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Manual de
PROCESSO
CIVIL
4ª
edição
revista,
atualizada
e ampliada
2024
1. INTRODUÇÃO
Nem sempre a pretensão da parte é atendida com a tutela jurisdicional de
certificação. Em muitos casos, é preciso buscar uma outra tutela jurisdicional, con-
sistente, agora, na efetivação do direito reconhecido. Isso porque, conforme já visto,
há sentenças não autossuficientes, que dependem, portanto, de técnicas processuais
voltadas à sua satisfação. Nessa perspectiva, o princípio do acesso à justiça (art. 5º,
XXXV, da CF) deve ser compreendido não apenas sob a ótica da via de entrada,
mas também da via de saída. Não basta ganhar, é preciso levar.
O CPC/73 foi estruturado a partir de uma visão dicotômica de processo. A tutela
jurisdicional de certificação e a tutela jurisdicional de efetivação eram perseguidas
por meio de processos autônomos, respectivamente pelo processo de conhecimento
e pelo processo executivo.
A partir do ano de 1994, importantes reformas legislativas começaram a traçar
um novo desenho de processo, culminando com a reforma promovida pela Lei nº
11.131/2005. A estrutura dicotômica do processo deu lugar a uma estrutura unitária.
O processo passou a ser sincrético, ou seja, compreendido como um único instru-
mento de realização do direito material, no qual se combinam formas e técnicas
processuais voltadas tanto à certificação quanto à efetivação do direito. Em outras
palavras, conhecimento e execução passaram a ser fases de um mesmo processo.
O CPC/15 manteve esse modelo sincrético de processo e aprimorou as técnicas
processuais de efetivação. O cumprimento de sentença está previsto no título II
do Livro II da Parte Especial do Código e tem por objetivo a efetivação do direito
reconhecido em um título executivo judicial. O código, por uma questão de funcio-
nalidade, disciplinou as técnicas executivas a partir do direito que se busca tutelar: a)
cumprimento provisório da sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de
pagar quantia certa (arts. 520 a 522 do CPC); b) cumprimento definitivo da sentença
que reconheça a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa (arts. 523 a 527
do CPC); c) cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação
de prestar alimentos (arts. 528 a 533 do CPC); d) cumprimento de sentença que
reconheça a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa pela fazenda Pública
3. Cf. AgRg no AREsp 121.017/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em
01/03/2018, DJe 09/03/2018.
2.6. Sentença penal condenatória transitada em julgado (art. 515, VI, do CPC)
A condenação criminal torna certa a obrigação de indenizar o dano causado
pelo crime (art. 91, I, do CP). Trata-se de efeito genérico da condenação criminal,
o qual, todavia, não retira a independência existente entre as esferas cível e criminal.
É importante relembrar que se há ação de reparação civil de danos tramitando no
juízo cível e se o conhecimento do mérito depender de verificação da existência de
fato delituoso, o juiz pode determinar a suspensão do processo até que se pronuncie a
justiça criminal (art. 315, caput, do CPC). Se a ação penal não for proposta no prazo
de 3 (três) meses, contado da intimação do ato de suspensão, cessará o efeito desse,
incumbindo ao juiz cível examinar incidentemente a questão prévia (art. 315, § 1º,
do CPC). Proposta a ação penal, o processo cível ficará suspenso pelo prazo máximo
de 1 (um) ano, ao final do qual, se não houver pronunciamento da justiça criminal,
o juízo cível examinará incidentemente a questão prévia (art. 315, § 2º, do CPC).
O art. 315 do CPC está em consonância com o parágrafo único do art. 64 do
CPP (“Intentada a ação penal, o juiz da ação civil poderá suspender o curso desta,
até o julgamento definitivo daquela”).
