 3º, do CPC).
A requerimento do executado, o protesto será cancelado por determinação do
juiz, mediante ofício a ser expedido ao cartório, no prazo de 3 (três) dias, contado
da data de protocolo do requerimento, desde que comprovada a satisfação integral
da obrigação (art. 517, § 4º, do CPC).
Além do protesto do título, o juiz poderá, a requerimento do exequente, deter-
minar a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes (art. 782,
§§ 3º e 5º, do CPC). A inscrição será cancelada imediatamente se for efetuado o
pagamento, se for garantida a execução ou se a execução for extinta por qualquer
outro motivo (art. 782, §§ 4º e 5º, do CPC).

7. CUMPRIMENTO PROVISÓRIO DA SENTENÇA QUE RECONHECE A EXI-


GIBILIDADE DE OBRIGAÇÃO DE PAGAR QUANTIA CERTA

7.1. Regime específico a ser observado


Antes do trânsito em julgado, o título executivo judicial goza de certa precarie-
dade. Em verdade, parece até exagerado chamá-lo de título executivo, pois somente
com o trânsito em julgado é que a decisão, efetivamente, passa a gozar de certeza.
Se a decisão ainda não transitou em julgado e o recurso interposto contra ele não é
dotado de efeito suspensivo, será possível, sob responsabilidade do credor, o cumpri-
mento provisório (arts. 520 a 522 do CPC), o qual será realizado da mesma forma
que o cumprimento definitivo e se sujeitará ao seguinte regime:
 Corre por iniciativa e responsabilidade do exequente, que se obriga, se a
sentença for reformada, a reparar os danos que o executado haja sofrido
(art. 520, I, do CPC): trata-se de dispositivo que revela a preocupação do
legislador com o princípio da cooperação, na perspectiva do dever de prote-
ção. O cumprimento definitivo da sentença pressupõe o trânsito em julgado

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650 MANUAL DE PROCESSO CIVIL • Jaylton Lopes Jr.

da decisão. Consequentemente, se o credor, antes do trânsito em julgado,


quiser lançar mão do cumprimento provisório, ele deverá assumir o risco de
eventual reforma da decisão, reparando os danos eventualmente suportados
pelo executado. Trata-se, aqui, de responsabilidade civil objetiva baseada na
teoria do risco-proveito.
 Fica sem efeito, sobrevindo decisão que modifique ou anule a sentença ob-
jeto da execução, restituindo-se as partes ao estado anterior e liquidando-se
eventuais prejuízos nos mesmos autos (art. 520, II, do CPC): em caso de
modificação ou anulação da decisão que constitui o título executivo judicial,
as partes devem retornar ao status quo ante, o que demonstra o efeito ex
tunc da decisão (ou acórdão) que modifica ou anula a decisão exequenda.
Essa restituição ao estado anterior, todavia, não acarreta o desfazimento da
transferência de posse ou da alienação de propriedade ou de outro direito
real eventualmente já realizada (ex.: alienação judicial e arrematação por
terceiros ocorridas durante o cumprimento provisório), ressalvado, sempre,
o direito à reparação dos prejuízos causados ao executado (art. 520, § 4º,
do CPC);
 Se a sentença objeto de cumprimento provisório for modificada ou anulada
apenas em parte, somente nesta ficará sem efeito a execução (art. 520, III,
do CPC): a modificação ou anulação do título executivo judicial pode ser
apenas parcial. Se isso ocorrer, deve ser desconsiderada do cumprimento
apenas a parcela abrangida pela modificação ou anulação. Se houve alienação
de bens e recebimento pelo exequente do valor exigido, caberá a ele restituir
ao executado o montante excedente, sem prejuízo de responder por perdas
e danos proporcionalmente à parte alcançada pela modificação ou anulação;
 O levantamento de depósito em dinheiro e a prática de atos que importem
transferência de posse ou alienação de propriedade ou de outro direito real,
ou dos quais possa resultar grave dano ao executado, dependem de caução
suficiente e idônea, arbitrada de plano pelo juiz e prestada nos próprios
autos (art. 520, IV, do CPC): Se o simples processamento do cumprimento
provisório de sentença, por si só, já gera um risco de danos ao executa-
do, quiçá a prática de atos de levantamento de valores ou que importem
transferência de posse ou alienação de propriedade ou outro direito real.
Daí porque a prática de tais atos está condicionada ao oferecimento de
caução suficiente e idônea, real ou fidejussória, arbitrada de plano pelo juiz
e prestada nos próprios autos. O objetivo da caução é garantir a reparação
dos danos suportados pelo executado em caso de modificação ou anulação
da decisão exequenda. A caução deve ser idônea, ou seja, apta a cumprir,
satisfatoriamente, o seu desiderato. Assim, o imóvel que não possui registro
e ainda é objeto de litígio não é idôneo para servir como caução real, a fim
de garantir a prática dos atos mencionados no inciso IV do art. 520 do CPC.
A caução deve ser, ainda, satisfatória, ou seja, apta a garantir a reparação
integral de eventuais prejuízos suportados pelo executado. Assim, o imóvel

