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Modulo 04 - Aula 34 – Teoria Geral da Execução

PROFESSOR HEITOR SICA


1. Introdução

O tema da execução, apesar de muito importante, é muitas vezes relegado para um segundo plano. A
tutela jurisdicional resta frustrada quando o vencedor da sentença não consegue realizá-la em caso
concreto.

A execução possui uma grave inefetividade. Estudos do CNJ apontam que na execução fiscal federal:

1. Em 3/5 dos casos sequer se encontra o executado;

2. Em apenas 1,5% dos casos é possível alcançar a fase de expropriação prevista no procedimento
executório que dispõe o CPC;

Também são alarmantes as informações dadas pela “justiça em números” de 2020:

1. 55% dos quase 80 milhões de processos em trâmite no Brasil, são execuções, ou seja, quase 50
milhões de execuções. Equivalente à 2/3;

2. Anualmente são iniciadas novas execuções que correspondem à 1/3 do total de novos processos. No
entanto, ao final, a média de execuções que ficam pendentes, dobra;

A razão para isso é que a taxa de congestionamento da execução é de 90%, ou seja, na proporção de
processos entrados x processos baixados, a cada 100 novas execuções iniciadas, apenas 10 delas são
baixados.

Assim, vemos que se trata de um caso de estrangulamento da efetividade da jurisdição. Não é em vão
que Liebman dizia que a execução é a “Cinderela” do processo.

E com essa introdução é que passaremos a estudar o tema da execução que, apesar de muito
importante, não desperta tanta atenção da doutrina e dos juristas.

2. Teoria Geral da Execução - Premissas conceituais

Para construir uma teoria geral da execução, é necessário assentarmos alguns conceitos.

a. O primeiro deles é o da execução forçada. Temos dois tipos de execução: voluntária e forçada. A
voluntária é invisível na prática, pois ocorre no dia a dia com o cumprimento das obrigações
cotidianas pelas partes, entrega de coisa, por exemplo.

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E é por essa razão que comumente vemos o termo “execução forçada” que acontece quando a
obrigação não é voluntariamente cumprida e o poder judiciário é acionado.

b. A segunda premissa é a contraposição entre atividade de conhecimento e atividade de execução,


entre atividade cognitiva e executiva. É uma lógica não desconhecida, mas que precisa ser
relembrada.
A atividade cognitiva é baseada no raciocínio do juiz. É uma atividade eminentemente
intelectual. O juiz ouve as partes, juiz colhe provas e ao final profere decisão.
Atividade executiva é atividade prática, atividade de realização concreta do direito (dinheiro que
sai do bolso do devedor e vai para o credor, coisa que deveria ter sido entregue e não foi, faz-se
a busca e apreensão etc) .
Atividade cognitiva transforma o fato em direito.
Atividade executiva transforma o direito em fato, em ser, em dinheiro.

Essa dicotomia molda nosso sistema processual. É com base nessa dicotomia que foram
moldados os dois primeiros livros da parte especial do CPC/15.

c. As atividades cognitiva e executiva são complementares e devem se coordenar para o fim de


alcançar a tutela jurisdicional plena, com a efetiva satisfação do direito material.

d. Via de regra, a cognição precede a execução (processo de conhecimento, instrução primeiro e


depois executa).

Eventualmente, a execução precede a cognição. Exemplo disso ocorre na execução de título


extrajudicial, que as atividades executivas ocorrem de início, após uma breve análise dos
requisitos e a cognição é eventual, ocorre quando e se, requerido pelo executado. Se o
executado não se defender, a execução continua.

Outro rearranjo entre atividades cognitiva e executiva ocorre na tutela provisória. Concedida a
tutela provisória, enseja imediatamente atividades executivas. Torna-se possível efetivar-se a
pretensão, utilizando-se as regras do cumprimento provisório de sentença.