O direito penal somente se preocupa com os bens jurídicos mais relevantes à
sociedade (caráter fragmentário). Logo, não faz sentido exigir que a vítima tenha
que se valer de uma ação de conhecimento, no âmbito cível, para ver reconhecido
o direito à reparação civil dos danos quando, no processo penal, os requisitos da
responsabilidade civil já foram analisados (conduta, resultado, nexo de causalidade
e dolo/culpa).
Se, quando da sentença penal condenatória, já houver transitado em julgado a
sentença cível, esta deve ser respeitada. Por outro lado, caso não tenha sido proposta
ação cível, o efeito genérico previsto no art. 91, I, do CP permite que a vítima se
valha da sentença penal condenatória transitada em julgado como título executivo
4. Cf. REsp 1776382/MT, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/12/2019,
DJe 05/12/2019.
requisição de pequeno valor). Muito embora não se exija, de forma expressa, o prévio
requerimento do exequente, impõe-se a ele a obrigação de apresentar demonstrativo
discriminado e atualizado do crédito, na forma do art. 534 do CPC.
Já em relação ao cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de
obrigação de fazer, não fazer ou entrega de coisa, não há qualquer exigência quanto
ao prévio requerimento do exequente. A possibilidade de atuação oficiosa do juiz
decorre da regra constante no art. 536 do CPC (“No cumprimento de sentença
que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá,
de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção
de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à
satisfação do exequente”), bem como na regra prevista no § 3º do art. 538 do CPC
(“Aplicam-se ao procedimento previsto neste artigo, no que couber, as disposições
sobre o cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer”).
Instaurada a fase de cumprimento de sentença, o devedor será intimado para cum-
prir a obrigação: a) pelo Diário da Justiça, na pessoa de seu advogado constituído nos
autos; b) por carta com aviso de recebimento, quando representado pela Defensoria
Pública ou quando não tiver procurador constituído nos autos, salvo quando houver
sido revel na fase de conhecimento; c) por meio eletrônico, quando, no caso do § 1º
do art. 246, não tiver procurador constituído nos autos; d) por edital, quando, citado
na forma do art. 256, tiver sido revel na fase de conhecimento (art. 513, § 2º, do CPC).
A regra geral estabelecida pelo código é a intimação pelo Diário da Justiça, na
pessoa do advogado do executado. Discute-se se ela também se aplica ao cumpri-
mento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou não fazer
ou se, nesses casos, exige-se a intimação pessoal do executado. O Superior Tribunal
de Justiça firmou entendimento no sentido de que “a prévia intimação pessoal do
devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento
de obrigação de fazer ou não fazer” (Súmula 410).
É preciso, no entanto, fazer uma distinção importante: a intimação do executado
para cumprir voluntariamente a obrigação de fazer ou não fazer pode ser realizada
pela regra geral, ou seja, pelo Diário da Justiça na pessoa do advogado do executado
constituído nos autos (art. 513, § 2º, I, do CPC). O que não se admite, todavia, é
a incidência da multa diária eventualmente fixada para o caso de descumprimento
sem prévia intimação pessoal do executado. Isso porque o cumprimento da obriga-
ção depende de um comportamento pessoal do próprio devedor. Vê-se, assim, que a
Súmula 410 do Superior Tribunal de Justiça exige a intimação pessoal como conditio
sine qua non à incidência da multa.
Conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, o réu que foi revel na
fase de conhecimento e que não tem advogado constituído nos autos ou que está
sendo representado pela Defensoria Pública deve ser intimado pessoalmente, por
carta com aviso de recebimento5.
5. REsp 1.760.914-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado
em 02/06/2020, DJe 08/06/2020; REsp 2.053.868-RS, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta
Turma, por unanimidade, julgado em 6/6/2023, DJe 12/6/2023.
