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Direito Processual Civil III

Direito (Universidade do Porto)

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL


III
1º semestre – 4º ano

2019/2020
ANA CLÁUDIA PEREIRA
FDUP

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Nota Prévia: este documento foi elaborado com base nos apontamentos das aulas do
professor Tiago Ramalho, nos livros A Ação Executiva de José Lebre de Freitas, A Ação
Executiva de Rui Pinto, Novos Estudos de Processo Civil de Rui Pinto e Manual da
Execução e Despejo de Rui Pinto, e no artigo A Livre Substituição do Agente de Execução
por Parte do Exequente e o Direito Constitucionalmente Consagrado a um Processo
Equitativo de Maria João Areias.

Capítulo I – Introdução Geral. O Processo Executivo no Direito


1. Introdução ao Processo Executivo
a) Núcleos temáticos

Aquilo que vamos estudar ao longo do semestre é o livro IV do Código do


Processo Civil (de ora em diante CPC) relativo à ação executiva ou processo executivo.
No essencial, esta disciplina normativa procura responder a uma questão jurídica muito
precisa que é em que termos se pode solicitar a força pública para tutelar posições
jurídicas privadas. Fundamentalmente, esta disciplina supõe o tratamento de 3
questões:
- em que termos é admissível solicitar este recurso, ou seja, quais são os pressupostos
processuais da ação executiva;
- qual é o modo de exercício da força pública, ou seja, quais são as formas de processo
e a sua tramitação;
- quais são os limites colocados ao exercício da força pública, isto é, quais são os regimes
de impenhorabilidade dos bens do devedor.
Este é o núcleo da disciplina ao qual serão acrescentadas duas questões:
- o tratamento de um conjunto de procedimentos pré-executivos ou para-executivos,
isto é, formas que permitem antes ou à margem de uma ação executiva garantir o
cumprimento de obrigações coativamente, por exemplo o procedimento cautelar de
arresto;
- a referência ao Direito da Insolvência e dentro dele a figura da exoneração do passivo
restante.

b) Panorama geral da execução para pagamento de quantia certa nas suas duas
formas, ordinária e sumária

No processo todos os atos são praticados com vista a uma finalidade, pelo que
pressupõem todos os atos posteriores e estes pressupõem os anteriores, daí que
começaremos por apresentar uma imagem global do processo executivo. No CPC, no
artigo 10º nº 6, prevê-se que uma execução pode ter 3 fins:
- pagamento de quantia certa: pode seguir a forma ordinária e a forma sumária;
- entrega de coisa certa;
- prestação de facto.
Destas várias possibilidades o regime que configura o paradigma da execução é
a execução para pagamento de quantia certa na forma ordinária (artigo 551º nº 2 e 3).
É na regulação da execução para pagamento de quantia certa na forma ordinária que o
legislador trata da globalidade das questões da ação executiva. Nos restantes casos,
trata apenas das especialidades, remetendo para o regime subsidiário da execução para
pagamento de quantia certa.

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Qual é a estrutura de uma ação executiva normal? O primeiro artigo do livro IV


refere os títulos executivos, mas a tramitação da ação executiva começa a ser regulada
no artigo 724º. O primeiro ato da ação executiva designa-se por requerimento executivo
(artigo 724º), em que o exequente solicita tutela executiva, ou seja, que seja
coativamente realizado um certo direito. A ação executiva tem a particularidade de
exigir um pressuposto processual específico, só pode requerer o início da execução
quem tiver um título executivo, por isso é que este está definido no primeiro artigo deste
livro. É um documento a que a lei atribui o valor de servir de base a uma execução. O
título executivo por excelência é a sentença condenatória (artigo 703º nº 1 alínea a)). Se
não houver título, não pode haver execução – nulla executio sine titulo (nenhuma
execução sem um título). O título executivo é a chave que abre a porta executiva. Em
princípio, não se pode aceder diretamente à ação executiva. O requerimento executivo
é feito e deve ser acompanhado pelo título. Nesta primeira fase, é também possível
tornar a obrigação certa, líquida e exigível (artigo 713º), isto é, se isso não constar do
título, na primeira fase da ação executiva praticam-se as diligências necessárias para
esse efeito. Se a obrigação é ilíquida, não sabemos o que vamos executar, pelo que
importa começar por determinar o valor.
Pode o requerimento ser recusado pela secretaria nos termos previstos no artigo
725º, são vícios formais particularmente graves. Não havendo recusa, o requerimento é
apresentado a despacho liminar (artigo 726º). Este é um despacho que tem em vista
controlar imediatamente após um requerimento, sem ainda o exercício do
contraditório, a sua regularidade. O despacho liminar vai poder ter no seu termo dois
desfechos ou conteúdos (artigo 726º):
- o indeferimento liminar;
- ordenar a citação do executado.
O executado é citado para pagar ou para apresentar a sua defesa. Pode
apresentá-la através de um articulado que se chama oposição à execução ou embargos
do executado. Através destes, o executado pede ao tribunal que extinga a execução.
Qual será a consequência da procedência dos embargos do executado? A extinção da
execução. Este regime está previsto nos artigos 728º e seguintes. Os embargos do
executado são uma contra-ação do executado. O exequente inicia a ação executiva
contra o executado e depois este contrapõe uma ação declarativa contra o exequente.
Quando há embargos do executado, temos uma ação declarativa (extintiva) para
destruir a ação executiva. Via de regra, os embargos do executado não suspendem a
execução, pelo que vai continuar a avançar, apesar de ter havido uma oposição.
Terminada esta fase introdutória, inicia-se uma nova fase que é a da penhora.
Neste momento, intervém na ação executiva um novo sujeito chamado agente de
execução que é o órgão todo-poderoso da ação executiva, é um profissional liberal que
tem por função praticar as diligências executivas. O que se faz na fase da penhora? Neste
período da ação executiva, penhoram-se os bens do executado que sejam necessários
para satisfazer a obrigação exequenda. Em que é que consiste a penhora? Consiste
numa apreensão dos bens do executado para realização do seu valor. Como é realizado
o valor dos bens? Normalmente através de uma venda executiva. Por isso, a partir da
penhora, o executado já não pode usar os seus bens. A penhora tem ainda um outro
efeito – a partir do momento em que ela é realizada, o exequente tem uma preferência
datada desse momento (artigo 822º do Código Civil, doravante CC). Se a penhora é
realizada no dia 1 e no dia 2 há uma hipoteca, prevalece a penhora. Se, pelo contrário,

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constituir a hipoteca primeiro, é esta que prevalece. Se porventura houver alguma


ilegalidade da penhora, há vários meios de reação, mas o meio de reação padrão,
próprio do executado, é a oposição à penhora, que é um incidente destinado a pedir o
levantamento da penhora. Se proceder, a penhora é levantada (a concreta penhora a
que o executado se opôs), mas não extingue a execução. Se forem penhorados bens
pertencentes a um terceiro, este pode reagir recorrendo a um incidente de intervenção
de terceiros chamado oposição mediante embargos de terceiro.
A fase seguinte é a da citação e concurso de credores. Os credores que tenham
garantias reais constituídas sobre os bens penhorados são citados. Qual é a finalidade
desta citação? É que os credores (apenas os que tenham garantias constituídas) possam
reclamar os seus créditos. Mas porquê? Porque a venda executiva extinguirá todas as
garantias sobre o bem (artigo 824º nº 2 do CC). Isto é para a venda ser mais apelativa.
Antes da venda executiva, os credores titulares da garantia são chamados para garantir
o respeito pelas garantias constituídas. Nesta fase, haverá ainda lugar a verificação e
graduação dos créditos, determinando-se quem é satisfeito em primeiro lugar, em
segundo, em terceiro, etc. Fixa-se a ordem de destinação do valor que se obtém com os
bens penhorados.
A última fase é a da realização do valor e do pagamento: realizar o valor dos bens
onerados, normalmente através de uma venda executiva (artigo 824º nº 1). Esta
consiste na alienação do bem penhorado para com o valor da aquisição satisfazer a
obrigação exequenda, ou seja, a venda executiva é uma expropriação por razões de
interesse privado. O proprietário é expropriado para destinar o valor obtido com essa
alienação para os seus credores. Obtido este valor, realiza-se o pagamento e extingue-
se a ação executiva (artigo 849º nº 1 alínea b) do CPC).
Qual é a particularidade da forma sumária? É que o requerimento executivo é
enviado de imediato ao agente de execução, ou seja, quem faz o primeiro controlo da
regularidade da execução é o agente de execução e não a secretaria, nem o juiz (artigo
855º nº 1), que pode recusar o requerimento (nº 2 alínea a)) ou suscitar a questão ao
juiz para controlo liminar (nº 2 alínea b)). Se não for praticado nenhum destes atos, o
agente de execução passa de imediato à realização da penhora (artigo 855º nº 3). O
executado só vai ser citado depois da realização da penhora ou no momento da
realização da penhora, correndo em simultâneo o prazo para oposição à execução e
para oposição à penhora. A forma sumária é muito mais agressiva, uma vez que a
apreensão de bens do devedor precede a sua citação para a ação, sem possibilidade de
defesa prévia.

2. Processo executivo: justificação e sentido

Importa identificar a razão pela qual a ação executiva existe. O princípio


fundamental que está por trás da ação executiva, que é pressuposto pela ação
executiva, é o princípio de Direito segundo o qual cabe ao poder público o monopólio
do poder de determinar quando e em que termos o uso da força é permitido, isto é, o
poder político chama a si o privilégio de ter a última palavra para ajuizar se a força é
legítima ou não.
O monopólio do uso da força pode ser visto sobre dois pontos de vista: em
primeiro lugar, ele é entendido como uma pretensão do poder político, isto é, o poder
político afirma que é justo que seja ele o único que dispõe da possibilidade de usar da

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força ou de autorizar o exercício da força (dimensão jurídica); por detrás desta está uma
outra dimensão que, se não existir, a dimensão jurídica é irrelevante – o monopólio é
uma questão de facto, isto é, só é relevante a pretensão de ser o único a poder usar da
força se faticamente for o único que consegue usar da força. Se o poder político não
tiver esta capacidade de se impor, de vencer resistências que se lhe colocam, é
irrelevante. Quando falamos de separação de poderes, usamos o termo “poder”, sendo
que os alemães se referem a ele como Gewalt e a separação de poderes como
Gewaltenteilung.
Isto permite-nos modificar o modo como percebemos a relação entre Direito
material e processo. Nós pensamos o Direito da seguinte forma: primeiro o Direito
material, depois este é discutido no processo declarativo, se não funcionar é o processo
executivo e só depois usa-se a força. Mas no plano fáctico é o contrário: primeiro está a
força, depois o processo executivo, depois o processo declarativo que só é adequado
segundo o Direito material. A partir da capacidade de impor a solução é que se constrói
todo o resto.
Se o poder público tem o monopólio do uso da força autorizada, então os
particulares não têm a possibilidade de usar da força. É esse justamente o primeiro
princípio de todo o processo, por isso está no artigo 1º do CPC. O ponto de partida de
todo o processo é a proibição do uso da força. Sendo assim, o processo está
estruturalmente configurado como uma alternativa que é dada aos particulares em
razão da proibição de que são destinatários. O processo como meio de heterotutela é
uma contrapartida da proibição da autotutela. O processo é uma tentativa de
instauração de uma cultura que assenta na resolução de conflitos não apenas pela força,
mas pela força razoável, é uma tentativa de instauração de uma cultura de paz e não de
guerra.
Em síntese, vamos ver ao longo da disciplina os termos em que a comunidade
politicamente organizada coloca a sua força pública que é a única força autorizada ao
dispor da satisfação de posições jurídicas privadas e, por isso, o processo executivo
regula os termos em que esta força é concedida e permitida, e também os termos em
que ela deve ser limitada para poder ser legitimada. Esta é a tensão que temos sempre
por trás da ação executiva – a força que se consegue e aquela que já não se deve dar.

Exposição de grandes modelos históricos de ação executiva

Vejam-se agora os grandes modelos históricos de execução coativa das


obrigações. O tema fundamental da ação executiva é como e de que forma é possível
exigir coativamente, isto é, pela força, a realização de uma obrigação. Veremos
alternativas ao nosso modelo que historicamente existiram.
Começaremos pelo Direito romano, mas não são esgotados os Direitos da
Antiguidade que efetivamente existiram, sendo que existem poucos documentos que
permitam o seu estudo mais aprofundado (Direito das polis gregas, Direito da
Mesopotâmia, Direito hebraico).
Os romanistas expõem várias fases de evolução do modelo de processos do
Direito romano. A primeira fase é a das chamadas legis actiones, que significa ações da
lei. Lex significa dizer, portanto era uma forma de processo que assentava no uso da
palavra dita, para agir tinha de usar certas fórmulas verbais. Havia 5 formas dessa
natureza, mas a que mais interessa é a chamada manus iniectio. Na origem da ação

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executiva estava esta fórmula. Iniectio é composto pelo prefixo in e pelo verbo “lançar
sobre”, é o lançamento sobre e manus significa “mão”, é o lançamento da mão. É um
processo que assentava na colocação da mão sobre alguém que seria o executado. A
mão na cultura romana, como em outras, é o símbolo do poder e é por isso que os reis
têm um cetro na mão. Por isso, se a mão é o símbolo do poder e se este processo tem
por dimensão o lançamento da mão sobre alguém, é um processo que assenta em
colocar o devedor no poder do credor. Quanto à estrutura, o ponto de partida era uma
afirmação por parte do autor perante o pretor (quem tinha o poder jurisdicional) em
que dizia o seguinte: “porque foste condenado a pagar uma quantia de tal e porque não
pagaste, então por causa desta sentença lanço a minha mão sobre ti”. Assim, o processo
tinha como pressuposto uma sentença que não tinha sido cumprida e por isso queria
colocar a mão sobre ela. Ao mesmo tempo que dizia isto colocava fisicamente a mão,
eram ações simbólicas. A partir deste momento em que o autor fazia esta declaração, o
devedor já só podia ser libertado por um terceiro que era o vindex, era alguém que vinha
resgatar o devedor. Se não viesse, o processo continuava. Como é que o terceiro
resgatava? Afastava a mão do credor, novamente uma ação simbólica. Se porventura
esta oposição fosse improcedente, o valor da dívida duplicava. Se não houvesse
nenhuma oposição, o processo avançava. Qual a sequência do processo? Em primeiro
lugar, o credor podia vender o devedor e agrilhoá-lo com algemas durante 60 dias. A Lei
das XII Tábuas regulava esta questão dizendo o peso das grilhetas e que tinha de se
alimentar o devedor. O autor deveria apresentar o devedor em 3 dias de mercado para
o vender pelo valor da dívida, vendia a quem pagasse a dívida do próprio devedor. Havia
ainda uma terceira possibilidade: se isto não acontecesse, ao fim deste tempo o credor
podia fazer duas coisas – vender o devedor como escravo no estrangeiro (que era o
outro lado do rio Tibre); ou podia fatiar o corpo do devedor, sendo chamados os vários
credores e cada um podia ficar com uma parte do corpo correspondente à porção do
seu crédito e a Lei das XII Tábuas dizia, a este respeito, que, se se cortasse mais do que
era suposto, não havia problema. Em que é que assenta a ação executiva? A execução é
sobre a pessoa, particularmente no limite sobre o corpo da pessoa, o corpo responde
pela dívida de uma forma muito literal. Há quem diga que corpo significava património,
mas não sabemos. Não há conhecimento de nenhum caso em que isto tenha
acontecido, mas a verdade é que há muito poucas fontes. A finalidade é criar uma
ameaça tal que crie um incentivo sobre todos os intervenientes para pagar a dívida, é
um procedimento intimidatório.
O próprio Direito romano evoluiu e há um segundo grande arquétipo de
processo – processo formulário. Havia uma ação que servia para a execução que era a
chamada actio iudicati. Como é que funcionava? O credor dirigia-se ao devedor e pedia
esta ação. Nesta fase, apurava-se se havia uma sentença que condenasse já o devedor
ou uma confissão de pedido. Deveriam decorrer 30 dias entre a sentença ou confissão
e a actio. O devedor podia opor-se e, se improcedesse, a consequência era duplicar o
valor. Se o processo fosse de avançar, era dada ao credor a possibilidade de encarcerar
o devedor, mas, a par deste encarceramento, toda a posse dos bens do devedor era
transmitida para o credor para os conservar, como medida preventiva a que o devedor
esvaziasse todo o seu património para não cumprir. O credor normalmente designava
um curador para o fazer. Na fase seguinte, anuncia-se publicamente a execução para
que os demais credores reclamem os seus créditos. Terminado este tempo, o devedor
era declarado infame, ou seja, de má fama, não confiável. Isto tinha consequências

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porque depois não podia praticar uma série de atos. De seguida, os vários credores são
convocados pelo pretor para escolherem alguém que venda todo o património do
devedor. Os bens são todos adjudicados a quem oferecer o valor mais elevado. Aqui
temos em parte uma execução pessoal devido ao encarceramento/prisão, mas também
já temos uma execução real que incide sobre a totalidade do património que é alienado
para a satisfação dos créditos dos credores, portanto uma execução real universal. Uma
particularidade deste regime era que permitia que o devedor, se o seu sobre-
endividamento não se devesse a causa culposa, pudesse voluntariamente entregar
todos os seus bens – é a chamada cessão de bens. Se o fizesse, gozava de duas
vantagens: não era infame e, se viesse a melhorar a sua situação económica, os novos
bens que adquirisse não respondiam pelas dívidas. Isto é relevante porque no nosso
atual Direito da Insolvência, em 2004, introduziu-se uma figura que remonta ao Direito
romano – a exoneração do passivo restante.
O Direito romano evoluiu ainda mais e, no Direito romano tardio, surgiram
paulatinamente as seguintes novidades: criam-se prisões públicas para encarcerar o
devedor, admite-se a possibilidade de executar a própria coisa devida (imaginemos que
é devida uma carroça, a execução já não é por um equivalente em dinheiro, mas pode
ser a própria carroça), admitiu-se também que a execução devesse ser dirigida por
juízes, foi desprivatizada/publicizada, e também a possibilidade de venda em lotes do
património do devedor em vez de ser vendido todo em simultâneo. São pequenas
alterações de natureza técnica.
O Direito medieval é uma confusão, porque há uma profusão de fontes
normativas diferentes. Em todo o caso, é aqui que surge uma novidade muito relevante
para a evolução do Direito – para executar uma obrigação, podia-se exigir que se
constituíssem penhores sobre os bens móveis do devedor. Em caso de incumprimento,
estes bens eram vendidos através do penhor. O segundo passo foi o controlo deste
processo, que passou para as mãos da autoridade pública, já não é só o credor que exige
penhores sobre bens móveis para serem vendidos os bens e com o seu produto
satisfazerem o crédito. Com isto nasceu a penhora: solicitação ao tribunal para que
sejam penhorados certos bens ao devedor para satisfazer a dívida exequenda. Aqui já
não temos uma execução real universal, mas singular, o credor exige para a satisfação
do seu crédito (e não dos outros credores) que sejam penhorados dados bens do
devedor para com o seu valor satisfazer o crédito.
A prisão por dívidas do Direito romano manteve-se até ao século XIX de uma
forma generalizada. Havia algumas exceções, como as mulheres que não eram presas
por dívidas. Também os clérigos não o eram. A prisão por dívidas acabou por
desaparecer por volta do século XIX por 3 razões: as prisões estavam cheíssimas de
devedores, o que é um problema para o erário público; é uma medida ineficiente, se
não pode pagar, o facto de estar preso não vai fazer com que vá pagar, não leva a que o
devedor tenha subitamente mais bens para pagar; a própria ideia do vínculo negocial
foi dessacralizada, o incumprimento não revela propriamente uma falha a ser punida via
de regra, deve-se ao acaso da própria vida económica. Por conseguinte, não se justifica
uma sanção tão acentuada e intensa. O primeiro país a abolir a prisão por dívidas foi
Portugal em 1774. Presentemente, a prisão por dívidas não está prevista para o Direito
privado, considera-se que decorre do artigo 27º nº 1 da Constituição da República
Portuguesa (de ora em diante CRP) e para as dívidas contratuais a prisão por dívidas está
proibida pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e pelo artigo 1º do

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protocolo adicional nº 4 à Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Há certos casos


de incumprimento que pela censurabilidade do comportamento do devedor podem
constituir crime, por exemplo o incumprimento da obrigação de alimentos ou a burla
para obtenção de bebidas e comidas (apropriação de um bem com intenção de não
pagar). Não é o incumprimento enquanto tal que é crime, são as razões que levaram ao
incumprimento, daí não ser desconforme à CRP.
Na infâmia estava em jogo uma execução que envolvia a fama ou a honra ou a
respeitabilidade. Este era outro meio para promover a execução coativa das obrigações,
para ver que a pessoa, caso não cumpra, tem uma consequência. Na Idade Média, houve
um outro instituto que surgiu semelhante a este – a excomunhão, funcionava como
meio para garantir o pagamento. Atualmente já não temos estes mecanismos. Mas há
outros que funcionam assim, são semelhantes por via indireta – a chamada lista pública
de execuções, é uma ameaça deste género.

Atualmente a execução:
- pessoal:
- pelo corpo: não existe;
- por prisão: não existe;
- por fama: mais ou menos, devido à lista pública de execuções;
- real:
- universal: é a insolvência;
- singular: é a ação executiva.

Capítulo II – Elementos fundamentais da ação executiva


Secção I – Ação declarativa e ação executiva
3. Processo Executivo e Direito Processual
3.1. Ação declarativa e ação executiva. Diferenças e relações

Atente-se na relação entre ação executiva e ação declarativa. O artigo 10º do


CPC diz que há duas espécies de ações que são a ação declarativa e a ação executiva.
Os fins da ação declarativa são de simples apreciação, de condenação e
constitutiva. Em qualquer um dos casos, o que o autor pede é que seja declarado
qualquer coisa, seja a realidade de um facto ou de um direito, seja a condenação do réu,
seja a produção de um novo efeito jurídico, respetivamente. Portanto são ações
jurisdicionais. Jurisdição decompõe-se em iuris (Direito) e dictio (dicção, ato de dizer).
Uma ação jurisdicional é o ato de dizer o Direito, de explicitar qual é o conteúdo do
Direito. As ações declarativas têm isto em vista, dizer de um modo linguístico o que é
conforme ao Direito.
As ações executivas são muito diferentes. Se a ação declarativa é jurisdicional
neste sentido, a ação executiva é imperial, não assenta em dizer o Direito, mas em impor
o Direito, impor uma solução. Não tem em vista declarar, mas realizar.
Há uma série de oposições que podem ser úteis: a ação declarativa assenta na
palavra dita e escrita, a ação executiva assenta na ação. Na ação declarativa tomam-se
decisões, na ação executiva fazem-se operações ou ações. Esta especialidade da ação
executiva está muito bem vertida no artigo 10º nº 4. A chave para a sua leitura é a
palavra “coativa”. A ação executiva é uma ação de coação, de imposição, de
constrangimento, para que seja realizada a prestação debitória do exequente.

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Como é que se articulam então as duas ações? A ordem natural das coisas seria,
em primeiro lugar, a ação declarativa e, em segundo lugar, a ação executiva. Propõe-se
primeiro uma ação declarativa que termina com a prolação da sentença. Obtida uma
sentença condenatória a favor do autor, recorre em seguida à ação executiva. Esta
coordenação natural das duas ações está espelhada no artigo 703º nº 1 alínea a) que diz
que a sentença condenatória é título executivo. Então a sentença condenatória é um
meio bastante para atingir a ação executiva. Naturalmente a ação declarativa precede a
ação executiva. Há um segundo efeito muito relevante associado a ter-se recorrido a
uma ação declarativa: se a tiver havido antes da ação executiva, não se poderá recorrer
nesta aos meios de defesa já precludidos. Essa relação natural não é necessária, mas
eventual, porque além da sentença há outros documentos aos quais se atribui força
executiva. Por exemplo, um cheque tem força executiva. Sempre que seja admitido um
título executivo que não a sentença, então a ação executiva não é necessariamente
precedida da ação declarativa. Com uma consequência: em princípio, na ação executiva
vai poder recorrer a todos os meios de defesa a que poderia ter recorrido numa ação
declarativa.
Em síntese, pode haver ação declarativa sem ação executiva, pode haver ação
declarativa seguida de ação executiva e pode eventualmente, se o título executivo
permitir, haver ação executiva sem prévia ação declarativa.

3.2. Referência a outros processos executivos

Vejamos agora a relação entre o processo executivo civil e outras formas de


processo executivo. O processo executivo civil é apenas a forma de processo primária
para o Direito privado e subsidiária para outros domínios do Direito, isto é, encontramos
processos executivos especiais. Por exemplo a execução de custas judiciais que consta
dos artigos 35º e 36º do Regulamento das Custas Processuais, a execução laboral dos
artigos 88º e 98º do Código do Processo do Trabalho, a execução fiscal que consta dos
artigos 148º e seguintes do Código de Procedimento e Processo Tributário, a execução
de sentença administrativa dos artigos 157º e seguintes do Código de Processo nos
Tribunais Administrativos (CPTA), o regime administrativo de execução dos artigos 154º
e seguintes do CPTA, e o Código de Execução de Penas no âmbito do Direito Penal.
Além destes regimes particulares, temos dentro do próprio Direito privado o
processo de insolvência que é um processo que tem, entre outras, a finalidade
executiva, só que enquanto o CPC regula a ação executiva singular, o Código da
Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE) regula a execução concursal ou universal.

4. Modalidades de execução
4.1. Execução convencional e execução coativa

Veremos de ora em diante grandes distinções que permitem enquadrar a


execução:
- execução convencional: é uma execução que tem por detrás um acordo prévio das
partes, uma execução contratual. No nosso regime substantivo, encontram-se previstas
duas figuras que correspondem a uma execução convencional: cessão de bens a
credores (artigos 831º e seguintes do CC), em que o devedor autoriza alguns ou todos
os seus credores a alienar os seus bens para com o produto satisfazer os seus créditos;

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dação pro solvendo, que consiste na entrega de coisa diferente da devida e extingue
apenas na medida da obrigação;
- execução coativa: é aquela que é realizada apesar da vontade do executado.
As formas de execução convencional gozam de todas as vantagens e
inconvenientes do negócio jurídico. A grande vantagem é que, se depende da vontade
das partes, podem modelar a execução do modo que melhor satisfaça os seus
interesses. Um outro aspeto significativo é que pode ter um custo muito inferior a uma
execução coativa. Mas a principal desvantagem é que não há nenhuma instância
imparcial que intervenha para apreciar a irregularidade da execução, sem prejuízo da
enorme limitação do seu alcance prático que é exigir o consentimento do devedor.
Como nem sempre se pode obter o consentimento dos interessados, recorre-se à
execução coativa.

Nota sobre desnecessidade de tutela executiva e sobre a (inexistente) arbitragem em


matéria executiva

Há dois casos particulares que não podem ser reconduzidos a estas duas
categorias:
- em certas hipóteses, é possível fazer valer um efeito jurídico sem necessidade de
execução, por exemplo a compensação, nos termos do regime substantivo, pode ser
operada por simples declaração e, nesse caso, a obrigação extingue-se a partir do
momento em que a declaração é eficaz (artigo 848º do CC). Se assim é, então é possível
que o titular do direito de compensação extinga a sua dívida ou cobre o seu crédito sem
necessidade de qualquer auxílio de terceiros, não há necessidade de uma eventual ação
executiva. Há quem diga que isto é uma forma de autotutela, porque pode ele próprio
cobrar o seu crédito. O professor Tiago Ramalho entende ser mais adequado dizer que
há desnecessidade de tutela executiva. A questão está em que o ato de cobrança é em
si irrelevante, é uma mera declaração. Há hipóteses em que pura e simplesmente não é
necessário recorrer a medidas executivas;
- fora deste quadro da execução convencional e coativa está a arbitragem em matéria
executiva. Não existe arbitragem em matéria executiva, não é possível que as partes por
acordo confiram poderes públicos de execução a particulares. Não existe por se
entender que o monopólio do uso da força deve estar reservado ao poder público ou a
um grupo restrito de entidades a quem o poder público a delega. Por volta de 2009, o
CPC previu a possibilidade de arbitragem em matéria executiva, mas não a
regulamentou, sendo que em 2013 a extinguiu.
O processo executivo que vamos estudar corresponde a uma execução coativa.

4.2. Autotutela e heterotutela

- autotutela: é a tutela, a proteção das posições jurídicas pelo próprio titular, vem do
prefixo grego auto que significa o próprio.
- heterotutela: é através do outro, que é a comunidade politicamente organizada.
O princípio fundamental é o da proibição da autotutela (artigo 1º do CPC), sendo,
todavia, admitida em casos excecionais. O meio subsidiário da autotutela é a ação direta
prevista no artigo 336º do CC. Depois há muitos meios específicos – a legítima defesa
(artigo 337º), o estado de necessidade (artigo 339º) e casos especiais de autotutela

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previstos no livro de direitos reais. O elemento comum a todas estas formas de


autotutela é ser pressuposto da sua admissibilidade a impossibilidade de recorrer aos
meios normais. Figueiredo Dias cita um autor alemão no seu manual de Direito Penal
que afirma o seguinte “na legítima defesa o que está em jogo é a afirmação da ordem
jurídica na pessoa do agredido”, ou seja, é a afirmação de todo o Direito da comunidade
numa só pessoa. Mesmo quando o Direito reconhece a autotutela, reconhece apenas a
autotutela executiva, não reconhece autotutela declarativa. Por exemplo: se alguém
pode agir em legítima defesa, significa que pode praticar os atos necessários a prevenir
uma agressão, é executivo que está a agir, está a adotar determinado comportamento,
mas a pessoa não tem o poder de dizer de forma vinculante que estão verificados os
pressupostos da legítima defesa, esse poder de declarar já cabe apenas aos tribunais.
Se houvesse autotutela declarativa, o fundamento do Direito era aquela pessoa, o que
não pode ser.
Dentro deste binómio, a ação executiva configura uma modalidade de
heterotutela.

4.3. Execução singular e execução universal

- execução singular: é aquela que pode ser intentada idealmente por apenas um credor
para a satisfação de uma só dívida, executando-se um só bem, ou seja, a execução
singular tem por referência o que for necessário para satisfazer aquele crédito. O
princípio que acaba por reger a execução singular é o princípio da precaução – a ação
singular, em princípio, protege somente o credor que tem iniciativa de agir e agindo
obtém em seu favor a penhora. É o credor que queira gozar da preferência da penhora
que deve ser precavido e iniciar a ação executiva, se não a iniciar não consegue obter a
penhora em seu favor, pelo que não é protegido pelo valor de realização dos bens do
devedor. No modelo da ação executiva singular, em princípio, só é protegido o credor
que toma a iniciativa de agir. Só quem é precavido é que é tutelado;
- execução universal/concurso: concurso significa lugar para o qual acorrem todos. A
execução universal respeita, em princípio, à totalidade das relações jurídicas do
devedor, pelo que então envolve todos os credores, todas as dívidas e todos os bens.
Por isso, mesmo não sendo um credor precavido, em princípio vai ser citado para a
execução universal. O meio próprio para a execução universal é o processo de
insolvência. Como é que são satisfeitos os créditos? Em primeiro lugar, respeitam-se as
garantias constituídas, como na ação executiva, e, uma vez respeitadas, o que sobra é
distribuído equitativamente pelos credores. Isto é o que se designa por princípio da par
conditio creditorum, isto é, princípio do igual tratamento dos credores (artigo 604º nº 1
do CC). Na insolvência, não se consideram as penhoras ou hipotecas judiciais que já
tenham sido constituídas, não é uma causa de preferência da insolvência, porque senão
ficava desvirtuado (artigo 140º nº 3 do CIRE).
Por exemplo: o devedor tem bens de 100 e tem 2 credores – A e B. A tem um
crédito de 300 e B tem um crédito de 700. Numa ação executiva singular, primeiro A e
depois B, A é o primeiro a agir e penhora o bem que vale 100. É satisfeito em 100 e B
em nada. Na insolvência, A era satisfeito na percentagem, em 30 e B em 70.
Dentro desta divisão o que vamos estudar é o regime da execução singular,
sendo que o regime da execução universal está regulado no CIRE.

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4.4. Execução pessoal e execução real

Dentro da distinção entre execução pessoal e execução real, já vista a propósito


do desenvolvimento histórico da ação executiva, o processo executivo configura uma
modalidade de execução real, uma execução sobre o património e não sobre a pessoa.

A ação executiva que vamos estudar corresponde, assim, a uma modalidade de


execução coativa, é uma forma de heterotutela, constitui uma execução singular e,
quanto ao seu objeto, uma modalidade de execução real.

5. Instrumentalidade do processo executivo


a) Sentido fundamental

O processo executivo, à semelhança de todo o processo (seja executivo, seja


declarativo), diz-se instrumental ou adjetivo do Direito material. Do ponto de vista
lógico, partimos das soluções do Direito material e procuramos, de modo consequente,
encontrar uma forma processual que permita a respetiva realização. Há uma expressão
latina que traduz a instrumentalidade do processo: ubi ius, ibi remedium (onde há
Direito, aí há um remédio). Onde há um regime de Direito material, então tem de haver
uma solução processual – isto é a instrumentalidade do processo. Esta regra
fundamental de tipologia aberta do processo encontra-se vertida no artigo 2º nº 2 do
CPC (“realizá-lo coercivamente”). Logo que tenha uma posição jurídica material
conferida ao exequente, então consequentemente teremos de encontrar um regime
processual de tutela. Inversamente, o regime processual de tutela pressupõe o
conhecimento de Direito material.
Qual é o tipo de posições subjetivas de Direito material que são tuteladas na ação
executiva? Ou para que tipos de posições subjetivas de Direito material foi forjada a
ação executiva? O termo técnico mais adequado que em Portugal se encontra muito
pouco divulgado para descrever aquilo que se tutela no processo é “pretensão”. É um
termo que traduz o substantivo alemão Ansprul. Pretensão designa o direito a exigir a
prática de uma ação ou de uma omissão. Isto é a noção de obrigação. Mas pretensão é
um termo ainda mais geral – podemos distinguir uma pretensão obrigacional, real,
familiar, sucessória, a linguagem fica mais adequada. Exemplo de pretensão real: um
proprietário de um imóvel que não quer que o vizinho faça barulho.
Na ação executiva, o que está em jogo é a realização coativa de pretensões, do
direito de exigir a prática de uma ação ou de uma omissão. Qual o regime material que
aplicamos às pretensões? É o regime do Direito das Obrigações, sobre cumprimento,
não cumprimento e realização coativa das obrigações, aplicamo-lo diretamente às
pretensões obrigacionais e com as necessárias adaptações às restantes. Se assim é,
então temos de conhecer qual é a solução que o Direito material dá para a realização
coativa de obrigações ou de pretensões. Qual é a diretriz fundamental? Decorre dos
artigos 817º e 601º do CC. Fundamentalmente dispõem estes artigos que a primeira
consequência do incumprimento da obrigação é a possibilidade de o credor exigir
judicialmente o cumprimento e executar o património do devedor.

b) Execução por equivalente e execução natural/ específica

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Historicamente e mesmo no Direito contemporâneo há alguma divergência, pelo


que existem dois grandes modelos de possibilidade de execução do património do
devedor, ou seja, são modalidades de execução no que respeita à relação do dever de
prestar integrante da obrigação exequente:
- execução por equivalente: é o modelo mais antigo. Em caso de incumprimento, o
exequente pode exigir um equivalente à prestação que não foi cumprida, normalmente
é um equivalente pecuniário. Era isto que acontecia no processo executivo romano. O
Direito anglo-saxónico adota tendencialmente esta solução;
- execução natural/específica: foi-se desenvolvendo este segundo modelo. Aquilo que
se procura garantir com a execução é o próprio objeto da prestação devida.
Por exemplo, o devedor está obrigado a entregar um automóvel e não o entrega.
Na execução por equivalente, é executado o valor do automóvel. Na execução
natural/específica, é executado o próprio automóvel e na ação entrega-se o automóvel
ao credor. É esta segunda solução que mais protege o credor, é aquela que de modo
mais perfeito permite realizar o interesse do credor.
A regra do Direito Civil português é a de, sempre que possível, procurar uma
tutela integral dos bens e isso vê-se claramente em dois aspetos gerais do Direito Civil
português: a obrigação de indemnização, por regra, é obtida mediante reconstituição
natural e não em dinheiro; e a preferência pela execução específica.