Há casos ainda que em que há cognição sem execução, como ocorrem nos casos das sentenças
meramente declaratórias ou constitutivas e sujeitam-se apenas a uma execução própria.
Exemplo ocorre nas sentenças que declaram divórcio, descontistutivas, produzem efeitos por si

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só. A execução imprópria, nesse caso, se caracterizaria pelo ato de averbar o divórcio na certidão
de casamento do ex-casal.

Mais um caso de cognição sem execução ocorre nos casos de cumprimento voluntário da
obrigação após a prolação de sentença.

Por fim, cumpre ainda pontuar que na fase de execução não existe julgamento de procedência
ou improcedência, pois seu objetivo primordial é obtenção da satisfação do direito.

3. Modalidades e classificação

As classificações nos permitem ter uma visão mais analítica do procedimento. Organizar didaticamente
o fenômeno.

3.1. Origem do título executivo:

a) Judicial (arts. 513 a 538 do CPC/15) – juiz faz cognição, diz quem está certo e quem está errado e
depois a parte vencedora executa a perdedora; O código também chama de ‘cumprimento de
sentença’ a execução do título judicial;

b) Extrajudicial (regido pelo livro II da parte especial do CPC/15 – arts. 771 a 925) – executa atos
documentados fora do poder judiciário. Como exemplo, são títulos extrajudiciais os cheques,
notas promissórias, instrumento de confissão de dívida, instrumento particular assinado pelo
devedor e duas testemunhas, que tenha obrigação certa, líquida e exigível.

Essa divisão existe mais para fins didáticos, uma vez que os artigos 513 e 771 do CPC autoriza a aplicação
subsidiária recíproca das regras entre os dois regimes.

3.2. Forma de distribuição:

a) Execução como fase – iniciada por simples petição/requerimento em processo já pendente.


Nesse caso, ocorre apenas a intimação do executado, não precisa ser citado.
Ocorre apenas nos casos previstos no artigo 515, I a V, CPC – título judicial.

b) Execução com processo autônomo – iniciada por petição inicial. Nesse caso há a citação do
executado.

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Ocorre nos casos previstos do artigo 515, VI a IX, CPC – título judicial (sentença penal
condenatória, sentença arbitral, sentença ou decisão estrangeira).
Artigo 771 e ss CPC, título extrajudicial.

3.3. De acordo com o tipo de obrigação:

É determinado pelo direito material, no Código Civil e no processo, foi criado um procedimento
diferenciado para essas obrigações;

a) Fazer;

b) Não fazer;

c) Entrega de coisa;

d) Pagar dinheiro.

Importa pontuar que as obrigações de fazer, não fazer e dar coisa são sempre passíveis de conversão
em dinheiro, seja pela impossibilidade da execução específica, seja pela vontade do credor.

3.4. De acordo com a técnica executiva:

a) Por sub-rogação – a força do Estado se substitui a vontade do executado para obter


cumprimento da obrigação. Estado força obrigação, independente da vontade do devedor.

b) Por coerção – impõe uma sanção ao devedor e para evitar as consequências, o devedor cumpre
(ex.: obrigação de fazer ou não fazer sob pena de multa diária).

Essas técnicas são complementares. Podem se combinar. Nas obrigações de entregar coisa e pagar
dinheiro, a técnica predominante é a sub-rogatória. Mas, caso haja resistência, poderá o julgador
utilizar-se das técnicas coercitivas. Nas obrigações de fazer ou não fazer predominantemente utiliza-se a
técnica coercitiva. No entanto nada impede que essa predominância seja alterada. Depende do caso
concreto.

O art. 139, inciso IV do CPC, dispõe sobre a atipicidade dos meios executivos. Adequação pelo juiz das
técnicas executivas ao caso concreto.

3.5. De acordo com a higidez do título:

Aplicável predominantemente no cumprimento de sentença.

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a) Provisória – sentença que gera execução na pendência de recurso, sem efeito suspensivo. Pode
acontecer reforma, anulação da sentença que está sendo provisoriamente executada no
julgamento do recurso.

b) Definitiva – quando a sentença exequenda já está coberta pela coisa julgada material, sem
pendência de recurso contra ela.