Na hipótese do § 2º, incisos II e III (intimação por carta com aviso de recebi-
mento, quando representado pela Defensoria Pública ou quando não tiver procurador
constituído nos autos e intimação por meio eletrônico, quando, no caso do § 1º do
art. 246 do CPC, não tiver procurador constituído nos autos), considera-se realizada
a intimação quando o devedor houver mudado de endereço sem prévia comunicação
ao juízo. Aplica-se, nesse caso, a regra prevista no, parágrafo único do art. 274 do
CPC (“Presumem-se válidas as intimações dirigidas ao endereço constante dos autos,
ainda que não recebidas pessoalmente pelo interessado, se a modificação temporária
ou definitiva não tiver sido devidamente comunicada ao juízo, fluindo os prazos
a partir da juntada aos autos do comprovante de entrega da correspondência no
primitivo endereço”).
Se o requerimento de cumprimento de sentença for formulado após 1 (um) ano
do trânsito em julgado da sentença, a intimação será feita na pessoa do devedor,
por meio de carta com aviso de recebimento encaminhada ao endereço constante
dos autos, observado o disposto no parágrafo único do art. 274 do CPC e no § 3º
do art. 513 do mesmo código.
5. LEGITIMIDADE PASSIVA
Os limites subjetivos da coisa julgada impedem a sua extensão a quem não fez
parte da relação processual. Logo, a legitimidade passiva para o cumprimento de
sentença será do devedor indicado no título executivo judicial.
Cumpre lembrar duas importantes regras que decorrem da intervenção de ter-
ceiros: a) na denunciação da lide, procedente o pedido da ação principal, pode o
autor, se for o caso, requerer o cumprimento da sentença também contra o denun-
ciado, nos limites da condenação deste na ação regressiva (art. 128, parágrafo único,
do CPC); b) no chamamento ao processo, a sentença de procedência valerá como
título executivo em favor do réu que satisfizer a dívida, a fim de que possa exigi-la,
por inteiro, do devedor principal, ou, de cada um dos codevedores, a sua quota, na
proporção que lhes tocar (art. 132 do CPC).
Se na relação jurídica de direito material a obrigação do devedor foi garantida
por fiança, aval ou ainda se houver outros coobrigados, o cumprimento de sentença
somente pode ser direcionado a tais sujeitos, caso eles tenham integrado a relação
processual na fase de conhecimento. É o que dispõe o § 5º do art. 513 do CPC (“O
cumprimento da sentença não poderá ser promovido em face do fiador, do coo-
brigado ou do corresponsável que não tiver participado da fase de conhecimento”).
julgamento de casos repetitivos”. Isso não significa dizer que a questão de direito
relevante submetida ao IAC não possa ter potencialidade de repetição em múltiplos
processos. Aliás, a relevância da IAC pode dizer respeito justamente à necessidade
de se evitar a multiplicação de processos.
O IAC reafirma, portanto, a compreensão de que a existência de repetição de
processos não é um pressuposto para a formação de precedentes. Reafirma, ainda,
a compreensão de que precedente não se confunde com jurisprudência. No caso do
IAC, o precedente quase sempre é formado antes mesmo da jurisprudência.
1.3. Competência
O regimento interno de cada tribunal prevê os órgãos competentes para recursos,
remessa necessária e ações de competência originária. Com o advento do CPC/15,
os tribunais passaram a prever, ainda, em seus regimentos internos, o órgão com-
petente para o processamento e julgamento do IAC. Tendo em vista a finalidade
do incidente, o órgão competente deverá ter uma composição maior (ex.: plenário,
corte especial, seção etc.) do que aquele competente para o julgamento de recursos,
remessas necessárias e ações de competência originária.
Assim como ocorre no incidente de resolução de demandas repetitivas, o órgão
competente para o julgamento do IAC deverá ser indicado pelo regimento interno
dentre aqueles responsáveis pela uniformização de jurisprudência do tribunal (art.
978, caput, do CPC)1. Isso decorre do fato de que o julgamento do incidente formará
um precedente vinculante (art. 927, III, do CPC), exigindo-se, assim, uma ampliação
da discussão e da própria fundamentação.