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CAPÍTULO XXXVIII
INCIDENTES DE
COMPETÊNCIA DE TRIBUNAL

1. INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA


1.1. Cabimento
O incidente de assunção de competência (IAC) é instrumento vocacionado a
dar unidade, previsibilidade e coerência ao Direito. Por meio dele, busca-se unifor-
mizar a jurisprudência acerca de questão de direito com grande repercussão social
e sem repetição em múltiplos processos. Nos termos do art. 947, caput, do CPC, “é
admissível a assunção de competência quando o julgamento de recurso, de remessa
necessária ou de processo de competência originária envolver relevante questão de
direito, com grande repercussão social, sem repetição em múltiplos processos”.
Também será cabível o incidente “quando ocorrer relevante questão de direito
a respeito da qual seja conveniente a prevenção ou a composição de divergência
entre câmaras ou turmas do tribunal” (art. 947, § 4º, do CPC). A partir da leitura
do caput e do § 4º do art. 947 do CPC, fica perceptível a dupla finalidade do IAC:
a) uniformizar a jurisprudência acerca de questão de direito com grande repercussão
social e sem repetição em múltiplos processos; b) prevenir ou compor divergência
entre câmaras ou turmas do tribunal concernente a uma relevante questão de direito.
Para que seja instaurado o IAC, é preciso que haja algum processo tramitando
em tribunal, podendo ser um recurso, uma remessa necessária ou uma ação de
competência originária do tribunal. Nota-se, portanto, que a competência para o
incidente será sempre de um tribunal, inclusive tribunal superior.

1.2. Requisitos de admissibilidade


Para que o IAC seja admitido, o art. 947 do CPC exige o preenchimento de
importantes requisitos. São eles:
a) Existência de processo em trâmite no tribunal
Para que o IAC seja instaurado, é preciso que haja algum processo em trâmite
no tribunal e pendente de julgamento, podendo ser recurso, remessa necessária ou

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1060 MANUAL DE PROCESSO CIVIL • Jaylton Lopes Jr.

ação de competência originária do tribunal. No tocante à tramitação de recurso, não


há qualquer exigência quanto à sua natureza. Assim, o incidente pode ser instaurado
a partir de qualquer recurso em trâmite no tribunal.
Se o recurso pendente for um recurso especial ou extraordinário repetitivo, não
será cabível a instauração do IAC no Superior Tribunal de Justiça ou no Supremo
Tribunal Federal. Isso porque os recursos especial e extraordinário repetitivos, assim
como o IAC, integram o microssistema de formação de precedentes vinculantes,
cumprindo a mesma função deste.
b) Existência de relevante questão de direito
O recurso, a remessa necessária ou a ação de competência originária deve con-
ter uma discussão jurídica acerca da interpretação e/ou aplicação do direito com
potencialidade para ser replicada em outras ações. Não é fácil identificar o que é e
o que não é relevante. A análise depende das circunstâncias do caso concreto. De
uma forma geral, pode-se dizer que haverá relevância, para fins de admissão do IAC,
sempre que a questão jurídica discutida necessitar de uma pronta solução para se
prevenir a multiplicação de processos.
c) Questão de direito de grande repercussão social
Não basta que a questão de direito seja relevante, é preciso, ainda, que ela tenha
grande repercussão social. Em verdade, sempre que a questão de direito tiver grande
repercussão social, ela também terá relevância. A recíproca, porém, não é verdadeira.
A repercussão social se projeta para campo do interesse público. Nessa perspectiva,
deve ser compreendida à luz do § 1º do art. 1.035 do CPC, que trata do instituto
da repercussão geral, ou seja, haverá grande repercussão social quando a questão de
direito for relevante do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que
ultrapassem os interesses subjetivos do processo.
d) Ausência de repetição da questão em múltiplos processos
Conforme já estudado, o microssistema de formação de precedentes vinculantes
é formado pelos seguintes instrumentos: a) incidente de resolução de demandas
repetitivas; b) incidente de assunção de competência; c) recursos extraordinário e
especial repetitivos.
Para a instauração do incidente de assunção de competência, é preciso que não
haja repetição da questão de direito em múltiplos processos. Trata-se de verdadeiro
requisito negativo de admissibilidade. Tal requisito, aliás, é um dos traços distintivos
entre o incidente de assunção de competência e o incidente de resolução de demandas
repetitivas. Isso porque no IRDR a efetiva repetição de processos que contenham
controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito é um dos requisitos de
admissibilidade (art. 976, I, do CPC).
Conforme entendimento adotado no enunciado 334 do Fórum Permanente de
Processualistas Civis – FPPC, “por força da expressão ‘sem repetição em múlti-
plos processos’, não cabe o incidente de assunção de competência quando couber