3.6. De acordo com a natureza do procedimento:

a) Comum;

b) Especial (execução contra a Fazenda Pública, execução fiscal, execução de alimentos etc) – a
satisfação da obrigação sujeita-se a outras formas quando necessário, são feitas adaptações,
como no caso dos precatórios para executar obrigações pecuniárias em execuções contra a
Fazenda Pública, haja vista que os bens da Fazenda são impenhoráveis.

Da mesma forma, a execução de alimentos também possui uma particularidade, qual seja, a
autorização de prisão civil do alimentante devedor.

4. Disposição geral da matéria no CPC/15

Os procedimentos executivos foram, durante os anos, adaptando-se às dificuldades encontradas na


prática. A atual sistemática do CPC/15, portanto, é fruto de uma longa evolução quanto a este instituto.

Uma inovação muito interessante trazida foi justamente a subsidiariedade de técnicas entre os
procedimentos de execução extrajudicial e cumprimento de sentença, vez que entre eles possuem
procedimentos interessantes e úteis para que sejam usados em todos os demais.

5. Princípios regedores da execução

5.1. Nulla Executio Sine Titulo - não há execução sem título (art. 783, CPC), permitindo-se o
cumprimento provisório (CPC, 515, I, CPC).

5.2. Princípio da Patrimonialidade (art. 789 do CPC);

Execução patrimonial x execução corporal (cabível apenas na prisão civil do devedor de


alimentos)

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Medidas executivas atípicas (art. 139, inciso IV, CPC) – exemplo na prática tem sido a
autorização dada pelos Tribunais Superiores de apreensão de passaporte e CNH pelo não
pagamento de dívidas, obedecendo alguns critérios.

Entende o professor Sica que referidas medidas são inconstitucionais, porque restringe a
liberdade de locomoção, uma vez que feriria o princípio da patrimonialidade, o patrimônio do
devedor é que deve ser onerado.

5.3. Princípio da atipicidade (art. 139, IV, CPC).

Medidas típicas: prevalência na execução por quantia e na execução para entrega de coisa

Medias atípicas: prevalência na execução das obrigações de fazer ou não fazer – juiz deve olhar
o caso concreto e decidir qual a melhor forma de fazer cumprir o direito.

5.4. Princípio da disponibilidade (art. 775 e 797, CPC).

Execução se faz no interesse do credor e portanto esse possui um grau de disponibilidade maior
do que tem na ação de alimentos, podendo por exemplo, desistir da execução a qualquer tempo,
independente de concordância do réu.

Exceção ocorre nas execuções em que o devedor já apresentou defesa, com tese de mérito,
quando ocorre uma proximidade do processo de conhecimento.

Do mesmo modo, o exequente pode desistir das medidas executivas, no entanto, sujeito a
limitações da boa-fé objetiva e nos direitos fundamentais do executado e terceiros. Essa
limitação autoriza impedir o exequente de abuso deste direito de disponibilidade.

5.5. Princípio da menor onerosidade (art. 805, CPC).

Havendo duas formas de realizar a execução, igualmente eficientes, prefere-se a menos gravosa
ao executado. O executado tem esse ônus de comprovar que possui meios igualmente eficientes
para satisfazer a obrigação, para então poder utilizar-se desse princípio.

No entanto, esse princípio não se presta para afastar a preferência da penhora eletrônica de
dinheiro (art. 835, I, CPC), com a única exceção dos casos de execução provisória o exequente
não apresentar caução para levantamento do dinheiro penhorado (súmula 417 do STJ e 417 do
TST).

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5.6. Princípio da primazia da tutela específica (art. 499, CPC).

O processo deve dar aquele que tem razão, tudo e exatamente aquilo que o direito material o
assegura. Deve-se fazer com que o processo atinja o resultado mais próximo possível daquele
que se não tivesse havido o descumprimento do direito que levou o autor a vir a juízo.

Somente se afasta a primazia se o exequente requerer ou se tornar impossível a obrigação.

Nesse caso, podem ser cogitadas duas alternativas: resultado prático equivalente e conversão
em pecúnia.

5.7. Princípio da cooperação da execução (art. 774, V, CPC).

Trata-se de dever imposto ao executado de indicar onde estão os bens passíveis de execução,
sob pena de multa por ato atentatório à dignidade da justiça.

5.8. Princípio do contraditório da execução

 Prevalência da técnica da cognição sumária com inversão do contraditório:


Impugnação ao cumprimento de sentença
Embargos à execução
Defesas endoexecutivas

 Módulos cognitivos exaurientes: liquidação e IDPJ.

LEITURAS RECOMENDADAS

Theodoro Júnior, Humberto. Curso de direito processual civil – Teoria Geral do direito processual civil,
processo de conhecimento e procedimento comum. Volume 3. 60ª edição. Rio de Janeiro: Forense,
2019. Págs. 209 a 289.

Zaroni, Bruno Marzullo. Algumas inovações do CPC/15 em matéria de execução. Cadernos Jurídicos.
OAB Paraná. 2015. 12ª edição. Disponivel em:
https://www.academia.edu/21520775/Algumas_inova%C3%A7%C3%B5es_do_CPC_15_em_mat%C3%A
9ria_de_execu%C3%A7%C3%A3o

SANTOS, Guilherme Luis Quaresma Batista. “Teoria Geral da Execução e o Código de Processo Civil
Brasileiro de 2015” in: DIDIER JR., Fredie (coord.) Novo CPC – Doutrina Selecionada. v.5 (Execução).

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Salvador: Juspodivm, 2015. pp. 25-48. (versão eletrônica, revisada para 2ª edição). Disponível em:
https://www.academia.edu/21347034/Teoria_Geral_da_Execu%C3%A7%C3%A3o_e_o_C%C3%B3digo_
de_Processo_Civil_Brasileiro_de_2015_revisado_

JURISPRUDÊNCIA

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB


A ÉGIDE DO NCPC.EXECUÇÃO. MEDIDAS COERCITIVAS PREVISTAS NO ART. 139, IV, DO
NCPC. CABIMENTO. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. O presente agravo interno foi interposto contra decisão publicada na vigência do NCPC,
razão pela qual devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma nele
prevista, nos termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na
sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a
decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de
admissibilidade recursal na forma do novo CPC.
2. A questão concernente a saber se é possível a adoção de medidas coercitivas atípicas, a
exemplo do bloqueio de cartões de crédito, da apreensão do passaporte e da Carteira
Nacional de Habilitação, é unicamente de direito e configura hipótese de violação direta
dos dispositivos legais que disciplinam o instituto (arts. 8º e 139, IV, ambos do NCPC),
razão pela qual é cabível o recurso especial.
3. A presente execução já ultrapassou 28 anos, prazo este que ofende sobremaneira o
princípio da celeridade processual, garantido constitucionalmente.
4. O Tribunal paulista afastou a aplicação das medidas coercitivas sem, contudo, analisar
as especificidades da causa.
5. Esta Corte já teve a oportunidade de apontar, objetivamente, alguns requisitos para se
adotar as medidas executivas atípicas, tais como: i) existência de indícios de que o
devedor possua patrimônio apto a cumprir com a obrigação a ele imposta; ii) decisão
devidamente fundamentada com base nas especificidades constatadas;
iii) a medida atípica deve ser utilizada de forma subsidiária, dada a menção de que foram
promovidas diligências à exaustão para a satisfação do crédito; e iv) observância do

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contraditório e o postulado da proporcionalidade (REsp 1.894.170/RS, Rel. Ministra
NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, julgado em 27/10/2020, DJe 12/11/2020).
6. Não sendo a linha argumentativa apresentada capaz de evidenciar a inadequação dos
fundamentos invocados pela decisão agravada, o presente agravo interno não se revela
apto a alterar o conteúdo do julgado impugnado, devendo ele ser integralmente mantido.
7. Agravo interno não provido.
(AgInt no REsp 1799638/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em
29/03/2021, DJe 06/04/2021)

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