1.4. Legitimidade
Tem legitimidade para provocar o incidente: a) relator do recurso, da remessa
necessária ou da ação de competência originária do tribunal, de ofício; b) parte,
mediante requerimento ao relator; c) Ministério Público, mediante requerimento ao
relator; d) Defensoria Pública, mediante requerimento ao relator.
1.5. Procedimento
O CPC não prevê expressamente o procedimento específico de instauração do
IAC. Por se tratar de instrumento de formação de precedente vinculante, o proce-
dimento deve observar as regras relativas à ordem dos processos no tribunal, no
que couber. Aplicam-se, ainda, conforme entendimento firmado no enunciado 201
do Fórum Permanente de Processualistas Civis – FPPC, as regras previstas nos arts.
983 e 984 do CPC, que tratam do incidente de resolução de demandas repetitivas.
Admitido o IAC, a decisão deverá ser publicada no órgão oficial. O relator ouvirá
as partes e os demais interessados, inclusive pessoas, órgãos e entidades com inte-
resse na controvérsia, que, no prazo comum de 15 (quinze) dias, poderão requerer
a juntada de documentos, bem como as diligências necessárias para a elucidação da
questão de direito controvertida, e, em seguida, manifestar-se-á o Ministério Público,
no mesmo prazo.
Se não for o requerente, o Ministério Público intervirá como fiscal da ordem
jurídica (art. 976, § 2º, do CPC, por analogia).
Para instruir o incidente, o relator poderá designar data para, em audiência
pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e conhecimento na matéria.
Concluídas as diligências, o relator solicitará dia para o julgamento do incidente.
No julgamento do incidente, observar-se-á a seguinte ordem: a) o relator fará a
exposição do objeto do incidente; b) poderão sustentar suas razões, sucessivamente, o
autor e o réu do processo originário e o Ministério Público, pelo prazo de 30 (trinta)
minutos, e os demais interessados, no prazo de 30 (trinta) minutos, divididos entre
todos, sendo exigida inscrição com 2 (dois) dias de antecedência. Considerando o
número de inscritos, tais prazos poderão ser ampliados.
Ao final, o órgão colegiado julgará o recurso, a remessa necessária ou a ação de
competência originária. Diferentemente do que ocorre com o incidente de arguição de
inconstitucionalidade (arts. 948 a 950 do CPC), não há cisão do julgamento. Caberá ao
órgão de composição ampla assumir a competência do recurso, da remessa necessária
ou da ação de competência originária, ainda que a questão de direito relevante e de
grande repercussão social constitua apenas uma parte da demanda. O julgamento
será integral. O conteúdo do acórdão abrangerá a análise de todos os fundamentos
suscitados concernentes à tese jurídica discutida, sejam favoráveis ou contrários.
Nos termos do § 3º do art. 947 do CPC, “o acórdão proferido em assunção de
competência vinculará todos os juízes e órgãos fracionários, exceto se houver revisão
de tese”. Esse dispositivo deveria conter mais uma ressalva: o acórdão proferido em
assunção de competência vinculará os juízes e órgãos fracionários apenas no ponto
1.6. Recursos
Tendo em vista que o acórdão julgará sempre um recurso, uma remessa ne-
cessária ou uma ação de competência originária de tribunal, o recurso cabível será
aquele previsto em lei para atacar tais decisões. Tratando-se de acórdão que julga
um recurso de apelação, serão cabíveis embargos de declaração, recurso especial e
recurso extraordinário. Tratando-se de IAC em mandado de segurança decidido em
única instância pelo Superior Tribunal de Justiça, caberá recurso ordinário para o
Supremo Tribunal Federal.
2. Cf. CLAUS, Wilhelm Canaris, apud, BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no
direito brasileiro. Op. cit., p. 23.
3. CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. 2ª
edição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor. 1992, p. 26.
legislativo, somente poderia ser interpretada pelo próprio legislador. Com isso, evitar-
-se-iam “as possíveis rebeldias ou não plena e incondicional obediência dos tribunais”4.