Razões da preferência pela execução específica

Importa perceber por que razão o Direito Civil se preocupa com a tutela integral
dos bens jurídicos ou a tutela natural dos bens, ou seja, porquê execução específica e
não execução por equivalente. Há 3 razões que mostram que o valor de um bem não é
igual ao seu valor em dinheiro, se não houvesse execução específica não se tutelaria
devidamente o credor, porque obteria direito a uma coisa e na ação executiva obteria
outra que não lhe era correspondente:
- há bens insubstituíveis, por exemplo um imóvel, que é uma porção determinada do
solo. Se houver um equivalente em dinheiro, isso nunca corresponderá integralmente
ao prédio em causa. Isso mostra claramente que há bens jurídicos irrepetíveis;
- o valor afetivo dos bens: quando os bens têm um valor afetivo, tornam-se únicos e não
é possível adquirir equivalentes, por exemplo um animal de companhia;
- em períodos de mau funcionamento do mercado, o dinheiro perde a sua capacidade
aquisitiva. Se ninguém se predispuser a alienar um certo bem, de nada serve um valor
monetário, porque o dinheiro só tem valor quando a outra pessoa lhe atribuir valor.
Estas 3 razões permitem justificar de forma muito clara por que é que a execução
específica se constitui um reforço de tutela do credor.

c) Consequências em sede processual

Existem consequências disto sobre o processo: o processo executivo tentará, na


medida do possível, que seja realizado o próprio objeto da prestação. Vejam-se 4
hipóteses:
- execução para pagamento de quantia certa: a distinção entre execução específica e
por equivalente é aqui menos evidente, tem menos importância, porque a execução já

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se dirige por si mesma a um equivalente, ou seja, obter a quantia equivalente àquela


que é objeto da prestação;
- execução para entrega de coisa determinada: aqui já são muito diferentes as soluções
que decorrem da execução específica e da execução por equivalente. A solução da lei é
poder exigir a entrega do próprio bem devido (artigo 827º do CC e artigos 859º e
seguintes do CPC);
- execução para a prestação de facto: nesta, em que a diferença entre os dois tipos de
execução é muito visível, temos de distinguir entre prestação de facto fungível ou
infungível:
- tratando-se de prestação de facto fungível, o credor pode exigir que a prestação
seja realizada por um terceiro e custeada pelo devedor (artigo 828º do CC e
artigos 868º e seguintes do CPC). Se o credor pode exigir que a prestação de facto
seja realizada por um terceiro, recaindo o custo sobre o devedor, então a
execução permite a realização do objeto da prestação, simplesmente vai ser feita
por um terceiro;
- na prestação de facto infungível, o problema suscitado é que é necessária a
colaboração do devedor para realizar a prestação. Isto é, pela natureza da
prestação o credor só se dá por satisfeito se na execução da prestação marcarem
presença as qualidades do devedor. Por exemplo, a obrigação de se abster da
prática de certos atos. Só o próprio devedor se pode abster, não um terceiro. O
problema deste tipo de prestações é que é necessária a concreta colaboração do
devedor, portanto se este não colaborar, a prestação não é realizada. Vale a
regra traduzida na seguinte expressão: nemo potest cogi ad factum (ninguém
pode ser coagido a um facto). Isto é uma impossibilidade ontológica, não é
propriamente uma regra jurídica. Se alguém coagir outrem a praticar um facto,
quem o pratica é quem coage. Há uma questão que se coloca: por um lado temos
a execução específica, por outro não é faticamente possível coagir a pessoa a
não praticar o facto – como é que o legislador resolve esta questão? Surge nos
anos 80 a sanção pecuniária compulsória. O meio para a tutela de prestações de
facto infungível é a sanção pecuniária compulsória (artigo 829º-A do CC) que
consiste na aplicação de uma sanção por cada infração ou dia de atraso no
cumprimento da obrigação. Temos um dever de prestar infungível, é possível
forçar literalmente o devedor a cumpri-lo? Não, então como sanção acessória
temos a sanção pecuniária compulsória que funciona assim como um meio
indireto de compulsão do devedor à prática do ato. O devedor é colocado numa
alternativa – ou cumpre, ou arca com a sanção. Esta pretende-se
suficientemente punitiva para que o indivíduo se abstenha de praticar o ato que
está proibido de praticar. Assim, prevê-se um modo de tutela indireta através de
uma sanção acessória que pressione o devedor no sentido de realizar o dever de
prestação.
Dentro das possibilidades técnicas admissíveis, procura-se sempre a solução
mais próxima da realização efetiva da prestação devida.

d) Sobre a chamada ação de execução específica

Importa fazer uma breve nota sobre a ação de execução específica (artigo 830º
do CC): tem muito a ver com o que foi dito até agora, ou seja, com a tutela integral do

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promitente fiel num contrato-promessa. Neste, as partes obrigam-se a emitir as


declarações negociais formativas do contrato definitivo. Se uma das partes incumprir,
teríamos 2 opções: a primeira seria uma mera tutela indemnizatória, ou seja, por
equivalente; a segunda seria a realização da própria prestação devida. Ora, a ação de
execução específica visa facultar o acesso à prestação devida, no caso, substituindo-se
o tribunal na sua emissão. O que justifica a ação de execução específica é exatamente o
mesmo que justifica os meios de ação executiva. O que tem de diferente é que essa ação
não é de natureza executiva, é uma ação declarativa constitutiva. Estamos perante uma
medida executiva obtida através de uma ação declarativa, porque não é necessária a
prática de nenhum ato material, há desnecessidade de ação executiva.

6. Quadro normativo aplicável


a) Fontes nacionais e internacionais

Quanto ao quadro normativo aplicável à ação executiva, podemos distinguir:


- fontes do Direito Processual Civil:
- fontes de Direito nacional:
- Direito de nível legislativo em sentido amplo: as principais fontes para a
ação executiva são o CPC, o regime da injunção previsto no Decreto-Lei
sobre as AECOP (DL nº 269/98 – prevê a ação especial para cumprimento
das obrigações pecuniárias lá previstas e prevê o regime da injunção, foi
um dos alterados em setembro de 2019, alguns autores criticaram a
reforma do CPC no sentido em que este diploma não foi introduzido
nele), a Lei da Organização do Sistema Judiciário (prevê as diferentes
possibilidades de órgãos jurisdicionais constituídos e suas competências)
e a sua regulamentação (prevê quais os tribunais e juízos concretamente
constituídos) para a competência;
- Direito de nível regulamentar: há várias portarias, mas há uma que é
mais importante é a Portaria nº 282/2013.
Uma curiosidade é que nem todos os Estados preveem a ação executiva
no CPC, há pelo menos 2 Estados significativos que regulam a ação
executiva num Código próprio – França e Áustria e há quem proponha
que assim seja em Portugal.
- fontes de Direito internacional:
- Direito da União Europeia: vigora na ordem jurídica ao abrigo do artigo
8º nº 4 da CRP. A União Europeia (de ora diante UE), durante longas
décadas, não se interessou particularmente pelo processo civil, mas mais
ou menos por volta de 2000, começou a notar-se uma maior atividade
normativa. O professor Tiago Ramalho pensa que, neste momento, já
podemos começar a divisar uma espécie de processo civil europeu, mas
isto à maneira europeia. Quais são então os principais regulamentos
europeus que interessam para a ação executiva? O Regulamento de
Bruxelas I reformulado, a injunção de pagamento europeia (por isso há
duas injunções – a nacional e a europeia), Regulamento sobre o título
executório europeu (perdeu muita importância, embora não tenha sido
revogado) e o Regulamento sobre a decisão europeia de arresto de
contas bancárias (de 2014);

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- Direito internacional em sentido estrito: as convenções internacionais


vigoram na ordem jurídica portuguesa ao abrigo do artigo 8º nº 2 da CRP.
Em matéria de ação executiva, elas não são muito relevantes, porque a
ação executiva é tipicamente considerada como um assunto interno dos
Estados. Mas existem convenções internacionais sobre esta matéria,
embora sejam poucas, como a Convenção de Nova Iorque sobre o
reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras.

Referência a projetos de harmonização do CPC e aos ditos acordos coletivos de


procedimento

Ao contrário do que acontece no restante Direito privado, não tem havido


grandes estudos de harmonização do processo civil. Sobre a globalidade de matérias de
Direito privado, há grupos de estudo internacionais que apresentam propostas. Estes
grupos generalizados não têm tido lugar no processo executivo. Sem prejuízo, podem-
se indicar dois: um deles é o instituto UNIDROIT, que faz muito destes projetos. Uma
das novidades deste instituto é que, em 2017, começou a atividade de preparação de
um estudo para a uniformização do processo executivo. Estes estudos são valiosos e
permitem-nos conhecer soluções que, de outro modo, dificilmente acedemos. Além
deste projeto, existe uma associação mundial daquilo que é equivalente ao agente de
execução – União Internacional de Oficiais de Justiça, que preparou um Código mundial
de execução, mas que não é Código mundial de execução nenhum. Este Código é uma
tentativa de apresentação de princípios gerais relativos à ação executiva. Estes estudos
são fragmentários, raros e só agora se estão a iniciar.
Uma outra realidade a que importa fazer menção é algo que quase surgiu nos
últimos anos em Portugal, à imitação de soluções vigentes nos outros Estados, que são
os chamados acordos coletivos de procedimento. Tratar-se-ia de uma espécie de
contrato entre o tribunal de comarca e as principais entidades judiciais que nela
exercem atividade (Ordem dos Advogados, dos Solicitadores) no qual se acordariam
regras processuais em matérias controvertidas, que funcionariam nos seguintes termos:
supondo que na comarca do Porto havia muita jurisprudência dividida sobre
determinado tema, neste acordo coletivo todos se comprometeriam a aceitar
determinada interpretação. Estaríamos a meio caminho entre a atividade de adequação
do juiz e a atividade legislativa, havia aqui um nível intermédio de produção de Direito
gerado pelos profissionais da área, uma espécie de Direito corporativo, a brotar da
praxis. Na proximidade do acordo, algumas entidades não o aceitaram, pelo que não
entrou em vigor. Mas é uma ideia muito interessante que existe noutros ordenamentos
jurídicos.

b) Aplicação da Lei no Tempo

Quanto à aplicação da lei no tempo, a regra geral é a de que a lei vigora apenas
para o futuro (artigo 12º do CC). Em matéria de processo civil, nos termos do artigo 136º
do CPC, para a forma dos atos vigora a lei do momento da sua prática (artigo 136º nº 1),
para a forma de processo vigora a lei do momento da propositura da ação (artigo 136º
nº 2).

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7. Quadro de garantia constitucional

É necessário atentar na função do Direito Constitucional para percebermos como


é que ele se relaciona com o processo. O Direito Constitucional hoje em dia tem, pelo
menos, duas funções que claramente o distinguem e é relevante por qualquer uma
delas:
- definir o estatuto jurídico fundamental do poder político, o modo de organização do
poder político, por isso também regula o poder jurisdicional (artigos 202º e seguintes da
CRP);
- mediante o catálogo de direitos fundamentais e o sistema de fiscalização da
constitucionalidade, o Direito Constitucional serve para sindicar o Direito ordinário, que
é uma função diferente. Aqui é um parâmetro de fiscalização da lei.
Por isso, o Direito Constitucional não nos interessa, em primeira linha, por
regular o processo civil pela positiva, porque isso ele não faz. Interessa-nos como meio
pela negativa de servir para a desaplicação de certas normas do processo, através do
sistema da fiscalização da constitucionalidade. O que nos interessa aqui referir é
somente quais serão os pontos de apoio do Direito Constitucional que mais se adequam
à sindicância das regras do processo civil. Esta segunda função do Direito Constitucional
é muitíssimo relevante porque permite, num sistema de matriz positivista, conferir um
certo espaço de liberdade ao jurista para colocar em causa a bondade da lei. Toda a
ordem jurídica tem de resolver um dilema: é fazer articular o dever de obediência à lei
com o dever de procurar a solução materialmente mais adequada. Isto é uma tensão
imanente ao sistema jurídico e, portanto, este tem de ter mecanismos que permitam a
sua autocorreção. O que o sistema de fiscalização da constitucionalidade permitiu foi,
num quadro de obediência ao Direito, conferir certa margem argumentativa ao jurista
para desaplicar a lei. Como é que isto é feito? O jurista que invoca a Constituição está
só a aplicar o Direito, mas como é que isto funciona? Temos aqui 2 níveis diferentes: o
nível do Direito ordinário e o nível do Direito Constitucional. No que respeita ao
primeiro, o processo regulado por ele tem por característica genérica a precisão.
Portanto este Direito ordinário dá muito pouca margem ao jurista para desaplicar a
norma. O Direito Constitucional tem por característica a imprecisão, exigindo do jurista
tarefas de concretização. Se isto não fosse impreciso, o espaço de liberdade não
existiria. Onde é que o jurista adquire ferramentas para concretizar o Direito ordinário?
No espaço do Direito Constitucional. No quadro de um sistema positivista é inserida a
possibilidade de argumentativamente colocar em causa o seu valor e assim o dilema é
resolvido.
Quais são os principais pontos de arrimo que a CRP dá para eventualmente
sindicar a bondade da ação executiva?
- no artigo 20º nº 1, prevê-se o direito de acesso ao Direito. Por via interpretativa,
considera-se que o direito à execução integra o direito de acesso ao Direito;
- da CRP decorre a exigência da criação de procedimentos particularmente céleres para
proteger direitos, liberdades e garantias (artigo 20º nº 5);
- no artigo 20º nº 4, prevê-se sobretudo para a ação declarativa que o processo deva ser
equitativo. A referência é uma ressonância do artigo 6º da CEDH;
- o princípio da proporcionalidade é particularmente relevante, porque toda a ação
executiva é uma ação de sacrifício de certos bens para a proteção de outros, portanto
deve passar pelo crivo da proporcionalidade;

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- relevante é ainda o princípio da proteção da confiança inerente ao Estado de Direito


(artigo 2º);
- o princípio da proibição da prisão por dívidas que se entende decorrer do direito à
liberdade e segurança (artigo 27º nº 1).

8. Quadro económico e sociológico subjacente à ação executiva

O quadro económico e sociológico subjacente à ação executiva é relevante


porque salta patentemente à vista a instabilidade normativa na ação executiva e, em
geral, no processo civil. Desde 2013, a situação até está razoável, mas entre 1995 e 2013
o CPC teve 45 versões, ao ritmo de 2 versões e meia por ano. Esta instabilidade
normativa não se deve, em primeira linha ou somente, a uma eventual incúria
legisladora. A razão de fundo, pensa o professor, para a grande instabilidade normativa
radica em fatores económicos, sociológicos e de administração da justiça (que ainda
cabe no económico e sociológico). Apontam-se 6 causas que estão na base desta difícil
situação do processo:
- o aumento do número de relações económicas: também aumenta novamente o
número de possíveis conflitos e assim de possíveis ações judiciais que, no limite, vão
parar à ação executiva. Inicialmente esta pressão foi sentida sobre a ação declarativa,
mais ou menos nos anos 1990 em Portugal (noutros Estados foi mais cedo). A solução
do legislador foi criar títulos diferentes da sentença;
- o próprio mau funcionamento da economia: só há execuções porque há
incumprimentos, só há incumprimentos porque a economia não funciona tão bem, por
isso é normal que em alturas de crise económica aumente o número de ações
executivas. Da mesma forma, é natural que uma ação executiva dure algum tempo,
porque se o devedor revelasse com facilidade ao credor os bens para serem executados,
em princípio, nem era necessária a ação executiva. Se há problemas na ação executiva,
é porque a própria relação material entre credor e devedor já se encontra em crise, se
não se encontrasse em crise já não era precisa ação executiva;
- o próprio aumento da litigiosidade: isto é, uma maior predisposição ao longo das
últimas décadas para entrar em conflito e em conflito judicial. Isto sobretudo por parte
dos grandes litigantes;
- a escassez de meios do sistema judiciário: os juízos de execução do Porto tinham, no
início de 2018, cerca de 105.000 processos pendentes. No fim do ano, tinham cerca de
90.000, isto para 11 juízes, ou seja, um juiz tinha cerca de 9.000 processos e no fim do
ano 8.000. É um problema de organização judiciária que se vai repercutir no processo;
- a pretensão de resolver, do ponto de vista normativo, problemas que são práticos: a
falta de dotação de meios não se resolve com uma alteração normativa, resolve-se com
mais meios;
- a ausência de uma dogmática de um consenso acerca de quais devem ser os vetores
fundamentais do Direito: se isso existisse, só poderíamos discutir quais os meios mais
adequados, mas não havendo consenso sequer quanto aos fins do Direito, a
instabilidade está em toda a parte.

Secção II - Princípios fundamentais


9. Princípios estruturantes da ação executiva
9.1. Princípio do acertamento

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9.2. Princípio da proporcionalidade


9.3. Princípio do dispositivo

Castro Mendes dizia que o legislador processual tinha de tomar uma posição: ou
adota um modelo geral declarativista em que toma por paradigma a ação declarativa,
ou um modelo executivista em que toma por paradigma a ação executiva, mas uma
coisa ou outra porque elas são muito diferentes. No Direito português, não há dúvida
de que o paradigma é a ação declarativa, aplicando-se depois com as necessárias
adaptações e na medida em que o justifique o regime da ação declarativa à ação
executiva. Sendo assim, se a solução da nossa lei é essa, então apenas temos de
considerar os princípios particulares da ação executiva, porque, quanto ao mais, vale o
que já conhecemos da ação declarativa. Quais são, então, os princípios centrais da ação
executiva?
- princípio do acertamento: na ação declarativa o ponto de partida é a dúvida ou a
incerteza acerca do Direito material. Na ação executiva, pelo contrário, o ponto de
partida é o de que uma das partes é devedora. Isto tem consequências: enquanto a ação
declarativa é marcada pela paridade das partes, a dúvida do tribunal é saber qual delas
tem razão; a ação executiva é marcada pela imparidade das partes, porque o tribunal
parte do princípio de que uma das partes é credora e outra é devedora. Sob este ponto
de vista, a ação declarativa tem uma lógica bilateral; a ação executiva tem uma lógica
unilateral. Princípio do acertamento significa então que na ação executiva se tem por
certo o conteúdo da relação material. Contudo, para que esse conteúdo seja tido por
certo e existente, é necessário que conste do título executivo, daí o título executivo
como pressuposto específico. Podemos já traçar a seguinte relação: quão mais forte o
título executivo, menores serão as garantias do executado; quão mais fraco o título
executivo, maiores serão as garantias do executado. Podemos distinguir duas
dimensões deste princípio:
- positiva: resulta dele que da simples existência do título executivo se tem a
relação material por acertada nos exatos termos que resultem do título;
- negativa: não se tem por acertado ou por certo nenhum elemento que não
resulte do título executivo. Para estes outros elementos será necessária alguma
atividade probatória adicional para que a execução tenha lugar.
Veja-se o seguinte exemplo: imaginemos que do título consta uma
obrigação condicional, poderá o exequente exigir de imediato o
cumprimento da obrigação? Não, porque do título não consta que se
verificou a condição, do título resulta apenas que foi prevista a
constituição de uma prestação caso se verifique um facto futuro e
incerto, logo é necessária alguma atividade adicional para que a
obrigação possa ser exercida. Imaginemos, pelo contrário, que consta a
obrigação de pagamento de 5.000€ de um certo documento particular
autenticado e que isso é apresentado. Do título executivo consta um
dever de prestar 5.000€. Tem o exequente de fazer alguma atividade
adicional probatória? Não.
- princípio da proporcionalidade: tem particular intensidade na ação executiva, apesar
de ser um princípio geral. Tem muitas concretizações particulares no regime da ação
executiva. Por exemplo, o artigo 735º nº 3 do CPC que é uma regra que limita a penhora
aos bens necessários. Além dessas previsões específicas, vale como parâmetro geral de

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controlo, procurando, portanto, que a satisfação do interesse do credor seja com o


menor dano possível para o devedor;
- princípio do dispositivo: é comum à ação declarativa, mas também tem muita
intensidade na ação executiva. Decorre do Direito material. A ideia que lhe subjaz é a
seguinte: se as posições jurídicas objeto do processo são privadas, então os seus
titulares podem dispor sobre elas a todo o momento, isto é, não perdem o seu senhorio
sobre as suas posições jurídicas por elas estarem a ser objeto de um processo. Vejam-
se algumas concretizações deste princípio:
- a iniciativa para a ação executiva é do exequente (artigo 724º), é ele o titular
do direito que vai ser tutelado na ação executiva;
- o exequente pode desistir da execução (artigo 848º nº 1);
- a ação executiva pode terminar por acordo entre exequente e executado (artigo
806º nº 1) ou num acordo global com os demais credores reclamantes (artigo
810º nº 1).

Rui Pinto considera ainda um princípio de favor creditoris1, mas o professor Tiago
Ramalho não acredita que esta expressão verta a ação executiva, pois vigora antes o
princípio do acertamento, ou seja, aquele princípio vigora nos limites do princípio do
acertamento, há um tratamento favorável dentro dos limites do acertamento. A ação
executiva só é favorável ao credor no que está acertado.

Secção III – Título executivo


10. A relação de execução e os pressupostos da execução

Também na ação executiva se constitui uma relação processual a que podemos


chamar agora relação de execução. Esta relação tem início com a apresentação do
requerimento executivo ao tribunal, estabiliza-se com a citação do executado e, a partir
desse momento, a ação executiva devidamente estabilizada poderá prosseguir os seus
termos. A relação processual na nossa lei processual é sinónimo de instância, uma

1 “Outros AUTORES assinalam como identitário da ação executiva o que designam como favor creditoris:
a execução seria um processo sem igualdade material de fundo entre credor exequente e devedor
executado, prevalecendo a posição daquele sobre a deste. (...) Assim, notas desse princípio seriam:
a. a eventual dispensa de citação prévia à penhora (cf. artigo 727º);
b. ser, por regra, da responsabilidade do exequente a designação e a destituição do agente de execução
(cf. artigo 720º nºs 1 e 4);
c. o julgamento das questões que mereçam um tratamento declarativo fora da própria linha
procedimental executiva, em processos apensados, estruturalmente autónomos embora funcionalmente
acessórios, como a oposição à execução ou à penhora;
d. a não suspensão da execução por oposição à execução, em regra (cf. artigo 733º nº 1);
e. a penhora só ser levantada depois da penhora substitutiva se consumar, nos incidentes de substituição
dos bens penhorados por outros (cf. artigos 740º nº 2 e 751º nº 6);
f. a existência de regimes de revelia com efeito cominatório pleno ou de tipo injuncional (cf. por ex., os
artigos 741º nº 2, 773º nº 3, 791º nº 4, 792º nº 3);
g. a restrição das intervenções de terceiro passivas, tanto as provocadas pelo executado, como as
espontâneas.
Estes aspetos de favor creditoris decorrem do próprio postulado intrínseco da execução: a parte ativa não
pretende ter um direito, mas exerce já um direito, demonstrado no título executivo. Neste sentido, a
execução é do e para o credor, pelo que nenhum favor – i.e., um desvio ao princípio da igualdade – é dado
ao credor. Na verdade, o favor creditoris é a expressão procedimental da natureza forçada da execução,
ínsita no artigo 817º CC.”

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instância é uma relação processual. A particularidade do processo sumário é que o


requerimento, sendo dirigido ao tribunal, é automaticamente enviado para o agente de
execução que interviria ali como auxiliar.
Tal como na ação declarativa, também na ação executiva são necessários certos
pressupostos para que o tribunal exerça a sua atividade, são os chamados pressupostos
processuais, que são pressupostos para o funcionamento da relação processual.
Preveem-se no curso da ação diferentes momentos para controlar a regularidade
da execução:
- a possibilidade de recusa do requerimento pela secretaria (artigo 725º) ou pelo agente
de execução (artigo 855º nº 2 alínea a)), consoante a forma de processo. O controlo
feito neste momento é um controlo formal, de vícios patentemente graves e, por isso,
raramente verificáveis;
- o primeiro momento realmente significativo de análise da regularidade da execução é
o momento do controlo liminar que cabe ao juiz no processo ordinário (artigo 726º nº
2) ou ao agente de execução que deve suscitar a intervenção do juiz (artigo 855º nº 2
alínea b)) no processo sumário. Detetando o juiz a falta de um pressuposto processual,
ou indefere liminarmente o requerimento executivo (artigo 726º nº 2) ou, se for
possível, convida ao suprimento de irregularidades ou à sanação da falta de
pressupostos processuais (artigo 726º nº 4). Isto ao abrigo do seu dever de gestão
processual (artigo 6º nº 2);
- subsistindo a falta de um pressuposto processual que não tenha sido detetada, tal é
fundamento de oposição à execução (artigo 729º). A oposição à execução está
dependente da iniciativa do executado, pelo que este controlo específico só terá lugar
se o executado suscitar a intervenção do tribunal;
- ainda há uma última possibilidade: até ao 1º ato de transmissão dos bens penhorados,
o juiz pode oficiosamente conhecer de todas as questões que pudessem determinar o
indeferimento do requerimento executivo (artigo 734º nº 1). Ou seja, as causas de
controlo liminar de execução valem até ao 1º ato de transmissão de bens. Faça-se o
paralelo com a ação declarativa: se subsistir alguma falha pode o juiz, no momento da
sentença, conhecer da falta de pressuposto processual. O regime da ação executiva
aparece com algumas cautelas, o problema é que a esmagadora maioria das execuções
são na forma sumária, em que o juiz não intervém na execução, é o agente de execução
que é escolhido pelo exequente, pelo que o incentivo ao controlo não é particularmente
forte.

Encontramos pressupostos processuais gerais da ação declarativa


(personalidade, capacidade, patrocínio judiciário, legitimidade, competência, entre
outros) e os pressupostos específicos da ação executiva – um de natureza formal e outro
de natureza material. Do ponto de vista formal, é necessário um título executivo 2; do
ponto de vista material, deve constar do título uma obrigação certa, líquida e exigível3.

2 Lebre de Freitas considera o seguinte: “O dever de prestar deve constar dum título: o título executivo.
Trata-se de um pressuposto de caráter formal, que extrinsecamente condiciona a exequibilidade do
direito, na medida em que lhe confere o grau de certeza que o sistema reputa suficiente para a
admissibilidade da ação executiva.”
3 O mesmo autor da nota anterior acrescenta que “Certeza, exigibilidade e liquidez são pressupostos de

caráter material, que intrinsecamente condicionam a exequibilidade do direito, na medida em que sem
eles não é admissível a satisfação coativa da pretensão. (...) Mas a certeza, a exigibilidade e a liquidez só
constituem requisitos autónomos da ação executiva quando não resultem já do título executivo.”

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11. Obrigação - pretensão – exequenda


a) Relevância

É necessário que do título conste uma obrigação ou, mais precisamente, uma
pretensão nos termos já referidos (direito a exigir de outrem um comportamento
positivo ou negativo). Obviamente que o título, como documento humano, carece de
interpretação para determinar qual é a obrigação que dele resulta, ou seja, a execução
tem por objeto a obrigação que, do ponto de vista interpretativo, resulte do título. Para
efeitos da ação executiva, basta que a obrigação conste do título, ainda que
concretamente não exista, ou seja, o título é suficiente para presumir a obrigação. Se
porventura do título constar uma obrigação e ela não existir ou já estiver extinta, é o
executado que tem o ónus de suscitar essa questão e pedir a extinção da execução na
oposição à execução (artigos 729º alínea g) e 731º consoante os casos). Se assim é,
então a partir do momento em que o título é apresentado, a ação executiva está
naturalmente preparada para avançar sem necessidade de qualquer indagação
adicional. É muito diferente do caso da ação declarativa em que o autor tem de alegar,
apresentar meios de prova, etc. Aqui parte-se do princípio de que a obrigação existe
apresentando o título.
Se porventura do título não constar nenhuma obrigação, então não existe sequer
título executivo, o documento não vale nada para efeitos da ação executiva. Nesse caso,
a ação executiva é inadmissível por falta de título.

b) Certeza, liquidez e exigibilidade

Para a ação executiva, contudo, não basta a existência de uma obrigação, mas é
necessário que ela seja certa, líquida e exigível. Rigorosamente, a certeza, liquidez e
exigibilidade não são requisitos para o início da ação executiva, ela pode iniciar-se, via
de regra, mesmo que a obrigação não tenha estes atributos. Nesse caso, na fase
introdutória da ação executiva devem ter lugar as diligências necessárias para dotar a
obrigação dessas características (artigo 713º).
Quais são as consequências da inobservância deste pressuposto processual? Se
a obrigação não for tornada certa, líquida e exigível, a ação tona-se inadmissível e deve
extinguir-se. A falta de certeza, liquidez e exigibilidade é justamente fundamento de
oposição à execução (artigo 729º alínea e)).

O que é que se entende por certeza, liquidez e exigibilidade?


Para a ação executiva, certeza é a determinação da qualidade da obrigação, da
espécie da obrigação. São exemplos de obrigações incertas obrigações alternativas com
prestações de género diferente (artigo 543º do CC) e obrigações genéricas quando o
género contenha diferentes qualidades (artigo 539º do CC).
Por exigibilidade entende-se, do ponto de vista genérico, o poder de exigir o
cumprimento da obrigação. São inexigíveis as obrigações sujeitas a prazo certo antes do
seu vencimento (artigo 779º do CC), obrigações com prazo a fixar pelo tribunal (artigo
772º nº 2 do CC), obrigação sujeita a condição suspensiva não verificada (artigo 270º do
CC) e inexigibilidade decorrente de numa relação sinalagmática não ter oferecido a
própria prestação, permitindo que a outra parte recorra à exceção de não cumprimento

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(artigo 428º do CC). Para a lei processual o não oferecimento da prestação está
equiparado à não realização da prestação. São estes os quatro casos principais de
obrigações inexigíveis. Diferente destes casos são as obrigações puras (artigo 777º nº
1), em que a interpelação é feita pela citação judicial (artigo 610º nº 2 do CPC ex vi artigo
551º nº 1). A consequência aqui é que as custas recaem pelo autor, pelo exequente
(artigo 535º nº 2 alínea b)).
A liquidez é a determinação quantitativa do montante da obrigação. Um
exemplo de obrigação ilíquida é a obrigação resultante de uma condenação genérica
(artigo 609º nº 2).

c) Juros moratórios e compulsórios

O objeto da execução é a obrigação exequenda tal como consta do título. Mas a


este objeto temos de acrescentar dois elementos adicionais:
- a lei permite que o exequente peticione juros de mora, mesmo que isso não conste do
título (artigo 703º nº 2). Pode peticionar os juros de mora que se vençam ou estejam
vencidos nos termos do regime de Direito material (artigo 806º do CC). É preciso
distinguir entre juros civis e comerciais, no caso de juros civis o valor é de 4% ao ano
(artigo 559º nº 1 que remete para uma portaria que neste momento é a Portaria nº
291/2003). No caso de juros comerciais, o modo de cálculo é extremamente complicado
porque depende das operações do BCE, que está fixado na Portaria nº 277/2013, mas a
cada 6 meses é publicado um aviso pela Direção-Geral de Tesouro e Finanças que diz
qual é o concreto valor para o período. Os juros comerciais, neste momento, são 7% e
8%, consoante os casos. O artigo 703º nº 2 não diz que a execução em concreto incidirá
na cobrança dos juros, pois é preciso articular esta regra com os princípios gerais do
processo. O que o nº 2 permite é que o exequente os peça, para que a execução incida
sobre os juros é necessário que o título executivo peça os juros moratórios, em virtude
do princípio do dispositivo ou do pedido. Algo muito semelhante disse o Supremo
Tribunal de Justiça (de ora em diante STJ) no Acórdão de Uniformização de
Jurisprudência nº 9/2015 que fixou a jurisprudência neste sentido: “Se o autor não
formula na petição inicial, nem em ulterior ampliação, pedido de juros de mora, o
tribunal não pode condenar o réu no pagamento desses juros”. Este Acórdão foi
proferido para a ação declarativa, mas o critério de decisão vale com as necessárias
adaptações para a ação executiva;
- há um segundo caso em que a lei alarga o âmbito da possível execução: nos termos do
artigo 829º-A nº 4 do CC, preveem-se duas figuras diferentes – do nº 1 ao 3 encontra-se
a sanção pecuniária compulsória em sentido estrito para garantia do cumprimento de
obrigações infungíveis; no nº 4 preveem-se os chamados juros compulsórios. No caso
de haver uma sentença condenatória transitada em julgado que condene ao
cumprimento de uma obrigação pecuniária, vencem-se juros compulsórios à taxa de 5%
ao ano, isto cumula com os juros moratórios (já vai em 9%). O nº 4 diz que se vencem
automaticamente os juros compulsórios. Deveremos entender que, vencendo-se esses
juros no plano material e podendo ser peticionados na ação executiva, só podem ser
efetivamente executados se o exequente os pedir.

12. O título executivo em geral. Funções

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A obrigação deve constar do título, portanto o título executivo é um pressuposto


processual próprio da ação executiva. “Nenhuma execução sem título” é o princípio
estruturante da ação executiva. Tal é dito no artigo 10º nº 5 de uma forma mais
prolongada e analítica. Se toda a execução tem por base um título, então se não houver
título não há execução, daí o uso da imagem da chave – o título é a chave que abre as
portas da ação executiva, mas é mais que isso, pois ele também limita.
O título deverá acompanhar o próprio requerimento executivo (artigo 724º nº
4), sob pena de ser recusado o requerimento (artigo 725º nº 1 alínea d)). No caso de
sentença judicial, não é necessário que o requerimento seja acompanhado (artigo 4º nº
4 da Portaria nº 282/2013).
Max Weber escreveu Economia e Sociedade, onde fala do título executivo,
dizendo que “mesmo formas mais arcaicas do pensamento jurídico, como o
pensamento de natureza mágica, têm a sua valia, a prova é terem conseguido inventar
os títulos, pois estes assentam na ideia de como um documento pode ter um poder
mágico de abrir as portas da ação executiva”.
Efetivamente o título não só abre a ação executiva, como traça os fins e os limites
dela. Vejamos do que depende o título executivo (o elenco não é exaustivo), pelo título
define-se:
- o processo aplicado;
- o objeto da execução;
- o regime da certeza, liquidez e exigibilidade;
- a legitimidade das partes;
- a competência;
- os meios de defesa admissíveis.
Todos estes elementos são estruturantes da ação executiva e todos eles
dependem do título. Para sistematizar a função do título executivo Teixeira de Sousa
identifica as seguintes:
- função constitutiva: há qualquer coisa que se constitui com o título executivo, este
atribui exequibilidade a uma pretensão, isto nasce com o título, sem o título ela não é
exequível, com o título ela é subitamente exequível;
- função delimitadora: traça os fins e os limites da ação executiva. Se a obrigação é
pecuniária, não se pode exigir a entrega de uma coisa (artigo 10º nº 5);
- função probatória: no sentido particular de que o título basta para presumir a
obrigação para efeitos da ação executiva.

13. Modalidades de título executivo


13.1. Sinopse

Quais são os títulos executivos existentes? O elenco de títulos executivos está


previsto no artigo 703º nº 1 que é um elenco taxativo, mas remetendo para legislação
avulsa. A diversidade de títulos executivos justifica o seu agrupamento em várias
categorias (o professor Tiago Ramalho divide-os em 5):
- títulos judiciais: são títulos formados numa ação judicial. O título judicial por excelência
é a sentença (artigo 703º nº 1 alínea a));
- títulos parajudiciais: não são formados num tribunal, mas à margem de um tribunal,
embora com certa relação com o sistema judiciário. Por exemplo, a injunção, seja a
nacional, seja a europeia;

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- títulos negociais qualificados: negociais porque têm por detrás um negócio jurídico,
mas qualificados por gozarem de certa forma particular. São exemplos o documento
exarado ou autenticado por notário ou outra entidade com esse poder (artigo 703º nº
1 alínea b)); os títulos de crédito (artigo 703º nº 1 alínea c)) de que são exemplo o
cheque, a letra e a livrança; e os acordos de mediação (artigo 9º nº 1 da Lei da
Mediação);
- títulos particulares: meros documentos particulares sem qualquer forma qualificada
aos quais se atribuem força executiva. Via de regra, não a têm, mas em certos casos
têm. Por exemplo a ata da assembleia de condóminos. Até 2013, qualquer documento
particular era título executivo;
- títulos administrativos: formados de acordo com as regras do Direito Administrativo.
Por exemplo, as taxas moderadoras são cobradas por um título executivo, bem como as
dívidas fiscais em que a própria Autoridade Tributária produz um título executivo.

13.2. Títulos judiciais


13.2.1. Sentença condenatória
a) Noção

Em primeiro lugar, dentro da categoria de títulos judiciais encontra-se a sentença


condenatória (artigo 703º nº 1 alínea a)). A salientar está que o legislador não diz
sentença de condenação, diz sentença condenatória, esta é mais do que sentença de
condenação. Estamos na presença de uma sentença condenatória nos seguintes casos:
- nas sentenças de condenação;
- quando tivermos um segmento condenatório em sentenças proferidas em ações com
outro fim (são exemplos a condenação ao pagamento de indemnização numa ação de
declaração de nulidade que é uma ação de simples apreciação, a condenação ao
cumprimento de obrigação de indemnização numa ação de anulação que é uma ação
de natureza constitutiva, a condenação em qualquer tipo de ação a indemnização por
litigância de má fé). Como é que determinamos o âmbito condenatório? Tal só é possível
mediante a interpretação da própria sentença, que é um ato jurídico, portanto um
comportamento humano declarativo que produz efeitos jurídicos e, por isso, carece de
ser interpretada. Questão diferente é a de saber se, não estando explícito na sentença
a condenação do réu, ela pode ser implicitamente admitida. Esta questão será vista em
sede de aulas práticas.
Se a sentença não for condenatória, deverá haver indeferimento liminar da
execução (artigo 726º nº 2 alínea a)). Se porventura não tiver havido fundamento de
oposição à execução (artigo 728º), a execução pode ser oficiosamente rejeitada até ao
primeiro ato de transmissão dos bens (artigo 734º nº 1).

b) Exequibilidade

Além disto, a sentença tem de ser exequível4. Esse regime é determinado pelo
artigo 704º nº 1. Prevê-se aí a exequibilidade em dois casos:

4 Lebre de Freitas diz-nos que “Para que a sentença seja exequível, é necessário que tenha transitado em
julgado, isto é, que seja já insuscetível de recurso ordinário ou de reclamação, salvo se contra ela tiver
sido interposto recurso com efeito meramente devolutivo. A atribuição de efeito meramente devolutivo
significa que é possível executar a decisão recorrida na pendência do recurso. Constitui hoje a regra no

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- quando a sentença tenha transitado em julgado (artigo 628º);


- quando tenha sido interposto recurso com efeito meramente devolutivo5, sendo que
é essa a regra do recurso (artigos 647º e 676º).
Antes, porém, da atribuição do efeito ao recurso, a sentença não será exequível.
O recorrente tem a possibilidade de requerer a atribuição de efeito suspensivo ao
recurso de apelação. Pode fazê-lo nos termos previstos no artigo 647º nº 4. Quais são
os requisitos para o efeito suspensivo do recurso? Fundamentalmente dois: prejuízo
considerável e prestação de caução. Não se verificando isto, a regra (estatística) será
que a sentença poderá ser executada antes do trânsito em julgado. Quando isto sucede,
a sentença ainda é tomada pelo Direito como provisória, porque não transitou em
julgado. A estabilidade da sentença só se obtém com o trânsito em julgado. Em atenção
a esta natureza provisória, a ação executiva prevê certas regras de proteção do
executado que não são particularmente vigorosas:
- pode, nos termos do artigo 704º nº 5, requerer a prestação de caução para suspender
a execução. Se for obtida a suspensão da execução, esta suspende-se e não se avançam
para medidas executivas;
- mesmo que a execução não seja suspensa, vale a regra de que nem o exequente, nem
qualquer credor podem ser pagos sem prestar caução (artigo 704º nº 3);
- pode o executado requerer que a alienação da casa de morada de família aguarde a
decisão definitiva da causa com fundamento em prejuízo grave e dificilmente reparável
(artigo 704º nº 4).
Assim, mesmo sendo a sentença provisória, já pode haver penhora e venda
executiva (expropriação dos bens do particular, incluindo da casa de morada da família).
Se porventura a sentença vier a ser modificada pelo tribunal de recurso, a
execução modifica-se ou extingue-se, de acordo com o efeito do recurso. O regime
definitivo da execução obtém-se com a decisão definitiva, ou seja, com o momento em
que a sentença vem efetivamente a transitar em julgado (artigo 704º nº 2). Transitando
definitivamente em julgado, se ela for confirmada tudo se mantém como está; se ela for
revogada ou anulada, a execução extingue-se (artigo 704º nº 2), levantando-se todas as
penhoras realizadas. As vendas executivas que já podiam ter sido feitas ficam sem efeito
(artigo 839º nº 1 alínea a)). Do ponto de vista prático pode ser menos prudente avançar
para a execução sem o trânsito em julgado da sentença. É menos atraente colocar em
venda executiva um bem cuja execução ainda não transitou em julgado, há um risco
para o adquirente, por isso menos potenciais interessados haverá. Em contrapartida,
poderão adquirir por um preço inferior.
Qual é a consequência da inexequibilidade? É causa de indeferimento liminar
(artigo 726º nº 2 alínea a)), é causa de fundamento de oposição à execução (artigo 729º

recurso de apelação; tem sempre lugar no recurso de revista. Ora, se tiver sido instaurada execução na
pendência de recurso com efeito meramente devolutivo, essa execução, por natureza provisória, sofrerá
as consequências da decisão que a causa venha a ter nas instâncias superiores.”
5 Mesmo antes de transitada em julgado, a sentença pode já, por via de regra, ser utilizada como título

executivo, quando o recurso que tenha sido interposto tenha efeito meramente devolutivo. O recurso
tem sempre efeito devolutivo, devolve-se o poder de julgar aquela causa para o tribunal superior, mas há
recursos que têm apenas este efeito. Mas pode ter também um efeito suspensivo, suspende os efeitos
da decisão que foi tomada. Se tem um efeito suspensivo, a decisão não pode ser executada, mas se tiver
efeito meramente devolutivo pode. O artigo 704º nº 1 diz que a sentença só constitui título executivo
depois de transitada em julgado, salvo se o recurso tiver efeito meramente devolutivo, mas a exceção
converteu-se em regra.

