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3º ano, Turma A

Patrícia Carneiro da Silva

DIREITO PROCESSUAL CIVIL I


Professor Doutor Miguel Teixeira de Sousa

I – INTRODUÇÃO E NOÇÕES GERAIS


O Direito é, fundamentalmente, um conjunto de normas primárias – normas de direito
material ou substantivo. O Direito Processual, no entanto, representa um direito
adjectivo ou instrumental, fundado na necessidade de recorrer aos tribunais para
tutelar situações jurídicas. É também Direito Público, pois que exige a actividade de
uma entidade pública – o Tribunal. Podemos então dizer que o Direito Processual Civil
representa o conjunto de normas reguladoras do processo civil. Cabe então concretizar
o conceito de processo civil.

1 – Estrutura do Direito Processual Civil


O facto de estarmos perante um processo indica-nos desde logo que em causa estão
uma sequência de actos, destinados a um resultado. Sendo este um processo no campo
do direito, compreende-se que falemos num conjunto de factos jurídicos – maxime
actos jurídicos – ordenados para um fim.
Falando especificamente do processo civil, os actos em causa ordenam-se em
determinadas fases. Tendo por ponto de referência o processo comum, temos na acção
declarativa em primeira instância:
o Fase dos articulados – nesta, as partes alegam a matéria de facto e de direito
relevante para a decisão final.
• Petição inicial – art 552º e seguintes CPC
• Citação do réu – art 563º CPC
• Contestação – art 569º e seguintes CPC
• Notificação da contestação ao autor – art 575º CPC
• Réplica (eventualmente) – art 584º e seguintes CPC
o Fase da gestão processual/condensação – pretende-se verificar e garantir a
regularidade do processo. Aqui procede-se à identificação do objecto do litígio,
à decisão daquilo que pode já ser decidido e à enumeração dos temas que
requerem prova subsequente.
• Despacho pré-saneador – art 590º CPC
• Audiência prévia (antecedida pela sua marcação da data e pela
convocação das partes) – art 591º e seguintes CPC
• Despacho saneador – art 595º CPC
o Fase da instrução – momento no qual se tomam as diligências necessárias à
prova dos factos alegados pelas partes, tendencialmente concentradas na
audiência final
o Fase da discussão – partes exprimem o seu ponto de vista sobre a decisão a
proferir
• Audiência final – art 599º e seguintes CPC
o Fase do julgamento
• Sentença – art 607º e seguintes CPC

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Estando em causa uma sequência de actos jurídicos, não integram o processo os factos
jurídicos stricto sensu. Ainda assim, esses meros factos podem produzir efeitos no
processo, mas esses serão sempre efeitos processualizados1 – exige-se ainda assim a
prática de actos jurídicos.
Tudo isto torna relevante o critério de classificação de um acto como processual. Para
que um acto seja visto como processual, não se exige que seja praticado dentro do
processo – há actos praticados fora do processo que têm relevância exclusivamente
processual. Por contrário, há actos integrados nessa sequência que produzem efeitos
tipicamente substantivos, não sendo por isso considerados actos processuais.
Sendo o processo uma sequência ordenada de actos, a nulidade de um deles irá
provavelmente inquinar os actos subsequentes. Decorre do art 195º CPC que a
nulidade de um acto apenas releva se a lei a declarar ou se a irregularidade cometida
possa influenciar no exame ou na decisão em causa. São susceptíveis de gerar nulidade
as situações em que se pratica um acto que a lei não prevê ou situações em que se
omite um acto que a lei impõe. Se estivermos perante a situação em que a lei prevê um
acto que não foi praticado, a consequência será a prática desse acto; se estivermos,
porém, perante a outra hipótese acima referida, então ter-se-á o acto como não
praticado.

2 – Espécies de acções
Decorre do art 10º CPC que existem, no âmbito do Direito Processual Civil, diversas
modalidades de acções:
o Acções declarativas – o autor procura que o tribunal declare a solução para um
determinado caso. Há uma dúvida relativa à existência ou não de determinado
direito.
• De simples apreciação – visa-se obter a declaração da existência ou
inexistência de um direito ou de um facto. A acção vem pôr termo a uma
situação de incerteza, tendo uma função preventiva (previnem-se
litígios). Neste caso, apenas se pede ao tribunal que proceda à tal
declaração, não se pedindo que este vá além disso. Estas decisões não
são, na verdade, exequíveis.
▪ Positivas – autor pretende que o tribunal declare a existência de
um direito ou de um facto;
▪ Negativas – o autor requer que seja declarado que o direito não
existe ou que determinado facto não ocorreu.
• De condenação – pretende-se não só que seja declarada a existência do
direito que está a ser violado, como se pede que quem o violou seja
condenado à realização de uma determinada prestação. Neste caso,
pressupõe-se a violação de um direito. De facto, esta acção de
condenação pressupõe que o tribunal reconheça a existência do direito
em causa, mas esse é um reconhecimento que não tem de ser expresso.

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Por exemplo, se uma das partes morrer durante o processo, apenas se suspende a instância depois de a
morte ser alegada e provada

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Assim sendo, não pode ser dito que a acção de condenação absorve a
acção de simples apreciação: se o autor intenta uma acção de
condenação e esta é julgada improcedente, o reconhecimento do direito
não se verifica; se o autor faz dois pedidos (acção mista → acção de
simples apreciação + acção de condenação) e o tribunal decide não
condenar, pode ainda assim reconhecer aquele direito. A generalidade
destas acções é exequível
• Constitutivas – o autor pretende obter um efeito jurídico novo, que vai
alterar a esfera jurídica do réu, independentemente da sua vontade. Daí
que, na generalidade, esta seja acção utilizada para fazer valer direitos
potestativos. Neste caso, o efeito da sentença não depende da actuação
do réu, pelo que não é requerida a contestação deste.
o Acções executivas – exige-se a realização coerciva das providências destinadas
à efectiva reparação do direito violado. Nestas, é invocada a falta de
cumprimento de uma obrigação expressa na sentença ou constante de
documento (no título executivo).
• Para pagamento de quantia certa
• Para entrega de coisa certa
• Para prestação de facto

3 – Formas de processo e o valor da causa


A forma que o processo deve tomar varia consoante o fim visado. Diferentes fins
equivalem a diferentes actos a ser praticados, e a diferentes formalidades a ser
observadas. Primeiramente, resulta do art 546º, nº 1 CPC que podemos ter:
o Processo comum – aplicável a todos os casos a que não corresponda um
processo especial
• Processo declarativo
• Processo executivo
o Processo especial – aplicável aos casos expressamente designados na lei (Livro
V CPC)
• Tutela da personalidade
• Justificação da ausência
• Interdições e inabilitações
• Prestação de caução
• Consignação em depósito
• Divisão de coisa comum
• Divórcio e separação sem consentimento do outro cônjuge
• Execução especial por alimentos
• Liquidação da herança vaga em benefício do Estado
• Prestação de contas
Facilmente se compreende que o processo comum é a regra e que o processo especial
a excepção. Mais, as regras do processo comum aplicam-se aos processos especiais,
sempre que o aspecto em causa não seja por eles regulado – o processo comum é

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subsidiário. Até à reforma de 2013, existiam o processo ordinário, o processo sumário


e o processo sumaríssimo. Com a reforma, esses foram extintos, falando-se agora numa
forma única de processo comum – deixa de ser necessária a classificação. A indicação
da forma do processo na petição inicial é obrigatória – art 552º, nº 1, al c) CPC.
Obrigatória também é a indicação do valor da causa – art 552º, nº 1, al f) CPC. A sua
fixação decorre de vários critérios legais, quer gerais quer especiais. O valor da causa é
de grande relevância, pois que é através dele que se sabe se pode ou não haver recurso:
o recurso é possível se o valor da causa exceder a alçada do tribunal, sendo a alçada
do tribunal o limite até ao qual um tribunal julga em definitivo.

ALÇADAS
art 44º da Lei da Organização do Sistema Judiciário
Primeira Instância 5 000€
Relação 30 000€
Critérios gerais – art 297º CPC
o Se pela ação se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o
valor da causa; se pela ação se pretende obter um benefício diverso, o valor da
causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício.
o Cumulando-se na mesma ação vários pedidos, o valor é a soma dos valores de
todos eles; quando, como acessório do pedido principal, se pedirem juros,
rendas e rendimentos já vencidos e os que se vencerem durante a pendência
da causa, atende-se somente aos interesses já vencidos.
o No caso de pedidos alternativos2, atende-se unicamente ao pedido de maior
valor e, no caso de pedidos subsidiários3, ao pedido formulado em primeiro
lugar.
Critérios especiais – art 298º e seguintes CPC
o Nas ações de despejo, o valor é o da renda de dois anos e meio, acrescido do
valor das rendas em dívida ou do valor da indemnização requerida, consoante
o que for superior.
o Nos processos referentes a contratos de locação financeira, o valor é a soma das
prestações em dívida até ao fim do contrato, acrescido dos juros moratórios
vencidos.
o Nas ações de alimentos definitivos e nas de contribuição para despesas
domésticas, o valor é o quíntuplo da anuidade correspondente ao pedido.
o Nas ações de prestação de contas, o valor é o da receita bruta ou o da despesa
apresentada, se lhe for superior.
O art 303º CPC trata do valor da acção sobre o estado das pessoas ou sobre interesses
imateriais ou difusos.
o Estado das pessoas – incluem-se as acções de divórcio, de separação judicial de
pessoas e bens, de anulação do casamento, de investigação da parentalidade, de
impugnação da parentalidade, de interdição e inabilitação, etc. – o valor é

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Art 553º CPC
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Art 554º CPC

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sempre 30.000.001€ (alçada da Relação + 0.01€, para que seja sempre admissível
o recurso);
o Interesses imateriais ou difusos – interesses imateriais são interesses não
patrimoniais, p.e. acções em que se pretende a inibição ou limitação ao exercício
das responsabilidades parentais; interesses difusos são aqueles que respeitam a
pessoas não individualmente determinadas. São interesses cuja titularidade
pertence a todos e cada um dos membros de um determinado grupo.
O momento da fixação do valor é tratado no art 299º CPC – a regra é a de que, para a
fixação do valor da causa, se deve considerar o momento em que a acção é proposta.
A esta regra sobrepõem-se duas excepções:
o Casos em que há pedido reconvencional
o Casos em que é requerida intervenção principal

4 – Pressupostos processuais
Para que o Tribunal possa apreciar o mérito da causa, é necessário que estejam
verificados os chamados pressupostos processuais – conjunto de requisitos de ordem
técnica necessários ao regular desenvolvimento da instância, permitindo que esta
culmine numa sentença que resolva, efectivamente, o litígio em análise. Os
pressupostos processuais representam, assim, condições prévias ao conhecimento do
mérito da causa.
O desrespeito pelos pressupostos processuais, então, impede o juiz de se pronunciar
sobre o mérito da causa – será assim proferida uma decisão de forma, que põe termo
ao processo e resulta na absolvição do réu da instância (art 278º, nº 1 CPC). A violação
dos pressupostos processuais tem como consequência regular a ocorrência de
excepções dilatórias. Note-se que a absolvição do réu da instância apenas deve ter
lugar quando, de todo em todo, não é possível suprir o vício originado pela violação de
certo pressuposto.
Os pressupostos processuais respeitam:
o Às partes
• Personalidade judiciária
• Capacidade judiciária,
• Legitimidade,
• Patrocínio judiciário obrigatório
• Interesse em agir
o Ao Tribunal
• Competências internacional e interna
o Ao objecto da causa
• Aptidão da petição inicial
• Não verificação da litispendência e do caso julgado.

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II – PRINCÍPIOS GERAIS DO PROCESO CIVIL


CONSTITUIÇÃO
Direito de acesso aos tribunais (art 20º)
• Direito de acção
LEGISLAÇÃO ORDINÁRIA
• Direito de defesa Binómio formado pelo princípio do dispositivo e
pelo princípio do inquisitório
Princípio da equidade
Princípio da preclusão e da autorresponsabilidade
Princípio do prazo razoável e da tutela
Trio formado pelos princípios da imediação, da
jurisdicional efectiva (art 20º)
oralidade e da concentração
Princípio da publicidade (art 206º), da
Princípio da livre apreciação da prova
legalidade (art 203º) e da fundamentação
Princípio da economia processual
(art 205º), fundamentais para as audiências
a realizar durante o processo Princípio da gestão processual
O CONJUNTO DESTAS GARANTIAS CONSTITUI
O DIREITO À JURISDIÇÃO

Ao contrário do que acontece com os princípios gerais de direito civil, hoje plenamente
aceites pela Doutrina, os princípios processuais estão ainda em aperfeiçoamento.
Resulta essencialmente do último pós-guerra a necessidade de constitucionalizar as
garantias processuais, desprezadas até então pelos sistemas autoritários. Tem para isso
sido uma ajuda relevante a jurisprudência que o Tribunal Europeu dos Direitos do
Homem tem publicitado relativamente à aplicação dos arts 6º e 14º CEDH.
Entre os princípios gerais do processo civil, há princípios que têm dignidade
constitucional e outros que apenas se encontram em legislação ordinária.

a) Garantia de acesso aos tribunais


DIREITO DE ACÇÃO
Decorre do art 20º CRP o direito de acção. Do mesmo resulta que qualquer cidadão
pode usar o meio que, no campo do processo civil, para tanto é disponibilizado. Pode,
então, propor acções para fazer valer os seus direitos ou interesses.
Tendo começado por ser visto como uma manifestação de direito subjectivo privado,
é hoje pacificamente aceite que o direito de acção é um direito público (logo,
irrenunciável), independente da existência da situação jurídica par a qual se pede a
tutela judiciária. Assim, apresentada a petição inicial, a actividade jurisdicional só não
seguirá o seu curso se a petição não apresentar os requisitos formais exigidos (art 558º
CPC).
Diferente é a questão da acção popular. O direito de acção popular, consagrado no art
52º CRP, é conferido no âmbito dos interesses colectivos e difusos, a qualquer cidadão
no gozo dos seus direitos civis e políticos, bem como às associações e fundações que
tenham como objecto a defesa dos interesses em causa. Estes interesses colectivos e
difusos representam interesses individuais generalizados, próximos dos interesses
públicos, mas ainda de natureza privada. Quanto ao interesse colectivo individualmente
considerado, este associa-se a uma comunidade genericamente organizada (mas não
constitutiva de uma pessoa colectiva).

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DIREITO DE DEFESA
Associando-se o autor ao direito de acção, ao réu associamos o direito de defesa: direito
ao conhecimento efectivo do processo instaurado e concessão de um prazo
suficientemente amplo para apresentar contestação.
Quanto ao conhecimento efectivo do processo, exige-se que no acto de citação sejam
transmitidos ao réu todos os elementos essenciais:
o Duplicado da petição inicial e cópias dos eventuais documentos que a
acompanhem;
o Identificação do tribunal e da secção onde decorre o processo;
o Expressa indicação de citação;
o Prazo dentro do qual poderá apresentar contestação;
o Obrigação do patrocínio judiciário
A falta destes elementos resulta na nulidade do acto. Note-se que a citação é hoje
normalmente feita por carta registada com aviso de recepção, tendo-se dispensado o
contacto pessoal. A citação de pessoas singulares é tratada nos arts 225º e seguintes
CPC.
Quanto à audiência prévia – decorrência lógica do direito de defesa – esta só a título
excepcional pode ser dispensada. Tal acontece, por exemplo, na situação de
procedimentos cautelares, na qual exige uma tomada de decisão rápida para proteger
o direito do autor.
O acesso aos tribunais não pode ser posto em causa por entraves económicos. Assim,
é possível à parte que careça de meios económicos para o pagamento das custas, que
solicite apoio judiciário. Este consiste na dispensa, total ou parcial, da taxa de justiça
(art 530º CPC) e do pagamento de outros encargos. O apoio será concedido pelos
serviços da segurança social. Note-se que, hoje em dia, a falta de pagamento da taxa é
fundamento para a recusa da petição inicial (salvo se estivermos de facto perante um
caso de apoio judiciário).

b) Princípio do dispositivo e princípio do inquisitório


Decorre do princípio do dispositivo que as partes dispõem do processo, cabendo ao
juiz controlar a observância das normas processuais e depois proferir uma decisão
final. Isto implica que o tribunal – na figura do juiz – apenas possa dar resposta aos
pedidos que lhes são feitos pelo autor ou pelo reconvinte. Essa necessidade de
actividade inicial pelas partes está consagrada no art 3º CPC.
Outra manifestação do princípio do dispositivo é o preceito do art 5º CPC, do qual
decorre que às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir
e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas. Assim, a sentença proferida pelo
juiz não pode implicar condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do
que foi pedido. Note-se que as partes têm não só disponibilidade para dar início ao
processo como para lhe pôr fim (seja por meio de transacção, desistência da instância
ou, no caso do réu, confissão do pedido).
Contudo, observando o panorama actual, verifica-se que o princípio do inquisitório tem
vindo a conquistar terreno ao princípio do dispositivo. Resulta do princípio do
inquisitório que ao juiz é atribuído um papel activo na condenação do processo. Assim:

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cabe ao juiz levar a cabo todas as diligências necessárias para apurar a verdade e uma
justa composição do litígio, suprir a falta de pressupostos processuais cuja sanação
seja possível, determinar a prática dos actos necessários à regularização da instância,
adoptar a tramitação processual adequada às especificidades do processo, (…).
Na prática, o princípio do dispositivo mantém-se no que toca aos pontos essenciais, de
modo a que a intervenção do juiz não deixe de se distanciar das partes. Ainda assim, às
partes é sempre atribuída a responsabilização pelo êxito das posições que defendem
no processo.

c) Princípio da igualdade das partes


O direito à jurisdição engloba também o direito a que esta seja acessível a todos de
forma equitativa, de modo a que se obtenham resultados justos. Desta realidade
resultou a necessidade de consagrar expressamente na Constituição o direito a um
processo equitativo (art 20º, nº 4 CRP).
Na prática, ambas as partes devem ser consideradas como detentoras dos mesmos
direitos e oneradas com os mesmos deveres – estas devem encontrar-se sempre numa
situação de plena igualdade entre si e perante o tribunal.
Assim, decorre do art 4º CPC que o tribunal deve assegurar, ao longo de todo o
processo, um estatuto de igualdade substancial das partes.
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Ao tribunal não é permitido que resolva o litígio sem que a outra parte seja
devidamente ouvida. Daqui decorre a necessidade de citação do réu, após
apresentação da petição inicial – o réu tem de ser citado para que, se assim entender,
possa apresentar a sua contestação.
O princípio do contraditório não releva apenas na fase dos articulados, mas em todas
as fases do processo, inclusive na fase de julgamento (continuando a ser observado na
fase de recurso). Como afirma o Professor Lebre de Freitas, este princípio é hoje visto
como a garantia de uma participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo
o litígio. É com base neste princípio que é permitido às partes que ofereçam as suas
provas e controlem as provas da outra parte.
Outra das mais marcadas manifestações do princípio do contraditório é, como seria
expectável, o momento da audiência prévia. Só excepcionalmente pode esta ser
prescindida, o que ainda assim implica a observação deste princípio em momento
ulterior, dando-se aí possibilidade ao réu para se defender. Exemplo paradigmático
desta situação é o das providências cautelares.

d) Princípio da cooperação
Está definido no art 7º CPC, significando que, na condução e intervenção no processo,
devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si,
com o objectivo último de obter uma justa composição do litígio. Este dever de
cooperação, no entanto, não é absoluto. O mesmo encontra-se limitado pelas
realidades previstas no art 417º, nº 3 CPC – art 7º, nº 3. Assim, a recusa pode ser
legítima, inclusive com fundamento constitucional – art 32º, nº 8 CRP.

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Note-se que o dever de cooperação não diz respeito apenas às partes envolvidas no
processo, mas sim a todas as pessoas – todos temos o dever de prestar a nossa
colaboração. Assim, também o juiz está envolvido por este dever, podendo o tribunal
requisitar informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objectos ou
outros materiais necessários ao esclarecimento da verdade.
Do princípio da cooperação/colaboração decorrem diversos corolários:
o Dever de utilização dos poderes inquisitórios que o CPC define (art 411º CPC);
o Proibição das decisões surpresa;
o Dever de auxílio (art 7º, nº 4 CPC).

e) Princípio da economia processual


Pretende-se obter o melhor resultado possível, despendendo o menor esforço
processual. Na prática, procura-se que, com o menor esforço processual, se alcance a
resolução do maior número de litígios.
Isto implica que se reduzam o número de processos e se evitem os actos e as
formalidades desnecessárias. É também proibida a realização de actos inúteis, sendo
que os actos processuais devem sempre adoptar a forma mais indicada para o fim
visado.

f) Dever de gestão processual


Está em causa o poder de direcção do processo e o princípio de adequação formal. O
dever em análise está consagrado no art 6º CPC e dele decorre que são atribuídas ao
juiz um conjunto de faculdades que lhe permitem decidir o modo de tramitação do
processo. Deste decore o dever de que o trabalho do tribunal de organize de forma a
que o litígio termine por uma resolução justa e com a celeridade possível. Não devem,
assim, ser praticados actos inúteis.
Diferente é o princípio de adequação formal. Deste decorre a necessidade de que o juiz
adopte a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adapte o
conteúdo e a forma dos actos processuais ao fim que visam atingir.

g) Dever da boa-fé processual


O art 8º CPC exige que se verifique sempre uma litigância de boa-fé – impõe-se o dever
de honeste procedere. Assim, as partes devem assumir um comportamento conforme
aos princípios da justiça e da lealdade, devendo observar os deveres de cooperação
que resultam do art 7º CPC.
Assim, a violação deste dever resulta em responsabilidade por litigância de má-fé e
consequente multa e indemnização à parte contrária. Note-se que a noção de má-fé
não é empírica, estando prevista no art 542º, nº2 CPC. Assim, é litigante de má-fé
aquele que, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia
ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão
da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;

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d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente


reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da
verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o
trânsito em julgado da decisão.
Note-se que a litigância de má-fé não abrange os casos de erro grosseiro ou lide ousada
por mera inadvertência. Tem sido entendido que a parte não deve ser condenada nesta
matéria sem que antes disso o juiz tenha aberto a hipótese de cumprir o princípio do
contraditório.
Uma das mais evidentes consequências da litigância de má-fé é a de que nenhum efeito
pode decorrer do acto que foi praticado de má-fé. Note-se, ainda assim, que o abuso
de direito só tem relevância no processo se constituir uma destas situações de litigância
de má-fé.

h) Dever da recíproca correcção


É o princípio processual inscrito no art 9º CPC, deste decorrendo que todos os
intervenientes no processo devem agir em conformidade com um dever de recíproca
correcção, pautando-se as relações entre advogados e magistrados por um especial
dever de urbanidade – exigem-se boas maneiras, respeito, cortesia e afabilidade. Este
princípio decorre, também, do próprio Estatuto da Ordem dos Advogados.

Breve referência ao princípio da autossuficiência do processo: em Processo, a


aparência vale como realidade até se verificar, no próprio processo, que tal não é
verdade. EXEMPLO: se aparentemente o Tribunal é competente, ele sê-lo-á até que ele mesmo
determine a sua incompetência

III – TEORIA GERAL DO PROCESSO DECLARATIVO - COMPETÊNCIA


1 – A competência dos Tribunais civis
NOÇÃO DE COMPETÊNCIA; MODALIDADES
Decorre do art 202º CRP que os tribunais são os órgãos de soberania com competência
para administrar a justiça, incumbindo-lhes assegurar a defesa dos direitos e interesses
legalmente protegidos dos cidadãos, bem como dirimir os conflitos de interesses
públicos e privados. A eles compete, em resumo, a função jurisdicional.
Assim, a competência representa a repartição desse poder entre os diversos tribunais,
possibilitando a delimitação interna da sua actividade. Essa repartição é precisamente
feita pelas regras de competência.
Ainda no plano constitucional (art 211º CRP) cabe analisar a distinção entre:
o Tribunais comuns – tribunais judiciais são comuns em matéria cível e criminal,
tendo competência material residual
o Tribunais especiais – aqueles que integram a ordem de tribunais
administrativos e fiscais
Os tribunais judiciais e os tribunais administrativos e fiscais constituem as ordens de
tribunais. O nº 2 do art 211 CRP deixou de ter grande aplicabilidade, visto que hoje em
dia apenas se fala em tribunais especializados. Os tribunais podem ainda dividir-se em
tribunais estaduais e tribunais arbitrais.

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Em matéria de competência, há dois planos que são fulcrais: o plano da competência


interna e o plano da competência internacional:
o Competência interna – reparte a competência pelos tribunais de determinado
Estado;
o Competência internacional – trata de saber como é que pode ser repartida a
competência, a nível global, dos vários Estados. Neste âmbito, pode haver uma
distribuição harmonizada de competências (se houver regras definidas por
entidades supranacionais ou convenções internacionais que façam essa
repartição) ou, caso contrário, será cada Estado a definir a sua competência.
Facilmente, nesse contexto, haverá mais que um Estado a declarar-se
competente ou, por contrário, nenhum dos Estados alegará a sua competência.
As regras de competência interna e internacional pode ainda ser dotadas de uma dupla
funcionalidade – pode suceder que uma única regra defina a competência interna e a
competência internacional (p.e. regulamento estabelece que o tribunal competente é o
tribunal da zona onde ocorreu o caso ou art 72º CPC).
Importa também distinguir entre:
o Competência abstrata – determina as acções que, em bloco, são da competência
de certa espécie de tribunais (p.e. tribunais de família têm competência abstrata
para julgar acções de divórcio);
o Competência concreta – representa o poder que determinado tribunal tem de
julgar uma certa e determinada causa.
FIGURAS AFINS
A competência jurisdicional distingue-se da:
o Competência funcional – distribuição de funções dentro do tribunal (pretende-
se saber o que faz a secretaria, o que faz o juiz, etc.)
o Competência decisória – pode haver restrições de competência decisória dos
tribunais (p.e. Supremos Tribunais só julgam matéria de direito)
QUADRO GERAL DOS TRIBUNAIS E A SUA ESTRUTURA
No âmbito do Processo Civil relevam sobretudo os tribunais judiciais, pois que são estes
os tribunais comuns em matéria cível.
A estrutura e organização dos tribunais judiciais é tratada nos arts 31º e seguintes da
Lei de Organização do Sistema Judiciário. Deste articulado decorre que temos:
o Tribunais judiciais de primeira instância – dividem-se segundo critério
geográfico
• Tribunais de competência territorial alargada (que abrangem várias
comarcas)
• Comarcas (em todo o território nacional, 23)
o Tribunais da Relação - Évora, Guimarães, Porto, Coimbra e Lisboa
o Supremo Tribunal de Justiça – tem competência a nível nacional, julgando em
matéria cível, penal e social
À parte destes tribunais, pode ainda fazer-se referência aos julgados de paz (art 209º,
nº 2 CRP + art 29º LOSJ). Estes tribunais não pertencem a qualquer ordem, julgando
matéria cível e comercial. A sua competência é limitada em função do objecto e em

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função do valor da causa. Estes não têm competência executiva, não podendo o valor
da causa exceder os 15.000€. Ainda assim, a competência dos julgados de paz é uma
competência alternativa em relação aos tribunais judiciais – mesmo nos casos em que
o valor da causa não ultrapassa os 15.000€, o tribunal poderá ser competente, mas essa
competência poderá também pertencer ao tribunal judiciário.
O art 109º CPC trata da problemática dos conflitos de competências. É neste contexto
que surge referência aos tribunais de conflitos, constitucionalmente consagrados (art
209º, nº 3 CRP). Podemos ter:
o Conflitos de jurisdição (art 109º, nº 1 CPC) – conflitos entre ordens jurisdicionais
(tribunais judiciários x tribunais administrativos e fiscais)
o Conflitos de competência (art 109º, nº 2 CPC) – conflitos entre tribunais da
mesma ordem jurisdicional
A resolução dos conflitos de jurisdição é dada pelo Tribunal dos conflitos (este não é um
tribunal com espaço físico, sendo constituído por conselheiros do STA e do STJ); a
resolução dos conflitos de competência decorre do art 110º, nº 2 CPC4 – o conflito é
resolvido pelo presidente do tribunal de menor categoria que exerça jurisdição sobre
as autoridades em conflito.
EXEMPLO: conflito entre o Tribunal de Sintra e o Tribunal de Oeiras – é resolvido pelo Presidente do
Tribunal da Relação de Lisboa
Conflito entre Tribunal de Sintra e o Tribunal de Valongo – é resolvido pelo Presidente do Supremo
Tribunal de Justiça
Um dos elementos integrantes do Tribunal é, como se sabe, o juiz. Os juízes gozam, no
exercício da sua função, de certas garantias (art 216º CRP):
o Independência
o Imparcialidade
o Inamovibilidade – os juízes não podem ser transferidos fora dos casos
previstos na lei
o Irresponsabilidade – os juízes não são responsáveis pelos prejuízos resultantes
das suas decisões. Note-se, no entanto, que tal não impede que o juiz seja
responsabilizado, quer a título disciplinar, quer a título criminal e civil.
A propósito vem o estudo de uma situação de responsabilidade civil pelo exercício da
actividade jurisdicional. Antes de mais, uma situação destas exige, no âmbito do Direito
nacional, a revogação da decisão danosa. No entanto, tal exigência não é feita no seio
do Direito europeu, pelo que temos dois regimes distintos para regular a mesma
situação. Note-se que, num caso de responsabilidade civil pelo exercício da actividade
jurisdicional, que é demandado é o Estado (e não o juiz). Ainda assim, pode acontecer
que o Estado depois ganhe direito de regresso perante o juiz.

2 – Aferição da competência – competência interna


A competência dos tribunais é regulada pela Lei de Organização do Sistema Judiciário
e pelo Código de Processo Civil (nos seus artigos 59º e seguintes) – art 60º, nº 1 CPC.
Pergunta-se desde logo: o que justifica a repartição de regulação? A resposta é dada
pela exigência de se ver a competência pela perspectiva do Tribunal (presente na Lei de

4
Novidade introduzida pela reforma de 2013

12
3º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

Organização do Sistema Judiciário) e pela perspectiva do processo, de forma a


determinar o tribunal competente no âmbito do processo (usando para isso o Código
do Processo Civil). A competência afere-se no momento em que a acção se propõe.
Do art 60º, nº 2 CPC resulta que a jurisdição se reparte, na ordem interna, pelos
diferentes tribunais segundo a matéria, o valor da causa, a hierarquia judiciária e o
território. Da análise da competência interna resulta qual o tribunal português
competente para julgar a acção.
Critério material – Tribunais de Comarca
De acordo com este, a competência do tribunal é aferida em função da matéria em
causa. No caso dos tribunais judiciais, são da sua competência as causas que não sejam
atribuídas a outra ordem jurisdicional (art 64º CPC + art 40º, nº 1 LOSJ) – estamos
perante uma competência residual.
Em Portugal há 23 comarcas.

VER – MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “Apontamentos sobre a nova versão


da LOSJ”
Critério hierárquico – Tribunais de Comarca
Em relação à hierarquia, os tribunais de comarca – ditos de primeira instância – podem
conhecer de recursos vindos dos julgados de paz e de notários e conservadores do
registo, de acordo com o art 67º CPC. Estes são os tribunais que se encontram na base
da hierarquia do sistema judiciário, sendo aqui que, em regra, se instauram as acções
(esta competência acaba por ser residual, visto que devem ser instauradas nos tribunais
de primeira instância todas as acções que a lei não determine terem de ser instauradas
juntos da Relação ou do Supremo).
Critério do valor da causa – Tribunais de Comarca
Quanto ao critério do valor da causa, deste resulta que as acções declarativas cíveis
comuns de valor superior a 50.000€ são da competência das secções cíveis da instância
central – se a acção tem valor igual ou inferior a esse, então deve ser instaurada na
instância local. O valor da causa pode alterar-se durante o processo – art 117º, nº 3
LOSJ.
No âmbito de processos declarativos especiais, a determinação da instância e da
secção competentes deve seguir diferentes critérios (com destaque para o critério
material).
Critério territorial – Tribunais de Comarca
Importa, aqui, saber em que comarca é que a acção vai ser proposta. Em princípio, será
irrelevante o domicílio, sendo normalmente importante o simples encontrar de um
tribunal de comarca. No entanto, com o desdobramento da comarca em juízos, o
domicílio passa a ser relevante.
Os critérios de determinação da competência a nível territorial estão presentes no CPC,
visto que procuramos um tribunal competente para o processo em concreto. Essa
aferição de competências pode ser feita por via de regras gerais e de regras especiais:

13
3º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

o Regras gerais – arts 80º e seguintes CPC. Do art 80º, nº 1 CPC resulta que, regra
geral, é competente o tribunal do domicílio do réu. Se o réu for uma pessoa
colectiva, a referência será o local da respectiva sede (nº 2). Se o réu for o
Estado, então o tribunal competente será o do domicílio do autor. Já se a acção
é proposta contra vários réus há que aferir: se os réus têm todos eles domicílios
diferentes, situação na qual cabe ao autor escolher o tribunal; se há uma
maioria de réus com domicílio no mesmo local, será o desse local o tribunal
competente.
o Regras especiais – arts 70º e seguintes CPC.
As partes podem acordar quanto ao tribunal competente (tanto em relação à
competência interna, como em relação à competência internacional). Essa escolha
apenas é aceite com base no critério territorial e, ainda assim, com certas limitações
(art 95º, nº 1, parte final CPC).

Critério material – Tribunais da Relação


Os Tribunais da Relação, que em Portugal são cinco, dividem-se por secções, sendo que
a competência para a competência para avaliar recursos de ordem civil é das secções
cíveis.
Quais as acções que, em primeira instância, podem ser instauradas na Relação?
o Confirmação de sentença estrangeira;
o Julgar de acções propostas contra juízes de direito e juízes militares de primeira
instância, procuradores da República e procuradores-adjuntos, por causa das
suas funções (juízes não julgam juízes de igual hierarquia)
Critério hierárquico – Tribunais da Relação
Quanto à hierarquia, os Tribunais da Relação – ou de segunda instância – têm
competência para conhecer dos recursos provenientes da primeira instância e têm
ainda competência para certas causas, nos termos da lei (art 86º, nº 1 CPC + art 73º
LOSJ).
Critério do valor da causa – Tribunais da Relação
Para que seja possível o recurso para o Tribunal da Relação, exige-se que o valor da
causa seja superior a 5.000€.
Critério territorial – Tribunais da Relação
Os Tribunais da Relação exercem jurisdição, tal como os tribunais de primeira instância,
na área das respectivas circunscrições.

Supremo Tribunal de Justiça


É o Tribunal hierarquicamente superior, dispondo de jurisdição em todo o país. Este
conhece de recurso das causas cujo valor exceda a alçada dos Tribunais da Relação.
O Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de questões de direito.

14
3º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

3 – Aferição da competência – competência internacional


A competência internacional é chamada à colação quando determinada causa está em
conexão com outra ordem jurídica, além da portuguesa. Nestes casos, há que averiguar
se essa determinada questão deve ser tratada pelos tribunais portugueses ou pelos
tribunais de um Estado estrangeiro. O tribunal português será competente se a causa,
apesar de apresentar uma relação relevante com ordens jurídicas estrangeiras,
apresentar igualmente uma ligação relevante com a ordem jurídica portuguesa.
“Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em
outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente
competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos
artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos
do artigo 94.º.”
(art 59º CPC)

Do artigo acima referido – que trata da competência internacional a nível do direito


interno – pode retirar-se desde logo que são várias as fontes de competência
internacional. Cabe, desde logo, referir as fontes europeias, presentes essencialmente
sob a forma de regulamentos:
o Regulamento 1215/2012
o Regulamento 2202/2003
o Regulamento 4/2009
Há também duas convenções relevantes:
o Convenção Relativa à Protecção das Crianças e à Cooperação em Matéria de
Adopção Internacional (1993)
o Convenção de Lugano (2007)
Ao nível da competência internacional, podemos falar em competência directa – se há
uma regra que expressamente diz “o tribunal competente é…” – ou em competência
indirecta – se os tribunais de um Estado reconhecem competência aos tribunais de
outro Estado. Mais, podemos definir competência concorrente – se há vários tribunais
potencialmente competentes – ou competência exclusiva – se há apenas um tribunal
internacionalmente competente. Se estamos perante uma situação de competência
concorrente, então terá de ser encontrada a solução mais favorável. Podemos, ainda,
distinguir entre competência legal, se resultar da lei, ou competência convencional, se
resultar de pactos de competência.
REGULAMENTO 1215/2012 – COMPETÊNCIA JUDICIÁRIA, RECONHECIMENTO E
EXECUÇÃO DE DECISÕES EM MATÉRIA CIVIL E COMERCIAL
Pode desde logo afirmar-se que este é um regulamento duplo, na medida em que regula
a determinação da competência internacional e a definição do reconhecimento das
decisões proferidas.
O seu âmbito de aplicação resulta do art 1º, nº 1, 1ª parte – o regulamento aplica-se
em matéria civil e comercial, independentemente da natureza da jurisdição (ou seja,
independentemente do tribunal competente no ordenamento interno). O mesmo artigo
vem depois excluir do âmbito de aplicação do regulamento certas matérias, como as

15
3º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

matérias fiscais ou administrativas. Esta parte final do art 1º, nº 1 resulta da decisão do
Tribunal de Justiça perante uma querela entre a Alemanha e a Grécia sobre danos
causados no final da Segunda Guerra Mundial. Note-se, ainda, que este regulamento
não prejudica a vigência de alguns outros, presentes no art 73º.
Os preceitos do regulamento devem ser interpretados autonomamente, ou seja, de
forma independente da concepção interna que vigora nos vários Estados. Daí resulta
também a necessidade de o art 2º estabelecer a definição de alguns conceitos, para
efeitos do presente regulamento.
Analisado o âmbito de aplicação do diploma, pergunta-se: afinal, quando é que se
aplica este regulamento? A resposta é dada pelos arts 4º e seguintes. Do art 6º, nº 1
resulta que este só se aplica quando o demandado tiver domicílio noutro Estado-
Membro. Caso não o tenha, o regulamento apenas será aplicável nos casos
expressamente previstos. O domicílio do demandado é, por isso, fundamental. Para a
determinação do domicílio há que ter em conta os arts 62º e 63º. O art 62º remete para
a lei interna, que em Portugal corresponderá ao art 82º CPC. Sabe-se já que algumas
regras de competência internacional podem ter uma dupla funcionalidade, ao
estabelecer não só o tribunal competente a nível internacional, mas também o tribunal
competente na ordem interna. No entanto, caso tal não aconteça e se determine que a
competência é de facto dos tribunais portugueses, será depois necessário identificar,
dentro desses, qual o tribunal efectivamente competente. Isso será feito com base nos
arts 70º e seguintes CPC.
Critérios de aferição de competência
Da conjugação dos arts 4º, nº 1 e 5º, nº 1 resulta que o demandado pode sê-lo sempre
em tribunal do seu Estado Membro. Poderá por vezes, se se aplicar uma das “regras
enunciadas nas secções 2 a 7”, ser demandado noutro Estado Membro. O que temos
é, portanto, uma concorrência entre regra geral e regra especial, e não uma alternativa
como seria expectável.
o Matéria contratual (nº1) – se não estivermos perante uma situação de compra
e venda ou prestação de serviços (as situações mais comuns, presentes no art
7º, nº 1, al b)), então aplicar-se-á o disposto na alínea a), resolvendo-se o
problema com recurso ao Direito Internacional Privado. Tal é o que resulta da
aplicação da alínea c).
o Matéria extracontratual (nº2) – esta dá desde logo lugar a grande quantidade
de jurisprudência, havendo neste âmbito situações de difícil resolução. Por
exemplo, um caso de difamação pela internet é um caso no qual não é certo
onde ocorreu o facto danoso. Nesta situação, se a acção é proposta no tribunal
do domicílio do demandado, pode ser pedida indemnização por todos os danos
sofridos. O mesmo acontece se a acção for proposta no domicílio do
demandante. No entanto, se nenhuma dessas se verificar, então só poderá ser
pedida indemnização pelos danos sofridos nesse Estado-Membro.
Outro aspecto relevante é o das medidas provisórias e cautelares, presente no art 35º.
A solução é a seguinte: é sempre possível requerer num Estado-membro a aplicação
de medidas provisórias, desde que essas estejam previstas no respectivo direito

16
3º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

interno, mesmo que, para a acção principal, os tribunais nacionais não sejam
competentes. No entanto, se essas medidas forem requeridas perante outro tribunal
que não o competente, essas não serão reconhecidas pelos restantes Estados-
membros, sendo-o apenas pelo Estado onde a providência é requerida.
Em matéria contratual, o regulamento protege a parte contratual mais fraca. Tal é a
realidade presente em matéria de seguros (arts 11º e 12º), de consumo (art 18º, nº 1)
e de trabalho (art 21º).
Competência exclusiva
A competência exclusiva dos tribunais de um Estado Membro, independentemente do
domicílio das partes, é tratada no art 24º, que constitui excepção perante o art 6º/1.
1. Matéria de direitos reais sobre imóveis e arrendamentos de imóveis (estando a
seguir prevista a situação característica dos arrendamentos para férias);
2. Matéria de validade da constituição, nulidade ou dissolução de sociedades ou
outras pessoas colectivas (não havendo aqui lugar à aplicação do art 63º);
3. Inscrições e registos públicos
4. Matéria de registo ou validade de patentes, marcas, desenhos ou modelos
5. Execuções de decisões – o tribunal onde estiver pendente a acção é
exclusivamente competente para a executar, não estando com isto o
regulamento a determinar o tribunal competente.
Pactos de jurisdição
A possibilidade de as partes convencionarem acerca do tribunal competente é dada
pelo art 25º, por via dos chamados pactos de jurisdição. Estes têm efeito atributivo,
visto que atribuem competência a determinado tribunal, competência essa que será
exclusiva. O regime do art 25º é aplicável sempre que se haja designado um Tribunal
de um Estado-Membro, independentemente do domicílio das partes. Pergunta-se: se
o domicílio é irrelevante, é este artigo aplicável se dois portugueses atribuírem
competência a um tribunal português? Depende de se as partes estão, ou não, a retirar
competência a outro tribunal.
o Se sim – o regime é aplicável;
o Se não – então o regime não se aplica, porque nada se altera a nível de
competência internacional
Este regime tem de ser articulado com o da Convenção sobre os Acordos de Eleição do
Foro, concluída em Haia, em 30 de junho de 2005.
Para que produzam efeitos, é necessário que os pactos de jurisdição não violem o
disposto nos arts 15º, 19º e 23º. Estes dispõem sobre a validade dos pactos de
jurisdição no âmbito de matérias da tutela da parte mais fraca (como visto, seguros,
consumo e trabalho). Sendo os pactos de jurisdição eles próprios negócios, a sua
validade substantiva tem sempre de ser avaliada consoante o direito interno. Quanto
às exigências formais, o regulamento apresenta uma solução muito liberal:
o Forma escrita ou verbal com confirmação escrita;
o De acordo com os usos que as partes tenham estabelecido entre si;

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3º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

o No comércio internacional, de acordo com os usos que as partes conheçam ou


devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e
regularmente observados
A competência para avaliar a validade do pacto de jurisdição é do tribunal competente
para a respectiva acção, por via do princípio da kompetenz-kompetenz. Daqui resulta
que o próprio tribunal se pode considerar incompetente por invalidade do pacto,
sustentando-se tal possibilidade no princípio da autonomia do pacto – art 25º, nº 5.
O acordo pode, também, ser tácito. É o que acontece se o tribunal não era, à partida,
competente, mas as partes agem como se este o fosse. Esse pacto tácito é sempre
limitado pelo disposto no art 26º. Mais, não haverá celebração do pacto se a
competência apenas se destinar à arguição da incompetência do tribunal (nº2).
Controlo da competência
O controlo da competência é feito com base nos arts 27º e 28º, tendo o tribunal
competência para controlar oficiosamente a sua competência.
Litispendência e conexão
A litispendência é a situação na qual temos duas acções iguais pendentes em dois
tribunais distintos. Representando uma anomalia, esta encontra solução no art 29º, nº
1 do regulamento 1215/2012 – o tribunal da segunda acção deve suspender a instância
e aguardar decisão do outro tribunal. Se este se considerar incompetência (por via do
princípio kompetenz-kompetenz), então este segundo poderá eventualmente ser
competente para avaliar do mérito da causa.
Se a competência do tribunal resultar de um pacto de jurisdição e este for violado, o
art 31º, nº 2 mantém a regra de que a acção só pode estar pendente num tribunal (regra
da suspensão da instância). Assim, o tribunal que aprecia a sua competência é o
tribunal designado pelo pacto de jurisdição, pelo que a acção só continuará noutro
tribunal depois de este se declarar incompetente. Pode acontecer que haja uma acção
pendente num tribunal de um Estado Membro e no de um país terceiro. Nesse caso, a
situação é resolvida pelo art 33º.
Relativamente às acções conexas, estas são acções que têm uma conexão entre elas,
mas que não são idênticas – o objecto da causa de pedir é o mesmo. Quanto a estas,
dispõe o art 30º que todos os tribunais onde estas estejam pendentes podem
suspender a instância, com excepção do tribunal demandado em primeiro lugar. O art
34º prevê a conexão entre acção demandada no tribunal de um Estado Membro e
acção demandada no tribunal de um Estado terceiro.
REGULAMENTO 2201/2003 – DECISÕES EM MATÉRIA MATRIMONIAL E
RESPONSABILIDADE PARENTAL
Este é o regulamento conhecido por Regulamento de Bruxelas II bis, aplicável a todos
os Estados-Membros da União Europeia com excepção da Dinamarca. O mesmo trata
do conjunto das questões matrimoniais e de responsabilidade parental no âmbito da
UE, sendo o âmbito de aplicação definido pelo art 1º.
O art 2º trata de algumas definições para efeitos do presente regulamento, das quais
se destaca a definição de tribunal – todas as autoridades que nos Estados-Membros têm

18
3º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

competência nas matérias abrangidas pelo âmbito de aplicação do presente


regulamento por força do artigo 1.º.
A vigência do presente regulamento não prejudica os acordos entre Portugal e a Santa
Sé (concordatas), como é resultado do art 63º do mesmo regulamento. Tal acontece
porque Portugal reconhece efeitos civis ao matrimónio religioso – não aconteceria se
estivéssemos perante processos de natureza puramente religiosa. Ainda assim, o nº 2
do art 63º estabelece que o reconhecimento das decisões proferidas por tribunais
eclesiásticos segue o disposto no presente diploma.
Quanto ao seu âmbito de aplicação espacial, o regulamento é aplicável sempre que, por
fora dos respectivos critérios, haja um tribunal de um Estado-Membro que seja
competente. Este regulamento surge para concretizar duas outras convenções
internacionais – Convenção Relativa à Protecção das Crianças e à Cooperação em
Matéria de Adopção Internacional e Convenção Sobre os Aspectos Civis do Rapto de
Crianças.
É sempre relevante saber se este regulamento traça apenas regimes de competência
internacional ou se, à semelhança do regulamento 1212/2015, rege também a
competência territorial. Conclui-se que este, ao contrário do primeiro, apenas rege
matéria de competência internacional, pelo que será sempre depois necessário
recorrer ao direito interno para determinar o tribunal competente.
Acções matrimoniais
Do art 3º decorre uma multiplicidade de critérios. Através deste, muitos podem ser os
Estados-Membros competentes em determinada acção. Já o art 4º trata da matéria da
reconvenção, sendo o seu conteúdo mais ou menos universal. Mais específico é,
contudo, o art 5º – determina como tribunal competente para converter a separação
em divórcio o tribunal que tenha proferido essa decisão de separação.
O regulamento em análise contém dois preceitos que suscitaram bastantes dúvidas.
São eles os arts 6º e 7º.
o Artigo 6º – trata do carácter exclusivo da competência (diferente, portanto, da
competência exclusiva do art 24º do Regulamento de Bruxelas I bis). A solução
aqui consagrada é a mais simples possível: no território dos Estados-Membros,
apenas o regulamento é aplicável. Reunida qualquer destas condições
(presentes no art 6º), só por força do regulamento estes sujeitos podem ser
demandados em tribunal de outro Estado-Membro. Aqui, ao contrário do que
acontece no art 24º (no qual se estabelece a competência exclusiva de
determinado tribunal), estabelece-se a aplicação exclusiva do regulamento.
o Artigo 7º – trata da competência residual. É evidente que, se o regulamento não
permite determinar o tribunal competente, então há que se aplicar o direito
interno. Seria simplesmente isto que se pretendia com a norma do nº 1? O
Professor Miguel Teixeira de Sousa entende que sim. Já no tocante ao nº 2 do
preceito, este estabelece a igualdade entre o nacional de um Estado-Membro
com residência noutro Estado-Membro e os nacionais desse EM onde o sujeito
reside habitualmente.

19
3º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

Acções relativas a responsabilidade parental


Nestas, impera o superior interesse da criança e a proximidade. A regra geral encontra-
se no art 8º, nº 1 – os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de
responsabilidade parental relativa a uma criança que reside habitualmente nesse EM à
data em que o processo seja instaurado em tribunal. Quanto à definição deste critério
de “residência habitual”, veio já o Tribunal de Justiça afirmar que o mesmo deve ser
determinado com base num conjunto de circunstâncias do caso concreto. Para além da
presença física do menor, deve conseguir-se concluir pela não presença meramente
temporária do mesmo e pela sua plena integração social.
A deslocação da criança para outro Estado-Membro pode ser lícita ou ilícita:
o Lícita – art 9º – não regula qualquer situação patológica. Deste decorre que os
tribunais de um Estado-Membro da anterior residência da criança mantêm a sua
competência durante três meses após a deslocação, para alterar a decisão sobre
o direito de visita.
o Ilícita – art 10º – trata do caso de rapto da criança. Aqui, exige-se reacção à
situação em causa pelo que, nestes casos, os tribunais do Estado-Membro onde
a criança residia continuam a ser competentes, até que a criança passe a ter a
sua residência noutro Estado-Membro.
O art 11º tem de ser conjugado com a Convenção Sobre os Aspectos Civis do Rapto de
Crianças, como foi já deixado claro supra.
O artigo seguinte regula situações de extensão da competência. Do nº1 resulta que o
tribunal competente para regular as acções matrimoniais é também competente para,
no âmbito do mesmo caso, regular a responsabilidade parental. Relevante é também o
nº3, que abarca várias situações nas quais os tribunais de um Estado-Membro são
igualmente competentes em matéria de responsabilidade parental.
O art 13º do regulamento estabelece os tribunais competentes não com recurso ao
critério da residência habitual da criança, mas antes com recurso ao critério da
presença do menor. Daí resulta que são competentes os tribunais do Estado-Membro
onde a criança se encontra.
O art 15º comporta uma regra que não tem qualquer expressão nos sistemas romano-
germânicos, sendo por isso resultado de uma influência anglo-saxónica. Está em causa
aquilo que se pode designar por “forum non conveniens”. Na prática, regula situações
em que temos um tribunal competente, mas que não é o mais bem posicionado para
apreciar a acção. Esta não é, reitere-se, uma situação de incompetência, mas poderá
legitimar uma situação de transferência de competência.
Também neste regulamento são tratadas as medidas provisórias e cautelares (art 20º).
O regulamento não impede a tomada de medidas provisórias previstas em determinado
Estado-Membro, mesmo que esse seja, à partida, incompetente. Estas medidas apenas
podem ser adoptadas relativamente a pessoas ou bens presentes num determinado
Estado-Membro, só valendo no Estado em que a medida é instaurada. As mesmas
deixarão de ter efeito quando o tribunal competente para apreciar do mérito da causa
tiver tomado as medidas que considere adequadas.
Breve referência à regulação das situações de litispendência, presente no art 19º. Diz o
Professor Miguel Teixeira de Sousa que o nº 1 deste preceito esconde situações de

20
3º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

“falsa ou quase litispendência” (p.e. uma acção de divórcio proposta por um cônjuge e
uma acção de separação proposta pelo outro em tribunal distinto).
REGULAMENTO 4/2009 – MATÉRIA DE OBRIGAÇÕES ALIMENTARES
O regulamento 4/2009 trata, de relevante para a disciplina em estudo, de matéria de
prestação de alimentos. Fora isso, encontram-se aqui também disposições relativas à
lei aplicável, ao acesso à justiça e à cooperação internacional. À semelhança do
anterior, este regulamento não é também plenamente aplicável na Dinamarca.
O art 1º, nº 1 trata do âmbito de aplicação material do Diploma. Mais, para efeitos
deste regulamento, o conceito de “prestação de alimentos” deve ser visto como um
conceito autónomo (independente das concepções vigentes em cada Estado-Membro).
O Tribunal de Justiça veio já esclarecer que, para esse efeito, o conceito pode englobar
qualquer prestação global, entregue por um ex-cônjuge a outro. Ainda no contexto do
âmbito de aplicação releva o disposto no considerando 15. Deste resulta que o
regulamento tem aplicação universal – este é aplicável mesmo que o demandado
tenha residência num Estado terceiro. A consequência desta aplicação universal é a
inaplicabilidade de qualquer regime interno que exista para esta matéria. Também
este regulamento se articula com convenções internacionais.
Critérios de determinação da competência
O primeiro artigo neste âmbito é o art 3º. As alíneas a) e b) mostram-se inequívocas;
as alíneas c) e d) são casos de extensão da competência. Segue-se o art 4º, que consagra
a possibilidade de as partes celebrarem pactos de jurisdição (“escolha do foro por
opção das partes”). Já o respectivo nº 3 consagra uma regra de protecção da parte
contratual mais fraca.
O regulamento é aplicável independentemente do domicílio do demandado, do que
decorre que o artigo 4º também se aplica quando derrogada a competência dos
tribunais de Estado terceiro. O art 5º regula a possibilidade de existirem pactos tácitos.
Releva a referência ao art 7º, que trata de situações de competência por necessidade.
Nestas, a competência pertencia a um Estado terceiro, mas admite-se ainda assim que
a acção seja proposta em tribunal de um Estado-Membro.
O controlo da competência, determina o art 10º, é feito pelo próprio tribunal de forma
oficiosa.

4 – A competência internacional no direito interno


“Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em
outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente
competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos
artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos
termos do artigo 94.º.”
(art 59º CPC)
Começando pela análise do art 62º CPC, deste decorrem três critérios por via dos quais
os tribunais portugueses gozarão de competência internacional, bastando a verificação
de um deles para que essa competência se confirme:

21
3º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

a) Princípio da coincidência – exige-se coincidência entre a competência interna


territorial e a competência internacional. Acaba por estar aqui em causa a dupla
funcionalidade de algumas regras internacionais de aferição da competência.
A principal vantagem desta previsão é chamar a atenção para situações nas
quais os tribunais nacionais são exclusivamente competentes. Hoje em dia,
este preceito está harmonizado com o art 24º do Regulamento de Bruxelas I
bis, sendo esse facto relevante visto que o art 24º é aplicável
independentemente do domicílio do demandado. Assim:
• Se a competência é exclusiva, não pode ser afastada pela vontade das
partes;
• Se a competência é exclusiva, não pode ser fornecida decisão noutro
Estado.
b) Princípio da causalidade – este princípio era já previsto antes, deixou de o ser e
voltou, com a reforma de 2013, a estar aqui presente. Do mesmo resulta que os
tribunais portugueses têm competência internacional sempre que o facto que
serve de causa de pedir na acção tenha sido praticado em território nacional
ou, tratando-se de uma causa de pedir complexa, pelo menos um desses factos
tenha ocorrido em Portugal. O Professor Miguel Teixeira de Sousa critica este
preceito, por afirmar que dele resultam (ou podem resultar) várias situações de
competência exorbitante: a competência poderá ser atribuída aos tribunais de
um Estado com base numa ligação muito ténue.
c) Princípio da necessidade – traduz-se na ideia de que os tribunais portugueses
têm competência internacional quando o direito invocado não pode tornar-se
efectivo senão por meio de acção proposta em tribunal português, ou quando
a sua propositura no estrangeiro constitui apreciável dificuldade para o autor.
Ainda assim, é essencial que a acção a propor tenha algum tipo de relação com
o território português.
Já o art 63º CPC prevê situações de competência exclusiva dos tribunais portugueses,
situação na qual a acção tem de ser proposta nos tribunais portugueses.
Para além dos três critérios decorrentes do art 62º, há ainda o critério da vontade das
partes (ou princípio da consensualidade). O mesmo resulta do previsto no art 94º CPC,
que regula a possibilidade de as partes celebrarem pactos de jurisdição. Estes pactos
serão simultaneamente:
o Pactos privativos de jurisdição – tiram competência a determinado tribunal;
o Pactos atributivos de jurisdição – atribuem competência a determinado tribunal
Note-se que só tem sentido celebrar um pacto atributivo de jurisdição se os tribunais
portugueses não tiverem já competência internacional para a questão. Mais, a
celebração de um pacto privativo de jurisdição só fará sentido se os tribunais
portugueses tiverem essa competência.
A competência exclusiva, prevista no art 63º, não pode ser afastada por vontade das
partes. Será exclusiva também a competência que resulte da celebração de um pacto
de jurisdição. Para que este seja válido, exige-se que preencha os requisitos do art 94º.

22
3º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

Aplicando o critério da coincidência, o tribunal territorialmente competente está logo


determinado. Aplicando os demais, pergunta-se: qual é, então, o tribunal
territorialmente competente? A resposta é-nos dada pelo art 80º CPC:
o Nº 1 – regra geral;
o Nº 2 – réu não tem residência habitual (alternativa ao nº1);
o Nº 3 – não pode ser conjugado com o critério da coincidência. Serve, sim, para
ser conjugado com os demais e definir assim o tribunal territorialmente
cometente quando o tribunal português for competente em razão de um deles.

IV – TEORIA GERAL DO PROCESSO DECLARATIVO – PRESSUPOSTOS


PROCESSUAIS
1 – Noção
Para que o juiz possa decidir do mérito da causa, é necessário que a acção proposta pelo
autor cumpra todos os requisitos necessários. Esses requisitos necessários são os
chamados pressupostos processuais5. Sem que estes estejam verificados, não pode
então o juiz apreciar do mérito da causa – resulta essa falta em absolvição do réu da
instância (art 278º, nº 1 CPC). No fundo, e como afirma Castro Mendes, os pressupostos
processuais são condições necessárias para que o Tribunal se ocupe do mérito da
causa.
A absolvição do réu da instância, no entanto, é a última consequência. Antes disso, o
juiz deve procurar sempre que seja suprida a falta desses pressupostos, podendo
inclusive convidar as partes a fazê-lo, quando a sanação dependa de actos a praticar
por essas – art 6º, nº 2 CPC. Sanado o vício, não há absolvição do réu da instância.
Os pressupostos processuais podem ser positivos ou negativos:
o Pressupostos processuais positivos – aqueles que têm de se verificar para que o
juiz possa decidir do mérito da causa.
• Personalidade judiciária
• Capacidade judiciária
• Legitimidade
• Interesse
• Competência do tribunal
• Patrocínio judiciário obrigatório
o Pressupostos processuais negativos – aqueles cuja verificação impede que o juiz
decida do mérito da causa.
• Litispendência
• Caso julgado
• Existência de compromisso arbitral

5
Diferem das condições da acção. “A acção tem condições quando tem viabilidade à luz do direito
substantivo, isto é, quando contém os requisitos necessários à sua procedência, à obtenção de uma
decisão favorável ao autor”

23
3º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

2 – Personalidade judiciária
Podemos definir o conceito de parte como aquele que requer (autor), ou contra quem
algo é requerido (réu). As partes devem ficar logo identificadas na petição inicial – art
552º, nº 1, al a) CPC. O autor e o réu são as chamadas partes principais. À parte dessas,
outras pessoas podem intervir no processo, seja ao seu lado, seja em substituição das
mesmas (arts 263º ou 351º CPC). Podemos ainda falar em partes acessórias, sendo
essas todas as que assumam no processo uma posição subordinada. É o caso do
assistente (art 326º CPC).
“A personalidade judiciária consiste na susceptibilidade de ser parte” – art 11º, nº 1 CPC.
Esta não se identifica plenamente com a personalidade jurídica, uma vez que pode
haver personalidade judiciária sem essa – é o caso da herança jacente ou de
patrimónios autónomos semelhantes. Assim sendo, têm personalidade judiciária, para
além daqueles que têm personalidade jurídica, as entidades referidas nos arts 12º e 13º
CPC.
A falta de personalidade judiciária é, regra geral, insanável. Daí decorre que a sua falta
deve resultar em absolvição do réu da instância, por aplicação do art 278º, nº 1, al c)
CPC. No entanto, o art 14º CPC comporta uma excepção relativa à falta de personalidade
judiciária das sucursais, filiais, delegações ou representações.
A falta de personalidade judiciária não sanada constitui uma excepção dilatória – art
577º, al c) CPC – pelo que é de conhecimento oficioso.

3 – Capacidade judiciária
A personalidade judiciária, por si só, não é suficiente. Exige-se também que a parte
tenha “susceptibilidade de estar, por si, em juízo” (art 15º CPC). Do nº 2 decorre que a
capacidade judiciária tem por base e por medida a capacidade do exercício de direitos,
pelo que tem plena capacidade judiciária aquele que goza de total capacidade de
exercício de direitos.
Regra geral, pessoas singulares e colectivas têm plena capacidade de exercício. Ainda
assim, há casos de limitação ou de total inexistência dessa capacidade (p.e. menores e
interditos).
Sem capacidade judiciária, só se pode estar em juízo por via de representantes legais.
A incapacidade é suprida pelo poder paternal e, subsidiariamente,
pela tutela (arts 124º e 1921º CC). O dever paternal, na constância
do matrimónio, deve exercer-se de comum acordo (art 1901º). Na
MENORES
falta de acordo, vigora o art 18º, nº 2 CPC. Nas acções propostas
contra o menor, ambos os progenitores devem ser citados – art
16º, nº 3 CPC.

A interdição é prevista pelo art 138º CC. O interdito é equiparado


ao menor, pelo que é a sua situação regulada pelas mesmas
INTERDITOS regras. Assim sendo, a sua incapacidade é suprida pela tutela – art
139º CC. A interdição é sempre total.

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3º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

Podem ser inabilitados os indivíduos cuja anomalia, embora


permanente, não seja de tal modo grave que justifique a
interdição. A esses acrescem os que, por prodigalidade ou
alcoolismo, não sejam capazes de reger o seu património.
INABILITADOS Esta inabilitação judiciária é suprida pelo curador. A intervenção
do inabilitado nas acções em que seja parte fica subordinada à
orientação do curador, que prevalece no caso de divergência (art
19º, nº 1 e 2 CPC).
A incapacidade judiciária e a irregularidade de representação é sanada pela
intervenção ou citação do representante legítimo – art 27º, nº 1 CPC. Sanado que
esteja o vício, o processo corre normalmente. Se não houver ratificação por parte do
representante legítimo, fica sem efeito o processado a partir do momento em que a
falta se verificou.

4 – Legitimidade processual
Ao contrário da personalidade e da capacidade, qualidades das partes genericamente
exigidas, a legitimidade consiste na posição das partes numa determinada acção. A
parte tem legitimidade com autor se for ela quem juridicamente pode fazer valer a
pretensão perante o réu; o réu terá legitimidade como parte se for ele quem
juridicamente se pode opor à pretensão do autor, por ser aquele cuja esfera jurídica é
diretamente atingida pela possibilidade de a acção proceder.
Do art 30º, nº 1 CPC resulta que “o autor é parte legítima quando tem interesse directo
em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer”. O
critério utilizado é, portanto, o critério do interesse directo – interesses que se
repercutem diretamente na esfera jurídico-patrimonial de quem está a litigar. Note-se
que, para situações de interesse difuso, vigora o disposto no art 31º CPC. Como afirmou
Alberto dos Reis, ainda na vigência do CPC de 1939, “não basta [para efeitos do actual
art 30º CPC] que a decisão da causa seja susceptível de afectar, por via de repercussão
ou por via reflexa, uma relação jurídica de que a pessoa é titular. (…) é necessário que
[as partes] sejam os sujeitos da própria relação litigiosa”. O interesse que permite a
análise da legitimidade é o interesse como apresentado no art 30º, nº 3 CPC e não o
interesse do nº 2. Pode então dizer-se que são titulares do interesse, para efeitos de
aferição da legitimidade, os “sujeitos da relação controvertida, tal como configurada
pelo autor”.
Este número 3, inscrito no Código na Reforma de 1995/1996, permitiu pôr fim à
discussão que até aí se havia desenvolvido. Na prática, a questão era a de saber se a
legitimidade das partes se deveria aferir com base na situação processual descrita pelo
autor na petição inicial ou, ao invés disso, se a “relação controvertida” a que aludia o
artigo era aquela que seria como tal considerada pelo juiz, após audição das partes.
A querela teve início com um caso do Tribunal da Relação de Lisboa de 1918. O mesmo
desenrolou-se à volta de um contrato de compra e venda de 60 toneladas de chumbo,
que o vendedor não entregou na totalidade. Posto isso, o comprador demandou um
comerciante português, considerando-o vendedor. O réu, em oposição, alegou que era

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3º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

um mero intermediário de um terceiro (uma sociedade espanhola). Este caso opôs, no


seio da Doutrina, Alberto dos Reis e Barbosa de Magalhães:
o Alberto dos Reis – o réu é parte ilegítima, pois que se apura que não é este o
verdadeiro vendedor, mas sim um terceiro. Deve haver, assim, absolvição da
instância por falta de um pressuposto processual (tese objectiva);
o Barbosa de Magalhães – o réu é parte legítima, mas deve ser absolvido do
pedido, pois que não ficou demonstrada a relação controvertida que o autor
apresentou em sede de petição inicial (tese subjectiva).
A solução adoptada nessa Reforma foi a primeira – “a teoria que faz corresponder a
legitimidade das partes à titularidade da relação controvertida descrita pelo autor na
petição inicial”. A consequência prática disto foi a diminuição dos casos que deixam de
ser julgados por falta deste pressuposto, na medida em que é assim muito mais difícil
que se encontre uma situação de verdadeira ilegitimidade – no fundo, é parte quem o
autor demandar, pelo que apenas haverá ilegitimidade se a pessoa que o autor
demanda não for a que é chamada a juízo. Significa isto que muitas das situações que
até então levaram à absolvição da instância (consequência da falta do pressuposto
processual), levam agora à mera absolvição do pedido (em que simplesmente não é
dada razão ao autor).
A legitimidade singular é insanável. No entanto, cabe analisar as situações em que
temos pluralidade de partes – situações nas quais a acção é proposta por vários autores
(pluralidade activa) ou é oposta a vários réus (pluralidade passiva). Podemos ainda
configurar uma pluralidade mista/dupla, situação na qual vários autores e vários réus
se confrontam em juízo. O regime está presente nos arts 31º a 39º CPC, podendo desde
logo diferenciar-se a pluralidade inicial – a que se verifica desde que se inicia o processo
– da pluralidade subsequente – aquela que se forma posteriormente em relação ao
momento de propositura da acção, por intervenção em juízo de terceiros que não eram
originalmente partes.
A pluralidade de partes pode gerar situações de litisconsórcio – há vários autores e/ou
réus, mas apenas uma relação material controvertida – ou de coligação – há vários
autores e/ou réus e há também várias relações materiais controvertidas.
No caso do litisconsórcio, este pode desde logo ser voluntário, quando a pluralidade de
partes não é obrigatória, mas as partes entendem que a mesma se verifique. No caso do
litisconsórcio voluntário, vigora o presente no art 32º, nº 1, do qual decorre que a
legitimidade recai sobre qualquer dos interessados (seja litisconsórcio activo ou
passivo) na propositura da acção. Ainda assim, pode a mesma ser proposta por apenas
um deles. Diferentemente, o litisconsórcio pode também ser necessário, caso em que é
exigida a intervenção de todos os interessados. O litisconsórcio necessário desdobra-
se, por seu turno, em legal, convencional ou natural, o que resulta do próprio art 33º.
É legal se a exigência da participação de todos os interessados decorre da lei, é
convencional se essa decorre de negócio e é natural (nº2) se decorre da natureza da
própria relação material controvertida. Nestes casos, estatui o art 33º CPC que a falta
de qualquer um dos vários interessados é motivo de ilegitimidade. Chame-se a atenção
para o art 34º, atinente ao caso das acções que têm de ser propostas por ambos ou

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3º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

perante ambos os cônjuges (litisconsórcio necessário legal). Aí, a lei distingue entre
legitimidade activa (propostas por ambos) e legitimidade passiva (perante ambos).
Diferente do litisconsórcio é a coligação, onde há não só várias partes, mas também
várias relações jurídicas materiais em litígio. Poderá ocorrer quando a causa de pedir
for a mesma ou quando os pedidos estejam ligados entre si, seja por razões de
prejudicialidade (decisão de um pode influenciar a dos demais) ou de dependência (o
conhecimento de um dos pedidos só pode ocorrer se for dada procedência a outro). A
coligação é tratada nos arts 36º e seguintes CPC.
Sendo a legitimidade “essencial para que o tribunal se pronuncie sobre o mérito da
causa”, é então necessário verificar o que sucede quando a mesma não se verifica. Se
se verificar um dos casos já referidos (casos em que as pessoas identificadas pelo autor
não são as que estão efectividade em juízo), tem de haver uma consequência.
Constituindo a ilegitimidade uma excepção dilatória (arts 576º e 577º, al e) CPC), obriga
o art 278º, nº 1, al d) CPC a que se absolva o réu da instância.
Já no caso de legitimidade plural, a mesma pode faltar, como dito, nos casos de
litisconsórcio necessário. No entanto, permite o art 261º CPC que novas partes se
juntem a juízo, pelo que é possível sanar a ausência de algum dos interessados e,
consequentemente, a situação de ilegitimidade. O artigo remete para os arts 316º e
seguintes, que regulam a intervenção provocada – tem de ser através de intervenção
provocada porque não podemos ficar dependentes da vontade das pessoas para se
juntarem ao juízo.

5 – Patrocínio judiciário
O patrocínio judiciário é a representação das partes por profissionais do foro
(advogados, advogados estagiários ou solicitadores) na condução e orientação técnico.
A constituição de advogado é, em certos casos, obrigatória – art 40º CPC. Diferente do
patrocínio judiciário é a assistência técnica aos advogados prevista pelo art 50º CPC. O
patrocínio judiciário só representa um pressuposto processual quando é obrigatório, o
que apenas se verifica nos casos descritos no art 40º CPC.
Os poderes de representação em juízo são conferidos ao advogado – mandatário – pela
parte – mandante – ou por meio de mandato judicial (arts 43º e seguintes CPC).
A sanação da falta de constituição de advogado está prevista no art 41º CPC. Sanado
que não seja o vício dentro do prazo imposto, o juiz decretará a absolvição do réu da
instância. Note-se, no entanto, que tal apenas vale para a falta de representação do
lado do autor. Quanto ao réu, a falta de representação apenas ditará a falta de efeito
da defesa6.

6
Cabe ao autor assegurar a verificação dos pressupostos processuais. No entanto, não faria sentido que
competisse ao autor garantir a legítima representação do réu – não está no interesse do autor que o réu
ganhe a causa. O autor não tem de garantir essa representação porque a mesma não representa um
pressuposto processual, mas sim um pressuposto do acto processual – sem ela, apenas a defesa do réu
fica sem efeito, não sendo afectado todo o processo.

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3º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

6 – Interesse processual
O interesse processual deve ser considerado um pressuposto processual, ainda que tal
não seja expressamente referido no CPC. O mesmo consiste na indispensabilidade de
o autor recorrer a juízo para satisfazer a sua pretensão, sendo que o autor apenas tem
interesse em agir quando não dispõe de quaisquer outros modos de realizar aquela
pretensão – seja porque já esgotou todos os outros, seja porque não há efectivamente
mais nenhum.
Uma acção em que não haja interesse processual é uma acção inútil7, servindo este
pressuposto precisamente para evitar que estas cheguem aos tribunais. Defende
Manuel de Andrade que o interesse processual deve ser considerado pressuposto
processual por duas razões:
o A instauração de uma acção inútil causa prejuízos e incómodos injustificados;
o A justiça só deve funcionar quando haja motivos para tal.
Apesar de, em primeira linha, o pressuposto em causa seja aferido tendo em conta a
figura do autor, a verdade é que, depois da proposta, pode também o demandado ter
interesse em que a acção prossiga8. Assim sendo, a lei tutela os seus interesses,
fazendo depender a desistência da instância da aceitação do réu, se requerida depois
de ter sido feita contestação (art 286º, nº 1 CPC). Já a desistência do pedido, por
favorável ao réu, é livre.
Nas acções constitutivas apenas existe interesse processual quando o direito
potestativo correspondente não é daqueles que possa ser exercido por simples
declaração de vontade do respectivo titular (p.e. acção de divórcio). Mais difícil é
analisar o interesse processual no caso de acções de simples apreciação, uma vez que
não houve sequer, ainda, violação do direito. Estas fundam-se numa dúvida ou
incerteza acerca da existência, ou não, de um direito ou de um facto. Assim sendo, essa
dúvida tem de ser objectiva – fundamentada em factos concretos. Já a gravidade da
dúvida dependerá do prejuízo, material ou moral, que a situação de incerteza pode
gerar. Exige-se, então, objectividade e gravidade da situação de incerteza.
A falta de um pressuposto processual gera uma excepção dilatória. Apesar de este
pressuposto não ser expressamente considerado como tal pelo legislador, a verdade é
que o preceito que trata das excepções dilatórias abre a possibilidade de haver outras,
para além das que daí decorrem (“são dilatórias, entre outas, as excepções seguintes”).
Aí poderá então ser integrada a consequência da falta de interesse processual, sendo
assim esta uma excepção dilatória inominada.

7
P.e. a acção de condenação a exigir o pagamento de rendas quando essas estão todas pagas, ou a
instauração de uma acção declarativa de condenação quando o autor já dispõe de um título executivo.
8
Nomeadamente para ver esclarecida, de uma vez por todas, aquela situação. Aceitando a desistência da
instância, isso leva à extinção da instância, o que permite ao autor apresentar nova petição

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