A Constituição norte-americana de 1787 consagrou expressamente a ideia de su-
premacia constitucional, ao impor que os juízes estão vinculados mais à Constituição
do que às leis. Estas (as leis), só podem ser aplicadas se estiverem em conformidade
com a Constituição. A questão não passou despercebida para Alexander Hamilton,
James Madison e John Jay, para quem as cortes de justiça, no exercício da função
de preservação das limitações apresentadas pela Constituição (restrições específicas
à autoridade legislativa), “têm o dever de declarar nulos todos os atos contrários ao
manifesto espírito da Constituição”5.
A despeito dos registros históricos que apontam a existência de sistemas jurídicos
antigos estruturados a partir de uma lei ou corpo de leis com supremacia em relação
aos demais atos normativos6, o marco histórico do desenvolvimento do controle di-
fuso de constitucionalidade foi, sem dúvida, o precedente norte-americano Marbury
v. Madison, de 1803, no qual o Presidente da Suprema Corte (Chief Justice), John
Marshall, em uma ação (writ of mandamus) ajuizada por William Marbury objetivando
o reconhecimento do seu direito ao exercício do cargo de juiz de paz, reconheceu,
de forma incidental, a inconstitucionalidade de uma lei que conferia competência à
Suprema Corte norte-americana, tendo em vista que somente a Constituição poderia
criar hipóteses de competência originária desse Alto Tribunal.
A referida decisão, sem dúvida alguma, foi um importante passo para o de-
senvolvimento do sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade (judicial
review), o qual se encontra pautado em duas importantes premissas: supremacia da
Constituição e rigidez constitucional.
A doutrina norte-americana de controle jurisdicional de constitucionalidade pela
via incidental chegou à Europa por meio da Constituição portuguesa de 1911, embora
com pouca aplicação prática. Foi com a Constituição austríaca de 1920, desenhada
por Hans Kelsen, que o controle judicial de constitucionalidade ganhou os seus traços
mais marcantes na Europa. Isso porque se desenvolveu um sistema concentrado de
fiscalização, baseado na existência de um órgão especial com competência exclusiva
para declarar a inconstitucionalidade das leis: o Tribunal Constitucional7.
O sistema apresentado por Hans Kelsen, ao concentrar a competência nas mãos
de um único órgão (Tribuna Constitucional) e afastar dos juízes e tribunais ordiná-
rios a análise acerca da constitucionalidade das leis, revelava os resquícios dos ideais
4. Id.
5. HAMILTON, Alexander; MADISON, James; JAY, John. O Federalista. Brasília: Editora Universidade de
Brasília. 1984, p. 575-582.
6. Segundo Mauro Cappelletti, no Direito ateniense, havia a distinção entre o nómoi e o pséfisma. O
pséfisma equivalia a decretos, enquanto que o nómoi às leis constitucionais, cuja modificação de-
pendia de um procedimento especial (CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade
das leis no direito comparado. Op. cit., p. 49).
7. Cf. ENTERRIA, Eduardo Garcia. Controle de Constitucionalidade na Europa. Op. cit., p. 5-6.
2.2.2. Julgamento
No Brasil, a decisão quanto à constitucionalidade ou inconstitucionalidade tem
natureza dúplice. Isso porque, assim como ocorre no âmbito do controle concentrado
11. Conforme prevê o inciso XI do art. 93 da CF, “nos tribunais com número superior a vinte e cinco
julgadores, poderá ser constituído órgão especial, com o mínimo de onze e o máximo de vinte e cinco
membros, para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais delegadas da competência
do tribunal pleno, provendo-se metade das vagas por antigüidade e a outra metade por eleição pelo
tribunal pleno”.