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nº 1 alínea a)) e é causa de rejeição oficiosa até ao 1º ato de transmissão (artigo 734º nº
1).
Às sentenças condenatórias equiparam-se os despachos e outros atos judiciais
que imponham a observância de um comportamento. Por exemplo, um despacho que
impõe uma multa a uma testemunha.
Também se equipara à sentença a chamada sentença homologatória 6, portanto
a sentença em que o tribunal se limita a homologar um ato praticado pelas partes,
nomeadamente confissão do pedido, desistência do pedido e transação (artigos 283º e
290º nº 3). São negócios de autocomposição da lide, celebrados pelas partes ao abrigo
do princípio do dispositivo. A palavra homologação vem do grego “homo” que significa
igual e o verbo “lego” que significa dizer. Portanto homologar é dizer que está conforme.
Por isso uma sentença homologatória é uma sentença em que o juiz diz que o ato
praticado pelas partes é conforme ao Direito. Sempre que encontramos o termo
homologação tem a ver com o controlo de conformidade com alguma coisa.

13.2.2. Sentença estrangeira


a) Processo especial para revisão e confirmação de sentença

Podem ser executadas sentenças estrangeiras, proferidas por tribunais


estrangeiros? Temos de distinguir consoante haja regime particular ou não. Se não
houver nenhum regime particular, aplica-se o processo especial de revisão e
confirmação de sentença (artigos 706º nº 1 e 978º e seguintes). Este processo especial
é um processo que, contra o que é regra, corre inicialmente no Tribunal da Relação, que
constitui assim a primeira instância. Quais são os requisitos que se colocam para a
revisão e confirmação de sentença? Trata-se fundamentalmente de um controlo de
regularidade formal, os pressupostos encontram-se no artigo 980º. Por exemplo, não
haver dúvidas sobre a autenticidade do documento apresentado, ter transitado em
julgado, certas regras de competência do tribunal estrangeiro, respeito pelas regras do
processo. Do ponto de vista material, só há um controlo que pode ser feito que é o
reconhecimento da sentença não levar a um resultado manifestamente incompatível
com a ordem pública internacional do Estado português (artigo 980º alínea f)). Entende-
se esta como o núcleo fundamental dos princípios do Estado do foro. Mas só aplicamos
este processo especial se não houver nenhum regime especial.

b) O Regulamento Bruxelas I reformulado

Acontece que há um regime especial muito significativo que é o regime do


Regulamento de Bruxelas I reformulado – Regulamento da UE relativo à competência
jurisdicional e ao reconhecimento de sentenças em matéria civil e comercial. Excluem-
se muitas outras matérias, como as relativas ao estado pessoal (artigo 1º nº 2 alínea a)),
ao Direito da Família (alíneas a)) e e)) e ao Direito Sucessório (alínea e)). O sentido
fundamental do Regulamento é prever certas regras de competência internacional,
estatuindo que, se essas regras forem respeitadas, a decisão não tem de ser revista
quanto ao mérito no Estado da execução. Uma vez respeitadas as regras deste

6As sentenças homologatórias são caracterizadas por Lebre de Freitas “por o juiz se limitar a sancionar a
composição dos interesses em litígio pelas próprias partes, limitando-se a verificar a sua validade
enquanto negócio jurídico.”

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Regulamento, uma sentença proferida no espaço europeu circula livremente por todos
os outros Estados sem qualquer controlo adicional.
A estrutura deste Regulamento assenta em delinear um duplo aspeto de regime:
- previsão de regras de competência: quais são as regras de competência constantes do
Regulamento? Este distingue entre regras de competência exclusiva, regras de
competência subsidiária e regras de competência alternativa. Quanto ao primeiro
conjunto de regras, verificado algum dos números do artigo 24º, é competente a ordem
jurídica aí especificamente elencada. Por exemplo, em direitos reais sobre imóveis ou
arrendamento sobre imóveis, é competente o tribunal onde se situa o imóvel. Na
execução de decisões, é competente o lugar da execução. Se não for um caso previsto
no artigo 24º, vale a regra supletiva de que é competente o tribunal em que o réu tem
o domicílio, desde que tenha domicílio num Estado-membro da UE (artigo 4º nº 1). Ou
seja, não se verificando nenhuma causa de competência exclusiva, o fator de atribuição
de competência é o domicílio dentro do conjunto do território da UE. Se isso não
acontecer, somos remetidos para as regras nacionais de competência internacional.
Quanto à terceira regra, se o demandado tiver residência dentro do território da UE, é
possível, em alternativa, escolher um foro diferente nos termos dos artigos 7º e
seguintes que preveem alternativas de acordo com a matéria em causa. Por exemplo,
em matéria contratual pode escolher o local da execução do contrato;
- consequências do respeito por essas mesmas regras de competência: verificadas estas
regras, sendo uma decisão proferida pelo tribunal competente, quais são as
consequências? A primeira consequência é que a decisão não poderá ser revista quanto
ao mérito no Estado em que se requeira a execução (artigo 52º). Uma segunda
consequência é não ser preciso nenhum reconhecimento adicional da decisão (artigo
36º nº 1). A terceira é não ser necessária a declaração de executoriedade, ou seja, a
sentença proferida com respeito pelas regras de competência é exequível
automaticamente em qualquer outro Estado-membro. Isto foi uma novidade de 2012.
Aboliu-se o chamado Exequatur, que significa “que se execute”, fala-se no pedido do
tribunal do Estado da execução a autorização para que se execute. O Regulamento
aboliu esta necessidade. Se alguém quiser afastar a força da decisão, tem de
desencadear os procedimentos previstos no próprio Regulamento para a recusa de
reconhecimento ou recusa de execução (artigos 45º e 46º). Ou seja, na dúvida, a decisão
é executada, é o réu condenado que tem de ter a iniciativa de recorrer a estes
procedimentos de recurso. Obviamente que este Regulamento assenta numa enorme
confiança recíproca entre os diferentes Estados-membros. O que lhe subjaz é que
nenhum Estado-membro suspeita de princípio acerca do modo como funciona a ordem
jurídica de um outro Estado-membro, por isso não é necessário o Exequatur que tem
por detrás uma relativa suspeição acerca do modo como funcionam as ordens jurídicas.
Alguns autores dizem que a recíproca confiança entre as ordens jurídicas é mais um
desejo do que uma realidade. Com o alargamento da UE de 2004, a abolição do
Exequatur é uma medida muito ousada. Importa notar que o Direito da UE resolve o
problema linguístico através de formulários.

c) Convenção de Lugano

Se não se aplicar o Regulamento de Bruxelas I, ainda temos uma outra convenção


chamada Convenção de Lugano de 2007. O regime desta Convenção é praticamente

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idêntico ao do Regulamento de Bruxelas I. As partes desta Convenção são a UE (menos


a Dinamarca, que também está excluída do Regulamento), a Islândia, a Noruega e a
Suíça. A única diferença em relação ao Regulamento é que, no quadro da Convenção,
continua a exigir-se a declaração de executoriedade (pedido para que se atribua força
executiva à sentença). Mas importa notar as datas, em 2007 o Regulamento de Bruxelas
também a exigia, de resto eram praticamente iguais.

13.2.3. Títulos judiciais impróprios


Noção

Ainda dentro dos títulos judiciais, temos de considerar uma série de figuras. A
figura seguinte são os chamados títulos judiciais impróprios, ou seja, títulos executivos
que são gerados dentro do processo, mas sem ser através de uma sentença. Daí que
sejam judiciais porque é dentro do processo, mas impróprios porque não é através do
modo normal de decisão. Por exemplo, o caso previsto no artigo 741º e nº 2 do CPC
(incidente de comunicabilidade suscitado pelo exequente). Imaginemos que do título
executivo só consta que um dos cônjuges é devedor. Sendo assim, em princípio, a
execução só poderia ser promovida contra esse cônjuge. O que o artigo 741º permite é
que o exequente requeira que a dívida seja considerada comum e que, por isso, a
execução possa seguir contra o outro cônjuge. Se este não se opuser, a dívida considera-
se comum e pode ser executada. Portanto permitiu-se um alargamento do âmbito
subjetivo do título sem ser no âmbito judicial, mas dentro do processo.

13.2.4. Título executivo europeu (Reg. 805/2004)

Outra figura é o chamado título executivo europeu, que se encontra previsto no


Regulamento nº 805/2004. Consiste fundamentalmente no seguinte: havendo um
crédito não contestado, nos termos do artigo 6º nº 1 desse mesmo Regulamento, pode
à sentença atribuir-se força executiva sem necessidade de posterior reconhecimento
(artigo 5º). Hoje em dia este Regulamento já perdeu quase toda a sua importância,
porque ele foi feito quando o Regulamento de Bruxelas exigia o Exequatur e permitia
dispensá-lo em alguns créditos.

13.2.5. Ações de pequeno montante (Reg. 861/2007)

Outro título é aquele que é obtido nos termos do Regulamento nº 861/2007, que
é o Regulamento que cria o processo europeu para ações de pequeno montante (vale
para certo tipo de litígios até 2.000€). É uma forma de processo europeia optativa.
Adotando-se essa forma de processo, nos termos do artigo 15º, a decisão também é
executória. Se não fosse por aqui, era-o pelo Regulamento de Bruxelas I reformulado.

13.2.6. Sentença arbitral

Um último caso é a sentença arbitral. Tratando-se de sentença arbitral, é


importante distinguir consoante tenha sido proferida no estrangeiro ou em Portugal.

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Se for proferida no estrangeiro, está sujeita a revisão nos termos da Convenção


de Nova Iorque sobre o reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras,
assim como os artigos 55º a 58º da LAV.
Se for proferida internamente, a sentença arbitral tem o mesmo valor que uma
decisão dos tribunais comuns (artigo 705º nº 2 em conjugação com os artigos 47º e 59º
nº 9 da LAV). Isto significa que também para as sentenças arbitrais não há necessidade
de qualquer tipo de revisão. A confiança que o legislador deposita na arbitragem é tão
forte que se adota a forma de processo sumário (artigo 550º nº 2 alínea a)). Tavares de
Sousa sempre foi muito crítico em relação à arbitragem e a este regime. O controlo é
meramente reativo, não é preventivo, o que o professor Tiago Ramalho acha totalmente
chocante e inconstitucional.

13.3. Títulos parajudiciais

Dentro dos títulos parajudiciais, vamos considerar duas figuras:


- a injunção nacional;
- a injunção europeia.

13.3.1. Injunção (Direito português)


a) Fonte e modo de funcionamento

Quanto à injunção nacional, referimo-nos ao requerimento de injunção ao qual


tenha sido aposta fórmula executória. Encontra-se regulado no Decreto-Lei nº 269/98
que prevê duas figuras diferentes: a AECOP7 (ação declarativa sumaríssima) e o regime
da injunção. Qual foi a finalidade da introdução de ambas? Foi permitir regimes
simplificados que conseguissem dar resposta à ingente quantidade de litígios de
consumo, telecomunicações e prestações de serviços que encheram os tribunais na
década de 1990. Especificamente a injunção surgiu pela primeira vez em Portugal em
1993, embora o atual regime seja de 1998.

b) Estrutura

A injunção, como o nome indica, opera como uma provocação para que o
devedor aja, faça alguma coisa, sob pena de se formar um título executivo contra ele.
Por isso, feito o requerimento de injunção, o devedor é notificado e das três
possibilidades uma: ou paga, ou contesta (e se contestar o processo passa a ser uma
AECOP), ou é aposta fórmula executória e forma-se um título executivo.
A ideia subjacente à injunção foi, assim, a de retirar dos tribunais com
competência declarativa um amplo conjunto de ações não contestadas que poderiam ir
diretamente para a ação executiva. Pela Europa toda, esta figura tem enormíssima
relevância, o que está ligado a um outro aspeto da injunção: os fundamentos da
oposição à execução funcionam nos seguintes termos – se o título executivo é muito
forte, há menos fundamentos de oposição à execução; se o título executivo é mais fraco,
há mais fundamentos de oposição à execução. A injunção é um meio para obter um
título executivo que, para efeitos de execução, tem o mesmo valor que uma sentença.

7 Ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias.

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Mas este regime foi desaplicado pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, o que
veremos mais adiante.
Qual é então o âmbito preciso de aplicação do procedimento de injunção? O
procedimento de injunção aplica-se a dois grupos de casos:
- obrigações pecuniárias emergentes de contrato (e não de fonte não contratual) de
valor não superior a 15.000€ (artigo 1º do Decreto-Lei e não do anexo onde consta o
regime);
- transações comerciais, nos termos previstos no Decreto-Lei nº 62/2013,
especificamente no seu artigo 10º nº 1. Tratando-se de uma dívida comercial, pode
recorrer-se à injunção independentemente do valor da dívida.

c) Tramitação

Quanto à tramitação do processo de injunção, inicia-se com a apresentação do


requerimento de injunção (artigo 9º nº 1 do anexo ao Decreto-Lei nº 269/98). Este
requerimento é dirigido ao Balcão Nacional de Injunções que é uma secretaria judicial
que só serve para este efeito. O requerimento deve ser apresentado com uma série de
elementos previstos no artigo 10º nº 2. Fundamentalmente aquilo que se exige é que,
de entre os vários elementos que lá constam, o requerente exponha sucintamente os
factos que fundamentam a sua pretensão. Se porventura não se verificarem estes
requisitos, o requerimento de injunção pode ser recusado (artigo 11º nº 1). Se for
recebida a injunção, o requerido é notificado por carta registada com aviso de receção
para, em 15 dias, pagar a quantia ou deduzir oposição (artigo 12º nº 1). Sendo
notificado, das 3 uma:
- pode haver cumprimento da obrigação;
- pode haver oposição e o processo é remetido para o tribunal competente (artigo 16º),
seguindo-se os termos das AECOP (artigos 3º e 4º ex vi artigo 17º nº 1);
- pode não haver qualquer reação por parte do requerido, sendo aposta fórmula
executória (artigo 14º nº 1). A partir deste momento, já há um título executivo. A
fórmula executória só poderá ser recusada nos casos previstos no artigo 14º nº 3.

d) A atribuição de força executiva à petição da AECOP nos termos do art. 2.º do regime

A injunção é, por vezes, qualificada de título judicial impróprio. Contudo, a


designação dada pelo professor Tiago Ramalho é título parajudicial ou quase judicial, é
importante não dizer um título judicial por uma razão simbólica, porque o que faz um
título judicial é a sua proximidade com a figura do juiz. Se um procedimento de injunção
decorre numa secretaria judicial sem nenhum juiz, concetualmente já não devemos
designar este título como judicial. Alguns autores tentaram dizer que a função judicial é
judicial porque a sua atividade é resolver litígios, mas rapidamente se libertaram desse
critério, devido, por exemplo, à arbitragem. Então o que faz o procedimento judicial ser
judicial? O que o faz é ter uma figura chamada juiz com certo estatuto particular e com
um amplo conjunto de garantias, aí é que poderá ser chamado poder judicial.
No regime das AECOP, permite-se, nos termos do artigo 2º, que, se não for
apresentada contestação, o juiz atribua força executiva à petição inicial. Mas a lei diz
ainda “com valor de decisão condenatória”.

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13.3.2. Título europeu de injunção (Reg. 1896/2006)


a) Âmbito

O título europeu de injunção está previsto no Regulamento nº 1896/2006. Vale


para aqui muito do que já se disse a propósito do Regulamento de Bruxelas I.
Qual é o âmbito de aplicação? Serve para matéria civil e comercial (artigo 2º nº
1), sendo que se excluem, tal como nos outros regulamentos, as questões matrimoniais
e de sucessões. Em segundo lugar, deverá tratar-se de créditos de natureza
transfronteiriça (artigos 2º nº 1 e 3º nº 1). Considera-se que o litígio tem esta natureza
quando uma das partes tem residência ou domicílio num Estado-membro diferente do
Estado em que se encontre o tribunal demandado.

b) Tramitação

Este procedimento funciona basicamente como a injunção nacional: apresenta-


se um requerimento de injunção (artigo 4º), sendo as regras de competência
determinadas de acordo com o Regulamento de Bruxelas I reformulado. O
requerimento deve incluir os elementos constantes no artigo 7º nº 2. Exige-se,
diferentemente do que acontece no Direito português, uma descrição das provas de que
dispõe (artigo 7º nº 2 alínea e)). Verificados os pressupostos de injunção, o tribunal
emite uma injunção europeia (artigo 12º nº 1) que é acompanhada pelo próprio
requerimento (artigo 12º nº 2). O requerido é notificado para pagar ou opor-se (artigo
12º nº 3). Esta notificação é feita nos termos do Direito interno (artigo 12º nº 5), mas
desde que respeitadas as regras mínimas previstas nos artigos 13º a 15º, define-se assim
um padrão mínimo que tem de ser respeitado, corresponde ao padrão mínimo exigido.
O requerido poderá apresentar oposição (artigo 16º nº 1), com a particularidade de
poder não especificar os fundamentos da contestação (artigo 16º nº 3). Havendo
contestação, em princípio, a ação prossegue nos tribunais comuns (artigo 17º nº 1),
salvo quando o requerente tenha solicitado que isso não acontecesse. Nessa hipótese,
o procedimento termina logo aqui, não avança para uma ação contenciosa. A eventual
ação que tenha lugar segue a forma prevista no Direito nacional ou o regime das ações
de pequeno montante da UE (artigo 17º nº 1). Se não houver pagamento, nem oposição,
o tribunal declara executória a injunção europeia (artigo 18º nº 1) que vale em todo o
espaço da UE sem necessidade de qualquer reconhecimento (artigo 19º) e pode ser
executada nos mesmíssimos termos que uma decisão do Estado do foro (artigo 21º nº
1). É possível, em certos casos, pedir a recusa ou impugnar este valor executório. Em
todo o processo não é necessária representação judiciária.
Qual é o tribunal competente para a ação de injunção europeia? Para sabermos
qual é o concreto tribunal competente para a injunção europeia em Portugal, em
princípio haveria de ser uma norma constante da legislação portuguesa a atribuir essa
competência. O que é certo é que essa norma nunca foi encontrada. O próprio
Regulamento comunitário prevê, nos artigos 28º e 29º, que os Estados-membros
informam qual é a autoridade competente para este efeito. Depois o artigo 29º nº 2 diz
que a UE faculta o acesso a esta informação. Mas como encontramos então o tribunal
competente? É o Portal Europeu da Justiça que nos diz e não uma norma.

c) Contraposição entre injunção "nacional" e europeia

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As principais diferenças entre a injunção nacional e europeia são:


- o âmbito de aplicação é diferente;
- o procedimento europeu está previsto apenas para litígios transfronteiriços;
- a oposição pode não ser fundamentada na injunção europeia;
- a injunção europeia não conhece limite de valor.
Nos termos do artigo 703º nº 1, a injunção é título executivo ao abrigo da alínea
d) do CPC.

13.4. Documento exarado ou autenticado por notário ou entidade equiparada


a) Requisito material

Dentro dos títulos negociais qualificados, distingue-se o documento exarado ou


autenticado por notário ou entidade equiparada, que se encontra previsto no artigo
703º nº 1 alínea b). Se olharmos para a regra, vemos que ela prevê fundamentalmente
2 requisitos para que seja título executivo: um requisito de ordem formal e um requisito
de ordem material.
Quanto ao requisito material, prevê-se que o documento deva importar a
constituição ou reconhecimento de uma obrigação. Podemos estar a tratar de um
documento do qual constam declarações negociais formativas de um contrato ou então
de um documento do qual conste o reconhecimento de um facto (artigos 352º e
seguintes do CC) ou de uma dívida (artigo 458º do CC). Um documento constitutivo de
uma dívida contém os factos constitutivos de uma certa obrigação, por exemplo
“declaro comprar”, é constitutivo porque antes desta declaração ainda não havia dever
de pagar o preço, é através dela que nasce o dever de prestar. Mas se se disser
“reconheço a dívida de 5.000€”, o documento é meramente recognitivo, dele não
resulta que se constituiu uma obrigação, resulta que quem praticou o ato num momento
anterior àquele tinha constituído uma obrigação. Quer num caso, quer noutro, isso é
suficiente para ser título executivo ao abrigo do artigo 703º nº 1 alínea b) do CPC.
Questão particular é levantada pelos documentos que prevejam a constituição
de obrigações futuras (artigo 707º). Se do documento consta que as partes preveem
constituir obrigação apenas no momento futuro, então o título executivo não poderá
ser imediatamente exequível, sob pena de se violar o princípio do acertamento. Como
é que neste caso se poderá executar a obrigação futura? O artigo 707º prevê que se
devam provar os factos constitutivos dos elementos de que dependa a constituição da
obrigação. A prova poderá ser feita de duas formas: ou mediante a forma convencional
prevista no contrato, ou mediante uma forma a que genericamente se atribua força
executiva. Uma vez que nos casos previstos no artigo 707º se exige uma prova
complementar, então rigorosamente o título é um título complexo, porque a execução
depende do próprio título executivo mais da prova complementar da qual conste que a
obrigação foi constituída. Se porventura essa prova não for feita, teremos uma causa de
indeferimento liminar por insuficiência do título (artigo 726º nº 2 alínea a)).

b) Requisito formal

Quanto ao requisito formal, deverá tratar-se de um documento exarado ou


autenticado.

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Um documento exarado por notário é um documento elaborado pelo próprio


notário. Do ponto de vista probatório, tem o valor de documento autêntico (artigos 363º
nº 2 e 369º e seguintes do CC). São exemplos a escritura pública e o testamento público.
Os documentos exarados têm uma particularidade muito interessante do ponto de vista
do negócio jurídico, que é ser o autor do ato diferente das partes do ato.
Os documentos autenticados, por outro lado, são documentos elaborados pelo
próprio titular, sendo depois confirmados na presença de um notário (artigos 377º do
CC e 35º nº 3 do Código do Notariado). Não basta o reconhecimento de assinaturas. Por
exemplo, um testamento cerrado. O documento autenticado também é suficiente.
Um aspeto particular é o seguinte: a lei permite que haja várias entidades
diferentes dos notários com competência para autenticar o documento. O Decreto-Lei
nº 76-A/2006 dá essa competência às Câmaras de Comércio e Indústria, aos
conservadores, aos advogados e solicitadores. Em Portugal, a função notarial é
grandemente desconsiderada, é tida como uma função menor e isso vê-se através desta
atribuição de competência, é uma profissão recente. Mas não é assim na Europa toda.
Na Alemanha, o jurista com mais qualificação é o notário (à parte dos professores
universitários), porque se a função notarial é garantir autenticidade aos atos, é normal
que só os mais dotados possam aceder à função.
Lebre de Freitas8 levanta a seguinte questão: o artigo 703º diz “com competência
para tal”. Este autor diz que deve tratar-se de competência para elaborar documentos
autênticos e para autenticar, têm de ser as duas competências em simultâneo. A
finalidade deste entendimento é tirar força executiva aos documentos autenticados
pelas entidades referidas anteriormente. Mas o professor Tiago Ramalho acredita que
este entendimento não tem muito suporte na lei. Aliás o artigo 166º dos Estatutos da
Ordem dos Solicitadores diz que o solicitador que autentica o documento não pode ser
depois agente de execução nessa mesma ação. Isto pressupõe que uma autenticação
por solicitador vale como título de execução.

c) Particularidades da assinatura a rogo

Tratando-se de documento com assinatura a rogo (a pedido), vale o artigo 708º,


exigindo-se, nesse caso, que a assinatura seja reconhecida por notário ou outra entidade
com competência para esse efeito. Só é possível uma assinatura a rogo caso a pessoa
não saiba ou não possa assinar (artigo 154º do Código Notarial).

Quanto aos documentos estrangeiros, vale a regra de que não estão sujeitos ao
processo de revisão (artigo 706º nº 2 do CPC), mas devendo passar por um processo de
legalização. A legalização de documento estrangeiro ou é feita nos termos de um regime

8 No seu manual, diz o seguinte: “se pensarmos que, a ser aquela a interpretação correta (a de permitir
os restantes profissionais), o exequente pode ter como mandatário judicial o advogado ou o solicitador
que haja autenticado o documento que serve de base à execução, visto não haver na matéria normas de
incompatibilidade como as que vigoram para o agente de execução, e tivermos em conta a restrição do
elenco dos títulos executivos operada pelo novo CPC, em linha com a orientação dos outros sistemas
jurídicos europeus, talvez devamos interpretar o preceito do art. 703-1-b no sentido de só atribuir eficácia
executiva ao documento autenticado que provenha de quem pode tanto autenticar como exarar
documentos, ficando assim a eficácia do documento autenticado por Câmara de Comércio ou Indústria,
advogado ou solicitador circunscrita, nos termos do art. 38-2 do DL 76-A/2006, ao campo da prova (e da
validade do ato), que não se confunde com o da exequibilidade.”

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especial (Regulamento de Bruxelas I, Convenção de Lugano e Convenção de Haia de


1961) ou, não o havendo, aplica-se o artigo 440º do CPC.

13.5. Título de crédito e quirógrafo

Os títulos de crédito (artigo 703º nº 1 alínea c)) podem ser usados de 2 formas
diferentes: ou como títulos de crédito, ou como quirógrafos. Quando se trata de um
título de crédito, o original deverá ser sempre enviado para o tribunal (artigo 724º nº 5).
Quais são os títulos de crédito? A lei pensa especificamente nos títulos cambiários,
havendo 3: letras de câmbio, livranças e cheques.
Na letra de câmbio, aquele que tem o documento físico pode exigir o pagamento
àquele que lá figura como devedor. Há uma primeira pessoa que é o sacador, é quem
pratica o primeiro ato, dá uma ordem ao sacado através de um negócio jurídico
chamado saque, para que o sacado realize um pagamento ao tomador. Aquele que aí
conste como tomador vai poder exigir o cumprimento ao sacado por conta do sacador.
O tomador vai poder transmitir a letra através de endosso a vários beneficiários e cada
um deles vai poder exigir o cumprimento a cada um dos anteriores. Isto surgiu na baixa
Idade Média, onde não havia sistemas bancários muito organizados. A letra servia para
obter circulação de bens em lugares diferentes, através de diversos intervenientes. Mas
ela foi progressivamente perdendo relevância.
A livrança é mais simples, é uma promessa pura e simples de uma pessoa realizar
uma prestação a outra, já não é um esquema trilateral, mas bilateral.
O cheque, regulado na Lei Uniforme relativa ao Cheque (convenção
internacional), consiste numa ordem dada por alguém a um banco para que realize certa
prestação a outro por conta do sacador.
Estes instrumentos podem ser usados primeiro como títulos de crédito, têm um
amplo conjunto de características, sendo a principal não carecer da invocação da relação
subjacente, basta apresentar o título de crédito porque dele já consta a ordem de
pagamento (o título de crédito abstrai da relação subjacente). Só que só pode ser
exercido nestes termos dentro do prazo previsto na lei (um prazo prescricional). Quanto
às letras e livranças, ver artigo 33º da Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças; quanto
ao cheque, deve ser apresentado a pagamento no prazo de 8 dias da emissão (artigo
29º da Lei Uniforme relativa ao Cheque) e a ação prescreve no prazo de 6 meses (artigo
52º nº 1).
A palavra quirógrafo tem as seguintes origens: “grafo” vem do grego escrever e
“quir” significa mão. Portanto quirógrafo é um escrito à mão, a lei diz “valendo como
simples documento escrito à mão pelo devedor”. Mesmo nesse caso, eles servem de
título executivo, contudo agora já se exige que no requerimento executivo se aleguem
os factos constitutivos da relação subjacente. Portanto, temos 2 formas diferentes de
relevância destes títulos. Os quirógrafos no Direito português só valem nestes casos, é
uma pós-eficácia do título de crédito.
Hoje em dia, a grande relevância que sobra aos títulos de crédito é esta, servem
para efeito de ação executiva. As principais questões prendem-se com o preenchimento
abusivo do documento.

13.6. Títulos particulares

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Há uma série de documentos particulares aos quais a lei também atribui força
executiva:
- a ata da assembleia de condóminos (Decreto-Lei nº 268/94): se se verificarem certos
requisitos há título executivo – deve estar estabelecido o montante das despesas e dos
valores, o prazo do vencimento da dívida e a quota-parte de cada condómino
devidamente identificado, estes requisitos devem-se ao princípio do acertamento;
- extrato de conta por sociedade de concessão de crédito através de cartões de crédito
(artigo 1º do Decreto-Lei nº 45/79);
- documentos particulares dos quais conste que a Caixa Geral de Depósitos é credora e
que estejam assinados pelo devedor (artigo 9º nº 4 do Decreto-Lei nº 287/93).

13.7. Títulos administrativos (remissão)

Os títulos administrativos são formados de acordo com as regras de Direito


Administrativo (artigos 148º e 162º do CPPT).

13.8 Sucessão de leis no tempo

Havendo sucessão de leis no tempo em matéria de títulos executivos, por que lei
se determina quais títulos são admissíveis? Aquilo que pacificamente é admitido pela
doutrina processualista é que se afere a exequibilidade pelo momento da propositura
da ação. Se alguém obtiver um documento que tem o valor de título executivo e alguns
anos depois decidir propor uma ação tendo sido esse valor retirado, a ação será
inadmissível.
Isto que era relativamente pacífico sofreu uma certa alteração em virtude do
Acórdão do TC nº 408/20159. Na reforma de 2013 (novo CPC), aboliu-se um título
executivo que foi os documentos particulares, antes de 2013 os documentos
particulares tinham força executiva. O TC declarou a inconstitucionalidade com força
obrigatória geral da interpretação do CPC no sentido de retirar força executiva aos
documentos que, no momento em que obtidos, a tinham. Uma vez que se trata de
declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, alterou as regras de
aplicação da lei no tempo. Vale a regra de que se afere pelo momento da propositura
da ação com o controlo da proteção da confiança daqueles que confiavam na força
executiva dos documentos particulares. Não há um critério absolutamente seguro.

14. Regime da falta de título

Não sendo o requerimento executivo acompanhado de título, a secretaria deve


recusá-lo (artigo 725º nº 1 alínea d)). Sendo o requerimento acompanhado de alguma
coisa, mas não sendo esta um título executivo (porque não reúne as características
previstas por exemplo), o requerimento deverá ser indeferido liminarmente (artigo 726º

9 “Declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703.º do
Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, a documentos particulares
emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea
c), do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artigos 703.º do Código de Processo Civil e 6.º, n.º
3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho por violação do princípio da proteção da confiança (artigo 2.º da
Constituição).”

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nº 2 alínea a)), isto quando a falta seja manifesta. Não sendo a falta manifesta e sendo
suprível, o tribunal deverá proferir despacho de aperfeiçoamento (artigo 726º nº 4). Se
porventura não tiver havido indeferimento liminar, poderá ainda haver oposição à
execução (artigo 729º alínea a)). Não tendo havido oposição, ainda pode haver rejeição
oficiosa nos termos do artigo 734º.

15. Título executivo e ação declarativa

Será que quem tem um título executivo diferente de sentença pode recorrer à
ação declarativa ou não? Não será ela desnecessária? Que razões podem justificar o
recurso à ação declarativa?
- o autor pode ter interesse quando queira reforçar a força do seu título. O título mais
forte é a sentença condenatória, é aquele em relação ao qual há menos meios de defesa.
Para evitar que o executado a eles recorra, pode intentar ação declarativa para os fazer
precludir. Pode o titular do título executivo pretender que seja na ação declarativa pois
será mais rápido;
- colmatar a própria fragilidade física do título;
- pretender beneficiar do prazo ordinário da prescrição, porque uma vez proferida
sentença condenatória, o prazo de prescrição, mesmo que fosse mais curto, passa a ser
o ordinário (artigo 311º do CC), isto pode ser uma grande vantagem.
Há uma consequência associada a recorrer à ação declarativa, considera-se que,
na eventualidade de o autor dispor de título executivo com manifesta força executiva,
foi ele que deu causa à ação, ou seja, se o réu não contestar, as custas recairão sobre o
autor (artigo 535º nº 2 alínea c) do CPC). Os requisitos são cumulativos, tem de ter dado
causa à ação e não pode ter havido contestação. A lei diz “deve dispor de título com
manifesta força executiva”, se, portanto, houver controvérsia jurídica quanto a saber se
há título ou não, então já não arca com as custas.

Secção IV – Partes, Tribunal e Agente de Execução


16. Partes da instância
16.1. Partes principais. Partes terceiras

No centro da ação executiva está o título executivo que tem de conter uma
obrigação certa, líquida e exigível. Agora vamos alargar para as partes da ação executiva:
exequente e executado.
O processo executivo adota da ação declarativa uma noção formal de parte. São
partes aqueles que estão como partes, sejam ou não titulares da relação material. É
executado aquele que é citado como executado. A parte ativa é o exequente, a parte
passiva é o executado.
Na ação declarativa, distingue-se entre parte principal e parte acessória, mas
esta figura de parte acessória não existe na ação executiva. Simplesmente é ainda
possível que, além das partes principais, possam intervir sujeitos com a qualidade
digamos de partes terceiras, não é uma designação unânime, é, por exemplo, um
terceiro titular de um direito real de garantia, não é parte principal, é parte terceira com
uma posição autónoma.

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Quais são os pressupostos processuais em matéria de partes da ação executiva?


São fundamentalmente quatro (não quer dizer que não possa haver um ou outro aspeto
mais):
- personalidade judiciária;
- capacidade judiciária;
- patrocínio judiciário (meramente eventual);
- legitimidade das partes.
Não há nenhuma particularidade em relação ao estudado na ação declarativa
quanto aos dois primeiros pressupostos. As disposições da ação declarativa vigoram
com as necessárias adaptações para a ação executiva (artigo 551º nº 1).

16.2. Patrocínio judiciário

O regime do patrocínio judiciário encontra-se no artigo 58º, que prevê as


particularidades do regime do patrocínio na ação executiva. O Livro I do CPC
supostamente é sobre processo civil em geral. Contudo, ao consultarmos as primeiras
disposições, o legislador quando se pronuncia sobre o processo civil em geral, fá-lo em
relação à ação declarativa. Isso leva a que, no fim, tenha de se pronunciar sobre o que
é próprio da ação executiva e fá-lo nos artigos 53º a 58º. Verdadeiramente não existem
regimes gerais, o que temos, quando muito, são regimes particulares que são
generalizados.
O patrocínio judiciário tem razões diferentes consoante seja obrigatório ou não.
Quando não é obrigatório, ou seja, é meramente facultativo, o patrocínio judiciário tem
por única finalidade garantir à parte a possibilidade de ver os seus interesses mais bem
representados. Quando o patrocínio judiciário é obrigatório, naturalmente que se pode
justificar pela suposta preocupação do Estado de proteger a parte de certa ignorância,
mas há uma outra razão muito importante que é procurar o melhor funcionamento da
realidade processual. Com efeito, o processo será, em princípio, mais célere e eficaz se
todos os seus intervenientes dominarem a praxe processual.
Uma vez que a ação executiva não se destina à discussão do direito,
naturalmente que é menos exigente no regime do patrocínio judiciário. Quais são as
regras vigentes? Devemos distinguir 3 grupos de casos:
- ações de valor superior à alçada do Tribunal da Relação (30.000€, nos termos do artigo
44º nº 1 da LOSJ): as partes devem fazer-se representar por advogado (artigo 58º nº 1
do CPC);
- ações de valor entre a alçada do tribunal de 1ª instância e o a do Tribunal da Relação:
- se houver algum procedimento que siga os termos do processo declarativo10, é
obrigatória a constituição de advogado;
- se não houver, temos 3 possibilidades: advogado, advogado-estagiário ou
solicitador;

10 Mas o que é um procedimento que siga os termos do processo declarativo? Lebre de Freitas faz uma

distinção adequada entre procedimentos de natureza principal e procedimentos de natureza incidental.


Os de natureza principal seriam a oposição à execução, embargos de terceiro e a ação, quando haja, de
impugnação de crédito. Seria um incidente a oposição à penhora, a prestação de caução, etc. Fazendo
esta distinção, Lebre de Freitas sustenta que só é necessário constituir advogado quando o procedimento
seja de natureza principal. Um incidente é uma pequena tramitação que tem lugar no curso de uma ação
para resolver uma questão lateral, eventual, que concretamente tenha surgido e que obrigue a uma
discussão declarativa (artigos 292º a 295º). Por exemplo, o incidente de discussão do valor da causa.

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- ações de valor igual ou inferior à alçada do tribunal de 1ª instância: não há patrocínio


obrigatório (artigo 58º nº 3 a contrario), o que não significa que a parte não possa
constituir voluntariamente advogado.
Esta atividade de patrocínio judiciário, nos casos em que não é obrigatório, está
limitada pela Lei dos Atos Próprios dos Advogados e dos Solicitadores, que limita o
exercício da atividade para quem tenha essa profissão. O mesmo em relação ao
aconselhamento profissional.
A não constituição de advogado pelo exequente, quando obrigatória, constitui
uma exceção dilatória (artigo 577º alínea h)). Se for apresentado requerimento
executivo sem constituição de mandatário, o juiz deverá fixar prazo para regularizar a
instância (artigo 726º nº 4). Se isso não for feito, indefere liminarmente o requerimento
executivo (artigos 726º nº 5, 48º nº 2 e 41º). Se, pelo contrário, for o executado a não
constituir mandatário judicial, a consequência é que a sua defesa fica sem efeito (artigo
41º). Ou seja, a falta de constituição de mandatário judicial tem consequências
diferentes consoante se trate do exequente ou do executado. No caso do exequente, a
consequência é a absolvição da instância. No caso do executado, a consequência é que
a defesa fica sem efeito. A consequência é a mesma: não considerar a atividade
processual daquele sujeito. Por isso se diz que o patrocínio judiciário é verdadeiramente
um pressuposto de atuação processual.

16.3. Legitimidade das partes. Legitimidade singular


16.3.1. Casos
a) Regra geral

A que é que respeita o pressuposto da legitimidade? Respeita somente a existir


correspondência entre o objeto da ação e as partes formais da ação. Se houver
correspondência, as partes são legítimas. Se não houver, são ilegítimas. Vejamos o
seguinte exemplo da ação declarativa: o autor afirma que B lhe deve certa quantia em
dinheiro e propõe a ação contra C. Este não é parte legítima, pois não há
correspondência. Na ação executiva, interessa para efeitos de legitimidade aqueles que
figuram no título como credor e devedor. Por isso, as partes serão legítimas se assim
constar do título; não serão legítimas se não constarem do título.