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CAPÍTULO XXXVIII • INCIDENTES DE COMPETÊNCIA DE TRIBUNAL 1061

julgamento de casos repetitivos”. Isso não significa dizer que a questão de direito
relevante submetida ao IAC não possa ter potencialidade de repetição em múltiplos
processos. Aliás, a relevância da IAC pode dizer respeito justamente à necessidade
de se evitar a multiplicação de processos.
O IAC reafirma, portanto, a compreensão de que a existência de repetição de
processos não é um pressuposto para a formação de precedentes. Reafirma, ainda,
a compreensão de que precedente não se confunde com jurisprudência. No caso do
IAC, o precedente quase sempre é formado antes mesmo da jurisprudência.

1.2.1. Duplo juízo de admissibilidade


O juízo de admissibilidade quanto ao cabimento ou não do IAC é duplo. Isso
porque, conforme visto, o órgão competente para o julgamento do incidente é dife-
rente do órgão competente para o julgamento do recurso, da remessa necessária e
da ação de competência originária.
Suscitado o incidente, o órgão colegiado competente para o julgamento do recurso,
da remessa necessária ou da ação de competência originária decidirá quanto à presença
ou não dos requisitos de admissibilidade do IAC. Se o juízo de admissibilidade for
positivo, os autos serão remetidos para um órgão colegiado de maior composição,
conforme previsto no regimento interno do tribunal. Recebidos os autos, o órgão
competente para o julgamento do incidente fará um novo juízo de admissibilidade.
Se o juízo for negativo, os autos serão devolvidos ao órgão de origem. Se o juízo for
positivo, o incidente será admitido e o recurso, a remessa necessária ou a ação de
competência originária será julgado pelo órgão de composição maior.

1.3. Competência
O regimento interno de cada tribunal prevê os órgãos competentes para recursos,
remessa necessária e ações de competência originária. Com o advento do CPC/15,
os tribunais passaram a prever, ainda, em seus regimentos internos, o órgão com-
petente para o processamento e julgamento do IAC. Tendo em vista a finalidade
do incidente, o órgão competente deverá ter uma composição maior (ex.: plenário,
corte especial, seção etc.) do que aquele competente para o julgamento de recursos,
remessas necessárias e ações de competência originária.
Assim como ocorre no incidente de resolução de demandas repetitivas, o órgão
competente para o julgamento do IAC deverá ser indicado pelo regimento interno
dentre aqueles responsáveis pela uniformização de jurisprudência do tribunal (art.
978, caput, do CPC)1. Isso decorre do fato de que o julgamento do incidente formará
um precedente vinculante (art. 927, III, do CPC), exigindo-se, assim, uma ampliação
da discussão e da própria fundamentação.

1. Conforme entendimento firmado no enunciado 202 do Fórum Permanente de Processualistas Civis


– FPPC, “o órgão colegiado a que se refere o § 1º do art. 947 deve atender aos mesmos requisitos
previstos pelo art. 978”.

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1062 MANUAL DE PROCESSO CIVIL • Jaylton Lopes Jr.

1.4. Legitimidade
Tem legitimidade para provocar o incidente: a) relator do recurso, da remessa
necessária ou da ação de competência originária do tribunal, de ofício; b) parte,
mediante requerimento ao relator; c) Ministério Público, mediante requerimento ao
relator; d) Defensoria Pública, mediante requerimento ao relator.

1.5. Procedimento
O CPC não prevê expressamente o procedimento específico de instauração do
IAC. Por se tratar de instrumento de formação de precedente vinculante, o proce-
dimento deve observar as regras relativas à ordem dos processos no tribunal, no
que couber. Aplicam-se, ainda, conforme entendimento firmado no enunciado 201
do Fórum Permanente de Processualistas Civis – FPPC, as regras previstas nos arts.
983 e 984 do CPC, que tratam do incidente de resolução de demandas repetitivas.
Admitido o IAC, a decisão deverá ser publicada no órgão oficial. O relator ouvirá
as partes e os demais interessados, inclusive pessoas, órgãos e entidades com inte-
resse na controvérsia, que, no prazo comum de 15 (quinze) dias, poderão requerer
a juntada de documentos, bem como as diligências necessárias para a elucidação da
questão de direito controvertida, e, em seguida, manifestar-se-á o Ministério Público,
no mesmo prazo.
Se não for o requerente, o Ministério Público intervirá como fiscal da ordem
jurídica (art. 976, § 2º, do CPC, por analogia).
Para instruir o incidente, o relator poderá designar data para, em audiência
pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e conhecimento na matéria.
Concluídas as diligências, o relator solicitará dia para o julgamento do incidente.
No julgamento do incidente, observar-se-á a seguinte ordem: a) o relator fará a
exposição do objeto do incidente; b) poderão sustentar suas razões, sucessivamente, o
autor e o réu do processo originário e o Ministério Público, pelo prazo de 30 (trinta)
minutos, e os demais interessados, no prazo de 30 (trinta) minutos, divididos entre
todos, sendo exigida inscrição com 2 (dois) dias de antecedência. Considerando o
número de inscritos, tais prazos poderão ser ampliados.
Ao final, o órgão colegiado julgará o recurso, a remessa necessária ou a ação de
competência originária. Diferentemente do que ocorre com o incidente de arguição de
inconstitucionalidade (arts. 948 a 950 do CPC), não há cisão do julgamento. Caberá ao
órgão de composição ampla assumir a competência do recurso, da remessa necessária
ou da ação de competência originária, ainda que a questão de direito relevante e de
grande repercussão social constitua apenas uma parte da demanda. O julgamento
será integral. O conteúdo do acórdão abrangerá a análise de todos os fundamentos
suscitados concernentes à tese jurídica discutida, sejam favoráveis ou contrários.
Nos termos do § 3º do art. 947 do CPC, “o acórdão proferido em assunção de
competência vinculará todos os juízes e órgãos fracionários, exceto se houver revisão
de tese”. Esse dispositivo deveria conter mais uma ressalva: o acórdão proferido em
assunção de competência vinculará os juízes e órgãos fracionários apenas no ponto

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CAPÍTULO XXXVIII • INCIDENTES DE COMPETÊNCIA DE TRIBUNAL 1063

relativo à questão de direito relevante e de grande repercussão social. É possível que


o recurso, a remessa necessária e ou a ação de competência originária tenha uma
abrangência maior em termos de conteúdo e a causa geradora do incidente constitua
apenas uma parcela do objeto do processo. A vinculação deverá ocorrer apenas em
relação a essa questão.
Após o julgamento, o tribunal deverá dar ampla publicidade ao acórdão, divulgan-
do-o, preferencialmente, na rede mundial de computadores (art. 927, § 5º, do CPC).

1.6. Recursos
Tendo em vista que o acórdão julgará sempre um recurso, uma remessa ne-
cessária ou uma ação de competência originária de tribunal, o recurso cabível será
aquele previsto em lei para atacar tais decisões. Tratando-se de acórdão que julga
um recurso de apelação, serão cabíveis embargos de declaração, recurso especial e
recurso extraordinário. Tratando-se de IAC em mandado de segurança decidido em
única instância pelo Superior Tribunal de Justiça, caberá recurso ordinário para o
Supremo Tribunal Federal.

2. INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE


2.1. A fiscalização concreta da constitucionalidade das normas (controle difuso)
A construção de sistemas de fiscalização da constitucionalidade das normas
revela um nítido propósito: preservar a integridade da Constituição como fonte da
unidade política e do ordenamento jurídico. E, como o ordenamento jurídico pres-
supõe ordem e unidade2, é preciso que todos os atos emanados do Estado sejam
compatíveis com a norma fundamental.
A fiscalização da constitucionalidade (ou controle de constitucionalidade)
apresenta-se, nessa perspectiva, como um importante mecanismo de verificação da
compatibilidade entre um ato normativo infraconstitucional e a Constituição, espe-
cialmente em países que adotam Constituição escrita.
Há, inegavelmente, em qualquer Estado Democrático de Direito, um ambiente favo-
rável ao sistema de fiscalização da constitucionalidade das normas. As grandes tensões,
contudo, acentuam-se no tocante ao controle exercido pelos juízes, ou seja, ao controle
judicial da constitucionalidade material dos atos do poder legislativo, ao “encontro entre
a lei e a sentença, entre a norma e o julgamento, entre o legislador e o juiz”3.
Tais tensões ficam ainda mais evidentes quando analisamos o desenvolvimento
do sistema de fiscalização da constitucionalidade na Europa, notadamente no período
pós-revolução francesa, marcado pelo princípio da separação (rígida) de poderes e pela
ideia de superioridade da lei. Entendia-se que a lei, por ser fruto da atividade do poder

2. Cf. CLAUS, Wilhelm Canaris, apud, BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no
direito brasileiro. Op. cit., p. 23.
3. CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. 2ª
edição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor. 1992, p. 26.

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1064 MANUAL DE PROCESSO CIVIL • Jaylton Lopes Jr.

legislativo, somente poderia ser interpretada pelo próprio legislador. Com isso, evitar-
-se-iam “as possíveis rebeldias ou não plena e incondicional obediência dos tribunais”4.
A Constituição norte-americana de 1787 consagrou expressamente a ideia de su-
premacia constitucional, ao impor que os juízes estão vinculados mais à Constituição
do que às leis. Estas (as leis), só podem ser aplicadas se estiverem em conformidade
com a Constituição. A questão não passou despercebida para Alexander Hamilton,
James Madison e John Jay, para quem as cortes de justiça, no exercício da função
de preservação das limitações apresentadas pela Constituição (restrições específicas
à autoridade legislativa), “têm o dever de declarar nulos todos os atos contrários ao
manifesto espírito da Constituição”5.
A despeito dos registros históricos que apontam a existência de sistemas jurídicos
antigos estruturados a partir de uma lei ou corpo de leis com supremacia em relação
aos demais atos normativos6, o marco histórico do desenvolvimento do controle di-
fuso de constitucionalidade foi, sem dúvida, o precedente norte-americano Marbury
v. Madison, de 1803, no qual o Presidente da Suprema Corte (Chief Justice), John
Marshall, em uma ação (writ of mandamus) ajuizada por William Marbury objetivando
o reconhecimento do seu direito ao exercício do cargo de juiz de paz, reconheceu,
de forma incidental, a inconstitucionalidade de uma lei que conferia competência à
Suprema Corte norte-americana, tendo em vista que somente a Constituição poderia
criar hipóteses de competência originária desse Alto Tribunal.
A referida decisão, sem dúvida alguma, foi um importante passo para o de-
senvolvimento do sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade (judicial
review), o qual se encontra pautado em duas importantes premissas: supremacia da
Constituição e rigidez constitucional.
A doutrina norte-americana de controle jurisdicional de constitucionalidade pela
via incidental chegou à Europa por meio da Constituição portuguesa de 1911, embora
com pouca aplicação prática. Foi com a Constituição austríaca de 1920, desenhada
por Hans Kelsen, que o controle judicial de constitucionalidade ganhou os seus traços
mais marcantes na Europa. Isso porque se desenvolveu um sistema concentrado de
fiscalização, baseado na existência de um órgão especial com competência exclusiva
para declarar a inconstitucionalidade das leis: o Tribunal Constitucional7.
O sistema apresentado por Hans Kelsen, ao concentrar a competência nas mãos
de um único órgão (Tribuna Constitucional) e afastar dos juízes e tribunais ordiná-
rios a análise acerca da constitucionalidade das leis, revelava os resquícios dos ideais

4. Id.
5. HAMILTON, Alexander; MADISON, James; JAY, John. O Federalista. Brasília: Editora Universidade de
Brasília. 1984, p. 575-582.
6. Segundo Mauro Cappelletti, no Direito ateniense, havia a distinção entre o nómoi e o pséfisma. O
pséfisma equivalia a decretos, enquanto que o nómoi às leis constitucionais, cuja modificação de-
pendia de um procedimento especial (CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade
das leis no direito comparado. Op. cit., p. 49).
7. Cf. ENTERRIA, Eduardo Garcia. Controle de Constitucionalidade na Europa. Op. cit., p. 5-6.

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CAPÍTULO XXXVIII • INCIDENTES DE COMPETÊNCIA DE TRIBUNAL 1065

revolucionários no sentido de se manter a ideia de superioridade da lei e, ainda que


de forma mitigada, a “imunidade do poder legislativo”8.
O modelo kelseniano não era original. Emmanuel Joseph Sieyès, ainda no século
XVIII, apresentou um projeto de criação de um Tribunal (Juris Constitutionaire), a
quem caberia o julgamento sobre a inconstitucionalidade das leis. Tal projeto fora
inicialmente rejeitado, porém, após reformulação proposta pelo próprio Siéyès – que
transferiu esse poder de controle para o Senado Conservador e manteve, assim, o
cunho exclusivamente político da fiscalização da constitucionalidade –, foi inserido
na Constituição francesa de 1799.
A Constituição austríaca de 1920 foi a primeira a adotar um sistema de jurisdição
constitucional no qual a um único órgão (Tribunal Constitucional) foi atribuída a
função de declarar a inconstitucionalidade das leis. Tal modelo, contudo, manteve
a preservação do “compromisso entre a necessidade de assegurar a efetividade do
princípio da supremacia da Constituição e o desejo de salvaguardar os princípios
da supremacia da lei e da separação de poderes”9. Nas palavras de Rui Medeiros, “a
instituição de um sistema de fiscalização concentrado visou antes afastar os magis-
trados europeus do controlo da constitucionalidade”10.
A formulação originária de Hans Kelsen demonstra bem que a distância entre o
sistema americano e o sistema austríaco não é apenas a de um oceano que os separa,
mas, sobretudo, das bases político-ideológicas sobre as quais tais modelos foram assen-
tados. Não obstante, com a reforma de 1929, a Constituição austríaca passou a admitir
o controle difuso de constitucionalidade, estabelecendo um sistema misto, o qual,
atualmente, também é adotado em países como Alemanha, Espanha, Itália e Portugal.
No Brasil, a primeira Constituição a prever a fiscalização concreta da constitu-
cionalidade foi a Constituição da República de 1891. De lá para cá, o sistema de
fiscalização da constitucionalidade se desenvolveu fortemente, chegando ao seu ápice
com a Constituição Federal de 1988. Atualmente, o ordenamento jurídico brasileiro
adota um sistema misto, pois prevê tanto o controle concentrado (exercido pelo
Supremo Tribunal Federal) quanto o controle difuso (exercido por qualquer juiz ou
tribunal no exame do caso concreto).

2.2. O incidente de arguição de inconstitucionalidade no CPC


2.2.1. Arguição e instauração do incidente
O incidente de arguição de inconstitucionalidade é um instrumento que tem por
objetivo a fiscalização concreta da constitucionalidade, ou seja, o exercício de um
controle difuso. Conforme mencionado, nesse tipo de controle (difuso), a aferição

8. MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade: os autores, o conteúdo e os efeitos da decisão


de inconstitucionalidade da lei. Op. cit., p. 52.
9. ZAGREBELSKY, Gustavo, apud, MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade: os autores, o
conteúdo e os efeitos da decisão de inconstitucionalidade da lei. Op. cit., p. 52.
10. Ibid, p. 57.

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da (in)constitucionalidade da norma se revela como uma questão prejudicial, na


medida em que o julgamento depende do prévio exame da constitucionalidade da
norma. Trata-se, pois, de questão decidida de forma incidental (incidenter tantum).
No âmbito dos tribunais, a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo depende do voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros
do respectivo órgão especial, conforme art. 97 da CF. Trata-se da regra do full bench,
também chamada de cláusula de reserva de plenário.
Como os recursos, as remessas necessárias e as ações de competência originária
de tribunais são julgadas por órgãos fracionários, cuja composição não alcança a
maioria absoluta do tribunal, tais órgãos não possuem competência para a declaração,
ainda que incidental, da inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. Daí, portanto,
a necessidade de se criar um incidente processual para levar eventual arguição de
inconstitucionalidade para o pleno ou órgão especial do tribunal11.
Nos termos do art. 948 do CPC, “arguida, em controle difuso, a inconstitucionali-
dade de lei ou de ato normativo do poder público, o relator, após ouvir o Ministério
Público e as partes, submeterá a questão à turma ou à câmara à qual competir o
conhecimento do processo”.
Se a arguição for rejeitada, a turma ou a câmara prosseguirá com o julgamento
do processo. Se a arguição for acolhida, a questão será submetida ao plenário do
tribunal ou ao seu órgão especial, onde houver.
Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário ou ao órgão
especial a arguição de inconstitucionalidade quando já houver pronunciamento destes
ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão (art. 949, parágrafo
único, do CPC).
Admitida a arguição pelo órgão fracionário, a questão será submetida ao plenário
do tribunal ou ao seu órgão especial, onde houver. Tal decisão é irrecorrível. Reme-
tida cópia do acórdão a todos os juízes, o presidente do tribunal designará a sessão
de julgamento (art. 950 do CPC). Nota-se que, nesse caso, haverá uma verdadeira
cisão do julgamento do processo. A competência do plenário ou do órgão especial se
limitará ao julgamento da arguição de inconstitucionalidade. Esse órgão não julgará
o processo, mas apenas a arguição de inconstitucionalidade. Trata-se, portanto, de
uma regra de competência funcional.

2.2.2. Julgamento
No Brasil, a decisão quanto à constitucionalidade ou inconstitucionalidade tem
natureza dúplice. Isso porque, assim como ocorre no âmbito do controle concentrado

11. Conforme prevê o inciso XI do art. 93 da CF, “nos tribunais com número superior a vinte e cinco
julgadores, poderá ser constituído órgão especial, com o mínimo de onze e o máximo de vinte e cinco
membros, para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais delegadas da competência
do tribunal pleno, provendo-se metade das vagas por antigüidade e a outra metade por eleição pelo
tribunal pleno”.    

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CAPÍTULO XXXVIII • INCIDENTES DE COMPETÊNCIA DE TRIBUNAL 1067

de constitucionalidade, o julgamento de improcedência do incidente de arguição de


inconstitucionalidade equivale a um julgamento pela constitucionalidade. Quando
o tribunal nega a inconstitucionalidade suscitada, ele está reconhecendo a constitu-
cionalidade na norma12.
O incidente de arguição de inconstitucionalidade será julgado pelo plenário ou
órgão especial, onde houver. A declaração de inconstitucionalidade depende da deci-
são da maioria absoluta dos membros do tribunal. Não se trata da maioria absoluta
dos membros presentes na sessão de julgamento, mas da maioria dos membros que
compõem o tribunal ou o órgão especial. Tal exigência corresponde ao que se con-
vencionou chamar de cláusula de reserva de plenário ou regra do full bench.
As pessoas jurídicas de direito público responsáveis pela edição do ato ques-
tionado poderão manifestar-se no incidente de inconstitucionalidade se assim o
requererem, observados os prazos e as condições previstas no regimento interno do
tribunal (art. 950, § 1º, do CPC). Os legitimados para a propositura da ação direta
de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade (art. 103 da CF)
poderão manifestar-se, por escrito, sobre a questão constitucional objeto de aprecia-
ção, no prazo previsto pelo regimento interno, sendo-lhes assegurado o direito de
apresentar memoriais ou de requerer a juntada de documentos (art. 950, § 2º, do
CPC). De igual modo, considerando a relevância da matéria e a representatividade
dos postulantes, o relator poderá admitir, por despacho irrecorrível, a manifestação
de outros órgãos ou entidades (art. 950, § 3º, do CPC).
A possibilidade de participação de terceiros (pessoa responsável pela edição
do ato, legitimados do art. 103 da CF e amicus curiae) reforça a importância do
incidente de arguição de inconstitucionalidade, na medida em que a decisão que
declara a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da norma impugnada terá
efeito vinculante não apenas para o órgão fracionário (câmara ou turma) competente
para o julgamento do recurso, mas para os demais órgãos e juízes vinculados ao
respectivo tribunal. Em outras palavras, a tese firmada no incidente de arguição de
inconstitucionalidade é um precedente vinculante, nos termos do art. 927, V, do CPC.

2.2.3. Recurso
A decisão do órgão fracionário que admite a arguição e submete a questão ao
plenário do tribunal ou ao seu órgão especial é irrecorrível. Quanto à decisão que
julga o incidente, ou seja, que declara a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade

12. Isso não ocorre, por exemplo, em Portugal. Caso o Tribunal Constitucional português não vislumbre
a inconstitucionalidade suscitada, será proferida uma decisão de não inconstitucionalidade e não
uma decisão de constitucionalidade. Trata-se, portanto, de um juízo negativo de inconstitucionalidade
que vincula o órgão a quo, o qual, por sua vez, deverá aplicar a norma ao caso concreto. Por não
equivaler a um juízo positivo de constitucionalidade, a decisão de não inconstitucionalidade é pro-
ferida a partir das circunstâncias fáticas e jurídicas apresentadas no recurso de constitucionalidade,
sendo possível que, em casos futuros, a norma seja novamente impugnada e, ao final, considerada
inconstitucional por outros motivos.

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1068 MANUAL DE PROCESSO CIVIL • Jaylton Lopes Jr.

da norma impugnada, não admite recurso de imediato. Não significa que ela não
seja recorrível, mas apenas que não cabe a interposição imediata de recurso.
A declaração de (in)constitucionalidade integrará o acórdão do órgão fracionário
que julgará o recurso, a remessa necessária ou a ação de competência originária. É por
isso que se diz, com razão, que o julgamento, nesse caso, é objetivamente complexo,
pois é formado por duas decisões de órgãos diversos. A primeira, a decisão do plená-
rio ou órgão especial quanto à inconstitucionalidade suscitada. A segunda, quanto à
questão de fundo do recurso, remessa necessária ou ação de competência originária.
Assim, somente com o julgamento da questão principal do recurso, remessa
necessária ou ação de competência originária é que será admitida a interposição de
recurso. Nesse recurso, a parte poderá impugnar tanto a premissa do julgamento
(decisão do plenário ou órgão especial acerca da inconstitucionalidade suscitada)
quanto o resultado do julgamento em si.

3. CONFLITO DE COMPETÊNCIA
3.1. Conceito e generalidades
Trata-se de incidente processual, de tramitação em tribunal, por meio do qual
um determinado órgão jurisdicional decide qual, dentre dois ou mais juízes, é o
competente para processar e julgar a causa. Tem previsão nos arts. 951 a 959 do CPC.
Haverá conflito de competência sempre que dois ou mais juízes se declararem
competentes (conflito positivo) ou incompetentes (conflito negativo) para uma mesma
causa. Também haverá conflito de competência quando entre dois ou mais juízes
surgir controvérsia acerca da reunião ou separação de processos (art. 66 do CPC).
Importante destacar que somente haverá conflito de competência entre juízos hierar-
quicamente equivalentes. Portanto, não se cogita a existência de conflito de competência,
por exemplo, entre tribunal de justiça e juiz de primeiro grau a ele vinculado; entre
tribunal superior e tribunal de justiça; entre o Supremo Tribunal Federal e qualquer
outro tribunal. Isso porque o entendimento do órgão jurisdicional superior prevalece
em relação ao inferior. Tal entendimento é extraído da Súmula 22 do Superior Tribunal
de Justiça, segundo a qual “não há conflito de competência entre o Tribunal de Justiça
e Tribunal de Alçada do mesmo Estado-membro”. Apesar disso, é plenamente possível
a existência de conflito de competência entre um tribunal e um juiz de primeiro grau
a ele não vinculado, conforme previsão no art. 105, I, “d”, da CF/8813.
Tratando-se de divergência quanto à reunião ou separação dos processos (art.
66, III, do CPC), dispõe a Súmula 59 do Superior Tribunal de Justiça que “não há
conflito de competência se já existe sentença com trânsito em julgado, proferida por
um dos juízos conflitantes”.

13. Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I - processar e julgar, originariamente: (...) d) os
conflitos de competência entre quaisquer tribunais, ressalvado o disposto no art. 102, I, “o”, bem
como entre tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos.

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