2.2.3. Recurso
A decisão do órgão fracionário que admite a arguição e submete a questão ao
plenário do tribunal ou ao seu órgão especial é irrecorrível. Quanto à decisão que
julga o incidente, ou seja, que declara a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade
12. Isso não ocorre, por exemplo, em Portugal. Caso o Tribunal Constitucional português não vislumbre
a inconstitucionalidade suscitada, será proferida uma decisão de não inconstitucionalidade e não
uma decisão de constitucionalidade. Trata-se, portanto, de um juízo negativo de inconstitucionalidade
que vincula o órgão a quo, o qual, por sua vez, deverá aplicar a norma ao caso concreto. Por não
equivaler a um juízo positivo de constitucionalidade, a decisão de não inconstitucionalidade é pro-
ferida a partir das circunstâncias fáticas e jurídicas apresentadas no recurso de constitucionalidade,
sendo possível que, em casos futuros, a norma seja novamente impugnada e, ao final, considerada
inconstitucional por outros motivos.
da norma impugnada, não admite recurso de imediato. Não significa que ela não
seja recorrível, mas apenas que não cabe a interposição imediata de recurso.
A declaração de (in)constitucionalidade integrará o acórdão do órgão fracionário
que julgará o recurso, a remessa necessária ou a ação de competência originária. É por
isso que se diz, com razão, que o julgamento, nesse caso, é objetivamente complexo,
pois é formado por duas decisões de órgãos diversos. A primeira, a decisão do plená-
rio ou órgão especial quanto à inconstitucionalidade suscitada. A segunda, quanto à
questão de fundo do recurso, remessa necessária ou ação de competência originária.
Assim, somente com o julgamento da questão principal do recurso, remessa
necessária ou ação de competência originária é que será admitida a interposição de
recurso. Nesse recurso, a parte poderá impugnar tanto a premissa do julgamento
(decisão do plenário ou órgão especial acerca da inconstitucionalidade suscitada)
quanto o resultado do julgamento em si.
3. CONFLITO DE COMPETÊNCIA
3.1. Conceito e generalidades
Trata-se de incidente processual, de tramitação em tribunal, por meio do qual
um determinado órgão jurisdicional decide qual, dentre dois ou mais juízes, é o
competente para processar e julgar a causa. Tem previsão nos arts. 951 a 959 do CPC.
Haverá conflito de competência sempre que dois ou mais juízes se declararem
competentes (conflito positivo) ou incompetentes (conflito negativo) para uma mesma
causa. Também haverá conflito de competência quando entre dois ou mais juízes
surgir controvérsia acerca da reunião ou separação de processos (art. 66 do CPC).
Importante destacar que somente haverá conflito de competência entre juízos hierar-
quicamente equivalentes. Portanto, não se cogita a existência de conflito de competência,
por exemplo, entre tribunal de justiça e juiz de primeiro grau a ele vinculado; entre
tribunal superior e tribunal de justiça; entre o Supremo Tribunal Federal e qualquer
outro tribunal. Isso porque o entendimento do órgão jurisdicional superior prevalece
em relação ao inferior. Tal entendimento é extraído da Súmula 22 do Superior Tribunal
de Justiça, segundo a qual “não há conflito de competência entre o Tribunal de Justiça
e Tribunal de Alçada do mesmo Estado-membro”. Apesar disso, é plenamente possível
a existência de conflito de competência entre um tribunal e um juiz de primeiro grau
a ele não vinculado, conforme previsão no art. 105, I, “d”, da CF/8813.
Tratando-se de divergência quanto à reunião ou separação dos processos (art.
66, III, do CPC), dispõe a Súmula 59 do Superior Tribunal de Justiça que “não há
conflito de competência se já existe sentença com trânsito em julgado, proferida por
um dos juízos conflitantes”.
13. Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I - processar e julgar, originariamente: (...) d) os
conflitos de competência entre quaisquer tribunais, ressalvado o disposto no art. 102, I, “o”, bem
como entre tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos.