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SEBENTA

DIREITO PROCESSUAL CIVIL III


Teóricas
Comissão de Curso do 4º ano de Direito

2019/2020

FDUP

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Neste documento foram tidos em conta os apontamentos das aulas do professor Tiago Ramalho, assim como o
manual do professor Lebre de Freitas.

1. INTRODUÇÃO AO PROCESSO EXECUTIVO


O essencial desta disciplina estuda um problema específico: em que termos ou de que forma se pode
solicitar a força pública para tutelar posições jurídicas privadas. Esta é a questão latente da ação executiva.
Esta disciplina supõe o tratamento de 3 questões:
• Em que termos é admissível solicitar este recurso, ou seja, quais são os pressupostos
processuais da ação executiva (a admissibilidade está ligada a pressupostos processuais)
• Quais as formas de processo e a sua tramitação (modo de exercício da força pública)
• Quais os limites/ barreiras colocadas ao exercício da força pública, isto é, quais são os
regimes de impenhorabilidade dos bens do devedor

Para além disso, estudaremos ainda o tratamento de um conjunto de procedimentos pré executivos ou
para executivos.
No processo, todos os dados pressupõem os momentos posteriores e os momentos posteriores
pressupõem todos os momentos anteriores, pelo que se deve ter uma visão global do processo.
No artigo 10.º n.º 6 CPC, prevê-se que uma execução pode ter 3 fins:
1. Execução para pagamento de quantia certa pode seguir a forma ordinária e sumária
2. Execução para entrega de coisa certa
3. Execução para prestação de facto
Destas 3 possibilidades, o regime que configura o paradigma de execução é o da execução para
pagamento de quantia certa sobre a forma ordinária.

ESTRUTURA DE UMA AÇÃO EXECUTIVA NORMAL:


O 1.º artigo do título IV refere os títulos executivos.
A tramitação da ação executiva começa a ser explicada no artigo 724.º: fase introdutória
A ação executiva tem a particularidade de exigir um pressuposto processual específico: só pode exercer
uma ação quem tem um título executivo, sendo que este título é um documento a que a lei atribui o valor de
servir de base a uma execução. O título executivo por excelência é a sentença condenatória. Se não houver
título, não pode haver execução (nenhuma execução sem um título – nulla executio sine titulo).
Na primeira fase, é possível tornar a obrigação certa, líquida e exigível (713.º), isto é, se do título não
constar que a obrigação tem essas características, na 1.ª fase de ação executiva praticam-se as diligências
necessárias para esse efeito (se a obrigação é ilíquida não sabemos o que vamos executar, tendo de se
determinar o valor). O que se segue?
• O requerimento pode ser recusado pela secretaria (725.º)
• Não havendo recusa, o requerimento é apresentado a despacho liminar. Este é um despacho
que visa controlar imediatamente após o requerimento, sem a existência de um contraditório,
a sua regularidade. O despacho liminar vai poder ter, no seu termo, dois desfechos:
o Indeferimento liminar
o Citação (ordenar a citação do reu) – 726.º. O reu é citado para:
▪ Pagar
▪ Apresentar a sua defesa. Pode apresenta-la através de um documento que se
chama oposição à execução ou embargo do executado. Através dos
embargos, o executado pede ao tribunal que extinga a execução. Assim, a
consequência do embargo do executado é a extinção da execução (728.º e
seguintes). Os embargos do executado são uma contra ação do executado,

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havendo, então, uma ação declarativa (extintiva) proposta pelo executado
com vista a extinguir a ação executiva proposta pelo exequente.

Terminada a fase introdutória, inicia-se a fase da penhora. Nesta intervém um outro órgão que é o
agente de execução (é o que pratica as diligências executivas – é o que vai penhorar). Penhoram-se os bens
necessários para satisfazer a obrigação subjacente. Assim, é de referir que a penhora consiste na apreensão
dos bens do executado para realização do seu valor. Como é realizado o valor dos bens? Normalmente através
de uma venda executiva.
Desta forma, a partir do momento da penhora, o executado já está privado dos seus bens.
A partir do momento em que a penhora é realizada, o exequente tem uma preferência datada desse
momento (822.º CC) – se a penhora é constituída hoje e amanhã é constituída uma hipoteca sobre o bem, a
penhora prevalece. Se fosse ao contrário, isto é, primeiro a hipoteca, prevalecia a hipoteca.
Se houver alguma ilegalidade da penhora, há vários meios de reação, mas o meio de reação padrão é a
oposição à penhora. Este é um incidente destinado ao levantamento da penhora (aquela em concreto, pois
pode ser penhorada uma outra coisa).
A oposição a penhora não extingue a execução, mas apenas a concreta penhora. Se forem penhorados
bens pertencentes a um terceiro que não o executado, esse terceiro tem de recorrer a um incidente de
intervenção de terceiro chamado oposição mediante embargo de terceiro.

Fase seguinte: fase de citação e convocação de credores


Os credores que têm garantias constituídas sobre os bens penhorados são citados. Qual a finalidade
desta citação e concurso de credores? Os credores poderem reclamar os seus créditos. Os credores podem
reclamar os seus créditos, pois, havendo venda executiva, esta extinguirá todas as garantias sobre os bens.
Exemplo: A move ação executiva contra o B exigindo 5.000€ e penhora o bem X. Sobre este bem há
uma garantia a favor de C. O artigo 824.º n.º 2 CC refere que a venda dos bens penhorados extinguirá todas as
garantias, ou seja, extinguiria a hipoteca a favor de C. Assim, antes da venda executiva, os credores titulares
de garantia são chamados para tutelar os seus créditos.
Com isto, concluímos, então, que o objetivo da citação na ação executiva é garantir o respeito pelas
garantias constituídas.
Última fase: fase da realização do valor e do pagamento.
Tem de se chegar ao valor dos bens penhorados, normalmente, através de uma venda de bens executiva
(824.º). Havendo a venda executiva, é uma venda expropriativa porque existem razões de interesse privado.
Obtido o valor necessário, realiza-se o pagamento.

A particularidade da forma sumária é que o requerimento executivo é enviado de forma imediata ao


agente de execução, pelo que, quem faz o primeiro controlo de regularidade não é a secretaria ou o juiz, mas
sim o agente de execução (855.º n.º 1). Este pode recusar o requerimento ou suscitar a questão ao juiz para
controlo liminar (855.º n.º 2 alínea b). Se não for praticado nenhum destes atos, o agente de execução passa de
imediato à realização da penhora (855.º n.º 3).
Neste caso, o executado só é citado depois ou no momento da realização da penhora, correndo em
simultâneo o prazo para execução e oposição à penhora

2. PROCESSO EXECUTIVO: JUSTIFICAÇÃO E SENTIDO


O princípio fundamental que sobrepõe a ação executiva é um princípio de direito segundo o qual cabe ao
poder político o monopólio do poder de determinar quando e em que termos o uso da força é permitido.

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Assim, só existe comunidade política organizada quando o monopólio do uso legítimo da força pertence ao
Estado.
A ideia de monopólio do uso da força pode ser vista de duas formas:
1. Ele é entendido como uma pretensão jurídica do Estado Moderno, isto é, o poder político afirma
que é justo e legítimo que seja ele o único que tem possibilidade de dispor da força da autoridade
2. Antes de ser uma pretensão jurídica, o monopólio de uso da força é uma questão de facto, isto é,
só é relevante a pretensão de ser o único a usar a força se, faticamente, for o único a poder usar da
força. Se o poder político não consegue opor-se, é irrelevante. Assim, a força precede o Direito,
pelo que a força dita o Direito. Nenhum outro que não o estado pode realizar por si o seu próprio
direito.
Isto permite-nos modificar o modo como analisamos a relação entre o direito material e o processo.
Primeiro está a força, e a partir dessa capacidade de impor a decisão, constrói-se tudo o resto. Se o
poder político tem o monopólio do uso da força autorizado, então, os particulares não têm o poder de uso
dessa força. O ponto de partida de todo o processo (artigo 1.º) é a proibição do uso da força.
Assim, o processo está estruturado como uma alternativa dada aos particulares em razão da proibição
de que são destinatários, ou seja, o processo é uma tentativa de instauração de uma cultura que assenta na
resolução de conflitos não apenas pela força, mas pela força razoável, racionalizada e criticada (de acordo
com certos critérios).
Em síntese, o que estamos e vamos ver é o estudo dos termos em que a comunidade politicamente
organizada coloca a sua força pública (única força autorizada) ao dispor da satisfação de posições jurídicas
privadas. Por isso o processo executivo regula os termos em que a força é permitida, mas também os termos
em que ela tem de ser limitada para poder ser legitimada.

3. PROCESSO EXECUTIVO E DIREITO PROCESSUAL

Ação declarativa e ação executiva


Qual a relação entre ação executiva e ação declarativa? O artigo 10.º CPC diz com efeito que há duas
espécies de ações: executiva e declarativa. A grande diferença entre estas ações está na sua finalidade.
As ações declarativas visam dizer o que é conforme ao direito (iuris dictio). Esta ação assenta na
palavra e nela tomam-se decisões. O ponto de partida na ação declarativa é o nivelamento/ paridade da
posição das partes e, na dúvida, dá-se a absolvição do réu em razão do princípio do ónus da prova.
A ação declarativa pode ser de simples apreciação (é pedido ao tribunal que declare a existência ou
inexistência de um direito ou de um facto jurídico), de condenação (pretende-se que o tribunal condene o réu
na prestação duma coisa ou de um facto, pressupondo ou prevendo a violação de um direito) ou constitutiva
(o juiz, perante o exercício judicial de um direito potestativo, cria novas situações jurídicas entre as partes,
constituindo, impedindo, modificando ou extinguindo direitos e deveres) – 10.º n.º 2 e n.º 3
As ações executivas são imperiais1. Não assenta em dizer o direito, mas sim em impor o direito e uma
solução. Assim, esta não declara, mas realiza, tomando-se ações ou operações. É uma ação de coação, de
constrangimento para que seja realizada a prestação de vitória do exequente. Desta forma, a ação executiva
tem por finalidade a reparação efetiva de um direito violado, providenciando a reparação material coativa do
direito do exequente. Assim, o processo executivo serve para realizar o direito material e só se conhecendo
adequadamente o direito material é que se consegue modelar o regime processual de modo correto.

1 O artigo 10.º n.º 4 refere o termo "obrigação", mas o professor prefere o termo "pretensão", na medida em que uma pretensão
é o direito de exigir a outrem um certo comportamento (ação ou omissão). Assim, pode haver pretensões que não são
obrigações no sentido do direito das obrigações, como é o caso da restituição da posse que é uma pretensão real a que a posse
seja restituída.

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Na ação executiva, o ponto de partida é o desnivelamento entre a posição de exequente e executado,
pois, para se iniciar uma ação executiva, é necessário um título executivo do qual decorre que o executado
deve realizar uma prestação àquele exequente e, havendo dúvida, executa-se.
No artigo 10.º n.º 6 CPC, prevê-se 3 tipos de ação executiva:
• Execução para pagamento de quantia certa (pode seguir a forma ordinária e sumária): o
credor (exequente) pretende obter o cumprimento de uma obrigação pecuniária através da
execução do património do devedor (executado) – 817.º CC. Apreendidos pelo tribunal os
bens que forem considerados suficientes para cobrir a importância da divida e das custas, há
lugar à venda desses bens a fim de, com o preço obtido, se proceder ao pagamento. O
exequente obtém, assim, o mesmo resultado que com a realização da prestação
• Execução para entrega de coisa certa: o exequente pretende que o tribunal apreenda a coisa
determinada ao devedor (executado) e seguidamente lha entregue (827.º CC). Pode, contudo,
acontecer que a coisa não seja encontrada e, nesse caso, o exequente procederá à liquidação
do seu valor e do prejuízo resultante da falta da entrega, penhorando-se e vendendo-se bens
do executado para o pagamento da quantia líquida (867.º). O exequente pode, ainda, obter um
resultado idêntico ao da realização da própria prestação. O direito à prestação da coisa pode
ter por base uma obrigação (por escritura pública, o proprietário obriga-se a proporcionar o
gozo temporário de uma coisa a outrem que, para obter a entrega, propõe uma ação
executiva) ou um direito real (numa ação de reivindicação, o possuidor ou detentor é
condenado a entregar a coisa reivindicada ao proprietário e este pede a execução da
sentença).
• Execução para prestação de facto:
o Facto fungível: exequente pode requerer que ele seja prestado por outrem a custa do
devedor (828.º CC), sendo apreendidos e vendidos os bens necessários ao pagamento
do custo da prestação. Discute-se se poderá, em alternativa, optar pela indemnização
por perdas e danos
o Facto infungível: exequente só pode pretender a apreensão e a venda de bens do
devedor suficientes para o indemnizar do dano sofrido com o incumprimento. No
caso de violação dum dever de omissão (prestação de facto negativo), o exequente,
consoante os casos, pede a demolição da obra que tenha sido efetuada pelo devedor à
custa do credor, assim como a indemnização do prejuízo sofrido ou compensatória
(829.º CC). Também neste tipo de processo, o credor pode obter o mesmo resultado
que obteria com a realização da prestação que, segundo o título, lhe é devida ou
equivalente.

Com tudo isto, segundo o Professor Lebre de Freitas (A ação executiva), devemos tirar algumas
conclusões:
1. A ação executiva pressupõe sempre o dever de realização duma prestação.
2. A ação executiva (diversamente da ação declarativa) não pode ter lugar perante a simples previsão
da violação de um direito, na medida em que, através dela, o exequente visa já reparar um direito
violado.
3. O tipo de ação executiva é sempre determinado em face do título executivo.
4. Na ação executiva, a satisfação do credor é conseguida mediante a substituição do tribunal ao
devedor (tribunal procede à apreensão de bens para, em substituição do devedor, pagar ao credor
ou para conseguir meios que permitam custear a prestação)
5. O processo executivo visa um resultado de direito substantivo: a satisfação do direito do exequente.

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Como se articulam as ações declarativa e executiva?
Por via de regra, a ação executiva é precedida da ação declarativa. Contudo, isso não acontece sempre.
O pressuposto para a ação executiva é a existência de um título executivo a tal ponto que só se pode iniciar a
execução se existir um título executivo (703.º).
• Pode haver ação declarativa sem ação executiva
• Pode haver ação executiva seguida de ação declarativa
• Pode ainda haver ação executiva sem prévia ação declarativa (pelo que o título executivo não
é a sentença condenatória nem documento equiparável a este)

Assim, a ação declarativa termina com prolação de sentença e, havendo uma ação condenatória a favor
do autor, recorro, em seguida, a uma ação de execução (703.º n.º 1 alínea a).
Não se pode recorrer, na ação executiva, a meios de defesa já procedidos na ação declarativa.
Além da sentença, há outros documentos aos quais se atribui força executiva, isto é, a ação declarativa
é o meio próprio para resolver uma controvérsia e para obter um título executivo que abre as portas à ação
executiva, mas há outros documentos aos quais se atribui força executiva, como é o caso de um cheque.

Há processos executivos especiais:


• Regulamento das custas processuais (35.º + 36.º)
• Execução em matéria de direito do trabalho (88.º + 98.º CPT)
• Execução fiscal (148.º CPPT)
• Execução de sentença administrativa (157.º e seguintes CPTA)
• Regime de execução administrativa (154.º e seguintes CPA)
• Processo de insolvência – dentro do próprio direito privado, é de referir o processo de
insolvência que é um processo que tem finalidade executiva. Contudo, enquanto o CPC
regula a ação executiva singular, o CIRE regula a execução universal ou concursal,
destinando-se à execução da totalidade do património do devedor e satisfação da totalidade
das dívidas.
o Antigamente, o regime de insolvência era específico para comerciantes. Contudo,
isso mudou há 16 anos. Hoje, temos de considerar o CPC e o CIRE, pois pessoas
singulares podem ser insolventes.

4. MODALIDADES DE EXECUÇÃO
Execução convencional e execução coativa:
A execução coativa é aquela que é realizada independentemente da vontade do executado.
A execução convencional é uma execução que tem por detrás um acordo prévio das partes (execução
contratual). As partes acordam um regime específico para executarem certos bens, extinguindo-se dívidas.
As formas de execução convencional gozam de todas as vantagens e inconvenientes de um negócio
jurídico. A vantagem é que depende da vontade das partes, podendo modelar a execução de forma a satisfazer
os seus interesses. Para além disso, é de referir a economia de custos. Como desvantagem, é de referir que não
há nenhuma instância que regularize a relação entre exequente e executado, não havendo controlo público a
priori, mas apenas a posteriori.
Como execução convencional, temos a figura da cessão de bens a credores (831.º CC), onde há a
celebração de um acordo entre o devedor e os seus credores nos termos do qual é conferido aos credores o
poder de disporem de certos bens do devedor para que, com o produto dessa disposição, satisfaçam os seus
créditos. a autorização dada pelo devedor aos concretos credores não prejudica terceiros credores que não
sejam parte no contrato. A vantagem para o devedor é que, na pendência deste contrato, os credores não

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podem executar o devedor, pelo que só podem alienar os bens de que o devedor dispõe, não podendo executar
bens diferentes. As dívidas do devedor extinguem-se na medida em que os credores realizem o valor dos bens
(835.º CC). De referir que os credores que se tornam parte no contrato durante a pendência do mesmo não
podem executar singularmente o devedor.
Também como execução convencional, temos a dação pro solvendo (840.º CC) que consiste na entrega
de prestação diferente da devida extinguindo apenas na medida do valor que obtém. Assim, é a cessão de um
só bem a um só credor.
Por muito interessante que uma forma de execução convencional seja, ela nem sempre terá o
consentimento de todos os interessados (o executado não concordará sempre com as formas de execução) e,
como tal, muitas vezes passamos para o campo da execução coativa. Assim, é de referir que o âmbito da
execução convencional é muito limitado.

→ Arbitragem executiva
A arbitragem executiva foi uma possibilidade que nunca veio a ser implementada. Em 2008, houve um
fervor desjudicializante e preveniu-se que se pudesse autorizar a constituição de tribunais arbitrais para efeitos
executivos. Contudo, esta possibilidade nunca veio a ser autorizada e a norma que permitia a constituição de
tribunais arbitrais executivos foi revogada em 2013.

→ Desnecessidade da ação executiva (compensação de créditos)


Em certos casos, é possível que alguém faça valer certo efeito jurídico sem ter de o impor por certos
atos materiais. Pense-se na figura da compensação. Quando duas pessoas são reciprocamente credoras e
devedoras pode cada uma delas livrar-se da sua obrigação mediante mera declaração (848.º CC), extinguindo
a sua dívida mediante o contra crédito de que é titular.
O caso da compensação é dado como exemplo de autotutela, mas, rigorosamente, na compensação não
há necessidade de execução, pois esta esgota-se no puro domínio da realidade das categorias jurídicas, não
carecendo de nenhum ato.

Autotutela e Heterotutela:
A execução coativa pode ser auto ou heterotutela.
As medidas executivas podem ser adotadas, em caso excecionais, pelo próprio titular do direito
(autotutela), sendo permitida a legítima defesa, o estado de necessidade e a ação direta. Para obrigações
contratuais é difícil aplicar-se os pressupostos destas regras. Assim, por regra, é necessário o recurso a outra
entidade, valendo o regime supletivo de heterotutela necessária. Mesmo quando o direito permite a autotutela
executiva, não permite nunca a autotutela declarativa.
Quando o direito civil permite o recurso à legítima defesa, a aferição dos pressupostos para a sua
verificação é sempre reservada aos tribunais (heterotutela).
No caso da compensação, exige-se que haja um crédito e um contra crédito, sendo que qualquer um dos
sujeitos pode extinguir a sua dívida mediante contra crédito – C deve a D e vai poder extinguir esse crédito
exercendo o contra crédito que tem em face de D. Assim, C pode satisfazer o seu direito mediante simples
declaração, daí que se afirme que se trata de autotutela.

Execução singular ou execução universal:


A heterotutela executiva pode ser execução singular (prevista no CPC) ou universal/ concursal (prevista
no CIRE).
A execução singular é aquela que, no limite, pode ser instaurada por um só credor contra um só devedor
(âmbito subjetivo), executando-se um só bem (âmbito objetivo).

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Na execução universal pretende-se executar a totalidade dos bens do devedor, convocando-se a
totalidade dos credores para reclamarem os respetivos créditos.
Quer numa quer noutra, devem ser sempre respeitados os credores com garantias especiais, mas há uma
enorme diferença no que toca aos credores comuns:
• Na execução singular, vale o princípio da precaução (um credor comum é protegido apenas se
interpuser uma ação singular)
• Na ação executiva universal, as penhoras já constituídas não são atendidas e todos os credores
comuns são tratados de forma paritária – princípio da par conditio creditorium (igual
tratamento de credores).

Execução pessoal e execução real:


Os atos de execução podem, historicamente, incidir sobre diferentes bens: corpo, alma, liberdade e
património.
Em Direito Civil, a regra é que só pode ser objeto de atos executivos o património. Assim, a
responsabilidade do devedor em Direito Civil é patrimonial, incidindo apenas sobre bens (e não sobre a alma,
corpo e liberdade) – 601.º CC.
Relativamente à obrigação, respondem todos os bens do devedor suscetíveis de penhora, sendo, então, o
regime das impenhorabilidades que define o âmbito da responsabilidade do devedor e que define que bens
respondem ou não.
Desta forma, para garantia do cumprimento de dívidas civis, está proibida a prisão por dívidas civis (1.º
do Protocolo Adicional n.º 4 CEDH + 11.º do Pacto Internacional de DESC que vigoram no Direito português
ao abrigo do artigo 8.º CRP). Por força de disposições de Direito Internacional, exclui-se a possibilidade de
recurso a pena de prisão para execução de obrigações de fonte contratual.

5. INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO EXECUTIVO


Execução específica e execução por equivalente:
A grande diretriz geral em caso de incumprimento pelo devedor de uma pretensão do credor é a
possibilidade de exigir judicialmente o cumprimento da obrigação (601.º CC).
Quando pela execução se obtém o próprio objeto, é de referir que esta execução é especifica/ natural.
Por outro lado, quando se obtém um equivalente do objeto, falamos de execução por equivalente.
Se o devedor tem o dever de entregar uma coisa:
• Pode o credor exigir o equivalente
• Tem o credor de exigir

A regra do DC português é a de, sempre que possível, haver uma tutela integrada dos bens. Isso vê-se
em dois aspetos gerais do direito: obrigação de indemnização (por regra feita por restituição natural) e a
execução específica.
Porque razão o direito civil se preocupa com a tutela dos bens jurídicos na sua integridade (ou tutela
natural)? Porquê execução específica e não por equivalente? Há 3 razões que mostram que o valor de um bem
não é igual ao seu valor em dinheiro. É esta a razão que justifica a execução específica, pois, se o valor de um
bem não é igual ao seu valor em dinheiro, se não houvesse execução específica não se tutelaria devidamente o
credor.
1. Há bens insubstituíveis (imóvel) e irrepetíveis
2. Os bens têm um valor afetivo/ sentimental (tornam-se únicos e não é possível adquirir
equivalentes – animal de companhia).

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3. Em períodos de mau funcionamento do mercado, o dinheiro perde a sua facilidade aquisitiva –
o dinheiro só tem valor quando a outra pessoa lhe atribui valor e, se ninguém se predispor a vender,
o valor monetário não serve de nada.
Estas 3 razões permitem justificar o motivo pelo qual a execução especifica se traduz num reforço de
tutela.
O processo executivo tentará, na medida do possível, que seja realizado o próprio objeto da
prestação através dos 3 tipos de ação executiva.
Exemplos:
• Execução para pagamento de quantia certa: neste caso, a distinção entre execução
especifica e por equivalente é menos evidente ou tem menos importância, pois, a execução já
visa obter um objeto equivalente ao que recebeu – na execução para pagamento de quantia
certa realiza-se integralmente o objeto da prestação (724.º e seguintes CPC)
• Execução para entrega de coisa determinada: o credor tem direito a requerer que a entrega
do próprio bem lhe seja feita (827.º CC + 859.º e seguintes CPC)
• Execução para a prestação de facto: as diferenças entre os dois tipos de execução são
visíveis. Temos de distinguir entre:
o Prestação de facto fungível (o credor pode exigir que a prestação seja realizada por
um terceiro e custeada pelo devedor – 828.º CC + 868.º e seguintes CPC)
o Prestação de facto infungível: é necessária a colaboração do devedor para realizar a
prestação, isto é, pela natureza da prestação, o credor só se dá por satisfeito se na
execução da prestação houver lugar à concreta colaboração do devedor. Se este não
colaborar, a prestação não é ilibada – nemo postest cogi ad factum (ninguém pode ser
coagido a um facto). Não é faticamente possível coagir a pessoa a não realizar o facto.
O meio previsto no CC para a tutela de prestações de facto infungível é a sanção
pecuniária compulsória (829.º) que consiste na aplicação de uma sanção por cada
infração ou atraso no cumprimento da obrigação que funciona como um meio indireto
de compulsão do devedor à prática de um ato (ou cumpre, ou arca com a sanção).
Prevê-se, então, uma tutela indireta através de uma sanção acessória que pressione o
devedor no sentido de realizar a prestação.

A ação da execução especifica prevista no artigo 830.º está relacionada com a tutela integral de um
promitente fiel num contrato promessa, no qual as partes se obrigam a emitir as declarações negociais
formativas do caráter definitivo. Se uma das partes incumprir, temos duas opções: uma tutela meramente
indemnizatória, ou seja, por equivalente ou, então, a realização da própria ação devida através da intervenção
do tribunal. Basta a intervenção do tribunal através do poder jurisdicional para tutelar o credor

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6. QUADRO NORMATIVO APLICÁVEL À AÇÃO EXECUTIVA
Fontes de direito processual civil
• Fontes de direito nacional
o Direito de nível legislativo:
▪ CPC
▪ Regime da injunção previsto no DL sobre as AECOP (DL 279/98)
▪ Lei da organização do sistema judiciário (prevê as diferentes possibilidades
de órgãos jurisdicionais e suas competências)
▪ Lei aplicável à organização e do funcionamento do sistema judiciário (quais
os tribunais e juízes concretamente distribuídos)
o Direito de nível regulamentar
▪ Portaria 282/2013
• Fontes de direito internacional
o DUE (8.º n.º 4 CRP) – a união europeia durante décadas não se interessou pelo
processo civil, mas, por volta de 2000, começou a notar-se uma maior atividade
normativa. Neste momento, já podemos começar a divisar uma espécie de processo
civil europeu
▪ Regulamentos europeus relevantes para a ação executiva
• Regulamento de Bruxelas I reformulado
• Regulamento de injunção europeia
• Regulamento sobre o título executório europeu
• Regulamento sobre a decisão europeia de arresto de contas bancárias
o Direito internacional em sentido estrito (de fonte não europeia)
▪ Convenções internacionais vigoram na OJ portuguesa ao abrigo do artigo 8.º
n.º 2 CRP. Em matéria de ação executiva, elas não são muito relevantes, pois
a ação executiva é tipicamente qualificada como um assunto interno dos
estados. Contudo, existem convenções internacionais, embora poucas
▪ Convenção de Nova Iorque sobre reconhecimento de sentenças arbitrais
estrangeiras

Ao contrário do que acontece no restante direito privado, não tem havido grandes estudos de
harmonização do processo executivo. Sem prejuízo, pode indicar-se:
• UNIDROIT – este instituto, em 2017, começou a atividade de preparação de um estudo para
a uniformização do processo executivo (fase embrionária, mas o tema está a começar a ser
pensado). Estes estudos permitem-nos conhecer soluções a que, de outro modo, dificilmente
acedemos. Haver estes estudos de direito comparado possibilita um maior acesso a outros
meios que, de outra forma, não estariam disponíveis
• Código mundial de execução – é uma tentativa de apresentação de princípios gerais
referentes à ação executiva

Outra realidade passa pelos acordos coletivos de procedimento. Estes seriam uma espécie de contrato
entre o tribunal de comarca e as principais entidades judiciais que nela exercem atividade (ordem dos
advogados, ordem dos solicitadores…) nos quais se acordariam regras processuais em matéria controvertida.
Era uma espécie de direito corporativo. Estes acordos acabaram por não ser assinados, não tendo entrado em
vigor.

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Aplicação da lei no tempo
Regra geral: 12.º n.º 1 (a lei processual vale apenas para o futuro)
Em matéria de processo civil, nos termos do artigo136.º CPC, a regra fundamental para a forma dos
atos é a de que vigora a lei da data do momento do ato. Para a forma de processo, vigora a lei do momento da
propositura da ação.

7. QUADRO DE GARANTIA CONSTITUCIONAL


Temos de saber o que é o direito constitucional para saber como é que ele se relaciona com o processo.
O Direito constitucional hoje em dia tem duas funções essenciais:
1. Definir o estatuto jurídico fundamental do poder político (modo de organização do poder
político)
2. Mediante o catálogo de DF e o sistema de fiscalização da constitucionalidade, o direito
constitucional serve para sindicar o direito ordinário (fiscalizar a lei).

Assim, o direito constitucional não nos interessa por regular pela positiva o processo civil. Interessa
como meio por, pela negativa, servir para a desaplicação de certas normas do processo através do processo de
fiscalização da constitucionalidade.
Esta segunda regra é muito relevante, pois permite, num sistema de matriz positivista, conferir um certo
espaço de liberdade ao jurista para colocar em causa a bondade da lei.
A OJ tem de resolver um dilema: por um lado, deve fazer articular o dever de obediência à lei com o
dever de procurar a solução materialmente mais adequada. O próprio ordenamento deve, portanto, ter
mecanismos que permitam a autocorreção. Num quadro de obediência ao direito, deve ser conferida certa
margem argumentativa ao jurista para desaplicar a lei. Como é que é feito? Formalmente, o jurista que invoca
a CRP está a aplicar o direito, mas como é que isto funciona? Temos 2 níveis diferentes: nível do direito
ordinário (processo tem como característica a precisão, pelo que dá pouca margem ao jurista para desaplicar a
lei processual) e o nível do direito constitucional (imprecisão). Dentro de um quadro globalmente positivista
de obediência ao direito, é inserida a possibilidade de, argumentativamente, colocar em causa o seu valor e,
assim, o dilema é resolvido

No artigo 20.º n.º 1, prevê-se o direito de acesso ao direito. Por via interpretativa, considera-se que o
direito à execução integra o direito de acesso ao direito.
Na constituição decorre a exigência da criação de procedimentos céleres para proteger DLG (20.º n.º 5)
No artigo 20.º n.º 4, prevê-se, sobretudo para a ação declarativa, que o processo deva ser equitativo.
Esta referência ao processo equitativo é uma ressonância ao artigo 6.º CDH.

Particularmente relevante para a execução executiva é o princípio da proporcionalidade (toda a ação


executiva é uma ação de sacrifício de uns bens para benefício de outros). É ainda de referir o princípio da
proteção da confiança inerente ao estado de direito (2.º).
Entende-se que o princípio da proibição da prisão política decorre ao direito à liberdade e segurança
(27.º n.º 1).

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8. QUADRO ECONÓMICO E SOCIOLÓGICO SUBJACENTE À AÇÃO EXECUTIVA
Entre 2005 e 2013, o CPC teve 45 versões. Esta instabilidade normativa não se deve, em primeira linha
ou somente, a uma eventual imprudência do legislador. A razão de fundo para a grande instabilidade da ação
executiva radica em fatores económicos e sociológicos.
Fatores na base da instabilidade normativa:

1. Aumento do número de relações económicas – se aumenta o número das relações económicas,


aumenta o número de possíveis conflitos e ações judiciais (gera um atrofiamento do sistema)
2. Mau funcionamento da economia (só há execuções porque há incumprimentos e, se há
incumprimentos, a economia não está assim tão bem) – a pessoa não paga voluntariamente porque
não vê como. É natural que a ação executiva dure algum tempo, pois, se o devedor tivesse bens
disponíveis com facilidade e relevasse ao credor os seus bens em princípio a ação executiva não seria
necessária. Se há problemas na ação executiva, é porque a própria relação material entre credor e
devedor já se encontra em crise
3. Aumento da litigiosidade ("As vinhas da ira" – é um texto que retrata a passagem do que é um
sistema de relações económicas em que prevalece a consideração pelo devedor para um sistema em
que tudo isso desaparece e o devedor passa a ter um papel completamente subordinado) – maior
predisposição para entrar em conflito judicial ao longo das últimas décadas
4. Escassez de meios do sistema judiciário (não é um problema normativo, mas de organização
judiciária que se repercute na ação executiva)
5. Pretensão de resolver, do ponto de vista normativo, problemas que são práticos
6. Ausência de uma dogmática (de um consenso) acerca de quais devem ser os vetores
fundamentais do direito

Passagem do Professor Lebre de Freitas ["A Reforma do Processo Executivo", ROA 62 (2002)]:
"O desenvolvimento vertiginoso das relações económicas, o esvaziamento dos valores sociais tradicionais, o
exacerbamento do liberalismo, o aumento da conflitualidade e o acréscimo da facilidade na deslocação dos
bens têm levado, um pouco por toda a parte, à progressiva generalização de comportamentos de fuga ao
cumprimento das obrigações jurídicas e a situações de grave estrangulamento do aparelho estadual
competente para a execução forçada".

9. PRINCÍPIOS ESTRUTURANTES DA AÇÃO EXECUTIVA


Castro Mendes diz que o legislador processual tem de tomar uma opção: ou adota um modelo geral
declarativista (em que toma como paradigma a ação declarativa) ou um modelo executivista (em que toma
como paradigma a ação executiva).
No direito português não há dúvida, o paradigma é a ação declarativa. Aplica-se, depois, com as
necessárias adaptações e na medida do justificável, o regime da ação declarativa à ação executiva. Sendo
assim, apenas temos de considerar os princípios particulares da ação executiva (551.º). Quanto ao demais,
vale o que já conhecemos da ação declarativa.
Quais são então os princípios centrais da ação executiva?
• Princípio do acertamento: na ação declarativa, o ponto de partida é a dúvida ou a incerteza
acerca do direito material. Pelo contrário, na ação executiva, o ponto de partida é o de que
uma das partes é devedora. Isto tem consequências. A ação declarativa é marcada pela
paridade das partes. A ação executiva, por seu lado, está marcada pela imparidade de partes
(o tribunal parte do princípio de que uma das partes é credora e a outra parte é devedora).
Assim, a ação declarativa tem uma lógica bilateral e a ação executiva tem uma lógica
unilateral. O princípio do acertamento significa, então, que na ação executiva se tem por certo

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o conteúdo da relação material. Contudo, para que esse conteúdo seja tido como certo, é
necessário que conste de título executivo (daí o título executivo como pressuposto
específico). Quão mais forte o título executivo, menor serão as garantias do executado. Em
tudo o que já estiver acertado, não se dão as mesmas garantias de defesa à parte passiva.
Contudo, se não existirem anteriormente, terão agora lugar.
o Dimensão positiva do princípio do acertamento: resulta dele que, da simples
existência do título executivo se tem a relação material por acertada nos exatos
termos que resultem do título
o Dimensão negativa do princípio do acertamento: não se tem por acertado nenhum
elemento que não esteja no título executivo. Assim, será necessária alguma atividade
probatória adicional para que a ação tenha lugar:
▪ Se do título consta uma obrigação condicional, pode o exequente exigir de
imediato o cumprimento da obrigação? Não, pois do título não consta que se
verificou a condição, resultando apenas a existência da obrigação.
▪ No título consta que A é credor e B é devedor. A transmite o crédito a D. D
pode promover a execução, mas tem de fazer prova de que adquiriu o bem ou
basta-lhe alegar o direito? À partida, deverá fazer prova sumária, porque do
título não consta que D é credor de B.

A ação executiva é favorável ao credor no que está no título executivo acertado. No


que não está, não deve ser deduzido num tratamento mais favorável para o credor.
Desta forma, o princípio do acertamento só deve valer para os elementos que
constem do título executivo.

• Princípio da proporcionalidade (é um princípio geral, mas com particular relevo na ação


executiva): tem muitas concretizações específicas na ação executiva (735.º n.º 3). Deve valer
como parâmetro geral da ação executiva. Procura que a satisfação do direito do credor seja
feita com o menor dano para o devedor, controlando a adequação das medidas executivas e as
consequências que delas decorrem para a satisfação dos interesses do exequente. É a própria
lei que, em alguns momentos, prevê que assim deva acontecer, isto é, que as medidas
executivas devem ser limitadas – 751.º n.º 1 + n.º 3

• Princípio do dispositivo (não é específico, mas tem grande importância na ação executiva):
decorre do direito material. A ideia que lhe subjaz é a seguinte: se as exposições jurídicas
objeto do processo são privadas, então, os seus titulares podem dispor sobre elas a todo o
momento.
o Concretizações do princípio do dispositivo:
▪ Iniciativa do processo executivo é do exequente (724.º)
▪ O exequente pode desistir da execução (848.º n.º 1)
▪ Ação executiva pode terminar por acordo entre exequente e executado (806.º
n.º 1) ou num acordo global entre os demais credores (810.º n.º 1)

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10. A RELAÇÃO DA EXECUÇÃO E OS PRESSUPOSTOS DA EXECUÇÃO
Também na ação executiva se constitui uma relação processual a que chamamos relação de execução.
Esta relação tem início com a apresentação do requerimento executivo (724.º) e estabiliza-se com a citação do
executado. Relação processual na nossa lei processual é sinonimo de instância.
A relação jurídica processual tem 3 partes: exequente, executado e tribunal.2
Tal como na ação declarativa, também na executiva são necessários certos pressupostos processuais
para que o tribunal exerça a sua atividade, isto é, pressupostos para o funcionamento da relação processual.

Prevêem-se, no decurso da ação, diferentes momentos para controlar a regularidade da execução:


1º momento: possibilidade de recusa do requerimento pela secretaria (725.º) ou pelo agente de
execução (855.º n.º 2 alínea a) – consoante a forma de processo (controlo formal de vícios graves e, por isso,
dificilmente verificáveis)

O primeiro momento realmente significativo de análise da regularidade da execução é o momento do


despacho liminar que cabe ao juiz no processo ordinário (726.º n.º 2) ou, no processo sumário, ao agente de
execução que deve suscitar a intervenção do juiz (855.º n.º 2 alínea b). Se o juiz deteta a falta de um
pressuposto processual, ele deve:
• Indefere liminarmente (726.º n.º 2 – a relação processual não se chega a formar) – falta de
pressuposto processual insanável
• Se for o pressuposto processual for sanável, o juiz deve convidar as partes ao suprimento de
irregularidades ou a sanação da falta de pressupostos processuais (726.º n.º4), isto ao abrigo
do seu dever de gestão processual (6.º n.º 2)
o Se a instância for regularizada, a ação procede
o Se a instância não for regularizada, o requerimento executivo é indeferido

Momento seguinte: subsistindo a falta de um pressuposto processual que não tenha sido detetada, tal é
fundamento de oposição à execução (729.º). A oposição à execução está dependente da iniciativa do
executado, pelo que este tem de suscitar a intervenção do tribunal.
Até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, o juiz pode conhecer oficiosamente de todas
as questões que pudessem determinar o indeferimento do requerimento executivo (734.º n.º 1). Se o juiz não
tiver detetado a falta de um pressuposto processual, permite-se que rejeite a execução até ao primeiro ato de
transmissão de bens sempre que houver persistido uma das causas de indeferimento liminar.

2 A particularidade do processo sumário é que o requerimento é automaticamente enviado para o agente de execução

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11. OBRIGAÇÃO – PRETENSÃO – EXEQUENDA

→ Quais os pressupostos processuais?


Encontramos os pressupostos processuais gerais da ação declarativa (personalidade, legitimidade,
competência…) e os pressupostos processuais específicos da ação executiva (natureza formal e natureza
material). Os pressupostos processuais específicos da ação executiva são:
• De natureza formal: existência de um título executivo (703.º)
• De natureza material: deve constar do título uma obrigação certa, líquida e exigível (713.º)

Comecemos por ver os PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS ESPECÍFICOS e, depois, veremos os


PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS GERAIS adequados à ação executiva.

É necessário que no título conste uma obrigação, ou mais especificamente, uma pretensão nos termos já
referidos. Obviamente que o título como documento humano carece de interpretação para determinar qual a
obrigação dele resultante, ou seja, a execução tem por objeto uma obrigação que, do ponto de vista
interpretativo, resulte do direito. Para efeitos da ação executiva, é suficiente que a obrigação conste do título
ainda que concretamente não exista, ou seja, o título é suficiente para presumir a obrigação – se a obrigação,
por ventura, não existir ou já estiver extinto, é o executado que tem o ónus de suscitar essa questão e pedir a
extinção da execução (729.º alínea g + 731.º)
Quando o título executivo é apresentado, ação esta preparado para avançar sem qualquer necessidade de
indagação adicional. Basta apresentar o título executivo com a obrigação nele constante e parte-se do
princípio que existe. Se do título executivo não constar nenhuma obrigação, aquele documento não vale nada
para efeitos de ação executiva, pelo que esta será inadmissível por falta de título.
Para a ação executiva não basta a existência de uma obrigação, mas é necessário que ela seja certa,
líquida e exigível. Rigorosamente, a certeza, liquidez e exequibilidade não são requisitos para o início da ação.
Por via de regra, ela pode iniciar-se mesmo que a obrigação não tenha estes atributos. Na fase introdutória
devem ter lugar as diligencias necessárias para dotar a obrigação dessas características (713.º).
A inobservância deste pressuposto processual tem como consequências o que? Se a obrigação não for
tornada líquida, certa e exigível, a ação torna-se inacessível e deve extinguir-se. A falta destes requisitos é
fundamento para a execução à oposição (729.º alínea a).
O que se entende por certeza, liquidez e exigibilidade?
• Certeza: para a ação executiva, certeza é a determinação da qualidade/ espécie da obrigação
o Obrigações incertas:
▪ Obrigações alternativas com prestações de género diferentes (543.º CC)
▪ Obrigações genéricas quando o género contenha diferentes realidades (539.º
CC)
• Exigibilidade: do ponto de vista genérico, entende-se o poder de exigir o cumprimento da
obrigação
o Obrigações inexigíveis:
▪ Obrigações sujeitas a prazo certo e este ainda não se verificou (779.º CC)
▪ Obrigações com prazo a fixar pelo tribunal (772.º n.º 2 CC)
▪ Obrigação sujeita a condição suspensiva não verificada (570.º CC)
▪ Inexigibilidade decorrente de numa relação sinalagmática não ter oferecido a
própria prestação, permitindo que a contraparte recorra a exceção de não
cumprimento (428.º CC). Para a lei processual, na ação executiva, o não
oferecimento da prestação está equiparado à não realização da prestação
• Diferente deste caso é o regime das obrigações puras (777.º n.º 1
CC), no qual a interpelação é feita pela citação judicial (610.º n.º 2

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CPC ex vi 551.º n.º 1) – a consequência aqui é que recaem as custas
pelo autor, ou seja, pelo exequente (535.º n.º 2 alínea b)
• Liquidez: é a determinação quantitativa do montante da obrigação
o Obrigações ilíquida:
▪ Obrigação resultante de uma condenação genérica (tribunal
condena no que se vier a apurar) – 609.º n.º 2

A ação executiva pode iniciar-se ainda que a obrigação exequenda não seja certa, exigível e líquida.
Nestes casos, a primeira fase da ação executiva será destinada a tornar a obrigação apta a ser executada.
O que importa, rigorosamente, para a admissibilidade da ação não é o regime material, mas sim o que
consta do título. Assim, se da aparência do título constar que a obrigação é líquida e exigível, a ação executiva
é admissível. Desta forma, os requisitos da certeza, exigibilidade e liquidez são aferidos à face do título
executivo.
Se do título não constar nenhuma obrigação exequenda, trata-se da falta de título executivo e pode
haver oposição à execução de acordo com o artigo 729.º alínea a). Se o que faltar for tornar a obrigação certa,
líquida e exigível, pode haver oposição à execução nos termos do artigo 729.º alínea e).

A lei permite que o exequente peticione juros de mora (703.º n.º 2) que estejam vencidos nos termos do
direito material (805º CC). Assim, ao segmento condenatório, podem acrescentar-se os juros de mora à taxa
legal. Pode-se
Qual o valor dos juros moratórios? Temos de distinguir juros civis de juros comerciais:
• Juros civis: 4% ao ano – 559.º n.º 1 CC que remete para a Portaria 291/2003
• Juros comerciais: modo de cálculo é complicado, dependendo das operações de
financiamento do BCE – a cada 6 meses é colocado um aviso pela direção geral de tesouro e
finanças que diz qual o valor (de momento é de 7% e 8% dependendo dos casos)

O artigo 703.º n.º 2 refere que a execução em concreto não incidirá na cobrança dos juros. O artigo
permite que o exequente peça. Para que a execução incida sobre os juros moratórios, é necessário que o
exequente solicite essa incidência sobre os juros em virtude dos princípios do pedido e do dipositivo (703º nº2
tem de ser articulado com os princípios gerais de direito). Algo semelhante disse o Acórdão do STJ 9/2015
que situou a jurisprudência num sentido: se o autor não formula pedido dos juros de mora, o tribunal não pode
condenar o reu no pagamento desses juros (esta decisão foi feita para a ação declarativa, mas o mesmo vale
para a ação executiva, embora com as necessárias adaptações).
A lei alarga o âmbito do título executivo ou o âmbito da possível execução. Assim, nos termos do artigo
829.ºA prevêem-se 2 figuras diferentes:
• N.º 1 a n.º 3: sanção pecuniária compulsória em sentido estrito
• N.º 4: juros compulsórios – no caso de haver uma sentença condenatória transitada em
julgado que condene ao cumprimento de uma sanção pecuniária, vencem-se juros
compulsórios à taxa de 5% ao ano (cumula com os juros moratórios = 9%). Vencendo-se
esses juros no plano material e podendo ser peticionados na ação executiva, só podem ser
efetivamente executados se o exequente os pedir (para serem cobrados, têm de ser pedidos)

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12. O TÍTULO EXECUTIVO EM GERAL
Não há execução sem título (10.º n.º 5 CPC). O título está para a ação executiva como o pedido está
para a ação declarativa (nulla executio sine titulo).
O título permite a execução, mas também a limita.
O título deve acompanhar o requerimento executivo sob pena de este ser recusado. Assim, se não for
apresentado nenhum título, a secretaria deve recusar o requerimento executivo (725.º n.º 1 alínea d). Se a
secretaria não recusar, deverá o juiz indeferir liminarmente (726.º n.º 2 alínea a). Se o juiz não o fizer, há
fundamento de oposição à execução. O juiz pode conhecer oficiosamente (até ao primeiro ato de transmissão
dos bens penhorados), das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o
indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo – 734.º n.º 1
No caso de sentença judicial, não é necessário que o requerimento seja acompanhado (4.º n.º 4 da
Portaria 282/2012).
O título abre a ação executiva e traça os fins e os limites da mesma. Desta forma, o título é um
documento ao qual se atribui valor específico de servir de base à ação executiva, tendo força jurídica
particular.
Quanto mais forte for o título, menos são os meios de defesa admitidos.
Vejamos do que depende o título executivo. O elenco não é exaustivo. Pelo título define-se:
• Processo aplicado
• Objeto da execução
• Regime da liquidez
Todos estes elementos são estruturantes da ação executiva
• Legitimidade das partes
• Competência do tribunal
• Meios de defesa admissíveis

O Professor Teixeira de Sousa reúne as características do título executivo numa síntese. Assim, o
título executivo tem três funções:
• Função constitutiva (há qualquer coisa que se constitui com o título executivo) – o título executivo atribui
exequibilidade a uma pretensão. Isto é particularmente visível nos títulos negociais
• Função delimitadora: o título traça os fins e os limites da ação executiva – 10.º n.º 5
• Função probatória: o título basta para presumir a obrigação para efeitos da ação executiva

13. MODALIDADES DE TÍTULO EXECUTIVO


O elenco está previsto no 703.º n.º 1. É um elenco taxativo, mas remete para legislação avulsa na alínea
d). A diversidade de títulos executivos justifica o seu agrupamento em várias categorias:
1. Títulos judiciais: sentença condenatória (703.º n.º 1 alínea a)
2. Títulos para judiciais: produzidos dentro da órbita do sistema público de justiça, mas sem
possibilidade de intervenção de um juiz (exemplo: procedimento de injunção – DL 269/98)
3. Títulos negociais: têm por fonte um negócio jurídico, mas gozam de uma forma particular
(documentos autenticados por notários que importem o reconhecimento ou constituição de
obrigações – 703.º n.º 1 alínea b)
4. Títulos de crédito: caso dos cheques, letra ou livrança (703.º n.º 1 alínea c)
5. Acordo obtido em mediação: se for obtido nos termos do artigo 9.º n.º 1 da Lei da Mediação tem
força executiva
6. Títulos particulares: meros documentos particulares sem qualquer forma qualificada ao qual se
atribuem força executiva – exemplo: ata da assembleia de condóminos

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7. Títulos administrativos: formados de acordo com as regras de direito administrativo – por
exemplo: as taxas moderadoras, as execuções fiscais que têm por base um título administrativo.
→ TÍTULO JUDICIAL
Um exemplo de título executivo é a sentença (703.º n.º 1 alínea a).
Assim, é de referir a sentença condenatória. O legislador não diz sentença de condenação, mas sim
sentença condenatória que é um conceito mais amplo, isto é, ainda que a sentença tenha sido proferida fora do
âmbito de uma ação de condenação é condenatória se houver um segmento condenatório ou se dela se retirar a
prática de um ato condenatório.
Assim, estamos perante uma sentença condenatória quando falamos de sentenças de condenação, mas
também aquando de um segmento condenatório explícito (por exemplo a condenação ao pagamento de custas
processuais ou a condenação de indemnização por litigância de má fé). Para além disso, a ação pode não ser
de condenação, mas ser possível retirar dela um efeito condenatório específico, o que se pode ver nas ações
constitutivas, por exemplo, a obrigação de alimentos é uma ação constitutiva que, para produzir o seu efeito
normal, tem de decorrer um efeito condenatório implícito do réu que é obter o pagamento dos alimentos.
Contudo, para ser razoável considerar que há condenação implícita, é necessário que as partes, na ação
declarativa, tenham podido representar as consequências dessa condenação, só havendo condenação implícita
se houver um pedido implícito. Sempre que há um segmento condenatório, essa parte pode ser executada, mas
deve estar previsto na sentença que o réu é condenado.
Pode acontecer que a condenação seja proferida em processo de natureza não civil, por exemplo de
caráter penal (réu condenado a pagar uma indemnização ao ofendido) ou administrativo (sentença de
condenação do estado em indemnização por ato de gestão pública, ilícito ou lícito) – aqui temos, também,
sentença condenatória.
Se a sentença não for condenatória nem tiver qualquer segmento condenatório, estamos perante a
ausência de um título executivo, pelo que o juiz deve indeferir liminarmente a execução (726.º n.º 2 alínea a).

Para poder ser executada, a sentença condenatória precisa de ser exequível (704.º n.º 1).

O Professor Lebre de Freitas refere que "para que a sentença seja exequível, é necessário que tenha
transitado em julgado, isto é, que seja já insuscetível de recurso ordinário ou de reclamação (628.º), salvo se
contra ela tiver sido interposta recurso com efeito meramente devolutivo (704.º n.º 1)".
No direito português, o recurso tem, via de regra, efeito devolutivo, isto é, não suspende a decisão.
Logo, a sentença pode ser executada na pendência do recurso, porque o recurso não a vai suspender. Assim, o
efeito devolutivo do recurso constitui hoje a regra no recurso de apelação (647.º) e tem sempre lugar no
recurso de revista (676.º).

Se a execução for instaurada na pendência de recurso com efeito meramente devolutivo, essa
execução, por natureza provisória, sofrerá as consequências da decisão que a causa venha a ter nas instâncias
superiores. Assim, quando a causa vier a ser definitivamente julgada, a decisão proferida terá o efeito:
• De extinguir a execução, se for totalmente revogatória da decisão exequenda, absolvendo o
réu (executado)
• De a modificar, se apenas em parte revogar a decisão exequenda, mantendo uma condenação
parcial do réu (704.º n.º 2, 1.ª parte).
o Se a sentença for anulada ou revogada, as vendas executivas que já tiverem sido
feitas ficam sem efeito (839.º n.º 1 alínea a) e os bens regressam ao património do
executado (proteção sucessiva do executado)

Se pelo tribunal de recurso vier a ser proferida decisão que, por sua vez, seja objeto de recurso
para o tribunal superior, a execução:

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• Suspender-se-á ou modificar-se-á consoante a decisão da 2.ª instância for total ou
parcialmente revogatória da anterior, se ao novo recurso for também atribuído efeito
meramente devolutivo
• Prosseguirá tal como foi instaurada e só poderá ser extinta ou modificada com a decisão
definitiva se, pelo contrário, for atribuído ao recurso efeito suspensivo, o qual se traduz em
suspender a execução da decisão intermédia proferida
(704.º n.º 2, 2.ª parte)

A ação executiva proposta na pendência do recurso pode também ser suspensa a pedido do
executado que preste caução, destinada a garantir o dano que, no caso de confirmação da decisão decorrida, o
exequente sofra em consequência da demora da execução (704.º n.º 5), visando acautelar o direito do credor.
Não havendo lugar a suspensão e prosseguindo execução, não é admitido pagamento enquanto a
sentença estiver pendente de recurso, sem prévia prestação, pelo credor de caução (704.º n.º 3).
Estas cauções são prestadas nos termos dos artigos 623.º CC e 906.º e seguintes CPC.
Enquanto a sentença estiver pendente de recurso, se o bem penhorado for a casa de habitação do
executado, é de referir que este pode requerer que a alienação da casa de morada da família aguarde a decisão
definitiva da causa, desde que invoque fundamento de que essa alienação lhe causará prejuízo grave e
dificilmente reparável (704.º n.º 4).

Se a sentença for inexequível, o juiz deverá indeferir liminarmente o requerimento executivo, há


fundamento de oposição e o juiz pode ainda rejeitar o requerimento até ao primeiro ato de transmissão de
bens. Este regime, que vale para as sentenças condenatórias, vale também para despachos judiciais de
natureza condenatória.
Assim, as sentenças condenatórias equiparam-se aos despachos e outros decisões ou atos de autoridade
judicial que imponham a observância de um comportamento, condenando no cumprimento de uma obrigação,
por exemplo: um despacho que impõe uma multa às partes ou a uma testemunha.

Também se equipara (porque é uma sentença) a sentença homologatória. Nesta sentença, o juiz limita-
se a reconhecer se o ato praticado pelas partes é conforme ao direito. O juiz profere sentença homologatória
quando as partes dispõem do processo por via de desistência ou acordo, verificando para tal a regularização do
acordo ou a desistência das partes. Por exemplo: sentença homologatória de transação ou confissão do pedido
(290.º n.º 3).

No âmbito das sentenças, é ainda de referir a sentença estrangeira.


A sentença proferida por tribunal estrangeiro é exequível (703.º n.º 1 alínea a). Só o é, porém, após
revisão e confirmação pelo competente tribunal da Relação (706.º + 979.º), visto que só depois de
confirmadas é que, salvo tratado, convenção, regulamento comunitário ou lei especial em contrário, as
sentenças estrangeiras têm eficácia em Portugal (978.º n.º 1). A confirmação é necessária não apenas para
efeitos de execução, mas também para qualquer outro efeito de direito (por exemplo: registo civil, comercial
ou predial), com ressalva da sua invocabilidade em tribunal como meio de prova, a apreciar livremente pelo
julgador (978.º n.º 2).
Trata-se de um controlo de regularidade formal e os pressupostos estão no artigo 980.º (exemplo: não
haver dúvidas, ter transitado em julgado, certas regras de competência do tribunal estrangeiro, respeito pelas
regras do estrangeiro…).
Assim, é de referir alguns pressupostos colocados ao reconhecimento da sentença no processo de
revisão:
• Pressupostos formais: não deve haver dúvidas quanto à autenticidade do documento em que
consta a sentença, nem sobre a inteligência/ compreensão da decisão (980.º alínea a)

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• Pressupostos processuais: a sentença deve ter transitado em julgado de acordo com o país
que a terá proferido (980.º alínea b). A competência do tribunal estrangeiro não deve ter sido
provocada em fraude à lei e a ação não deve ser da competência exclusiva dos tribunais
portugueses (980.º alínea c). Para além disso, não se pode invocar a exceção de litispendência
ou de caso julgado com fundamento em causa afeta a tribunal português, exceto se foi o
tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição (980º alínea d). Por fim, no que diz respeito ao
funcionamento do processo, o réu deve ter sido regulamente citado para a ação e os princípios
do contraditório e da igualdade devem ter sido observados (980.º alínea e)
• Pressupostos materiais: pode ser negado o reconhecimento da sentença quando o respetivo
reconhecimento conduz a um resultado manifestamente incompatível com os princípios de
ordem pública internacional do estado português (980.º alínea f), sendo que este corresponde
ao núcleo axiológico fundamental do direito do estado do foro

É necessário considerar dois regimes especiais atendendo à inserção económica do estado português:
Regime do Regulamento de Bruxelas I Reformulado e Regime da Convenção de Lugano, que
estabelecem o reconhecimento automático das sentenças proferidas noutro Estado da União/ Estado
contratante.

REGULAMENTO DE BRUXELAS I REFORMULADO3


O regulamento é tido em conta nas questões de convergência judiciária sobre matéria civil e comercial.
Exclui-se, contudo, um conjunto de matérias civis: estado pessoal, direito da família e direito sucessório.
Prevê regras de competência internacional estatuindo que, se essas regras forem respeitadas, a decisão
não tem de ser revista quanto ao mérito no estado da execução. Uma vez respeitadas as regras do regulamento,
uma sentença executada num estado europeu circula por todos os ostros estados sem qualquer controlo.
A estrutura deste regulamento assenta em linear um duplo aspeto do regime: previsão de regras de
competência e consequências do respeito por essas mesmas regras de competência.
Quais as regras de competência constantes do regulamento?
1. Regras de competência exclusiva: verificado algum dos números do artigo 24.º, é competente a OJ aí
especificamente elencada
2. Regras de competência subsidiária: temos de ver se se trata de um caso de competência exclusiva, se
não for, vale a regra em que é competente o tribunal onde o reu tenha domicilio desde que tenha
domicilio num estado membro da união europeia (4.º n.º1), ou seja, não se verificando nenhuma causa
de competência exclusiva, o fator de atribuição de competência é o domicilio dentro do conjunto de
estados da união europeia e, se não acontecer, é de carater internacional
3. Regras de competência alternativa: sendo em território da união europeia, em alternativa, é possível
escolher um foro diferente nos termos dos artigos 7.º e seguintes (exemplo: em matéria contratual).

Verificadas estas regras, sendo uma decisão proferida pelo tribunal competente, quais são as consequências?
• A decisão não poderá ser revista quanto ao mérito num estado em que se requeira a execução (52.º)
• Não é preciso nenhum reconhecimento adicional da decisão (36.º n.º 1)
• Não é necessária a declaração de executoriedade, ou seja, a sentença proferida é exequível
automaticamente em qualquer outro EM. Em 2012, aboliu-se o chamado exequátur (que à letra
significa "que se execute"), ou seja, não era necessário que o tribunal autorizasse a execução. Se
alguém quiser afastar a força da decisão, tem de desencadear os procedimentos previstos no próprio
regulamento para a recusa de reconhecimento ou recusa de execução (45.º + 46.º). Este regulamento
assenta numa enorme confiança recíproca entre os diferentes EM. O que lhe subjaz é que nenhum EM

3
Ou Regulamento IA, ou Regulamento I bis.

20
suspeita de princípio acerca de como funciona a OJ de um outro estado. Dai que não seja necessário o
exequátur, pois este tem por detrás uma relativa suspeição acerca do modo como funcionam as OJ.
Alguns autores dizem que a recíproca confiança é mais um desejo do que uma característica.
 A UE tem mais do que 20 línguas. O Regulamento prevê uma figura que é uma
certidão de decisão em matéria civil e comercial, visando resolver o problema das línguas
através de um sistema de formulários (tudo já está traduzido, restando apenas alguns espaços
em branco), o que permite que, efetivamente, a sentença seja exequível automaticamente em
qualquer EM

O artigo 59.º Regulamento de Bruxelas refere-se à força executiva da sentença estrangeira.


Se alguém quer atacar a sentença, tem de desencadear um procedimento específico: recusa de
reconhecimento (45.º) ou recusa de execução (46.º).
A ideia fundamental do regulamento é que o controlo não é preventivo, mas sucessivo. O ónus de atacar
a decisão recai sobre o condenado ou o executado.

Se não se aplicar o regulamento de Bruxelas IA: CONVENÇÃO DE LUGANO DE 2007


O regime desta é idêntico ao do regulamento de Bruxelas I Reformulado. As partes são a EU
(excluindo a Dinamarca), a Islândia, a Noruega e a Suíça. O que diferencia a convenção de Lugano do
Regulamento de Bruxelas I é que no quadro da convenção de Lugano, continua a exigir-se a declaração de
executoriedade e, só assim, é atribuída força executiva à sentença.

Ainda dentro dos títulos judiciais, temos de atender a algumas figuras:


• Títulos judiciais impróprios: títulos executivos que são formados dentro do processo (daí serem
judiciais), sem ser através de uma sentença, mas no decurso da própria ação executiva.
▪ Exemplos:
➢ 741.º n.º 1 + n.º 5: do título executivo só consta que um dos cônjuges é
devedor. Sendo assim, a execução só podia ser movida contra esse. Este
artigo permite que o exequente requeira que a divida seja considerada
comum e que, por isso, a execução possa seguir contra o outro cônjuge. Se o
cônjuge não se opuser, a divida considera-se comum e pode ser executada.
Assim, permite-se um alargamento do título sem ser por sentença, mas
dentro do processo
➢ 796.º n.º 1 + n.º 2: título contra o exequente ao dispor de terceiro
• Título executivo europeu (Regulamento 805/2004): havendo um crédito não contestado, nos termos
do artigo 6.º n.º 1 do regulamento, pode à sentença atribuir-se força executiva sem necessidade de
posterior reconhecimento (5.º do Regulamento). Hoje, este regulamento já perdeu quase toda a sua
importância. Ele foi feito quando o regulamento de Bruxelas exigia o exequátur, permitindo que fosse
retirado o exequátur. Hoje, a sentença proferida é exequível automaticamente em qualquer outro EM,
pelo que não é necessário exequátur, pelo que este regulamento não tem uso
• Título obtido através do regulamento 861/ 2007: regulamento aplicável aos casos transfronteiriços
de natureza civil ou comercial, independentemente da natureza do órgão jurisdicional, em que o valor
do pedido não exceda 2.000€ no momento em que o formulário de requerimento é recebido no órgão
jurisdicional competente, excluindo todos os juros, custos e outras despesas. Segundo o artigo 15.º, a
decisão será executória não obstante eventuais recursos e não será necessário constituir caução.
• Sentença arbitral: também para as sentenças arbitrais não há necessidade de qualquer título de
revisão. Tem a forma de processo sumário (550.º n.º 2 alínea a). O executado pode defender-se
propondo a anulação da sentença do tribunal arbitral ou invocar na ação executiva esses mesmos
fundamentos de anulação (730.º)

21
 Sentença arbitral proferida no estrangeiro: sujeita a revisão nos termos da convenção de Nova
Iorque de 10/6/1978 sobre reconhecimento e revisão de sentenças estrangeiras (55.º a 58.º
LAV)
 Sentença arbitral proferida internamente: tem o mesmo valor do que uma decisão dos tribunais
comuns, sendo exequível nos mesmos termos que a sentença do tribunal judicial (705.º n.º 2
CPC + 47.º + 59.º n.º 9 LAV.

→ TÍTULOS PARAJUDICIAIS

Dentro dos títulos parajudiciais consideramos duas figuras:


• Injunção nacional: o procedimento de injunção está regulado no DL 269/98.Este DL prevê duas
figuras: AECOP (ação declarativa sumaríssima) e o regime da injunção. Estas figuras foram
introduzidas com vista a permitir regimes simplificados que conseguissem dar resposta à ingente
quantidade de litígios de consumo que encheram os tribunais na época de 90, tendo a injunção
surgido pela primeira vez em 93. A injunção opera como uma provocação para que o devedor aja sob
pena de se formar um titulo executivo contra ele. Feito requerimento de injunção, o devedor é
notificado e das três uma: ou paga, ou contesta (e, nesse caso, o processo passa a ser uma AECOP) ou
é aposta a forma executória e forma-se um título executivo. Assim, retirou-se dos tribunais um
conjunto de ações não contestadas que podiam ir diretamente para a ação executiva. Se o título
executivo é forte, há menos fundamentos de oposição à execução.
A injunção é um meio para obter um título executivo que, para efeitos da execução, tem a mesma
relevância que uma sentença. No geral, trata-se de uma interpelação feita ao devedor, com um efeito
cominatório particularmente gravoso e, se não se opõe, pode ser aposta ao requerimento a fórmula
executória, surgindo um título executivo (14.º DL 269/98). Lebre de Freitas qualifica a injunção
como sendo um título judicial impróprio, o que não é a designação mais conveniente, pois em todo o
procedimento de injunção, não intervém nenhum julgador/ juiz (que é quem incorpora pessoalmente
o sistema de justiça. Já no sistema de injunção, o procedimento corre numa secretaria, pelo que,
simbolicamente, não o devemos classificar como sendo judicial impróprio (não há proximidade com
o juiz) – o que faz a função judicial ser judicial? Para alguns autores, o que faz isso é a existência de
um juiz. Daí que não devamos tratar a injunção como sendo um título para judicial
 Qual o âmbito de aplicação do procedimento de injunção? Aplica-se a dois grupos de casos:
1. Obrigações pecuniárias emergentes de contrato de valor não superior a
15.000€ (1.º DL 269/98)
2. Transações negociais (DL 62/2013 – 10.º n.º 1): tratando-se de uma dívida
comercial, pode recorrer-se a injunção independentemente do valor da divida.
 Qual a tramitação do processo de injunção? Inicia-se com o requerimento (artigo 9.º do anexo
ao DL 269/98). Este requerimento deve ser dirigido ao balcão nacional de injunções que é
uma secretaria judicial que serve apenas para este efeito (não aplicamos a regra do artigo 8.º
n.º 1, mas sim o artigo 1.º n.º 1 da Portaria 220ºA/2008). O requerimento deve ser
apresentado com uma série de elementos previstos no artigo 10.º n.º 2 desse anexo do DL. O
que se exige é que, entre os vários elementos que lá constam, o requerente exponha
sucintamente os factos que fundamentam a sua pretensão. Se não forem verificados estes
requisitos, o requerimento pode ser recusado. Se for recebida a injunção, o requerido é
notificado por carta registada com aviso de receção para, em 15 dias, pagar a quantia ou
deduzir oposição (12.º n.º 1). Sendo notificado, das 3 situações, uma: pode haver
cumprimento da obrigação, pode haver oposição (e, nesse caso, o processo é remetido para o
tribunal competente – 16.º seguindo-se nos termos da AECOP – 3.º e 4.º ex vi 17.º n.º 1) ou
pode não haver qualquer reação por parte do requerido (e, nesse caso, é aposta forma

22
executória – 14.º n.º 1 – a partir deste momento já há titulo executivo). A forma executória só
pode ser recusada nos termos previstos do artigo 14.º n.º 3.
 No regime das AECOP, nos termos do artigo 2º do anexo, permite-se que o juiz atribuía força
executiva à petição inicial (se não for apresentada contestação) com valor de decisão
condenatória.
• Injunção europeia (Regulamento 1896/2006): serve para matéria civil e comercial (2.º n.º 1), sendo
que se exclui, tal como noutros regulamentos, as questões de direito civil pessoal, como as questões
matrimoniais e sucessórias. Deverá tratar-se de créditos de natureza transfronteiriça (2.º n.º 1 + 3.º n.º
1). Considera-se que o litígio tem natureza transfronteiriça quando uma das partes tem residência ou
domicílio num EM diferente do EM no qual se encontra o tribunal demandado. O procedimento de
injunção europeu é complementar ao procedimento interno, valendo para todo o espaço da União
Europeia.
 Como funciona este procedimento? Basicamente da mesma forma que o nacional: apresenta-
se um requerimento (4.º), sendo as regras de competência determinadas pelo Regulamento de
Bruxelas I Reformulado (1.º). O requerimento deve incluir os elementos constantes no artigo
7.º n.º 2 (exige-se uma descrição das provas de que dispõe – 7.º n.º 2 alínea e). Verificados os
pressupostos da injunção, o tribunal emite uma injunção de pagamento europeia que é
acompanhada pelo próprio requerimento (12.º n.º 2). O requerido é notificado para pagar ou
para se opor (12.º n.º 3). Esta notificação é feita nos termos do direito interno (12.º n.º 5), mas
desde que respeitadas as regras mínimas previstas nos artigos 13.º a 15.º. Este é o padrão
mínimo que tem de ser observado.
▪ O requerido pode apresentar oposição, com a particularidade de poder não
especificar os fundamentos da não contestação (16º nº3).
 Havendo contestação, em princípio, a ação prossegue nos tribunais comuns (17.º n.º 1), salvo
quando o requerente tenha solicitado que isso não aconteça e, nesse caso, para aqui. A ação, a
ter lugar, segue a forma prevista no direito nacional ou o regime das ações de pequeno
montante da UE (17.º n.º 1). Se não houver pagamento nem oposição, o tribunal declara
executória a injunção europeia (18.º n.º 1) que vale em todo o espaço da UE sem necessidade
de qualquer reconhecimento (19º) e pode ser executado nos mesmos termos que uma decisão
do estado do foro (21.º n.º 1). Em todo o processo, não é necessária representação judicial.
 O regulamento tem parte insólita: para sabermos qual é o concreto tribunal competente para a
injunção europeia em Portugal, deveria ser uma norma da legislação portuguesa a aplicar a
competência. Como é que sabemos? O próprio regulamento comunitário prevê, nos artigos
28.º e 29.º, que os EM cooperam para fornecer informações sobre as autoridades competentes
e estas informações são disponibilizadas nos sites da UE. O tribunal competente para estas
injunções europeias de pagamento é o Tribunal Central Cível do Porto, mas não temos norma
interna que nos funde a competência no Juízo Central Cível, temos apenas uma divulgação
por parte da UE. A competência apenas se pode fundar na informação disponibilizada no site
oficial.

Diferenças entre a injunção nacional e a injunção europeia?


• Âmbito de aplicação é diferente
• O procedimento europeu está previsto apenas para litígios transfronteiriços
• A oposição pode não ser fundamentada (na europeia)
• A injunção europeia não conhece limite de valor. A nacional tem como limite 15.000€

Nos termos do 703.º n.º 1, a injunção é título executivo ao abrigo da alínea d).

23
→ TÍTULOS NEGOCIAIS QUALIFICADOS
Consiste num documento exarado ou autenticado por notário ou entidade equiparada. Previsto no artigo
703.º n.º 1 alínea b). Olhando para a regra deste artigo, há dois requisitos:
• Requisito de ordem formal (forma que o documento deve revestir para ser título executivo):
deve tratar-se de um documento:
 Autenticado: documentos elaborados pelo próprio particular sendo depois
confirmados na presença do notário que o autentica (377.º CC + 35.º n.º 3 Código
Notariado) – exemplo: testamento cerrado (fechado)
▪ A lei permite que haja outras entidades (diferentes dos notários) com
competência para autenticar documentos, sendo de referir o DL 76A/2006,
no qual se atribui essa competência aos advogados, câmaras de comércio e
indústria, conservadores e solicitadores (o artigo 166.º do EOS refere que o
solicitador que autentica o documento não pode ser agente de execução nessa
ação).
➢ Não há dúvida de que estas entidades (notários, advogados,
solicitadores, conservadores e câmaras de comércio e indústria) têm
competência para autenticar documentos e isso tem efeitos muito
relevantes. Contudo, o Professor Lebre de Freitas entende que o
artigo 703.º n.º1 alínea b), ao referir "documentos exarados ou
autenticados por notário ou por outras entidades ou profissionais
com competência para tal" questiona como interpretar a expressão
"competência para tal", que pode ser a competência para documentos
exarados ou documentos autenticados (pelo que todas as estas
entidades têm competência para dar forma ao documento que servirá
de titulo executivo) ou para documentos exarados e documentos
autenticados (pelo que só as entidades que têm competência para
ambas as coisas é que podem atribuir força executiva, ou seja, os
documentos autenticados por advogados, solicitadores e outros não
têm força executiva, tendo competência para autenticar, mas não
para exarar). O Professor Tiago Ramalho considera que este
entendimento não tem grande força na lei e é uma solução com
pouca adesão.
▪ Particularidades de documentos com assinatura a rogo/ assinatura a pedido
(708.º CPC + 373.º n.º 4 CC + 154.º CN): exige-se que a assinatura seja
reconhecida por notário ou outra entidade com competência para esse efeito.
Só é possível assinatura a rogo caso a pessoa não saiba ou não possa assinar.
▪ Quanto aos documentos estrangeiros, vale a regra de que não estão sujeitos
ao processo de revisão e confirmação de sentença (706.º n.º 2), mas devem
passar por um processo de legalização. Essa legalização ou é feita nos termos
de um regime especial (Regulamento de Bruxelas I Reformulado, Convenção
de Lugano, Convenção de Haia de 1961) ou, não havendo nenhum destes
regimes especiais, aplica-se regime supletivo do artigo 440.º CPC.

24
 Exarado por notário: elaborado pelo próprio notário e, do ponto de vista probatório,
tem o valor de documento autêntico (363.º n.º 2 + 369.º CC). Nos documentos
autênticos, o autor da escritura (notário), é diferente das partes (comprador e
vendedor), pelo que o notário não é parte.
▪ Exemplos deste documento autêntico: escritura pública (875.º CC) +
testamento público (2205.º CC). O testamento, via de regra, não é título
executivo, pois não tem preenchido o requisito material, mas, se o testador
previr a constituição de efeitos obrigacionais, este pode ser título executivo.
• Requisito de ordem material (respeita ao próprio conteúdo do documento): para um documento
exarado ou autenticado seja título executivo, o documento deve ser recognitivo ou constitutivo de
uma obrigação.4 Quando o documento é recognitivo, pode reconhecer-se o facto da constituição ou o
próprio efeito. Quando se reconhece o efeito, trata-se de um reconhecimento de dívida.
 Assim, podemos falar de um documento do qual constem declarações negociais formativas
de um contrato ou de um documento no qual conste o reconhecimento de um facto (352.º e
seguintes CC) ou de uma dívida (458.º CC)
 É de referir o artigo 707.º: se do documento consta que as partes preveem constituir a
obrigação apenas num momento futuro, o título executivo não pode ser imediatamente
exequível sob pena de se violar o princípio do acertamento. Desta forma, se do documento
consta apenas a possibilidade de se constituírem obrigações futuras, então, do título executivo
não constam ainda essas obrigações, pelo que será necessário complementar o próprio título.
As hipóteses submissíveis a esta noção de prestação futuras são:
▪ Previsão de prestações futuras (um negócio jurídico prevê obrigações futuras):
exige-se um documento passado em conformidade com as cláusulas do contrato
do qual conste que o facto de que depende a constituição da prestação jurídica se
verificou. Assim, este documento adicional é a prova complementar – exemplo:
contrato de abertura de crédito
▪ Previsão da constituição de obrigações futuras (um negócio jurídico prevê um
novo negócio jurídico para constituir obrigações futuras): ainda não estão
previstas especificamente, mas podem vir a constituirse – exemplo dado por
Lebre de Freitas: A garante a B determinado título para a eventualidade de B
celebrar um contrato com C. Este primeiro contrato prevê a constituição de uma
obrigação caso um outro contrato venha a ser celebrado, pelo que esta obrigação
não é imediatamente constituída. Também neste caso é necessário acrescentar um
título executivo do qual conste a verificação do facto de que depende a
constituição da obrigação exequenda.
 A prova poderá ser feita de duas formas: forma convencional (prevista no contrato) ou
mediante a forma em que genericamente se atribua força executiva. Nos casos previstos no
artigo 707.º, exige-se uma prova complementar, pelo que, rigorosamente, o título é um título
complexo (a execução depende do título executivo e de documento complementar no qual
conste que a prova foi constituída). Se a prova não for feita, temos uma causa de
indeferimento liminar (726.º n.º 2 alínea a), pois o título executivo é insuficiente para a
execução, já que não cobra a totalidade dos aspetos relevantes para a execução.

4Entende-se por documento meramente recognitivo de uma dívida ("recebeu 2.000€ e vai devolver") aquele onde consta
quem praticou o ato e reconhece que em momento anterior tinha constituído uma obrigação (458.º), havendo uma declaração
de dívida em que já se reconhece o efeito. Um exemplo de documento constitutivo de uma dívida é aquele em que consta
"declaro comprar".

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→ TÍTULOS DE CRÉDITO (703.º n.º 1 alínea c)
Os títulos de crédito podem ser usados de duas formas:
• Títulos de crédito: são documentos que, do ponto de vista metafórico, incorporam um certo direito de
crédito. Os títulos de crédito visam facilitar o acesso à ação executiva em caso de incumprimento.
▪ Os títulos de crédito, em princípio, são os títulos cambiários que podem ser 3:
➢ Letras de câmbio: há o sacador (quem pratica o 1.º ato) que dá uma ordem ao
sacado através de um negócio jurídico chamado saque para que o sacado realize
um pagamento ao tomador (terceiro). O sacado, para ficar vinculado, deve
aceitar e o tomador pode endossar. vai poder transmitir a lei por endosso.
➢ Livranças: é uma promessa pura e simples de uma pessoa realizar uma
prestação a outra (esquema bilateral) – 77.º LULL
➢ Cheques: é uma ordem dada por alguém (sacador) a um banco (sacado) para que
realize certa prestação a outrem por conta de uma provisão de que o sacador
dispõe – 1.º da Lei Uniforme sobre o Cheque)
▪ O título de crédito tem características: basta apresentar o título de crédito para exigir
o cumprimento, pois neste já consta a ordem de pagamento. O título de crédito não
carece de invocação da relação subjacente, mas só pode ser exercido como título de
crédito no prazo previsto pela lei, estando sujeito a prazos de prescrição: quanto às
letras e livranças é de referir que o prazo de prescrição é de 3 anos a contar do
vencimento da obrigação (70.º LULL); quanto ao cheque, deve ser apresentado a
pagamento no prazo de 8 dias a contar da emissão (29.º Lei uniforme sobre o
Cheque).
• Quirógrafos (escrito à mão): exige-se que no requerimento executivo se aleguem os factos
constitutivos da relação subjacente, sendo necessário indicar qual a razão subjacente à dívida– 703.º
n.º 1 alínea c.

→ TÍTULOS PARTICULARES
Os títulos particulares estão enquadrados no artigo 703.º n.º 1 alínea d). Via de regra, os documentos
particulares não têm força executiva. Contudo, há um conjunto de casos restritos, avulsos e pontuais em que a
lei atribui esse efeito:
1. Ata da assembleia de condóminos (DL 268/94): se se verificarem certos requisitos, há título
executivo. Que requisitos?
a. Deve estar estabelecido o montante das despesas e dos valores
b. Prazo do vencimento da dívida
c. Quota parte de cada condómino devidamente identificada (por causa do princípio de
acertamento) – o condomínio é uma figura que surge no contexto da propriedade horizontal
para gerir os espaços comuns (cada um dos titulares é proprietário da sua fração autónoma
e cotitular das partes comuns, pelo que, para gestão das partes comuns, encontra-se o
condomínio)

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2. Extrato de conta passado por sociedade com sede em Portugal dedicada à concessão de crédito
através da emissão e utilização de cartões de crédito (DL 45/79 – artigo
1.º)
3. Documentos que titulem um ato ou um contrato celebrado pela Caixa Geral de Depósitos onde se
preveja a constituição de uma obrigação, na qual a CGD seja credora e que haja assinatura do
devedor (DL 287/93 – artigo 9.º n.º 4) – a CGD tem uma espécie de titulo executivo exclusivo que
não está ao dispor de nenhuma outra entidade

→ TÍTULOS ADMINISTRATIVOS (formados com as regras do DA) – artigos 148.º + 162.º CPPT.

SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO


Havendo sucessão de leis no tempo, em matéria de título executivo, por que lei se determina que títulos
são admissíveis? Aquilo que pacificamente é admitido pela doutrina processualista é que se afere a
exequibilidade pelo momento da propositura da ação. Assim, vale o momento da propositura da ação como o
controlo da proteção da confiança daquelas que confiavam na força executiva dos documentos antigos.
Qual é o regime aplicável às hipóteses em que o exequente tem obtido um certo documento que ao
tempo em que obteve era título executivo e quando pretende executar a obrigação já não é título executivo?
Quando o documento foi elaborado, o documento valia como título, mas, entretanto, perdeu esse atributo. Este
problema tem particular relevância relativamente aos documentos particulares, na medida em que, em virtude
da reforma do CPC de 2013, foi retirada força executiva a estes documentos.
Nos termos do artigo 6.º n.º 3 do diploma que aprova o CPC (lei 41/2013), dispõe-se que o novo CPC
se aplica a todas as ações posteriores à sua entrada. Contudo, questionou-se se se respeita ou não a força
executiva dos documentos que elaborados antes da entrada em vigor desta lei tinham força executiva. A este
respeito, houve diferentes posições doutrinais e jurisprudenciais, mas o Acórdão do TC 408/20155 declarou a
inconstitucionalidade com força obrigatória geral do artigo 703.º n.º 1 quando este não atribui força executiva
aos documentos particulares anteriores.
No Acórdão do TC, temos de distinguir duas questões:
1. Se há algum patamar de controlo do regime da aplicação da lei no tempo, além da regra
prevista no CC (questão de direito): por detrás da regra da aplicação da lei nova apenas aos factos
futuros está a preocupação de garantir a previsibilidade das consequências jurídicas aplicáveis aos
comportamentos humanos, de forma a que os diferentes participantes no trafego possam conformar
a sua conduta de acordo com essas regras jurídicas. A não aplicação da lei nova a factos anteriores
ao início da sua vigência, permite proteger a confiança das partes na regularidade dos
comportamentos que observaram com base num quadro jurídico normativo distinto. Assim,
procura tutelar-se a confiança e, para tal, não basta a regra da irretroatividade, sendo também
necessário apurar se a mudança do quadro normativo não afronta excessivamente a confiança das
partes na permanência e continuidade da lei. Desta forma, o TC entende decorrer do princípio da
proteção da confiança a criação de uma atmosfera de confiança pelo legislador, a razoabilidade da
confiança (expetativas têm de ser credíveis, justificadas e fundadas) e o investimento na confiança
(partes fizeram planos tendo em conta a permanência do quadro normativo).
2. Se, neste caso concreto, a limitação adicional devia ter sido aplicada ou não (juízo concreto)

O juízo do TC sobre o caso assenta nos seguintes pressupostos:

5O Professor Tiago Ramalho não concorda com a solução do Acórdão, mas considera-o muito bem redigido e um bom
elemento de estudo.

27
➢ O legislador, desde 1977, foi aumentando progressivamente o elenco de títulos executivos, e,
em 2013, mudou
➢ Os titulares de documentos com força executiva ficaram prejudicados, pois tinham
acesso direto à ação executiva e agora têm de recorrer à ação declarativa (documento
particular era título executivo, mas deixou de ser)
➢ Restrição excessiva do direito do exequente

O Professor Teixeira de Sousa opõe-se a este entendimento, referindo que é duvidoso que a confiança
dos exequentes nos títulos executivos mereça particular tutela, pois a legislação portuguesa não existe isolada
do seu contexto prático, nem isolado do contexto europeu. Para além disso, na ação executiva tem sempre de
se encontrar equilíbrio entre a concessão de um crédito e a proteção executado. Temos sempre de ponderar se
o título executivo é suficiente para suportar a adoção de medidas coativas sobre o devedor (executado), sem
necessidade de um controlo quanto ao mérito. Não basta olhar para esta questão como se fosse um
defraudamento das expetativas do exequente, sendo preciso ver a excessiva desproteção do executado ao
admitir-se que o documento particular possa ser um título executivo.

14. REGIME DA FALTA DE TÍTULO


Não sendo o requerimento executivo acompanhado de título, a secretaria deve recusá-lo (725.º n.º 1
alínea d). Sendo o requerimento acompanhado de algo, mas esse algo não é um título executivo, o
requerimento deve ser indeferido liminarmente (726.º n.º 1 alínea a), quando a falta seja manifesta. Não sendo
a falta manifesta e sendo suprível, o tribunal deve proferir despacho de aperfeiçoamento (726º nº4). Se não
tiver havido indeferimento liminar, pode haver oposição à execução (729.º). Não tendo havido oposição à
execução, pode haver rejeição oficiosa (734.º).
Quem tem um título executivo diferente de sentença pode recorrer a ação declarativa ou será
desnecessário? Se já tenho o título, que razões podem significar o recurso a ação declarativa?
1. O autor pode ter interesse na ação declarativa quando queira reforçar a força do seu título. O título
mais forte é a sentença condenatória que é aquele em relação ao qual há menos fundamentos de
oposição à execução.
2. Colmatar a fragilidade física do título
3. Pretender beneficiar do prazo ordinário da prescrição (uma vez proferida sentença condenatória, o
prazo de prescrição, mesmo que fosse mais curto, passa a ser o ordinário, tal como indica o artigo
311.º)

15. TÍTULO EXECUTIVO E AÇÃO DECLARATIVA


Consequência de ter título executivo e recorrer à ação declarativa
Se alguém tiver título executivo pode recorrer à ação declarativa.
O interesse prático de recorrer antes à ação declarativa é por causa dos fundamentos de oposição à
execução. A sentença é o título executivo mais forte, sendo aquele em relação ao qual há menos fundamentos
de oposição à execução. O exequente, temendo que o seu devedor venha a contestar a exigibilidade do crédito,
pode propor primeiro uma ação declarativa para tornar incontestável que o seu crédito é exigível e, depois, na
ação executiva, o executado já não pode recorrer a esses meios de defesa, já que estes ficaram precludidos
pela ação declarativa.
Assim, o exequente, tendo título executivo, pode recorrer à ação declarativa e tem interesse nisto,
porque com a ação declarativa consegue obter a limitação dos meios de defesa do executado na própria ação
executiva. Contudo, considera-se, neste caso, que quem deu causa à ação foi o autor e não o réu (já que se
considera que o autor tinha o meio para recorrer diretamente à ação executiva). Desta forma, se o réu não

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contestar, as custas da ação declarativa recairão completamente sobre o autor, ainda que o réu esteja em
incumprimento (535.º n.º 1 + n.º 2 alínea c).
Contudo, o exequente também pode recorrer logo à ação executiva e, na oposição à execução, discute-
se esta questão (ao invés de se discutir na ação declarativa). O exequente pode é preferir intentar a ação
declarativa, já que, nos juízos de execução, há muitas pendências, sendo mais rápido discutir estas questões na
ação declarativa.

16. PARTES DA INSTÂNCIA


Vamos agora estudar as partes da ação executiva: exequente e executado.

16.1. PARTES PRINCIPAIS. PARTES TERCEIRAS


O processo executivo adota da ação declarativa uma noção formal de parte, o que significa que são
partes aqueles que estão como partes, sejam ou não titulares da relação material. A parte ativa é o exequente e
a parte passiva o executado. Na ação declarativa distingue-se entre parte principal e acessória, sendo que esta
última não existe na ação executiva. Simplesmente é ainda possível que, além das partes principais, possam
intervir sujeitos com a qualidade de partes terceiras com posições autónomas. Note-se que esta não é uma
designação unânime. É o caso de um terceiro titular de direito real de garantia.
Quais os pressupostos processuais em matéria de partes da ação executiva? São fundamentalmente
quatro, o que não significa que não possa existir um ou outro aspeto.
• Personalidade judiciária
• Capacidade judiciária;
• Patrocínio judiciário
• Legitimidade das partes

NOTA: Não há nenhuma particularidade em relação ao estudado na ação declarativa quanto aos dois
primeiros pressupostos. As disposições da ação declarativa vigoram com as necessárias adaptações para a
ação executiva (artigo 551.º n.º 1).

16.2. PATROCÍNIO JUDICIÁRIO


O regime do patrocínio judiciário encontra-se previsto no artigo 58.º, que prevê as particularidades do
regime do patrocínio na ação executiva. O patrocínio judiciário tem razões diferentes consoante seja
obrigatório ou não. Quando não é obrigatório (meramente facultativo), o patrocínio judiciário tem por única
finalidade garantir à parte a possibilidade de ver os seus interesses melhor representados. Por sua vez, quando
o patrocínio judiciário é obrigatório, naturalmente que se pode justificar pela suposta preocupação do Estado
em proteger a parte de certa ignorância. No entanto, existe uma outra razão muito importante que é procurar o
melhor funcionamento da realidade processual. Com efeito, o processo será, em princípio, mais célere e eficaz
se todos os seus intervenientes dominarem a praxe processual.
Uma vez que a ação executiva não se destina à discussão do direito, naturalmente que é menos exigente
no regime do patrocínio judiciário.
Devemos distinguir entre os seguintes grupos de casos:
• Ações de valor superior à alçada da Relação: note-se que o valor da alçada da Relação é de
30.000€, nos termos do artigo 44.º n.º 1 da LOSJ. Neste caso, as partes devem fazer-se representar
por advogado, artigo 58.º n.º 1 do CPC;
• Ações nas quais o valor se contém entre a alçada de primeira instância e a da Relação:

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o Se houver algum procedimento que siga os termos do processo declarativo, é obrigatória a
constituição de advogado;
o Se não houver, existem três possibilidades- advogado, advogado-estagiário ou solicitador,
artigo 58.º n.º 3
• Ações de valor igual ou inferior à alçada do tribunal de primeira instância: não há patrocínio
obrigatório (artigo 58.º n.º 3 a contrario), o que não significa que a parte não possa constituir
voluntariamente advogado.

O que é um procedimento que siga os termos do processo declarativo? O professor Lebre de Freitas
faz uma distinção adequada entre procedimentos de natureza principal e procedimentos de natureza
incidental. Os de natureza principal seriam a oposição à execução, embargos de terceiro e a ação quando haja
impugnação de crédito. Seria um incidente a oposição à penhora, a prestação de caução, etc (os demais).
Fazendo esta distinção, Lebre de Freitas sustenta que só é necessário constituir advogado quando o
procedimento seja de natureza principal. Um incidente é uma pequena tramitação que tem lugar no curso de
uma ação para resolver uma questão lateral, eventual, que concretamente tenha surgido e que obrigue a uma
discussão declarativa (artigos 292º a 295º). Por exemplo, o incidente de discussão do valor da causa.
Esta atividade de patrocínio judiciário, nos casos em que não é obrigatório, está limitada pela Lei dos
Atos Próprios dos Advogados e dos Solicitadores, que limita o exercício da atividade para quem tenha essa
profissão. O mesmo em relação ao aconselhamento profissional.

Consequências da não constituição de patrocínio judiciário quando obrigatório:


• A não constituição de advogado pelo exequente, quando obrigatória, constitui uma exceção dilatória
(artigo 577º/h). Se for apresentado requerimento executivo sem constituição de mandatário, o juiz
deverá fixar prazo para regularizar a instância (artigo 726º/4). Se isso não for feito, indefere
liminarmente o requerimento executivo (artigos 726º/5, 48º/2 e 41º).
• Se, pelo contrário, for o executado a não constituir mandatário judicial, a consequência é que a sua
defesa fica sem efeito (artigo 41º).
• Ou seja, a falta de constituição de mandatário judicial tem consequências diferentes consoante se trate
do exequente ou do executado. No caso do exequente, a consequência é a absolvição da instância. No
caso do executado, a consequência é que a defesa fica sem efeito. No fundo, a consequência é a
mesma: não considerar a atividade processual daquele sujeito. Por isso se diz que o patrocínio
judiciário é verdadeiramente um pressuposto de atuação processual.

16.3. A LEGITIMIDADE DAS PARTES


Somente se exige correspondência entre o objeto da ação e as partes formais da ação. Se houver
correspondência, as partes são legítimas; se não houver, são ilegítimas. Exemplo da ação declarativa: o autor
afirma que B lhe deve certa quantia em dinheiro e propõe a ação contra C. Este não é parte legítima, pois não
há correspondência. Na ação executiva, interessa para efeitos de legitimidade aqueles que figuram no título
como credor e devedor. Por isso, as partes serão legítimas se assim constar do título; não serão legítimas se
não constarem do título.
Distinguiremos os casos de legitimidade singular dos de legitimidade plural:

16.3.1 LEGITIMIDADE SINGULAR


A regra geral da legitimidade singular está prevista no artigo 53º/1. É parte legítima como exequente
quem figure no título como credor; é parte legítima como executado quem figure no título como devedor.
• Um fiador será parte legítima? Se figurar do título será parte legítima. O fiador é efetivamente
um devedor, simplesmente é um devedor acessório, por isso pode a execução ser promovida contra

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ele se figurar no título com essa qualidade de fiador. O limite máximo da ação é dado pelo título,
portanto não tem legitimidade quem não figura.

Vejamos agora algumas regras especiais:


• Execução fundada em título ao portador: são títulos de crédito cujo cumprimento pode ser
reclamado por quem o possua. Neste caso, a regra de legitimidade é a de que a execução deve ser
promovida pelo portador do título (artigo 53º/ 2);
• Execução de terceiro titular de bem objeto de garantia real: imaginemos que A é credor de B e
para garantia do crédito vê constituída a seu favor uma hipoteca sobre um bem de C. Será que C, que
é titular do bem objeto da hipoteca, tem legitimidade ao abrigo do artigo 53º/1? Há uma distinção em
Portugal entre dívida/débito e responsabilidade patrimonial (no sentido de aquele que responde pela
dívida). Isto é uma tradução de uma categorização alemã clássica entre Schuld e Haftung.
Normalmente a dívida e a responsabilidade encontram-se associadas, isto é, quem deve responde.
Mas há casos em que assim não acontece e este é exatamente um deles. Quem deve e tem de realizar
a obrigação é apenas B. Quem responde pela obrigação são B e C. É muito claro que C não é
devedor. Se o bem não for suficiente para pagar a dívida, C não responde com o seu património
pessoal. Se alienar o bem a terceiro, também não responde. Ao abrigo da regra geral de legitimidade,
apenas se pode demandar o devedor. Isso não permite demandar terceiros titulares de garantia porque
eles não são devedores, não lhes pode ser exigido o cumprimento da obrigação em nada, embora
tenham interesse em que ela seja cumprida, para não serem executados. O artigo 54º/2 e seguintes
permite que a execução avance também contra quem, não devendo, responde. Quando existe dívida
garantida por garantia real, desde que conste do título, existem três possibilidades diferentes. (1) Pode
o exequente agir apenas contra o garante e chamar mais tarde o devedor caso os bens sejam
insuficientes (artigo 54º/2 primeira parte); (2) Pode o exequente agir contra devedor e o garante ao
mesmo tempo em litisconsórcio voluntário (artigo 54º/2 segunda parte); (3) Pode o exequente agir
apenas contra o devedor. Quando o exequente age apenas contra o devedor, não poderá o agente de
execução penhorar o bem objeto da garantia, porque só podem ser penhorados os bens do executado.
o Um aspeto relevante é que a sentença obtida contra o devedor não é oponível ao garante, artigo
635º/1 CC para a fiança, mas aplica-se também à consignação de rendimentos (artigo 657º/2), ao
penhor (artigo 667º/2) e à hipoteca (artigo 612º/2), ou seja, funciona como regra geral para as
garantias. Por isso, o credor que queira acionar a garantia deverá na ação declarativa chamar ambos à
instância.
o O regime da execução de terceiro garante aplica-se também aos casos de impugnação pauliana
quando o credor pretenda executar o bem cuja transmissão foi impugnada na esfera de
terceiro.
• Existência de direitos reais menores constituídos sobre bem pertencente ao devedor: artigo
54º/4. Este artigo não diz quase nada do que interessa a este respeito. O que diz o artigo é que
havendo bens onerados do devedor na posse de terceiro, este pode ser demandado conjuntamente com
o devedor. Está subentendido por este artigo que nos casos em que a venda executiva extinga direitos
possessórios de terceiro, isto é, direitos que decorrem da qualidade de possuidor, o terceiro deve ser
citado para a ação executiva para que a venda executiva o possa atingir.
o Que tipo de direitos são protegidos ao abrigo deste artigo? Direitos reais menores, mas
também direitos que confiram tutela possessória, ainda que não sejam direitos reais. É o caso
do direito do locatário ao abrigo do regime da locação. No caso do comodato que também
tem tutela possessória, a venda executiva vai extinguir o seu direito.
• Sucessão na titularidade do direito: quid iuris se houver um novo credor ou um novo devedor? Nos
termos do artigo 54º/1, a execução deve ser promovida por ou contra os sucessores da pessoa que,
como credor ou devedor, figura no título. O exequente deverá alegar no próprio requerimento

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executivo os factos constitutivos da sucessão. Exemplo: o contrato através do qual se transmitiu o
crédito, caso tenha sido uma cessão de crédito. A questão que se coloca a este respeito é a seguinte: o
artigo prevê apenas que o exequente deve deduzir os factos constitutivos da sucessão. Pergunta-se se
basta deduzir ou é necessário também provar. Quando falámos no princípio do acertamento, dissemos
que este tem uma dimensão positiva e negativa. A primeira é que se presume acertado tudo o que
consta do título; a segunda é que se presume não acertado tudo o que não consta do título. Ora, se do
título não consta a sucessão, não há nenhuma razão para presumir com base numa mera alegação do
exequente que a sucessão efetivamente ocorreu. É este o entendimento do professor- deverá ser
necessário deduzir e provar. Se é preciso fazer uma atividade de natureza declarativa, será necessário
um incidente com vista à atividade probatória. Podemos aplicar o regime previsto no artigo 715º,
previsto para a obrigação condicional, mas pode ser aplicado aqui por identidade de razão. É a
chamada habilitação-legitimidade. Note-se que, se porventura a sucessão da titularidade for feita no
curso da ação e não antes, então nesse caso temos de recorrer aos incidentes de habilitação previstos
nos artigos 351º e seguintes.
• Sentença oponível a terceiros: prevista no artigo 55º. Também têm legitimidade passiva para a ação
executiva aqueles que, não tendo sido parte na ação no âmbito da qual se proferiu a sentença, são
abrangidos pela sua força. A verdade é que a sentença tem por limites o pedido, a causa de pedir e as
partes, pelo que, por princípio, vincula as partes e mais ninguém. Não obstante, existem depois
algumas exceções:
o Nos casos em que haja transmissão de direito ou da coisa em litígio: na ação declarativa, a
sentença é oponível ao adquirente, mesmo que não intervenha na instância (artigo 263º/3);
o Nas hipóteses de caso julgado secundum eventum litis (caso julgado de acordo com o
desfecho da lide): a lei permite que, de acordo com o desfecho da lide, o caso julgado possa
aproveitar a terceiros (artigos 531º e 538º/2 do CC).
 Ainda assim, temos a este respeito uma pequena controvérsia. Lebre de Freitas
entende que deste regime decorre apenas a autoridade do caso julgado, que se
considera a questão indiscutível, mas não decorre a atribuição do direito de agir em
juízo. Ou seja, terceiros credores podem invocar, mas não podem usar para efeitos de
ação executiva. O entendimento de Teixeira de Sousa e Rui Pinto (com os quais o
professor concorda) aponta para o facto de que da indiscutibilidade material decorre a
impossibilidade de agir na ação executiva.
o As hipóteses em que o título executivo prevê que possa surgir um direito na esfera de
terceiro: por exemplo, o contrato de pessoa a nomear. Uma das partes tem o direito de
nomear alguém para que ocupe a sua posição. Este novo sujeito não figura do título executivo
como credor, figura apenas que poderá ser nomeada uma outra pessoa. O entendimento que
se adota a este respeito é o de que se deverá fazer prova complementar, ao abrigo do artigo
715º.
 Há outra questão que é a de saber como releva do ponto de vista executivo o contrato
a favor de terceiro. Neste contrato, as partes (promitente e promissário) acordam na
constituição de um direito na esfera de um terceiro. Os autores mais relevantes nesta
matéria afirmam que será necessário fazer prova destes elementos complementares
relativos à constituição do direito na esfera de terceiro. O professor discorda deste
entendimento porque do contrato consta quem é o terceiro e se nos termos da lei
adquire o direto de imediato, então não há desvio em relação ao artigo 53º.
o Possibilidade de substituição processual: casos em que alguém litiga em lugar de outra
pessoa, também se designando por legitimidade extraordinária. O artigo 606º do CC admite,
em termos gerais, a chamada ação sub-rogatória, isto é, a substituição do credor pelo seu
credor no exercício dos seus direitos. Se

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esta possibilidade é admitida nos termos gerais, então o credor do credor que tenha um título
executivo (o credor sub-rogante) poderá propor uma ação executiva em lugar do credor sub-
rogado. Não terá grande importância, desde logo porque o credor sub-rogante tem um
caminho muito mais simples, em que pode propor ação executiva contra o credor que é seu
devedor e nessa ação penhora o crédito em relação ao terceiro. É um caminho mais simples
que não passa pelas complicações da ação sub-rogatória.

→ Consequências da falta de legitimidade: é uma exceção dilatória (artigo 577.ºalínea e) ex vi


artigo 551.º n.º 1), de conhecimento oficioso (artigo 578.º ex vi artigo 551.º n.º 1). Caso seja insanável e haja
lugar a despacho liminar, deverá o juiz indeferir liminarmente a petição inicial, artigo 726º/2/b. Sendo
sanável, cabe ao juiz proferir despacho de aperfeiçoamento nos termos dos artigos 6º/2 e 726º/4. Se não for
sanada, deve o juiz indeferir o requerimento executivo nos termos do artigo 726º/5. Quando seja o executado
citado não obstante uma ilegitimidade processual, tem ele a possibilidade de se opor à execução por embargos
ao abrigo do artigo 729º/c.

16.3.2. LEGITIMIDADE PLURAL


Nesta matéria devemos fazer algumas distinções:
• No que respeita à unidade ou pluralidade de relações jurídicas, poderá tratar-se de litisconsórcio ou
coligação;
• No que respeita ao polo da relação processual, poderá ser ativa ou passiva;
• No que respeita à obrigatoriedade, poderá ser voluntária ou necessária;
• No que respeita ao momento, a pluralidade de partes poderá ser inicial ou sucessiva.

Principais casos de litisconsórcio voluntário:


• Obrigação conjunta (artigo 32º/1);
• Obrigação solidária (artigo 517º do CC);
• Obrigação como garantia real ou pessoal constituída por terceiro.

Normalmente o litisconsórcio voluntário será inicial, apenas será de admitir litisconsórcio voluntário
superveniente nos casos em que a lei o preveja. Esses casos reconduzem-se à hipótese de ser demandado
primeiro o titular do bem objeto da garantia real e só depois o devedor (artigo 54º/2) e à demanda do devedor
subsidiário depois de terem sido executados os bens do devedor principal (artigo 745º/3). Isto é possível por
iniciativa do exequente. Por sua vez, por iniciativa do executado, é possível que o devedor subsidiário
suscite a intervenção do devedor principal (artigo 745º/1).
Existe um nível temático que é o das dívidas de cônjuges que veremos mais adiante.

Litisconsórcio necessário:
É o caso da entrega de uma coisa que pertença a várias pessoas (artigo 1405º/1 do CC).
Quando o litisconsórcio necessário seja preterido será de admitir que, ao abrigo dos incidentes de
intervenção de terceiros, seja suscitada a intervenção da parte em falta.
Enquanto que o litisconsórcio voluntário não levanta a falta de pressupostos processuais, já não é assim
com o litisconsórcio necessário. Se este for preterido, constitui uma exceção dilatória (artigos 33º/1 e 557º/d).
Em sede de despacho liminar, o juiz, ao abrigo do artigo 6º/2, deve convidar as partes à regularização da
instância, convidando o exequente a requerer a intervenção principal do terceiro (artigo 726º/4). Não
correspondendo o exequente ao convite, há lugar a indeferimento liminar nos termos do artigo 726º/5. A

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segunda possibilidade é a oposição à execução por parte do executado. Se ainda assim houver preterição, há
lugar à rejeição oficiosa da execução (artigo 734º/1).

17. O TRIBUNAL
Passemos agora para o polo superior da ação executiva, ou seja, o tribunal. Aquilo a que chamamos
tribunal, na realidade, é um conjunto de entidades diferentes: o juiz de execução, a secretaria e o agente de
execução. Cada um com as suas competências próprias.
Este é um dos pontos em que há divergência entre as diferentes ordens jurídicas. Num aspeto todas elas
são semelhantes- sempre que houver uma questão de natureza declarativa, por exemplo a oposição à execução
ou figura equivalente, a competência da decisão é confiada ao juiz. Nesta questão particular, há monopólio de
jurisdição. No que toca à competência para dirigir a execução, são vários os modelos possíveis, de modelos
mais “privatizados” ou “administrativizados” a modelos mais “judicializados”.
Em termos de direito comparado existem quatro possibilidades:
• A competência para a execução é de um órgão administrativo e não de uma autoridade judicial. É este
o modelo que vigora na Suécia. Em Portugal para execuções administrativas (fiscais) é este o sistema
que vigora, as execuções administrativas são promovidas pela entidade fiscal e não por um juiz
tributário;
• Execução dirigida por uma pessoa de nomeação oficial, mas contratada pelo exequente. É este o
modelo que vigora particularmente em França e no Benelux, sendo reconhecida uma figura que tem
por designação huissier de justice. É o profissional de justiça mais odiado pelo povo francês.
Funciona como um profissional liberal;
• Modelo em que a competência para a execução é de um funcionário judicial pago pelo erário publico:
é o modelo que vigora na Alemanha e na Áustria. Não é o juiz que conduz a execução;
• Modelo no qual toda a condução do processo é confiada a um juiz: é o modelo que vigora em
Espanha e Itália, é a solução românica.

Qual é o regime do Direito português?


Até 2003, a solução portuguesa era a solução românica, era o juiz que tinha a responsabilidade pela
condução da ação. A partir de 2003, modificou-se o elemento básico da ação executiva e introduziu-se a
figura do solicitador da execução agora redenominada agente de execução, que é o grande responsável pela
condução da ação executiva (artigos 719º/1 e 723º). Tudo o que não seja competência do juiz, em princípio é
competência do agente de execução. O modelo português aproxima-se de forma decisiva do modelo francês.
Em 2003, quando esta alteração foi introduzida, não tínhamos a profissão de agente de execução.
Temos de perceber qual o âmbito do monopólio da função judicial, porque pode É certo que função
judicial aponta apenas para a decisão de conflitos. Sob este ponto de vista, se for um monopólio de apenas
dizer o direito, a questão da competência da condução da ação executiva está na liberdade de conformação do
legislador ordinário, não é uma reserva constitucional. Em países como em França, o monopólio da função
jurisdicional engloba também o poder de império (exercício da força pública). Ora, nesse caso é necessário
garantir a possibilidade de o juiz intervir na execução.
Iremos agora analisar a competência do Tribunal. Para esse efeito temos de distinguir a competência do
tribunal enquanto tal e a competência dos intervenientes do processo enquanto juiz e secretaria. Iremos
começar pela primeira.

Competência do Tribunal em geral:


A) Em razão da matéria: de acordo com o critério de atribuição positiva, cabem na competência dos
tribunais judiciais todas as ações executivas baseadas na não realização duma prestação devida segundo

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as normas do direito privado. Além disso, conforme o critério de competência residual, vale a regra de
que a ordem jurisdicional comum ou os tribunais judiciais no seu todo são competentes para as ações não
atribuídas a uma outra ordem jurisdicional particular (artigos 40º/1 da LOSJ e 64º do CPC). Não sendo a
causa atribuída a outra ordem jurisdicional, mas à ordem dos tribunais judiciais, importa apurar como se
reparte a competência no seu interior. Para determinarmos qual o tribunal competente para a execução
temos de considerar a organização judiciária. Temos de percorrer o seguinte raciocínio:
1. Verificar se há tribunal de competência territorial alargada. Se houver, ele pode executar as suas
próprias decisões dentro do seu círculo de competência, art. 129º/2, 111º/2, 112º/3 e 113º/2 LOSJ. Se
não houver, temos de considerar as regras de distribuição da competência dentro do tribunal de
comarca:
2. Tribunal da Comarca:
a. Verificar se existe juízos de competência especializada: são eles os juízos de família e
menores (artigo 122º e seguintes LOSJ), juízos do trabalho (artigo 126º e seguintes LOSJ) e
juízos do comércio (artigo 128º LOSJ). Se houver, o artigo 129º/2 dita que são competentes
para tramitar as ações executiva que lhes compitam. Se não houver:
b. Verificar se existe algum juízo de execução: artigo 129º/1 LOSJ. Se houver, eles são
competentes para a tramitação da ação executiva. Se não houver:
c. Competência dos juízos centrais cíveis ou locais cíveis: a competência reparte-se conforme
o valor da ação. Se a ação for de valor superior a 50.000€, a competência é do juízo central
cível, artigo 117º/1/b LOSJ; se a ação for de valor inferior a 50.000€, a competência é do
juízo local cível, artigo 130º/1 LOSJ.
NOTA: Para sabermos qual é a área de competência de cada um destes tribunais temos de ver o DL nº
49/2014.

B) Em razão da hierarquia: são apenas competentes os tribunais de primeira instância, em princípio. Só


assim não o é quando a ação declarativa correu em tribunais superiores, artigos 85º e 86º do CPC.

C) Em razão do território, as regras de repartição de competência estão previstas nos artigos 85º a 90º
CPC. São então fatores de atribuição de competência:
• Execução fundada em sentença condenatória proferida por tribunal judicial: é competente o
tribunal da comarca em que a ação tenha sido julgada em 1ª instância (artigo 85º/1). Se houver um
juízo de execução constituído, a execução é remetida oficiosamente ao juízo de execução (artigo
85º/2). Se a ação deu diretamente entrada no tribunal superior (ou seja, se funcionou como primeira
instância um tribunal superior), muito embora valha a regra de que a execução deve correr no tribunal
que proferiu a decisão, a execução será tramitada no tribunal de 1ª instância do domicílio do
executado. O artigo 86.º abre a exceção do artigo 84.º.
• Execução fundada em sentença arbitral: nos termos do artigo 85º/3, é competente para a execução
o tribunal da comarca do lugar da arbitragem;
• Título diferente de sentença:
➢ Execução para entrega de coisa certa ou por dívida com garantia real: artigo 89º/2, é
competente o tribunal do lugar onde a coisa se encontre ou o da situação dos bens onerados,
respetivamente
➢ Restantes casos: artigo 89º/1, é competente o tribunal do domicílio do executado. Se o
executado for pessoa coletiva ou, situando-se o domicílio do exequente na área metropolitana
de Lisboa ou do Porto e tendo o executado domicílio na mesma área metropolitana, o
exequente pode optar pelo tribunal do lugar onde a obrigação deva ser cumprida. Este regime
foi pensado por razões de economia processual, é nas áreas metropolitanas que se concentram
mais ações executivas e criou-se esta regra para afastar destas algumas ações.

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Note-se que no que toca à competência internacional o artigo 63º/d CPC prevê que os tribunais
portugueses são exclusivamente competentes em matéria de execuções sobre imóveis situados em território
português.
No que respeita à competência convencional, podem as partes celebrar pactos de competência (ou de
aforamento) nos termos do artigo 95º/1. Tem de respeitar à competência em razão do território e tem de haver
convenção expressa. Não obstante, estes pactos não são possíveis nos casos a que se refere o artigo 104º CPC
que prevê, nomeadamente, os artigos 85º/1 e 89º/2.

Iremos agora analisar as concretas competências do juiz e da secretaria na ação executiva.


O juiz tem as suas competências previstas no artigo 723º/1.
➢ A): O despacho liminar só tem lugar supletivamente no processo ordinário e no processo sumário
depende de o agente de execução suscitar a intervenção do juiz. Logo, tem uma primeira função de
controlo, mas meramente eventual, só quando há lugar a despacho liminar;
➢ B): Esta alínea respeita às questões de natureza jurisdicional que surjam na ação executiva. Assim,
tem o juiz uma segunda função genérica para conhecer dos conflitos em matéria declarativa;
➢ C): Tem o juiz uma terceira função de recurso quando a sua intervenção tenha sido suscitada.
A contrario pergunta-se: está garantida a possibilidade de intervenção do juiz na ação executiva? No
processo ordinário sim, no processo sumário não. Hoje o processo executivo português não garante a
possibilidade de pelo menos uma intervenção do juiz. Por isso autores como Tavares de Sousa dizem que o
nosso modelo é, pelo menos para o processo sumário, desjudicializado.
Pode ainda perguntar-se: existe um poder genérico de controlo do juiz da ação executiva? Não parece
existir à luz do artigo 723º. Quando muito poderemos equacionar uma possibilidade que é a de saber se ao
abrigo dos poderes gerais de gestão processual, o juiz não poderá exigir que lhe seja dado conhecimento do
curso das ações executivas que estejam a ser tramitadas. Mas por princípio parece não haver um poder geral
de controlo do juiz que a lei entre 2003 e 2009 previa, sendo depois eliminada essa referência.

A secretaria também tem competências próprias, sendo que se encontram elencadas no artigo 719/º3,
que remete para o artigo 177.º. Note-se que, nos termos do artigo 725.º existe a possibilidade de recusa do
requerimento executivo pela secretaria.

18. O AGENTE DE EXECUÇÃO


O agente de execução: assume maior protagonismo uma vez que é o responsável pela condução da
ação executiva. É o órgão da ação executiva com competência residual, artigo 719º/1. São da sua competência
as citações, consulta de base de dados, pagamento, etc.
A figura do agente de execução surgiu na reforma de 2003 do código de processo civil, sendo
denominado na altura solicitador da execução. A grande dificuldade na matéria do estudo desta figura é a de
saber o que é que ele é exatamente, se uma entidade privada ou um sujeito publico. A resposta não é
conclusiva.
Existem dois eixos centrais:
• O agente de execução, do ponto de vista estatutário, é um profissional liberal uma vez que só pode ser
agente de execução quem estiver inscrito na ordem dos solicitadores e agentes de execução
(associação publica profissional). Para se inscrever como agente de execução tem de ter a licenciatura
em direito ou solicitadoria, artigos 105º e 106º do Estatuto da Ordem dos Solicitadores. Todos
aqueles inscritos estão sujeitos aos deveres deontológicos próprios da profissão (artigos 119º e
seguintes e 168º e seguintes).

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• O agente de execução, do ponto de vista funcional, opera como um auxiliar de justiça que exerce
poderes de autoridade pública (art.º 162º/1 do Estatuto da Ordem dos Solicitadores).
Portanto, embora do ponto de vista estatutário seja um privado, exerce poderes de autoridade pública.

Vejamos a sua posição na ação executiva:


• É designado pelo exequente (artigo 720º/1 e 724º/1/c). Se porventura não for escolhido pelo
exequente, a sua designação é feita de modo aleatório nos termos do artigo 720º/2.
• Da mesma forma que o agente de execução é designado pelo exequente também pode ser substituído
pelo exequente. O exequente terá apenas de expor o motivo da substituição ao abrigo do artigo
720º/4.
• O juiz não poderá destituir o agente de execução. O máximo que pode fazer é participar à comissão
para o acompanhamento dos auxiliares de justiça a infração que detetou. Só esta comissão pode
destituir o agente de execução.
Portanto, o juiz não tem uma efetiva função de controlo do agente de execução. Por outro lado, o
exequente tem nas mãos o poder de designar e destituir o agente de execução. Assim sendo, poderá
considerar-se que o estatuto do agente de execução garanta a respetiva imparcialidade/independência? Prevê-
se que sim no artigo 168º/1. Mas a sua posição efetiva permite-lhe essa imparcialidade e independência? Do
ponto de vista do professor não, dado que o agente de execução é incentivado a fazer prevalecer a posição do
exequente. Isto por duas razões. Primeiro porque pode ser destituído e depois porque pode não ser designado
para novas ações executivas. O agente de execução está, portanto, em dependência económica face ao
exequente. Concluímos então que o estatuto não se adequa à função, o poder público é colocado nas mãos do
exequente.

NOTA: o agente de execução pode também declarar que não aceita a designação nos termos do art.º 720º/8.

Do ponto de vista remuneratório, os honorários do agente de execução e o reembolso das suas despesas
são devidos pelo exequente, conforme o artigo 721º/1. Contudo, poderá o exequente exigir o reembolso ao
executado.
Qual o regime que se aplica caso o agente de execução incumpra os seus deveres funcionais?
Existe uma discussão que se desdobra em duas grandes posições possíveis:
• Haverá responsabilidade civil extracontratual do Estado por mau exercício da função judicial (lei
67/2007);
• Poder-se-á entender que os deveres do agente de execução visam proteger os diferentes intervenientes
do processo tendo por isso lugar a responsabilidade civil extracontratual nos termos de direito civil.
Esta posição foi sufragada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
o Neste caso a presunção de culpa recai sobre o autor da ação ou do agente de execução? Ou
seja, será responsabilizado nos termos do artigo 483º e ss. Ou nos termos do artigo 798º e ss.?
Se o agente de execução responder nos termos de direito privado é porque viola deveres
específicos de comportamento, pelo que será responsabilizado nos termos do artigo 798º e ss.
o Caso se entenda que responde nos termos do direito privado é de considerar a
responsabilidade do exequente quando haja designado um agente de execução que saberia
que tendencialmente desrespeitaria as regras do processo.
NOTA: o professor entende que a responsabilidade é de direito público.

Recurso dos atos praticados pelo agente de execução:


Em alguns casos existe um meio processual específico. Por exemplo, se o agente de execução violar as
regras da penhora, o executado pode recorrer à execução à penhora nos termos do art.º 794º. Noutros casos, a

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má atividade do agente de execução poderá conduzir a uma nulidade processual, aplicando-se o regime das
nulidades, conforme o artigo 736º e ss. Não havendo nenhum meio processual específico, a solução será
impugnar os atos do agente de execução junto dos juízos, artigo 723º/1/c. Normalmente segue as regras dos
incidentes, artigo 293º e ss.
Se estivermos perante uma nulidade processual e os atos não forem impugnados no prazo de 10 dias
(artigo 723º/1/c), a atuação do agente de execução fica consolidada. Só pode acontecer sendo uma situação de
conhecimento oficioso e deparando-se o juiz com ela.

NOTA: No decurso da ação executiva o agente de execução pode subestabelecer noutro agente de
execução e servir-se de auxiliares, artigo 720º/6. Além disso, nos termos do artigo 722º é possível que todas as
funções do agente de execução sejam desempenhadas por um oficial de justiça. Neste caso aplicamos com as
necessárias adaptações o regime referido anteriormente.

19. SUPORTE PROCESSUAL


De acordo com o que é determinado, o processo executivo é tramitado eletronicamente. Para a prática
de atos processuais recorre-se a dois sistemas distintos: CITIUS e SISAE.
No artigo 551º/5 prevê-se que o processo decorre em tribunal apenas quando se trate de um ato de
competência da secretaria ou juiz. No que respeita a qualquer outro ato, decorre junto do agente de execução.
Por isso pode ocorrer que o juiz não tenha nenhum contacto com o processo.
Para auxiliar a execução preveem-se dois instrumentos complementares ao processo executivo em
sentido estrito:
• Registo informático de execuções: artigos 717º e 718º. Trata-se de um registo do qual constam as
execuções pendentes e as suas vicissitudes fundamentais. Este registo conserva-se por 10 anos após a
extinção da execução (artigo 13º do DL nº 201/2003). Em todo o caso, logo que a obrigação
exequenda é paga, o registo é eliminado oficiosamente (artigo 718º/3). Só podem aceder ao registo as
entidades previstas no artigo 718º/4 e nas Portarias 985-B/2003 e 282/2013.
• Lista pública de execuções: prevista no artigo 16º-A do DL nº 201 de 2003 e na portaria 213/2009.
A sua finalidade consiste essencialmente numa divulgação pública de devedores de dívidas
incobradas. Opera como instrumento de pressão sobre a reputação do devedor para a eventualidade de
não cumprir as suas obrigações. A inclusão nesta lista conserva-se pelo período de 5 anos (artigo 16º-
C do DL nº 201/2003).

CAPÍTULO III- A AÇÃO EXECUTIVA PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA


As disposições da execução para pagamento de quantia certa aplicam-se às outras formas de execução
com as necessárias adaptações.

20. FORMA ORDINÁRIA E SUMÁRIA


Existem duas formas de execução:
• Ordinária: será de empregar a forma ordinária quando não esteja expressamente prevista a aplicação
da forma sumária, assim como nos casos do artigo 550º/3 (apesar de se verificar uma das situações

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que normalmente dão lugar ao processo sumário, estas são situações excecionais em que o processo
seguirá forma ordinária);
• Sumária: aplica-se quando prevista. Se não expressamente prevista, então aplica-se a forma
ordinária. A forma sumária aplica-se nos casos do artigo 550º/2, com as exceções do nº3. O regime
do processo sumário é caracterizado pela dispensa de despacho liminar e pela efetivação do penhor
antes da citação do executado.
o Na alínea a) e b) estão previstos títulos executivos particularmente fortes pois já houve um
controlo judicial ou quase judicial anterior. No caso de sentença condenatória comum aplica-
se a forma sumária não por força do artigo 550º/2/a, mas por força do artigo 626º.
o A alínea c) prevê o título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida garantida por hipoteca
ou penhora. Note-se que essa garantia não aumenta a certeza do título executivo. A lei neste
caso aceita o processo sumário dado que se trata de uma norma de favorecimento do setor
bancário, destina-se a assegurar que os créditos de habitação garantidos por hipoteca possam
ser imediatamente executados.
o No que concerne à alínea d) o critério é o valor. Assim, se for inferior ao dobro da alçada
existirá processo sumário. O pensamento por detrás desta norma é o de que as ações de valor
baixo merecem menos cautela. O risco de uma execução infundada aceita-se quando o valor
da execução é baixo.
Mesmo que se verifique alguma das alíneas do nº2, caso se preencha alguma das exceções do nº3, já
não se aplica o processo sumário, mas o ordinário. Quais são esses casos?
• Alínea a): respeita aos artigos 714º e 715º. Preveem-se os incidentes para tornar a execução certa,
líquida e exigível. Na forma sumária avança-se para a penhora, pelo que se pretendemos recorrer a
estes artigos, eles terão de ter lugar em momento anterior à penhora. Só aí determinamos o objeto da
execução;
• Alínea b): remete para o artigo 716º;
• Alínea c): situações de alegação da comunicabilidade da dívida ao outro cônjuge;
• Alínea d): tem a finalidade de permitir ao devedor subsidiário invocar a execução prévia.
Todos estes casos têm em comum a necessidade de existir fase introdutória de execução, dado que ela
contém certos incidentes que não podem ter lugar na forma sumária.

21. FASE INTRODUTÓRIA NA EXECUÇÃO ORDINÁRIA


Normalmente existem os seguintes momentos na fase introdutória:
A- Apresentação do requerimento executivo
B- Despacho liminar
C- Citação do executado.
A estes três momentos acrescem as tramitações especiais para tornarem a obrigação certa, líquida e exigível.

A) Requerimento executivo:
Previsto no artigo 724º. Trata-se da primeira norma para execução para pagamento de quantia certa por
ser o primeiro ato da execução. Tem na base o princípio do pedido. É a petição com que se inicia a ação
executiva. Deve ser transmitido eletronicamente ao tribunal acompanhado pela cópia do título executivo e
pelos documentos relativos aos bens a penhorar e ao pagamento da taxa de justiça. Relativamente à forma
importa a Portaria 282/2013, de 29 de agosto. A apresentação do requerimento considera-se concluída na data
de pagamento ao agente de execução da quantia que lhe seja inicialmente devia a título de honorários e
despesas, artigo 724º/6.

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À semelhança do que ocorre na ação declarativa, pode ser recusado pela secretaria nos termos do artigo
725º/1. Essa recusa só é possível quando se verifique alguma das causas previstas no artigo (vícios formais).
Desta recusa cabe recurso de reclamação para o juiz, sendo que, em princípio, a decisão do juiz é irrecorrível
(artigo 725º/2). Sendo recusado o requerimento ou faltando algum documento, pode ser apresentado um novo
no prazo de 10 dias (artigo 725º/3).

Recebido o requerimento executivo, não sendo ele recusado, segue-se a distribuição e atribuição do
processo a um juiz. Passamos então para o segundo momento da 1ª fase:
B) Despacho Liminar:
Ao contrário da ação declarativa, na execução ordinária o despacho liminar encontra-se
supletivamente previsto, artigo 726º. A sua finalidade é controlar a regularidade da execução. A nova reforma
executiva continua a afirmar a necessidade do despacho liminar, mas introduziu tantas exceções que ele
passou a constituir estatisticamente uma exceção. Nos termos gerais, o despacho liminar pode ser de
indeferimento, de aperfeiçoamento ou de citação.
O despacho liminar pode tomar duas decisões fundamentais:
• Caso não detete nenhuma irregularidade deverá proferir despacho de citação do executado;
• Caso detete alguma das causas previstas no artigo 726º/2, deverá indeferir liminarmente o
requerimento executivo. Note-se que o indeferimento liminar pode ser meramente parcial, artigo
726º/3.
O juiz pode identificar outras irregularidades ou exceções dilatórias supríveis, nos termos do artigo
726º/4 e do artigo 6º/2, emitindo despacho de aperfeiçoamento e devendo fixar prazo para a regularização do
requerimento/instância.

• Se as falhas forem sanadas ordena a citação do executado


• Se não forem sanadas indefere liminarmente o título executivo.

Nos termos do artigo 3º/3, o juiz tem de respeitar o contraditório. Se não se tratar de um fundamento
manifestamente aceite para o requerimento, mas de uma situação controvertida, o juiz, antes de indeferir, deve
dar ao exequendo espaço para o contraditório.
Deste despacho de indeferimento liminar cabe sempre recurso nos termos do artigo 853º/3. Já do
despacho que ordena a citação não cabe recurso, artigo 226º/5 ex vie artigo 551º.
Mesmo que o juiz não indefira liminarmente o requerimento executivo pode rejeitar a execução até ao
último ato (artigo 754º).

C) Citação do Executado:
Se for proferido despacho de citação o executado é citado para, no prazo de 20 dias, pagar ou opor-se à
execução, artigo 726º/6. À citação aplicam-se as regras da ação declarativa, com a particularidade de o
responsável por conduzir a citação ser o agente de execução (e não a secretaria).
A lei admite que esta citação prévia seja dispensada nos casos do artigo 727º. Trata-se de uma
finalidade cautelar, mas, ao invés de o meio processual ser uma providência cautelar, é o adiamento da
citação. O artigo aponta como pressuposto o justificado receio da perda da garantia patrimonial. O requisito
do periculum in mora é idêntico ao exigido nas normais providências cautelares, mas não se exige o requisito
do fumus boni iuris dado que a relação material já está acertada pelo título executivo. Ou seja, o título
executivo já presume a existência do direito exequendo.
Na eventualidade de ser dispensada a citação prévia o executado será citado apenas depois da penhora,
sendo que nos 20 dias subsequentes pode deduzir embargos de executado e oposição à penhora no prazo ou
até ambas cumulativamente, artigo 856º/1/3 ex vie artigo 727º/4. Neste caso também, se houver lugar à

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oposição à execução e se ela for procedente, poderá o exequente ser responsabilizado pelos danos a que
culposamente tenha dado causa, artigo 858º ex vie artigo 727º/4.

NOTA: vimos que existiam certas hipóteses em que a lei excluía a possibilidade do processo sumário
porque pretendia que antes da penhora houvesse, na fase introdutória da execução, a prática de certos atos. O
professor Teixeira de Sousa, considerando esta regra, entende que se nesses casos não pode haver processo
sumário, então também não poderá haver dispensa da citação prévia nesses mesmos casos, porque também
para os casos de dispensa de citação prévia valem as razões que justificam o artigo 550º/3. Em todo o caso,
existe uma objeção que se prende com o facto de haver no caso de dispensa de citação prévia um argumento
particular que justifica ou pode justificar o desvio de regime- a finalidade cautelar. Por razões cautelares
prudentemente avaliadas pelo juiz talvez seja de admitir que a dispensa seja feita. Ademais, mesmo que se
entendesse que a dispensa de citação prévia não era admissível, sempre seria possível recorrer a um
procedimento cautelar que de forma provisória acautelasse o exequente, nomeadamente o arresto (tem o
mesmo efeito prático mas é mais trabalhoso). Não obstante, entendimento do professor Teixeira de Sousa
revela um modo de olhar a norma respeitando totalmente o seu sentido. Já o professor entende permitir a
dispensa de citação prévia.

21.1. FASE LIMINAR: CERTEZA, EXIGIBILIDADE E LIQUIDEZ


Esta tramitação normal que vimos até agora adquire particularidades quando seja necessário tornar a
obrigação certa, líquida, exigível.
A ação executiva pressupõe o incumprimento da obrigação. Ele não resulta do próprio título quando a
prestação é incerta, inexigível ou ilíquida. Há então que a tonar certa, exigível ou líquida, sem o que a
execução não pode prosseguir. É por este motivo que nestes casos a execução começa com as diligências
necessárias para reunir essas características, artigo 713º.

21.1.1. CERTEZA E EXIGIBILIDADE


Obrigações alternativas: artigo 543º e seguintes CC. A escolha ou determinação da prestação a
efetuar, entre a pluralidade de prestações que constitui o seu objeto, pode incumbir ao credor, ao devedor ou a
terceiro, artigos 543º/2 e 549º. O artigo 543º/1 CC exige que seja escolhida qual das prestações é
concretamente devida para a obrigação se tornar certa. Não é esse o sentido de “certa” neste caso. Aqui é
necessário apurar quem é que, no regime de direito material, tem a faculdade de escolher a obrigação, sendo
que existem três hipóteses:
• A escolha pertence ao credor: a escolha deverá ter lugar no requerimento executivo, artigo 724/1
CPC. Assim, quando este der entrada em tribunal, a obrigação já é certa;
• A escolha pertence ao devedor: será o devedor citado e, no próprio ato de citação, é notificado para
escolher a prestação no prazo da oposição à execução (se outro não tiver sido fixado pelas partes),
artigo 714º/1. Se porventura não escolher, o direito a escolhê-la passa a caber ao credor nos termos do
artigo 714º/3. O mesmo acontece se o prazo para escolher a prestação pelo devedor já tiver decorrido
antes da ação executiva;
• A escolha pertence a um terceiro: é o terceiro notificado na fase liminar para escolher nos termos
do artigo 714º/2. Se o não fizer a escolha passa para o credor, nº3. Não estando o prazo da escolha
determinado, o terceiro deve escolher até ao termo do prazo para a oposição do executado.
Note-se que o prazo para oposição à execução só começará a decorrer a partir do momento em que a
escolha seja feita.

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Se a escolha já tiver sido feita antes da ação executiva, seja por credor, devedor ou terceiro, então
rigorosamente a obrigação já é certa no momento de início da ação. Não aplicamos o regime anterior, mas sim
o regime do artigo 715º/1, devendo o credor alegar e provar a escolha que tenha sido feita.

Obrigações puras e sujeitas a prazo:


• Obrigações puras: isto é, obrigações exigíveis a todo o momento, mas vencidas apenas mediante
interpelação nos termos do artigo 777º/1 e artigo 805º/1 do CC. O ato de interpelação é a intimação
dirigida pelo credor ao devedor para que lhe pague. Importa distinguir:
o Se a interpelação já foi feita antes da ação executiva: o credor exequente deverá fazer prova
dela nos termos do artigo 715º CPC para evitar a sua condenação em custas;
o Se a interpelação não foi feita: a ação é admissível, considerando-se a obrigação vencida com
a citação, mas podendo as custas recair sobre o autor nos termos do artigo 610º/2/b e nº3 ex
vie artigo 551º/1.
• Obrigações sujeitas a prazo certo: tratando-se de uma obrigação desta natureza, só decorrido o
prazo é que a execução é possível. Até ao dia do vencimento a prestação é inexigível. O devedor só se
considera constituído em mora a partir do vencimento do prazo nos termos do artigo 805º/2 CC. Até
esse momento o devedor goza do benefício do prazo. Portanto, estas ações só serão admissíveis após
decorrido o prazo para o cumprimento. Na eventualidade do prazo já estar vencido, mas havendo
mora do credor (o credor não realizou os atos de cobrança da prestação que lhe estavam incumbidos),
a ação executiva será admitida à mesma, aplicando-se o regime de responsabilidade do exequente
pelas custas, artigo 610º/2/b e nº3 (por analogia). o O prazo será fixado pelo tribunal e o exequente
deve requerer essa fixação. Se porventura for uma execução para a prestação de facto teríamos um
regime especial do artigo 874º.

Obrigações sob condição suspensiva ou dependente de prestação:


• Obrigações sob condição suspensiva: a prestação da obrigação só é exigível depois de a condição se
verificar. Nos termos do artigo 270º CC, o que caracteriza a condição suspensiva é que a constituição
da obrigação está dependente da verificação do facto condicionante. Até lá todos os efeitos do
respetivo negócio constitutivo ficam suspensos. Por conseguinte, é necessário que na ação executiva
se alegue e se prove a respetiva verificação. Tal é feito nos termos do artigo 715º CPC. Nos termos do
nº1, o credor deverá alegar a verificação do facto e prová-lo documentalmente. Se não puder provar
documentalmente, deverá oferecer as provas de que dispõe (nº2). Neste último caso, o juiz ou aprecia
logo sumariamente e dá a condição por verificada ou decide ouvir o devedor antes de tomar a decisão
(nº3). Caso decida ouvir o devedor, é ele notificado para, no prazo da oposição à decisão, contestar a
alegação do exequente (nº 4 e 5). Se nada disser, considera-se a condição verificada.
• Obrigação dependente de prestação: o credor está obrigado para com o devedor a uma
contraprestação a efetuar simultaneamente. Na eventualidade de o dever de prestar do devedor estar
dependente de prestação a realizar pelo credor ou por terceiro, deverá o exequente alegar e provar
documentalmente que a contraprestação foi feita, nos termos do artigo 715º, sob pena de não poder
promover a execução.

Consequências da falta de certeza ou da inexigibilidade: proposta execução baseada em título de que


resulte a incerteza da obrigação ou a inexigibilidade da prestação, não sendo imediatamente oferecida e
efetuada prova complementar do título nem requeridas as diligências destinadas a ornar a obrigação certa ou a
prestação exigível, haverá lugar a despacho de aperfeiçoamento. Constitui orientação fundamental do Código
a de proporcionar o aproveitamento das ações mediante suprimento da falta de pressupostos processuais, bem
como a correção de irregularidades formais suscetíveis de sanação, artigos 6º/2 e 590º/2. Ora, no momento do
controlo liminar da execução, se o juiz se deparar com a falta de certeza ou com a inexigibilidade, deverá fixar

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prazo para que ela seja corrigida ao abrigo do artigo 726º/4. Não o sendo, o requerimento executivo é
indeferido (nº5). De todo o modo, se a execução prosseguir indevidamente sem que a falta do pressuposto
processual seja sanada, poderá haver oposição à execução com fundamento no artigo 729º/e.

Notas finais:
i. A decisão que o tribunal possa tomar acerca da verificação da condição suspensiva, do facto
condicionante, da contraprestação, entre outras, isto é, nos termos do artigo 715º apenas produz
efeitos dentro da instância executiva, pelo que não tem valor de caso julgado para outras ações (nos
termos do artigo 91º/2 o caso julgado não se alarga às questões incidentais).
ii. O regime do artigo 715º pode aplicar-se a todos os casos em que a lei admita a ação executiva, sendo,
porém, necessário fazer prova complementar de algum ponto que não conste do título, sem que para
isso haja uma tramitação especialmente prevista. Por outros termos, funciona como regime
subsidiário para qualquer caso que não tenha regime especialmente previsto.

21.1.2. LIQUIDEZ
Uma prestação será ilíquida quando não estiver quantificada.
A liquidação pode ter lugar na ação executiva, mas também pode ter lugar fora da ação executiva,
nomeadamente:
• Sentença de condenação genérica: a liquidação tem lugar na ação declarativa, artigo 704º/6. A ação
declarativa vai renovar-se apenas para efeitos de liquidação nos termos do artigo 358º/2. Note-se que
só é necessário que assim aconteça tratando-se de uma liquidação que não dependa de simples cálculo
aritmético.
• Liquidação feita por árbitros: nos termos do artigo 716º/6.

Não se verificando nenhuma destas situações, o incidente de liquidação terá lugar na própria ação
executiva, tendo lugar na fase liminar:
• Liquidação por simples cálculo aritmético: o exequente deverá fixar o seu quantitativo no
requerimento inicial mediante especificação e cálculo dos respetivos valores, artigo 716º/1. Se houver
juros vincendos, deverá deduzir-se pedido ilíquido pois os juros continuarão a vencer-se na pendência
do processo executivo. No requerimento inicial são liquidados os juros já vencidos e serão liquidados
apenas no final os juros vincendos, na medida em que só aí saberemos o tempo decorrido (n.º 2).
Também no curso da ação executiva são liquidadas as quantias relativas a sanção pecuniária
compulsória (n.º 3).
• Liquidação não dependente de simples cálculo aritmético: o exequente deverá especificar no
requerimento executivo os valores que considera compreendidos na prestação devida, artigo 716º/1.
O executado é citado com a advertência de que, na falta de contestação, a obrigação se considera
fixada nos termos do requerimento executivo. A obrigação considera-se liquidada, sendo que vale o
efeito cominatório pleno, apenas com as exceções do artigo 568.º, ex vi artigo 716º/4. Se o executado
se opuser, a impugnação por parte do executado será conhecida no âmbito da oposição à execução,
seguindo-se nesse caso os termos do processo declarativo.
• Execução tem por objeto uma universalidade na posse de executado (ação para a entrega de coisa
certa): quando o exequente pede, de acordo com o título executivo, que lhe seja entregue uma
universalidade, é possível deduzir um pedido ilíquido. A liquidação será feita em incidente
imediatamente posterior à apreensão dos bens e anterior à sua entrega ao exequente, nos termos do
artigo 716º/7.
Consequências da falta de liquidação: se não for requerida a liquidação de obrigação ilíquida, deve o
juiz, no momento do despacho liminar, proferir despacho de aperfeiçoamento, fixando prazo para a

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liquidação. Se a petição não for aperfeiçoada, há lugar ao indeferimento. Se, porventura, a liquidez substituir
para além da fase introdutória, é fundamento de oposição à execução nos termos do artigo 729º/e.

22. FASE INTRODUTÓRIA NA EXECUÇÃO SUMÁRIA.


PARTICULARIDADES
À forma sumária, aplicam-se subsidiariamente as regras da forma ordinária. Uma das fases em que se
notam mais diferenças é na fase introdutória da execução:
• O requerimento executivo é imediatamente remetido por via eletrónica ao agente de execução (artigo
855º/1) que inicia as buscas e outras diligências necessárias à efetivação da penhora, artigo 855º/3. Só
depois desta feita há lugar à citação do executado;
• Não há, via de regra, controlo liminar pelo juiz (artigo 885º/1);
• A competência para a recusa cabe ao agente de execução (artigo 885º/1/a);
• Só se parecer ao agente de execução provável a existência de uma causa de indeferimento liminar é
que este deverá suscitar a intervenção do juiz (artigo 885º/1/b).

Caso ocorra fundamento de recusa do requerimento executivo, o agente de execução deverá recusá-lo
se lhe afigurar possível a ocorrência de fundamento de indeferimento liminar, irregularidade do requerimento
executivo ou falta de algum pressuposto processual, assim como se duvidar da verificação dos pressupostos de
aplicação da forma de processo sumário, deverá o agente de execução suscitar a intervenção do juiz que irá
decidir.
Sendo a penhora realizada, o executado é simultaneamente citado para a execução e notificado do ato
de penhora, tendo o prazo de 20 dias para oposição à execução e para oposição à penhora (artigo 856º/1),
assim como para requerer a substituição dos bens penhorados por outros de valor suficiente.
Assim, podemos verificar que o regime da forma sumária é um regime muito mais expedito e muito
menos garantista do executado. Por essa razão, idealmente, a forma sumária só deveria estar reservada aos
casos em que o título executivo com grande probabilidade garante o acertamento da relação. Para compensar
um eventual uso abusivo da forma sumária a lei prevê um regime especial de responsabilidade do exequente
que tenha iniciado uma execução, sob a forma sumária, sem atuar com a prudência normal, procurando evitar
uma ação temerosa ou de má fé (artigo 858º). Para além disto, o agente de execução tem o dever de recusar a
ação executiva sem que estejam reunidos os pressupostos para o efeito. No caso de uma execução infundada
pode haver lugar à responsabilidade do agente de execução, ao abrigo do regime aplicável.

23. OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO


Ao abrigo do artigo 726º/6, o executado é citado para pagar ou para se opor à execução por meio de
embargos, artigo 728º/1.
• Caso o executado pague, a execução extingue-se, artigo 849º/1/a. Rigorosamente o executado pode
pagar a obrigação exequenda em qualquer momento da ação executiva (sendo que quanto mais tarde
maior será o valor).
• Não pagando, poderá opor-se à execução. Neste caso terá lugar na ação executiva uma fase autónoma
chamada oposição à execução ou embargos do executado, nos termos do artigo 728º e ss. O termo
“embargos” na linguagem jurídica portuguesa designa a reação a uma medida de natureza executiva,
como é caso dos embargos do executado para se opor; os embargos de terceiro (reação à penhora); o
embargo de obra nova (reagir à execução de uma obra que está a ser executada). A oposição à
execução configura o meio próprio do executado para reagir à execução no seu todo.

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o Se fosse um terceiro não poderia recorrer a esta figura, recorreria sim ao embargo de terceiro.
Caso um terceiro queira reagir à penhora, o meio processual adequado é a oposição à
penhora.

A oposição à execução consiste numa ação declarativa que corre por apenso ao processo de execução,
numa contra-ação de natureza declarativa que por um lado é autónoma, e por outro lado é acessória à ação
executiva. No âmbito desta ação pede-se a extinção da execução mediante o reconhecimento da inexistência
do direito exequendo ou da falta dum pressuposto da ação executiva. Esta é uma ação de declaração dado que
se inicia com um pedido por parte do executado (a que se segue a contradição do exequente), pedido esse que
se subsume à extinção da execução. Daí que a oposição à execução não sirva para deduzir pedidos
reconvencionais. Note-se que se o pedido a formular na oposição é apenas um, já os fundamentos que podem
ser invocados para a oposição são vários.

Fundamentos da oposição à execução:


Quanto mais forte for o título menos fundamentos são admissíveis; quanto mais fraco o título mais
fundamentos são admissíveis. Vamos estudar do círculo mais restrito de fundamentos para o círculo mais
alargado de fundamentos:
1. Fundamentos de oposição à execução baseada em sentença: é o núcleo de fundamentos de
oposição à execução que podem ser sempre invocados (artigo 729.º). Para efeitos de sistematização
estes fundamentos dividem-se em dois grupos:
a) Fundamentos de ordem formal/processual: alíneas a) a d) e alínea f):

➢ Alínea a): Inexistência (quando o título não existe) ou inexequibilidade do título (quando o título
existe, mas falta um elemento de que depende a força executiva, como é caso a sentença condenatória
dependente de recurso com efeito meramente suspensivo);
➢ Alínea b): Falsidade do processo ou do translado ou infidelidade deste. A falsidade remete para as
hipóteses do artigo 372º/2 CC (adulteração de conteúdo); por sua vez, a infidelidade remete os artigos
385º e 387º/1 CC (a copia não corresponde ao original);
➢ Alínea c): Falta de um pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância, sem
prejuízo do seu suprimento. É uma referência genérica ao conjunto dos pressupostos processuais.
Havendo falta de um pressuposto processual, o juiz, ao abrigo do artigo 6º/2 (dever de gestão
processual) deverá prover pela regularização da instância;
➢ Alínea d): Falta ou nulidade da citação para ação declarativa quando o réu não tenha intervindo no
processo. Há falta de citação para a ação declarativa nos casos indicados no artigo 188º; existe
nulidade quando tenha havido preterição de formalidade prescrita por lei. Esta alínea refere-se à ação
declarativa no âmbito da qual se proferiu a sentença. Este fundamento serve também para o recurso
extraordinário de revisão, conforme o artigo 696º/e. Se porventura se tratar de falta de citação para a
ação executiva, então a consequência não é apenas esta, mas sim a anulação da totalidade da
execução, nos termos do artigo 851º;
➢ Alínea f): Caso julgado anterior à sentença que se executa. É uma recorrência do artigo 625º que
dispõe que havendo casos julgados contraditórios prevalece o primeiro.

b) Fundamentos de ordem material: fundamentos esses ligados à própria obrigação


exequenda:
➢ Alínea e): Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda. É uma hipótese que já
analisamos;
➢ Alínea g): Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que posterior ao
encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento. A prescrição do

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direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio. São exemplos de factos extintivos o
cumprimento da obrigação (artigo 777º CC) e a caducidade por impossibilidade superveniente (artigo
790º/1 CC); são exemplos de factos modificativos a dação em cumprimento (artigo 837º CC) e a
novação (artigo 877º).

Quais os factos que podem ser invocados? Esta alínea trata somente de factos modificativos ou
extintivos posteriores ao encerramento da execução. São factos posteriores ao encerramento da audiência
porque o momento relevante para efeitos preclusivos é o momento do encerramento da audiência (artigo
611.º). A decisão do tribunal vale para a situação de facto vigente no momento de encerramento da audiência.
Mas faltam os factos impeditivos. O legislador fez esta restrição porque não se pretende uma nova discussão
da causa, ficou precludida a possibilidade de discussão posterior. Os factos impeditivos não podem ser
atendidos porque são contemporâneos dos factos constitutivos, então pela sua própria natureza verificaram-se
antes do encerramento da discussão.
O meio processual que a parte tem ao seu dispor para introduzir novos factos são os articulados
supervenientes. A este respeito, temos de distinguir entre factos objetivamente supervenientes (quando o facto
é novo) e factos subjetivamente supervenientes (quando não é um facto novo, mas só se conheceu dele
posteriormente). Ora, enquanto que os factos objetivamente supervenientes podem ser modificativos ou
extintivos, os factos subjetivamente supervenientes podem ser impeditivos.
Questiona-se se os factos impeditivos subjetivamente supervenientes podem ou não ser invocados.
A doutrina divide-se:
• O professor Lebre de Freitas e Miguel Teixeira de Sousa afirmam que sendo possível para o
recurso de revisão invocar factos subjetivamente supervenientes, artigo 696º/c, também é possível
fazer isso mesmo na oposição à execução;
• Contrariamente, o Dr. Alberto dos Reis e Rui Pinto afirmam que não é possível fazê-lo na ação
executiva, somente no recurso de revisão.
• O professor Tiago Ramalho entende que temos de tomar posição em função dos critérios pré dados
pela lei. Assim, a lei admite que podem ser carreados factos objetivamente supervenientes. Ora se
admite neste caso, por identidade de razão também devera admiti-lo para os factos subjetivamente
supervenientes. Para o direito não interessa a realidade objetiva dos factos, mas aquilo com que os
intervenientes podem contar. Assim, se o desconheciam não o podiam alegar.

A alínea g) prevê que tem de haver lugar a prova. Quais os meios de prova admissíveis? A parte final da
alínea restringe os meios de prova admissíveis para a invocação do facto modificativo ou extintivo, com
exceção da prescrição (facto extintivo) que pode ser provada por qualquer meio (muito embora Lebre Freitas
entenda que é um facto preclusivo – uma vez invocado o tribunal não conhece de nada.) Ou seja, não se
tratando de prescrição a lei restringe o meio de prova, prevendo apenas a prova por documento. Isto é objeto
de crítica uma vez que se numa eventual ação declarativa não há restrição aos meios de prova qual é o motivo
para ela existir na oposição à execução quando sobre este facto não se produziu nenhum efeito preclusivo?
Isto é, não se compreende um desajuste entre o direito processual e o direito material. Posto isto, existem três
formas de lidar com o regime:
✓ Efetivamente só se admite prova documental, acrescentando-se a prova por confissão nos casos do
artigo 374º/2. A forma do negócio jurídico pode ser ad substantiam (é essencial para a validade do
ato) ou ad probationem (é essencial para a prova do ato). No primeiro caso não pode a prova ser
substituída por confissão, nos termos do artigo 374º/1 CC. Por sua vez, quando serve apenas para a
prova pode ser substituída por confissão (nº2). Não havendo outro meio de prova, o executado tem de
propor uma ação declarativa de restituição do indevidamente cobrado. Concluindo, não pode invocar
outros meios de prova, mas pode propor uma ação declarativa;

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✓ Posição de Rui Pinto: é admissível a prova documental, a prova por confissão e podemos admitir
ainda meios probatórios mais fortes como a inspeção ou a peritagem (prova pericial). Esta posição
coloca alguns problemas. Em primeiro lugar, não se percebe como é que a inspeção e a peritagem são
provas mais fortes dado que força probatória da prova documental é de prova plena, enquanto que a
força destes dois meios é de livre apreciação da prova. Portanto, em termos teóricos a argumentação é
inconsistente. Em segundo lugar, é ultrapassada uma leitura literal da norma. Rui Pinto afirma que
fora destes casos o executado só poderá propor uma ação de restituição do indevido (ação
declarativa);
✓ Posição do professor Teixeira de Sousa: é necessária a prova por documento quando esta for
necessária. Ou seja, sempre que da lei decorrer que a prova por documento é exigível, o facto tem de
ser provado assim; quando isso mesmo não decorrer da lei material, então não tem o facto de ser
provado por documento. Esta posição tira sentido útil autónomo à alínea g), podendo ainda assim
encontrar amparo na sua letra.
▪ O professor pensa que esta posição, conseguindo encontrar meco literal da norma e sendo
a mais equilibrada do ponto de vista substantivo, é o entendimento a seguir.

Alínea h): contra crédito sobre o exequente com vista a obter a compensação de créditos.
Existe uma discussão doutrinal e jurisprudencial no que concerne à temática da compensação de
créditos. O professor considera que tem existido quanto a este assunto uma certa irresponsabilidade do
legislador. Importa perceber o problema da compensação e para tal é de considerar o regime de direito
material da compensação. Temos então de distinguir duas questões diferentes- situação de compensabilidade
e exercício da compensação.
A compensação encontra-se regulada no artigo 847.º CC. Quando se verificar uma situação de
compensação, cria-se o direito de compensar que é um direito potestativo. Para se produzir o efeito
compensatório é necessário que a compensação seja exercida. Sendo exercido o direito de compensação, os
seus efeitos retroagem à data da situação de compensabilidade nos termos do artigo 854º.

Do ponto de vista processual temos de distinguir entre duas diferentes formas de fazer valer a
compensação:
• Se a compensação já foi exercida fora do processo então neste momento já não existe qualquer direito
a compensar, mas apenas um facto extintivo (o facto de que já se extinguiu o direito do exequente). A
chamada compensação extrajudicial fica sujeita ao regime dos factos extintivos. Resta saber qual o
seu regime:
o Se foi exercida antes da ação declarativa, estando ela sujeita ao regime dos factos extintivos
(das exceções perentórias), ela tem de ser invocada na contestação (por causa do princípio da
concentração da defesa na contestação, artigo 573º/1/2);
o Se foi exercida no decurso da ação declarativa, mas fora do processo, caso se admita o seu
exercício tem de ser feita valer por articulado superveniente, artigos 588º e 589º;
o Se foi feita valer depois do encerramento da audiência e antes da ação executiva fica sujeita
ao regime do artigo729º/g.
• A compensação pode ser invocada no curso do processo. É a chamada compensação judicial:
o Na ação declarativa: mediante reconvenção, artigo 276º/c;
o Na ação executiva: artigo 729º/h.

Imaginemos que a situação de compensabilidade já estava verificada antes do momento para a


contestação, mas o direito de compensar não foi exercido. Pergunta-se se fica precludida a possibilidade de
compensar na ação executiva. A doutrina diverge:

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✓ Posição do professor Lebre de Freitas e de Rui Pinto, assim como de muita jurisprudência:
estes autores entendem que se a situação de compensabilidade é anterior ao momento para a
reconvenção, então há o ónus de reconvir. Se não reconvém já não pode exercer a compensação
na ação executiva;
✓ Posição do professor Teixeira de Sousa, assim como de muita jurisprudência: estes autores
entendem que não há ónus de reconvir. A diferença entre uma exceção e a reconvenção é que
enquanto que a exceção está sujeita ao ónus de ser arguida, a reconvenção não porque é uma ação
autónoma.
✓ Para o professor Tiago Ramalho a questão não tem a ver com a natureza das coisas, é uma
opção em sede legislativa. Ou seja, não há nenhuma razão que nos imponha um ou outro regime.
Qualquer argumento do tipo “da natureza” não tem grande valor. Em segundo lugar, é admissível
que seja fixado pelo legislador um momento preclusivo final. E note-se que todos os autores
concordam com esse momento preclusivo final- a oposição à execução. Em terceiro lugar, a
questão é saber o que é razoável decorrer do regime vigente. Podemos enunciar três argumentos
que tornam irrazoável considerar que há uma preclusão da possibilidade de invocar a
compensação. (1) Não há qualquer tipo de ónus de reconvir, por conseguinte, a partir do momento
que o legislador estabelece que a competência opera por recompensar sem aludir à preclusão do
meio de defesa, não é razoável que a parte tenha de perder a possibilidade de invocar no recurso.
(2) Há casos em que a lei prevê o ónus de reconvir (é o caso do artigo 860º/3). Perante isto o
professor pensa que se pode extrair um argumento a contrario no sentido de que fora deste caso
não há ónus de reconvir. (3) Releva a própria contraposição entre as alíneas g) e h). Isto é, a
alínea g) menciona “até ao encerramento da discussão”; a alínea h) não contém uma restrição
desta natureza. Assim, perante esta diferença em duas normas de casos muito próximos, não é
exigível que nos termos da alínea h) também se coloque a restrição temporal. Portanto, o
professor entende que a melhor solução é a do ónus de reconvir, mas não entende que esta
posição decorre da lei.

2. Fundamentos de oposição à execução baseada em sentença homologatória: é a sentença que


homologa a confissão do pedido por parte do réu ou a transação do pedido por parte de autor e réu,
absolvendo ou condenando, conforme o artigo 290º/3. Tratando-se de sentença homologatória, é
também fundamento de oposição à execução qualquer causa de nulidade ou anulabilidade do ato que
é homologado pelo tribunal, ao abrigo do artigo 729º/i.

3. Fundamentos de oposição à execução fundada em sentença arbitral: se o título executivo for uma
sentença arbitral, nos termos do artigo 730º, é ainda possível invocar como fundamento de oposição à
execução qualquer fundamento de anulação da sentença arbitral. Os fundamentos de anulação de
sentença arbitral constam do artigo 46º/3 LAV. Esta possibilidade, permitida pelo artigo 730º, tem
uma limitação de ordem temporal constante no artigo 48º/2 LAV. Ou seja, só pode haver oposição
para este efeito dentro do prazo de 60 dias a contar da notificação da sentença.

4. Fundamentos de oposição à execução fundada noutros títulos executivos: para os outros títulos
executivos, com exceção da injunção, vale o artigo 731º. Assim, é possível na ação executiva recorrer
a qualquer meio de defesa previsto para a ação declarativa. Se não houve nenhuma ação declarativa
antes, não pode haver preclusão dos meios de defesa, podendo recorrer, nos termos do artigo 571º/2
aos meios de defesa gerais, ou seja, defesa por impugnação e a defesa por exceção.
a. Merece tratamento especial a questão da injunção. O requerimento ao qual se apõe fórmula
executória constitui um título judicial. A injunção é um instrumento de titulação de direito. O
efeito prático pretendido com a injunção é o de se poupar ao credor a necessidade de recorrer

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à ação declarativa para que possa aceder à ação executiva. Para que esta finalidade seja
satisfeita, é conveniente que haja uma preclusão dos meios de defesa do requerido na própria
ação executiva, sob pena daquilo que pretendíamos evitar acontecer em sede de oposição a
execução. O artigo 857º prevê que, tratando-se de execução fundada em injunção, apenas se
pode recorrer aos fundamentos de oposição à execução do artigo 729º. A estes casos o artigo
857º acrescenta outros fundamentos passíveis de deduzir oposição nos números 2 e 3. Este
regime (artigo 857º/1) foi declarado inconstitucional com força obrigatória geral. O acórdão
referido no artigo é um acórdão com uma redação desorganizada, mas a argumentação do
Tribunal Constitucional assentou no facto de que o procedimento de injunção, tal como
concretamente delineado, não garantia o respeito pelo princípio da proibição da indefesa
(artigo 20º/1 CRP). O TC destaca vários aspetos do procedimento de injunção: regime de
notificação ao requerido, modo como a notificação é efetuada, o facto de não intervir nenhum
juiz no procedimento… De todos estes argumentos, há um particularmente forte: a
notificação para o cumprimento da obrigação, nos termos do regime legalmente previsto, não
advertia o requerido de que, caso não se opusesse ao requerimento, veria precludida a
possibilidade de invocar meios de defesa na ação executiva. Se o requerido não é advertido,
não tem de suportar essa consequência. Com as alterações de setembro ao CPC (que entram
em vigor em janeiro de 2020), o legislador introduziu alterações ao regime de injunção com
vista a dotá-lo de características tais que evitem o juízo de inconstitucionalidade.
• Que alterações foram estas? (1) A notificação para o cumprimento tem agora de
referir expressamente os efeitos da não apresentação da oposição, ou seja, a
preclusão dos meios de defesa (novo artigo 13º/1/b do DL das AECOP e da
injunção). (2) Refere-se o efeito preclusivo no novo artigo 14º-A/1 do regime
anexo ao diploma das AECOP e da injunção. No n.º 2 do mesmo artigo, preveem-
se várias exceções da preclusão (algumas já constam no CPC, outras são novas). O
eixo central destas alterações é voltar a primar, de forma clara, a preclusão dos
meios de defesa do artigo 729º, equiparando a injunção à sentença para efeitos de
fundamento da oposição à execução.
• Este novo regime é inconstitucional? O tribunal ainda não se pronunciou. É,
contudo, mais ou menos unânime do ponto de vista doutrinal que tem de haver uma
preclusão. Assim, neste momento, o eventual objeto de discussão é quanto ao
modo, ninguém discorda do fim. O professor pensa que este regime não virá a ser
declarado inconstitucional. Ao principal argumento dado pelo TC (requerido não é
advertido), esta alteração veio dar solução, pelo que o requerido já é advertido.
• Existem, no entanto, duas questões. Estes regimes são delineados e justificados
sem grande preocupação de justiça material, mas apenas de eficiência no
funcionamento do sistema judicial. O argumento decisivo em material de direito
civil não pode ser a eficiência, mas, subliminarmente, já é. Esta alteração ao artigo
13.º com a alínea b) a prever que o requerido deve ser advertido, no ponto de vista
do professor, apenas resolve o problema no mundo ideal do direito. Devia ser
garantido que os significantes são notificados e que o significado é compreendido.
Não sendo compreendido o significado, o professor não vê como é que regimes
desta natureza possam ser aceitáveis. Contudo, há muito pouca sensibilidade para
esta questão e nunca estará na base de um juízo de inconstitucionalidade.
NOTA: Diferente deste regime nacional da injunção, é o regime da injunção europeia, sendo que a este
aplicamos apenas os fundamentos da oposição previstos no próprio Regulamento 1896/2006.

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TRAMITAÇÃO DA OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO:
Quanto ao prazo, a oposição à execução deve ser deduzida no prazo de 20 dias (artigo 728º/1). Se,
porventura, o fundamento da oposição à execução for superveniente, este prazo conta-se a partir do facto
superveniente ou do seu conhecimento (artigo 728º/2). Havendo vários executados, o prazo decorre
autonomamente (o artigo 728º/3 refere que não se aplica o artigo 596º que, por sua vez, refere que não se
aplica o artigo 569º/2).
Do ponto de visa da tramitação processual, a ação de embargos tem uma certa simplicidade em relação
à ação comum:
• Os embargos estão sujeitos a controlo liminar (artigo 732º/1):
o Proposta a ação de embargos, ela é sujeita imediatamente a despacho liminar no qual se vai
decidir do recebimento dos embargos e se são ou não admitidos. Portanto, os embargos
podem ser recebidos ou indeferidos;
o Como é que, havendo mais um ato (na ação declarativa, via de regra, não há lugar a
despacho liminar), a ação pode ser mais simples? O despacho liminar, por um lado, traduz
uma atividade adicional do tribunal, mas, por outro lado, é um elemento de simplificação
porque, ao introduzir o controlo liminar, a petição que é feita ao tribunal evita a prática de
atos inúteis subsequentes, afastando de imediato oposições infundadas.
• Apenas se admitem dois articulados: a petição de embargos e a contestação (artigo 732º/2).
• Não se admite reconvenção. Quando existe reconvenção na ação declarativa temos duas ações
cruzadas (o que é um fator de perturbação).
• Celeridade: a decisão da causa deve ser tomada no prazo máximo de três meses a contar da
oposição (artigo 723º/1/b).

O recebimento de oposição à execução não suspende a ação executiva (artigo 733º/1). Contudo, admite-
se os efeitos suspensivos nos casos previstos nessa disposição:
1. Prestação de caução (artigo 733º/1/a): a caução é uma garantia que pode ser prestada a favor do
exequente (artigo 623º e seguintes CC);
2. Caso particular de ter sido impugnada a genuinidade da assinatura do embargante (artigo 733º/1/b):
pode ser relevante quando não há controlo prévio de assinatura;
3. Impugnação da exigibilidade ou liquidez da obrigação exequenda quando o juiz entenda justificada
a suspensão da execução;
4. Permite como fundamento à oposição à execução as causas previstas no artigo 696º/e, artigo este
modificado em setembro e que diz respeito aos fundamentos do recurso de revisão de sentença.

Verificada alguma destas causas, a execução suspende, embora a suspensão cesse se os embargos
estiverem parados por mais de 30 dias por negligência do embargante (artigo 733º/3).
A segunda consequência do recebimento dos embargos consiste no facto de que mesmo que não se
suspenda a execução, o recebimento dos embargos obsta a que o exequente ou qualquer outro credor sejam
pagos sem prestação de caução (artigo 733º/4).
Além disso, se tiver sido penhorada a casa de habitação efetiva do executado, pode o executado
requerer que a venda da casa de morada de família aguarde a decisão proferida em 1ª instância na ação de
embargo (artigo 733º/5), isto se a venda puder causar prejuízo grave e dificilmente reparável.

Consequências da procedência dos embargos: devemos distinguir as consequências em sede


executiva ou processual das consequências materiais.
• Do ponto de vista executivo: a consequência da procedência da ação é a extinção da execução (artigo
732º/4), naturalmente na medida em que tiver sido pedido (princípio do pedido).

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• Do ponto de vista material: a sentença da ação de embargos, quando tenha por fundamento o regime
material da obrigação exequenda, tem valor de caso julgado material, uma vez transitada em julgado
(artigo 732º/5).
o Nem sempre foi claro que este era o regime. Noutras ordens jurídicas a ação de embargos não
tem valor material, tendo de ser proposta uma nova ação declarativa. Neste momento, no
direito português, não há motivos para não haver caso julgado material, pois não é menos
garantista do que a ação declarativa, pelo que faz sentido que as partes arquem com os
mesmos efeitos.

Não devemos esquecer que no processo sumário e na dispensa de citação prévia, o exequente pode ser
punido caso a oposição à execução seja procedente e ele não tenha agido com a prudência normal (artigo
858.º). A procedência da oposição à execução pode ter consequências pessoais sobre o exequente.

Quid iuris se há vários executados e apenas alguns recorrerem à oposição à execução? A doutrina
divide-se. Teixeira de Sousa entende que a decisão proferida aproveita aos restantes. Já Rui Pinto e Lebre de
Freitas entendem o contrário, valendo o princípio da personalidade. A questão gira a volta do artigo 634º/2.

Mesmo que não haja oposição à execução, o juiz poderá, até ao 1.º ato de transmissão de bens, conhecer
das causas de indeferimento liminar (artigo 734º).

PENHORA
A fase da penhora inicia-se segundo o artigo 748.º (para o processo ordinário) e o artigo 855.º n.º 2
(para o processo sumário). Em princípio, numa execução ordinária, a fase da penhora inicia-se ou depois de
decorrido o prazo para oposição à execução (748.º n.º 1 alínea b) ou depois de recebida a oposição sem efeito
suspensivo (748.º n.º 1 alínea c). Mesmo tendo sido apresentada oposição à execução, em princípio, a fase da
penhora correrá paralelamente à fase da oposição à penhora que está a ser tramitada.

24. NOÇÃO DE PENHORA, SUA FUNÇÃO E SUAS CARACTERÍSTICAS


A satisfação do direito do exequente (e dos credores com garantia real sobre os bens penhorados que
venham a reclamar o pagamento dos seus créditos na execução) é conseguida, no processo de execução,
mediante a transmissão de direitos do executado, seguida, no caso de ser feita para terceiro, do pagamento da
dívida exequenda. Para que essa transmissão se realize, há que proceder previamente à apreensão dos bens
que constituem o objeto desses direitos, paralisando ou suspendendo a afetação jurídica desses bens à
realização de fins do executado (que fica consequentemente impedido de exercer plenamente os poderes que
integram os direitos de que é titular) e organizando a sua afetação específica à realização dos fins da
execução. É nessa apreensão que se traduz a penhora.
Assim, a penhora tem, essencialmente, três efeitos: do ponto de vista jurídico, a penhora limita os
poderes de disposição do titular dos bens. A partir do momento em que a penhora é efetuada, são inoponíveis
à execução quaisquer atos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados, isto é, atos em que
o executado disponha da titularidade do seu direito (819.º CC). 6 Contudo, o facto de os atos serem

6Os juristas alemães distinguem entre:


• Negócios jurídicos obrigacionais e aquisitivos
• Negócios jurídicos dispositivos: a modalidade mais importante é o negócio real. Contudo, não tem de ser um negócio
real. Verdadeiramente, um negócio dispositivo é um negócio sobre a titularidade de um qualquer direito (a pessoa de

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inoponíveis à execução, não quer dizer que o penhorado fique impossibilidade de dispor dos seus bens, pelo
que ele pode continuar a dispor dos bens, simplesmente a disposição é inoponível à execução.
Desta forma, a penhora é o ato judicial fundamental do processo de execução para o pagamento de
quantia certa: perante uma situação de incumprimento, o tribunal priva o executado do pleno exercício dos
seus poderes sobre um bem que, sem deixar de pertencer ao executado, fica sujeito à finalidade de satisfazer o
crédito do exequente.
A penhora cria uma preferência a favor do exequente. Assim, o exequente tem direito a ser pago com
preferência a qualquer credor sem garantia real anterior (822.º n.º 1 CC), sendo que este direito é graduado
por referência à data em que obteve a penhora. Esta preferência não tem qualquer valor na insolvência (140.º
n.º 3 CIRE) – sendo a penhora uma preferência fundada apenas no direito processual e não no direito
material, a sua observância no processo de insolvência impediria respeitar as regras do concurso universal da
par conditio creditorium.
Na eventualidade de haver um arresto decretado anteriormente, a data da preferência é a data do
arresto e não da penhora. Do ponto de vista prático, o arresto é como se fosse uma penhora adiantada (822.º
n.º 2 CC).
Com a realização da penhora, limita-se os poderes fáticos do executado sobre os seus bens. O
executado, em princípio, será privado da posse imediata dos seus bens, ou seja, é na penhora que se começa a
sentir a violência da ação executiva. O executado ainda é titular, mas já não frui dos seus bens.

Se a penhora for levantada, os atos conservam a sua eficácia.


Se se vier a proceder à venda executiva, os atos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens
penhorados realizados ficam sem qualquer efeito em absoluto (892.º CC). Com esta inoponibilidade relativa
da penhora, pretende-se que a futura venda executiva seja eficaz por causa do princípio da prioridade
temporal na constituição de direitos reais.

25. PENHORABILIDADE
Que bens podem ser penhorados?
Todos os bens que constituem o património do devedor, principal ou subsidiário, podem ser objeto de
penhora, à exceção dos bens inalienáveis e de outros que a lei declare impenhoráveis. Assim, o devedor
responde com todos os seus bens suscetíveis de penhora.
Para determinarmos a penhorabilidade dos bens, convém distinguir entre fatores positivos (quais os
bens que, em princípio, são penhoráveis) e fatores negativos (dentro dos bens em princípio penhoráveis, quais
são aqueles cuja penhorabilidade é executada).

→ Fatores positivos da penhorabilidade


São bens penhoráveis os bens de natureza patrimonial e diz-se que são bens de natureza patrimonial os
que são suscetíveis de avaliação pecuniária. O Professor Tiago Ramalho pensa que este não é o modo mais
pertinente de avaliar a patrimonialidade, pois o que interessa não é a suscetibilidade dos bens serem avaliados
em dinheiro, mas a de serem alienáveis por terceiro e se poder executar o bem. Um bem pode ser executado
por terceiro se puder ser transmissível ou se o seu conteúdo puder ser aproveitado por terceiro.
Desta forma, são penhoráveis todos os bens suscetíveis de transmissão (regra da transmissibilidade).
Se o bem é transmissível, ele é abstratamente penhorável. Por isso, são excluídos da possibilidade de penhora
os bens inalienáveis (736.º alínea a) e os bens de domínio público do estado (736.º alínea b). A lei excetua a
transmissibilidade de certos direitos – exemplos: o direito de uso e direito de habitação (1488.º CC), as

créditos não é um direito real, mas é um direito dispositivo, já que transmite a titularidade do crédito) – são negócios
para cuja eficácia é necessário que o disponente seja titular do bem de que dispõe e tenha poderes de disposição sobre
ele.

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servidões prediais (1545.º), a locação (1038.º alínea f). Fora destes casos, em princípio, todos os bens do
devedor ou de terceiro que pode responder, respondem pela obrigação exequenda.
Os bens de terceiro só podem ser objeto de execução em dois casos: quando sobre eles incida direito
real constituído para garantia do crédito exequendo ou quando tenha sido julgada procedente impugnação
pauliana de que resulte para o terceiro a obrigação de restituição dos bens ao credor.
Assim, devemos distinguir um elemento subjetivo e um elemento objetivo.
Do ponto de vista subjetivo, são penhoráveis os bens do devedor (735.º n.º 1, 1ª parte) ou de terceiro
quando responda nos termos de direito material e a execução tenha sido movida contra ele (735.º n.º 2).
Do ponto de vista objetivo, são apenas penhoráveis os bens suscetíveis de penhora (735.º n.º 1, 2ª parte
CPC + 817.º + 601.º CC).
Nunca podem ser penhorados bens senão os do executado, seja este o devedor principal, um devedor
subsidiário ou um terceiro.

→ Fatores negativos da penhorabilidade


Na execução, aquilo que encontramos é o sacrifício de certos bens do devedor executado para
satisfazer uma pretensão do exequente. Desta forma, sacrificam-se bens patrimoniais do executado para
satisfazer outro bem ou pretensão também de natureza patrimonial. O problema é que o património pode
desempenhar uma função que, em si, não é de natureza patrimonial, mas pessoal. A parte do património
destinada a subsistência do devedor, muito embora natureza patrimonial, está ao serviço da proteção de
valores de ordem de grandeza. Por conseguinte, se a execução pudesse incluir irrestritamente sobre o
património do devedor, verdadeiramente já não estaria apenas a sacrificar bens de ordem patrimonial, mas
sim bens de ordem pessoal. Assim, a finalidade do regime da impenhorabilidade é evitar que, para se
sacrificar um bem jurídico menor (património), se coloque em causa um bem jurídico maior (dignidade do
executado). Visa-se, então, que a esfera do económico não domine a esfera do pessoal.
O regime das impenhorabilidades não é uma simples cortesia que é feita ao executado. O regime das
impenhorabilidades visa defender aquele que, do ponto de vista constitucional, é o bem jurídico mais forte,
ou seja, a dignidade da pessoa. Por essa razão, se, porventura, esse regime não estiver devidamente
delimitado, o regime da ação executiva corre o risco de ser inconstitucional por violação do princípio da
proporcionalidade (18.º n.º 2).
O que se visa com o regime da impenhorabilidade não é garantir o mínimo faticamente necessário para
a subsistência, mas o mínimo socialmente aceitável, ou seja, o mínimo de bens que, do ponto de vista social,
são essenciais para participar na própria sociedade (o que é muito mais do que o necessário para a
subsistência).
Podemos ver o regime da impenhorabilidade como o regime que delimita o máximo de poder de
agressão da comunidade política para a satisfação de posições jurídicas privadas, sendo uma espécie de
escudo de proteção da pessoa perante a comunidade. É, também, um regime de proteção que, no limite, existe
contra o erro judiciário. Aquele que é mal condenado numa sentença, no limite, é apenas protegido por este
regime.

Casos particulares:
Temos o regime da impenhorabilidade absoluta (736.º alíneas a + b):
1. Objetos cuja apreensão seja ofensiva de bons costumes, como é o caso da apreensão de diários, de
vídeos familiares, a aliança de casamento (esta tem valor, mas é impenhorável pelo seu significado)
– 736.º alínea c
2. Objetos destinados ao exercício de culto público (culto religioso): é uma regra de proteção da
liberdade religiosa (cálice, regras religiosas…)
3. Túmulos: protege-se a memória e o que fica na recordação de alguém que morreu
4. Instrumentos e objetos indispensáveis a deficientes e a tratamentos de doentes (alínea f)
5. Animais de companhia (alínea g)

53
Não é impenhorável a casa de morada de família (desde 2016, está previsto no direito fiscal como
impenhorável, dentro de determinadas condições). Fora do regime do CPC, dentro do DC, é de referir a
impenhorabilidade do crédito a alimentos (2008.º CC).

Segundo grupo de casos: impenhorabilidade relativa. São bens que, por si, são penhoráveis, mas
que, quando tenham certa afetação específica, não o podem ser (dai que relativamente impenhoráveis).
Casos de impenhorabilidade relativa:
1. Bens de entidades públicas ou concessionárias de obras ou serviços públicos afetos a fins de
utilidade pública (737.º n.º 1). Neste caso, não podem ser penhorados, salvo se objeto de garantia
real
2. Instrumentos de trabalho ou objetos indispensáveis ao exercício da sua atividade ou da sua
formação profissional (737.º n.º 2) – exemplos: biblioteca jurídica do advogado, ferramentas de
carpinteiro… estes bens, contudo, são penhoráveis por indicação do executado ou quando a
execução se destine ao pagamento do preço por que os bens foram comprados ou do custo da sua
reparação, bem como quando os bens constituam elementos corpóreos dum estabelecimento
comercial e sejam com ele apreendidos (782.º)
3. Bens imprescindíveis a qualquer economia doméstica que se encontrem na casa de habitação
efetiva do executado (737.º n.º 3) – esta regra pede duas especificações:
a. Trata-se de bens essenciais a qualquer economia doméstica, portanto, não é a economia
doméstica do executado (exemplo: aspirador que aspira sozinho a casa)7
b. É necessário adotar um padrão qualitativo, não se tratando de uma essencialidade em
termos de sobrevivência, mas em temos de padrões sociais de aceitabilidade. Assim, deve-
se recorrer a um padrão mínimo de dignidade social

3ª categoria: impenhorabilidade parcial (738.º + 739.º)


1. Créditos que visam assegurar a subsistência do executado na vertente da sua capacidade aquisitiva
(738.º): rendimentos periódicos (vencimentos, salários, subsídios de natal e de ferias, prestações a
título de seguros…) e rendimentos não periódicos (serviços pagos por recibos verdes, indemnização
por despedimento…)
▪ E a indemnização por acidente? O artigo 78.º da lei 98/2009 dispõe que as indemnizações por
acidente são impenhoráveis.
▪ O artigo 12.º do DL 329-A/ 95 revogou as disposições que estabeleciam a
impenhorabilidade absoluta de rendimentos, independentemente do seu rendimento.
▪ Caso entendamos que a norma continua a produzir efeitos (o que o professor acha duvidoso),
das duas uma: ou as indemnizações por acidente são penhoráveis (o que o professor não
concorda); ou entendemos que são impenhoráveis por identidade de razão do artigo 736.º
alínea f).
▪ Podemos ainda considerar que o artigo 738.º prevê casos de acréscimo de rendimento (e a
indemnização não é um acréscimo, é uma reparação) ou que há inconstitucionalidade por
violação do princípio da dignidade da pessoa humana. Os tribunais estão divididos. O
Professor Tiago Ramalho considera que se justifica a penhorabilidade se houver uma
dimensão remuneratória.

7 Segundo o acórdão do TRL de 9/7/85, não integram o padrão mínimo de dignidade social a televisão, o frigorífico, candeeiros, um
sofá cama que não utilizado para dormir, a máquina de lavar…, na medida em que se considera que não existem na "economia mais
modesta, integrada por utensílios como talheres, camas, mesas, cadeiras…". Contudo, outras decisões mais recentes (acórdão do
TRL de 16/11/2010) já consideram que se deve atender às condições sociais económicas médias, pelo que uma televisão, um
frigorífico ou um computador não devem ser penhorados. Todavia, a penhora é admissível se se tratar de execução destinada ao
pagamento do preço da aquisição ou do custo da reparação do bem.

54
▪ Estes rendimentos sujeitos ao artigo 738.º podem ser penhoráveis como? Há uma regra geral e
exceções. São impenhoráveis 2/3 da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações
periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro,
indemnização por acidente ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência
do executado (738.º n.º 1). Para determinar a parte líquida, apenas são considerados os
descontos legalmente obrigatórios (738.º n.º 2). A impenhorabilidade tem como limite
máximo o montante equivalente a 3 salários mínimos nacionais. Como limite mínimo, é de
referir que não se pode penhorar abaixo do salário mínimo. Se a pessoa tem várias fontes de
rendimento, este limite só se considera uma vez.
▪ Atualmente, o salário mínimo é de 610€ (2.º DL 117/2018).
▪ Quando o crédito exequendo for de alimentos, é impenhorável a quantia equivalente à
totalidade da pensão social do regime não contributivo (738.º n.º 4).
▪ Na penhora de dinheiro ou de saldo bancário, o valor da impenhorabilidade é o valor
correspondente ao salário mínimo nacional (738.º n.º 5).
▪ Ponderados o montante e a natureza do crédito exequendo e as necessidades do executado e do
seu agregado familiar, o juiz pode, excecionalmente e com requerimento do executado,
reduzir a parte penhorável dos rendimentos pelo período que considere razoável. Para além
disso, o juiz pode isentar de penhora, durante um ano. Assim, o exequente propõe a ação com
vista à proteção de um direito de sobrevivência (há um confronto entre direitos pessoais), o
que leva a que o valor da penhora possa ser modificado pelo juiz (738.º n.º 6).
2. Saldos bancários: a lei prevê dois regimes. Se o dinheiro ou saldo bancário provier de alguns
rendimentos antes referidos, fica sujeito a esse regime de impenhorabilidade (739.º). Se o executado
começa a poupar esse valor, a poupança é penhorável. Se porventura não se identificar a fonte do
rendimento, a impenhorabilidade de saldo bancário é de um salário mínimo nacional (738.º n.º 5).

Qual a lógica deste regime?


Ele tem em vista essencialmente duas coisas:
1. Proteger o mínimo essencial à subsistência – como é que se garante o mínimo essencial à
subsistência? Pela proteção do salário mínimo nacional
2. Dar algum incentivo ao executado para que continue a sua atividade produtiva, sendo por essa
razão que se permita que o executado aufira de algum rendimento acima do salário mínimo. Se isso
não acontecesse, o executado tinha o incentivo económico a abdicar da sua atividade produtiva.
O problema é que a lei, sobretudo na primeira parte de proteção do mínimo essencial à subsistência,
pressupõe que o salário mínimo nacional garante um mínimo de subsistência. Se isto não acontece, a proteção
dada a este regime é meramente aparente sem tradução no mundo social e real.
Há boas razões para concluir que o salário mínimo está abaixo do que é o mínimo para uma
subsistência8 e o máximo que o juiz pode fazer é reduzir o montante penhorável e isentar por um ano.
Há uma dificuldade que convém não perder de vista: se o valor do salário mínimo for praticamente
igual ao salário estatisticamente mais frequente, isto pode ter um efeito negativo que é o de fazer com que a
classe média baixa não consiga obter crédito, pelo que vive numa situação de dependência total.

IMPENHORABILIDADE CONVENCIONAL
No âmbito da disponibilidade das partes, podem estas, por negócio jurídico, estipular a
impenhorabilidade específica de determinados bens por dívidas também determinadas. Isto é permitido, entre
outros, pelos seguintes preceitos da lei civil:
→ Artigo 602.º CC: é possível convencionar a limitação da responsabilidade do devedor a apenas parte
dos seus bens e que determinados bens do devedor sejam excluídos da sujeição à execução pela dívida
contraída.

8 Para este efeito, deve-se consultar http://www.rendimentoadequado.org.pt/

55
→ Artigo 603.º CC: permite que, por doação ou por testamento, se convencione que os bens
transmitidos não responderão pelas dívidas do beneficiário já existentes à data, salvo se a natureza dos bens
obrigar a registo e a penhora for registada antes do registo da cláusula
→ Artigo 833.º CC: os credores que não participem na cessão podem fazer penhorar os bens cedidos,
enquanto a alienação não tiver lugar. Mas, relativamente aos credores cessionários e aos posteriores à cessão,
já assim não é e os bens cedidos9 não são por ele penhoráveis.

PENHORABILIDADE SUBSIDIÁRIA
Além dos casos de impenhorabilidade, há a considerar aqueles em que determinados bens, ou todo um
património, só podem ser penhorados depois de outros bens ou património se terem revelado insuficientes
para a realização do fim da execução. Assim, o que caracteriza a penhorabilidade subsidiária é que, nestes
casos, há certos bens que só respondem em segunda linha.
Nos podemos agrupar aqui 4 casos:
1. Regime da excussão prévia (745.º CPC)10: este regime encontra-se previsto, em primeira linha,
para a fiança, mas também, pontualmente, para outras realidades, por exemplo, o sócio de uma
sociedade civil (997.º n.º 1 alínea c CC), o sócio de uma sociedade em nome coletivo (tipo de
sociedade comercial – 175.º n.º 1 CSC) e os sócios comanditados da sociedade comercial em
comanditas (465.º n.º 1 CSC).
a. O que mais nos interessa é o caso da fiança. No regime da fiança, o fiador, nos termos do
artigo 638.º n.º 1, pode recusar o cumprimento da obrigação enquanto não forem excutidos
(isto é, esvaziados, executados) os bens do devedor principal. Este regime, contudo, não é
um regime imperativo, podendo ser renunciado por vontade do fiador (640.º CC). Não é
este o único caso em que não há excussão prévia, mas é o caso principal. Qual é o
resultado prático da invocação do benefício da excussão prévia? Permite que os bens
do fiador sejam executados apenas subsidiariamente. Diversamente, se não houver
benefício da excussão prévia, eles respondem da mesma forma que respondem os bens do
devedor principal. Este benefício não é reconhecido na fiança mercantil (101.º CC), mas só
na fiança civil. Para que o benefício da excussão prévia seja feito valer, é necessário que o
fiador pratique certos atos. Se for demandado na ação declarativa, deverá, nos termos do
artigo 641.º CC, fazer uma de duas coisas: ou pedir a intervenção do devedor principal; ou,
se o não fizer, declarar que não renuncia ao benefício da excussão prévia (641.º n.º 2). Se o
fiador for demandado e não chamar o devedor principal nem declarar que não renuncia o
benefício, ele perde o benefício da excussão prévia no futuro. Já na ação executiva, se o
fiador for demandado, deverá invocar o benefício da excussão prévia (645.º n.º 1), sob
pena de não se aplicar o regime de responsabilidade subsidiária. Para invocar o benéfico da
excussão prévia, tem o prazo previsto para a oposição à execução (745.º n.º 1). Do ponto
de vista processual, basta um simples requerimento a invocar o benefício da excussão
prévia. Podemos, assim, configurar 3 diferentes hipóteses:
i. A ação é movida em simultâneo contra o devedor principal e contra o fiador – se o
fiador invocar o benefício, penhoram-se apenas os bens do devedor principal e só
se eles forem insuficientes é que se avança para os bens do devedor subsidiário
ii. A ação é movida apenas contra o fiador – se este invocar o benefício da excussão
prévia, pode a execução ser suspensa até que o exequente requeira a citação do
devedor principal contra quem tenha título executivo, para excutir o respetivo
património (745.º n.º 2). É uma hipótese de litisconsórcio sucessivo. Para que o
exequente possa exigir a citação do devedor principal, é necessário que tenha título
executivo contra ele.
iii. A ação é proposta apenas contra o devedor principal – se os seus bens forem
insuficientes, poderá requerer a citação do devedor subsidiário (745.º n.º 3), desde
que tenha título executivo contra ele. Esta é a única hipótese em que, apesar de

9 E só esses. Os bens não cedidos estão sujeitos ao regime geral da penhorabilidade por qualquer credor, incluindo um dos
cessionários (salvo o disposto no artigo 602.º CC).
10 O Professor Rui Pinto chama este caso de impenhorabilidade subsidiária subjetiva.

56
juridicamente o poder ter, não pode invocar o benefício da excussão prévia, porque
já foram executados os bens do devedor principal. Se não houver benefício, então
pode executar livremente o fiador.

2. No que diz respeito à impenhorabilidade subsidiária objetiva, é de referir que há certos bens que
respondem em segundo lugar pelas dívidas (745.º n.º 5). O que se prevê, no conjunto, é que a
execução se deverá iniciar pelos bens que respondam primariamente, podendo exigir-se a imediata
responsabilidade dos bens que só respondem subsidiariamente quando seja manifesta a
insuficiência dos bens que respondem prioritariamente – 198.º n.º 2 CC (responsabilidade por
dívidas de associações sem personalidade jurídica).

3. Garantias reais: se houver garantia real constituída, importa fazer uma distinção base. Se o bem
objeto da garantia pertence ao devedor, isto é, se a mesma pessoa é devedora do executado e titular
de objeto de garantia, a penhora deve incidir, em primeiro lugar, sobre o bem objeto da garantia
(747.º n.º 1), só incidindo sobre outros bens se este primeiro se revelar insuficiente. Este regime
concretiza, do ponto de vista processual, a possibilidade que consta do artigo 697.º CC.
a. Se o bem, objeto de garantia não pertence ao devedor, já não há regime de penhorabilidade
subsidiária e o exequente pode escolher quais bens executar

4. Casa de morada de família (habitação própria permanente do executado) e estabelecimento


comercial
a. A habitação própria permanente do executado está sujeita a uma moratória especial (751.º
n.º 4 – atualizado em setembro). Se o objeto da execução for esta habitação, importa
distinguir:
i. Se a execução for de valor igual ou superior a metade do valor da alçada do
tribunal de 1ª instância, o direito sobre o imóvel no qual habita o executado só
pode ser executado se presumivelmente não for possível satisfazer a obrigação
exequenda com outros bens no prazo de 30 meses. Anteriormente o prazo era de
12 meses
ii. Se a execução for de valor superior a metade do valor da alçada do tribunal de 1ª
instância, o prazo é de 12 meses. Anteriormente, o prazo era de 18 meses.
b. Tratando-se de outros bens imóveis ou de estabelecimento comercial, esta moratória é de 6
meses (751.º n.º 3).

RESTRIÇÃO DA PENHORABILIDADE A APENAS CERTOS BENS DO EXECUTADO


Pretende-se tratar aqui a execução contra herdeiro. Para compreender este regime da execução contra
herdeiro, temos de ter presente o regime material da responsabilidade do herdeiro pelas dívidas da herança.
Como é que opera a responsabilidade do herdeiro? Nos termos do artigo 2071.º, a responsabilidade do
herdeiro pelas dívidas da herança está limitada aos bens que tenham recebido na sucessão (2071.º CC). Esta
regra tem a sua tradução processual no artigo 744.º n.º 1 que diz, justamente, que, na execução contra o
herdeiro, só se podem penhorar os bens que sucedeu do autor da sucessão.
Há um segundo aspeto essencial para o desfecho prático de uma ação contra o herdeiro: uma das
dificuldades deste tipo de ação é saber quais os bens que o herdeiro recebeu do autor da sucessão. Tendo em
vista este problema, o CC prevê a possibilidade de o herdeiro aceitar a herança de duas formas diferentes:
1. O herdeiro pode aceitar a benefício de inventário (2071.º n.º 1): esta modalidade tem por
consequência abrir-se um processo de inventário, no qual se apuram os bens e as dívidas que é
tramitado nos cartórios notariais11. No processo de inventário, há um controlo com vista a saber
quais são os bens da herança. Qual é a grande vantagem de o herdeiro adquirir aceitando a
benefício de inventário? Se aceitar a benefício de inventário, só respondem pelas dívidas da herança
os bens inventariados, tendo os credores o ónus de provar que o herdeiro recebeu outros bens

11 A partir de janeiro, volta para os tribunais com a opção de correr nos cartórios notariais.

57
(2071.º n.º 1, 2ª parte). Nesta hipótese, se forem penhorados bens diferentes dos inventariados, o
executado poderá requerer o levantamento da penhora (744.º n.º 2). Se o exequente se opuser,
bastará ao executado apresentar a certidão do processo de inventário para obter o levantamento da
penhora. Este meio processual não é rigorosamente uma oposição à penhora. É uma tramitação
mais simplificada.
2. O herdeiro aceita pura e simplesmente (2071.º n.º 2): é o herdeiro que tem o ónus de provar que, na
herança, não há bens suficientes para satisfazer o exequente. Do ponto de vista processual, caso
sejam penhorados bens diferentes do que aqueles que recebeu do autor da sucessão, deverá requerer
o levantamento da penhora e, se o exequente se opuser, deverá demonstrar que os bens penhorados
não provieram da herança e que não recebeu mais bens da herança do que aqueles que tenha
indicado ou que, se os recebeu, aplicou-os para satisfazer as dívidas da herança (744.º n.º 3). Esta
oposição é feita na oposição à penhora. O aspeto central aqui é: aceitando a benefício de inventário,
o ónus da prova recai sobre o executado. O executado tem, então, de provar um facto negativo e a
prova de um facto negativo é praticamente impossível. Por essa razão, quando uma herança é aceite
pura e simplesmente, embora juridicamente só responda com os bens que recebeu, materialmente, a
responsabilidade pode tornar-se ilimitada por não conseguir provar que não recebeu mais bens. O
Professor Tavares de Sousa refere que se o benefício de inventário funciona como um seguro, é
necessário pagar o valor do processo de inventário, mas tem-se a garantia de que a responsabilidade
terá um limite que é o valor dos bens que recebeu.
a. A aceitação pura e simples traz consigo o risco de haver dívidas do de cujus desconhecidas
e não se consegue provar que os bens são suficientes para fazer face as dividas.

REGIME DA EXECUÇÃO DE DÍVIDAS CONJUGAIS


É um regime com amplas particularidades decorrentes do regime material do direito matrimonial.
Há alguns problemas: pode haver dívidas que são da responsabilidade de ambos os cônjuges. Para além
disso, existem no direito matrimonial vários regimes de bens, particularmente os regimes de comunhão geral
(são executados da comunhão os bens indicados no artigo 1733.º CC) e de comunhão de adquiridos (são
grosso modo próprios os bens indicados no artigo 1722.º CC). Nestes regimes existe uma massa de bens
comuns a ambos os cônjuges.
Há duas normas do regime material que relacionam estes dois aspetos e que são relevantes como
pressuposto da aplicação das regras do processo civil. Assim, é de referir o artigo 1696.º n.º 1 CC, no qual,
pelas dívidas comuns respondem, em primeiro lugar, os bens comuns do casal e, subsidiariamente, os bens
próprios de cada cônjuge. Nos termos do artigo 1696.º n.º 2, pelas dívidas próprias de cada um dos cônjuges,
respondem os bens próprios em primeiro lugar e, subsidiariamente, os móveis comuns de que podia dispor no
momento em que contraiu a dívida. Este último regime também se aplica nos casos em que a divida é
comum, mas na ação declarativa anterior, não se citou o outro cônjuge nos termos do artigo 34.º n.º 3.
Na ação executiva, quais as particularidades da execução movida contra cônjuges? Devemos agrupá-
las em 2 grupos:
1. Particularidades no caso da execução ser movida apenas contra um dos cônjuges (740.º CPC): há
uma eventual penhora de bens comuns do casal. Se se penhoram bens do casal e apenas um dos
cônjuges é executado, há uma desconformidade pelas regras básicas da ação executiva. Assim,
sendo penhorados bens comuns, o cônjuge é citado para requerer a separação de bens (1167.º e
seguintes) ou então juntar certidão comprovativa da pendência da ação em que a separação foi
requerida. A solução é esta, pois só havendo separação de bens é que é possível colocar termo à
massa de bens comuns. Se requereu a separação de bens, a execução sobre estes fica suspensa até à
partilha (a partilha é o ato que põe termo à comunhão). Obtida a partilha, a execução incide sobre
os bens que caibam ao executado (740.º n.º 2). Caso o cônjuge não requeira a separação de bens, a
execução prossegue contra os bens comuns, mas ele aqui já foi citado. Trata-se apenas de separação
de bens.
a. Assim, temos de distinguir os regimes substantivos aplicáveis:
i. Sendo a divida da responsabilidade exclusiva do executado, a penhora deve
começar pelos bens próprios dele e só depois pode ser penhorada a meação

58
ii. Sendo a divida comum e havendo título executivo contra ambos os cônjuges, a
penhora deve começar pelos bens comuns e só na sua falta ou insuficiência pode
incidir sobre bens próprios. Só se não houver bens comuns é que se justifica a
propositura da execução contra um dos obrigados no título.
iii. Sendo a dívida comum e baseando-se a execução em sentença que apenas constitua
título executivo contra um dos cônjuges, o executado que não chamou o cônjuge a
intervir no processo declarativo para o convencer da sua responsabilidade, não
pode alegar no processo executivo que a dívida é comum. Segue-se, assim, o
regime da penhora das dívidas de responsabilidade exclusiva do executado, sem
prejuízo do apuramento ulterior de contas entre os cônjuges (1687.º n.º 1 CC) e
possibilidade de o credor ainda propor uma nova ação declarativa contra o cônjuge
não condenado. O chamamento à intervenção principal do cônjuge não demandado
constitui assim um ónus do cônjuge demandado na ação declarativa, cuja
inobservância preclude a invocação da comunicabilidade da dívida.
iv. Sendo a dívida comum e baseando-se a execução em título extrajudicial contra um
só cônjuge, desde a reforma da ação executiva que se passou a proporcionar ao
exequente, no requerimento executivo) e ao executado (no prazo para a oposição),
a invocação da comunicabilidade da dívida com a consequência do convite ao
cônjuge do executado para vir declarar se aceita a comunicabilidade
2. Regime dos incidentes de comunicabilidade de dívida: não se aplicam quando o título é uma
sentença, pelo que não servem para alargar o âmbito de uma sentença. Fora da sentença, o incidente
de comunicabilidade serve para, nas hipóteses em que o título englobe apenas um dos cônjuges,
alegando a natureza comum da dívida, permitir que a execução prossiga também contra o outro
cônjuge. Devemos distinguir consoante o incidente seja desencadeado pelo exequente ou pelo
executado:
a. Pelo exequente: a alegação de que a dívida é comum pode ser feita no requerimento
executivo (sendo a forma de processo é necessariamente ordinária – 550.º n.º 3 alínea c) ou
até ao início das diligências de venda ou adjudicação. O cônjuge do executado é citado para
declarar se aceita a comunicabilidade da dívida. Se nada disser, a dívida é considerada
comum (741.º n.º 2 – é um caso de efeito cominatório pleno). A oposição, caso tenha lugar
nos termos do 741.º n.º 3, é feita na oposição à execução ou na oposição ao eventual
requerimento que seja feito já depois do requerimento executivo inicial (741.º n.º 3). Se a
dívida for considerada comum, então, a execução prossegue também contra o outro cônjuge
(741.º n.º 5). Primeiro respondem os bens comum e, subsidiariamente, os bens próprios. Se,
pelo contrário, a dívida não foi considerada comum e tiverem sido penhorados bens
comuns do casal, o cônjuge do executado deve, no prazo de 20 dias após o trânsito em
julgado da decisão, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da
pendência da ação em que a separação já tenha sido requerida, suspendendo-se a execução
até à partilha para depois incidir apenas sobre os bens próprios do cônjuge que responda
pela dívida (741.º n.º 6 + 740.º n.º 2).
b. Pelo executado (742.º): movida execução apenas contra um dos cônjuges e penhorados
bens próprios do executado, pode este, na oposição à penhora, alegar fundamentadamente
que a dívida (constante de título diverso de sentença) é comum, especificando quais os bens
comuns que podem ser penhorados. O cônjuge não executado será, então, citado para
declarar se aceita ou não aceita a comunicabilidade da dívida (742.º n.º 1 + 741.º n.º 2). Se
houver oposição do exequente ou impugnação da comunicabilidade da dívida pelo outro
cônjuge, o juiz decide da questão no incidente de oposição à penhora (742.º n.º 2). Quanto
ao desfecho do incidente, vale o já explicado (742.º n.º 2 + 741.º n.º 5 e 6).

26. EXTENSÃO DA PENHORA


De entre todos os bens que podem ser penhorados, em que extensão é que a penhora é admissível?
A penhora abrange o prédio com todas as suas partes integrantes e os seus frutos (naturais ou civis),
desde que não sejam expressamente excluídos e nenhum privilégio exista sobre eles (758.º). Tratando-se de
frutos naturais ou de partes integrantes, só o proprietário tem a faculdade de operar a separação jurídica da

59
coisa móvel. Tratando-se de frutos civis, cuja autonomização como objeto duma penhora separada não põe os
mesmos problemas, a sua exclusão da penhora é admissível sem restrições, sem prejuízo da integração dos
frutos civis futuros no objeto da venda subsequente.
Os frutos pendentes podem ser penhorados em separado, como coisas móveis, contanto que não falte
mais de um mês para a época normal da colheita e, assim, sendo, a penhora do prédio não os abrange, mas
podem ser novamente penhorados em separado.
De referir que, de acordo com o artigo 759.º n.º 1, quando o imóvel penhorado for divisível e o seu
valor exceder manifestamente o da dívida exequenda e dos créditos reclamados, o executado pode requerer ao
juiz autorização para proceder ao seu fracionamento. Este pode ter duas finalidades: permitir a venda
separada (viabilizando que parte do prédio primitivo se mantenha na titularidade do executado face à
desnecessidade da sua venda para o fim da execução, mas a penhora mantem-se, aguardando o momento da
venda executiva) ou possibilitar o levantamento parcial da penhora (por uma parte bastar para a satisfação do
exequente e dos credores reclamantes – 759.º n.º 2).
Quais as regras que delimitam a extensão da penhora? Uma regra de ordem geral é o princípio da
legalidade, sendo que a penhora só pode englobar os bens que a lei considera penhoráveis. O segundo
princípio relevante é o princípio da necessidade, pelo que a penhora está limitada aos bens necessários para o
pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução (735.º n.º 3).
Para além disto, é de referir que o agente de execução deve respeitar as indicações do exequente sobre
os bens que pretende ver prioritariamente penhorados, salvo se elas violarem norma legal imperativa ou
ofenderem o princípio da proporcionalidade (751.º n.º 2). A penhora começa pelos bens cujo valor pecuniário
seja de mais fácil realização e se mostrem adequados ao montante do crédito do exequente (751.º n.º 1).
Admite-se ainda a possibilidade de ver o executado requerer a substituição dos bens penhorados (751.º
n.º 4 alínea a). Se houver oposição do exequente, a questão é resolvida pelo juiz de execução (751.º n.º 5).
Isto é uma manifestação do princípio da proporcionalidade.
Se estas regras forem violadas, haverá fundamento de oposição à penhora (784.º n.º 1 alínea a).

27. TRAMITAÇÃO OU REALIZAÇÃO DA PENHORA


Numa primeira parte, falaremos da tramitação da penhora em geral.
Depois, falaremos da penhora em função da natureza do bem penhorado.

1. Tramitação da penhora em geral


A tramitação da penhora é da responsabilidade do agente de execução (719.º n.º 1). Que atos devem ser
praticados? A secretaria notifica o agente de execução de que deve iniciar as diligências para a penhora (748.º
n.º 1). Note-se que, no processo sumário, não é necessário haver esta notificação, sendo o agente de execução
que, oficiosamente, inicia estas diligências (855.º n.º 3). Em princípio, a secretaria notifica depois de
decorrido o prazo para a oposição à execução sem que ela tenha sido apresentada (alínea b) ou tendo sido
apresentada oposição à execução sem efeito suspensivo (748.º alínea c).
Em seguida, o agente de execução consulta o registo informático de execuções (748.º n.º 2), do qual
constam todos os elementos do artigo 717.º.
O exequente procede as diligências necessárias para identificar os bens do executado. Como? Primeiro,
pode atentar nos bens que o exequente tenha designado no requerimento executivo (724.º n.º 1 alínea i).
Segundo, pode consultar diferentes bases de dados públicas (749.º n.º 1), como é o caso da base de dados da
administração tributária, da SS, das conservatórias de registo predial, comercial e automóvel e de outros
registos ou arquivos semelhantes. Assim, há o acesso a toda esta informação e conjunto de dados acerca do
executado para promoção do interesse privado do exequente. Devia haver alguma cautela.
Esta operação de identificação dos bens penhoráveis, pode ter 2 desfechos:
• Encontram-se bens penhoráveis – o agente de execução prossegue com a realização da penhora. Em
princípio, a penhora não está dependente de prévia autorização judicial (só excecionalmente nos casos
757.º n.º 4, 764.º n.º 4 e 767.º n.º 1). Sendo realizada a penhora, lavra-se obrigatoriamente auto (753.º
n.º 1)
• Não se encontram bens penhoráveis – não se encontrando no prazo de 3 meses, aplica-se o regime
previsto no artigo 750.º, isto é, o agente de execução notifica o exequente para especificar quais os
bens que pretende ver penhorados na execução e, simultaneamente, é notificado o executado para

60
indicar bens à penhora. Na hipótese de haver dispensa de citação prévia, é citado e não notificado
porque ainda não estava na ação. Se o executado nada indicar e se vierem a descobrir bens, está
sujeita à sanção pecuniária do artigo 750.º n.º 1. Se nem o exequente nem o executado indicarem bens
penhoráveis no prazo de 10 dias, a execução extingue-se (750.º n.º 2). Se se encontrarem bens no
futuro, o processo reabre-se.

Sendo a penhora realizada, pode ser posteriormente reforçada (penhoram-se novos bens) ou
substituída (penhoram-se outros bens) nos casos previstos no artigo 751.º n.º 4.
Com a realização da penhora, deve haver um auto e o modelo desse auto consta da Portaria 282/2013.
Se ocorrer o desaparecimento do bem penhorado, ou há lugar a uma indemnização e a penhora
transfere-se para o bem sub-rogado (823.º CC) ou não há lugar a indemnização e a penhora extingue-se por
falta de objeto (para o caso análogo da hipoteca: 730.º alínea c CC).

2. Tramitação da penhora em função do bem que é penhorado


Podemos fazer algumas distinções – 3 grupos de bens: penhora de bens imóveis (755.º e seguintes),
penhora de bens móveis (764.º e seguintes) e penhora de direitos (773.º e seguintes).
Na penhora de bens móveis e imóveis, estamos perante uma penhora de direitos, mas a lei faz esta
distinção por considerações práticas de regime. Da leitura das disposições legais resulta que o âmbito da
penhora de direitos se determina por exclusão de partes: ela tem lugar quando não está em causa o direito de
propriedade plena e exclusiva do executado sobre coisa corpórea 12 nem um direito real menor que possa
acarretar a posse efetiva e exclusiva de coisa (corpórea) móvel ou imóvel.
O regime que opera como regime supletivo é o regime da penhora de bens imóveis, portanto, aplica-se
supletivamente à penhora de bens móveis (772.º) e à penhora de direitos (783.º).

• Penhora de bens imóveis (755.º e seguintes): por penhora sobre bens imóveis, entende-se a penhora
sobre o direito de propriedade que incide sobre uma fração do solo, isto porque é esta a definição de
coisa imóvel (204.º). Sendo penhorado um imóvel, a penhora vai estender-se, nos termos do CC, às
partes integrantes (204.º n.º 3 CC) e também aos frutos naturais ou civis do bem penhorado (212.º n.º
2). Portanto, permite que a penhora incida sobre o bem e sobre as garantias do próprio bem. Como se
processa a penhora do bem imóvel? Atendendo a obrigação de registo que incide sobre os direitos
sobre os bens imóveis, a penhora tem lugar mediante comunicação eletrónica ao serviço de registo
(775.º nº1 + 41.º + 48.º + 60.º Código de Registo Predial). A penhora é um facto sujeito a registo
obrigatório (2.º alínea n Código de Registo Predial). Se o bem estiver registado em nome de um
terceiro, embora pertença ao executado, o terceiro titular inscrito no registo é citado para declarar, no
prazo de 10 dias, se o bem lhe pertence ou não (119.º n.º 1 Código de Registo Predial).
Simultaneamente a esta comunicação ao registo, teremos a realização fática da própria penhora. Como
é que ela é feita? O agente de execução deverá lavrar (redigir) o auto da penhora (755.º n.º 3) e deverá
ser afixar um edital na porta ou noutro lugar visível do prédio penhorado (755.º n.º 3). Ao mesmo
tempo, deverá ter lugar o desapossamento efetivo do bem imóvel (757.º n.º 1) havendo a tradição
material da coisa para o depositário. Para o desapossamento do imóvel, o agente de execução pode
solicitar o auxílio de autoridades policiais, que devem ser remuneradas por esta atividade (757.º n.º 3).
Se se tratar da residência do executado, o auxílio das autoridades está dependente de despacho judicial
autorizativo (757.º n.º 4). A penhora deverá ser realizada entre as 7h e as 21h (n.º 5), devendo o agente
de execução entregar cópia do auto de penhora. É no momento da penhora que se começa a sentir a
verdadeira agressão do poder público. Quem fica como depositário dos bens? Supletivamente, será o
agente de execução (756.º n.º 1), podendo servir-se para o efeito de auxiliares (a lei usa o termo
colaboradores – 760.º n.º 3). Com o consentimento do exequente, pode ser designado como
depositário o próprio executado ou outra pessoa (756.º n.º 1, 2ª parte). Imperativamente, ou seja,
prevalecendo sobre estas duas coisas, a lei determina quem é o depositário: se o bem penhorado for a
casa efetiva do executado, ele é o depositário (756º alínea a); se o bem estiver arrendado, o

12 As situações de compropriedade dão lugar à penhora de direitos.

61
depositário é o arrendatário (756.º alínea b); se o bem for objeto de direito de retenção e em
consequência de incumprimento contratual judicialmente verificado, o depositário é o retentor (756º
n.º 1 alínea c). O depositário tem a obrigação de administrar os bens como um bom pai de família e de
prestar contas (760.º n.º 1). Esta obrigação de prestação de contas existe sempre que alguém tenha a
responsabilidade de administrar ou gerir bens de outra pessoa. A requerimento de qualquer
interessado ou por iniciativa do agente de execução, é removido o depositário que não cumpra os seus
deveres (761.º n.º 1)13. Sendo realizada a penhora, ela, em princípio, mantem-se até à venda dos bens.
Além das causas gerais de levantamento da penhora e de substituição da penhora previstas no artigo
751.º n.º 5, importa referir 2 causas particulares: se o bem penhorado desaparecer, a penhora transfere-
se para o bem sub-rogado (823.º CC). Também se pode levantar a penhora quando não tenha sido
feita nenhuma diligência executiva para realizar o pagamento efetivo do crédito nos 6 meses
anteriores ao requerimento de levantamento (763.º n.º 1).
▪ Na execução para entrega de coisa certa (que não é a que estamos a ver), prevê-se um
regime especial de suspensão da execução ou de diferimento de desocupação do imóvel
arrendamento para habitação (863.º n.º 3 + 864.º). A questão é: estas regras de proteção que
estão previstas para a execução para entrega de coisa certa podem aplicar-se na execução para
o pagamento de quantia certa quando o bem penhorado for a habitação do executado? Numa
versão anterior, o CPC previa expressamente a aplicação dessas regras, mas essa remissão
deixou de ser feita. Castanheira Neves realça que quando uma norma é elaborada, apenas tem
em vista aquilo, mas quando é interpretada, ela tem de ser interpretada com o resto, pelo que a
intenção pode nem se verificar. Para o Professor Tiago Ramalho, não há nada mais contrário
ao pensamento jurídico do que a contradição valorativa, daí que o pensamento jurídico seja
estruturalmente analógico. Quando a lei na execução para entrega de coisa certa prevê certa
proteção do executado, permite evitar o imediato desapossamento do executado, isto é, a
razão da tutela tem a ver com o efeito prático do desapossamento e esse risco existe para o
pagamento de quantia certa. Assim, os casos são análogos (o risco de perder o bem também
existe na penhora), pelo que a solução deve ser a mesma.
• Penhora de bens móveis: uma vez que se aplica subsidiariamente o regime da penhora de bens
imóveis, teremos de ver apenas as particularidades. Vamos distinguir, dentro da penhora de bens
móveis:
a. Bens não sujeitos a registo: vale a presunção de que todos os bens que se encontram em
poder do executado lhe pertencem (764.º n.º 3). Para reagir a esta penhora, prevê-se um meio
simplificado de oposição que é a apresentação perante o juiz de prova documental inequívoca
de que o direito pertence a terceiro (764.º n.º 3). Antes mesmo da penhora, pode ser feita esta
prova perante o agente de execução? Por força do princípio da proporcionalidade parece que
sim, embora o artigo não o preveja. O Professor Rui Pinto pensa que não, pelo que deve
estar perante o juiz. Contudo, para o Professor Tiago Ramalho, o agente de execução tem
qualificação jurídica bastante para saber que se a prova documental é ou não inequívoca.
Quanto à realização da penhora, via de regra, o agente de execução assume a posição de
depositário (764.º n.º 1). Pode recorrer à força pública solicitando o auxílio das autoridades
policiais (767.º remete para 757.º). O agente de execução pode contar com a cooperação do
exequente para realizar a penhora (765.º n.º 1). No caso de serem penhorados dinheiro, papéis
de crédito, pedras ou metais preciosos, deverão ser depositados em instituições de crédito
(764.º n.º 5), sendo que o depositário será a instituição bancária. É de referir que em certas
hipóteses, não há lugar à remoção (764.º n.º 2): quando a natureza dos bens for incompatível
com o depósito (exemplo: vinho do porto que se encontra a apurar numa pipa) ou quando
houver desvalorização substancial dos bens ou se o custo de remoção superior ao valor dos
bens (exemplo: uma grande máquina industrial). Nestes casos, os bens são descritos,

13Podemos aplicar ao depositário, com as necessárias adaptações, o regime previsto no CC para o contrato de depósito (1187.º e
seguintes).

62
fotografados e neles são colocados sinais distintivos (764.º n.º 2), sendo que esses sinais não
podem ser removidos, já que isso constitui crime (356º CP). Em qualquer um destes casos, é
lavrado auto da penhora (766.º). Se houver depositário constituído, é obrigado a apresentar os
bens sempre que for solicitado (771.º n.º 1). Se não o fizer, o juiz ordena o arresto dos bens do
depositário necessários para garantir o valor do depósito, das custas e das demais despesas,
sendo o depositário executado no próprio processo (771.º n.º 3). O prazo que tem para
apresentar os bens, se assim for requerido, é de 5 dias. Qual o título executivo contra o
depositário? É um título judicial impróprio.
b. Bens sujeitos a registo: vale o que já foi dito com as necessárias adaptações, aplicando-se por
remissão do artigo 768.º n.º 1, o regime do artigo 755.º, ou seja, o regime da comunicação à
conservatória da penhora, porque o bem aqui está sujeito a registo. Procede-se ainda à
imobilização do bem penhorado (768.º n.º 3). Excecionalmente, no caso da penhora de
veículos, é possível que não haja remoção do bem e que o executado possa continuar a utilizar
o bem (768.º n.º 3 alínea b). São aqui considerados os automóveis, os navios e as aeronaves.

2. Penhora de direitos: direitos que não sejam direito de propriedade sobre móveis ou imóveis. Dentro
da penhora sobre direitos temos muitas realidades particulares:
a. Penhora de créditos (está regulado nos artigos 773.º a 777.º e é o regime padrão da penhora
de direitos, funcionando como regime supletivo). Como se processa a penhora de direitos?
Nos termos do artigo 773.º n.º 1, o devedor é notificado com as formalidades da citação
pessoal. A partir deste momento, o crédito fica à ordem do agente de execução, portanto, se o
crédito for cumprido perante o executado, o cumprimento não é liberatório, já que deve ser
realizado ao agente de execução. Cita-se quem é parte da ação e o devedor do crédito não é
parte da ação, pelo que se trata de uma notificação (é um terceiro em relação à ação). O
devedor do crédito, sendo notificado, tem o dever de declarar se o crédito existe ou não, quais
as garantias que o acompanham, a data de vencimento e outros fundamentos relevantes (773.º
n.º 2). Se faltar conscientemente à verdade, pode incorrer em responsabilidade nos termos do
litigante de má fé, apesar de ele não ser litigante, mas a lei remete para esse regime (543.º +
773.º n.º 5). Como é que continua a penhora de crédito? Depende do comportamento do
devedor. Se o devedor nada disser, considera-se que reconhece o crédito tal como ele foi
indicado à penhora (773.º n.º 4), isto é, se nada fizer, o crédito considera-se reconhecido nos
termos em que foi indicado14. Na eventualidade da dívida ser reconhecida ou do devedor nada
fazer, a penhora pode prosseguir nos seguintes termos: poder-se-á tomar duas opções: 1)
pode-se optar por alienar o crédito (venda executiva em que o objeto é o próprio direito de
crédito, o comprador passa a ser o credor e vai cobrar o crédito no futuro) ou 2) receber o
produto do crédito (o crédito não é alienado, mas a prestação é realizada ao agente de
execução e com este produto satisfaz-se a obrigação exequenda). Como é que o pagamento é
realizado? Mediante depósito da quantia à ordem do agente de execução apresentação do
documento de depósito (777.º n.º 1). Nesta hipótese, se o terceiro não cumprir, poderá ser
executado nos próprios autos (777.º n.º 3).
1. Resumindo: o executado terá um direito em relação ao terceiro. As partes
são o executado e o exequente. O agente de execução notifica o terceiro para
cumprir o crédito. Se o terceiro reconhece o crédito ou nada diz, considera-se
o crédito reconhecido. A partir desse momento, ou o crédito é alienado, ou é
depositado. Se o terceiro não cumpre o crédito, a própria execução vai poder
ser dirigida contra ele pelo que, a partir desse momento, é parte da execução.
ii. A lei considera que o título executivo é ou o reconhecimento por parte do devedor ou
a conjugação da notificação ou do silêncio do devedor (773.º n.º 3, 2ª parte).

14Vimos em Teoria Geral do Direito Civil que o silêncio não tem qualquer valor declarativo. Todavia, em termos processuais, é
preciso atribuir efeitos ao silêncio.

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iii. Regime que se aplica quando o devedor (terceiro em relação à ação executiva)
contesta o crédito: o exequente e o executado são notificados para se pronunciar no
prazo de 10 dias e o exequente deverá declarar se mantém ou não a penhora (se
mantém ou desiste – 775.º n.º 1). Se o exequente mantiver a penhora, o direito só
poderá ser alienado como crédito litigioso (775.º .º 2), ou seja, ele é alienado com a
referência a que é contestado pelo devedor, portanto, terá de ser o adquirente a fazer
valer o crédito em juízo, não tendo nenhuma garantia de que o crédito vai ser
reconhecido (775.º n.º 2). Assim, é alienado um bem potencial e sabemos apenas que
ele existe como controvertido. Assim, é um negócio de risco. Qual é o interesse que
isto pode ter? É, eventualmente, adquirir o crédito por um valor inferior. O artigo
777.º n.º 3 permite que o adquirente do crédito litigioso possa exigir a prestação nos
próprios autos quanto ao terceiro? Caso o crédito não seja litigioso, não há menor
dúvida de que pode, mas se for litigioso, poderá? O título aqui referido é o
reconhecimento de dívida ou o silêncio. Ora, se o crédito por litigioso, é porque
houve oposição, pelo que não há título executivo e, assim, não pode ser exigido ao
devedor nos próprios autos (776.º n.º 4).
iv. Sendo o devedor notificado, pode adotar 2 comportamentos, nada fazer ou contestar a
existência do crédito, mas, na verdade, há ainda uma terceira possibilidade que é
reconhecer o crédito, mas alegar que a exigibilidade dele depende de uma
contraprestação por parte do executado, podendo também invocar uma exceção
(introduz novos factos). O regime nesta hipótese consta do regime 776.º. Importa
distinguir consoante o executado confirmar ou não a declaração feita pelo terceiro: na
primeira hipótese, o executado confirma que o seu crédito depende de
contraprestação e, confirmando, é notificado para a satisfazer no prazo de 10 dias. O
crédito em relação ao terceiro torna-se exigível e por isso já tem de ser depositado. Se
o executado não cumprir, pode o exequente ou o próprio devedor exigir o
cumprimento do dever do executado perante o devedor na própria execução (776.º n.º
2, 1ª parte). Assim, adotando este regime, o executado será executado pela sua
obrigação exequenda e pelo dever de prestar em relação ao terceiro. É também
possível que o exequente opte por realizar a prestação em lugar do executado, ficando
sub-rogado na sua posição (776.º n.º 2, 2ª parte). O professor Tiago Ramalho não
sabe se este regime terá grande aplicação prática (776.º n.º 2, 2ª parte). Se o
executado impugnar a declaração do devedor, aplica-se com as necessárias
adaptações o regime do artigo 775.º ex vi 776.º n.º 6. Se, porventura, o executado
tiver alienado créditos futuros, consideram-se inoponíveis à execução os créditos que
se constituam a partir da data da penhora (821.º CC). Logo, as frações depois da
execução são penhoráveis, as anteriores é que não
1. Imaginemos que em 2000, uma determinada entidade aliena os créditos
futuros. O artigo 821.º CC diz que, a partir do momento da penhora, todos os
créditos futuros são penhoráveis. Assim, apenas as anteriores não seriam
penhoráveis.
b. Penhora de expetativas de aquisição (778.º): na raiz deste termo “expectativas de aquisição”
está uma figura alemã que tem o seguinte nome “anwartshaftsreslit” que significa direito de
expectativa. Na raiz disto está o problema da reserva de propriedade prevista no artigo 409º
CC. Havendo reserva de propriedade e não tendo ainda sido pago o preço na totalidade, qual é
a posição jurídica do comprador? Sobretudo porque a reserva de propriedade normalmente
vai acompanhada da entrega da coisa. Não podemos dizer que tem a propriedade, mas
também não tem nada. Ora, ele tem um direito de expectativa. Qual é o regime da penhora?
Aplica-se o regime da penhora de créditos (778.º n.º 1), mas com uma precisão: se o objeto a
adquirir for uma coisa que está na detenção ou na posse do executado (reserva de
propriedade), aplica-se o disposto para a penhora de móveis ou de imóveis, de acordo com a

64
hipótese (778.º n.º 2). Quando a aquisição se consomar, a penhora incide sobre o bem
transmitido (778.º n.º 3).

c. Penhora de rendas, abonos, rendimentos ou salários (são essencialmente rendimentos


periódicos, pelo que são casos de impenhorabilidade relativa): sinteticamente, o regime consta
do artigo 779.º. A entidade que deve realizar as prestações é notificada para fazer o desconto
correspondente à penhora (779.º n.º 1). Estas quantias ficam à ordem do agente de execução
(779.º n.º 2). As quantias ficarão indisponíveis até ao termo do prazo para a oposição à
execução ou, se houver oposição, até ao trânsito em julgado da decisão sobre a oposição
(779.º n.º 2). Procurará evitar-se o uso abusivo das quantias por parte do agente de execução.

d. Penhora de depósitos bancários: é feita por comunicação eletrónica (780.º n.º 1). O meio de
realização é o de o executado ficar impossibilidade de movimentar a sua conta. Se houver
pluralidade de titulares na conta, presume-se que todos têm a mesma quota (781.º n.º 5). Se
houver várias contas, a regra é que se prefere aquela de que o executado é o único titular.
Havendo vários contitulares, prefere-se a conta com menor número de titulares (781º n.º 7).

e. Penhora de estabelecimento comercial: o estabelecimento comercial é simultaneamente uma


unidade e uma pluralidade de bens. Assim, penhora-se o estabelecimento comercial fazendo
em auto menção aos bens que o integram (782.º n.º 1). A penhora do estabelecimento
comercial não afeta eventual penhora anterior sobre os bens particulares, mas prevalece sobre
penhoras posteriores relativas aos bens singulares que integrem o estabelecimento comercial
(782.º n.º 5). Devemos distinguir consoante o estabelecimento comercial esteja ou não a
funcionar: se o estabelecimento comercial estiver a funcionar, poderá continuar a ser
explorado pelo executado, podendo o juiz designar fiscalizador (782.º n.º 2). Eventualmente,
quando o exequente se oponha de forma fundada, poderá ser designado um administrador
para proceder à gestão (782.º n.º 3). Se o estabelecimento comercial não estiver em
funcionamento, o regime é diferente e o juiz nomeia depositário para proceder à
administração dos bens (782.º n.º 4). Porquê esta diferença de regime? O n.º 2 visa proteger o
próprio valor do estabelecimento comercial. Grande parte do valor do estabelecimento
comercial depende de conseguir manter um amplo conjunto de interações económicas que se
forem cortadas a partir de determinado momento, destroem o valor da entidade, podendo o
valor do bem ficar irremediavelmente perdido
i. Exemplo: se o restaurante não funciona durante 10 dias, pode perder parte da sua
clientela, pelo que o valor do bem fica perdido.
ii. Exemplo: uma empresa dedica-se a depósito em arcas frigoríficas. Numa Providencia
Cautelar, pediu-se o arresto de um armazém com arcas frigorificas, desligando-as.
Ora, a sociedade titular da empresa ficou insolvente e deteriorou-se tudo o que estava
no seu interior. Este caso deu lugar a uma ação de responsabilidade do estado. O bem
poderia ter sido arrestado, mas mantinha-se na gestão o requerido da providência,
mantendo-se a atividade do estabelecimento para que este não perdesse o seu valor
(782.º n.º 2)
f. Penhora de bem indiviso
Desta forma, pela penhora, o direito do executado é esvaziado dos poderes de gozo que o integram, os
quais passam para o tribunal que, em regra, os exercerá através dum depositário. Mas o executado mantem a
titularidade dum direito esvaziado de todo o seu restante conteúdo.
Quando a penhora incide sobre o objeto corpóreo dum direito real (penhora de bem móvel, penhora de
bem imóvel, penhora de bem indiviso), a transferência dos poderes de gozo importa uma transferência de
posse. Cessa a posse do executado e inicia-se uma nova posse pelo tribunal: o depositário passa, em nome
deste, a ter a posse do bem penhorado.

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Estando em causa um direito de natureza diferente (direito de crédito, direito real de aquisição, direito
real sobre coisa incorpórea, direito a quota em sociedade, direito potestativo), já não se pode falar em posse
(1251.º CC), mas continua a verificar-se a transferência, do executado para o tribunal, dos poderes de gozo
que integram o direito.
Mesmo no caso da penhora de direito de crédito em que não há depositário, o agente de execução ou a
secretaria fica com o poder de receber e provisoriamente reter a prestação principal, assim como as prestações
acessórias de crédito, quando este é pecuniário (770.º n.º 1).
No que diz respeito ao exequente, a penhora envolve a constituição dum direito real de garantia a favor
deste. Tem este direito o atributo da preferência: o exequente fica com direito de ser pago com preferência a
qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior (821.º CC). A anterioridade da penhora reporta-se à
data do arresto, quando o exequente tenha feito arrestar previamente os bens penhorados (822.º n.º 2) e,
tratando-se de bens sujeitos a registo, à data da efetivação deste.

MODO DE REAGIR À ILEGALIDADE DA PENHORA


O nosso sistema jurídico concede quatro meios de reagir contra uma penhora ilegal:
• Incidente de oposição à penhora – tem lugar no próprio processo executivo, ainda que por apenso
• Oposição por simples requerimento – tem lugar no próprio processo executivo
• Embargos de terceiro – constitui ação declarativa (processados por apenso à execução) – 344.º
• Ação de reivindicação – constitui ação declarativa (autónoma da execução) –

A ilegalidade da penhora pode assentar no facto de se terem ultrapassado os limites objetivos da


penhorabilidade, havendo ilegalidade objetiva (penhoram-se bens que não se deviam ter penhorado, em
absoluto, ou não deviam ser penhorados naquelas circunstâncias, ou sem excussão de todos os outros ou para
aquela dívida, ou pelas regras de proporcionalidade). Qual o modo de reagir? Em princípio, é pela oposição à
penhora (784.º + 785.º).
Contudo, também podem haver ilegalidade subjetiva da penhora, sendo penhorados bens que não são
do executado e, aí, o terceiro pode reagir de 3 formas: 1) quando a lei especificamente o determine, mediante
simples requerimento; 2) pode intervir na ação executiva através da oposição mediante embargos de
terceiro (modo geral); e 3) pode propor ação da reivindicação (exterior a ação executiva).

28. REAÇÃO À PENHORA PELO EXECUTADO


O meio padrão é a oposição á penhora regulada nos artigos 784.º e 785.º. O artigo 784.º prevê três
causas de oposição à penhora, todas elas de ilegalidade objetiva:
• Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos (impenhorabilidade absoluta ou
relativa) ou extensão com que a penhora foi realizada (não se respeitar a impenhorabilidade parcial,
violação das regras da proporcionalidade da penhora…)
• Imediata penhora de bens que só respondem subsidiariamente (regimes de penhorabilidade subsidiária
e, no caso dos cônjuges, os bens que só respondem em caso de dívida comum…) – 784.º n.º 2
• Incidência de penhora sobre bens que, não respondendo nos termos do direito substantivo pela dívida
exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência (caso do artigo 1184.º CC: se o mandatário
em execução de mandato adquirir certos bens que deve retransmitir para o mandante, esses bens não
respondem pelas suas dívidas próprias, pelo que o bem está no seu património, mas não responde,
precisamente porque se pretende que ele seja transmitido para o mandante; se o mandatário for
executado, este bem integra o seu património, mas não responde pela obrigação exequenda).

Tramitação da oposição à penhora


O executado tem, para se opor, o prazo de 10 dias a contar da notificação da penhora (785.º n.º 1). Se se
tratar de processo sumário, 20 dias a contar da citação (856.º n.º 1).

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A tramitação segue as regras previstas na lei para os incidentes (293.º a 295.º ex vi 785.º n.º 2). Com o
requerimento de oposição, são oferecidos os meios de prova, sendo de 5 o limite do número de testemunhas
(293.º n.º 1 + 294.º n.º 2). A oposição à penhora está sujeita a despacho liminar (732.º n.º 1 ex vi 785.º n.º 2).
Havendo silêncio por parte do exequente, consideram-se admitidos os factos que tenham sido alegados
pelo executado (782.º n.º 3 ex vi 785.º n.º 2). Em princípio, a execução não se suspende, apenas se suspende
mediante a prestação de caução (785.º n.º 3).
Se, porventura, o bem penhorado for a casa de morada de família ou a casa de habitação efetiva do
opoente, aplica-se o regime de proteção dos embargos do executado (783.º n.º 5 ex vi 785.º n.º 4). Tal como na
pendência do recurso da decisão exequenda (704.º n.º 3) e dos embargos do executado (733.º n.º 4), nem o
exequente nem outro credor pode, na pendência da oposição, obter pagamento sem prestar caução (785.º n.º
5).
Se a execução for suspensa, a suspensão fica limitada aos bens objeto da oposição e continua quanto a
bens de natureza diferente. Procedendo a oposição à penhora, a consequência é o levantamento da penhora
(785.º n.º 6). Não procedendo, a execução prossegue em relação aquele bem. E se antes da realização da
penhora o executado já souber quais são os bens que irão ser penhorados, poderá reagir antecipadamente? Ou
tem de esperar que a penhora seja realizada de forma ilegal para se poder defender? Para uma reação
antecipada à penhora, o meio processual será a colocação da questão à apreciação do juiz (723.º n.º 1 alínea
d).
Quanto à oposição por simples requerimento: não está regulada em geral, mas é pontualmente
referida e só pode ser feita onde é prevista. Neste sentido, é de referir exemplos: artigo 738.º n.º 6 (regra que
permite reduzir a parte penhorada dos rendimentos) e artigo 744.º n.º 2 (execução contra o herdeiro).

29. REAÇÃO À PENHORA POR TERCEIRO


Quando a penhora é subjetivamente ilegal, o terceiro pode reagir de três formas:
• Mediante simples requerimento: só admitida nos casos especialmente previstos na lei. A lei
presume que todos os bens que se encontrem em poder do executado lhe pertencem, simplesmente
abre a porta a que, por simples requerimento dirigido ao juiz, o executado, alguém em seu nome ou
terceiro, mediante prova documental inequívoca, ilida a presunção. Assim, para a ilisão desta
presunção, com as consequências de a penhora efetuada não se manter e a coisa ser restituída, é
exigido um documento do qual resulte inequivocamente que os bens pertencem a terceiro ou que
terceiro tem sobre eles direito real menor de gozo que implique a sua usufruição. A ilisão da
presunção por este meio expedito só pode ter lugar em casos em que se torne manifesto o direito do
terceiro. Assim será, por exemplo, quando são penhoradas mercadorias dum comerciante que se
encontrem no seu estabelecimento à consignação, mas já não por ser duvidoso se o pagamento do
preço se verificou quando penhoradas máquinas vendidas com reserva de propriedade.
▪ Exemplo: penhora de bens móveis que se encontrem em poder do executado (764.º n.º 3)
• Embargos de terceiro: previsto no CC como um incidente de oposição de terceiro. Um incidente de
oposição é um incidente que tem por finalidade permitir que um terceiro estranho a uma ação seja
admitido a litigar com uma posição jurídica conflituante como a das primitivas partes. Para poder
recorrer à ação de embargos é necessário ter a qualidade de terceiro em relação à ação executiva. e,
segundo uma noção formal, é terceiro quem não é parte da ação.
• Ação de reivindicação
→ Embargos de terceiros
Historicamente, até 95/96, a ação de embargos, estava configurada para uma ação apenas como defesa
da posse e era regulada como processo especial. Desde então, a ação de embargos serve para a defesa da posse
e está regulada como incidente de intervenção de terceiro (342.º). No CC, a possibilidade de deduzir embargos
está no artigo 1285.º (que é um artigo para defesa da posse). Assim, com a revisão, os embargos de terceiro

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passaram a ser regulados entre os incidentes da instância, mais especificamente entre os de intervenção de
terceiros, classificados como incidente de oposição, o que o novo código manteve.
O Professor Lebre de Freitas refere que a ação de embargos tem por base a violação da posse porque
da posse presume a propriedade e, portanto, através da posse o que estava em jogo era a defesa da propriedade
de terceiro.
O Professor Tiago Ramalho não sabe se não pode ser outra coisa: a propriedade enquanto tal de um
terceiro não é atingido pela venda executiva, pois a venda executiva só transmite o que estava na propriedade
do executado, por isso, se forem executados bens pertencentes de terceiro, o terceiro não perde a propriedade.
Assim, na ação de embargos está em jogo a reação ao uso do bem e a utilização da posse do bem. O que está
em jogo é defender a fruição tida do bem.
NOTA 1: Trata-se de um incidente de oposição. Opoente é aquele que tem uma posição irredutível à
das primitivas partes.
NOTA 2: Os embargos de terceiro podem ser deduzidos contra quaisquer atos judicialmente ordenados
que ofendam a posse ou direito.

Quais são os fundamentos dos embargos do executado? Nos termos do artigo 342.º CPC, deverá, em
primeiro lugar, ter havido uma penhora ou um ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens. O
que está em jogo é apreender-se os bens e privar-se a utilização fática dos bens. O segundo pressuposto
assenta no facto desse ato ser ofensivo da posse ou de direito. Pode tratar-se ato ofensivo da posse em nome
próprio ou em nome alheio. Se o embargante, isto é, aquele que reage à medida executiva invoca a sua posse,
então, presume-se a titularidade do direito (1268.º n.º 1 + 1251.º CC). Se prova a posse, não tem de alegar
outros factos. A parte contrária tem de conseguir ilidir a presunção, demonstrando a titularidade do direito.
Como se demonstra a titularidade do direito? Quando há registo, temos a presunção do registo, mas fora desse
campo, como se demonstra a titularidade do direito? Numa ação possessória, sendo que a causa de pedir é
alegar o exercício de poderes de facto e, aí, o tribunal conclui que é titular.
Numa ação real, qual é a causa de que resulta o direito real? Imagine-se: A tem de alegar que é
proprietário e titular do direito, tendo adquirido esse direito de B. Isto não prova que A é titular de direito, pois
A só é titular de direito se B foi titular de direito. Como sabemos que B é proprietário? Vai ser preciso recuar
até uma aquisição originária e a forma mais fácil de o alegar é a posse por mais tempo que é posse por
usucapião. O Professor Manuel de Andrade diz que no direito português, nas ações reais, é sempre preciso
indiciar a usucapião. Se o embargante alega e prova a posse, a parte contrária alega e prova a titularidade do
direito, tendo de recuar a uma aquisição originaria ("adquiriu o bem de alguém que adquiriu o bem por
usucapião").
Há casos em que a lei oferece tutela possessória aos titulares de certos direitos de gozo (locatário –
1037.º CC; comodatário – 1133.º n.º 2; depositário – 1188.º n.º 2 CC; parceiro pensador – 1125.º n.º 2 CC).
Qual a particularidade destes direitos pessoais de gozo? Temos de distinguir a locação dos outros casos.
Em geral, estes sujeitos (sem ser locador) só podem recorrer a ação de embargos quando o executado
não seja a contraparte da relação obrigacional. Se o executado for aquele de quem recebera um bem, a sua
tutela possessória não é suficiente para a produção da ação de embargos15.

15LEBRE DE FREITAS, A ação executiva, ps. 325-326. Quando o locatário, o parceiro, o depositário ou o comodatário possui a
coisa penhorada em nome do executado, os embargos de terceiro não são admissíveis, visto que, no conflito entre o direito real
(constituído através da penhora) e o direito de crédito, este, independentemente da data da sua constituição, terá de ceder perante o
primeiro. Contudo, quando a posse tiver lugar em nome dum terceiro, da sintonia entre o interesse deste e o do possuidor em nome
alheio, resulta a legitimação extraordinária deste último para embargar em substituição processual daquele.
LEBRE DE FREITAS, A ação executiva, p. 331. Se o proprietário da coisa (ou titular de outro direito real de gozo sobre ela) for o
executado, a consideração da finalidade do direito real de garantia não permitirá defender que o credor possa embargar de terceiro,
sem prejuízo do seu eventual direito de indemnização. Mas se o proprietário for um terceiro, já é defensável que o credor possa,
como possuidor em nome próprio, embargar de terceiro, em termos semelhantes aquele em que pode fazer o possuidor em nome
alheio a quem a lei civil concede o poder de embargar.

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No caso específico da locação, a proteção é obtida de forma específica: se, porventura, for executado o
locador, o locatário não pode recorrer a embargo de terceiro, mas é protegido como? Antes da venda
executiva, é constituído depositário dos bens. Depois da venda executiva, o seu direito de locação, se anterior
à penhora, não vai caducar (824.º n.º 2 CC, por identidade de razão) – o regime da locação diz que a venda do
bem locado não extingue a locação, pelo que a venda do bem executado também não).
Podem também recorrer a embargos de terceiro aqueles que sejam titulares de direitos incompatíveis
como a diligência executiva. Quais são esses direitos? São aqueles que possam ser atingidos na sua
consistência pela ação executiva – exemplo: um direito real menor de gozo que se extinga com a ação
executiva.
O que acontece quando o direito é constituído depois da penhora? O titular deste direito, se for
penhorada toda a propriedade sem ressalvar direitos menores, poderá embargar.
O Professor Tiago Ramalho pensa que, eventualmente, o titular do direito de locação, se não for
citado, poderá embargar porque ele podia ser citado nos termos do artigo 54.º n.º 4, se fosse para extinguir o
direito.

Direitos que não dão lugar a embargos de terceiro:


• Direitos reais de aquisição: no regime da venda executiva, é previsto que estes direitos são
respeitados. Se a tramitação da ação executiva prevê um modo de proteção de terceiros, não pode
embargar
• Titular do direito real de garantia: não pode embargar, pois já vai ser citado para reclamar o
crédito. Assim, se o direito em causa pode ser atingido por aquela ação, pode embargar. Se não é
atingido ou se a ação já prevê um modo de respeitar o direito, então, não embarga, porque já tem
outro modo de proteção (citação e reclamação, por exemplo).
▪ Se o direito está a ser atingido, tem legitimidade para embargar. Se não, não tem.

Tramitação da ação de embargos


No que toca à propositura da ação, ela deverá ser proposta no prazo de 30 dias a contar da diligência ou
do seu conhecimento (344.º n.º 2). A lei admite que eles possam ser deduzidos antes da realização da penhora,
mas depois do momento em que ela tiver sido ordenada (350.º). O que nunca pode acontecer é deduzir a ação
de embargos depois de os bens serem vendidos ou adjudicados (344.º n.º 2). Com a petição de embargos,
deverá seguir de imediato o oferecimento das provas (344.º n.º 2). A petição será sujeita a despacho liminar
(345.º).
O que é próprio desta ação é que ela está dividida em duas fases:
1. Na fase introdutória formula-se um juízo acerca do recebimento ou não recebimento dos embargos.
Nesta fase, apura-se se há probabilidade séria de existência do direito. Os embargos podem ser
rejeitados e, sendo eles rejeitados, o incidente termina aqui e o embargante pode propor uma ação
declarativa autónoma (346.º). Se, pelo contrário, a ação de embargos for recebida, suspendem-se de
imediato as diligências executivas relativas aos bens objeto da ação de embargos (347.º), bem como
a restituição provisória da posse (adotada fora do âmbito de Providência Cautelar), se o embargante
a houver requerido, podendo, todavia, o juiz condicioná-la à prestação de caução pelo requerente.
2. Fase contraditória: recebidos os embargos, são chamados exequente e executado para contestar
(348.º n.º 1), seguindo-se os termos do processo comum (sendo o prazo para a contestação de 30
dias – 568.º n.º 1). Qualquer dos embargados pode alegar na contestação, em reconvenção ou por
exceção que o bem penhorado pertence ao executado, podendo ser suscitada não só a questão da
posse, mas também a questão da titularidade e propriedade de direito (348.º n.º 2). Esta ação segue,
então, os termos do processo declarativo.

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Efeitos da ação de embargos
A ação de embargos tem consequências processuais e materiais.
• Do ponto de vista processual, a consequência é o levantamento da penhora16 ou, no caso de embargos
preventivos a pura e simples não realização da penhora (350.º n.º 2). Se a ação improceder, não se
levanta a penhora e a execução procede.
• Do ponto de vista do direito material, a sentença que venha a ser proferida tem o valor de caso julgado
material quando há existência e titularidade do direito que tenha sido invocado pelo embargante ou
pelos embargados.

→ Ação de reivindicação
É uma ação exterior à própria ação executiva, isto é, à margem da ação executiva recorre a ação de
reivindicação. Contudo, ainda assim, esta ação vai conseguir interferir na ação executiva, quer através da
venda ficar sem efeito, quer através do protesto (840.º + 841.º).
Trata-se de uma ação declarativa comum, ao alcance do proprietário (ou titular de outro direito real
menor) cujo direito tenha sido ofendido pela penhora. É um meio totalmente autónomo relativamente ao
processo executivo e que pode levar, a todo o tempo, à anulação da venda que neste for efetuada (839.º n.º 1
alínea d). Desta forma, é uma ação, por excelência, do proprietário (1311.º CC). Se o proprietário pode
recorrer sempre à ação de reivindicação, pode fazê-lo mesmo que o bem que lhe pertença tenha sido objeto de
penhora ou de venda executiva, porque, nos termos do direito material, a venda executiva apenas transmite
para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida (824.º n.º 1 CC). Assim, o terceiro que é
proprietário continua a poder reivindicar a coisa.
Desta forma, é de referir que a lei prevê possibilidade do reivindicante recorrer à figura do protesto que
é uma advertência de que vai propor uma ação de reivindicação, advertendo os intervenientes de que o bem
em venda executiva pode pôr em causa os efeitos daquele ato jurídico. Se recorrer à figura do protesto (840.º
+ 841.º), embora seja estranho à ação executiva, vai provocar as seguintes consequências:
• Tratando-se de bens móveis, não podem ser entregues ao comprador (840.º n.º 1)
• O produto da venda que será destinado ao exequente não pode ser levantado sem prévia prestação de
caução (840.º n.º 1 parte final)
Se o autor do protesto não propuser a ação dentro de 30 dias ou a ação estiver parada, por negligência
sua, durante 3 meses, pode requerer-se a extinção das garantias destinadas a assegurar a restituição dos bens e
o embolso do preço.
Incidindo a penhora sobre bens sujeitos a registo, há que ter em conta as limitações decorrentes, para o
terceiro reivindicante, das regras próprias do registo. Registadas a penhora e a venda subsequente em processo
executivo, o exequente e o adquirente do direito penhorado, que estejam de boa fé, gozam da proteção do
registo, se este for anterior ao registo da ação de reivindicação e, alternativamente:
• O direito do reivindicante se fundar na nulidade ou anulação do negócio jurídico pelo qual o
executado adquiriu o direito penhorado e a ação de reivindicação não for registada nos três anos
posteriores à conclusão do negócio (291.º CC)
• Houver, fora desse condicionalismo, registo pré-existente a favor do executado, salvo se o direito do
reivindicante se fundar em usucapião (5.º n.º 2 + 17.º n.º 2 CRP)

Terminada a fase da penhora, seguimos para a próxima fase:

16
LEBRE DE FREITAS, A ação executiva, p.344. Se no final, os embargos forem julgados procedentes, a penhora, se já tiver sido
efetuada, é levantada. Mas terá a sentença, de procedência ou improcedência, eficácia de caso julgado fora do processo executivo? A
questão tem tido, na doutrina, solução mitigadamente afirmativa. Não sendo as garantias das partes nem a complexidade da
tramitação inferiores nos embargos de terceiro às da ação declarativa com processo comum, o caso julgado produz-se (349.º).

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CITAÇÃO E CONCURSO DE CREDORES
Esta nova fase da ação executiva é regulada nos artigos 786.º e seguintes.
A ação executiva constitui uma modalidade de execução singular, portanto, em princípio, está apenas
destinada a satisfazer os interesses do exequente. Assim, em princípio, terceiros credores não serão chamados
para a ação executiva. Contudo, nos casos em que os terceiros credores tenham uma posição privilegiada
sobre os bens penhorados, reclama-se o respetivo chamamento para que os seus direitos sejam respeitados e os
créditos tutelados, na medida em que a futura venda executiva vai extinguir os direitos (824.º n.º 2).
Isto não faz com que ação executiva se torne numa ação universal, pois só são chamados os credores
titulares de créditos que, por força das respetivas garantias, possam ser conflituantes com as restantes
garantias.
Esta fase contém dois momentos: reclamação de créditos e verificação e graduação de créditos.

30. CONCURSO DE CREDORES

1. Reclamação de créditos: deverão ser citados todos os credores que tenham uma garantia real
registada sobre os bens penhorados (artigo 786.º n.º 1 alínea b). Será ainda citada a fazenda nacional
(que é quem representa a administração tributária para efeitos patrimoniais) e o instituto de gestão
financeira da SS, isto se houver créditos tributários ou dívidas da SS por satisfazer. Mesmo que um
credor não tenha sido citado, poderá intervir espontaneamente na ação executiva (artigo 788.º n.º 3).
Se ele não for citado e não intervir (por exemplo por não conhecer a ação executiva) vai-se extinguir
a garantia. Contudo, pode haver ação de responsabilidade contra o responsável pela citação (que, em
princípio, é o agente de execução), além de ação de restituição do enriquecimento sem causa dirigida
contra aquele que tenha sido pago em lugar do credor que não foi citado (artigo 786.º n.º 6 que prevê
a responsabilidade civil e a eventual ação de enriquecimento sem causa). Se não existir quaisquer
credores titulares de garantias e, portanto, não houver créditos reclamados, a ação executiva vai
continuar na forma sumária sem intervenção do juiz. Como é tramitada esta fase? Inicia-se com a
citação. Em seguida, começa a correr o prazo para serem reclamados os créditos (artigo 788.º n.º 2),
devendo ser reclamados no prazo de 15 dias. No caso de intervenção espontânea, a reclamação é
admitida até à transmissão dos bens penhorados (artigo 788.º n.º 3). Existem pressupostos específicos
relativos à reclamação de créditos:
• Existência de garantia real sobre os bens penhorados: o elenco das garantias reais encontra-se
previsto no artigo 604.º n.º 2 CC. Uma particularidade do regime é a limitação da reclamação de
créditos quando a garantia seja um privilégio creditório geral e a execução tenha um valor
relativamente baixo (inferior a 25 UC), artigo 788.º n.º 4. Porque é que a lei limita a reclamação? Um
dos problemas que havia na ação executiva era o facto de que o exequente tomava a iniciativa de
cobrar o crédito, sendo que eram citados a fazenda e o instituto. Ora, estes reclamavam créditos por
privilégios, sendo garantidos em primeiro lugar, pelo que, sistematicamente, a ação servia para a
satisfação de créditos do Estado. Para que isso não aconteça, obsta-se que, até certo valor, esses bens
sejam reclamados. Para efeitos de reclamação de créditos, também se considera garantida a penhora
porque a penhora é causa legítima de preferência (artigo 822.º n.º 1 CC). Com efeito, se houver várias
execuções em que são penhorados os mesmos bens, é sustada (no sentido em que é interrompida) a
execução em que a penhora tenha sido posterior. O exequente da execução em que a penhora é
posterior, poderá reclamar o seu crédito na primeira execução, apresentando como garantia a penhora
que obteve na segunda execução. Portanto, o exequente da segunda execução reclama o crédito na
primeira execução (artigos 788.º e 786.º). O arresto servirá de garantia suficiente para este efeito? O
arresto visa antecipar os efeitos da penhora. Por conseguinte, para garantirmos a utilidade do arresto,
devemos considerar que ele tem garantia suficiente. O problema é que faltará o requisito do título
executivo.

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• Existência de título executivo: contudo, mesmo que um credor com garantia real sobre o bem
penhorado não disponha ainda de título executivo no termo do prazo para a reclamação (que, em
princípio, é o que acontece no caso do arresto), pode requerer, no prazo para reclamação de créditos,
que a graduação dos créditos aguarde a obtenção do título em falta em ação já pendente ou a propor
no prazo de 20 dias (artigos 792.º n.º 1 e 792.º n.º 7 alínea a). Se o fizer, a ação executiva prossegue
até à venda ou adjudicação dos bens penhorados, fazendo-se entretanto a verificação dos restantes
créditos (artigo 792.º n.º 6). Sendo feita a graduação, poderão ser feitos os pagamentos em função
dessa graduação. Tendo o reclamante requerido que a graduação de créditos aguarde a obtenção de
título, o exequente é notificado para, no prazo de 10 dias, se pronunciar sobre o crédito (artigo 792.º
n.º 2). Podem acontecer duas coisas – (1) se o executado reconhecer o crédito ou nada fizer
considera-se formado título executivo, embora ele venha a poder ser impugnado pelos restantes
credores (artigo 792.º n.º 3 – título judicial impróprio que evitará a propositura de uma ação); (2) se o
executado impugnar o crédito, será necessário aguardar a obtenção de título através de uma ação
autónoma da qual deverão tomar parte o exequente e todos os credores reclamantes com garantia real
sobre o mesmo bem em litisconsórcio necessário (artigo 792.º n.º 5).
o Então: tem de ser citado o executado, o exequente e todos os credores. Se um dos credores
não tem título, graças ao artigo 792.º, ele pode requerer que se aguarde a formação do título.
Se o executado não impugnar ou reconhecer expressamente, considera-se automaticamente
formado título executivo, sendo a reclamação aceite. Se o executado impugnar, não há título,
havendo lugar a uma ação autónoma. Coloca-se então a seguinte questão – Porque é que os
restantes credores têm de ser citados? Se não estivesse a decorrer a ação executiva, só estaria
na ação o executado e o credor. Mas neste caso todos deverão citados. Porquê? O efeito útil
pretendido é sujeitar todos ao efeito do caso julgado. Ficou pendente apenas a graduação do
crédito. Decorrendo a ação à margem com a presença de todos, o seu resultado pode ser
trazido para a ação executiva e sem impugnação.
• Certeza e liquidez da obrigação: não é necessário é que a obrigação se encontre vencida. Mesmo
que a obrigação não seja vencível, o crédito é reclamável. Tem de ser feito o desconto relativo à
antecipação do cumprimento (artigo 791.º n.º 3). Na eventualidade da obrigação não ser certa nem
líquida, poderá o credor torna-la certa e líquida nos mesmos termos em que o exequente o possa fazer
(artigo 788.º n.º 7). Quando o título executivo é uma sentença, é na ação declarativa que a liquidação
há-de ter lugar, dado que o credor reclamante em execução alheia dispõe dos mesmos meios de que
dispõe o exequente. Note-se que existe um prazo para reclamar. Assim, o credor que, findo esse
prazo, ainda não tenha obtido decisão que liquide a obrigação objeto de sentença genérica pode
requerer que a graduação dos créditos aguarde a liquidação na ação declarativa – isto por aplicação
analógica do artigo 792º/1.

2. Verificação e graduação: sendo reclamados os créditos, segue-se a sua verificação (apurar se os


créditos existem) e graduação (ordená-los por ordem de preferência). Esta segunda subfase terminará,
em princípio, com uma sentença de simples apreciação positiva da existência dos créditos e do seu
valor relativo. Teremos aqui um segundo momento declarativo (artigo 798.º n.º 8). Assim, o concurso
de credores é processado por apenso ao processo de execução. Trata-se de mais um processo
declarativo de estrutura autónoma mas funcionalmente subordinado ao processo executivo.

Citados os credores, têm o prazo perentório de 15 dias (artigo 788º/2) para reclamar os seus créditos. Tendo
sido reclamados os créditos, as reclamações são notificadas ao exequente, aos restantes credores reclamantes,
ao cônjuge do executado e ao agente de execução (artigo 789.º n.º 1). Tendo sido notificadas as reclamações,
o exequente e executado podem impugná-las (artigo 789.º n.º 2). Poderão fazê-lo com fundamento em
qualquer causa que extinga ou modifique a obrigação ou impeça a sua existência (facto impeditivo,
modificativo ou extintivo – artigo 789.º n.º 4). Se o crédito estiver reconhecido por sentença, apenas se

72
podem aplicar com as necessárias adaptações os fundamentos dos artigos 729.º e 730.º ex vi 789.º n.º 5. Em
segundo lugar, os próprios credores que reclamam poderão impugnar os créditos que estejam garantidos pelos
bens sobre os quais incida a sua garantia (artigo 789.º n.º 3), tal como as próprias garantias. A única diferença
entre o n.º 2 e n.º 3 (impugnação pelo exequente e executado e impugnação pelos credores) é que o exequente
e o executado têm interesse em todas as reclamações. Os credores só têm interesse em impugnar sobre os
bens sobre os quais têm uma garantia.

Se houver impugnação, é dada a possibilidade de resposta ao credor reclamante no prazo de 10 dias (artigo
790.º). Não havendo impugnação, o crédito tem-se por reconhecido (artigo 791.º n.º 2), valendo o regime do
efeito cominatório pleno.

Relativamente à verificação:
• Se não houve impugnação ou, tendo havido impugnação, não houver prova a produzir, o juiz profere
de imediato sentença de verificação dos créditos reclamados (artigo 791.º n.º 2), terminando aí o
processo.
• Se a verificação de algum dos créditos reclamados estiver dependente de produção de prova (e será
necessária quando haja impugnação), seguir-se-ão os termos do processo declarativo (artigo 791.º n.º
1). Note-se que no despacho saneador podem declarar-se reconhecidos os créditos que não estejam
dependentes de produção de prova. Relativamente aos restantes, segue-se a fase de instrução e depois
há lugar à sentença a verificá-los (artigo 791.º n.º 2).

Ora, nesta sentença de verificação e graduação dos créditos, o juiz declara quais os créditos que se
consideram verificados e qual o seu valor relativo. O valor relativo dos créditos é determinado pelo regime de
direito material. Isto é, o juiz vai graduar os créditos, estabelecer a ordem pela qual devem ser satisfeitos de
acordo com os preceitos aplicáveis de direito substantivo. A regra fundamental para graduar os créditos é a de
que o crédito cuja garantia tenha sido primeiramente constituída, prevalece sobre o crédito cuja garantia tenha
sido constituída posteriormente. Este princípio de direitos reais tem a sua expressão latina na seguinte
expressão – “prior in tempore potior in iure” (o primeiro em tempo é o mais forte no direito). Depois
existem algumas exceções.

Com a prolação da sentença, termina a fase da ação executiva. Uma pergunta dogmática que se pode colocar
a respeito desta fase é: qual é o exato estatuto processual destes credores reclamantes? O Professor Lebre de
Freitas designa-os como partes acessórias. O professor Tiago Ramalho pensa que não é a designação mais
correta pois estes credores não têm uma posição acessória das partes principais, têm sim uma posição própria,
atuando na medida do seu interesse. Teixeira de Sousa sustenta (e o Professor Tiago Ramalho concorda mais
com esta posição) que são opoentes, tendo uma posição que se assemelha à parte ativa e passiva. Talvez ainda
mais corretamente possamos considerar que são partes terceiras com categoria própria.

31. CITAÇÃO DO CÔNJUGE

Ainda dentro desta fase de citação, prevê-se a citação do cônjuge do executado. É necessário citar o cônjuge
do executado quando, nos termos do artigo 786.º n.º 1 alínea a) se recorra ao regime previsto no artigo 740.º
(penhora de bens comuns na execução movida contra um dos cônjuges, que é o caso em que um dos cônjuges
pede separação), ou quando a penhora tenha recaído sobre bem imóvel ou estabelecimento comercial que o
executado não possa alienar livremente. Deve haver esta citação para respeitar o regime, previsto
substantivamente no artigo 1682.º-A CC, que prevê que o cônjuge deva obter a autorização do outro cônjuge
para alienar certos bens próprios. Trata-se de bens de tanta importância para o património familiar que o outro
cônjuge deve ter uma palavra a dizer acerca da oportunidade da respetiva alienação. Podendo a ação

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executiva implicar a perda do bem, por identidade de razão, o cônjuge do executado é citado para poder
defender o património familiar. Sendo citado o cônjuge, ele pode exercer todos os meios de defesa que a lei
confere ao executado (artigo 787.º n.º 1). Se houver conflito entre os cônjuges quanto à estratégia de defesa, o
conflito deverá ser dirimido pelo juiz nos termos gerais (artigo 723.º n.º 1 alínea b). O prazo para oposição é
de 20 dias a contar da citação (artigo 787.º n.º 1). Aqui podemos ter duas oposições à execução por referência
à mesma execução em momentos diferentes – uma pelo executado e outra pelo cônjuge do executado.

32. VENDA EXECUTIVA. PAGAMENTO

Esta é a última fase da execução para pagamento da quantia certa. Rigorosamente, não tem de haver uma
venda executiva. Não obstante, normalmente ela tem lugar. Esta fase está regulada nos artigos 795.º e
seguintes e inicia-se após o termo do prazo para reclamação de créditos (artigo 796.º n.º 1). Excetuam-se os
casos de venda antecipada previstos no artigo 814.º. Nestes casos, o juiz autoriza que a venda executiva tenha
lugar antes do momento referido no artigo796.º n.º 1. É admitida uma venda antecipada quando os bens
estejam sujeitos a deterioração ou depreciação ou então por haver manifesta vantagem na antecipação da
venda (artigo 814.º n.º 1), sendo a venda feita por negociação particular (artigo 832.º alínea c).

É o agente de execução que conduz a fase relativa ao pagamento (artigo 719.º n.º 1). A finalidade desta fase é
obter os valores necessários para o pagamento da obrigação exequenda. Os valores necessários podem ser
obtidos de diversas formas. A lei prevê no artigo 795.º n.º 1 várias possibilidades, referindo quatro – entrega
de dinheiro (pensemos na penhora de depósitos bancários), adjudicação dos bens penhorados, consignação
dos rendimentos e produto da venda executiva. Em alternativa a estes meios, é admitido o acordo global ou o
pagamento em prestações (artigo 795.º n.º 2). Isto é uma manifestação do princípio do dispositivo.

Assim, existem diferentes modos de obter os valores necessários para satisfação dos créditos objeto da
execução:

1. Entrega de dinheiro: tem lugar quando a penhora tenha recaído em moeda corrente ou depósito
bancário (artigo 798.º n.º 1). Não é necessário realizar nenhuma venda executiva, pois o objeto da
penhora já foi uma quantia monetária, sendo apenas necessário atribuir esse valor ao exequente ou
credor;

2. Consignação de rendimentos (artigo 803.º e seguintes): o exequente requer que os rendimentos de


imóveis ou móveis sujeitos a registo lhe sejam consignados (artigo 803.º n.º 1). Este regime também
se pode aplicar quando se tenha penhorado um título de crédito nominativo (artigo 805.º n.º 3). O
executado poderá opor-se à consignação (artigo 803.º n.º 2), requerendo a venda dos bens. Esta figura
está mencionada no Código Civil nos artigos 656º e seguintes.

Exemplo: imaginemos que o exequente penhora um imóvel que se encontra arrendado. Ao invés de requerer a
venda executiva, requer que as rendas lhe sejam atribuídas. Pode demorar mais tempo à satisfação do crédito,
pois é necessário que se vão produzindo ao longo do tempo rendimentos. Se esta figura for requerida antes da
citação dos credores, os restantes credores não são citados para ação executiva (artigo 803.º n.º 3) e os
credores não perdem nada, pois o bem não é alienado, não havendo deterioração do património do executado.

Feita a consignação de rendimentos, a execução é extinta e levantam-se as penhoras sobre outros bens (artigo
805.º n.º 1). Se numa outra execução o bem objeto da consignação de rendimentos for alienado, o exequente
goza da preferência resultante da primeira penhora (artigo 805.º n.º 2). No caso particular da locação, mas que

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se aplica às restantes hipóteses de consignação de rendimentos, a execução extingue e o consignatário recebe
as rendas até ser satisfeito pela titularidade do crédito (artigo 804.º n.º 3).

3. Venda executiva: está regulada nos termos 811º e seguintes CPC a venda executiva. Pode revestir
várias modalidades previstas no artigo 811º. Como toda a ação executiva, a venda executiva está
limitada pelo princípio da proporcionalidade. Logo que se obtém o suficiente para satisfação das
despesas da execução e do crédito do exequente e dos credores reclamantes, deverá sustar-se a venda,
artigo 813º CPC. Quem decide acerca da venda executiva é o agente de execução que o faz nos
termos do artigo 812º. Este artigo prevê o que a decisão acerca da venda executiva deverá conter
(nº2).

Qual a modalidade de venda que o agente de execução deve escolher? Vamos ver do regime especial para
o regime geral.

• Caso o bem objeto da penhora seja um instrumento financeiro ou uma mercadoria com cotação em
mercados regulamentados (EX: bolsa de valores), a venda executiva deve ser feita nesse mesmo
mercado, artigo 830º (EX: venda de ações em bolsa);
• Aplicamos o regime da venda direta quando os bens devam ser entregues a certa entidade ou tenham
sido prometidos vender com eficácia real a quem queira exercer o direito de execução específica,
artigo 831º.
• Fora destes casos particulares, temos o regime geral, de aplicação genérica – venda em leilão
eletrónico, artigo 837º. É esta a modalidade preferencial de venda de bens móveis e imóveis. Está
também regulado nos artigos 20º a 26º da Portaria 282/2013, assim como no Despacho 12624/2015 da
Ministra da Justiça. A venda em leilão eletrónico é realizada através de uma página na internet.
• Fora destas regras, devemos aplicar subsidiariamente o regime da venda sobre propostas em carta
fechada (isto porque é o regime que está mais pormenorizado).
o NOTA: caso se trate de venda de estabelecimento comercial de valor superior a 500 UC (cada
UC equivale a 102€), pode qualquer interessado exigir a venda executiva por proposta em
carta fechada.
• A forma seguinte de venda executiva é a venda por negociação particular, artigo 832º/a/b/c/g. Caso
não se verifiquem estas alienas, a venda deverá ser feita mediante proposta em carta fechada para bens
imóveis e por depósito público para bens móveis, artigo 816º e artigo 836º. Caso não seja possível,
pode ser sempre negociação particular nos termos do artigo 832º nas suas restantes alíneas.

O professor considera que, havendo consentimento entre todos os interessados, é sempre possível escolher-se
a modalidade de alienação por causa do princípio do dispositivo.

Vamos estudar mais de perto a venda mediante proposta de carta fechada. Não é esse o modo preferencial
de alienação, é o leilão eletrónico. Mas a venda mediante proposta de carta fechada tem uma função modelar
em termos de regime. Vamos analisar o modo como é tramitada. Primeiro é anunciado o valor base dos bens.
Nos termos do artigo 816º/2, será de 85% do valor base calculado nos termos do artigo 812º/3. As propostas
de valor inferior a 85% deste valor base não poderão ser aceites. Isso apenas poderá acontecer se houver
consentimento de todos, artigo 821º/3. Anunciado o valor base, a venda será publicitada nos termos do artigo
817º. Ela é publicitado numa página informática de acesso público e mediante edital na porta do prédio a
vender. Os preferentes são notificados do dia, hora e lugar de abertura das propostas, artigo 819º/1. São
notificados nos termos previstos para a citação, artigo 819º/3. Se os preferentes não forem notificados,
poderão propor ação de preferência nos termos do artigo 819º/4. Eles são notificados porque o direito do
preferente é o de preferir nos termos do adquirente. Só aberta a proposta é que pode o preferente decidir se

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quer ou não preferir, aí é que sabe qual é o valor da possível venda. Nos termos do artigo 816º/3, a abertura
das propostas é feita em tribunal, podendo elas ser apreciadas por todos os intervenientes. Cada proponente
deverá caucionar a sua proposta, artigo 824º/2. Em princípio, a proposta que prevalece é a proposta de maior
preço. Na eventualidade de haver várias propostas com o mesmo valor, deverá abrir-se licitação para ver
quem oferece um valor superior nos termos do artigo 820º/2. Admite-se que o exequente manifeste a vontade
de adquirir o bem. Caso o faça é aberta licitação entre ele e o proponente de maior preço, artigo 820º/5. Assim
chegamos a um possível adquirente e a um valor de aquisição. Os titulares do direito de preferência são
interpolados para preferir, artigo 823º/1. Se houver vários preferentes, vão licitar entre eles nos termos do nº2.
Nos termos do artigo 824º/1/3, o proponente e o preferente devem apresentar como caução um cheque visado
de 5% do valor anunciado para venda. Neste momento já saberemos quem é que será o possível adquirente. O
bem é então adjudicado. No prazo de 15 dias o proponente ou o adquirente deverá depositar o preço conforme
os artigos 824º/2 e 825º. Se não depositar o preço o agente de execução pode recorrer a qualquer uma das
possibilidades do artigo 825º/1. A primeira possibilidade é optar pela proposta seguinte, perdendo o
proponente a caução. A segunda é determinar que a venda fica sem efeito, procedendo a uma nova venda
executiva, também perdendo o proponente a caução. A terceira é liquidar a responsabilidade do proponente,
arrestando os bens necessários para pagamento do preço e sendo executado no próprio processo. No caso de
exequente ou credor com garantia, pode ser dispensado do depósito de preço, compensando com o próprio
crédito, artigo 815º/1. Depois é passado o título de transmissão (ato unilateral do Estado), constando os bens,
certificando-se o pagamento, declarando-se o pagamento ou isenção das obrigações fiscais e a data da
adjudicação. Os bens são imediatamente entregues, artigo 827º/1. Se não houver entrega dos bens por parte de
quem os detenha, o adquirente pode exigir a entrega coerciva na própria execução, artigo 828º.

Não devemos confundir direito de remissão com direito de remição:

Nos termos do artigo 842.º, o direito de remição é o direito que se confere a familiares próximos do executado
chamarem a si bens objeto de venda ou adjudicação, sendo uma espécie de direito de preferência concedido a
familiares próprios. Visa garantir a proteção do património familiar no âmbito da venda executiva, evitando a
saída dos bens penhorados do âmbito da família do executado. O direito de remição prevalece sobre qualquer
direito de preferência em sentido estrito (artigo 844.º n.º 1), sendo por isso denominado de direito de
preferência qualificado. Sucessivamente, nos termos do artigo 842.º, tem direito de remição o cônjuge não
separado judicialmente de pessoas e bens, os descendentes e os ascendentes (pela ordem referido no artigo
845.º n.º 1). Esse direito de remição é exercido no valor pelo qual tenha sido feita a adjudicação ou a venda. O
exercício do direito de remição tem lugar num prazo apertado que varia consoante a modalidade de venda e a
formalização desta por escrito (artigo 843º/1):

• No caso de venda por proposta de carta fechada, o direito de remição pode ser exercido até à emissão
do título de transmissão;
• Nas outras modalidades de venda, o direito de remição pode ser exercido até ao momento da entrega
do bem ou da apresentação de título.

4. Adjudicação de bens: está regulada autonomamente, mas pode ser vista como uma submodalidade
da venda executiva. Esta figura está regulada nos artigos 799.º e seguintes. É uma possibilidade que
está reservada ao exequente (artigo 799.º n.º 1) ou a um credor reclamante com garantia real sobre
esse bem objeto da garantia (artigo799.º n.º 2). O exequente ou o credor reclamante requerem que o
bem lhes seja adjudicado por certo preço (artigo 799.º n.º 3). Este preço não pode ser inferior a 85%
do valor base dos bens (que é a mesma regra que está na venda executiva). Tendo feito este

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requerimento, a proposta de adjudicação é publicitada, mencionando-se o preço oferecido (artigo
800.º n.º 1). Se não houver nenhuma proposta, aceita-se o preço oferecido pelo exequente ou pelo
credor reclamante (artigo 801.º n.º 1). Caso exista proposta, é necessário deliberar sobre ela nos
termos da própria venda executiva (artigos 820.º e 821.º ex vi 801.º n.º 2). Para muitos aspetos do
regime, remete-se para o disposto na venda executiva (artigo 802.º).

Assim, a adjudicação é uma espécie de venda executiva em que a primeira proposta é feita pelo exequente ou
credor reclamante, podendo outros interessados a seguir apresentar as suas propostas. O que este regime tem
de particular é a iniciativa.

Terminamos o ponto de vista processual da venda executiva. Do ponto de vista material, quais são os efeitos
da venda executiva? Do ponto de vista material, a venda executiva está regulada nos artigos 824.º e 825.º. A
regra geral, nos termos do artigo 824.º, é a de que a venda executiva transfere para o adquirente os direitos do
executado sobre a coisa vendida. Portanto, extingue-se a titularidade do direito na esfera do executado e ela
passa para a esfera do adquirente com uma consequência – se o executado não era titular do direito sobre a
coisa vendida, o adquirente também não o será. Assim, a venda executiva transmite o direito, não o criando,
daí que o terceiro possa sempre reagir através da reivindicação. Se for vendida coisa alheia, aplica-se o
regime do artigo 825.º.

O efeito principal e mais relevante da venda executiva é transmitir para o adquirente os efeitos do executado
sobre a coisa vendida, mas há outros efeitos associados à venda que se encontram regulados no artigo 824.º
n.º 2. Este artigo refere duas categorias de direitos:
1. Direitos reais de garantia (824.º n.º 2, 1ª parte): os direitos reais de garantia caducam sempre com a
venda executiva, sejam eles posteriores ou anteriores à própria penhora, não havendo qualquer
limitação temporal (qualquer direito real de garantia extingue). São protegidas mediante a reclamação
dos créditos garantidos para serem graduados e pagos pelo produto da venda. Por isso o artigo 824.º
n.º 3 refere que, no caso de os direitos caducarem, eles transferem-se para o produto da venda.
Extingue-se a garantia, mas em lugar desta, tem direito a receber o produto da venda de acordo com a
graduação do crédito.
2. Outros direitos reais (nomeadamente os direitos reais de gozo): à falta de regime especial, para os
demais direitos reais é necessário fazer uma distinção. Se forem de registo anterior a qualquer arresto,
penhora ou garantia, subsistem. Se forem de registo posterior, extinguem-se.
a. A lei excetua apenas os direitos que não estão sujeitos a registo (aqui eles não têm de ser
registados, mas terão na mesma de ter data anterior à penhora). Que regime aplicamos ao
direito de arrendamento? Em princípio, não está sujeito a qualquer regime. É discutido o que
é o direito de arrendamento, mas é tido como um direito obrigacional, com alguns fatores
reais. É de referir o artigo 824.º n.º 1. Vale a regra do regime do direito de arrendamento, que
é a de que o arrendamento não se extingue por transmissão da coisa (1057.º CC). O artigo
1057.º CC corresponde ao princípio emptio non tollit locatum (a compra não destrói o
arrendamento). O direito de arrendamento era um direito de natureza pessoal e a coisa era
vendida, pelo que o locatário não tinha proteção, apenas podendo exigir a utilização da coisa.
Se mudava o proprietário, não tinha o locatário direito contra o adquirente, não tendo
proteção real e ficado desapossado do bem. Paralelamente criou-se a figura da enfiteuse que
era uma mistura entre o direito dos contratos e direito real que consistia na divisão dos

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contratos de domínio direto (titularidade) e domínio útil. No século XIX, houve um grande
combate à figura da enfiteuse e uma grande exaltação da propriedade individual absoluta. A
enfiteuse deixou de se aplicar e o contrato de locação passou a ser o meio que se aplicava.
Qual a consequência disto? Regrediu-se no nível de proteção, passando a haver um direito
meramente obrigacional do arrendamento. Com o êxodo rural passou a haver casos de
arrendamento sem proteção e, dessa forma, o legislador reforçou a proteção do arrendamento,
referindo que a transmissão não destrói o arrendamento. Ora, se o arrendamento não se
extingue quando o locador pretende transmitir a coisa, então, a venda executiva também não
pode fazer extinguir. Em princípio, o arrendamento não se extingue. Temos apenas de
introduzir a exceção do n.º 2, na qual o arrendamento deverá ser anterior a penhora. Se for
posterior ele será inoponível à venda executiva (artigo 819.º). Deveremos aplicar o mesmo
regime que aplicamos aos demais direitos reais. Existem autores que defendem que o
arrendamento subsiste mesmo que posterior à penhora, mas o Professor Tiago Ramalho não
percebe como é que isso terá apoio nos artigos 824.º e 819.º

Os titulares dos direitos reais que se extingam com a venda executiva, veem os seus direitos transferidos para
o produto da alienação (824.º n.º 3 CC).

A venda executiva, como ato jurídico que é, poderá ser anulada. As causas de anulação estão previstas nos
artigos 838.º e 839.º. Quais são essas causas?
1. Existência de ónus ou limitações do direito (artigo 838.º n.º 1);
2. Anulação, revogação da sentença exequenda ou oposição à execução ou à penhora julgadas
procedentes – é o próprio fundamento anterior a venda executiva que é colocada em causa (artigo
839.º n.º 1 alínea a);
3. Anulação de toda a execução por falta ou nulidade de citação do executado (artigo 839.º n.º 1 alínea
b);
4. Anulação do ato da venda, nos termos do artigo 195.º (artigo 839.º n.º 1 alínea c): o artigo 195.º prevê
a regra geral de nulidade dos atos processuais. Ora, o que acontece é que o processo é composto por
uma sucessão concatenada de atos e, por conseguinte, a anulação de atos anteriores afeta os
posteriores. Assim, a venda pode ser anulada em virtude de um ato anterior;
5. Ação de reivindicação do objeto da venda que tenha procedido (artigo 839.º n.º 1 alínea d): antes
ainda desta norma, a transmissão da propriedade não se deu. A ação de reivindicação colocará em
causa a produção de outros efeitos da venda que não a propriedade, pois a transmissão da propriedade
nunca se deu

É discutida a natureza jurídica da venda executiva. Existe um entendimento que parece adequado ao
Professor Tiago Ramalho – a venda executiva é um ato expropriativo por razões de interesse privado. O que é
que acontece na venda executiva? O Estado expropria o executado dos seus bens, atribuindo a titularidade ao
adquirente, de acordo com as regras processuais. Assim, quanto à fonte, a venda executiva é uma
expropriação.

Depois de realizada a ação executiva, obtém-se valores em dinheiro que podem servir para o pagamento da
obrigação exequenda e dos créditos reclamados. Qual é a ordem de pagamento? Primeiramente satisfazem-se
as custas de execução (artigo 541.º). Em segundo lugar, dá-se o pagamento dos créditos de acordo com a
sentença de graduação. Em terceiro lugar, consideram-se os valores dos direitos reais de gozo que tenham
caducado, sendo que, eventualmente, podem preferir sobre alguns créditos se tiverem garantia sobre esses

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bens. Por fim, o remanescente é entregue ao executado. Nos termos do artigo 81.º CPPT, deverá o executado
provar que nada deve à fazenda nacional, mesmo que as dívidas não tenham sido reclamadas.

A obrigação exequenda poderá cessar de outras formas. Quais?


• Pagamento voluntário pelo exequente ou por qualquer outra pessoa (pagamento por terceiro) –
artigo 846.º n.º 1. Esta possibilidade leva à extinção da execução logo que se deposite a quantia que
seja liquidada (artigo 849.º n.º 1 alínea a). Tem de pagar não só a obrigação exequenda, como as
custas do processo;
• Por força do princípio do dispositivo, as partes podem dispor a todo o momento sobre o objeto do
processo. Portanto, mediante acordo entre as partes, poderá cessar a execução. Há dois tipos de
acordos que são mais relevantes:
• Acordo de pagamento em prestações: é um acordo celebrado entre o exequente e o
executado (artigo 806.º n.º 1). Pode ser celebrado até à aceitação de proposta ou transmissão
do bem penhorado (artigo 806.º n.º 2). O efeito deste acordo é a extinção da execução (artigo
806.º n.º 2, parte final) e, se o exequente não prescindir da penhora feita na execução, ela
converte-se em hipoteca ou penhor consoante a natureza do bem em causa, continuando a
usar da prioridade da penhora (artigo 807.º n.º 1). Na eventualidade de haver incumprimento
da obrigação exequenda, a instância extinta poderá renovar-se (artigo 808.º n.º 1). Caso a
instância se extinga ao abrigo deste acordo, qualquer credor reclamante cujo crédito já se
encontre vencido, pode requerer a renovação da instância (artigo 809.º n.º 1);
• Acordo global (artigo 810.º): neste acordo intervêm também os credores reclamantes, sendo
um acordo entre exequente, executado e credores reclamantes. Aplica-se, com as necessárias
adaptações, o regime do acordo de pagamento em prestações.

33. EXTINÇÃO DA AÇÃO EXECUTIVA

A instância termina nos casos previstos no artigo 849.º n.º 1. Quais são as causas de extinção da instância?
1. Pagamento da obrigação exequenda (forçado ou voluntário) – artigo 849.º n.º 1 alíneas a) e b);
2. No artigo 849.º n.º 1 alínea c) estão previstas duas hipóteses:
a. Quando não se encontrem bens penhoráveis num certo prazo previsto na lei (artigos 748.º n.º
3, 750.º n.º 2 e 855.º n.º 4) – configura uma hipótese de inutilidade superveniente da dívida;
b. Adjudicação de direito de crédito prevista no artigo 799.º n.º 6;
3. Quando a própria ação executiva perca o seu fundamento. Isto acontece quando se revoga a sentença
exequenda e já não existe possibilidade de recurso (artigo 704.º n.º 2), quando procede a ação de
embargos (artigo 732.º n.º 4) e quando a execução é oficiosamente rejeitada (734.º n.º 2);
4. Encontramos ainda duas causas específicas previstas nas alíneas d) e e) uma causa geral prevista na
alínea f);
5. Desistência do exequente (artigo 848.º n.º 1) – havendo desistência do exequente, entende-se que
renuncia ao direito de crédito.

Verificada alguma destas causas, a ação executiva extingue-se ope legis (por simples efeito da lei). Por
conseguinte, o despacho de extinção da ação executiva tem valor meramente declarativo (artigo 849.º n.º 2 e
3).

34. RENOVAÇÃO DA INSTÂNCIA

A ação executiva pode renovar-se nos casos previstos no artigo 850.º. Quais são essas hipóteses?

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• Obrigações periódicas: nesse caso poderá exigir-se a renovação da instância para a cobrança de
prestações vincendas (artigo 850.º n.º 1);
• Por iniciativa do credor reclamante quando a ação executiva se extinga já depois da reclamação,
mas antes do pagamento (artigo 850.º n.º 2): neste caso, admite-se a renovação apenas em relação
aos bens objeto da garantia. Contudo, não poderá ser aplicada esta norma quando a causa da extinção
da execução seja oposição à execução ou revogação por sentença. Se a execução se extinguiu por
oposição à execução ou revogação por sentença, há um vício da própria execução, pelo que a venda
executiva fica sem efeito;
• Quando a venda executiva se extinguiu por não identificação de bens penhoráveis, a ação
executiva pode renovar-se quando tais bens se venham a descobrir (artigo 850.º n.º 5);
• A ação executiva pode renovar-se para que os adquirentes dos bens vendidos possam exigir
coercivamente a respetiva entrega (artigo 828.º).

Assim, só está garantida a execução com o pagamento da obrigação exequenda.

35. ANULAÇÃO DA INSTÂNCIA

A própria ação executiva pode ser anulada em bloco no caso previsto no artigo 851.º, que é quando se verifica
o vício da falta ou nulidade de citação. Como se afeta o processo desde a sua origem, há lugar à anulação da
ação executiva.

36. RECURSO

Em si, a ação executiva em bloco não permite nenhum recurso. Pode-se é recorrer de alguns atos praticados
no interior da ação executiva. Havendo um ato judicial que tenha sido praticado, vale o recurso para o
Tribunal da Relação, nos termos do artigo 853.º. O recurso de revista (isto é, do Tribunal da Relação para o
STJ) está limitado, nos termos do artigo 854.º. É sempre admitido recurso do despacho de indeferimento
liminar (artigo 853.º n.º 3).

37. PROCESSO ESPECIAL DE OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS


O CPC distingue entre processos comuns e processos especiais. Os processos especiais estão regulados nos
artigos 878.º e seguintes.

De todos os processos especiais, iremos agora analisar o processo de execução por alimentos. É uma
execução para pagamento de quantia certa a que se aplica subsidiariamente esse regime (artigo 551.º n.º 4)
que tem como particularidade fundamental uma preocupação de eficácia no processamento. Quer-se que seja
uma ação célere porque é uma ação essencial para a sobrevivência do alimentando. Pode ter por base um
documento autentico ou particular que contenha a sua fixação por acordo das partes ou então uma decisão
judicial proferida no procedimento cautelar de alimentos provisórios ou em processo comum de alimentos
definitivos.

Apresenta algumas particularidades que vamos agora analisar:


• É uma ação prevista no artigo 933.º e seguintes e serve para realizar o direito a alimentos previsto nos
artigos 2003.º e seguintes CC. O direito a alimentos é o necessário para alimentação (sustento),

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habitação e vestuário. A competência para esta execução é, em princípio, do juízo de família e
menores nos termos do artigo 122.º n.º 1 alínea f) LOSJ e do artigo 123.º alínea e) LOSJ;
• Este processo está sujeito a despacho liminar;
• O exequente (alimentando) pode exigir que as quantias, vencimentos ou pensões penhoráveis (artigo
983.º n.º 1) lhe sejam adjudicadas lentamente;
• O executado é citado apenas depois da penhora (artigo 933.º n.º 5, primeira parte);
• A oposição à execução ou à penhora não suspende a execução (artigo 933.º n.º 5, segunda parte);
• Nas obrigações de alimentos aplica-se o limite de impenhorabilidade parcial previsto no artigo 738.º
n.º 5.

Estas características especiais visam garantir um célere e eficaz acesso do alimentando aos alimentos.

38. EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA CERTA

A execução para entrega de coisa certa encontra-se regulada nos artigos 879.º e seguintes. Tem lugar sempre
que o objeto da obrigação, tal como o título o configura, é a prestação de uma coisa. Do ponto de vista
material, ela corresponde ao direito previsto no artigo 827.º, no qual se prevê que tendo a prestação por objeto
coisa determinada, o credor pode requerer a entrega. A execução para entrega de coisa certa serve para
rentabilizar pretensões à entrega de bens, sejam elas de natureza real (como é o caso da ação de
reivindicação) ou obrigacional (como é o caso de o locatário exigir a entrega da coisa ao locador). Para
sabermos se se trata de uma execução para entrega de coisa certa, temos de confrontar o título executivo. Se o
título delimita a execução e dele consta a existência de um dever de prestar, então, teremos uma execução
para entrega de coisa certa e proceder-se-á a execução para entrega ao exequente. Mesmo que a pretensão
material à entrega já não exista (por exemplo, porque a coisa se perdeu, extinguiu ou se tornou impossível o
cumprimento), a execução será para entrega de coisa certa, mas, dentro da execução, liquida-se o valor da
coisa e a execução será convertida, seguindo os termos da execução para pagamento de quantia certa. Ou
seja, há lugar à conversão da execução para entrega de coisa certa em execução para pagamento de quantia
certa. O título é achado da ação executiva e se do título consta a obrigação para entrega, então a execução é
para entrega.

NOTA: o qualificativo “certa” refere-se ao pressuposto processual da certeza da prestação. Não obsta à
execução a necessidade de se proceder à individualização das unidades que serão objeto da prestação a
efetuar no caso de obrigação genérica cujo objeto se apresente qualitativa e quantitativamente determinado.

39. FORMA DE PROCESSO E COMPETÊNCIA

A execução para entrega de coisa certa está sujeita a forma única (artigo 550.º n.º 4). Aplicam-se
subsidiariamente as disposições da execução para pagamento de quantia certa (artigo 551.º n.º 2 – por
exemplo, se é necessário despacho liminar, iremos verificar as regras que já conhecemos). É competente para
a execução o tribunal do lugar em que a coisa se encontra (artigo 89.º n.º 2).

Tratando-se de execução de sentença condenatória, valem as particularidades do artigo 626.º n.º 3, ou seja,
primeiro apreende-se a coisa e só depois é que o executado é notificado para deduzir oposição. O tribunal
competente é aquele que recebeu a sentença. O artigo 626.º n.º 3 refere que "feita a entrega ao exequente, é
notificado o executado para produzir oposição", mas falamos de apreensão, pois embora a lei diga entrega,
devemos atender que a entrega só tem lugar depois de decorrido o prazo para a oposição.

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40. TRAMITAÇÃO

Via de regra, a fase introdutória será igual à fase introdutória de execução para pagamento de quantia certa
(artigo 551.º n.º 2). Existem particularidades no caso de execução de sentença condenatória em que se faz
primeiro a apreensão e só depois a notificação do executado.

Como continua o processo? Temos uma particularidade quando o objeto da execução que é um bem de que o
executado não pode dispor livremente. Na execução para pagamento de quantia certa, o cônjuge do executado
era citado nos casos em que, ao abrigo do direito material, o cônjuge executado não podia dispor do bem
(artigo 786.º n.º 1 alínea a). Se o executado não pode sozinho dispor da coisa, então, por identidade de razão,
se a venda executiva importa a transmissão da titularidade, o seu cônjuge deve poder pronunciar-se. Na
execução para entrega de coisa certa nada se dispõe sobre esta questão. Não se pode aplicar diretamente o
regime do artigo 786.º n.º 1 alínea a), pois na entrega de coisa certa não há uma transmissão da titularidade,
mas apenas uma entrega material. Contudo, por identidade de razão, na medida em que na execução para
entrega de coisa certa se afeta a fruição do bem, parece que o regime do artigo 786.º n.º 1 alínea a) poderá
aplicar-se por analogia, mas com uma particularidade – quanto ao momento processual, esta citação deve ter
lugar antes da entrega da coisa. Aqui não há penhora. O elemento que afeta a fruição do bem é o momento da
entrega do bem, pelo que, antes disso, deve ser citado.

O executado nesta ação é citado para fazer a entrega ou opor-se à execução por embargos, tendo o prazo de
20 dias (artigo 859.º). Poderá recorrer a todos os fundamentos gerais no que diz respeito à oposição (artigo
860.º n.º 1). Mesmo quem afirma que há restrição probatória na alínea b), admite recurso a prova por
inspeção na ação para entrega de coisa certa (390.º CC). Será o melhor meio de prova para demonstrar a
pretensão.

Dentro da oposição à execução, é admissível aqui a oposição com fundamento em benfeitorias (artigo 860.º
n.º 1, segunda parte). Esta referência às benfeitorias alude ao direito previsto nos artigos 1273.º n.º 1, primeira
parte CC (prevê o direito a indemnização do possuidor de boa ou má fé pelas benfeitorias necessárias e o
direito de levantar as benfeitorias uteis) e 1275.º n.º 1 (direito a levantar as benfeitorias voluptuárias do
possuidor de boa fé). Estas benfeitorias estão garantidas por direito de retenção (artigo 754.º CC). No caso
específico do direito às benfeitorias, coloca-se expressamente uma restrição – se a execução for fundada em
sentença condenatória, o direito às benfeitorias deve ser exercido na ação declarativa (artigo 860.º n.º 3).
Exerce-se na ação declarativa através de reconvenção.

Quando haja direito à indemnização, poderá ser pedida essa indemnização na oposição à execução? A
oposição à execução serve para extinguir a execução. Neste caso particular e apenas para este caso (pode
haver outros esporadicamente), parece subjazer ao artigo 860.º n.º 2 que o pedido de benfeitorias pode ser
feito na oposição à execução. Há quem entenda que se trata apenas de um meio de defesa, mas o Professor
Tiago Ramalho pensa que o artigo 860.º dá suporte literal suficiente que se trata de um pedido dirigido contra
o exequente.

A oposição fundada em benfeitorias, em princípio, suspende a execução, a não ser que o exequente caucione
a quantia pedido (artigo 860.º n.º 2).

Prosseguindo a execução, a fase que se segue destina-se à apreensão do bem que é objeto da pretensão
exequenda (na ação para entrega de quantia certa não há penhora). À efetivação da entrega da coisa são
subsidiariamente aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições referentes à realização da penhora,
procedendo-se às buscas e outras diligências necessárias, se o executado não fizer voluntariamente a entrega

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(artigo 861.º n.º 1). A entrega pode ter por objeto bem do Estado ou de outra pessoa coletiva referida no n.º 1
do artigo 737.º. Em especial, no próprio regime da execução para entrega de coisa certa, preveem-se algumas
particularidades para a apreensão de coisas imóveis e de coisas móveis.
• Apreensão de coisas móveis: tratando-se de coisas móveis a determinar por conta, peso ou medida,
o agente de execução manda fazer, na sua presença, as operações indispensáveis e entrega ao
exequente a quantidade devida (artigo 861.º n.º 2). Assim, as coisas são apreendidas e entregues ao
exequente;
• Apreensão de coisas imóveis: no caso de coisas imóveis vigora o princípio do artigo 861.º n.º 3,
sendo de referir que o agente de execução investe na posse, entregando os documentos e as chaves,
notificando o executado, os arrendatários e quaisquer detentores para que respeitem e reconheçam o
direito de exequente.

Em tudo o que não está aqui regulado, vigoram as disposições comuns, como a necessidade do recurso à
força pública. Não se entende que se apliquem aqui os limites de impenhorabilidade. O controlo acerca do
direito em relação àquele bem concreto já terá sido feito e definido no momento da formação do título, já se
tendo fixado que tem direito àquele bem concreto. Embora não se apliquem os limites gerais de
impenhorabilidade, a lei prevê regras especiais de proteção da habitação principal do executado. Prevê isto
em dois casos diferentes: em geral quanto à proteção da habitação do executado; em especial, relativamente à
proteção da habitação arrendada:
• Se o imóvel objeto da entrega é a habitação principal do executado (geral), o artigo 861.º n.º 6
remete para a proteção dada no artigo 863.º n.º 3 a 5. Caso se prove por atestado médico que a
diligência coloca em risco a vida de quem se encontra no local (pensemos numa pessoa que esteja
acamada), indicando o prazo que se entende adequado para suspender a execução, nesse caso, a
execução suspende-se pelo necessário até realojar a pessoa (artigo 863.º n.º 3).

Efetuada a apreensão, o executado poderá opor-se (oposição à apreensão), sendo aplicado, com as
necessárias adaptações, o regime da oposição à penhora. Apreendido o bem, ele será entregue ao exequente
desde que já tenha decorrido o prazo para a oposição. Se for revogada a decisão que decretou a entrega ou se
o executado recuperar o direito à coisa (por exemplo, porque procedeu a oposição a execução), pode requerer
a restituição da coisa (artigo 861.º n.º 5). Podemos aplicar o regime da restituição da coisa para todas as
causas que determine que a venda fica sem efeito (artigo 839.º).

Quando a execução seja fundada num título extrajudicial, prevê-se um regime especial de
responsabilidade do exequente caso proceda a oposição a execução e o exequente tenha agido sem a
prudência normal (artigo 866.º).

41. CONVERSÃO DA EXECUÇÃO

É esta a tramitação normal de entrega de coisa certa, mas temos de inserir alguns desvios para a hipótese em
que não é possível encontrar a coisa ou a obrigação já esteja extinta por impossibilidade. Nesses casos, a
solução da lei é a conversão para pagamento de quantia certa (artigo 867.º). Esta conversão pode ser
originária (quando no momento da propositura da ação executiva o requerente pede logo a conversão) ou
superveniente (quando o faz apenas no decurso da ação executiva). Deve existir um requerimento do
exequente (requerimento executivo ou requerimento posterior). Neste requerimento, deverá liquidar o valor
da coisa e o prejuízo resultante da falta de entrega (artigo 867.º n.º 1). Procede-se à própria liquidação de
valor, liquidação que é feita nos termos gerais dos artigos 358.º, 360.º e 716.º. Procede-se, após a liquidação

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do valor, à penhora dos bens necessários para o pagamento da quantia. A partir daqui seguem-se os termos
para execução de quantia certa (artigo 857.º n.º 2).

O CPC diz apenas que, não sendo possível encontrar a coisa, se liquida o seu valor, mas não é sempre isto
que dispõe o direito material. Se se tornar impossível o cumprimento ou houver incumprimento
definitivo, temos de distinguir consoante ele é ou não imputável ao devedor:
• Impossibilidade imputável: obrigação tornada impossível extingue-se, mas gera-se um direito de
indemnização;
• Impossibilidade não imputável: extingue-se a obrigação.
No entanto o CPC diz que, não encontrada a coisa, se liquida sempre o seu valor, o que não é o que refere o
direito material. Como é que resolvemos esta desarmonia? Se for pedida a liquidação do valor da coisa, mas
nos termos do direito material se tratar de um caso de impossibilidade não imputável, o executado poder-se-á
opor com fundamento em inexistência da obrigação exequenda (obrigação de pagar o valor da coisa). Desta
forma, consegue-se a harmonia entre o regime material e processual.

42. PARTICULARIDADES DO ARRENDAMENTO: matéria não lecionada.

43. EXECUÇÃO PARA A PRESTAÇÃO DE FACTO

Sempre que o objeto da obrigação, tal como o título o configura, é uma prestação de facto, seja de natureza
positiva ou negativa, a ação executiva será para prestação de facto. No CPC, a execução para a prestação de
facto está regulada nos artigos 868.º e seguintes. Do ponto de vista substantivo, serve para realizar as
posições previstas nos artigos 828.º a 829.º-A CC. Embora a lei preveja apenas uma execução para a
prestação de facto, é bastante útil distinguir entre três submodalidades:
1. Execução para a prestação de facto fungível (artigo 828.º CC): é uma execução em que a prestação
debitória pode ser realizada por terceiro, incluindo o próprio exequente, à custa do executado;
2. Prestação de facto infungível (artigo 829.º-A CC): o meio para realizar o interesse do exequente é a
sanção pecuniária compulsória;
3. Prestação de facto negativo (artigos 829.º CC, 876.º e 877.º CPC): a lei utiliza o termo "facto
negativo", mas o que está a ser regulado é a demolição de obra que foi realizada apesar do dever de
não o fazer. Violou-se um facto negativo, mas a lei só tem em vista os casos de demolição de obra, já
que nos outros casos não é este o regime aplicável, pelo que o termo diz mais do que aquilo que
pretende explicar.

44. FORMA DE PROCESSO

A prestação de facto está formalmente sujeita a forma única (artigo 590.º n.º 4). Subsidiariamente, aplicam-se
as disposições para pagamento de quantia certa (artigo 591.º n.º 2).

45. TRAMITAÇÃO COMUM

Nos termos gerais, coloca-se o requisito da certeza e da exigibilidade, não sendo tão relevante a questão da
liquidez. Se a obrigação não for certa nem exigível, será necessária dotá-la desses requisitos nos termos
gerais. Havendo mora no cumprimento, a indemnização moratória poderá ser pedida. A própria execução
para a prestação de facto prevê um regime especial para os casos em que o prazo para realizar a prestação não
conste do título executivo. A lei prevê que na própria ação executiva, num momento inicial, esse prazo possa
ser fixado (artigo 874.º).

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46. PRESTAÇÃO DE FACTO FUNGÍVEL

Na prestação de facto fungível, o exequente pode requerer a prestação do facto por outrem ou, se ela já for
impossível, a indemnização pelo não cumprimento definitivo. Pode acrescentar a isto uma indemnização
moratória (ou só indemnização moratória, isso já depende do princípio do dispositivo), o que está previsto no
artigo 868.º n.º 1. Esse artigo prevê a possibilidade de sanção pecuniária compulsória, mas, uma vez que o
processo civil é instrumental, a sanção pecuniária compulsória não pode ser aplicada no caso concreto, pois
ela serve a prestação de facto infungível. Segue-se a citação do executado para realizar o facto ou opor-se
(artigo 868.º n.º 2). A lei prevê nestes casos que se possa provar por qualquer meio o cumprimento da
obrigação (artigo 868.º n.º 2). Não sendo realizado o facto e prosseguindo a execução, o exequente pretende a
indemnização pelo dano sofrido e, nesse caso, a execução é convertida em execução para pagamento de
quantia certa (artigo 869.º). Neste caso, será necessário liquidar o montante. Ao invés desta hipótese, poderá
requerer a prestação por terceiro. Para que isto aconteça a lei prevê dois esquemas:
• Com custeamento prévio: o exequente pode requer a nomeação de perito que avalie o custo da
prestação – artigo 870.º n.º 1 – que liquidará a indemnização moratória. Concluída esta avaliação, são
penhorados os bens necessários para satisfazer esta quantia. Obtido esse valor, termina a execução e a
quantia é entregue ao exequente para satisfazer a obrigação exequenda. Se não se conseguir obter o
valor necessário para custear a obrigação exequenda, o exequente pode desistir da prestação de facto e
levantar o valor que se tenha conseguido obter;
• Sem custeamento prévio: é possível que antes de se ter custeado a prestação, o exequente se
substitua na realização de um facto (artigo 871.º n.º 1). Nesse caso, fica obrigado a prestar contas. Na
prestação de contas, a que podemos aplicar o regime previsto no artigo 946.º, liquida também a
indemnização moratória (artigo 871.º n.º 2). As contas apresentadas pelo exequente poderão ser
contestadas (artigo 871.º n.º 3). Se forem aprovadas, será pago pelo produto da execução (artigo 872.º
n.º 1).

47. PRESTAÇÃO DE FACTO INFUNGÍVEL

Nos termos do regime de direito material, prevê-se, para garantir o cumprimento das prestações de facto
infungíveis, a figura da sanção pecuniária compulsória. Esta figura foi introduzida no Direito Português nos
anos 80 nos trabalhos preparatórios de Vaz Serra, não obstante não ter sido aí acolhida. Por detrás da sanção
pecuniária compulsória, estão essencialmente duas figuras: uma de direito francês (astruinte – é uma sanção
pecuniária que pode ser fixada para garantir o cumprimento de qualquer obrigação mesmo que fungível e o
valor fica todo ele para o credor) e outra de direito alemão (é uma sanção pecuniária que só serve para
concluir ao cumprimento de prestações de facto infungíveis e o destinatário do valor é o Estado). O direito
português fez uma fusão destas duas figuras – a nossa sanção pecuniária compulsória serve somente para
prestações de facto infungíveis, mas a sanção pecuniária compulsória destina-se, em partes iguais, ao credor e
ao Estado.

Como opera a sanção pecuniária compulsória no processo? O exequente pode requerer a execução de facto e a
liquidação de sanção pecuniária compulsória vencida e vincenda (vai sendo liquidada nos termos do artigo
716.º n.º 3). Com este pedido, pode cumular a indemnização moratória. A sanção pecuniária compulsória é
uma sanção acessória da obrigação principal, pelo que se esta se extinguir, deixa de existir sanção pecuniária
compulsória. É necessário liquidar os valores nos termos dos artigos 869.º e 867.º

48. PRESTAÇÃO DE FACTO NEGATIVO

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A execução deste tipo de prestação está prevista no artigo 829.º CC. Neste caso, a lei prevê que o direito à
demolição cessa se o prejuízo para o devedor for consideravelmente superior ao prejuízo sofrido pelo credor
(artigo 829.º n.º 2). A regra seria a de que a demolição pode ser feita, excetuando o caso referido. Quando a
obrigação do devedor consista em não praticar um facto e o devedor viole esta obrigação, o credor pode
requerer que esta obra seja verificada por meio de perícia e que o juiz ordene a sua demolição, assim como
indemnização pelo dano sofrido e o pagamento da sanção pecuniária compulsória (artigo 876.º n.º 1).

Nesta execução, o exequente deve requerer prova pericial para dois efeitos:
• Para apurar se houve ou não violação da obrigação (artigo 876.º n.º 1);
• Para que seja apurada a importância necessária para a demolição (artigo 876.º n.º 3).

A oposição à execução fundada em prejuízo consideravelmente superior suspende a execução mesmo sem
caução (artigo 876.º n.º 4).

Então, relativamente ao desfecho desta ação:


• O juiz ordena a demolição da obra a custa do executado, assim como a indemnização (artigo 877.º n.º
1). A demolição é feita com base no regime da prestação de facto fungível (artigo 870.º e seguintes ex
vi artigo 877.º n.º 2). No caso de indemnização, temos de atentar nos termos previstos no artigo 869.º
que remete para o artigo 877.º que remete para pagamento de quantia certa. Nesse caso de demolição
de obra e indemnização, estas duas componentes são tramitadas no mesmo processo;
• O juiz não ordena a demolição de obra por entender que o prejuízo é manifestamente superior (artigo
829.º n.º 2), fixando apenas o montante da indemnização (artigo 877.º n.º 1). Quanto à tramitação
subsequente, é de referir os artigos 869.º ex vi artigo 877.º n.º 2.

TRAMITAÇÕES ESPECIAIS COM INCIDÊNCIA EXECUTIVA

Iremos agora analisar dois grupos de casos. No primeiro grupo de casos veremos regimes processuais ou pré
processuais com incidência executiva, mas que não são ação executiva comum que vimos até agora. O
segundo grupo de casos serão contratos com incidência executiva.

TRAMITAÇÕES PROCESSUAIS OU PRÉ-PROCESSUAIS

49. PROVIDÊNCIAS CAUTELARES COM PROVIDÊNCIA EXECUTIVA

Com efeito, existem providências cautelares que contêm medidas executivas. Podemos distinguir entre:
• Providências cautelares que podem ser executadas na ação executiva: por exemplo, a providência
cautelar de arbitramento de reparação provisória constitui título executivo para a ação executiva;
• A própria providência cautelar pode ter uma dimensão executiva: já não se trata da providência
cautelar decretar uma medida que pode ser executada na ação executiva, mas a providência cautelar
enquanto tal tem dimensão executiva. Pode tratar-se de:
• Arresto;
• Arrolamento;
• Restituição provisória da posse.

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1. Arresto: o arresto é uma providência cautelar especificada prevista no artigo 619.º seguintes CC e no
artigo 391.º e seguintes CPC. Pretende permitir a antecipação dos efeitos da penhora, uma vez que a
preferência resultante da penhora remonta à data do arresto (artigo 822.º n.º 2 CC e artigo 762.º CPC).
Ao arresto aplicam-se as disposições relativas à penhora (artigo 391.º n.º 2). Assim, no momento do
arresto, pode dar-se logo a apreensão dos bens do requerido. O regime do arresto apresenta algumas
particularidades:
• Regra da competência: a competência para o decretamento do arresto está fixada no artigo
78.º n.º 1 alínea a). O tribunal competente pode ser o tribunal da ação principal ou o tribunal
do lugar onde os bens a arrestar se encontram.
• Pressuposto para o decretamento do arresto (artigo 391.º n.º 1): é o justo receio da perda
de garantia. Este requisito do justo receio é dispensado nos casos previstos no artigo 396.º,
artigo que prevê duas hipóteses – a primeira esta prevista no n.º 1 e n.º 2 e tem a ver com o
funcionalismo público; a segunda está prevista no n.º 3. Iremos focar-nos nesta última. Ela
prevê que se o bem arrestado for o bem que tenha sido vendido pelo negócio jurídico cuja
obrigação de pagamento do preço esteja em dívida, é dispensado o requisito do justo receio.
Então, por exemplo: A vende a B, B obriga-se a pagar o preço. B é titular do direito desde a
celebração do contrato. Para este caso, se o preço estiver em dívida, o vendedor poderá pedir
o arresto do bem, mesmo não havendo receio da perda da garantia patrimonial. Permite-se ao
vendedor obter a coisa, em caso de incumprimento, com mais facilidade. Assim, dispensa-se
o justo receio, bastando a prova de que a quantia não foi paga (artigo 396.º n.º 3).
• Tramitação do procedimento: o arrestante deverá indicar de imediato quais os bens a
arrestar (artigo 392.º n.º 1). Se temos de ter em conta normas relativas à penhora, então, não
deverão ser indicados bens impenhoráveis. Se o bem é impenhorável, também não pode ser
arrestado. No caso de serem indicados bens em excesso, o arresto deverá ser reduzido aos
seus justos limites (artigo 393.º n.º 2 – deve ler-se como uma manifestação particular do
princípio geral da proporcionalidade). O artigo 393.º n.º 3 prevê uma norma específica de
proteção do requerido. Nos termos desta norma o requerido não pode ser privado dos
alimentos necessários para si e para a sua família (devemos ver esta norma como um limite
que acresce aos limites da impenhorabilidade). No arresto não há lugar à audiência prévia
(artigo 393.º n.º 1), sendo um dos casos de contraditório diferido. Não havendo audiência
prévia, o juiz tem de ser particularmente cuidadoso na verificação dos bens a arrestar (sempre
que não há audiência previa, tem de haver controlo reforçado).
• Quanto à caducidade do arresto: as providências cautelares estão sujeitas a causas de
caducidade. No artigo 373.º estão previstas as causas gerais de caducidade da providência. O
arresto em particular prevê uma causa especial de cessação (artigo 395.º) que consiste na não
propositura de execução nos dois meses subsequentes ao trânsito em julgado da sentença da
ação declarativa.

2. Arrolamento (403.º e seguintes): o arrolamento (vem de "rol" – fazer um elenco), nos termos do
artigo 406.º n.º 1, consiste na descrição, avaliação e depósito de bens. Desta forma, também pode ter
incidência executiva na medida em que aplica a apreensão dos bens para depósito. É a própria lei que,
também a propósito do arrolamento, remete para o regime da penhora (artigo 406.º n.º 5).

3. Restituição provisória da posse: é uma providência cautelar que exigirá a entrega de coisa certa (há
lugar à apreensão da coisa na posse do requerido para sua restituição ao requerente). Está prevista nos
artigos 377.º a 379.º. Devemos aplicar, por analogia, o regime da execução para pagamento de quantia
certa.

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50. PROCESSOS ESPECIAIS COM NATUREZA EXECUTIVA

Os processos especiais são introduzidos em razão da natureza peculiar das posições substantivas que
pretendem realizar adjetivamente. Temos de ver a posição substantiva e interpretar através dela. Às
execuções especiais aplicam-se subsidiariamente as disposições do processo ordinário (artigo 551.º n.º 4).

Quais são os processos especiais com incidência executiva?


• Processo de execução de alimentos (artigo 933.º e seguintes): já analisamos anteriormente.
• Processo especial de prestação de contas (artigo 941.º e seguintes). É de referir o artigo 944.º n.º 5
que refere a possibilidade de se proceder à penhora e se seguirem os termos posteriores da execução
por quantia certa. Num processo vai-se conjugar o lado declarativo com a execução, não havendo
separação;
• Processo especial de investidura em cargos específicos (artigo 1070.º): quando alguém que tenha
sido eleito para um cargo social veja impedida a possibilidade de o exercer, pode requerer a
investidura judicial (artigo 1070.º n.º 1), investidura feita por funcionário da secretaria judicial que vai
impulsar o requerendo (1071.º);
• Processo de maior acompanhado: pode implicar o uso da força sobre o maior acompanhado, artigo
841.º n.º 2.

51. PROCEDIMENTOS PRÉ-EXECUTIVOS

São aqueles que se podem adotar antes do recurso a uma ação executiva:
• Hipoteca judicial: possibilidade dada ao credor que obtenha uma sentença a seu favor ainda não
transitada em julgado de requerer a constituição de hipoteca sobre os bens do devedor (hipoteca
judicial – artigo 710.º n.º 1 CC). Não obstante não possa propor a ação executiva, pode sim requer a
constituição de hipoteca judicial, já antecipando os efeitos de que beneficiaria com uma eventual
penhora.
• Procedimento extrajudicial pré executivo (regulado na lei 32/2014): é um procedimento pré-
executivo que se destina a verificar se existem ou não bens penhoráveis (artigo 2.º). O requerente deve
gozar de título executivo (artigo 3.º alínea a) e a obrigação deve ser certa, líquida e exigível (artigo 3.º
alínea b). Deverá apresentar requerimento inicial (artigo 4.º) com o conteúdo previsto no artigo 5.º.
Apresentado requerimento, é designado agente de execução (artigo 6.º n.º 3). Este agente de execução
poderá ser substituído (artigo 6.º n.4 e n.º 5). O agente de execução deverá realizar todas as consultas
necessárias para a identificação de bens penhoráveis. Dos atos praticados pelo agente de execução
cabe recurso para o juiz, sendo o processo executivo apenas para este efeito (artigo 7.º n.º 1). Na
sequência das várias consultas, o agente de execução apresenta um relatório (artigo 10.º n.º 1). Pode
acontecer uma de duas coisas:
1. São encontrados bens penhoráveis: o requerente pode pedir a convolação do procedimento
pré-executivo em processo de execução (artigo 11.º n.º 1 alínea a). Caso não pague o valor
necessário para esta convolação (artigo 11.º n.º 2), o procedimento extingue automaticamente
(artigo 11.º n.º 3);
2. Não são encontrados bens penhoráveis: o requerido é notificado para pagar o valor em
dívida, podendo celebrar acordo de pagamento para indicar bens penhoráveis ou opor-se ao
requerimento. Esta notificação (artigo 12.º n.º 1) deverá ser feita por contacto pessoal do
agente de execução (artigo 12.º n.º 4). O requerido pode adotar dois comportamentos:

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a. Se o requerido nada fizer: é incluído na lista pública de devedores (artigo 15.º). A
partir deste momento, poderá ser passada uma certidão de incobrabilidade da dívida
(artigo 25.º). Quer para efeitos de IVA quer para efeitos de IRC, o critério relevante
não é o momento em que recebeu o crédito, mas o momento em que passou a fatura.
Ora a fatura não é o recibo, não se passando no momento do recebimento. O sujeito
passivo do imposto pode ter considerado como receita valores que nunca chegou a
receber. Os códigos fiscais consideram que pode ser um custo se as dívidas nunca
foram pagas. Para evitar que isto aconteça, permite-se o recurso ao procedimento –
artigo 25.º.
b. Se o requerido reagir: pode reagir de três diversas maneiras. (1) Pode indicar bens à
penhora. Se o fizer, o requerente é notificado para convolar o procedimento em
processo executivo, pagando o valor correspondente. Se o requerer passaremos a ter
um processo executivo; se não o requerer o procedimento pré executivo caduca,
artigo 15º/2. (2) Pode também deduzir oposição, artigo 16º/1. Segue-se um processo
especial de oposição e, caso ele proceda, fica excluída a possibilidade de instaurar
uma ação executiva com base naquele título, artigo 16º/9. A competência para este
processo de oposição é dos juízos cíveis dado que a lei não atribui especificamente a
competência aos juízos de execução. Logo é quem tem competência residual – os
juízos cíveis. (3) Também é possível haver acordo de pagamento, artigo 17º/1. Caso
ele exista, o procedimento extingue-se, artigo 17º/3. Se o acordo não for cumprido,
será possível requerer a convolação do procedimento em processo de execução, artigo
17º/4.

Se o procedimento terminar por não se identificarem bens, podem realizar-se novas consultas três anos
depois, artigo 19º/1.

52. CONTRATOS COM INCIDÊNCIA EXECUTIVA

1. Contratos que modificam o regime substantivo da obrigação ou do regime de responsabilidade


patrimonial: se o processo civil é instrumental do direito material e se as partes podem dispor do
objeto das suas relações jurídicas, então, decorrentemente, isso terá consequências em sede
processual. Exemplo: acordo em prestações ou acordo global.

Temos de ressalvar a possibilidade prevista no artigo 602º CC – tratando-se de matéria disponível, pode-se
limitar a responsabilidade pelo incumprimento a certos bens. Se isto acontecer, passaremos a ter uma
impenhorabilidade convencional caso tais bens excluídos da responsabilidade sejam penhorados, artigo
784º/1/c. Este acordo pode ser contemporâneo da constituição da obrigação ou posterior. O artigo 809º CC
prevê que é nula a cláusula pela qual o credor renuncia antecipadamente aos seus direitos em caso de
incumprimento. Rigorosamente, no caso do artigo 602º não há nenhuma renúncia a um direito constituído
pelo incumprimento. O artigo 809º refere-se a direitos relativos à obrigação exequenda, relativos à schuld
(dívida). O artigo 602º refere-se à haltung (responsabilidade). O artigo 602º permite modificar o regime de
responsabilidade patrimonial, são normas com âmbitos diferenciados. O que já poderemos dizer é que
obviamente que se o regime de responsabilidade patrimonial for excessivamente restringido, em termos
práticos, pode-se inviabilizar o que se pretende retribuir com as pretensões indemnizatórias. Logo, sem
dúvida que podemos ter clausulas de limitação de responsabilidade mas elas serão nulas quando haja
manifesta desproporção.

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2. Contratos que prevêem uma modalidade de execução convencional: é necessário tomar em conta
que, se o devedor estiver insolvente quando celebra estes contratos, eles podem constituir a previsão
de vários tipos legais de crime – crimes falimentares (insolvenciais). Consultar para estes efeitos os
artigos 227º a 229º Código Penal.

Iremos analisar uma figura geral e referir uma figura especial.

Cessão de bens a credor: figura geral. Prevista nos artigos 831º e seguintes CC. O devedor autoriza os seus
credores a alienarem uma parte ou a totalidade dos seus bens para satisfazerem certos créditos em relação ao
devedor. Com o produto da alienação extinguem-se as obrigações. Deste contrato deve constar o objeto da
cessão (quais bens do devedor se consideram integrantes do contrato), quais os credores que estão autorizados
a fazê-lo e quais as obrigações que vão ser satisfeitas através deste meio. Os credores passam a administrar e
dispor dos bens em causa, artigo 834º/1 CC. Rigorosamente é uma autorização dada aos credores e não uma
cessão, isto porque o titular do bem continua a ser o devedor até que os bens sejam vendidos. Na pendência
do contrato de cessão, os credores que nele participaram não podem executar os bens cedidos numa execução
contra o devedor, artigo 833º CC. Os credores que não participaram no contrato de cessão de bens a credores,
se forem credores anteriores ao contrato de cessão podem executar os bens, artigo 406º/2 e 833º primeira
parte. Os credores passam a ter o dever de liquidação dos bens, podendo ser fiscalizados pelo devedor e
podendo ser pedida a prestação de conta. Isto porque estão a dispor sobre um bem que não lhes pertence,
artigo 834º/2. As obrigações do devedor extinguem-se na medida do que for recebido pelos credores, artigo
835º.

Penhor no qual se pode acordar execução extrajudicial: figura particular. Está prevista no artigo 665º/1
segunda parte.

Existe uma vantagem associada às execuções convencionais. Como na sua base existe um contrato, as partes
podem conforma-lo como entenderem mais conveniente. A desvantagem prende-se com o facto de ser
necessário o consentimento de todos, consentimento esse que ninguém consegue garantir. Podemos ainda
referir uma outra vantagem específica – não existe fase de convocação de credores, não há segurança social
nem autoridade tributária. Também não se extinguiram as garantias mas perderam o resultado prático, o
credor da garantia deixar de saber onde está o bem.

53. O DIREITO DA INSOLVÊNCIA

A insolvência é simultaneamente um instituto material e processual.


• Regras de direito material: é um instituto material na medida em que prevêem quais são as
consequências que decorrem de uma insolvência sobre o regime material das relações jurídicas do
insolvente. A insolvência provoca uma alteração no regime material. No CIRE existem dois grupos de
normas – (1) os artigos 90º e seguintes prevêem efeitos sobre os créditos; (2) os artigos 102º e
seguintes prevêem os efeitos sobre negócios em curso. Mesmo fora do CIRE há normas que
representam efeitos materiais de insolvência. EX: perda do benefício do prazo, artigo 780º/1 CC.
• Regras de direito processual: regula-se de que modo processualmente se extraem as consequências
jurídicas da insolvência. Também está regulado no CIRE.

O direito de insolvência era no direito europeu (sendo que nesta perspetiva o direito europeu exclui o direito
romano) um processo de natureza comercial. Ainda hoje temos certos vestígios disso mesmo – EX: a
competência para processo de insolvência é dos juízos do comércio, artigo 128º/1/a LOSJ. Mas a insolvência
já não é própria do direito mercantil. Uma demonstração disso mesmo é que hoje uma pessoa singular pode

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ser declarada insolvente mesmo que não seja comerciante. Isto acontece porque existe a possibilidade de as
pessoas singulares requererem a exoneração do passivo restante, para gozarem de um benefício próprio. Logo
a insolvência é hoje um mecanismo de ordem geral e não mercantil.

54. ORIGEM DO DIREITO DA INSOLVÊNCIA

A forma de execução que o direito romano conhecia era de execução universal. Aquilo que passou para o
direito europeu não foi essa forma de execução. Foi aquilo que acabaria por ser a execução singular.
Encontra-se a origem do processo de insolvência no direito comercial. Nasceu através da prática dos
comerciantes medievais. Para que o comércio possa funcionar, é necessário que haja grande celeridade. Um
comerciante ganha tanto mais dinheiro quantas mais trocas comerciais consiga fazer. Para que haja celeridade
é necessário que haja confiança. Negociamos com mais celeridade quando temos de acautelar menos aspetos.
Para que haja confiança os créditos têm que ser pontualmente cumpridos. Não há nada que atente mais contra
a confiança no sistema de trocas do que a quebra no cumprimento da obrigações. Sempre que alguém deixa
de cumprir pontualmente as suas obrigações abala a confiança na normal regularidade do funcionamento do
sistema. O comerciante começa a perder dinheiro e ter receios. Assim nasce a insolvência para excluir da
comunidade de comerciantes aquele que colocou em causa a confiança no sistema.

55. FINALIDADES DO PROCESSO DE INSOLVÊNCIA

Nos dias de hoje, quando o devedor insolvente for titular de uma empresa está obrigado a apresentar-se à
insolvência, artigo 17º/1/2. Esta norma reflete a ideia antiga de finalidade purgatória que vimos (finalidade
essa que consistia em excluir da comunidade de comerciantes aquele que colocou em causa a confiança no
sistema). Esta é a matriz mas foi evoluindo o direito da insolvência. Nasce uma segunda finalidade –
liquidação dos bens do devedor insolvente. Não só se tem em vista excluir o devedor insolvente como
repartir de modo equilibrado e equitativo o património de que o insolvente ainda dispõe. Introduziu-se ainda
uma terceira finalidade – finalidade recuperatória. Quando integra o património do insolvente uma
empresa, constituindo ela uma unidade de valor que beneficia o conjunto da economia, é importante
encontrar mecanismos que consigam obstar à perda desse valor. Mais recentemente no século XX e em
Portugal no século XXI, o direito de insolvência passa a ter ainda uma outra finalidade – finalidade de
reintegração no tráfego jurídico, especialmente para as pessoas singulares. Consiste na possibilidade de a
pessoa, apesar de insolvente, poder recomeçar a sua divida negocial libertada das dívidas que não puderam
ser satisfeitas.

56. VISÃO SUMÁRIA DA ESTRUTURA DO PROCESSO DE INSOLVÊNCIA

De que modo o processo de insolvência, no seu conjunto, procura garantir a satisfação dessas
finalidades e a matéria da exoneração do passivo restante.
O processo de insolvência tem duas grandes fases:
• fase destinada a aferir se o devedor é insolvente, que é uma fase de natureza declarativa
• fase de liquidação em sentido amplo, porque se passam mais coisas nessa fase
O elemento que une as duas fases é a sentença de declaração de insolvência.
A primeira fase, de natureza declarativa, destina-se a apurar se o devedor é ou não insolvente.
Preveem-se aí duas grandes possibilidades: a impossibilidade de cumprir as obrigações vencidas (artigo 3º nº
1 do CIRE) e, tratando-se de pessoa coletiva ou património autónomo, o passivo ser manifestamente superior

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ao ativo (artigo 3º nº 2). A insolvência tanto pode ser requerida pelo próprio, que às vezes tem o dever de o
fazer, como por qualquer credor.
Se houver declaração de insolvência (artigo 36º), o processo pode avançar para a segunda fase me
que tem lugar a liquidação do património do insolvente. A sentença de declaração de insolvência é um título
executivo gerado no próprio processo, no caso é um título judicial.
É nesta fase executiva da insolvência que se destina a satisfazer as finalidades vistas anteriormente
(purgatória, liquidatória, recuperatória e reintegratória). Quanto à finalidade purgatória, satisfaz-se através
do incidente de qualificação da insolvência (artigos 185º e seguintes). Destina-se a qualificar a insolvência
como fortuita ou culposa. Sendo a insolvência culposa, poderão certas pessoas objeto deste incidente de
qualificação ser inibidas de administrar patrimónios de terceiros (artigo 189º nº 2 alínea b)) e exercer o
comércio ou ocupar cargos de direção em pessoas coletivas (artigo 189º nº 1 alínea c)). Paralelamente, pode
haver a eventual verificação de um tipo legal de crime decorrente da criação dessa situação de insolvência,
por exemplo insolvência dolosa ou insolvência negligente, mas já são medidas criminais em sentido estrito.
Quanto à finalidade liquidatória, o processo de insolvência configura uma modalidade de execução
universal.
Portanto, a globalidade do património do devedor será executada para a satisfação da globalidade das
suas dívidas. Como é que do ponto de vista técnico se obtém este efeito? As ações executivas pendentes são
suspensas com a declaração de insolvência (artigo 88º nº 1), podendo mesmo vir a extinguir-se (artigo 88º nº
3).
Um outro aspeto é a penhora ou hipoteca judicial não serem atendidas para a graduação de créditos
(artigo 140º nº 3). Um aspeto próprio da insolvência é passar a ser a figura do administrador de insolvência
quem pode exercer os direitos de natureza patrimonial que pertencem ao insolvente (artigo 81º), ou seja, o
conjunto de bens integrantes do património do insolvente passa a constituir a chamada massa insolvente que é
administrada pelo administrador de insolvência. É uma intervenção externa para administrar e dispor dos
bens do modo que seja mais conveniente para o conjunto dos credores. A única forma de o devedor pôr fim a
isto é pagando. Este administrador de insolvência tem ainda a possibilidade, conferida pelo CIRE, de intervir
sobre algumas relações jurídicas de que o devedor era parte, resolvendo atos praticados em prejuízo da massa.
O objeto da administração do administrador de insolvência é a massa insolvente, a finalidade é satisfazer os
créditos da insolvência, portanto os créditos dos credores do devedor. Como é que são satisfeitos? De forma
rateada com uma parte da massa. O grande protagonista da insolvência é seguramente o administrador de
insolvência, como o grande protagonista da ação executiva é o AE. É também um profissional liberal que
deve estar inscrito nas chamadas listas oficiais de administrador judicial, não tem de ser jurista e, no que toca
à relação com os órgãos do Estado, é equiparado aos AE.
Quanto à recuperação, há várias medidas possíveis previstas na insolvência que podem permitir a
recuperação da empresa. Uma medida possível é a alienação integral da empresa (artigo 162º) e uma outra é o
chamado saneamento por transmissão – é transmitir os bens do insolvente para uma ou mais sociedades que
são criadas (artigo 199º), a vantagem é transmitirem-se os bens sem as dívidas. Genericamente podem ser
aprovadas outras medidas recuperatórias no plano da insolvência (artigo 162º nº 1).
A última finalidade é a reintegratória que está dirigida somente a pessoas singulares. Satisfaz-se
através da figura da exoneração do passivo restante. Esta está prevista nos artigos 235º e seguintes e foi
introduzida mais recentemente pelo CIRE em 2004. Este regime veio por via do Direito alemão, embora esta
figura tenha sido mais divulgada no século XX nos EUA, concretamente nos anos 1930.
Consiste no devedor ser exonerado de todas as suas dívidas, com a exceção das previstas na lei, que
não sejam satisfeitas no processo de insolvência ou no período de cessão. É efetivamente uma eliminação das
dívidas que não possam ser satisfeitas. Desde há uns anos a maioria das insolvências são de pessoa singular
precisamente para obter o uso desta figura. Todos os factos relativos à insolvência e à exoneração do passivo
restante estão sujeitos a registo civil (artigo 1º nº 1 alíneas l) e o) do CRC), isto porque todas as questões
relativas à insolvência dizem respeito ao estado económico da pessoa.

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Quanto à tramitação, deverá ser feito o pedido de exoneração no requerimento de apresentação à
insolvência quando é o próprio devedor que se apresenta, ou no prazo de 10 dias a contar da citação (artigo
236º nº 1 primeira parte). Eventualmente este pedido pode ser feito posteriormente, só que, nesse caso, nos
termos do artigo 236º nº 1 segunda parte, já não há o direito potestativo a que a exoneração seja decretada,
será ponderado se deverá ser concedido ou não. Os credores poderão pronunciar-se sobre este requerimento,
ao abrigo do princípio do contraditório (artigo 236º nº 3).
O segundo momento é o da apreciação liminar do pedido que, em princípio, tem lugar após audição
dos credores (artigo 238º nº 2). As causas de indeferimento constam do artigo 238º nº 1:
- alínea a): apresentação fora do prazo;
- alínea b): má fé ou censurabilidade clara do comportamento do devedor;
- alínea c): é uma leviandade que se volta a repetir;
- alínea d): regula duas hipóteses diferentes:
- haver dever de apresentação à insolvência, que existe quando é titular de empresa;
-quando não há dever de apresentação à insolvência, mas a norma cria um ónus de se apresentar à
insolvência, sob pena de perder a possibilidade de exoneração. Este regime da exoneração protege um
devedor que não agiu censuravelmente e é diligente na consideração dos seus credores, apresentando-
se à insolvência;
- alínea e): está em jogo a censurabilidade do comportamento do devedor;
-alínea f): são os crimes falimentares ou insolvenciais. Está em jogo mais uma vez a censurabilidade do
comportamento do devedor;
- alínea g): novamente a má fé do devedor que não colabora com os órgãos da insolvência.

57. A EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE – REGIME


É vendo quando não se permite a exoneração do passivo restante que percebemos a função da figura.
A contrariopodemos dizer que a exoneração do passivo restante não se abre para o devedor insolvente de má
fé ou cujo comportamento seja particularmente censurável.
Não se verificando nenhuma destas causas, é proferido o chamado despacho inicial (artigo 239º nº 1).
No despacho inicial, o juiz determina a cessão do rendimento disponível do devedor nos 5 anos subsequentes
ao encerramento do processo de insolvência (artigo 239º nº 2). Apenas ficam excetuados da cessão os
créditos referidos no artigo 239º nº 3 que prevê os créditos necessários à sobrevivência do devedor. Do ponto
de vista do professor, só faz sentido se for correspondente ao regime das impenhorabilidades.
Para além disto, o insolvente tem uma série de deveres declarativos (artigo 239º nº 4). Durante este
período de cessão, não poderá haver execuções singulares sobre o insolvente (artigo 242º nº 1). Portanto a
exoneração do passivo restante é aprovada nos 5 anos após o encerramento do processo de insolvência. Mas o
encerramento do processo de insolvência pode demorar menos ou mais. Faz sentido que a exoneração do
passivo restante tenha um período variável em termos práticos em razão de circunstâncias que não podem ser
controladas pelo devedor? Não. Uma das soluções que se dá a este respeito a nível jurisprudencial é
considerar o processo encerrado para efeitos de exoneração do passivo restante. O professor entende que esta
é a solução mais razoável atendendo às limitações causadas pelo teor da lei17.

17Há mais exemplos que demonstram como o CIRE não foi bem pensado. Imaginemos que temos um processo relativo a um crime e
os factos que integram a previsão do tipo legal de crime dão lugar a responsabilidade civil. Se os factos são os mesmos, justifica-se
que o mesmo juiz decida das duas questões. No processo de insolvência, temos o incidente de qualificação da insolvência, mas suas
causas são as mesmas que constituem a previsão dos tipos legais de crimes falimentares previstos no CP. Mas o legislador não
instituiu a previsão do princípio da adesão.

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Incidente de qualificação da insolvência (juiz):

Quem é responsável por acompanhar o insolvente? É o fiduciário cujas funções estão previstas no
artigo 241º.
Durante aquele período, a exoneração do passivo restante pode terminar antecipadamente, sendo
recusada nos casos previstos no artigo 243º. A alínea b) remete para algumas das causas de indeferimento
liminar. Terminado o período de 5 anos, é tomada a decisão final sobre a exoneração (artigo 244º). O juiz
deverá ouvir o devedor, o fiduciário e os credores (artigo 244º nº 1) e a exoneração só deve ser recusada pelas
causas de cessação antecipada (artigo 244º nº 2). Mesmo sendo concedida a exoneração, pode ser revogada
no prazo de 1 ano a contar do trânsito em julgado do despacho de exoneração (artigo 246º nº 2). Só ao fim de
1 ano se dá a estabilização completa da concessão.

58. A EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE – EFEITOS


Os efeitos da exoneração constam do artigo 245º que determina quais créditos se extinguem. O nº 1
delimita pela positiva o que é que se extingue, o nº 2 delimita quais são os créditos que são excetuados do
efeito extintivo. A exoneração do passivo restante é a extinção do que não foi satisfeito no processo de
insolvência ou no período de cessão.
As exceções são de enormíssima relevância:
- alínea a): os créditos por alimentos;
- alínea b): indemnizações devidas por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor;
- alínea c): créditos por multas, coimas e outras sanções pecuniárias por crimes ou contraordenações;
- alínea d): os créditos tributários e da segurança social.

Podemos dividir os créditos em públicos e privados. Os créditos públicos dividem-se em


crimes/contraordenações, fiscais ou da Segurança Social, ou outros. Destes créditos, os dois primeiros
mantêm-se, apenas se extinguem os da terceira categoria, só que não são relevantes. Dentro do Direito
privado, distinguimos questões de natureza pessoal e questões de natureza patrimonial. O crédito que
paradigmaticamente visa proteger bens de natureza pessoal é a obrigação de alimentos que não se extingue.
Quanto aos patrimoniais, temos créditos de fonte contratual e fonte não contratual, sendo que a grande fonte
não contratual é a responsabilidade civil, os factos dolosos mantêm-se, mas os não dolosos extinguem-se. Os
contratuais extinguem-se.
Visto isto, a que é que se destina a exoneração do passivo restante em termos práticos? Aos
créditos de natureza contratual e aos créditos de responsabilidade civil por factos não dolosos. Em termos de
natureza, a maior parte dos créditos são extintos. Isto é importante porque, se virmos a que se destina a
exoneração, percebemos a que é que ela realmente se destina. Ela não serve como mecanismo para libertação
gratuita de dívidas, mas serve, pelo menos, para contrabalançar alguns dos riscos naturais da sociedade
moderna. Mas quais? Do ponto de vista contratual, a necessidade que a pessoa tem de participar num amplo
conjunto de relações obrigacionais com o risco de incumprimento, sob pena de ser excluída da vida social.

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Este é o primeiro tipo de finalidade visado pela figura. A segunda é corrigir os riscos de uma sociedade
ultracomplexa, isto a respeito da responsabilidade extracontratual. Numa sociedade ultracomplexa, qualquer
pessoa, através dos seus atos mais simples, está sujeita, num processo causal, a causar danos num valor
absolutamente desproporcionado à sua capacidade económica.

59. A EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE – FUNDAMENTO


Esta é uma questão importante pelo seu significado para a compreensão do direito privado e para a
própria compreensão do direito.
Vamos ver 2 aspetos:
• Em primeiro lugar, algumas figuras históricas que tem uma finalidade igual ou semelhante a
exoneração do passivo restante: coloca-se como fonte o direito norte americano do século XX.
Sobre um certo ponto de vista, essa referência esta adequada, mas não quer dizer que em períodos
históricos anteriores não tenha havido figuras históricas semelhantes, mas não tiveram
continuidade. A figura da fundamentação da exoneração do passivo restante só é estranha porque,
efetivamente, não houve continuidade. Há antecedentes que devem ser colocados em evidencia.
o No espaço da Mesopotâmia, numa serie de impérios que se instalaram (3000 e 5000 a.C.),
as fontes mostram-nos que tinham leis periódicas de remissão de dívidas. Na cidade de
Atenas, antes de organizar o modelo de democracia ateniense, houve uma reforma que
levou a reforma de propriedade.
o O primeiro antecedente mais próximo é um antecedente que vem do antigo direito hebraico
(judaísmo). Fundamental para esta religião são os livros que constituem a Tora. Um dos
livros, no capítulo XV diz que a cada 7 anos se poderiam perdoar as dividas. A cada 7
vezes 7 anos poder-se-ia resgatar/ remir todas as propriedades. A ideia central do judaísmo
é a libertação. A finalidade desta libertação periódica das dividas é reatualizar o ideal de
libertação evitando que um judeu se tornasse escravo de um outro, através de vínculos
humanos. Mas isto alguma vez se aplicou? Mais ou menos. Isto é uma mistura de uma
regra ética e jurídica. Daqui resulta que as dividas humanamente constituídas podiam criar
situações humanas de escravidão
o O direito romano tinha uma solução no processo de execução universal em que era possível
o devedor voluntariamente cedia todos os seus bens (chama-se cessão de bens a credores).
Se isto acontecesse, era-lhe concedido o chamado beneficiumcompetentiae. Se melhorasse
a sua situação económica, os novos bens que adquirisse não respondiam pelas suas dívidas.
Para os romanos, não cumprir um contrato era das maiores faltas que podia cometer um
cidadão. O valor da palavra dada é tão significativo, que a fides era levada a deusa.
o Direito português – no Reinado de D. José I em que quem comandava os destinos de
Portugal era Marques de Pombal. É de referir o Alvará de 13 de novembro de 1756. Este
documento prevê medidas altamente repressivas dos mercadores de má fé e, por outro lado,
medidas de proteção dos mercadores de boa fé. Uma dessas medidas era que 10% do valor
que se tenha obtido na liquidação dos bens era destinado ao próprio insolvente. Uma outra
medida levada a cabo por Marques de Pombal é a prevista no paragrafo XXIII, sendo que
corresponderia à exoneração do passivo restante. Esta figura está longe de ser uma
extravagância e encontra cobertura em múltiplos contextos culturais e históricos.
o Ainda hoje uma parte relevante dos estados não conhece uma figura como esta, como é o
caso do Brasil, França… continuam a apostar em soluções de renegociação de dívida. Daí
que seja tao importante referir a relevância da figura.
• Razoabilidade da figura: 3 linhas de justificação

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o Razoabilidade económica: do ponto de vista económico é mais valioso permitir a extinção
de dívidas do que elas serem conservadas. A exoneração do passivo restante tem em vista
reintroduzir no tráfego económico certas pessoas que, de outro modo, ficariam sempre
excluídas. Não havendo uma figura desta natureza, o devedor insolvente tem o incentivo
económico ou a não trabalhar ou opta por desenvolver uma atividade económica
"informal". De uma forma ou de outra, quem é prejudicado é a sociedade como um todo.
Assim, é mais vantajoso reintegrar. Há quem defenda que o período de cessão deve ser
reduzido, pois, durante o período de 5 anos a pessoa tende a trabalhar de forma lenta, já que
o acréscimo não lhe é destinado, por isso não faz mais. A perda para o credor é muito
menor do que parece à 1ª vista. Temos a ideia de que o credor perde o seu crédito e isso,
sobre um certo ponto de vista é verdade. Contudo, o que o credor perde é o valor nominal
do crédito. Temos de distinguir o valor nominal (é o montante que pode ser exigido, sendo
sempre o mesmo) do valor real (é aquele que possivelmente pode ser cobrado, pelo que vai
oscilando de acordo com as oscilações do património do devedor). No momento em que o
insolvente perdeu todo o seu património, o valor real do crédito do credor é
tendencialmente 0. Por fim, é importante uma figura desta natureza para repartir os riscos
da contratação, sobretudo no campo das relações de origem de fonte contratual. Uma parte
do crédito do credor pode ser imputável ao seu próprio comportamento, porque concedeu
crédito. Mesmo do ponto de vista económico, uma figura como a da exoneração pode ser
vista como um incentivo a concessão de crédito excessivamente leviana. 18
o Razoabilidade Jurídica: a figura da exoneração do passivo restante limita-se a conferir a
pessoa comum as mesmas vantagens que já são concedidas a pessoas particulares através
de responsabilidade limitada. É ainda de referir a limitação da responsabilidade pelas
dividas da herança aos bens da própria herança.
o Razoabilidade fundamental, isto é, relativa aos valores fundamentais do Ordenamento
Civil: devemos tomar consciência de que todo o direito, qualquer norma jurídica, implica
sempre a afirmação de uma certa ideia social da pessoa. Todo o direito é uma antropologia
(é um discurso normativo acerca do homem). Aquele que é qualificado como um não
humano, passa a tratar-se a si próprio como um não humano. Os romanos diziam que
omneius causa hominumconstitumest (todo o direito foi constituído em vista dos homens),
não havendo nada em direito que não tenha a ver com a posição social do Homem. a
exoneração do passivo restante é a afirmação de que, sendo a satisfação de créditos
essencial, não é tao importante ao ponto de aniquilar definitivamente a figura do devedor
sem qualquer perspetiva de esperança para o futuro. Se uma figura como esta não existisse,
então, o Professor Tiago Ramalho pensa que o direito estaria a legitimar uma realidade
muito próxima da escravidão. Assim, o elemento fundamental aqui é afirmar que o direito
não existe para ser instrumento de servidão, mas encontrasse ao serviço da possibilidade de
comunhão entre os bens da comunidade que só é possível quando haja liberdade.

18É de consultar a Recomendação da CE de 12/3/2014, especialmente a concordata 20 e a recomendação 30.

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