Distinguiremos, de seguida, os casos de legitimidade singular dos de legitimidade


plural.
A regra geral da legitimidade singular está no artigo 53º nº 1, portanto é parte
legítima como exequente quem figure no título como credor; é parte legítima como
executado quem figure no título como devedor.
Um fiador será parte legítima? Se figurar do título, sê-lo-á. O fiador é
efetivamente um devedor, simplesmente é um devedor acessório, por isso pode a
execução ser promovida contra ele se figurar no título com essa qualidade de fiador. O
limite máximo da ação é dado pelo título, portanto não tem legitimidade quem dele não
figura.

b) Títulos ao portador

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Os títulos ao portador são títulos de crédito cujo cumprimento pode ser


reclamado por quem o possua. Neste caso, a regra de legitimidade é a de que a execução
deve ser promovida pelo portador do título (artigo 53º nº 2).

c) Execução de terceiro garante

Imaginemos que A é credor de B e para garantia do crédito vê constituída a seu


favor uma hipoteca sobre um bem de C. Será que C, que é titular do bem objeto da
hipoteca, tem legitimidade ao abrigo do artigo 53º nº 1? Há uma distinção em Portugal
entre dívida/débito e responsabilidade patrimonial (no sentido de o que responde pela
dívida). Isto é uma tradução de uma categorização alemã clássica entre Schuld e
Haftung. Normalmente a dívida e a responsabilidade encontram-se associadas, isto é,
quem deve responde. Mas há casos em que assim não acontece e este é exatamente
um deles. Quem deve e tem de realizar a obrigação é apenas B. Quem responde pela
obrigação é B e C. É muito claro que C não é devedor. Se o bem não for suficiente para
pagar a dívida, C não responde com o seu património pessoal. Se alienar o bem a
terceiro, também não responde. Ao abrigo da regra geral de legitimidade, apenas se
pode demandar o devedor. Isso não permite demandar terceiros titulares de garantia
porque eles não são devedores, não lhes pode ser exigido o cumprimento da obrigação
em nada, embora tenham interesse em que ela seja cumprida, para não serem
executados.
O artigo 54º nº 2 permite que a execução avance também contra quem, não
devendo, responde. Quando existe dívida garantida por garantia real, desde que conste
do título, pode haver 3 possibilidades diferentes:
- pode o exequente agir apenas contra o garante e chamar, mais tarde, o devedor (artigo
54º nº 2 primeira parte);
- pode agir contra devedor e garante ao mesmo tempo (artigo 54º nº 2 segunda parte);
- pode agir apenas contra o devedor.
Quando o exequente age apenas contra o devedor, não poderá o agente de
execução penhorar o bem objeto da garantia, porque só podem ser penhorados os bens
do executado.
Um aspeto relevante é que a sentença obtida contra o devedor não é oponível
ao garante (artigo 635º nº 1 do CC para a fiança, mas aplica-se também à consignação
de rendimentos nos termos do artigo 657º nº 2, ao penhor nos termos do artigo 667º
nº 2 e à hipoteca nos termos do artigo 612º nº 2, ou seja, funciona como regra geral
para as garantias). Por isso, o credor que queira acionar a garantia deverá na ação
declarativa chamar ambos à instância.
O regime da execução de terceiro garante aplica-se também aos casos de
impugnação pauliana quando o credor pretenda executar o bem cuja transmissão foi
impugnada na esfera de terceiro.

d) Direito real menor

A existência de direitos reais menores constituídos sobre bem pertencente ao


devedor consta do artigo 54º nº 4. Este artigo não diz quase nada do que interessa a
este respeito. O que diz o artigo é que, havendo bens onerados do devedor na posse de
terceiro, este pode ser demandado conjuntamente com o devedor. Está subentendido

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por este artigo o seguinte: nos casos em que a venda executiva extinga direitos
possessórios de terceiro, isto é, direitos que decorrem da qualidade de possuidor, o
terceiro deve ser citado para a ação executiva para que a venda executiva o possa
atingir. Se porventura a venda executiva não atinge os direitos de terceiro, então não
tem de ser citado.
Que tipo de direitos são protegidos ao abrigo deste artigo? Direitos reais
menores, mas também direitos que confiram tutela possessória ainda que não sejam
direitos reais, por exemplo o direito do locatário ao abrigo do regime da locação. O caso
do comodato também tem tutela possessória, a venda executiva vai extinguir o seu
direito.

e) Sucessão na titularidade

Quid iuris se houver um novo credor ou um novo devedor? Nos termos do artigo
54º nº 1, o exequente deverá alegar no requerimento executivo os factos constitutivos
da sucessão, por exemplo o contrato através do qual se transmitiu o crédito, caso tenha
sido uma cessão de crédito.
A questão que se coloca a este respeito é a seguinte: o artigo prevê apenas que
o exequente deve deduzir os factos constitutivos da sucessão. Pergunta-se: basta
deduzir ou é necessário também provar? Quando falámos no princípio do acertamento,
dissemos que este tem uma dimensão positiva e negativa, a primeira é a de que se
presume acertado tudo o que consta do título, a negativa é a de que se presume não
acertado tudo o que não consta do título, logo se do título não consta a sucessão, não
há nenhuma razão para presumir com base numa mera alegação do exequente que a
sucessão efetivamente ocorreu. É este o entendimento do professor Tiago Ramalho –
deverá ser necessário deduzir e provar. Se é preciso fazer uma atividade de natureza
declarativa, será necessário um incidente com vista à atividade provatória, podemos
aplicar o regime previsto no artigo 715º, previsto para a obrigação condicional, mas
pode ser aplicado aqui por identidade de razão. É a chamada habilitação-legitimidade,
é o próprio.
Se porventura a sucessão da titularidade for feita no curso da ação e não antes,
então nesse caso temos de recorrer aos incidentes de habilitação previstos nos artigos
351º e seguintes.

f) Sentença oponível a terceiros

Também têm legitimidade para a ação executiva aqueles que, não tendo sido
parte na ação no âmbito da qual se proferiu a sentença, contudo são abrangidos pela
sua força (artigo 55º). A sentença tem por limites o pedido, a causa de pedir e as partes,
pelo que, por princípio, vincula as partes e mais ninguém. Depois há exceções:
- nos casos em que haja transmissão de direito ou da coisa em litígio: na ação
declarativa, a sentença é oponível ao adquirente, mesmo que não intervenha na
instância (artigo 263º nº 3);
- nas hipóteses de caso julgado secundum eventum litis (caso julgado de acordo
com o desfecho da lide): a lei permite que, de acordo com o desfecho da lide, o
caso julgado possa aproveitar a terceiros (artigos 531º e 538º nº 2 do CC). Ainda
assim, temos a este respeito uma pequena controvérsia. Lebre de Freitas

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entende que deste regime decorre apenas a autoridade do caso julgado, que se
considera a questão indiscutível, mas não decorre a atribuição do direito de agir
em juízo, ou seja, terceiros credores podem invocar, mas não podem usar para
efeitos de ação executiva. A melhor solução a adotar seria entender que da
indiscutibilidade material decorre a impossibilidade de agir na ação executiva –
é este o entendimento de Teixeira de Sousa e Rui Pinto, com os quais o professor
concorda.

g) Constituição de direito na esfera de terceiro não referido no título

Temos ainda as hipóteses em que o título executivo prevê que possa surgir um
direito na esfera de terceiro, por exemplo o contrato de pessoa a nomear, pelo qual uma
das partes tem o direito de nomear alguém que ocupe a sua posição. Pergunta-se: este
novo sujeito figura do título executivo como credor? Não, figura apenas que poderá ser
nomeada uma outra pessoa. O entendimento que se adota a este respeito é o de que
se deverá fazer prova complementar, ao abrigo do artigo 715º.
Há outra questão que é a de saber como releva, do ponto de vista executivo, o
contrato a favor de terceiro. Neste contrato, as partes (promitente e promissário)
acordam na constituição de um direito na esfera de um terceiro. Os autores mais
relevantes nesta matéria afirmam que será necessário fazer prova destes elementos
complementares relativos à constituição do direito na esfera de terceiro. O professor
discorda deste entendimento, porque do contrato consta quem é o terceiro e se, nos
termos da lei, adquire o direito de imediato, então não há desvio em relação ao artigo
53º.

h) Substituição processual

Pela possibilidade de substituição processual entendemos os casos em que


alguém litiga em lugar de outra pessoa, também se designando por legitimidade
extraordinária. O artigo 606º do CC admite, em termos gerais, a chamada ação sub-
rogatória, isto é, a substituição do credor pelo seu credor no exercício dos seus direitos.
Se esta possibilidade é admitida nos termos gerais, então o credor do credor que
tenha um título executivo (o credor sub-rogante) poderá propor uma ação executiva em
lugar do credor sub-rogado. Não terá grande importância, desde logo porque o credor
sub-rogante tem um caminho muito mais simples, em que pode propor ação executiva
contra o credor que é seu devedor e, nessa ação, penhora o crédito em relação ao
terceiro. É um caminho mais simples que não passa pelas complicações da ação sub-
rogatória.

16.3.2. Regime geral da falta de legitimidade

Quanto às consequências da falta de legitimidade, esta é uma exceção dilatória


(artigo 577º alínea e) do CPC ex vi artigo 551º nº 1), de conhecimento oficioso e não é
sanável (artigo 578º ex vi artigo 551º nº 1), e pode servir de fundamento à oposição à
execução (artigo 729º alínea c)).
“O tribunal que conheça da ilegitimidade deve proferir um despacho de
indeferimento liminar do requerimento executivo (cf. artigo 726º nº 2 al. b)) ou, se

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conhecida mais tarde, ao abrigo do artigo 734º, deve absolver o executado da instância
e extinguir a execução. Na forma sumária da execução para pagamento de quantia certa
cabe ao agente de execução suscitar a intervenção do juiz quando “se lhe afigure
provável” a ocorrência da ilegitimidade, nos termos do artigo 855º nº 2 al. b), conjugado
com o artigo 726º nº 2 al. b).”11

16.3.3. Legitimidade plural

Em matéria de legitimidade plural, devemos fazer algumas distinções:


- no que toca à unidade ou pluralidade de relações jurídicas: poderá tratar-se de
litisconsórcio ou coligação;
- no que toca ao polo da relação processual: ativa ou passiva;
- no que toca à obrigatoriedade: voluntária ou necessária;
- no que toca ao momento: inicial ou sucessiva.

Litisconsórcio voluntário e necessário

Vejamos os principais casos de litisconsórcio voluntário:


- obrigação conjunta (artigo 32º nº 1);
- obrigação solidária (artigo 517º do CC);
- obrigação como garantia real ou pessoal constituída por terceiro.
Normalmente o litisconsórcio voluntário será inicial, apenas será de admitir
litisconsórcio voluntário superveniente nos casos em que a lei o preveja: a hipótese de
se demandar primeiro o titular do bem objeto da garantia real e só depois o devedor
(artigo 54º nº 2 do CPC), ou a demanda do devedor subsidiário depois de terem sido
excutidos os bens do devedor principal (artigo 745º nº 3). Isto é possível por iniciativa
do exequente.
Por iniciativa do executado, é possível que o devedor subsidiário suscite a
intervenção do devedor principal (artigo 745º nº 1).
Há depois um nível temático que é o das dívidas de cônjuges que veremos mais
adiante.

Quanto ao litisconsórcio necessário, podemos dar como exemplo a entrega de


uma coisa que pertença a várias pessoas (artigo 1405º nº 1 do CC). Nos casos de
litisconsórcio necessário, será de admitir, quando ele seja preterido, que, ao abrigo dos
incidentes de intervenção de terceiros, seja suscitada a intervenção da parte em falta.
O litisconsórcio voluntário não levanta a falta de pressupostos processuais. O
litisconsórcio necessário, se for preterido, constitui uma exceção dilatória (artigos 33º
nº 1 e 557º alínea d) do CPC). Se for preterido, em sede de despacho liminar, o juiz, ao
abrigo do artigo 6º nº 2, deve convidar à regularização da instância. Se isso não for feito,
dá lugar a indeferimento liminar. A segunda possibilidade é oposição à execução. Se
ainda assim houver preterição, dá-se a rejeição oficiosa da execução (artigo 734º nº 1).

Coligação (mera remissão)12

11 Nas palavras de Rui Pinto.


12 Seguir-se-á a exposição de Lebre de Freitas.

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A lei não é simpática com a coligação, pois é um fator de grande complexidade.


“Por força do art. 56, a coligação é admitida em processo executivo quando, não se
baseando um dos pedidos em decisão judicial a executar nos autos da ação declarativa
(art. 709-1-d ex vi art. 56-1), cumulativamente se verifiquem os seguintes pressupostos:
a) A espécie de ação executiva decorrente de cada um dos pedidos deve ser a mesma
(pagamento de quantia certa, entrega de coisa certa ou prestação de facto), a menos
que todos se baseiem numa mesma sentença (arts. 709-1-b e 710, ex vi art. 56-1);
b) Tendo a execução por fim o pagamento de quantia certa, as várias obrigações devem
ser líquidas ou liquidáveis por simples cálculo aritmético (art. 56-2);
c) O tribunal deve ser competente internacionalmente e em razão da matéria e da
hierarquia para a apreciação de todos os pedidos, ainda que não o seja em razão do
valor ou do território (art. 709-1-a ex vi art. 56-1);
d) cada um dos pedidos, individualmente considerado, deve ter de ser apreciado em
processo executivo comum, ou no mesmo processo executivo especial que caberia para
a apreciação dos outros pedidos (...) (art. 709-1-c ex vi art. 56-1);
e) Tratando-se de coligação passiva, é ainda necessário que a execução tenha por base,
quanto a todos os pedidos, o mesmo título (art. 56-1-b) ou que os devedores sejam
titulares de quinhões no mesmo património autónomo (ex.: herança) ou de direitos
relativos ao mesmo bem indiviso (ex.: compropriedade), quando um ou outro sejam
objeto de penhora (art. 56-1-c).
Por virtude da remissão do art. 56-3 para os n.os 2 a 5 do art. 709, observam-se
na coligação, quanto à competência em razão do valor e do território, as regras
seguintes:
- Quando todos os pedidos se fundem em títulos judiciais impróprios, a ação executiva
corre no tribunal do lugar onde haja corrido o processo de valor mais elevado;
- Quando haja pedidos fundados em título judicial impróprio e outros em título
extrajudicial, a ação executiva corre no tribunal em que haja corrido o processo em que
o título se formou;
- Quando todos os pedidos se fundem em título extrajudicial, a competência determina-
se nos termos dos n.os 2 e 3 do art. 82;
- Segue-se a forma de processo ordinário quando os pedidos originariam, isolados,
formas de processo comum distintas.”

17. Tribunal
17.1. Modelos de ação executiva

Passemos agora para o polo superior da ação executiva, ou seja, o tribunal.


Aquilo a que chamamos tribunal, na realidade, é um conjunto de entidades diferentes.
Temos de considerar 3 entes diferentes: o juiz de execução, a secretaria e o agente de
execução, cada um com as suas competências próprias.
Este é um dos pontos em que há divergência entre as diferentes ordens jurídicas.
Há um aspeto em que elas são todas semelhantes que é: sempre que houver uma
questão de natureza declarativa, por exemplo a oposição à execução ou figura
equivalente, a competência da decisão é confiada ao juiz. Nesta questão particular, há
monopólio de jurisdição. No que toca à competência para dirigir a execução, são vários
os modelos possíveis – de modelos mais “privatizados” ou “administrativizados” a

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modelos mais “judicializados”. Temos 4 possibilidades em termos de Direito


comparado:
- a competência para a execução é de um órgão administrativo e não de uma autoridade
judicial, é o que vigora, por exemplo, na Suécia. Em Portugal, para execuções
administrativas (fiscais) é isto que vigora, são promovidas pela entidade fiscal e não por
um juiz tributário;
- execução dirigida por uma pessoa de nomeação oficial, mas contratada pelo
exequente: é este o modelo que vigora particularmente em França e no Benelux.
Reconhecem uma figura que tem por designação huissier de justice. É o profissional de
justiça mais odiado pelo povo francês. Funciona como um profissional liberal;
- um funcionário judicial pago pelo erário publico: é o que vigora na Alemanha e na
Áustria. Não é o juiz que conduz a execução;
- toda a condução do processo é confiada a um juiz: é o que vigora em Espanha e Itália,
é a solução românica.
Qual é o regime do Direito português? Até 2003, a solução portuguesa era a
solução românica, era o juiz que tinha a responsabilidade pela condução da ação. A
partir de 2003, modificou-se o elemento básico da ação executiva e introduziu-se a
figura do solicitador da execução agora redenominada agente de execução (de ora em
diante AE), que é o grande responsável pela condução da ação executiva (artigos 719º
nº 1 e 723º). Em tudo o que não seja competência do juiz, em princípio, é competência
do agente de execução. O modelo português aproxima-se de forma decisiva do modelo
francês. Em 2003, quando isto foi introduzido, não tínhamos a profissão de agente de
execução.
Por detrás desta questão está a de saber qual o âmbito do monopólio da função
judicial, porque pode haver um certo enviesamento do raciocínio. Função judicial
aponta apenas para a decisão de conflitos. Sob este ponto de vista, se for um monopólio
de apenas dizer o Direito, a questão da competência da condução da ação executiva
está na liberdade de conformação do legislador ordinário, não é uma reserva
constitucional. Em países como em França, o monopólio da função jurisdicional engloba
também o poder de império (exercício da força pública), aí é necessário garantir a
possibilidade de o juiz intervir na execução. A figura romana do pretor tinha esta
segunda função.

17.2. Orgânica judiciária. Repartição de competência entre tribunais

Qual é a competência do tribunal? Temos de distinguir 2 aspetos: qual a


competência do tribunal enquanto tal e qual a competência dos intervenientes do
processo – juiz e secretaria.
Quanto ao primeiro ponto, para determinarmos qual o tribunal competente para
a execução temos de considerar a organização judiciária. Vale a regra de que a ordem
jurisdicional comum ou os tribunais judiciais no seu todo são competentes para as ações
não atribuídas a uma outra ordem jurisdicional particular (artigos 40º nº 1 da LOSJ e 64º
do CPC). Não sendo a causa atribuída a outra ordem jurisdicional, mas à ordem dos
tribunais judiciais, importa apurar como se reparte a competência no seu interior.
O primeiro fator para efeitos de competência nesta matéria é se há tribunais de
competência territorial alargada ou não. Se os houver, eles dentro do seu círculo de
competência podem executar as suas próprias decisões (artigos 129º nº 2, 111º nº 2,

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112º nº 3 e 113º nº 2 da LOSJ). Se não for da competência destes tribunais, temos de


considerar as regras de distribuição da competência dentro do tribunal de comarca.
Aqui temos 3 possibilidades:
- haver juízos de competência especializada (juízos de família e menores dos artigos
122º e seguintes, juízos de trabalho dos artigos 126º e seguintes e juízos de comércio
do artigo 128º): são, em princípio, competentes para tramitar as ações executivas que
lhes compitam (artigo 129º nº 2) 13;
- se não os houver, temos de ver se existe algum juízo de execução. Se houver, é
competente para a tramitação da ação executiva (artigo 129º nº 1);
- se não houver juízos de execução, a competência reparte-se entre os juízos centrais
cíveis se a ação tiver o valor de mais de 50.000€ (artigo 117º nº 1 alínea b)) e os juízos
locais cíveis nos casos restantes (artigo 130º nº 1), pelo que são de competência
residual. Quem diz juízos locais cíveis diz juízos de competência genérica, a única
diferença é que estes têm também competência para ações criminais.
Para sabermos qual é a área de competência de cada um destes tribunais temos
de ver o Decreto-Lei nº 49/2014.
Em razão da hierarquia, os tribunais competentes são, em princípio, apenas os
tribunais de 1ª instância. Só não é assim quando a ação declarativa tenha corrido nos
próprios tribunais superiores (artigos 85º e 86º do CPC). Em razão do território, a
competência reparte-se nos termos dos artigos 85º a 90º.
Quais são os fatores de atribuição de competência?
O 1º caso é de execução fundada em sentença: é competente o tribunal da
comarca em que a ação tenha sido julgada em 1ª instância (artigo 85º nº 1).
Simplesmente se houver um juízo de execução constituído, a execução é remetida
oficiosamente ao juízo de execução (artigo 85º nº 2). Se a ação deu diretamente entrada
no tribunal superior, muito embora valha a regra de que a execução deve correr no
tribunal que proferiu a decisão, a execução será tramitada no tribunal de 1ª instância
do domicílio do executado. O artigo 86º abre a exceção do artigo 84º.
O 2º caso é a sentença arbitral, a regra é que a execução deve correr no tribunal
da comarca do lugar de arbitragem (artigo 85º nº 3).
O 3º caso é de título diferente de sentença, em que importa distinguir: se for
uma execução para entrega de coisa certa ou dívida com garantia real, é competente o
tribunal do lugar em que se situe a coisa (artigo 89º nº 2); nos restantes casos, a regra
supletiva constante do artigo 89º nº 1 é a de que é competente o tribunal do domicílio
do executado. Se porventura o executado for pessoa coletiva ou o exequente e o
executado residirem na mesma área metropolitana, pode-se optar pelo lugar do
cumprimento da obrigação (artigo 89º nº 1). Para saber a área metropolitana é através
do anexo II à Lei nº 75/2013. Este regime do artigo 89º nº 1 do CPC foi feito por razões
de economia processual, as áreas onde se concentram mais ações executivas é nas áreas
metropolitanas e criou-se esta regra para afastar a competência destas.

No que toca à competência internacional, é de sublinhar que os tribunais


portugueses se consideram exclusivamente competentes em ações executivas relativas
a imóveis situados em Portugal (artigo 63º alínea d)).

13 Há uma discussão da exata competência dos juízos de família.

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Em caso de inobservância das regras de competência, há uma remissão para os


regimes de incompetência absoluta e relativa da ação declarativa. A preterição da regra
de execução fundada em sentença (artigo 85º nº 1), da regra supletiva da competência
do tribunal do domicílio do executado (artigo 89º nº 1) e da regra relativa à execução
para entrega de coisa certa ou dívida com garantia real (artigo 89º nº 2) é de
conhecimento oficioso do juiz (artigo 104º nº 1 alínea a)).
Fora destes casos de conhecimento oficioso, é possível convencionar a
competência em razão do território (artigo 95º nº 1).

17.3. Competência na ação


17.3.1. O juiz

Quais são as concretas competências do juiz e da secretaria na ação executiva?


O juiz tem as competências previstas no artigo 723º nº 1. O despacho liminar só tem
lugar supletivamente no processo ordinário, no processo sumário depende de o AE
suscitar a intervenção do juiz. A alínea b) respeita às questões de natureza jurisdicional
que surjam na ação executiva. Sintetizando a função do juiz na ação executiva, tem uma
primeira função de controlo, mas meramente eventual, só quando haja despacho
liminar; tem uma função genérica para conhecer dos conflitos em matéria declarativa;
e tem uma função de recurso quando a sua intervenção tenha sido suscitada. A contrario
pergunta-se: está garantida a possibilidade de intervenção do juiz na ação executiva?
No processo ordinário sim, no processo sumário não. Hoje o processo executivo
português não garante a possibilidade de, pelo menos, uma intervenção do juiz. Por isso
há quem diga, como Tavares de Sousa, que o nosso modelo é, pelo menos para o
processo sumário, “desjudicializado”.
Pode ainda perguntar-se: existe um poder genérico de controlo do juiz da ação
executiva? Não parece existir à luz do artigo 723º. Questão diferente é se este regime é
aceitável. Quando muito, poderemos equacionar uma possibilidade que é a de saber se,
ao abrigo dos poderes gerais de gestão processual, o juiz não poderá exigir que lhe seja
dado conhecimento do curso das ações executivas que estejam a ser tramitadas. Mas
por princípio parece não haver um poder geral de controlo do juiz que a lei entre 2003
e 2009 previa, depois eliminou a referência.

17.3.2. Da Secretaria

Vimos a competência dos diferentes intervenientes da ação executiva,


começando pelo juiz. O segundo órgão competente é a secretaria. Na ação executiva, a
secretaria, com efeito, também tem competências próprias. Essas estão
particularmente elencadas no artigo 719º nº 3, artigo esse que remete para o artigo
157º. São essencialmente questões de natureza formal, de assegurar o expediente da
ação executiva, entre outras. Das várias competências da secretaria, a que vamos
considerar é a possibilidade de recusar o requerimento executivo (artigo 725º).
A morosidade processual advém de problemas da própria tramitação dos
tribunais, porque se não forem abertas conclusões ao juiz, este não vai, em princípio,
decidir e isso tem uma relevância muito grande neste contexto.

18. O Agente de Execução

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a) Estatuto e função no processo

Falta-nos ver apenas um dos intervenientes da ação executiva que é aquele que
assume maior protagonismo – o agente de execução. É o que assume maior
protagonismo, uma vez que é ele o responsável pela condução da ação executiva, a tal
ponto que é o órgão da ação executiva com competência residual (artigo 719º nº 1).
Vejamos alguns exemplos de questões que são da competência do AE: citações, consulta
de base de dados, realização das penhoras, pagamento. A execução em sentido estrito
é conduzida por ele.
Foi uma figura que entrou na realidade jurídica portuguesa em 2003, chamando-
se, a princípio, solicitador de execução e agora agente de execução. A grande dificuldade
no estudo da figura do AE é, sem dúvida, a de saber exatamente o que é que ele é: é
uma entidade privada ou um sujeito público? Neste momento, não conseguimos dar
uma resposta conclusiva, há muito poucos estudos sobre este tema, mas há aspetos do
regime que só podem ser claros se definirmos esta questão. As últimas tentativas por
parte dos principais processualistas portugueses sobre definir o tema foram há 10 anos
atrás, pelo que reina uma grande incerteza.
Há 2 eixos centrais na consideração do AE:
- é um profissional liberal: só pode ser agente de execução quem estiver inscrito na
Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução, que é uma associação pública
profissional. Para se inscrever como agente de execução, é necessário ter a licenciatura
em Direito ou em Solicitadoria (artigos 105º e 106º do Estatuto da Ordem dos
Solicitadores). Todos aqueles que estão inscritos nesta Ordem estão sujeitos aos
deveres deontológicos próprios da profissão (artigos 119º e seguintes e 168º e
seguintes). O incumprimento destes deveres pode levar a sanções disciplinares. Isto do
ponto de vista estatutário;
- do ponto de vista funcional, o AE na ação executiva opera como um auxiliar de justiça
que exerce poderes de autoridade pública (artigo 162º nº 1 do Estatuto). Aqui vemos
claramente o hibridismo da figura, é um privado que na ação executiva está a exercer
poderes públicos, isto vai causar dificuldades em saber qual o regime que se lhe aplica.

b) Designação e destituição
Consideração crítica

Vejamos qual a posição do AE na ação executiva. O AE é designado pelo


exequente (artigos 720º nº 1 e 724º nº 1 alínea c) do CPC). Obviamente que o exequente
só pode designar como AE alguém inscrito nas ordens profissionais. Se porventura não
for escolhido pelo exequente, a sua designação é feita de modo aleatório (artigo 720º
nº 2). Da mesma forma que o AE é designado pelo exequente, também pode ser
substituído pelo exequente, este terá apenas de expor o motivo da substituição (artigo
720º nº 4). A lei não diz que a substituição tem de ser fundamentada, tem de apenas
expor a justificação. Ou seja, observado o ónus da exposição do motivo, a substituição
é livre pelo exequente. O juiz não poderá destituir o AE, mas isso já esteve previsto numa
versão anterior do CPC. O máximo que o juiz pode fazer é participar à Comissão para o
Acompanhamento dos Auxiliares de Justiça a infração. Mas só esta Comissão é que
poderá destituir o AE (Lei nº 77/2013).

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O regime que acabámos de ver não se assemelha ao da ação declarativa, no


sentido em que temos o exequente de um lado e o executado do outro e, no meio,
temos o juiz a equilibrar a situação. Isso não é assim pelos seguintes motivos:
- o juiz não tem uma efetiva função de controlo do AE, não o pode destituir, quem
controla é a Comissão;
- o exequente tem nas mãos o poder de designar e de destituir o AE. Se o exequente
tem este poder, poderá considerar-se que o estatuto do AE garante a respetiva
imparcialidade e independência? É certo que se prevê que o AE deve ser imparcial e
independente (artigo 168º do Estatuto), mas a sua posição efetiva na ação executiva
permite-lhe este dever? Do ponto de vista do professor Tiago Ramalho, claramente que
não, porque em termos de normal razoabilidade económica, o AE é incentivado a fazer
prevalecer a posição do exequente, porque senão pode ser destituído e pode não ser
designado para novas ações executivas. O AE pode estar numa situação de dependência
económica do exequente, como é que isso respeita as exigências do processo
equitativo? Não está em causa a honestidade do AE, a questão é se o Estatuto
abstratamente assegura estas exigências. Claramente que não, pois coloca o poder
público nas mãos de uma das partes. A única forma de afastar esta questão é invocar a
inconstitucionalidade.

O agente de execução pode também declarar que não aceita a designação (artigo
720º nº 8). Do ponto de vista remuneratório, os honorários do AE e o reembolso das
suas despesas são devidos pelo exequente (artigo 721º nº 1). Contudo, poderá exigir o
reembolso ao executado.

c) Responsabilidade
Consideração crítica

Qual é o regime que se aplica caso o AE incumpra os seus deveres funcionais?


Temos aqui uma discussão, sendo que há duas grandes posições possíveis e o
entendimento que se venha a professar depende do estatuto que se dê ao AE:
- caso o AE incumpra as suas funções, haverá responsabilidade civil extracontratual do
Estado por mau exercício da função judicial;
- poder-se-á entender que os deveres que impendem sobre o AE visam proteger os
diferentes intervenientes do processo, dando por isso lugar a responsabilidade civil
extracontratual nos termos de Direito Civil. Esta posição já foi sufragada pelo STJ.
Por detrás disto está a questão de saber qual o estatuto. Sendo responsabilidade
civil extracontratual de Direito privado, o ónus de provar a culpa recai sobre o AE ou
sobre o lesado? Normalmente tende a distinguir-se os dois regimes como contratual e
extracontratual. O critério da lei é distinguir entre delitual e obrigacional, porque a
responsabilidade dos artigos 798º e seguintes aplica-se onde haja um dever específico
de comportamento, seja ele contratual ou não contratual. Por exemplo, alguém é
condenado a pagar 5.000€ e não os paga, responde ao abrigo de que regime? Ao abrigo
dos artigos 798º e seguintes. A lei tem diferentes presunções de culpa, porque nos casos
em que já há um comportamento específico anterior, o incumprimento deve-se ao
devedor e presume que lhe é imputável. Se o AE responder pelo Direito privado, é pela
violação de deveres específicos de comportamento, então a responsabilidade é nos
termos dos artigos 798º e seguintes. Caso se entenda que o AE responde nos termos do

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regime de Direito privado, será ainda de equacionar a eventual responsabilidade do


exequente quando haja designado um AE que já sabia que tendencialmente
desrespeitaria as regras do processo. A eventual responsabilidade do exequente será ao
abrigo dos artigos 483º e seguintes por violação dos bons costumes.
Do ponto de vista prático, claramente a segunda solução é a melhor por evitar
os TAF. Há, todavia, uma dificuldade à qual o professor não sabe responder, mas pode
ser enunciada: a dificuldade é que o nosso regime de responsabilidade civil
extracontratual do Estado prevê que ele se aplica a atos praticados por particulares
investidos em funções públicas. Atendendo a esta solução pergunta-se: como é que se
pode afirmar que a responsabilidade é de Direito privado? No caso da responsabilidade
do administrador de insolvência, afirma-se claramente que é responsabilidade de
Direito privado e, em termos de Direito comparado, na França afirma-se que é de Direito
privado, mas noutros Estados como na Áustria não o é. Quem escreveu a norma não
estava a pensar nos AE, mas aquilo está lá escrito, como contornamos o trecho?

Quanto ao recurso dos atos praticados pelo AE, nalguns casos temos um meio
processual específico, por exemplo, se o AE violar as regras da penhora, o executado
poderá recorrer à oposição à penhora (artigo 784º). Noutros casos, a má atividade do
AE poderá configurar uma nulidade processual, aplicando-se o regime das nulidades
(artigos 186º e seguintes). Não havendo nenhum meio processual específico, o meio de
reação será impugnar os atos do AE junto do juiz (artigo 723º nº 1 alínea c)). Esta
impugnação segue as regras previstas para os incidentes (artigos 292º e seguintes),
devendo ser dada a oportunidade de contraditório à outra parte (artigo 3º nº 3). Quid
iuris se não se tratar de nulidade processual e a parte interessada não impugnar no prazo
de 10 dias? Se isso acontecer, a atuação do AE fica estabilizada. Há um juiz que diz que
fica “caso estabilizado”, mas isto não é caso nenhum. Doravante só se poderá conhecer
da questão se ela for de conhecimento oficioso e o juiz se depare com ela. Mas se não
o for, a decisão fica completamente estabilizada.

d) Subestablecimento e auxiliares

No curso da ação executiva, o AE poderá subestabelecer noutro AE (artigo 720º


nº 5) e poderá também servir-se de auxiliares (artigo 720º nº 6).

e) Oficial de justiça

Finalmente, é possível que todas as funções do AE sejam desempenhadas por


um oficial de justiça, que é um funcionário público, judicial (artigo 722º). Aí aplicamos
com as necessárias adaptações o que foi dito anteriormente, com a ressalva das regras
de Direito privado.

19. Suporte processual


a) Suporte de Tramitação

Quanto ao suporte do processo, de acordo com o que é determinado, o processo


executivo é tramitado eletronicamente. Para a prática de atos processuais recorre-se a

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2 sistemas informáticos diferentes: para advogados é o Citius e para AE é o Cisae. A


realidade processual é grandemente informática.
No artigo 551º nº 5, prevê-se que o processo corre em tribunal apenas quando
se trate de um ato da competência da secretaria ou do juiz, ou seja, no que respeita a
qualquer outro ato, o processo corre junto do AE. Pode acontecer uma execução em
que o juiz não tem um único contacto com o processo. Esta regra permite diminuir as
pendências dos tribunais.

b) Registo informático de execuções


c) Lista pública de execuções

Para auxiliar a execução preveem-se 2 instrumentos complementares ao


processo executivo em sentido estrito:
- o chamado registo informático de execuções previsto nos artigos 717º e 718º e
também regulado no Decreto-Lei nº 201/2003 e nas Portarias nº 985-B/2003 e
282/2013. É um registo do qual constam as execuções pendentes e as suas vicissitudes
fundamentais (artigo 717º nº 1). Este registo conserva-se por 10 anos após a extinção
da execução (artigo 13º do Decreto-Lei). Em todo o caso, logo que a obrigação
exequenda é paga, o registo é eliminado oficiosamente (artigo 718º nº 3). As entidades
referidas no artigo 718º nº 4 podem consultar o registo;
- a chamada lista pública de execuções está regulada no artigo 16º-A do Decreto-Lei e
da Portaria nº 213/2009. Essencialmente consiste numa divulgação pública de
devedores de dívidas incobradas. Opera como um instrumento de pressão sobre a
reputação do devedor para a eventualidade de não cumprir as suas obrigações. A
inclusão nesta lista conserva-se pelo período de 5 anos. O professor Tiago Ramalho acha
isto degradante e vexatório.

Capítulo III – A Ação Executiva para pagamento de quantia certa


20. Forma ordinária e sumária
Execução de sentença

Vejamos agora a tramitação da ação executiva, tomando por paradigma a


execução para pagamento de quantia certa. Aplica-se com as necessárias adaptações às
outras formas de processo (artigo 551º nº 2).
A execução para pagamento de quantia certa tem 2 formas: a forma ordinária e
a forma sumária. Sendo um caso em que se preveja a forma sumária, ela é aplicada. Não
sendo aplicada, aplica-se a forma ordinária. A lei não determina quando se aplica esta,
sabemo-lo a contrario pela forma sumária. Esta aplica-se nos casos previstos no artigo
550º nº 2 com as exceções do nº 3. Nas alíneas a) e b) do nº 2, temos a forma sumária
para, respetivamente, decisão arbitral ou judicial que não deva ser executada nos autos
ou no próprio processo e o requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula
executória. Temos, portanto, títulos executivos particularmente fortes, porque já houve
um controlo judicial ou quase judicial anterior. No caso de sentença condenatória
comum proferida pelos nossos tribunais, aplica-se a forma sumária, não por força do
artigo 550º nº 2 alínea a), mas por força do artigo 626º. Quando é que também se adota
forma sumária? Quando se trate de título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida
desde que garantida por hipoteca ou penhor. O facto de uma dívida estar garantida por

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hipoteca ou penhor aumenta a certeza do título executivo? Nas alíneas a) e b), a


probabilidade de o título estar bem formado é elevada. Na alínea c), pode ser um título
notarial ou até particular, quando a lei o preveja. Mas aumenta a certeza da existência
da obrigação? Não aumenta nem diminui, o título vale o que vale. Então por que é que
a lei neste caso aceita o processo sumário? Há uma explicação um pouco maquiavélica.
Isto é uma norma de favorecimento do setor bancário para permitir que os créditos
habitação garantidos por hipoteca sejam facilmente executados (Rui Pinto). Na alínea
d), o critério é o valor, se for inferior ao dobro da alçada do tribunal de 1ª instância,
segue forma sumária. Por detrás desta norma está o pensamento legislativo de que as
ações de valor baixo merecem menor proteção e cautelas. O risco de uma execução
infundada pode-se perfeitamente aceitar quando o valor da ação é baixo, mas o
professor entende não ser um valor baixo para uma pessoa particular.
Mesmo que se verifique alguma das alíneas do nº 2, caso se preencha alguma
das exceções do nº 3, já não se aplica o processo sumário, mas o processo ordinário:
- alínea a): preveem-se nos artigos 714º e 715º os incidentes para tornar a obrigação
certa, líquida e exigível. Na forma sumária, avança-se diretamente para a penhora e, se
se pretende recorrer a estes artigos, então têm de ter lugar em momento anterior à
penhora, pois só aí se saberá qual o objeto exato da execução;
- alínea b): é a mesma razão do caso anterior, está regulada no artigo 716º;
- alínea c): é necessário começar por saber se a dívida será comunicável ao outro cônjuge
antes de agir contra ele;
- alínea d): para que o devedor subsidiário possa, se quiser, invocar o benefício da
excussão prévia antes de ser penhorado.
O que há em comum a estes casos é que são hipóteses em que é essencial a fase
introdutória da execução com certos incidentes que não podem ter lugar na forma
sumária.

Secção I – Fase introdutória


21. Na execução ordinária

Começamos com a fase introdutória. Quais são os momentos que têm lugar
nesta fase? Normalmente terão lugar os seguintes atos:
1º- apresentação do requerimento executivo;
2º- despacho liminar;
3º- citação do executado.
A estes 3 momentos vamos depois acrescentar as tramitações especiais para
tornar a obrigação certa, líquida e exigível.

21.1. Requerimento executivo


Possibilidade de recusa

O primeiro ato da ação executiva é o requerimento executivo. Encontra-se


regulado no artigo 724º. Trata-se justamente da primeira norma da execução para
pagamento de quantia certa e assim é por ser o primeiro ato da execução. É uma
manifestação do princípio do pedido, o tribunal não age sem que alguma coisa lhe seja
pedida.

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Qual é o conteúdo do requerimento executivo? Consta do artigo 724º nº 1 e deve


obedecer à forma constante da Portaria nº 282/2013.
- alínea a): estes elementos interessam sobretudo para 2 fatores – para facilitar a citação
do executado e para facilitar as diligências relativas à identificação de bens penhorados.
Quanto mais completos foram estes elementos, maior a probabilidade de a execução
ser bem-sucedida;
- alínea b): obviamente apenas quando haja mandatário constituído;
- alínea c): não faz grande sentido usar um oficial de justiça, porque quando se pode
escolher o agente de execução, escolhe-se o mais disponível e um oficial de justiça não;
- alínea d): indicar o fim da execução e a forma do processo;
- alínea e): por exemplo, no caso de quirógrafo;
- alínea f): o pedido não pode ir além do título, com exceção dos juros moratórios e
compulsórios, mas pode ficar aquém e o tribunal tem de ficar limitado por tal;
- alínea g): determinado nos termos dos artigos 296º e seguintes;
- alínea h): trata-se aqui da indicação dos elementos relevantes para tornar a obrigação
certa, líquida e exigível;
- alínea i): a finalidade é apenas facilitar a penhora;
- alínea j): requerer a dispensa de citação prévia;
- alínea k): indicar um número de identificação bancária para efeito de pagamento dos
valores devidos.

Alguns destes elementos do requerimento executivo são meramente eventuais,


outros são efetivamente obrigatórios.
Sendo apresentado requerimento executivo, considera-se que ele é recebido na
data do pagamento da quantia devida a título de honorários e despesas do AE (artigo
724º nº 6 alínea a)).
O requerimento executivo, à semelhança do que ocorre na ação declarativa,
pode ser recusado, nos termos do artigo 725º. Essa recusa só é possível quando se
verifique alguma das causas do artigo 725º nº 1. São sempre vícios formais patentes.
Desta recusa da secretaria vale reclamação para o juiz, sendo, em princípio, a decisão
do juiz irrecorrível (artigo 725º nº 2). Sendo recusado o requerimento executivo, pode
ser apresentado um novo no prazo de 10 dias (artigo 725º nº 3).

21.2. Despacho liminar

Recebido o requerimento executivo, não sendo ele recusado, segue-se a


distribuição e a atribuição do processo a um juiz. Chegamos assim ao 2º momento da
fase introdutória que é o momento do despacho liminar (3º se considerarmos
autonomamente a recusa da secretaria). Ao contrário do que acontece na ação
declarativa, na execução ordinária, o despacho liminar encontra-se supletivamente
regulado no artigo 726º. A sua finalidade é controlar a regularidade da execução. O juiz
poderá tomar 2 decisões fundamentais:
- caso não detete nenhuma irregularidade, deverá proferir despacho de citação do
executado;
- caso, pelo contrário, se verifique alguma das causas previstas no artigo 726º nº 2,
deverá indeferir liminarmente o requerimento executivo.

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As duas causas mais relevantes que conduzem ao indeferimento liminar do título


executivo são a falta manifesta ou insuficiência do título e exceções dilatórias, não
supríveis, de conhecimento oficioso. Este indeferimento liminar pode ser parcial (artigo
726º nº 3), por exemplo no caso de cumulação de pedidos.
Temos uma 3ª possibilidade que vai ter de desaguar numa destas 2
possibilidades que é a de o juiz identificar outras irregularidades do título executivo ou
exceções dilatórias supríveis. Nesse caso, nos termos dos artigos 726º nº 4 e 6º nº 2,
deverá o juiz fixar prazo para a regularização do requerimento ou da instância,
dependendo do que se trate. Das duas uma: se as falhas forem sanadas, ordena a citação
do executado; se as falhas não forem sanadas, indefere liminarmente o título executivo.
Embora o artigo 726º nº 2 preveja que nesses casos pode indeferir liminarmente, o juiz
está obrigado a respeitar o contraditório nos termos do artigo 3º nº 3. Se não se tratar
de um fundamento manifestamente aceite para o indeferimento, mas de uma questão
controvertida, o juiz, antes de indeferir, deverá dar ao exequente a oportunidade de se
pronunciar porque o contraditório vale também como defesa às decisões judiciais
(artigo 3º nº 3 segunda parte).
Deste despacho de indeferimento liminar cabe recurso sempre nos termos do
artigo 853º nº 3. Já do despacho que ordena a citação não cabe recurso (artigo 226º nº
5 ex vi artigo 551º). Mesmo que o juiz não indefira liminarmente o requerimento
executivo, poderá rejeitar oficiosamente a execução até ao 1º ato de transmissão de
bens (artigo 734º).

21.3. Citação do executado

O terceiro momento da fase introdutória é a citação do executado. Se for


proferido despacho de citação, o executado é citado para, no prazo de 20 dias, pagar ou
opor-se à execução (artigo 726º nº 6). À citação aplicam-se as regras já conhecidas da
ação declarativa. O responsável pela citação é o AE e não a secretaria (artigos 719º nº 1
e 726º nº 8).

Sua dispensa

Terminada esta fase, o executado é citado para pagar ou opor-se à execução.


Isto quer dizer que a possibilidade de se opor à execução é anterior à da realização da
penhora. Contudo, a lei admite que esta citação prévia seja dispensada nos casos
previstos do artigo 727º.
Qual é a finalidade da dispensa da citação prévia? Trata-se de uma figura com
finalidade cautelar, só que em vez do meio processual ser uma providência cautelar, é
um mero adiamento do ato processual. O exequente tem receio que o executado
notificado da execução dissipe o seu património. Qual é o pressuposto exigível para que
a dispensa de citação prévia seja feita? O artigo 727º nº 1 aponta como pressuposto o
receio da perda de garantia patrimonial. Diferentemente do que acontece nas normais
providências cautelares, não se exige aqui o requisito do fumus boni iuris. Por que é que
não se exige o requisito da aparência de bom direito? Porque a relação material já está
acertada pelo título executivo, daí que só seja necessário este requisito adicional.
Na eventualidade de ser dispensada a citação prévia, o executado será citado
apenas depois da penhora, podendo deduzir embargos do executado e oposição à

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penhora no prazo de 20 dias da citação (artigo 856º nº 1 ex vi artigo 727º nº 4). Neste
caso, também se houver oposição à execução e ela for procedente, poderá o exequente
ser responsabilizado pelos danos a que culposamente tenha dado causa (artigo 858º ex
vi artigo 727º nº 4). Já no regime geral das providências cautelares, prevê-se uma regra
de responsabilidade do requerente quando não aja com a prudência exigida para
compensar o eventual abuso dessa possibilidade.
Há aqui a este respeito uma dúvida que tem de ser considerada: vimos há pouco
que havia certas hipóteses em que a lei excluía a possibilidade de processo sumário e
excluía porque pretendia que antes da penhora houvesse na fase introdutória da
execução a prática de certos atos. Teixeira de Sousa, considerando esta regra, vem dizer:
se nesses casos não pode haver processo sumário, então também não poderá haver
dispensa da citação prévia, porque também para os casos desta dispensa valem as
razões que justificam o artigo 550º nº 3. O argumento tem a sua lógica, mas em todo o
caso pode-se fazer uma objeção, no entender do professor Tiago Ramalho: no caso de
dispensa da citação prévia, há um argumento particular que pode justificar o desvio de
regime que é a finalidade cautelar. Por razões cautelares prudentemente avaliadas pelo
juiz, talvez seja de admitir que a dispensa seja feita. Mesmo que se entendesse que a
dispensa de citação prévia não era admissível, sempre seria possível recorrer a um
procedimento cautelar que de forma provisória acautelasse o exequente,
nomeadamente ao procedimento cautelar de arresto. O entendimento de Miguel
Teixeira de Sousa revela o modo de olhar para as normas e soluções que procura
verdadeiramente respeitar o seu sentido. Mas fará sentido dizer que dentro da ação
executiva com manifestos ganhos de simplicidade não pode haver esta pequena medida
cautelar, mas isso já é possível com a providência cautelar do arresto? O efeito
processual é o mesmo, mas a complicação é maior. O professor acredita que é mais
adequado admitir a dispensa de execução prévia, incorporando na ação executiva esta
medida cautelar.

21.4. Fase liminar: certeza, exigibilidade e liquidez


21.4.1. Certeza e exigibilidade

Esta é a tramitação normal da fase introdutória, mas adquire particularidades


nas hipóteses em que seja necessário tornar a obrigação certa, exigível e líquida.

Comecemos pelo regime da certeza e exigibilidade. Quando a obrigação


exequenda não é certa, líquida e exigível, a ação começa com as diligências necessárias
para que reúna essas características (artigo 713º).

a) Obrigações alternativas

Vamos começar por analisar os casos de obrigações alternativas. Estas


encontram-se reguladas nos artigos 543º e seguintes do CC. Não são certas no sentido
do CPC, porque se torna necessário que seja escolhida qual das prestações é
concretamente devida, por exemplo o devedor obriga-se a entregar maçãs ou peras, só
saberemos qual das prestações é devida depois de escolhida (artigo 543º nº 1). Para
sabermos como é que a obrigação se torna certa, é preciso apurar quem tem a faculdade
de escolher a obrigação no regime material. Temos 3 hipóteses: a escolha pode caber

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ao credor, ao devedor ou a terceiro. Se estivéssemos fora da ação executiva, o processo


de escolha seria feito nos termos do artigo 1004º do CPC.
Na ação executiva, se a escolha couber ao credor, então deverá ter lugar no
requerimento executivo (artigo 724º nº 1 alínea h)).
Se a escolha couber ao devedor, ele será citado e no próprio ato de citação é
notificado para escolher a prestação (artigo 714º nº 1). Se porventura não escolher qual
é a prestação, o direito a escolhê-la passa a caber ao credor (artigo 714º nº 3). Questão
que se pode colocar: e se o prazo para escolher a prestação pelo devedor, se o houver,
já tiver decorrido antes da ação executiva? Nessa hipótese, parece que a escolha passa
a competir ao credor.
Cabendo a escolha a terceiro é ele notificado para escolher (artigo 714º nº 2) e
se não o fizer, a escolha passa para o credor (artigo 714º nº 3). A particularidade desta
hipótese é que se deverá entender que o prazo para a oposição à execução só começará
a correr a partir do momento em que a escolha seja feita, isto porque pode haver meios
de defesa que o devedor quer opor quanto à prestação em causa.
Se porventura a escolha já tiver sido feita antes da ação executiva, seja pelo
credor, devedor ou terceiro, então rigorosamente a obrigação já é certa no momento
do início da ação, em termos de Direito material. Nesse caso, aplica-se o regime do
artigo 715º nº 1 (prova complementar do título), ou seja, deverá o credor alegar e provar
a escolha que tenha sido feita.

b) Obrigações puras e a prazo

O segundo grupo de casos é de obrigações puras e sujeitas a prazo.


As obrigações puras são exigíveis a todo o momento, mas vencidas apenas
mediante interpelação (artigos 777º nº 1 e 805º nº 1 do CC). Importa distinguir se a
interpelação já foi feita antes da ação executiva, caso em que o credor deverá fazer
prova dela nos termos do artigo 715º do CPC. Se a interpelação não foi feita, a ação é
admissível considerando-se a obrigação vencida com a citação, mas podendo as custas
recair sobre o autor (artigo 610º nº 2 alínea b) e 3 ex vi artigo 551º nº 1).
Tratando-se de uma obrigação sujeita a prazo certo, o devedor só se considera
constituído em mora a partir do vencimento do prazo (artigo 805º nº 2 do CC). Até esse
momento, o devedor goza do benefício do prazo. Portanto, estas ações só serão
admissíveis após decorrido o prazo para o cumprimento. Na eventualidade de o prazo
já estar vencido, mas haver mora do credor, a ação executiva será admitida na mesma,
aplicando-se por analogia o regime de responsabilidade do exequente pelas custas
(artigo 610º nº 2 alínea b) e 3 do CPC).
Estando a obrigação dependente de prazo a fixar por tribunal, o exequente deve
requerer essa fixação. Pode fazê-lo nos termos dos artigos 1026º e 1027º. Se porventura
a execução fosse para prestação de facto, temos o regime especial do artigo 874º.

c) Obrigações sob condição suspensiva ou dependentes de prestação

O terceiro caso é o de obrigações sob condição suspensiva ou dependentes de


prestação. O que caracteriza a condição suspensiva, nos termos do artigo 270º do CC, é
que a constituição da obrigação está dependente da verificação do facto condicionante.
Por conseguinte, é necessário que na ação executiva se alegue e se prove a respetiva

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verificação. Tal é feito nos termos do artigo 715º do CPC. Isto obviamente se do título
não consta a verificação do facto condicionante. Nos termos do artigo 715º nº 1, o
credor deverá alegar a verificação do facto e prová-lo documentalmente. Se não puder
provar documentalmente, deverá oferecer as provas de que disponha (artigo 715º nº
2). Neste último caso, o juiz das duas uma: ou aprecia logo sumariamente e dá a
condição por verificada ou decide ouvir o devedor antes de tomar a decisão (artigo 715º
nº 3). Neste caso, é ele notificado para, no prazo da oposição à execução e no ato da
oposição à execução, contestar a alegação do exequente (artigo 715º nº 4 e 5). Se não
disser nada, considera-se a condição verificada.
Na eventualidade de o dever de prestar do devedor estar dependente de uma
prestação a realizar pelo credor ou por terceiro, dever-se-á seguir exatamente o mesmo
regime, ou seja, alegar e provar documentalmente que a prestação foi oferecida (artigo
715º). É este o regime que se aplica em termos executivos à exceção de não
cumprimento.

d) Falta de certeza ou inexigibilidade

No momento do controlo liminar da execução, se o juiz se deparar com uma falta


de certeza ou inexigibilidade, deverá fixar prazo para ela ser corrigida (artigo 726º nº 4).
Não o sendo, o requerimento executivo é indeferido (artigo 726º nº 5). Se porventura a
execução prosseguir indevidamente, poderá haver oposição à execução com
fundamento no artigo 729º alínea e).

Há duas últimas particularidades que importa fazer. A decisão que o tribunal


possa tomar acerca da verificação da condição suspensiva ou do facto condicionante ou
do oferecimento da prestação, isto é, a decisão que o tribunal possa tomar nos termos
do artigo 715º, apenas produz efeitos dentro da instância executiva, não tem valor de
caso julgado para outras ações. Isto corresponde à regra do artigo 91º nº 2 de que o
caso julgado não se estende às questões incidentais, como é o caso.
O regime do artigo 715º (prova complementar do título) pode aplicar-se a todos
os casos em que a lei admita ação executiva, sendo, porém, necessário fazer prova
complementar de algum ponto que não conste do título sem que, para isso, haja uma
tramitação especialmente prevista. Este procedimento é o do caso da sucessão da
titularidade da obrigação. Assim, este regime do artigo 715º funciona como regime
subsidiário para outro caso que não tenha regime especialmente previsto.

21.4.2. Liquidez
a) Lugar da liquidação

Passemos agora ao regime da liquidez. A obrigação é líquida quando está


quantificada/especificada e é ilíquida quando não o está. A liquidez pode ter lugar na
ação executiva, mas também pode ter lugar fora dela. Tem lugar fora dela nos seguintes
casos:
- tratando-se de uma sentença de condenação genérica, a liquidação tem lugar na ação
declarativa obrigatoriamente (artigo 704º nº 6). Nesse caso, a ação declarativa vai
renovar-se apenas para efeitos de liquidação (artigo 358º nº 2). Só é necessário que

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assim aconteça se se tratar de uma liquidação que não dependa de simples cálculo
aritmético. Se depender, pode logo haver lugar à ação executiva;
- quando é feita por árbitros (artigo 716º nº 6).

b) Liquidação na ação executiva

Não se verificando nenhuma destas hipóteses, o incidente da liquidação terá


lugar na própria ação executiva. Teremos então de distinguir 3 possibilidades:
- a liquidação estar depende de simples cálculo aritmético: bastará especificar e
quantificar a liquidação no requerimento executivo (artigo 716º nº 1). Se porventura
houver juros vincendos, eles serão liquidados apenas no final, pois só aí saberemos qual
foi o tempo decorrido (artigo 716º nº 2). Também no curso da ação executiva são
liquidadas as obrigações referentes a sanção pecuniária compulsória (artigo 716º nº 3);
- não estando a liquidação dependente de simples cálculo aritmético, o exequente
deverá especificar também no requerimento executivo os valores que considera
compreendidos na prestação (artigo 716º nº 1), só que desta vez o executado será
citado com a advertência de que, se nada disser, a obrigação se considera fixada nos
termos do requerimento executivo (artigo 716º nº 4). Ou seja, se nada disser, há o efeito
cominatório pleno, apenas com as exceções do artigo 568º ex vi artigo 716º nº 4 (casos
de revelia inoperante). Se porventura se opuser, a impugnação por parte do executado
será conhecida no âmbito da oposição à execução, seguindo-se os termos do processo
declarativo;
- a execução ter por objeto uma universalidade na posse do executado (no âmbito da
execução para entrega de coisa certa): é possível deduzir um pedido ilíquido, sendo a
liquidação feita só depois da apreensão dos bens (artigo 716º nº 7).

c) Falta de liquidez

Quanto às consequências da falta de liquidação, é um regime semelhante ao


visto anteriormente, em que o juiz, no momento de controlo liminar, deverá fixar prazo
para a liquidação, sob pena de indeferimento. Se porventura a liquidez subsistir para
além do fim da fase introdutória, é fundamento de oposição à execução (artigo 729º
alínea e)).

22. Na execução sumária. Particularidades

À forma sumária aplicam-se subsidiariamente as regras da forma ordinária


(artigo 550º nº 3). Contudo, uma das fases em que se encontram mais diferenças é na
fase introdutória da execução.
A primeira particularidade é que o requerimento executivo é imediatamente
remetido ao AE (artigo 855º nº 1). Segundo, não há, via de regra, controlo liminar pelo
juiz (artigo 855º nº 1). Terceiro, a competência para a recusa cabe ao agente de
execução (artigo 855º nº 2 alínea a)). Quarto, só se parecer ao AE provável a existência
de uma causa de indeferimento liminar é que deverá suscitar a intervenção do juiz
(artigo 855º nº 1 alínea b)). Não se verificando nenhuma destas hipóteses, o AE avança
imediatamente para a fase da penhora (artigo 855º nº 3). Só assim não acontece nos

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casos muito reduzidos do artigo 855º nº 5. Sendo a penhora realizada, o executado terá
o prazo de 20 dias para oposição à execução e oposição à penhora (artigo 856º nº 1).
O regime da forma sumária é, portanto muito mais expedito e muito menos
garantista do executado. Por essa razão, idealmente a forma sumária só deveria estar
reservada aos casos em que o título executivo, com altíssima probabilidade, garante o
acertamento da obrigação. Sabemos que não é rigorosamente assim. Para compensar o
eventual uso abusivo da forma sumária, a lei prevê no artigo 858º um regime especial
de responsabilidade do exequente que tenha iniciado uma execução sob a forma
sumária sem atuar com a prudência normal, portanto um regime para compensar uma
eventual ação temerária e de má fé. Aja ou não o exequente de forma infundada, o AE
tem o dever de recusar a execução quando não estejam reunidos os pressupostos,
podendo ter responsabilidade.

Secção II - Oposição à Execução


23.1. Noção

Citado para a ação, o executado pode opor-se ou pagar. O executado pode pagar
a todo o tempo. Não pagando, poderá opor-se à execução. Caso se oponha à execução,
terá lugar na ação executiva uma fase autónoma chamada oposição à execução ou
embargos de executado (artigos 728º e seguintes). Embargos designa a reação a uma
medida de natureza executiva: os embargos para se opor à ação executiva, os embargos
de terceiro para se opor à penhora e os embargos de obra nova. A oposição à execução
configura o meio próprio do executado para reagir à execução no seu todo. Se fosse um
terceiro a ser atingido pela execução, não podia recorrer à oposição à execução, quando
muito recorreria à oposição mediante embargos de terceiro. Se for para reagir à
penhora, o meio processual é a oposição à penhora.

23.2. Pedido. Fundamentos


a) Na execução fundada em sentença

Em que é que consiste a oposição à execução? Consiste numa ação declarativa


ou, se quisermos, numa contra-ação de natureza declarativa que, por um lado, é
autónoma e, por outro, é acessória da ação executiva e no âmbito da qual se pede a
extinção da execução. A prova de que é uma ação de declaração é que se inicia com uma
petição inicial pelo executado a que se segue a contestação pelo exequente, em que vão
discutir sobre a existência do fundamento de oposição invocado. Qual é o pedido da
oposição à execução? Só se admite que se formule um pedido que é a extinção da
execução, daí que ela seja acessória da ação executiva, não tem uma finalidade
autónoma, pelo que a oposição à execução não serve para deduzir pedidos
reconvencionais.
Se o pedido a formular é apenas um, já os fundamentos que podem ser
invocados para a oposição são vários. A lei delimita diferentes círculos de fundamentos
admissíveis. Quão mais forte for o título, menos fundamentos serão admissíveis e vice-
versa. O núcleo de fundamentos de oposição à execução que podem ser invocados em
qualquer execução é constituído pelos fundamentos de oposição à execução baseada
em sentença, é o círculo mais restrito de fundamentos. Encontra-se regulado no artigo
729º. Para efeitos de sistematização, dividimos estes fundamentos em 2 grupos:

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- de ordem processual, isto é, ligados ao processo (alíneas a) a d) e f)):


- inexistência ou inexequibilidade do título: há inexistência quando o título
executivo pura e simplesmente não existe ou quando seja apresentado um
documento que não tenha esse valor atribuído por lei. Falta de exequibilidade é
quando falta um qualquer elemento de que dependa a força executiva (por
exemplo, uma sentença condenatória pendente de recurso suspensivo);
- falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste quando um ou
outrem influam nos termos da execução: a falsidade remete para as hipóteses
constantes no artigo 372º nº 2 do CC, quando há uma adulteração do conteúdo
do documento. A infidelidade remete para os artigos 385º e 387º nº 1 do CC,
quando uma cópia não corresponde ao original. Esta alínea hoje terá pouca
aplicação, porque a execução corre nos próprios autos;
- falta de um pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância
executiva sem prejuízo do seu suprimento: trata-se de uma referência genérica
ao conjunto dos pressupostos processuais. Havendo falta de um pressuposto
processual, o juiz, ao abrigo do artigo 6º nº 2 (dever de gestão processual),
deverá prover pela regularização da instância. Quando tem poder para isso, ele
próprio regulariza; quando não tem, convida as partes a regularizar;
- falta ou nulidade da citação para a ação declarativa quando o réu não tenha
intervindo no processo: refere-se à falta ou nulidade da citação da ação
declarativa no âmbito da qual se proferiu a sentença. Este mesmo fundamento
serve também para o recurso extraordinário de revisão (artigo 696º alínea e)),
por ser um vício particularmente grave. Se porventura se tratar de falta de
citação para a ação executiva, então a consequência já não é apenas esta, mas
sim a anulação da totalidade da execução (artigo 851º) 14;
- caso julgado anterior à sentença que se executa: trata-se de uma decorrência
do artigo 625º que dispõe que, havendo casos julgados contraditórios, prevalece
o primeiro;
- de ordem material, isto é, ligados à própria obrigação exequenda (alíneas e) e g) a i)):
- incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda não supridas na
fase introdutória da execução: já visto anteriormente;
- qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação desde que posterior ao
encerramento da discussão no processo de declaração que se prove por
documento (alínea g)): temos de analisar 2 aspetos nesta norma – quais os factos
que podem ser invocados ao abrigo desta alínea e quais os meios de prova
admissíveis. A alínea g) trata somente de factos modificativos ou extintivos
posteriores ao encerramento da discussão. Por que é que a lei restringe aos
factos modificativos ou extintivos? Falta a categoria dos factos impeditivos. E por
que é que a lei restringe aos factos posteriores ao encerramento da discussão?
O momento relevante para efeitos preclusivos é o momento do encerramento

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Consequência/Falta de citação Na ação declarativa Na ação executiva


Na ação declarativa Nulidade de todo o processo a -
partir da petição inicial
Na ação executiva Fundamento de oposição à Anulação da execução (artigo
execução (artigo 729º alínea d)) 851º) a partir do requerimento
executivo

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da audiência (artigo 611º nº 1 parte final), a decisão do tribunal vale para a


situação de facto vigente no momento do encerramento da audiência. Na
contestação, o réu tem o ónus de concentrar a sua defesa e de impugnar. O que
se pretende é que todos os termos do litígio, tal como se conhecem neste
momento, sejam assim apresentados ao tribunal. Mas a sentença é proferida por
referência à situação de facto vigente no momento da sentença e não no
momento da contestação. Pergunta-se: como podem ser carreados para o
processo os elementos que não puderam ser demonstrados na petição inicial ou
na contestação? Podem fazê-lo através de articulados supervenientes sobre um
facto que se soube ou ocorreu entretanto. Não se pretende uma nova discussão
da causa, pois, se os factos puderam ser discutidos antes, ficou precludida a
possibilidade da sua alegação ou discussão posterior. Os factos impeditivos são
contemporâneos dos factos constitutivos, por sua própria natureza já se
verificaram antes do momento da sua discussão, por isso é que a lei não os
refere. Mas podemos fazer a seguinte pergunta: e os factos subjetivamente
supervenientes? Aí já poderia ser um facto impeditivo, o facto não é novo, mas
só se conheceu dele posteriormente. Neste ponto, a doutrina está dividida. Há
quem afirme (Lebre de Freitas e Miguel Teixeira de Sousa) que sendo possível
para o recurso de revisão invocar factos subjetivamente supervenientes, então
também é possível fazê-lo na oposição à execução (artigo 696º alínea c)). Há
quem diga (Alberto dos Reis e Rui Pinto) que não é possível fazê-lo na ação
executiva, mas somente no recurso de revisão, invocam exatamente a mesma
norma para dizer coisa diferente. A ideia é não complicar a ação executiva, deixar
para fora dela essa discussão do facto superveniente. Do ponto de vista do
professor Tiago Ramalho, temos de tomar posição em função dos critérios pré-
dados pela lei. Esta admite que possam ser carreados para a ação executiva
factos objetivamente supervenientes. Ora, por identidade de razão, deverá
admitir para os factos subjetivamente supervenientes, porque para o Direito não
interessa a realidade objetiva dos factos enquanto tal, interessa aquilo com que
os intervenientes do processo podem contar, importa se as partes podiam ou
não alegar esse facto. Por isso, justifica-se que o possa fazer, à semelhança dos
factos objetivamente supervenientes.
Esta alínea levanta uma 2ª questão: a parte final restringe os meios de prova
admissíveis para a invocação do facto modificativo ou extintivo, com exceção da
prescrição que pode ser provada por qualquer meio. A prescrição é um facto
extintivo, sendo que Lebre de Freitas diz que é um facto preclusivo, o tribunal
recusa-se a conhecer da causa. A lei fala apenas de prova por documento. Esta
restrição é objeto de crítica por uma razão facilmente compreensível: se numa
eventual ação declarativa não havia restrição aos meios de prova, por que é que
há de haver na oposição à execução quando sobre este facto não se produziu
nenhum efeito preclusivo? Não se compreende com facilidade por que é que se
dá um desajuste tão grande entre o Direito processual e o Direito material.
Temos assim 3 formas de lidar com o regime:
- efetivamente só se admite a prova documental, acrescentando-se a
prova por confissão nos casos previstos no artigo 364º nº 2 do CC. A forma
ad substantiam é essencial para a validade do ato, mas pode ser ad
probationem em que o é para a prova do ato. A primeira não pode ser

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substituída por confissão (artigo 364º nº 1). Quando serve apenas para a
prova, pode ser substituída por confissão (artigo 364º nº 2). Supondo que
não há outro meio de prova, nesse caso o executado teria de propor uma
ação declarativa de restituição do indevidamente prestado, ou seja, não
pode invocar outros meios de prova na ação executiva, porque ela não o
admite, mas continua a dispor deles, pedindo que lhe seja restituído o
que indevidamente lhe foi cobrado;
- é admissível a prova documental, por confissão e podemos admitir
ainda meios probatórios mais fortes, como a inspeção (o próprio juiz vai
ver) ou a peritagem/prova pericial (o perito vai lá ver). Esta é a posição
de Rui Pinto. O problema é, no ponto de vista do professor, não são meios
probatórios mais fortes, porque a força probatória da prova documental
é de prova plena e dos outros 2 meios é livre apreciação da prova.
Ultrapassada uma leitura literal da norma, o professor não sabe porque
se faz a distinção apenas em relação a estes meios de prova e não em
relação aos restantes admissíveis. Para esta posição, fora destes casos, o
executado só pode pedir uma ação declarativa para restituição do
indevido;
- depois temos a posição de Miguel Teixeira de Sousa, que diz ser
necessária a prova por documento quando for necessária. Ou seja,
sempre que da lei material decorrer que a prova por documento é
exigível, então o facto tem de ser provado assim. Quando isso não
decorrer da lei material, então não tem. Esta posição tira qualquer
sentido útil autónomo à alínea g), encontrando, ainda assim, algum
amparo na sua redação, tomando a parte pelo todo. O professor pensa
que esta posição deve ser a preferida, encontrando algum eco literal na
norma e sendo a forma mais equilibrada. Aqui já não haverá, em
princípio, nenhuma posterior ação para restituição do indevido.
São factos extintivos o cumprimento da obrigação (artigo 767º do CC) e a
caducidade por impossibilidade superveniente (artigo 790º nº 1). São
factos modificativos a dação em cumprimento (artigo 887º) e a novação
(artigo 857º);

Particularidades do regime da compensação

- contracrédito sobre o exequente com vista a obter a compensação (alínea h)):


esta norma mostra a absoluta irresponsabilidade do legislador nesta matéria e
tem dado muita controvérsia a nível doutrinal e jurisprudencial. Havia uma
proposta de alteração legislativa em que o grupo de trabalho apresentava um
regime que claramente dispõe de uma solução. Resultado: a reforma legislativa
ignora esta situação. É necessário atentar no regime material da compensação e
particularmente é preciso saber distinguir entre duas questões diferentes –
situação de compensabilidade e exercício da compensação. A primeira encontra-
se regulada no artigo 847º nº 1 do CC, criando-se o direito de compensar. A
situação de compensabilidade constitui o direito de compensar, que é um direito
potestativo. Para se produzir o efeito compensatório, é necessário que a
compensação seja exercida. Por isso, os créditos compensam-se não quando se

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verifica a situação de compensabilidade, mas apenas quando é exercido o direito


de compensação. Sendo exercido o direito de compensação, os seus efeitos
retroagem à data da situação de compensabilidade (artigo 854º). No Direito
europeu, há os dois modelos de regime: há regimes que dizem que a
compensação é automática e outros, como o português, dizem que depende de
declaração de compensação. Do ponto de vista processual, temos de distinguir
entre duas diferentes formas de fazer valer a compensação: se a compensação
já foi exercida fora do processo, então neste momento já não existe qualquer
direito a compensar, mas apenas um facto extintivo, aquilo que traz ao processo
é apenas o facto de que já se extinguiu o contracrédito, a chamada compensação
extrajudicial fica sujeita ao regime dos factos extintivos. Se ela foi exercida antes
da ação declarativa, está sujeita ao regime das exceções perentórias, então ela
tem de ser invocada na contestação, por causa do princípio da concentração da
defesa na contestação (artigo 573º nº 1 e 2 do CPC). Se ela foi exercida no
decurso da ação declarativa, mas fora do processo, caso se admita o seu
exercício, tem de ser feita valer por articulado superveniente (artigos 588º e
589º). Se a compensação extrajudicial foi feita valer depois do encerramento da
audiência e antes da ação executiva, ela fica sujeita ao regime do artigo 729º do
facto extintivo, ao abrigo da alínea g). Tudo isto até agora é pacífico. Como é que
se exerce a compensação judicial? Na ação declarativa, é feita valer mediante
reconvenção (artigo 266º nº 2 alínea c)). Na ação executiva, mediante o artigo
729º alínea h). Isto ainda é pacífico15. Imaginemos que a situação de
compensabilidade já se verificava antes do momento para a contestação e para
reconvenção, mas o direito de compensar não foi exercido. A pergunta que se
coloca é: fica precludida a possibilidade de compensar na ação executiva ou não?
Lebre de Freitas, Rui Pinto e muita jurisprudência entendem que, se a situação
de compensabilidade é anterior ao momento para a reconvenção, então há o
ónus de reconvir. Se não reconvém, já não pode exercer a compensação na ação
executiva. Miguel Teixeira de Sousa e muita jurisprudência entendem o
contrário: não há ónus de reconvir e mais, a diferença entre uma exceção e uma
reconvenção é que a primeira está sujeita ao ónus de ser arguida (princípio da
concentração da defesa na contestação) e uma reconvenção não, porque é uma
ação autónoma, vigora o princípio do pedido. Do ponto de vista do professor,
esta questão não tem a ver com a natureza das coisas, isto é uma opção em sede
legislativa, ou seja, não há nenhuma razão ontológica essencialista que nos
imponha um ou outro regime. Qualquer argumento do tipo de “da natureza da
compensação decorre isto” não tem valor. É admissível que seja fixado pelo
legislador um momento preclusivo final, com isto toda a gente concorda, só que
discordam quanto ao momento concreto. Não se colocando em causa que
dentro da sua liberdade limitada, condicionada, mas liberdade de determinar o
Direito, o legislador fixe como momento preclusivo eventualmente a
reconvenção, a questão é saber o que é que é razoável decorrer do regime
vigente, ou seja, quais são as consequências jurídicas que é razoável fazer

15Rui Pinto entende que a exigência de documento da alínea g) vale também para a alínea h). O professor
Tiago Ramalho acha que isso já não vale para a alínea g), mas ainda menos para a alínea h), não entende
como é que se faz uma exigência probatória prevista em lado nenhum. Há um brocardo antigo que diz
odiosa sunt restringenda (as normas odiosas devem ser restringidas).

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repercutir sobre as partes. O professor pensa que se podem dar 3 argumentos


que tornam irrazoável considerar que há uma preclusão de invocar a
compensação: 1- não há via de regra efetivamente qualquer tipo de ónus de
reconvir. Por conseguinte, a partir do momento em que o legislador estabelece
que a compensação opera por reconvenção sem precludir ao meio de defesa,
não é razoável que a parte vá perder a possibilidade de exercer esse direito no
futuro. Isto porque o meio processual adequado para o efeito não está associado
a qualquer preclusão. 2- há casos em que a lei prevê o ónus de reconvir, por
exemplo no artigo 860º nº 3 que é relativo ao direito de benfeitorias e diz que,
se não foi feito valer na ação declarativa, também não pode ser feito valer na
ação executiva. Daqui se pode extrair um argumento a contrario no sentido de
que, fora deste caso, não há ónus de reconvir. 3- a própria contraposição entre
as alíneas g) e h). Esta não tem nenhuma restrição da natureza da primeira.
Perante esta diferença de redação em duas normas para casos muito próximos,
o professor pensa que não é exigível que, nos termos da alínea h), se coloque a
restrição temporal. O professor inclina-se no sentido de achar que a melhor
solução é a do ónus de reconvir, só que não acha que isto decorra da lei tal como
está formulada.

b) Na execução fundada em sentença homologatória

Vamos começar agora a alargar o âmbito de fundamentos de oposição à


execução para a sentença homologatória – sentença que homologa a confissão do
pedido por parte do réu ou a transação por parte de autor e réu, absolvendo ou
condenando nos precisos termos (artigo 290º nº 3).
Tratando-se de sentença homologatória, é também fundamento de oposição à
execução qualquer causa de nulidade ou de anulabilidade do ato que é homologado
pelo tribunal (artigo 729º alínea i)).

c) Na execução fundada em sentença arbitral

Quando a execução tem por base uma sentença arbitral, nos termos do artigo
730º, é ainda possível invocar como fundamento de oposição à execução qualquer
fundamento de anulação da sentença arbitral. Os fundamentos de anulação da sentença
arbitral constam do artigo 46º nº 3 da LAV.
Esta possibilidade tem uma limitação constante do artigo 48º nº 2 da LAV, de
ordem temporal, ou seja, só pode haver oposição com este fundamento dentro do prazo
de 60 dias a contar da notificação da sentença.

d) Na execução fundada noutros títulos executivos

Para os outros títulos executivos, com exceção da injunção, vale o artigo 731º do
CPC, ou seja, é possível na ação executiva recorrer a qualquer meio de defesa previsto
para a ação declarativa. Como não houve nenhuma ação declarativa antes, não pode
haver preclusão dos meios de defesa.

Na execução fundada em injunção

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Merece tratamento especial a questão da injunção. O requerimento de injunção


ao qual se apôs fórmula executória constitui um título quase-judicial. Um autor
estrangeiro usava a designação “a injunção é um procedimento de titulação”. O efeito
prático pretendido com a injunção é o de poupar ao credor a necessidade de recorrer à
ação declarativa para que possa aceder à ação executiva. Ora, para que esta finalidade
seja satisfeita, é conveniente que haja uma preclusão dos meios de defesa do requerido
na própria ação executiva, sob pena de termos aquilo que se pretendia evitar ao escapar
à ação declarativa a acontecer em sede de oposição à execução.
Daí que o artigo 857º preveja que, tratando-se de execução fundada em
injunção, apenas se possa recorrer aos fundamentos de oposição à execução do artigo
729º. A estes casos, o artigo 857º acrescenta outros fundamentos possíveis de oposição
nos nº 2 e 3, mas apenas esses. Aliás, o artigo 731º começa por dizer “Não se baseando
a execução em sentença ou em requerimento de injunção”.
Este regime do artigo 857º foi declarado duas vezes inconstitucional com força
obrigatória geral a propósito de duas versões semelhantes da norma 16. O Acórdão do
Tribunal Constitucional nº 264/201517 tem uma redação um pouco desorganizada, mas
a argumentação do TC assentou em que o procedimento de injunção, tal como
concretamente delineado, não garantia o respeito pelo princípio da proibição da
indefesa (artigo 20º nº 1 da CRP). O TC destaca vários aspetos do procedimento de
injunção que poderiam merecer alguma crítica: o regime de notificação ao requerido, o
modo como a notificação é efetuada, o facto de não intervir nenhum juiz em todo o
procedimento. Disto tudo há um argumento que é particularmente forte: é que a
notificação para o cumprimento da obrigação, nos termos do regime legalmente
previsto, não advertia ao requerido de que, caso não se opusesse ao requerimento, veria
precludida a possibilidade de invocar meios de defesa na ação executiva. Se o requerido
não é advertido, não tem de suportar essa consequência.
Com as alterações de setembro que entram em vigor em janeiro de 2020, o
legislador introduziu alterações ao regime de injunção com vista a dotá-lo de
características tais que evitem o juízo de inconstitucionalidade. Que alterações foram
essas?
- a notificação para o cumprimento tem agora de referir expressamente os efeitos da
não apresentação de oposição, ou seja, a preclusão de meios de defesa, é o novo artigo
13º nº 1 alínea b) do anexo ao Decreto-Lei das AECOP18;
- o novo artigo 14º-A refere-se ao efeito preclusivo no nº 1 e no nº 2 preveem-se várias
exceções à preclusão, algumas que já constam do próprio CPC, outras que são novas.
O eixo central destas alterações é voltar a afirmar de forma muito clara a
preclusão de meios de defesa ao abrigo do artigo 729º do CPC, equiparando o
requerimento de injunção à sentença para efeitos de fundamentos da oposição à
execução.

16 Uma dessas vezes foi no Acórdão do TC nº 388/2013 relativamente à anterior versão do CPC.
17 “Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decide-se declarar a inconstitucionalidade, com força
obrigatória geral, da norma constante do artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela
Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, quando interpretada “no sentido de limitar os fundamentos de oposição
à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória”,
por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da
República Portuguesa.”
18 Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de setembro.

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Este regime novo é inconstitucional? O TC obviamente que ainda não se


pronunciou, mas o que se pode dizer é que é mais ou menos unânime do ponto de vista
doutrinal que tem de haver uma preclusão. Neste momento, o eventual objeto de
discussão é apenas quanto ao modo como o procedimento de injunção deve ser
considerado. Atendendo a estas alterações e à ampla simpatia para com estes regimes
doutrinais, o professor Tiago Ramalho pensa que este regime não virá a ser declarado
inconstitucional. Ao principal argumento dado pelo TC no último Acórdão este regime
já respondeu.
Estes já são regimes que são delineados sem grande preocupação de justiça
material, mas apenas de eficiência no funcionamento do sistema judiciário. Esta
alteração ao artigo 13º alínea b) do anexo ao Decreto-Lei, do ponto de vista do
professor, apenas resolve o problema no mundo ideal do Direito, pois um destinatário
comum de uma notificação percebe o exato sentido que decorre da frase? O professor
tem as suas dúvidas.

Nota para a injunção europeia

Diferente deste é o regime da injunção europeia, em que aplicamos apenas os


fundamentos da oposição previstos no Regulamento nº 1896/2006.

23.3. Tramitação
a) Prazo e particularidades de tramitação

Quanto ao prazo, a oposição à execução deve ser deduzida no prazo de 20 dias


(artigo 728º nº 1). Se porventura o fundamento da oposição à execução for
superveniente, este prazo conta-se a partir do facto superveniente ou do seu
conhecimento (artigo 728º nº 2). Havendo vários executados, o prazo decorre
autonomamente (artigo 728º nº 3 que refere que não se aplica o artigo 569º nº 2).
Do ponto de vista da tramitação processual, a ação de embargos tem certa
simplicidade. Tem despacho liminar (artigo 732º nº 1) e apenas se admitem dois
articulados (artigo 732º nº 2), que é a petição de embargos e a contestação. Não admite
reconvenção, pelo facto de o único pedido possível ser a extinção da execução. A
decisão da causa deverá ser tomada no prazo máximo de 3 meses a contar da oposição
(artigo 723º nº 1 alínea b)).
Por que é que o despacho liminar pode ser um fator de simplicidade processual?
Embora seja efetivamente um novo ato, permite afastar, à partida, oposições
infundadas, não permite praticar a seguir atos que vão ser eliminados. O professor
entende que, apesar de tudo, acaba por ser um fator de simplicidade, pelo menos para
a ação executiva.
A oposição à execução está, então, sujeita a despacho liminar, onde se vai decidir
do recebimento dos embargos: ou são admitidos ou não.

b) Efeitos do recebimento: suspensão e não suspensão

Pergunta-se: qual é o efeito do recebimento dos embargos sobre a ação


executiva? Em princípio, o recebimento dos embargos não suspende a ação executiva

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(artigo 733º nº 1). Contudo, admite-se o efeito suspensivo nos casos previstos nessa
mesma disposição:
- alínea a): prestação de caução, é uma garantia que pode ser prestada de diferentes
formas a favor do exequente (artigos 623º e seguintes do CC);
- alínea b): no caso particular de ter sido impugnada a genuinidade da assinatura do
embargante. Isto pode ser particularmente relevante no caso de documentos
particulares em que não há controlo prévio da assinatura. Isto antes de 2003 era
particularmente importante, pois era permitido o documento particular enquanto título
executivo. Hoje em dia trará mais problemas nos títulos de crédito;
- alínea c): impugnação da exigibilidade ou liquidez da obrigação exequenda quando o
juiz entenda justificada a suspensão da execução;
- alínea d): alínea introduzida em setembro de 2019, permite como fundamento de
oposição à execução as causas previstas no artigo 696º alínea e) (modificado em
setembro), que diz respeito às regras do recurso de revisão de sentença.
Verificada alguma destas causas a execução suspende-se, embora a suspensão
cesse se os embargos estiverem parados por mais de 30 dias por negligência do
embargante (artigo 733º nº 3).

A segunda consequência do recebimento dos embargos, mesmo que não se


suspenda, tem a ver com obstar a que o exequente ou qualquer outro credor sejam
pagos sem prestação de caução (artigo 733º nº 4).
Se tiver sido penhorada a casa de habitação efetiva do executado, pode este
requerer que a venda da casa de morada de família aguarde a decisão proferida em 1ª
instância (na ação de embargos), nos termos do artigo 733º nº 5. O requisito é a venda
poder causar prejuízo grave e dificilmente reparável.

23.4. Efeitos e valor da sentença

Quanto às consequências da procedência dos embargos, devemos distinguir as


consequências em sede executiva ou processual das consequências materiais.
Do ponto de vista executivo, a consequência da procedência da ação é a extinção
da execução (artigo 732º nº 4), naturalmente na medida do que tiver sido pedido, isto
também é uma consequência do pedido de embargos.
Ao nível material, a sentença de ação de embargos, quando tenha por
fundamento o regime material da obrigação exequenda, tem valor de caso julgado
material, uma vez transitada em julgado (artigo 732º nº 6), portanto é invocável dentro
e fora do processo. Nem sempre foi claro que este era o regime, a lei era omissa e isto
era uma questão discutida. Em ordens jurídicas estrangeiras, a ação de embargos não
tinha valor de caso julgado material, tinha efeito meramente intra-executivo, quem
quisesse discutir a questão material tinha de recorrer à ação declarativa. Atualmente
não há dúvidas no Direito português, porque primeiro a lei di-lo de forma expressa e
depois porque segue a tramitação da ação declarativa, contando com as mesmas
garantias.

Outras questões relacionadas com os efeitos da Oposição à Execução

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No processo sumário e na dispensa de citação prévia, o exequente pode ser


punido caso a oposição à execução seja procedente e ele não tenha agido com a
prudência normal (artigo 858º). Assim, a procedência da oposição à execução pode ter
consequências pessoais sobre o exequente.
Quid iuris se houver vários executados e apenas alguns recorrerem à oposição à
execução? A doutrina divide-se neste ponto. Miguel Teixeira de Sousa entende que a
decisão proferida aproveita aos restantes. Rui Pinto e Lebre de Freitas entendem o
contrário, que vale o princípio da personalidade. A questão gira em torno da
interpretação do artigo 634º nº 2 (rege a extensão do recurso aos não recorrentes).
Mesmo que não haja oposição à execução, o juiz poderá até ao 1º ato de
transmissão de bens conhecer das causas de indeferimento liminar (artigo 734º).

Secção III – Penhora


24. Noção geral e efeitos - limitação dos poderes de disposição; preferência a favor do
exequente; apreensão de bens

A questão de saber quando se inicia a fase da penhora é regulada no artigo 748º


nas suas várias alíneas. Em princípio, numa execução ordinária, a fase da penhora inicia-
se ou depois de decorrido o prazo para a oposição à execução (artigo 748º nº 1 alínea
b)) ou depois de recebida a oposição sem efeito suspensivo (artigo 748º nº 1 alínea c)).
Em princípio, a fase da penhora correrá paralelamente à fase da oposição à execução
que está a ser tramitada.
A penhora consiste fundamentalmente na afetação de certos bens do devedor
executado à finalidade da execução. A penhora tem essencialmente 3 efeitos:
- do ponto de vista jurídico, a penhora limita os poderes de disposição do titular dos
bens. A partir do momento em que a penhora é efetuada, são inoponíveis à execução
quaisquer atos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados (artigo
819º do CC). Os juristas alemães distinguem entre negócios jurídicos obrigacionais
aquisitivos e negócios jurídicos dispositivos, sendo a modalidade mais importante
dentro desta categoria o negócio real, mas verdadeiramente o negócio dispositivo é
sobre a titularidade de um qualquer direito, seja ou não real. Por exemplo, a cessão de
créditos não é real, mas é um negócio dispositivo, transmite a titularidade do crédito. A
particularidade dos negócios dispositivos é serem negócios para cuja eficácia ser
necessário que o disponente seja titular do bem de que dispõe e tenha poderes de
disposição sobre ele. Embora o executado continue a ser o titular dos bens, embora
possa dispor dos bens, estes atos serão inoponíveis à execução. Se a penhora for
levantada, os atos conservam a sua eficácia. Se se proceder à venda executiva, os atos
de disposição feitos pelo executado ficam sem qualquer efeito em absoluto. Aqui
aplicaremos o regime da venda de bens alheios (artigo 892º). Temos, portanto, uma
limitação em termos de inoponibilidade relativa e não absoluta. Com esta ineficácia
relativa pretende-se que a futura venda executiva seja eficaz, por causa do princípio da
prioridade temporal na constituição de direitos reais;
- a penhora cria uma preferência a favor do exequente, este tem o direito a ser pago
com preferência a qualquer credor sem garantia real anterior (artigo 822º nº 1). É
graduado por referência à data em que obteve a penhora. Esta preferência não tem

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qualquer valor na insolvência (artigo 140º nº 3 do CIRE19). Na eventualidade de haver


um arresto decretado anteriormente, a data da preferência é a do arresto e não a da
penhora. Do ponto de vista prático, o arresto é como se fosse uma penhora antecipada
ou temporária (artigo 822º nº 2 do CC);
- com a realização da penhora, limita-se os poderes fácticos do executado sobre os seus
bens. O executado, em princípio, será privado da posse imediata dos seus bens, ou seja,
é na penhora que se começa a sentir, do ponto de vista fáctico, a violência da ação
executiva. O executado ainda é titular, mas já não frui dos seus bens. Em princípio, é o
depositário quem irá exercer estes poderes de facto.

25. Penhorabilidade

Que bens é que podem ser penhorados? Para determinarmos a penhorabilidade


dos bens, convém distinguir entre fatores positivos e negativos:
- fatores positivos: quais os bens que, em princípio, são penhoráveis;
- fatores negativos: dentro dos bens que, em princípio, são penhoráveis quais são
aqueles cuja penhorabilidade é excetuada, sendo que vai funcionar a regra de que são
penhoráveis todos os bens, exceto os previstos pela lei.

25.1. Fatores positivos

Devemos distinguir um elemento objetivo e subjetivo para verificar quais os bens


penhoráveis.
Do ponto de vista subjetivo, são penhoráveis bens do devedor (artigo 735º nº 1
primeira parte do CPC) ou de terceiro quando:
1- responda nos termos do regime material (artigo 735º nº 1 segunda parte);
2- e a execução tenha sido movida contra ele (artigo 735º nº 2).
Do ponto de vista objetivo, são apenas penhoráveis os bens suscetíveis de
penhora (artigos 735º nº 1 segunda parte do CPC, e 817º e 601º do CC). A noção que se
costuma dar é de que são os bens de natureza patrimonial e diz-se que são bens de
natureza patrimonial aqueles que são suscetíveis de avaliação em dinheiro. O professor
Tiago Ramalho pensa que este não é o modo mais pertinente de avaliar a
patrimonialidade, porque o que interessa não é a suscetibilidade de os bens serem
avaliados em dinheiro, mas sim a suscetibilidade de serem executados por terceiro. Um
bem pode ser executado por terceiro se puder ser transmissível ou se o seu conteúdo
puder ser aproveitado por terceiro. Sendo assim, abstratamente são suscetíveis de
penhora todos os bens do devedor suscetíveis de serem transmissíveis ou suscetíveis de
um aproveitamento do conteúdo por terceiro. Sendo assim, são imediatamente
excluídos de possibilidade de penhora os bens inalienáveis (artigo 736º alínea a) do CPC)
e os bens do domínio público do Estado (artigo 736º alínea b)). Alguns exemplos de
direitos inalienáveis são o direito de uso e o direito de habitação (artigo 1488º do CC),
as servidões prediais se se pretender que sejam transmitidas autonomamente (artigo
1545º), a locação (artigo 1038º alínea f)), entre outros. Fora destes casos em que a lei

19 “Na graduação de créditos não é atendida a preferência resultante de hipoteca judicial, nem a
proveniente da penhora, mas as custas pagas pelo autor ou exequente constituem dívidas da massa
insolvente.”

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excetua a transmissibilidade de certos direitos, em princípio, todos os bens do devedor


ou terceiro que possa responder respondem pela obrigação exequenda.

25.2. Fatores negativos (impenhorabilidades)

A estes fatores positivos temos agora de excetuar os bens impenhoráveis.


Importa antes perceber qual é a lógica subjacente ao conjunto do regime. Na execução,
aquilo que encontramos é o sacrifício de certos bens do executado para satisfazer uma
pretensão do exequente. Via de regra, teremos aqui um conflito entre 2 conjuntos de
bens de ordem patrimonial. Sacrificam-se certos bens patrimoniais do executado para
satisfazer um outro bem, uma pretensão, também ele de natureza patrimonial. O
problema é que o património pode desempenhar uma função que, em si, já não é de
natureza patrimonial, mas de natureza pessoal. A parte do património destinada à
subsistência do devedor, muito embora conserve essa natureza patrimonial, está ao
serviço da proteção de valores de outra ordem de grandeza. Por conseguinte, se a
execução pudesse incidir irrestritamente sobre o património do devedor,
verdadeiramente já não estaria apenas a sacrificar bens de ordem patrimonial, mas sim
bens, no que toca à sua função, de ordem pessoal. A finalidade do regime das
impenhorabilidades é justamente evitar que, para sacrificar um bem jurídico menor, que
é o património, se coloque em causa um bem jurídico maior que é a dignidade do
executado. A finalidade dos regimes de impenhorabilidade é evitar que a esfera do
económico não domine a esfera pessoal (Michael Walzer).

Justificação do regime de impenhorabilidade

O regime das impenhorabilidades certamente que não é um ato de


condescendência que é feito ao executado, visa defender aquele que, do ponto de vista
constitucional, é o bem jurídico mais forte que é a dignidade da pessoa. Por essa razão,
se porventura este regime não estiver devidamente delimitado, o regime da ação
executiva corre o sério risco de ser inconstitucional por violação do princípio da
proporcionalidade (artigo 18º nº 2 da CRP).
O que se visa também com o regime da impenhorabilidade não é garantir o
mínimo faticamente necessário para a subsistência, mas o mínimo socialmente
aceitável.
Podemos ver o regime das impenhorabilidades como o regime que delimita o
máximo de poder de agressão da comunidade política para satisfação de posições
jurídicas privadas, é uma espécie de escudo de proteção da pessoa perante a
comunidade. Este é o regime de proteção que, no limite, existe contra o erro judiciário.
Aquele que é condenado mal numa sentença, no limite, é apenas protegido através
deste regime.

25.2.1. Impenhorabilidade absoluta

Quanto aos casos particulares de impenhorabilidade, temos a primeira categoria


de impenhorabilidade absoluta (artigo 736º do CPC):
- alíneas a) e b): são o reverso negativo da regra geral de penhorabilidade;

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- alínea c): objetos cuja apreensão seja ofensiva dos bons costumes, como a apreensão
de diários, vídeos familiares, a aliança de casamento;
- alínea d): objetos especialmente destinados ao exercício de culto público, sendo este
o culto religioso, é uma regra de proteção da liberdade religiosa. São exemplos as vestes
religiosas ou um cálice;
- alínea e): túmulos, protege-se a memória post mortem;
- alínea f): objetos indispensáveis a deficientes e doentes;
- alínea g): animais de companhia, norma introduzida em 2017, mas esta norma não é
para proteger os animais, mas sim os donos de animais.
Não é impenhorável a casa de morada de família, não goza desse regime no
Direito Civil. Desde 2016 (Lei nº 13/2016), curiosamente ela está prevista no Direito
Fiscal como impenhorável dentro de determinadas condições. Fora deste regime do
CPC, é de referir a impenhorabilidade do crédito a alimentos (artigo 2008º do CC).

25.2.2. Impenhorabilidade relativa

A segunda categoria é a de impenhorabilidade relativa, são bens que por si são


penhoráveis, mas que, quando tenham certa afetação específica, não o podem ser
(artigo 737º):
- nº 1: bens de entidades públicas ou concessionárias de obras ou serviços públicos
afetos a fins de utilidade pública, não podem ser penhorados salvo se forem objeto de
garantia real;
- nº 2: instrumentos de trabalho ou objetos indispensáveis ao exercício de atividade de
formação profissional, mas com algumas exceções. São exemplos a biblioteca jurídica
do advogado ou as ferramentas de um carpinteiro;
- nº 3: bens imprescindíveis a qualquer economia doméstica que se encontrem na casa
de habitação efetiva do executado, com a exceção de se tratar de uma execução
destinada a pagar o preço da sua aquisição ou reparação. Esta regra pede duas
especificações. Desde logo, trata-se de bens essenciais a qualquer economia doméstica,
portanto não é à economia doméstica do executado, por exemplo não cabem aqui
aspiradores que funcionam automaticamente. Depois é necessário adotar um padrão
qualitativo, não se trata de uma essencialidade em termos de sobrevivência, mas em
termos de padrões sociais de aceitabilidade. Assim, deve recorrer-se a um padrão
mínimo de dignidade social.

25.2.3. Impenhorabilidade parcial

A terceira categoria é de impenhorabilidade parcial (artigos 738º e 739º):


- artigo 738º nº 1: créditos que visem assegurar a subsistência do executado na vertente
da sua capacidade aquisitiva. Enquadram-se aqui rendimentos periódicos (vencimentos,
salários, subsídios, prestações a título de seguro) e também rendimentos não periódicos
(serviços pagos por recibos verdes, indemnização por despedimento, direitos de autor).
Consideram-se ingressos económicos pecuniários da esfera do executado. Pode-se
colocar aqui a questão das indemnizações por acidente: o artigo 78º20 da Lei nº 98/2009
(lei relativa aos acidentes de trabalho) dispõe que as indemnizações por acidente são

20“Os créditos provenientes do direito à reparação estabelecida na presente lei são inalienáveis,
impenhoráveis e irrenunciáveis e gozam das garantias consignadas no Código do Trabalho.”

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impenhoráveis. O artigo 12º do Decreto-Lei nº 329-A/95 previu que não são invocadas
em processo civil as disposições constantes de legislação especial que criem
impenhorabilidades absolutas. Este Decreto-Lei é uma reforma do CPC, mas vigora
apenas para as impenhorabilidades já previstas ou continua a vigorar para as que sejam
incluídas depois em legislação especial? Ou entendemos que este Decreto-Lei vigora
apenas para as impenhorabilidades já previstas antes da sua entrada em vigor ou, caso
entendamos que esta norma continua a produzir efeitos (o que professor Tiago Ramalho
acha duvidoso), das duas uma – ou entendemos que as indemnizações são
impenhoráveis nos termos do artigo 738º (o professor não concorda), ou entendemos
que são impenhoráveis por uma de três razões: seja por identidade de razão com o
artigo 736º alínea f); o artigo 738º prevê casos de acréscimo de rendimento e a
indemnização não é um acréscimo, é uma reparação; inconstitucionalidade por violação
do princípio da dignidade da pessoa humana. Os tribunais, neste ponto, estão divididos.
Obviamente que se justifica que a indemnização seja penhorável se tiver uma dimensão
remuneratória, nessa parte deve ser penhorada; na parte que serve apenas para
compensar, o professor não entende que se possa penhorar. Estes rendimentos sujeitos
ao artigo 738º podem ser penhoráveis como? Prevê-se uma regra geral e depois uma
série de limites. A regra geral é a de que são impenhoráveis 2/3 da parte líquida depois
de considerados os descontos legalmente obrigatórios (artigo 738º nº 2). Mas esta regra
é corrigida: a impenhorabilidade tem o limite máximo de 3 salários mínimos e não se
pode penhorar abaixo do salário mínimo (artigo 738º nº 3). Se a pessoa tiver várias
fontes de rendimento, estes limites só se consideram uma vez. Atualmente o salário
mínimo é de 600€, nos termos do artigo 2º21 do Decreto-Lei nº 117/2018. No caso
particular da execução por alimentos, o valor da impenhorabilidade é a quantia
equivalente à totalidade da pensão social do regime não contributivo, conforme decorre
do artigo 738º nº 4. Na execução por alimentos o valor é mais baixo, o exequente propõe
a ação com vista a exercer um direito essencial para sobreviver, é um conflito entre
direitos pessoais. Estes limites podem ser modificados pelo juiz (artigo 738º nº 6), pode
reduzir a parte penhorável e pode isentar da penhora até ao máximo de 1 ano. Um
exemplo de facto que pode implicar a modificação das regras é o executado ter um filho
a estudar na faculdade deslocado de casa;
- artigo 739º: dinheiro ou saldos bancários. A lei prevê aqui 2 regimes. Se o dinheiro ou
saldo bancário provier de algum dos rendimentos referidos anteriormente, fica sujeito
a esse regime de impenhorabilidade. Naturalmente que, se o executado começa a
poupar esse valor e a acumular, a poupança é penhorável, desde logo porque já não é
essencial para a sua vida corrente. Se porventura não se identificar a fonte do
rendimento ou não for uma daquelas referidas, a impenhorabilidade de dinheiro ou
saldo bancário é de um salário mínimo nacional (artigo 738º nº 5).

Qual é a lógica deste regime? É facilmente identificável, tem em vista


essencialmente duas coisas: desde logo, proteger o mínimo essencial à subsistência,
mas como é que se garante? Pela proteção do salário mínimo nacional. O regime visa

21“O valor da retribuição mínima mensal garantida a que se refere o n.º 1 do artigo 273.º do Código do
Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, é de (euro) 600.” Contudo, o Decreto-Lei nº
167/2019 prescreve que “O valor da retribuição mínima mensal garantida a que se refere o n.º 1 do artigo
273.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, é de (euro) 635.”, a entrar
em vigor no dia 1 de janeiro de 2020.

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ainda dar algum incentivo ao executado para que continue a sua atividade produtiva, é
por essa razão que se permite que o executado aufira algum rendimento acima do
salário mínimo. Com efeito, se assim não acontecesse, o executado tinha o incentivo
económico a abdicar da sua atividade produtiva. A questão é que a lei, sobretudo na
parte de proteção do mínimo de subsistência do executado, para cumprir a sua
finalidade, pressupõe que o salário mínimo nacional garante um mínimo de
subsistência, mas este é um problema anterior ao processo civil. Se o valor do salário
mínimo for praticamente igual ao salário estatisticamente mais frequente, isto pode ter
um efeito negativo que é o de fazer com que a classe média baixa não aceda ao crédito,
vivendo numa situação de fragilidade completa.

25.2.4. Impenhorabilidade convencional

Nos termos do artigo 602º do CC, é possível convencionar a limitação da


responsabilidade do devedor a apenas parte dos seus bens. Se isto acontecer, se outros
bens foram impenhorados, estamos numa hipótese de impenhorabilidade
convencional, ou seja, decorrente de acordo entre as partes. Um outro exemplo de
impenhorabilidade convencional é a cessão de bens a credores (artigo 833º).

25.3. Penhorabilidade subsidiária


25.3.1. Benefício da excussão prévia (penhorabilidade subsidiária subjetiva)

A estes casos de impenhorabilidade em que os bens pura e simplesmente não


podem ser penhorados, devemos acrescentar agora uma nova categoria –
penhorabilidade subsidiária. Nestes casos, há certos bens que só respondem em
segunda linha. Eles efetivamente podem responder pela dívida, mas em primeiro lugar
há outros que vão responder. Podemos agrupar aqui 4 casos: o regime da excussão
prévia, a penhorabilidade subsidiária objetiva, as garantias reais, e a casa de morada de
família e estabelecimento comercial.

O regime da excussão prévia (artigo 745º do CPC) encontra-se previsto, em


primeira linha, para a fiança, mas também pontualmente para outras realidades, por
exemplo o sócio de uma sociedade civil (artigo 997º nº 1 do CC), o sócio de uma
sociedade em nome coletivo (artigo 175º nº 1 do CSC22) e os sócios comanditados nas
sociedades em comandita civis (artigo 465º nº 1 do CSC23).
Destes casos, o que mais nos interessa é o caso da fiança. No regime da fiança, o
fiador, nos termos do artigo 638º nº 1 do CC, pode recusar cumprimento da obrigação
enquanto não forem excutidos os bens do devedor principal. Excutido significa
esvaziado, ou seja, enquanto não se esvaziar o património do devedor principal, através
da execução. Este regime, contudo, não é um regime imperativo, podendo ser

22 “Na sociedade em nome coletivo o sócio, além de responder individualmente pela sua entrada,
responde pelas obrigações sociais subsidiariamente em relação à sociedade e solidariamente com os
outros sócios. “
23 “Na sociedade em comandita cada um dos sócios comanditários responde apenas pela sua entrada; os

sócios comanditados respondem pelas dívidas da sociedade nos mesmos termos que os sócios da
sociedade em nome coletivo.”

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renunciado por vontade do fiador (artigo 640º). Não é esse o único caso em que há
benefício de excussão prévia, mas é o principal.
Qual é o resultado prático da invocação do benefício da excussão prévia? O
resultado prático é que permite que os bens do fiador sejam executados apenas
subsidiariamente. Inversamente, se não houver benefício da excussão prévia, eles
respondem da mesma forma que respondem os bens do devedor principal. Importa
notar que este benefício não é reconhecido na fiança mercantil, mas só na fiança civil.
Nos termos do artigo 101º do CCom24, a fiança mercantil não está associada a esta
característica de regime.
Para que o benefício da excussão prévia seja feito valer, é necessário que o fiador
pratique certos atos. Se for demandado na ação declarativa, deverá, nos termos do
artigo 641º do CC, fazer uma de duas coisas: ou pedir a intervenção do devedor principal
ou, se o não fizer, declarar que não renuncia ao benefício da excussão prévia (artigo
641º nº 2). Se o fiador for demandado e não chamar o devedor principal, nem renunciar
ao benefício da excussão prévia, é sujeito a ele. Já na ação executiva, se o fiador for
demandado, deverá invocar o benefício da excussão prévia (artigo 745º nº 1 do CPC),
sob pena de não se aplicar o regime de responsabilidade subsidiária. Para invocar o
benefício da excussão prévia tem o prazo previsto para a oposição à execução. Do ponto
de vista processual, bastará o simples requerimento a invocar o benefício. Podemos,
assim, configurar 3 diferentes hipóteses:
- ação movida em simultâneo contra o devedor principal e contra o fiador: neste caso,
se o fiador invocar o benefício da excussão prévia, penhoram-se apenas os bens do
devedor principal e, só se eles forem insuficientes, é que se avança para os bens do
devedor subsidiário;
- ação movida apenas contra o fiador: neste caso, se invocar o benefício da excussão
prévia, o exequente pode requerer a citação do devedor principal (artigo 745º nº 2).
Executam-se os bens do devedor principal e, só na sua falta, os do fiador. É uma hipótese
de litisconsórcio sucessivo formado no decurso da ação. Para que o exequente possa
exigir a citação do devedor principal, é preciso que tenha título executivo contra ele;
- ação movida apenas contra o devedor principal: neste caso, se os seus bens se
revelarem insuficientes, poderá o exequente requerer a citação do devedor subsidiário
(artigo 745º nº 3), desde que tenha título executivo contra ele. Esta é a única hipótese
em que não poderá, apesar de juridicamente o poder ter, usar o benefício da excussão
prévia, porque já foram executados os bens do devedor principal. Se não houver
benefício da excussão prévia, então pode executar livremente o fiador.
Rui Pinto designa este caso de penhorabilidade subsidiária subjetiva.

25.3.2. Penhorabilidade subsidiária objetiva (745.º, 5)

A penhorabilidade subsidiária objetiva dá-se quando certos bens respondem em


segundo lugar pelas dívidas. Essa hipótese é regulada no artigo 745º nº 5. O que se prevê
é que a execução se deverá iniciar pelos bens que respondam primariamente (artigo
745º nº 5 a contrario), podendo exigir-se a imediata responsabilidade dos bens que só
respondem subsidiariamente quando seja manifesta a insuficiência dos bens que
respondem prioritariamente. Um exemplo de hipótese que se reconduz a esta norma é

24“Todo o fiador de obrigação mercantil, ainda que não seja comerciante, será solidário com o respetivo
afiançado.”

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o artigo 198º nº 2 do CC relativo à responsabilidade por dívidas de associações sem


personalidade jurídica.

25.3.3. Garantias reais

Se houver garantia real constituída, importa fazer uma distinção base. Se o bem
objeto da garantia pertence ao devedor, isto é, se a mesma pessoa é simultaneamente
devedora do executado e titular do bem objeto da garantia, a penhora deverá incidir
sobre o bem (artigo 752º nº 1 do CPC), só incidindo sobre outros bens se este primeiro
se revelar insuficiente. Este regime concretiza, do ponto de vista processual, a
possibilidade que consta do artigo 697º do CC.
Se o bem objeto da garantia não pertence ao devedor, já não há regime de
penhorabilidade subsidiária e o exequente pode escolher quais bens executar. Segundo
Lebre de Freitas, “Esta regra de penhorabilidade subsidiária não tem lugar quando,
incidindo a garantia sobre bem de terceiro, a propositura da execução tenha lugar só
contra o devedor ou o exequente nomeie à penhora bens deste; e cessa quando, por
forma válida segundo a lei civil, tenha lugar a renúncia à garantia real constituída. Nestes
casos, o exequente pode, desde logo, fazer incidir a penhora em outros bens do
devedor.”

25.3.4. Habitação própria permanente do executado e estabelecimento comercial

A habitação própria permanente do executado está sujeita a uma moratória


especial, nos termos do artigo 751º nº 4 (na nova redação do CPC). Se o objeto da
execução for esta habitação, importa fazer uma distinção. Se a execução for de valor
igual ou inferior ao dobro da alçada do tribunal de 1ª instância, o direito sobre o imóvel
no qual habita só pode ser penhorado se presumivelmente não for possível satisfazer a
obrigação exequenda com outros bens no prazo de 30 meses. Por isso é que isto é uma
moratória, se não for durante este período, pode penhorar. O regime antigo estava no
artigo 751º nº 3 alínea a) que previa um prazo de 12 meses. Atualmente, nos restantes
casos, quando a obrigação exequenda tiver um valor superior ao dobro da alçada do
tribunal de 1ª instância, temos o prazo de 12 meses. Quando esta lei foi proposta ao
Parlamento, um dos pontos que se refere na exposição de motivos que propõe a
alteração da lei é a tutela do executado e da casa de morada de família. Olhando o
regime tal como ele está apresentado, a lei não corresponde à exposição de motivos,
porque reforçou a tutela até aos 10.000€, aumentou para 30 meses, mas onde antes
tínhamos 18 meses, temos agora 12 meses. Ou temos uma exposição de motivos que,
por negligência, não justifica as alterações legais, ou temos uma exposição de motivos
altamente enganadora.
Quanto aos outros bens imóveis ou estabelecimento comercial, esta moratória
é de 6 meses (artigo 751º nº 3 na nova redação).

25.4. Restrição de penhorabilidade contra herdeiro

A restrição da penhorabilidade a apenas certos bens do executado é uma


hipótese difícil de enquadrar nas categorias anteriores, tratamos aqui da execução
contra herdeiro. Para compreendermos este regime, temos de ter presente o regime

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material da responsabilidade do herdeiro pelas dívidas da herança. Nos termos do artigo


2071º do CC, a responsabilidade dos herdeiros pelas dívidas da herança está limitada
aos bens que tenham recebido na sucessão. Esta regra tem a sua tradução processual
no artigo 744º nº 1 do CPC que diz justamente que, na execução contra o herdeiro, só
se podem penhorar os bens que recebeu do autor da sucessão.
Temos de introduzir aqui um segundo aspeto que será essencial para o desfecho
prático de uma ação contra um herdeiro: uma das dificuldades deste tipo de ação é
justamente a de saber quais foram os bens que o herdeiro recebeu do autor da
sucessão. Tendo em vista este problema, o próprio CC prevê a possibilidade de o
herdeiro aceitar a herança de duas formas diferentes com enormes consequências em
sede processual:
- o herdeiro pode aceitar a benefício de inventário (artigo 2071º nº 1 do CC): esta
modalidade que tem como consequência abrir-se um processo de inventário no qual se
apuram os bens e as dívidas. Esse processo é presentemente tramitado nos cartórios
notariais, sendo que a partir de janeiro volta para os tribunais com opção dos cartórios.
Há um terceiro que intervém, há um controlo objetivo acerca dos bens que integram a
herança. Qual é a grande vantagem que o herdeiro adquire aceitando a benefício de
inventário? Se aceitar a benefício de inventário, só respondem pelas dívidas da herança
os bens inventariados, tendo os credores o ónus de provar que o herdeiro recebeu
outros bens (artigo 2071º nº 1 segunda parte). Nesta hipótese, se forem penhorados
bens diferentes dos inventariados, o executado poderá requerer levantamento da
penhora (artigo 744º nº 2 do CPC). Se o exequente se opuser, bastará ao executado
apresentar certidão do processo de inventário para obter o levantamento da penhora.
Este meio processual não é rigorosamente uma oposição à penhora, mas uma oposição
mediante requerimento, é uma tramitação mais simplificada;
- o herdeiro aceita pura e simplesmente (artigo 2071º nº 2 do CC): neste caso, é o
herdeiro que tem o ónus de provar que na herança não há bens suficientes para
satisfazer o exequente. Do ponto de vista processual, deverá, caso sejam penhorados
bens diferentes daqueles que recebeu do autor da sucessão, requerer o levantamento
da penhora (artigo 744º nº 2 do CPC) e, se o exequente se opuser, deverá demonstrar
que os bens penhorados não provieram da herança e que não recebeu mais bens da
herança do que aqueles que tenha indicado ou que, se os recebeu, aplicou-os para
satisfazer as dívidas da herança (artigo 744º nº 3). Esta oposição é feita na oposição à
penhora.
O aspeto central aqui é, aceitando pura e simplesmente, o ónus da prova recai
sobre o executado. Este tem, então, de provar um facto negativo, prova essa
praticamente impossível. Por essa razão, quando uma herança é aceite pura e
simplesmente, embora juridicamente só responda com os bens que recebeu,
materialmente a responsabilidade pode tornar-se ilimitada por não conseguir provar
que não recebeu mais bens. Tavares de Sousa diz que a abertura do processo de
inventário funciona como um seguro. É necessário pagar o valor relativo ao processo,
mas tem-se a garantia de que a responsabilidade tem um limite que é o do valor dos
bens que recebeu. Inversamente, a aceitação pura e simples, não envolvendo qualquer
custo, traz consigo o risco de haver dívidas do de cujus desconhecidas, não se
conseguindo provar que os bens são suficientes para fazer face às dívidas.

25.5. Execução de dívidas conjugais

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25.5.1. Referência ao regime material subjacente

A execução de dívidas conjugais é um regime com grandes particularidades


decorrentes do regime material do Direito matrimonial. Levanta grandes problemas por
duas razões: a eventual existência de dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges
e a existência do Direito matrimonial patrimonial de vários regimes de bens,
particularmente os regimes de comunhão geral e de comunhão de adquiridos. Estes
regimes levantam problemas próprios porque neles existe uma massa de bens comum
a ambos os cônjuges.
Há duas normas do regime material que relacionam estes dois aspetos e que são
relevantes como pressuposto da aplicação das regras do processo civil:
- artigo 1695º nº 1 do CC: pelas dívidas comuns respondem, em primeiro lugar, os bens
comuns do casal e, subsidiariamente, os bens próprios de cada cônjuge;
- artigo 1696º nº 1 e 2: pelas dívidas próprias de cada um dos cônjuges respondem os
bens próprios, em primeiro lugar, e, subsidiariamente, a meação dos bens comuns.
Também se aplica este regime nos casos em que a dívida é comum, mas na ação
declarativa anterior não se citou o outro cônjuge nos termos do artigo 34º nº 3 do CPC.

25.5.2. Execução movida apenas contra um dos cônjuges

Quais são as particularidades das dívidas dos cônjuges na ação executiva?


Devemos agrupá-las em dois grupos: execução movida apenas contra um dos cônjuges
e o regime dos incidentes de comunicabilidade de dívida.

A execução movida apenas contra um dos cônjuges (artigo 740º25) é a eventual


penhora de bens comuns do casal. Na ação executiva só se penhoram bens do
executado, se se penhoram bens do casal que inclui um cônjuge não executado, violam-
se as regras básicas. Sendo penhorados bens comuns, o cônjuge é citado para requerer
a separação de bens (artigos 1767º e seguintes do CC) ou então juntar certidão
comprovativa da pendência da ação em que a separação foi requerida. Só havendo

25 Diz-nos Lebre de Freitas o seguinte: “Simplesmente, há que atender, na ordem a observar na penhora,
à diferença dos regimes substantivos aplicáveis:
a) sendo a dívida da responsabilidade exclusiva do executado, a penhora deve começar pelos bens
próprios dele e só depois pode ser penhorada a meação;
b) sendo a dívida comum e havendo título executivo contra ambos os cônjuges, a penhora deve começar
pelos bens comuns e, só na sua falta ou insuficiência, pode incidir sobre bens próprios. Só se não houver
bens comuns, é que se justifica a propositura da execução contra um dos obrigados no título;
c) sendo a dívida comum e baseando-se a execução em sentença que apenas constitua título executivo
contra um dos cônjuges, o executado, que não chamou o cônjuge a intervir no processo declarativo para
o convencer da sua responsabilidade (artigo 316º nº 3 alínea a) do CPC), não pode alegar no processo
executivo que a dívida é comum. Segue-se, assim, o regime da penhora das dívidas de responsabilidade
exclusiva do executado, sem prejuízo do apuramento ulterior de contas entre os cônjuges (artigo 1697º
nº 1 do CC) e a possibilidade de o credor ainda propor uma nova ação declarativa contra o cônjuge não
condenado. O chamamento à intervenção principal do cônjuge não demandado constitui, assim, um ónus
do cônjuge demandado na ação declarativa, cuja inobservância preclude a invocação da comunicabilidade
da dívida;
d) sendo a dívida comum e baseando-se a execução em título extrajudicial contra um só cônjuge, (...) com
a reforma da ação executiva, passou a proporcionar-se ao exequente, no requerimento executivo, e ao
executado, no prazo para a oposição, a invocação da comunicabilidade da dívida com a consequência do
convite ao cônjuge do executado para vir declarar se aceita a comunicabilidade (...).”

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separação de bens é possível pôr termo à massa de bens comuns. Das duas uma: se
requereu a separação de bens, a execução sobre aqueles bens fica suspensa até à
partilha, esta é o ato que põe termo à comunhão. Obtida a partilha, a execução incide
apenas sobre os bens que caibam ao executado (artigo 740º nº 2 do CPC). A segunda
hipótese é o cônjuge não requerer a separação de bens; nesse caso, a execução
prossegue contra os bens comuns, mas ele aqui já foi citado. Note-se que se trata apenas
de separação de bens, não separação de pessoas ou divórcio, serve para individualizar
os bens do executado, não há outra forma.
“É de notar, porém, que, enquanto o art. 1696 CC estatui para as dívidas da
exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges, o art. 740 fá-lo para todos os casos de
execução movida contra um só dos cônjuges. Cabem, assim, no âmbito da previsão
deste artigo, não só os casos de responsabilidade exclusiva do executado, mas também
aqueles em que a responsabilidade é comum, segundo a lei substantiva, mas a execução
foi movida contra um só dos responsáveis – quer haja título executivo contra ambos
(caso em que o credor podia ter movido a execução contra os dois), quer haja título
executivo apenas contra o executado (caso em que o credor, querendo executar ambos
os cônjuges, teria de propor previamente ação declarativa contra marido e mulher: art.
34-3).”

25.5.3. Incidentes de comunicabilidade da dívida

Os incidentes de comunicabilidade da dívida não se aplicam quando o título é


uma sentença, não servem para alargar o âmbito de uma sentença (artigo 34º). Fora da
sentença servem para, nas hipóteses em que o título englobe apenas um dos cônjuges
alegando a natureza comum da dívida, permitir que a execução prossiga também contra
o outro cônjuge. Devemos distinguir consoante o incidente seja desencadeado pelo
exequente ou pelo executado:
- pelo exequente: a alegação de que a dívida é comum pode ser feita no requerimento
executivo ou até ao início das diligências de venda ou adjudicação (artigo 741º nº 1). Na
eventualidade de ser feita no requerimento executivo, a forma de processo é
necessariamente ordinária (artigo 550º nº 3 alínea c)). O cônjuge do executado é citado
para declarar se aceita a comunicabilidade da dívida. Se não o fizer, se nada disser, a
dívida é considerada comum (artigo 741º nº 2), é um caso de efeito cominatório pleno.
Do ponto de vista executivo, é um título judicial impróprio gerado no processo sem ser
através de decisão judicial. A oposição, caso tenha lugar, nos termos do artigo 741º nº
3, é feita na oposição à execução ou na oposição ao eventual requerimento que seja
feito já depois do requerimento executivo inicial. Se a dívida for considerada comum,
então a execução prossegue também contra o outro cônjuge (artigo 741º nº 5) –
primeiro responderão os bens comuns e subsidiariamente os bens próprios, porque se
a dívida passou de própria a comum, alterou-se o regime de responsabilidade dela. Se,
pelo contrário, a dívida não foi considerada comum e tiverem sido penhorados bens
comuns, aplica-se o regime semelhante ao que se explicou há pouco: o cônjuge terá o
prazo de 20 dias para requerer a separação de bens ou juntar a certidão, suspendendo-
se a execução até à partilha para depois incidir apenas sobre os bens próprios do
cônjuge que responda pela dívida (artigos 741º nº 6 e 740º nº 2);
- pelo executado (artigo 742º): esta arguição é feita na oposição à penhora, na qual,
tendo sido penhorados os seus bens próprios, argui que a dívida é comum,

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especificando quais bens devem ser penhorados. O cônjuge não executado será, então,
citado para declarar se aceita ou não a comunicabilidade da dívida (artigos 742º nº 1 e
741º nº 2). Se houver oposição, quer do exequente, quer do outro cônjuge, o juiz decide
da questão no incidente de oposição à penhora (artigo 742º nº 2). Quanto ao desfecho
do incidente, vale o que já foi explicado anteriormente (artigos 742º nº 2 e 741º nº 5 e
6).

26. Extensão da penhora

De entre todos os bens que podem ser penhorados, em que extensão a penhora
é admissível? Isto é, qual é a quantidade de bens que pode ser escolhida para a penhora?
Isto é bastante relevante porque, se estas regras forem violadas, haverá fundamento de
oposição à penhora (artigo 784º nº 1 alínea a)).
Quais são as regras que delimitam a extensão da penhora? Uma de ordem geral
é o princípio da legalidade – a penhora só pode englobar os bens que a lei considere
penhoráveis. O segundo princípio é o da necessidade – a penhora está limitada aos bens
necessários para o pagamento da obrigação exequenda (artigo 735º nº 3) que permite
que se penhore o valor necessário para a obrigação exequenda mais uma percentagem
relativa às despesas da execução. Em terceiro lugar, pode o exequente designar por
quais bens pretende que a execução se inicie (artigo 751º nº 2), salvo se violar
manifestamente a seguinte regra que fica em quarto lugar. O terceiro princípio é, assim,
a indicação do exequente. O quarto limite é a penhora começar pelos bens de mais fácil
realização pecuniária (artigo 751º nº 1). Violadas estas regras, temos um fundamento
de oposição à penhora.
Admite-se, ainda, a possibilidade de o executado requerer a substituição dos
bens penhorados (artigo 751º nº 5 alínea a)). Se houver oposição do exequente, a
questão é resolvida pelo juiz de execução (artigo 751º nº 6). Isto é uma manifestação do
princípio da proporcionalidade.

27. Tramitação da penhora


27.1. Em geral

Divide-se esta matéria da tramitação da penhora em duas partes: tramitação da


penhora em geral e tramitação da penhora em função da natureza do bem penhorado.
Comecemos pela primeira.
A tramitação da penhora é da responsabilidade do AE (artigo 719º nº 1). Que
atos deverão ser praticados? Em primeiro lugar, a secretaria notifica o AE de que deve
iniciar as diligências para a penhora (artigo 748º nº 1). Note-se que no processo sumário
não é necessário haver esta notificação, é o próprio AE que oficiosamente inicia estas
diligências (artigo 855º nº 3). Quando é que a secretaria no processo ordinário notifica?
Em princípio, será depois de decorrido o prazo de dedução de oposição à execução sem
que ela tenha sido apresentada ou ter sido apresentada oposição à execução não tendo
ela efeito suspensivo (artigo 748º nº 1). Em seguida, o AE consulta o registo informático
de execuções (artigo 748º nº 2). Deste registo constam todos os elementos referidos no
artigo 717º. É um autêntico ficheiro centralizado acerca das execuções pendentes. Em
terceiro lugar, o exequente procede às diligências necessárias para identificar os bens
do executado. Pode atentar nos bens que o exequente tenha designado no

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requerimento executivo (artigo 724º nº 1 alínea i)); pode consultar diferentes bases de
dados públicas (artigo 749º nº 1), por exemplo bases de dados da Administração
Tributária, da Segurança Social, das Conservatórias do Registo Predial e Automóvel. Esta
operação de identificação pode ter 2 desfechos:
- encontram-se bens penhoráveis: o AE prossegue com a realização da penhora,
seguindo as regras anteriormente referidas. Em princípio, a penhora não está
dependente de prévia autorização judicial, só excecionalmente ela é exigida, por
exemplo nos casos previstos nos artigos 757º nº 4, 764º nº 4 e 767º nº 1. Sendo realizada
a penhora, lavra-se obrigatoriamente auto que consta da Portaria nº 282/2013 no qual
se descreve a realização da mesma (artigo 753º nº 1);
- não se encontram bens penhoráveis: se não se encontrarem bens no prazo de 3 meses,
aplica-se o regime previsto no artigo 750º. Quer o exequente, quer o executado serão
notificados. O exequente é notificado para designar os bens do executado que pretenda
que sejam objeto de execução, naturalmente que só o faz se souber que existem ou
quais são. O executado é notificado para indicar bens à penhora. Na hipótese de haver
dispensa de citação prévia, é citado e não notificado, porque ainda não estava na ação
(artigo 750º nº 3). Se porventura o executado nada indicar e se vierem a descobrir bens
no futuro, está sujeito à sanção pecuniária prevista no artigo 750º nº 1. Se nem o
exequente, nem o executado indicarem bens penhoráveis, a execução extingue-se
(artigo 750º nº 2). Mas vindo a encontrar-se no futuro bens, o processo reabre-se, há
uma possibilidade de renovação da instância no futuro.
A penhora, sendo realizada, poderá ser posteriormente reforçada, penhorando-
se novos bens, ou substituída, penhorando-se outros bens em lugar dos primitivos, nos
casos previstos no artigo 751º nº 5. Por exemplo, em caso de insuficiência dos bens
inicialmente penhoráveis.

27.2. Ato da penhora

Podemos distinguir o modo como a penhora é realizada quanto ao grupo de bens


em questão:
- penhora de bens imóveis;
- penhora de bens móveis;
- penhora de direitos.
O regime que opera como regime supletivo é o da penhora de bens imóveis,
portanto aplica-se supletivamente à penhora de bens móveis (artigo 772º) e à penhora
de direitos (artigo 783º).
Obviamente que na penhora de bens imóveis e móveis estamos perante uma
penhora de direitos, mas a lei faz a distinção entre direitos sobre imóveis, direitos sobre
móveis e outros direitos.

27.2.1. Penhora de bens imóveis

Comecemos pela penhora de bens imóveis. Tenha-se em vista o direito de


propriedade sobre imóveis. Encontra-se regulada nos artigos 755º e seguintes. Por
penhora de bens imóveis entende-se a penhora sobre o direito de propriedade que
incide sobre uma fração do solo. Isto porque é essa a definição de coisa imóvel nos
termos previstos no CC no artigo 204º. Sendo penhorado o imóvel, a penhora vai

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estender-se às partes integrantes (artigo 204º nº 3) e também aos frutos naturais ou


civis do bem penhorado (artigo 212º nº 2). Permite que a penhora incida não só sobre
o bem, como sobre as mais valias económicas que resultem do bem.
Como se processa a penhora do bem imóvel? Atendendo à obrigação de registo
que incide sobre os direitos sobre bens imóveis, a penhora tem lugar mediante
comunicação eletrónica ao serviço de registo (artigos 775º nº 1 do CPC e 48º nº 126 do
Código de Registo Predial). A penhora é um facto sujeito a registo obrigatório (artigo 2º
alínea n)27 do CRPr). Se porventura o bem estiver registado em nome de um terceiro
(como sabemos, o registo não é constitutivo, é declarativo), este terceiro titular inscrito
no registo é citado para declarar, no prazo de 10 dias, se o bem lhe pertence ou não
(artigo 119º nº 128 do CRPr).
Simultaneamente a esta comunicação ao registo teremos a realização fáctica da
própria penhora. O AE deverá lavrar o auto da penhora (artigo 755º nº 3) e deverá afixá-
lo na porta ou noutro lugar visível que se encontre no bem penhorado. Ao mesmo
tempo, deverá ter lugar o desapossamento efetivo do bem (artigo 757º nº 1), sendo
para o efeito constituído um depositário. É no momento da penhora que se começa a
sentir a verdadeira agressão do poder público. Para o desapossamento do imóvel, o AE
pode solicitar o auxílio de autoridades policiais (artigo 757º nº 3), que deverão ser
remuneradas por esta atividade. Se porventura se tratar de domicílio do executado, o
auxílio das autoridades judiciárias está dependente de despacho judicial autorizativo
(artigo 757º nº 4). A penhora deverá ser realizada entre as 7h e as 21h (artigo 757º nº
5), devendo o AE entregar cópia do auto de penhora.
Quem fica como depositário dos bens? Supletivamente será o AE (artigo 756º nº
1), podendo servir-se para o efeito de auxiliares, a lei usa o termo “colaboradores”
(artigo 760º nº 3). Com o consentimento do exequente pode ser designado como
depositário o próprio executado ou outra pessoa (artigo 756º nº 1 segunda parte).
Imperativamente, nos seguintes casos particulares do artigo 756º nº 1, a lei determina
quem é o depositário:
- alínea a): se o bem penhorado for a casa de habitação efetiva do executado, é ele o
depositário;
- alínea b): se o bem estiver arrendado, é o arrendatário;
- alínea c): se o bem for objeto de direito de retenção e se o incumprimento estiver
judicialmente verificado, o depositário é o retentor.
O depositário tem a obrigação de administrar os bens como um bom pai de
família e de prestar contas (artigo 760º nº 1). Esta obrigação de prestação de contas
existe sempre que alguém tenha a responsabilidade de administrar ou gerir os bens de
outra pessoa. Poderá ser removido o depositário caso não cumpra os seus deveres
(artigo 761º nº 1). Podemos aplicar ao depositário, com as necessárias adaptações, o
regime previsto no CC para o contrato de depósito (artigos 1187º e seguintes).

26 “Sem prejuízo do disposto quanto às execuções fiscais, o registo da penhora é efetuado com base em
comunicação eletrónica do agente de execução ou em declaração por ele subscrita. “
27 “Estão sujeitos a registo: A penhora e a declaração de insolvência;”
28 “Havendo registo provisório de arresto, penhora ou de declaração de insolvência sobre os bens inscritos

a favor de pessoa diversa do requerido, executado ou insolvente, deve efetuar-se no respetivo processo
a citação do titular inscrito para declarar, no prazo de 10 dias, se o prédio ou direito lhe pertence.”

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Sendo realizada a penhora, ela, em princípio, mantém-se até à venda dos bens.
Além das causas gerais de levantamento da penhora e de substituição da penhora
previstas nos artigos 751º nº 5 e 763º, importa referir duas causas particulares:
- se o bem penhorado desaparecer, a penhora transfere-se para o bem sub-rogado, ou
seja, deixa de incidir sobre o que estava antes e passa a incidir sobre o que fica depois
(artigo 823º do CC);
- quando não tenha sido feita nenhuma diligência executiva para realizar o pagamento
do crédito nos 6 meses anteriores ao requerimento de levantamento (artigo 763º nº 1).
Na execução para entrega de coisa certa, prevê-se um regime especial de
suspensão da execução ou de diferimento da desocupação do imóvel arrendado para
habitação (artigos 863º nº 3 e 864º). Estas regras que estão previstas para a execução
para entrega de coisa certa podem aplicar-se na execução para pagamento de coisa
certa quando o bem penhorado for a habitação do executado? Numa versão anterior, o
CPC previa expressamente a aplicação dessas regras, mas essa remissão deixou de ser
feita, de modo que qual deverá ser o entendimento? Castanheira Neves chama a
atenção para o seguinte: a norma é feita com determinada intenção, mas quando é
interpretada, é-o em relação a todas as outras regras, pelo que a intenção pode não ser
conseguida. Não há nada mais contrário ao pensamento jurídico do que a contradição
valorativa, daí que o pensamento jurídico seja estruturalmente analógico, porque a
analogia permite tratar de forma igual o que é igual e diferente o que é diferente.
Quando a lei, na execução para entrega de coisa certa, prevê a proteção do executado,
visa evitar o seu imediato desapossamento, a razão da tutela não tem a ver com o fim
da execução, mas com o efeito prático do desapossamento. Esse risco existe na
execução para pagamento de quantia certa, os casos são análogos, coloca-se o mesmo
problema: o de o executado perder um bem que lhe é essencial. Se os casos são
análogos, a solução tem de ser a mesma.

27.2.2. Penhora de bens móveis

Uma vez que se aplica subsidiariamente o regime da penhora de bens imóveis à


penhora de bens móveis, teremos de ver apenas as particularidades. Vamos distinguir
os bens não sujeitos a registo dos bens sujeitos a registo.
Quanto aos bens não sujeitos a registo, vale a presunção, nos termos do artigo
764º nº 3, de que todos os bens que se encontram em poder do executado lhe
pertencem. Para reagir a esta penhora prevê-se um meio simplificado de oposição que
é a apresentação perante o juiz de prova documental inequívoca de que o direito
pertence a terceiro. Coloca-se aqui a seguinte questão: antes mesmo da penhora, pode
ser feita esta prova perante o AE? Por força do princípio da proporcionalidade, parece
que sim, ainda que a norma não o preveja. O AE deverá abster-se, nesse caso, de
penhorar. Rui Pinto diz que deve ser feita perante o juiz, mas o professor Tiago Ramalho
não partilha desse entendimento.
Quanto à realização da penhora, via de regra, o AE assume a posição de
depositário (artigo 764º nº 1), pode recorrer à força pública nos termos já conhecidos
(artigo 767º que remete para o artigo 757º), gozando o domicílio da proteção já referida.
O AE pode contar com a cooperação do exequente para realizar a penhora (artigo 765º
nº 1).

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No caso de serem penhorados dinheiro, papéis de crédito, pedras ou metais


preciosos, deverão ser depositados em instituição de crédito (artigo 764º nº 5). Neste
caso, o depositário será a instituição bancária. Em certas hipóteses, não há lugar à
remoção (artigo 764º nº 2), quando a natureza dos bens for incompatível ou quando
houver desvalorização substancial dos bens ou o custo de remoção for superior ao valor
dos bens. Por exemplo, vinho do Porto que se encontra a apurar numa pipa ou uma
grande máquina industrial. Quando não é possível a remoção, os bens são descritos,
fotografados e neles são colocados sinais distintivos. Estes não poderão ser removidos,
isso constitui um crime (artigo 356º do CP).
Em qualquer um destes casos, é lavrado auto da penhora (artigo 766º do CPC).
Se houver depositário constituído, é obrigado a apresentar os bens sempre que lhe for
solicitado (artigo 771º nº 1). O prazo que tem para apresentar os bens, se assim for
requerido, é de 5 dias. Se não o fizer, o juiz ordena o arresto dos bens do depositário
necessários para garantir o valor do depósito, das custas e das demais despesas (artigo
771º nº 2), sendo o depositário executado no próprio processo (artigo 771º nº 3). É um
título judicial impróprio.

Quanto aos bens móveis sujeitos a registo, vale o que já foi dito com as
necessárias adaptações, aplicando-se por remissão do artigo 768º nº 1 o regime do
artigo 755º, ou seja, o regime da comunicação à conservatória da penhora. Procede-se
ainda à imobilização do bem penhorado (artigo 768º nº 3). Excecionalmente, no caso da
penhora de veículos, é possível, nos termos do artigo 768º nº 3 alínea b), que não haja
remoção do bem e que o executado possa continuar a usá-lo.
São aqui considerados os veículos automóveis, os navios e as aeronaves.

27.2.3. Penhora de direitos

A penhora de direitos constitui uma categoria subsidiária, sendo que aqui se


incluem direitos que não sejam direito de propriedade sobre imóveis ou móveis29.
Dentro desta penhora, temos muitas realidades particulares:
- penhora de créditos (regime supletivo);
- penhora de expectativas de aquisição;
- penhora de rendas, abonos, vencimentos ou salários (rendimentos periódicos);
- penhora de depósito bancário;
- penhora de estabelecimento comercial;
- penhora de bem indiviso.

27.2.3.1. Créditos

A penhora de créditos está regulada nos artigos 773º a 777º e constitui o regime
padrão da penhora de direitos. O devedor é notificado com as formalidades da citação
pessoal (artigo 773º nº 1). A partir deste momento, o crédito fica à ordem do AE. Se o
crédito for cumprido perante o executado, não é liberatório. A lei diz “é notificado com

29Lebre de Freitas postula que “o âmbito da penhora de direitos se determina por exclusão de partes: ela
tem lugar quando não está em causa o direito de propriedade plena e exclusiva do executado sobre coisa
corpórea nem um direito real menor que possa acarretar a posse efetiva e exclusiva de coisa (corpórea)
móvel ou imóvel.”

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as formalidades da citação pessoal”. Não diz citado, porque cita-se quem é parte da ação
e o devedor do crédito não é parte da ação. O devedor do crédito, sendo notificado, tem
o dever de declarar se o crédito existe ou não, quais as garantias que o acompanham, a
sua data de vencimento e outros elementos relevantes (artigo 773º nº 2). Se porventura
faltar conscientemente à verdade, pode incorrer em responsabilidade nos termos do
litigante de má fé. Apesar de não ser litigante, a lei remete para esse regime (artigos
773º nº 5 e 543º).
Como é que continua a penhora de créditos? Depende do comportamento do
devedor. Se o devedor nada disser, considera-se que reconhece o crédito tal como ele
foi indicado à penhora (artigo 773º nº 4). Cria-se um verdadeiro ónus sobre o devedor
(artigo 773º nº 2), porque, se nada fizer, o crédito reconhece-se nos termos em que foi
indicado. É um regime que prevê um efeito cominatório pleno. Em termos processuais,
o silêncio tem valor declarativo, o que, em termos materiais, não acontece. É preciso
atribuir efeitos ao silêncio para forçar à ação.
Na eventualidade de a dívida ser reconhecida ou de o devedor nada fazer, a
penhora pode prosseguir nos seguintes termos: poder-se-á tomar duas opções – alienar
o próprio crédito ou receber seu o produto (o crédito não é alienado, mas a prestação é
realizada ao AE e com este produto satisfaz-se a obrigação exequenda). Como é que o
pagamento é realizado? Mediante depósito da quantia à ordem do AE e apresentação
de documento de depósito (artigo 777º nº 1). Se o terceiro não cumprir, poderá ser
executado nos próprios autos (artigo 777º nº 3). A própria execução vai poder ser
dirigida contra ele, passa a ser destinatário da mesma execução. Aqui a lei considera que
o título executivo é o reconhecimento por parte do devedor ou a conjugação da
notificação com o silêncio do devedor (artigo 777º nº 3 segunda parte).
Caso o devedor conteste o crédito, o exequente e o executado são notificados
para se pronunciar no prazo de 10 dias e o exequente deverá declarar se mantém ou
desiste da penhora (artigo 775º nº 1). Se o exequente mantiver a penhora, o regime é
muito simples: o direito só poderá ser alienado como crédito litigioso (artigo 775º nº 2).
É alienado um bem potencial, ele pode ou não existir. Sabemos apenas que ele existe
como controvertido. Isto é um negócio de risco. A vantagem para o adquirente é adquirir
o crédito a um valor nominal inferior e é esta a remuneração que tem pelo risco de não
conseguir cobrar nada. O artigo 777º nº 3 permite que o adquirente do crédito também
possa exigir a prestação nos próprios autos. O adquirente do crédito litigioso poderá
exigir a prestação nos próprios autos contra o terceiro? Rui Pinto diz que sim. Para
aplicar o artigo 777º nº 3 é preciso haver um título executivo. Caso o crédito seja
litigioso, houve oposição. Assim, não há título executivo, logo não pode ser exigido ao
devedor nos próprios autos. O terceiro que adquira o crédito e o queira cobrar deverá
interpor uma ação declarativa e depois uma ação executiva.
Sendo o devedor notificado, pode reconhecer, nada dizer, ou pode contestar o
crédito, mas, na verdade, ainda há uma terceira possibilidade: reconhecer o crédito, mas
alegar que a exigibilidade dele depende de uma contraprestação por parte do
executado, podendo também invocar uma exceção (introduz novos factos). Não
impugna, mas alega que o crédito é inexigível. O regime consta do artigo 776º. Importa
aqui distinguir consoante o executado confirmar ou não a declaração feita pelo terceiro.
Se o executado confirmar que o seu crédito depende de contraprestação, é notificado
para a satisfazer no prazo de 15 dias ao AE. Se o executado não cumprir, pode o
exequente ou o próprio devedor exigir o cumprimento do dever do executado perante

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o devedor na própria execução (artigo 776º nº 2 primeira parte). Se aplicarmos esta


regra, o executado sê-lo-á pela obrigação exequenda e pelo seu dever de prestar
perante o terceiro, para se conseguir obter a contraprestação para a execução. É uma
forma mais simples, mas mais arriscada do que o exequente optar por realizar a
prestação em lugar do executado, ficando sub-rogado na sua posição (artigo 776º nº 2
segunda parte). O professor desconfia da aplicabilidade prática deste regime. A
prestação pode ser exigida na própria execução (artigo 776º nº 4).
Se, pelo contrário, o executado impugnar a declaração do devedor, aplica-se com
as necessárias adaptações o regime do artigo 775º ex vi artigo 776º nº 6.
Se porventura o executado tiver alienado créditos futuros, consideram-se
inoponíveis à execução os créditos que se constituam a partir da data da penhora (artigo
821º do CC). Logo, as frações depois da execução são penhoráveis, as anteriores é que
não. Por exemplo, na produção de filmes de cinema, o produtor, para se financiar, aliena
os créditos futuros resultantes das bilheteiras. Se em 2000 alienar os créditos futuros,
apenas a partir do momento da penhora são penhoráveis, os anteriores não o são.

27.2.3.2. Expectativas de aquisição

A penhora de expectativas de aquisição constitui a segunda modalidade de


penhora de direitos. O que é o direito de expectativa (Anwartschaftsrulid)? Alguns
autores alemães dizem que foi uma das grandes descobertas do século XX. Na raiz disto,
está o problema da reserva de propriedade, prevista de modo equivalente no artigo
409º. A questão com que os juristas alemães se depararam foi esta: havendo reserva de
propriedade e não tendo ainda sido pago o preço na totalidade, qual é a posição jurídica
do comprador? Sobretudo porque a reserva de propriedade normalmente vai
acompanhada da entrega da coisa. Dizem que tem um direito de expectativa. Esta figura
foi feita para enquadrar estas posições jurídicas que se vão consolidando de forma
gradativa. Quando o artigo 778º do CPC fala de expectativa jurídica, tem por detrás esta
figura do Direito alemão. Podemos ligar este regime a outros casos em que haja uma
expectativa jurídica gradativa.
Aplica-se o regime da penhora de créditos (artigo 778º nº 1), mas com esta
precisão: se o objeto a adquirir for uma coisa que esteja na detenção ou na posse do
executado, está por detrás disto a reserva de propriedade. Parece ser esta a situação a
que o artigo dá resposta. Nessa parte, aplica-se o disposto para a penhora de móveis ou
imóveis consoante o caso (artigo 778º nº 2). Quando a aquisição se consumar, a penhora
incide sobre o bem transmitido (artigo 778º nº 3). Deixa de ser uma penhora de direitos
e passa a ser uma penhora de coisas móveis ou imóveis.

27.2.3.3. Rendas, abonos, vencimentos ou salários

Na penhora de rendas, abonos, vencimentos ou salários, falamos de


rendimentos periódicos (casos de impenhorabilidade parcial). O regime consta do artigo
779º. A entidade que deve realizar as prestações é notificada para fazer o desconto
correspondente à penhora (artigo 779º nº 1). Estas quantias ficam à ordem do AE (artigo
779º nº 2), aqui com uma particularidade: até ao termo do prazo para a oposição à
execução ou, se houver oposição, até ao trânsito em julgado da decisão sobre a oposição
(artigo 779º nº 2). Procurará evitar-se o uso abusivo das quantias por parte do AE.

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A penhora de depósitos bancários é feita por comunicação eletrónica (artigo


780º nº 1). O meio de realização é o executado ficar impossibilitado de movimentar a
sua conta. Um aspeto particular deste regime: e se a conta tiver pluralidade de titulares?
A regra é que se presume que todos têm a mesma quota (artigo 780º nº 5). E se houver
várias contas? A regra é que se prefere aquela de que o executado é único titular.
Havendo vários contitulares, prefere-se a conta com menor número de titulares (artigo
780º nº 7).

27.2.3.4. Estabelecimento comercial

O estabelecimento comercial é simultaneamente uma unidade e uma


pluralidade de bens. Penhora-se o estabelecimento comercial fazendo em auto menção
aos bens que o integram (artigo 782º nº 1). A penhora do estabelecimento comercial
não afeta a eventual penhora anterior sobre os bens particulares do estabelecimento
comercial, mas prevalece sobre penhoras posteriores relativas aos bens singulares que
integrem o estabelecimento comercial (artigo 782º nº 5).
Devemos distinguir consoante o estabelecimento comercial esteja a funcionar
ou não. Se estiver a funcionar, poderá continuar a ser explorado pelo executado,
podendo o juiz designar fiscalizador (artigo 782º nº 2). Eventualmente, quando o
exequente se oponha de forma fundada, poderá ser designado um administrador para
proceder à gestão (artigo 782º nº 3). Se o estabelecimento comercial não estiver em
funcionamento, o regime é diferente. O juiz nomeia, nesse caso, depositário para
proceder à administração dos bens (artigo 782º nº 4).
Claramente o nº 2, que permite que o executado possa continuar à frente do
estabelecimento comercial, visa proteger o próprio valor do estabelecimento comercial.
Grande parte do seu valor depende de conseguir manter um amplo conjunto de
interações económicas que, se forem cortadas a partir de certo momento, destroem o
seu valor.

28. Reação à penhora pelo executado


28.1. Oposição à penhora
Fundamentos, tramitação e feitos

Pode haver dois grupos de causas de ilegalidade da penhora:


- ilegalidade objetiva da penhora: penhoram-se bens que objetivamente, de acordo com
as suas características, não podem ser atingidos na execução. O modo de reagir, em
princípio, é a oposição à penhora. Nos casos previstos na lei, simples requerimento;
- ilegalidade subjetiva da penhora: penhoram-se bens não pertencentes ao executado.
O terceiro pode reagir de 3 formas:
- quando a lei especificamente o determina, mediante simples requerimento;
- pode intervir na ação executiva através da oposição mediante embargos de
terceiro;
- pode propor ação de reivindicação (exterior à ação executiva).

Quanto à defesa do próprio executado contra a ilegalidade objetiva da penhora,


o meio padrão para o executado reagir é a oposição à penhora regulada nos artigos 784º

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e 785º. O artigo 784º nº 1 prevê 3 causas de oposição à penhora, todas elas de


ilegalidade objetiva:
- alínea a): inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos. Por
exemplo, impenhorabilidade absoluta ou relativa. Ou da extensão com que a penhora
foi realizada. Por exemplo, não se respeitar a impenhorabilidade parcial, penhorarem-
se bens próprios do herdeiro que não recebeu do autor da sucessão, violarem-se as
regras da proporcionalidade da penhora (ela ser excessiva);
- alínea b): imediata penhora de bens que só respondem subsidiariamente. Por exemplo,
no caso dos cônjuges, a imediata penhora de bens que só respondem em segunda linha;
- alínea c): incidência da penhora sobre bens que, não respondendo nos termos do
Direito substantivo pela dívida exequenda, não deviam ser abrangidos. Por exemplo, o
artigo 1184º do CC (respeitante ao regime do mandato). Se o mandatário, em execução
do mandato, adquirir certos bens que deve retransmitir para o mandante, nos termos
deste artigo, esses bens não respondem pelas suas dívidas próprias. Neste caso, se o
mandatário for executado, este é um bem que integra o seu património, mas não
responde pela obrigação exequenda.
A oposição à penhora deve ser feita no prazo de 10 dias a contar da notificação
da penhora (artigo 785º nº 1 do CPC); se for processo sumário, 20 dias a contar da
citação (artigo 856º nº 1). A tramitação segue as regras previstas na lei para os
incidentes (artigos 293 a 295º ex vi artigo 785º nº 2). A oposição à penhora está sujeita
a despacho liminar (artigo 732º nº 1 ex vi artigo 785º nº 2). Havendo silêncio por parte
do exequente, consideram-se admitidos os factos que tenham sido alegados pelo
executado, salvas as exceções gerais da lei (artigo 732º nº 3 ex vi artigo 785º nº 2). Em
princípio, a execução não se suspende, apenas se suspende mediante a prestação de
caução (artigo 785º nº 3). Se porventura o bem penhorado for a casa de morada de
família ou a casa de morada efetiva do opoente, aplica-se o regime de proteção dos
embargos do executado (artigo 733º nº 5 ex vi artigo 785º nº 4). Se porventura a
execução for suspensa, a suspensão fica limitada aos bens objeto de oposição, portanto
continua quanto a bens de natureza diferente. Procedendo a oposição à penhora, a
consequência é o levantamento da penhora (artigo 785º nº 6). Não procedendo, a
execução prossegue em relação àquele bem.
Uma dúvida que se pode colocar é a seguinte: e se antes da realização da
penhora o executado já souber quais os bens que irão ser penhorados, poderá reagir
antecipadamente ou tem de esperar que a penhora seja realizada de forma ilegal para
se poder defender? Não, a questão é qual o meio processual. Para uma reação
antecipada à penhora, o meio processual será a colocação da questão à apreciação do
juiz nos termos do artigo 723º nº 1 alínea d).

28.2. Mediante requerimento

Quanto à oposição por simples requerimento, ela não está regulada em geral,
mas é pontualmente referida. Por exemplo, artigos 738º nº 6 (regra que permite reduzir
a parte penhorável dos rendimentos) e 744º nº 2 (relativo à execução contra herdeiro).

29. Reação à penhora por terceiro


29.1. Mediante requerimento

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A primeira modalidade de oposição de terceiro à penhora subjetivamente ilegal


é mediante simples requerimento, só admitida nos casos especialmente previstos na lei.
Por exemplo, penhora de bens móveis que se encontrem em poder do executado (artigo
764º nº 3). Este é um pequeno momento de natureza declarativa, daí a necessidade de
ser respeitado o princípio do contraditório (artigo 3º nº 3).

29.2. Embargos de terceiro


a) A qualidade de terceiro

O segundo modo de reação é através dos embargos de terceiro, previsto no CC


como um incidente de oposição de terceiro. O incidente de oposição tem por finalidade
permitir que um terceiro estranho a uma ação seja admitido a litigar com uma posição
jurídica conflituante com a das primitivas partes. Para poder recorrer à ação de
embargos é necessário ter a qualidade de terceiro em relação à ação executiva. É
terceiro quem não é parte, numa noção formal. Imaginemos que do título executivo
alguém figura como devedor, a execução não é movida contra ele, mas é penhorado um
bem próprio, como é que pode reagir à penhora? Mediante embargos de terceiro.
Rigorosamente, os embargos de terceiro não são uma fase da ação executiva,
mas um incidente que nela se enxerta.

b) Fundamentos

Historicamente, até 1995/1996, a ação de embargos estava configurada como


uma ação apenas para defesa da posse e era regulada por um processo especial. Desde
então, a ação de embargos serve também para a defesa de qualquer direito agredido
por uma medida executiva e está regulada como um incidente de intervenção de
terceiro (artigos 342º e seguintes). No CC, a possibilidade de deduzir embargos está no
artigo 1285º que é uma norma referida à defesa da posse. Tem a sua lógica. Lebre de
Freitas diz que a ação de embargos tem por base a violação da posse, porque da posse
se presume a propriedade e o que estava em jogo era a defesa de propriedade de
terceiro, mas a posse intervinha como fator presuntivo da propriedade. O professor
Tiago Ramalho coloca a questão de ser outra coisa: a propriedade, enquanto tal, de um
terceiro não é atingida pela venda executiva, porque esta só transmite para o adquirente
o que estava na propriedade do executado (devido à regra nemo plus iuris). Por isso, se
forem executados bens de terceiro, este não perde a propriedade com a venda
executiva. O que está em jogo na ação de embargos é a apreensão do uso do bem. A
posse é que se refere à utilização efetiva do bem. Por isso é que isto era uma ação
relativa à posse. Trata-se de um incidente de oposição, opoente é aquele que tem uma
posição irredutível à das primitivas partes. Os embargos de terceiro podem ser
deduzidos contra quaisquer atos judicialmente ordenados que ofendam a posse ou o
direito.
Quais são os fundamentos dos embargos do executado? Nos termos do artigo
342º do CPC, deverá, em primeiro lugar, ter havido uma penhora ou um ato
judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens. O segundo pressuposto é
esse ato ser ofensivo da posse ou de direito. Poderá tratar-se de ato ofensivo da posse
em nome próprio (posse causal) ou em nome alheio (locatário, por exemplo). Se o
embargante, isto é, aquele que reage à medida executiva, invoca a sua posse, então

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presume-se a titularidade do direito (artigos 1268º nº 1 e 1251º do CC). A única hipótese


é a parte contrária ilidir a presunção, demonstrando a titularidade do direito ou que é
melhor possuidora. Demonstra-se a titularidade do direito quando há registo, mas fora
desse campo, numa ação real, qual é o facto do qual resulta o direito real? A, que é
proprietário, tem de alegar e provar que é titular do direito, adquiriu-o de B. Isto prova
que é titular do direito? Não, porque A só é titular do direito se B for titular. E como
sabemos o mesmo? Pode também dizer que adquiriu de alguém. Então como se prova
a propriedade? Vai ser preciso recuar a uma aquisição originária, porque nas aquisições
derivadas o direito do adquirente depende do anterior. A forma de provar a aquisição
originária é por posse por certo lapso de tempo que fundamenta a usucapião. Manuel
Andrade diz que, no Direito português, por força da teoria da substanciação nas ações
reais, é sempre preciso indicar a usucapião. Isto não é inteiramente correto, mas é-o em
80% dos casos, num contexto em que não se trata de bens sujeitos a registo. Se o
embargante alega e prova a posse, a parte contrária defende-se alegando e provando a
titularidade de direito, para o fazer tem de conseguir recuar a uma aquisição originária.
Encontram-se alguns casos em que a lei oferece tutela possessória a certos
direitos pessoais de gozo, como no caso do locatário (artigo 1037º do CC), comodatário
(artigo 1133º nº 2) depositário (artigo 1188º nº 2) e parceiro pensador (artigo 1125º nº
2). Temos de distinguir a locação dos outros casos. Estes sujeitos só poderão recorrer à
ação de embargos, em princípio, quando o executado não seja a contraparte da relação
obrigacional. Se o executado for aquele de quem recebera o bem, a sua tutela
possessória não é suficiente para a produção da ação de embargos. No caso da locação,
a proteção é obtida de uma forma específica que é: se porventura for executado o
locador, o locatário não pode recorrer a embargos de terceiro, mas é protegido da
seguinte forma – antes da venda executiva, é constituído depositário dos bens, a sua
posse não é perdida; depois da venda executiva, o seu direito de locação, se for anterior
à penhora, vai ser protegido (artigo 824º nº 2 por identidade de razão).
Podem recorrer a embargos de terceiro aqueles que sejam titulares de direito
incompatível com a diligência executiva. São aqueles direitos que possam ser atingidos
na sua consistência pela ação executiva. O titular do direito de locação que se vai
extinguir com a venda executiva, se não for citado (artigo 54º nº 4 do CPC), vai ser
protegido. Um exemplo de direitos que não são incompatíveis e não dão lugar a
embargos de terceiro são os direitos reais de aquisição. No regime da venda executiva,
é previsto que estes direitos sejam respeitados, por exemplo, com um direito de
preferência.

c) Tramitação

No que toca à propositura da ação de embargos, ela deverá ser proposta no


prazo de 30 dias a contar da diligência ou do seu conhecimento (artigo 344º nº 2). A lei
admite que eles possam ser deduzidos antes da realização da penhora, mas depois do
momento em que ela tenha sido ordenada (artigo 350º). É a ideia de proporcionalidade
que está por detrás desta regra. O que nunca pode acontecer é deduzir a ação de
embargos depois de os bens serem vendidos ou adjudicados (artigo 344º nº 2). Com a
petição de embargos deverá seguir de imediato o oferecimento das provas (artigo 344º
nº 2). A petição será sujeita a despacho liminar (artigo 345º).
O que é próprio desta ação é que ela está dividida em 2 fases:

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- na fase introdutória, formula-se um juízo acerca do recebimento ou não recebimento


dos embargos. Destina-se a apurar se há probabilidade séria de existência do direito
invocado. A ação de embargos decorre aqui sem o exequente e o executado, apenas
com o embargante que vai tentar convencer o tribunal de que há probabilidade séria da
existência do direito. Das duas uma: os embargos são rejeitados e o embargante pode
propor uma ação declarativa autónoma; se forem recebidos, suspendem-se de imediato
as diligências executivas relativas aos bens objeto da ação de embargos (artigo 347º),
podendo mesmo haver restituição provisória da posse;
- recebidos os embargos, são chamados exequente e executado para contestar (artigo
348º nº 1), podendo ser suscitada a questão da titularidade do direito, para além da
questão da posse (artigo 348º nº 2). Esta ação segue os termos do processo declarativo
(artigo 348º nº 1).

d) Efeitos materiais

A ação de embargos tem consequências processuais e materiais.


Do ponto de vista processual, a consequência é o levantamento da penhora ou,
no caso de embargos preventivos, a pura e simples não realização da penhora.
Do ponto de vista material, a decisão tem o valor de caso julgado material quanto
à existência e titularidade do direito que tenha sido invocado pelo embargante ou pelos
embargados.

29.3. Ação de reivindicação

A terceira forma de reação de um terceiro atingido por uma medida executiva é


uma forma de reação exterior à ação executiva que é a ação de reivindicação. Esta é a
ação por excelência do proprietário. Quem é proprietário pode reivindicar a sua coisa
de quem quer que seja e onde quer que a coisa esteja (artigo 1311º do CC). Se o
proprietário pode recorrer sempre à ação de reivindicação, pode fazê-lo mesmo que o
bem que lhe pertence tenha sido objeto de penhora ou mesmo de venda executiva, isto
porque, nos termos do Direito material, a venda executiva apenas transmite para o
adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida (artigo 824º nº 1). O terceiro
continua a poder reivindicar a coisa. Se porventura a venda executiva tiver sido feita,
toda a venda fica sem efeito (artigo 839º nº 1 alínea d) do CPC).
Uma possibilidade que a lei prevê é o reivindicante recorrer à figura do protesto
que é essencialmente uma advertência de que vai propor ou propôs uma ação de
revindicação. Adverte os diferentes intervenientes de que o bem está a ser objeto de
uma ação que pode pôr em causa os efeitos daquele ato jurídico. Se recorrer à figura do
protesto (artigos 840º e 841º do CPC), ele, embora seja estranho à ação executiva, vai
conseguir provocar as seguintes consequências: tratando-se de bens móveis, eles não
podem ser entregues ao comprador (artigo 840º nº 1); o produto da venda que será
destinado ao exequente não pode ser levantado sem prévia prestação de caução (artigo
840º nº 1 parte final).

Secção IV - Citação e concurso de credores


30. Concurso de credores
30.1. Finalidade da fase

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Avançamos agora para a fase da citação e concurso ou convocação de credores.


Esta nova fase da ação executiva é regulada nos artigos 786º e seguintes.
A ação executiva constitui uma modalidade de execução singular, portanto, em
princípio, está apenas destinada a satisfazer os interesses do exequente. Assim, em
princípio, terceiros credores não serão chamados para a ação executiva. Contudo, nos
casos em que os terceiros credores tenham uma posição privilegiada sobre os bens
penhorados, reclama-se o respetivo chamamento para que os seus direitos sejam
respeitados. Haverá dois tipos de terceiros que serão chamados: terceiros titulares de
direitos garantidos pelos bens penhorados e o cônjuge do executado nos casos previstos
na lei.

30.2. Razão de ser da fase processual

São chamados porque a futura venda executiva vai extinguir os seus direitos
(artigo 824º nº 2 do CC). Se a jusante se extinguirão os direitos, é necessário que a
montante sejam citados para que os seus créditos sejam devidamente tutelados. Isto
não faz com que a ação executiva se torne numa ação universal, porque são apenas
chamados os credores titulares de créditos que, por força das respetivas garantias,
possam ser conflituantes com a venda executiva.
Esta fase pode dividir-se em duas subfases:
- reclamação dos créditos;
- verificação e graduação.

30.3. Chamamento e intervenção espontânea

Comecemos pelo primeiro período. Deverão ser citados todos os credores que
tenham uma garantia real registada ou conhecida sobre os bens penhorados (artigo
786º nº 1 alínea b) do CPC). Será ainda citada a Fazenda Nacional (é quem representa a
Administração Tributária para efeitos patrimoniais) e o Instituto de Gestão Financeira
da Segurança Social (artigo 786º nº 2), isto no caso de haver créditos tributários ou
dívidas à Segurança Social por satisfazer.
Mesmo que um credor não tenha sido citado, poderá intervir espontaneamente
na ação executiva (artigo 788º nº 3). Se ele não for citado e não intervier, vai-se extinguir
a garantia. Contudo, poderá haver ação de responsabilidade civil contra o responsável
pela citação (o AE), além de ação de restituição do enriquecimento sem causa dirigida
contra aquele que tenha sido pago em lugar do credor que não foi citado, na
eventualidade de sofrer uma perda (artigo 786º nº 6).
Um aspeto relevante que importa destacar é o seguinte: se porventura não
houver credores titulares de garantias e, portanto, não houver créditos reclamados, a
ação executiva vai continuar na forma sumária sem a intervenção do juiz.

30.4. Tramitação da fase

Esta fase inicia-se com a citação. Em seguida, começa a correr o prazo para
reclamar os créditos, deverão ser reclamados no prazo de 15 dias (artigo 788º nº 2). No

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caso de intervenção espontânea, a reclamação é admitida até à transmissão dos bens


penhorados (artigo 788º nº 3).
Os pressupostos da reclamação são os seguintes:
- o crédito deverá estar garantido por uma garantia real, que incida sobre os bens
penhorados. O elenco das principais garantias reais encontra-se no artigo 604º nº 2 do
CC, por exemplo, o penhor, a hipoteca, os privilégios creditórios e o direito de retenção.
Uma particularidade do regime é a limitação à reclamação de créditos quando a garantia
seja um privilégio creditório geral e a execução tenha um valor relativamente baixo
(artigo 788º nº 4 do CPC)30. Por que é que a lei o faz? Um dos problemas que havia na
ação executiva era que o exequente tomava a iniciativa de cobrar o seu crédito e
sistematicamente era citada a Fazenda Nacional e o IGFSS que, reclamando créditos
garantidos por privilégios, eram satisfeitos em primeiro lugar. Sistematicamente a ação
executiva servia para a cobrança de créditos do Estado, mas por iniciativa do particular.
Para evitar que isto acontecesse, obsta-se a que, até certo valor, estes créditos sejam
reclamados para libertar o produto da alienação dos bens para o exequente e dar
alguma viabilidade económica à execução. Para efeitos de reclamação de créditos,
também se considera garantia a penhora, porque é uma causa legítima de preferência
(artigo 822º nº 1 do CC). Com efeito, se houver várias execuções em que são penhorados
os mesmos bens, é sustada (isto é, interrompida) a execução em que a penhora tenha
sido posterior em relação àqueles concretos bens. O exequente da execução em que a
penhora é posterior poderá reclamar o seu crédito na primeira execução, apresentando
como garantia a penhora que obteve na segunda execução (artigos 794 º nº 1 e 788º nº
5 do CPC). Uma dúvida que se levanta é quanto ao arresto: servirá de garantia suficiente
para este efeito? O arresto visa antecipar os efeitos da penhora. Por conseguinte, para
garantir a utilidade prática do arresto, deve-se entender que constitui uma garantia
suficiente para a reclamação de créditos. O problema será eventualmente a falta do
requisito do título executivo, mas já veremos de seguida como esse problema se resolve;
- o credor gozar de título executivo. Contudo, mesmo que não goze de título executivo,
que será o que acontece, em princípio, em caso de arresto, pode requerer no prazo para

30 Lebre de Freitas acrescenta o seguinte: “Nos casos em que a reclamação é admitida, e salvo tratando-
se de crédito de trabalhador (art. 796-4), o crédito com privilégio creditório geral pode sofrer uma
redução: nos termos do art. 796-3, é reduzido até 50% do remanescente do produto da venda, deduzidas
as custas da execução e as quantias a pagar aos credores que devam ser graduados antes do exequente,
na medida do necessário ao pagamento de 50% do crédito do exequente, até que este receba o valor
correspondente a 250 UC. Desta norma, resulta que:
- Quando concorram ao produto da venda apenas o exequente e o credor privilegiado, o pagamento a
este é reduzido na medida necessária ao pagamento de 50% do crédito do exequente, mas com a garantia
mínima de 50% do remanescente do produto da venda após a dedução das custas; logo, porém, que o
exequente atinja o plafond das 250 UC, a limitação para o credor privilegiado deixa de se aplicar.
- Quando concorra ao produto da venda, além do exequente e do credor privilegiado, outro credor que
deva preferir ao exequente (credor hipotecário ou pignoratício com garantia real anterior, por exemplo),
a redução do crédito com privilégio só tem lugar na medida em que tal aproveite ao exequente, sem que
dela possa beneficiar ou por ela possa ser prejudicado esse outro credor. Assim, devendo o credor
pignoratício ser pago antes do credor privilegiado (art. 749 CC), a questão só se porá se algo sobrar depois
dele pago, aplicando-se a norma à distribuição do remanescente; e, devendo o credor hipotecário,
naqueles casos em que tal não importe inconstitucionalidade, ser pago depois do credor privilegiado, há
que apurar o remanescente do produto da venda hipotizando o pagamento integral ao credor
hipotecário, fazer, na base desse remanescente, o apuramento da parte devida ao exequente nos termos
da norma do n.º 3 e seguidamente deduzir na parte do credor privilegiado a parte assim atribuída ao
exequente.”

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a reclamação de créditos que a graduação aguarde a obtenção do título em falta (artigo


792º nº 1 e 7). Se o fizer, a ação executiva continua, praticando-se todos os atos com
exceção da graduação (artigo 792º nº 6). Sendo feita a graduação, podem ser feitos os
pagamentos em função das regras de prioridade que tenham sido aplicadas. Tendo o
reclamante requerido que a graduação de créditos aguarde a obtenção de título, o
executado é notificado para, no prazo de 10 dias, se pronunciar sobre o crédito invocado
(artigo 792º nº 2). Se o executado reconhecer o crédito ou não fizer nada, considera-se
formado o título executivo, embora ele venha a poder ser impugnado pelos restantes
credores (artigo 792º nº 3), estamos na presença de um título judicial impróprio; se,
pelo contrário, o executado impugnar o crédito, será preciso aguardar a obtenção do
título através de uma ação autónoma da qual deverão tomar parte todos os credores
em litisconsórcio necessário (artigo 792º nº 4 e 5). A lei diz que, havendo impugnação,
deverá decorrer ação autónoma da qual são parte não só o executado e o credor
reclamante, como também os restantes credores. O efeito útil é sujeitá-los todos ao
efeito do caso julgado. Se o crédito for reconhecido, todos são obrigados a reconhecer,
já não podem impugnar futuramente. Ficou pendente na ação executiva a graduação
dos créditos. Decorrendo esta ação à margem, o seu resultado pode ser trazido para
dentro da ação executiva sem qualquer contencioso adicional, porque são todos
obrigados a reconhecer o crédito;
- a certeza e liquidez da obrigação. O que não é necessário é que a obrigação se encontre
vencida. A única particularidade é que terá de ser feito aqui o desconto relativo à
antecipação do cumprimento (artigo 791º nº 3). Na eventualidade de a obrigação não
ser certa nem líquida, poderá o credor torná-la certa e líquida nos termos em que o
exequente o pode fazer (artigo 788º nº 7). Se for necessário que a liquidação seja feita
na ação declarativa (quando o título executivo é uma sentença), será possível, por
analogia com o artigo 792º nº 1, pedir a suspensão da graduação.

30.5. Ação de verificação e graduação dos créditos


a) Função

Sendo reclamados os créditos ou alguns deles, segue-se a verificação e


graduação. A verificação significa apurar se os créditos existem. Graduação significa
ordená-los por ordem de preferência. Esta subfase terminará, em princípio, com uma
sentença de simples apreciação positiva da existência dos créditos e do seu valor
relativo. Teremos aqui um segundo momento declarativo da ação executiva, para além
da oposição à execução (artigo 788º nº 8).

b) Tramitação

Tendo sido reclamados os créditos, as reclamações são notificadas ao executado,


ao exequente, aos credores reclamantes, ao cônjuge do executado e ao AE (artigo 789º
nº 1). Tendo sido notificadas as reclamações, o exequente e executado poderão
impugná-las (artigo 789º nº 2). Poderão fazê-lo com fundamento em qualquer causa
que extinga ou modifique a obrigação ou impeça a sua existência (artigo 789º nº 4). Se
o crédito estiver reconhecido por sentença, apenas se podem aplicar com as necessárias
adaptações os fundamentos dos artigos 729º e 730º ex vi artigo 789º nº 5.

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Em segundo lugar, os próprios credores que reclamam poderão impugnar os


créditos que estejam garantidos pelos bens sobre os quais incida a sua garantia (artigo
789º nº 3), bem como as próprias garantias. A única diferença entre o nº 2 o nº 3 é que
exequente e executado são, em princípio, interessados em impugnar qualquer
reclamação. Os restantes só têm interesse em reclamar os créditos sobre os bens da sua
garantia. Se porventura houver impugnação, é dada a possibilidade de resposta pelo
reclamante no prazo de 10 dias (artigo 790º).
Não havendo impugnação, o crédito tem-se por reconhecido (artigo 791º nº 2),
valendo o regime do efeito cominatório pleno.
Como é que continua? Depende. Se não houve impugnação ou ainda se a
verificação dos créditos não depender de prova, profere-se de imediato sentença de
verificação e graduação (artigo 791º nº 2). Se, pelo contrário, for necessária a produção
de prova, seguir-se-ão os termos do processo declarativo (artigo 791º nº 1), no despacho
saneador declaram-se reconhecidos os créditos que já o puderem ser, ficando a
verificação dos restantes créditos e a graduação para a sentença final (artigo 791º nº 1
segunda parte).
Nesta sentença de verificação e graduação dos créditos, o juiz declara quais
créditos se consideram verificados e qual o seu valor relativo. O valor relativo dos
créditos é determinado pelo regime de Direito material. A regra fundamental é que o
crédito cuja garantia tenha sido anteriormente constituída prevalece sobre o crédito
cuja garantia tenha sido constituída posteriormente (princípio da prioridade temporal
sobre os direitos reais). Este princípio tem a sua expressão latina na seguinte fórmula:
prior in tempore potior in iure, que significa “o primeiro em tempo é o mais forte no
direito”. Depois há muitas exceções, por exemplo, o direito de retenção prevalece sobre
a hipoteca, ainda que seja posterior.
Com a prolação desta sentença termina esta fase da ação executiva.

c) Estatuto de credores

Uma pergunta dogmática que se pode colocar a respeito desta fase é: qual é o
exato estatuto processual destes credores reclamantes, o que é que eles são? Lebre de
Freitas designa-os como partes acessórias. O professor Tiago Ramalho pensa que esta
não é a qualificação mais adequada, porque a parte acessória tem uma posição
subordinada em relação às partes principais. Estes credores têm uma posição própria,
conflituante com a das partes principais. Teixeira de Sousa sustenta que são opoentes,
porque têm uma posição que conflitua quer com a posição da parte ativa, quer com a
posição da parte passiva. O professor considera esta qualificação mais adequada ou
então considerar que são partes terceiras com um estatuto próprio, isto é, é uma
categoria própria.

31. Citação do cônjuge

Ainda dentro desta fase prevê-se a citação do cônjuge do executado. É


necessário citar o cônjuge do executado quando, nos termos do artigo 786º nº 1 alínea
a), se recorra ao regime previsto no artigo 740º, isto é, penhora de bens comuns na
execução movida contra um dos cônjuges, que é o caso em que o outro cônjuge vai

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poder requerer a separação, ou quando a penhora tenha recaído sobre bem imóvel ou
estabelecimento comercial que o executado não possa alienar livremente.
A lei prevê aqui a citação do outro cônjuge, no fundo, para respeitar o regime
que está previsto substantivamente no artigo 1682º-A do CC, que prevê que o cônjuge
deve obter autorização do outro cônjuge para alienar certos bens próprios. A ideia é de
que se trata de bens de tanta importância para o património familiar que o outro
cônjuge deve ter uma palavra a dizer acerca da oportunidade da respetiva alienação.
Podendo a ação executiva implicar a perda do bem, por identidade de razão o cônjuge
do executado é citado para poder defender o património familiar.
Sendo citado o cônjuge do executado, embora não esteja ele próprio a ser
executado, poderá exercer todos os meios de defesa que a lei confere ao executado
(artigo 787º nº 1 do CPC). Se houver conflito entre os cônjuges quanto à estratégia de
defesa, o conflito deverá ser dirimido pelo juiz nos termos gerais (artigo 723º nº 1 alínea
d)). O prazo para oposição é de 20 dias a contar da citação (artigo 787º nº 1).

Secção V – Venda executiva. Pagamento ao exequente e aos demais credores


32. Pagamento
32.1. Modos de realizar

Avancemos para a última fase da execução para pagamento de quantia certa –


fase de venda executiva e pagamento ao exequente e aos demais credores.
Rigorosamente não tem de haver uma venda executiva, só que ela normalmente terá
lugar.
Esta fase, regulada nos artigos 795º e seguintes, inicia-se após o prazo para a
reclamação de créditos (artigo 796º nº 1). Excetuam-se os casos de venda antecipada
previstos no artigo 814º. Nesses casos, o juiz autoriza que a venda executiva tenha lugar
antes do momento referido no artigo 796º nº 1. É admitida uma venda antecipada
quando os bens estejam sujeitos a deterioração ou depreciação (artigo 814º nº 1). A
venda é feita por negociação particular (artigo 832º alínea c)). Um exemplo de bem
sujeito a deterioração é a fruta.
A finalidade desta fase da ação executiva é obter os valores necessários para o
pagamento da obrigação exequenda. A lei prevê no artigo 795º nº 1 várias
possibilidades:
- entrega de dinheiro;
- adjudicação dos bens penhorados;
- consignação dos rendimentos;
- produto da venda executiva.
Em alternativa a estes meios, é admitido, nos termos gerais, o pagamento em
prestações ou o acordo global (artigo 795º nº 2). Isto é uma manifestação do princípio
do dispositivo.
Quem conduz esta fase é o AE (artigo 719º nº 1).

32.2. Entrega de dinheiro

Comecemos pela entrega de dinheiro. Tem lugar quando a penhora tenha


recaído em moeda corrente ou depósito bancário (artigo 798º nº 1). Aqui não é

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necessário realizar nenhuma venda executiva, porque o objeto da penhora já foi uma
quantia pecuniária.

32.3. Consignação de rendimentos

A consignação de rendimentos está regulada nos artigos 803º e seguintes. O


exequente requer que os rendimentos de imóveis ou de móveis sujeitos a registo lhe
sejam consignados (artigo 803º nº 1). Este regime também se pode aplicar quando se
tenha penhorado um título de crédito nominativo (artigo 805º nº 3). O executado
poderá opor-se à consignação (artigo 803º nº 2), requerendo a venda dos bens. Esta
figura está mencionada no CC nos artigos 656º e seguintes. Por exemplo, o exequente
penhora um imóvel que se encontra arrendado. Requer que as rendas que forem sendo
vencidas lhe sejam atribuídas, obsta-se à venda executiva, embora possa demorar mais
tempo à satisfação do crédito.
Qual é a vantagem desta figura para o exequente? Se ela for requerida antes da
citação dos credores, os restantes credores não serão citados para a ação executiva
(artigo 803º nº 3).
Feita a consignação de rendimentos, a execução é extinta e levantam-se as
penhoras sobre outros bens (artigo 805º nº 1). Se porventura numa outra execução o
bem objeto da consignação de rendimentos for alienado, o exequente goza da
preferência resultante da primeira penhora (artigo 805º nº 2).
No caso particular da locação, mas que se pode aplicar por analogia às restantes
hipóteses de consignação de rendimentos, uma vez pagas as custas da execução, esta
extingue-se (artigo 805º nº 1) e o consignatário recebe as rendas até ser satisfeito pela
totalidade do crédito (artigo 804º nº 3).

32.4. Venda executiva


32.4.1. Regime comum, com menção sumária às diferentes modalidades de alienação

A venda executiva está regulada nos artigos 811º e seguintes do CPC, podendo
revestir várias modalidades previstas no artigo 811º e reguladas sucessivamente. Como
aliás toda a ação executiva, a venda executiva está limitada pelo princípio da
proporcionalidade, portanto logo que se obtenha o suficiente para satisfação das
despesas de execução e do crédito do exequente e credores reclamantes, deverá sustar-
se a venda e ela não é realizada (artigo 813º).
Quem decide acerca da modalidade da venda executiva é o AE, que o faz nos
termos do artigo 812º, que prevê o que é que a decisão acerca da venda executiva
deverá conter (nº 2). Mas qual é a modalidade de venda que o AE deve escolher?
1º- caso o bem objeto da penhora seja um instrumento financeiro ou uma mercadoria
com cotação em mercados regulamentados, por exemplo na bolsa de valores, a venda
executiva deve ser feita nesse mesmo mercado (artigo 830º). É o caso da venda de
ações;
2º- venda direta. Aplica-se este regime quando os bens devam ser entregues a certa
entidade ou tenham sido prometidos vender com eficácia real a quem queira exercer o
direito de execução específica (artigo 831º). O titular de um direito real de aquisição não
pode recorrer a embargos de executado, porque na venda executiva vai ser respeitado
o seu direito. Isso vê-se aqui, é protegido pelo regime da venda direta;

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3º- venda em leilão eletrónico (artigo 837º). Está também regulada nos artigos 20º a 26º
da Portaria nº 282/2013 e no Despacho nº 12624/2015 da ministra da justiça. É aquela
que é mais utilizada;
4º- devemos aplicar subsidiariamente, embora a lei não o diga em geral, o regime da
venda sob propostas em carta fechada, porque é o regime que está mais
pormenorizado;
5º- caso se trate de venda de estabelecimento comercial de valor superior a 500 u. c.,
pode qualquer interessado exigir a venda executiva por propostas de carta fechada;
6º- venda por negociação particular (artigo 832º alíneas a), b), c) e g)): se os bens tiverem
valor inferior a 4 u. c. e quando o exequente e o executado proponham um comprador
e tenha sido oferecido um preço aceite pelos demais, ou quando haja urgência na
realização da venda;
7º- venda por propostas de carta fechada para bens imóveis (artigo 816º) e por depósito
público para bens móveis (artigo 836º);
8º- caso não seja possível nenhum dos meios anteriores, pode ser sempre negociação
particular (artigo 832º restantes alíneas).
Do ponto de vista do professor Tiago Ramalho, havendo consentimento entre
todos os interessados, é sempre possível escolher-se a modalidade de alienação, por
causa do princípio do dispositivo.

32.4.2. Venda mediante propostas em carta fechada

Vejamos mais de perto a venda mediante propostas de carta fechada. Não é esse
o modo preferencial de alienação, é o leilão eletrónico, só que a venda mediante
propostas de carta fechada tem uma função modelar em termos de regime.
Primeiro, é anunciado o valor base dos bens que, nos termos do artigo 816º nº
2, será de 85% do valor base calculado nos termos do artigo 812º nº 3, para gerar um
incentivo à compra. As propostas de valor inferior a 85% deste valor base não poderão
ser aceitas. Isso apenas poderá acontecer se houver consentimento de todos (artigo
821º nº 3). Isto é a regra do CC da aceitação da proposta com modificações.
Anunciado este valor, a venda será publicitada nos termos do artigo 817º, numa
página informática de acesso público e mediante edital na porta do prédio a vender.
Em terceiro lugar, os preferentes são notificados do dia, hora e lugar de abertura
das propostas (artigo 819º nº 1). São notificados nos termos previstos para a citação (nº
3). Se porventura os preferentes não forem citados, poderão propor ação de
preferência, caso a venda seja feita (nº 4). Os preferentes não podem correr embargos
de executado por esta razão. Esta regra é entendida como aplicável ao leilão eletrónico.
Por que é que os preferentes são notificados para a abertura das propostas? Porque o
direito do preferente é o de preferir nos termos da proposta do adquirente. A abertura
das propostas é feita no tribunal (artigo 816º nº 3), podendo elas ser apreciadas por
todos os intervenientes. Cada proponente deverá caucionar a sua proposta (artigo 824º
nº 2).
Em princípio, a proposta que prevalece é a de maior preço. Na eventualidade de
haver várias propostas com o mesmo valor, deverá abrir-se licitação para ver quem
oferece valor superior (artigo 820º nº 2). Admite-se que o exequente manifeste a
vontade de adquirir o bem. Nesse caso, é aberta licitação entre ele e o proponente
(artigo 820º nº 5). Os titulares do direito de preferência, que haviam sido notificados,

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são interpelados para preferir (artigo 823º nº 1). Se houver vários preferentes, vão licitar
entre eles (nº 2). Neste momento, já saberemos quem é que será, em princípio, o
possível adquirente.
O bem é, então, adjudicado. No prazo de 15 dias, o proponente ou preferente
deverá depositar o preço (artigos 824º nº 2 e 825º). Se não depositar o preço, o AE pode
recorrer a qualquer uma das possibilidades do artigo 825º nº 1:
- optar pela proposta seguinte (alínea a)), mas o proponente perde a caução;
- determinar que a venda fica sem efeito (alínea b)), procedendo a uma nova venda
executiva e também perde a caução;
- liquidar a responsabilidade do proponente ou preferente, arrestando os bens
necessários para o pagamento do preço e sendo ele executado no próprio processo pelo
valor do preço da aquisição (alínea c)).
No caso de exequente ou credor com garantia, pode ser dispensado do depósito
do preço, compensando-o com o próprio crédito (artigo 815º nº 1).
É passado o título de transmissão. Neste, que é um ato unilateral do Estado,
constam os bens, certifica-se o pagamento, declara-se o cumprimento ou isenção das
obrigações fiscais e a data da adjudicação. Os bens são imediatamente entregues (artigo
827º nº 1). Se porventura houver recusa de entrega dos bens por parte de quem os
detenha, o adquirente pode exigir a entrega coerciva na própria execução (artigo 828º).
Aquilo que provoca a transmissão da titularidade é o título de transmissão.

32.3. Direito de remição

É ainda possível que, até ao momento da emissão deste título, possa ser exercido
o chamado direito de remição, que é o direito de certas pessoas exigirem que o bem
fique para elas (artigos 842º e seguintes). É, então, o direito que se confere a familiares
próximos do executado de chamarem a si bens objeto de venda ou adjudicação, sendo
uma espécie de direito de preferência concedido a familiares próximos. Visa garantir a
proteção do património familiar no âmbito da venda executiva, evitando a saída dos
bens penhorados do âmbito da família do executado.
O direito de remição prevalece sobre qualquer direito de preferência em sentido
estrito (artigo 844º nº 1), sendo, por isso, denominado de direito de preferência
qualificado.
Sucessivamente, nos termos do artigo 842º, tem direito de remição o cônjuge
não separado judicialmente de pessoas e bens, os descendentes e ascendentes, pela
ordem referida no artigo 845º nº 1. Este direito de remição é exercido no valor pelo qual
tenha sido feita a adjudicação ou a venda. O exercício do direito de remição tem lugar
num prazo apertado que varia consoante a modalidade de venda e a formalização desta
por escrito (artigo 843º nº 1):
- no caso de venda por proposta de carta fechada, o direito de remição pode ser exercido
até à emissão do título de transmissão;
- nas outras modalidades de venda, o direito de remição pode ser exercido até ao
momento da entrega do bem ou da apresentação do título.

32.4. Adjudicação
32.4.1. Efeitos de Direito material

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A adjudicação está regulada autonomamente, mas pode ser encarada como uma
submodalidade da venda executiva. Esta figura está regulada nos artigos 799º e
seguintes. A adjudicação é uma possibilidade que está reservada ao exequente (artigo
799º nº 1) ou a um credor reclamante com garantia real em relação ao bem objeto da
garantia (artigo 799º nº 2).
Exequente ou credor reclamante requerem que o bem lhes seja adjudicado por
certo preço (artigo 799º nº 3). Este preço não pode ser inferior a 85% do valor base dos
bens, que é a mesma regra que está na venda executiva. A proposta de adjudicação é
publicitada, mencionando-se o preço oferecido (artigo 800º nº 1). Se não houver
nenhuma proposta, aceita-se o preço oferecido pelo exequente ou credor reclamante
(artigo 801º nº 1); se houver proposta, é necessário deliberar sobre ela nos termos da
própria venda executiva (artigos 820º e 821º ex vi artigo 801º nº 2). Para muitos aspetos
do regime remete-se para o regime da venda executiva (artigo 802º).
A adjudicação é uma espécie de venda executiva em que a primeira proposta é
feita pelo exequente ou credor reclamante. Há uma iniciativa destes, podendo outros
interessados, a seguir, apresentar as suas propostas.

Do ponto de vista material, quais são os efeitos da venda executiva? A venda


executiva está regulada nos artigos 824º e 825º do CC. A regra geral, nos termos do
artigo 824º nº 1, é que a venda executiva transfere para o adquirente os direitos do
executado sobre a coisa vendida. Portanto, extingue-se a titularidade do direito na
esfera do executado e ela passa para a esfera do adquirente. Com uma consequência:
se porventura o executado não era titular do direito sobre a coisa vendida, o adquirente
também não será. A venda executiva não cria um direito a partir do nada, transmite um
direito. É isso que explica que o terceiro titular da coisa possa recorrer à ação de
reivindicação. Se for transmitida coisa alheia, aplica-se o regime do artigo 825º.
O efeito principal e mais relevante da venda executiva é transmitir para o
adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida, mas há outros efeitos
associados à venda que se encontram particularmente regulados no artigo 824º nº 2.
Este artigo refere duas categorias de direitos:
- direitos reais de garantia (artigo 824º nº 2 primeira parte): caducam sempre com a
venda executiva, sejam eles posteriores ou anteriores à própria penhora, não há aqui
nenhuma limitação temporal. São protegidos mediante a reclamação dos créditos
garantidos para serem graduados e pagos pelo que resulte da venda. Por isso, diz o
artigo 824º nº 3 que, no caso de os direitos caducarem, eles transferem-se para o
produto da venda, portanto extingue a garantia, mas em seu lugar há um direito a
receber o produto da venda de acordo com a graduação do crédito. No limite, pode não
receber nada se houver várias garantias anteriores;
- direitos reais de gozo ou, mais genericamente, outros direitos reais (artigo 824º nº 2
segunda parte): à falta de regime especial, para os demais direitos reais, especialmente
os direitos reais de gozo, é preciso fazer uma distinção – se forem de registo anterior a
qualquer arresto, penhora ou garantia, subsistem; se forem posteriores, extinguem-se.
Por isso, é importante saber quando foi o direito registado, é este o momento temporal.
A lei excetua apenas os direitos que não estão sujeitos a registo. Não têm naturalmente
de serem registados, mas terão de ter data anterior à penhora. Por exemplo, que regime
aplicamos ao direito de arrendamento, que, em princípio, não está sujeito a registo? É
discutido se é direito real, mas normalmente é entendido como direito obrigacional com

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algumas dimensões reais. A abordagem que poderemos fazer é a partir do artigo 824º
nº 1 e depois com a precisão do nº 2. A venda executiva não transmite para o adquirente
mais do que aquilo que tinha o executado. Vale a regra, no regime do Direito do
arrendamento, de que este não se extingue por transmissão da coisa (artigo 1057º). Se
o arrendamento não se extingue quando o locador transmite a coisa, então a venda
executiva também não pode fazer extinguir. Temos apenas de introduzir a correção do
nº 2 – o arrendamento deverá ser anterior à penhora. Se for posterior, ele será
inoponível à venda executiva (artigo 819º). Parece que ao arrendamento deveremos
aplicar o mesmo regime que aplicamos aos demais direitos reais. Há quem diga nesta
matéria que o arrendamento subsiste mesmo se posterior à penhora, mas o professor
Tiago Ramalho não vê como isto se possa ajustar aos artigos 824º e 819º. Este artigo
1057º corresponde ao princípio emptio non tollit locatum que significa “a compra não
tolhe o arrendamento”. O direito de arrendamento tradicionalmente era um direito de
natureza pessoal. Sendo-o e a coisa era vendida, o locatário não tinha proteção, porque
apenas podia exigir à sua contraparte contratual. Se mudava o proprietário, ficava
desapossado do bem31.
Os titulares dos direitos reais que se extingam com a venda executiva veem, tal
como os titulares dos direitos de garantia, os seus direitos transferidos para o produto
da alienação (artigo 824º nº 3).

A venda executiva, como ato jurídico que é, poderá ser anulada. As causas de
anulação estão previstas nos artigos 838º e 839º do CPC:
- existência de ónus ou limitações do direito (artigo 838º nº 1);
- anulação, revogação da sentença exequenda ou oposição à execução ou à penhora
julgadas procedentes (artigo 839º nº 1 alínea a)): aqui é o próprio fundamento anterior
à venda executiva que é colocado em causa;
- anulação de toda a execução por falta ou nulidade de citação do executado (artigo
839º nº 1 alínea b));
- anulação do ato da venda nos termos do artigo 195º (artigo 839º nº 1 alínea c)): o
artigo 195º prevê a regra geral de nulidade dos atos processuais. O que acontece é que
o processo é composto por uma sucessão concatenada de atos. Por conseguinte, a
anulação do ato anterior afeta o ato posterior. A venda pode ser anulada32 em virtude
de um ato processual anterior da cadeia dos vários atos que compõem o processo;

31 Paralelamente ao arrendamento, foi-se desenvolvendo uma figura no Direito europeu que foi a figura
da enfiteuse. Foi revogada em Portugal nos 1970. Era uma figura de mistura entre Direito dos Contratos
e Direitos Reais que consistia na divisão da propriedade em duas partes: tínhamos, por um lado, o
chamado domínio direto que corresponde à titularidade do direito de fundo e, por outro lado, o domínio
útil que era quem usufruía da coisa. A enfiteuse foi reforçando a posição do enfiteuta que paulatinamente
adquiriu uma posição real do bem, que ficou protegido mesmo quando o domínio direto era alienado. No
século XIX, por razões de ordem económica geral, houve um grande combate à figura da enfiteuse por
toda a Europa e uma grande exaltação da propriedade individual absoluta. Paulatinamente a enfiteuse
deixou de se aplicar. O meio privilegiado para poder fruir de um bem pertencente a outro passou a ser o
contrato de locação. Consequência disto: regredimos no nível de proteção, porque passou a ter um direito
meramente obrigacional do arrendamento. Com o êxodo rural, a industrialização e o crescimento das
cidades, multiplicaram-se os casos de arrendamento e de arrendamento sem proteção. Os legisladores,
pela Europa fora, reforçaram a proteção do arrendamento permitindo que a alienação não destrua o
arrendamento.
32 No processo civil, nulidade e anulação são termos utilizados indistintamente.

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- ação de reivindicação do objeto da venda que tenha procedido (artigo 839º nº 1 alínea
d)): antes do que está previsto nesta norma, a transmissão da propriedade não se deu.
A ação de revindicação colocará em causa a produção de outros efeitos da venda que
não a transmissão da propriedade, porque essa nunca se deu.

É discutida a natureza jurídica da venda executiva. Há um entendimento que


parece ao professor adequado que dá conta de forma correta daquilo que se trata: a
venda executiva é um ato expropriativo por razões de interesse privado. O Estado
expropria o executado dos seus bens, atribuindo a titularidade ao adquirente de acordo
com as regras processuais. Remete para a compra e venda quanto aos efeitos.

32.5. Pagamento

Depois de realizada a venda executiva, obtêm-se valores em dinheiro que podem


servir para o pagamento da obrigação exequenda e dos créditos reclamados. A ordem
de pagamento é a seguinte:
1- satisfazem-se as custas da execução (artigo 541º);
2- pagamento dos créditos de acordo com a sentença de graduação;
3- consideram-se os valores dos direitos reais de gozo que tenham caducado, sendo que
eventualmente podem interferir sobre alguns créditos se tiverem garantia posterior a
esses bens;
4- o remanescente, se o houver, é entregue ao executado.
Nos termos do artigo 81º do CPPT, deverá provar que não deve nada à Fazenda
Nacional, mesmo que as dívidas não tenham sido reclamadas.

32.6. Outros modos de cessação da obrigação exequenda

A obrigação exequenda poderá cessar de outras formas que não esta:


- pagamento voluntário pelo executado ou por qualquer outra pessoa (pagamento por
terceiro), nos termos do artigo 846º nº 1: esta possibilidade leva à extinção da execução
logo que se deposite a quantia que seja liquidada (artigo 849º nº 1 alínea a)). Tem de
pagar a obrigação exequenda e as custas do processo;
- por força do princípio do dispositivo, as partes podem dispor a todo o momento do
processo. Portanto, mediante acordo entre as partes, poderá cessar a execução. Há dois
tipos de acordos que são mais relevantes:
- acordo de pagamento em prestações: este é um acordo celebrado entre
exequente e executado (artigo 806º nº 1). Pode ser celebrado até à transmissão do bem
penhorado ou à aceitação da proposta (artigo 806º nº 2). O efeito deste acordo é a
extinção da execução (artigo 806º nº 2 parte final) e, se o exequente não prescindir da
penhora feita na execução, ela converte-se em hipoteca ou penhor, consoante a
natureza do bem em causa, continuando a gozar da prioridade da penhora (artigo 807º
nº 1). Na eventualidade de haver incumprimento da obrigação exequenda, a instância
extinta poderá renovar-se (artigo 808º nº 1). Um outro aspeto relevante é que, caso a
instância se extinga ao abrigo deste acordo, qualquer credor reclamante cujo crédito já
se encontre vencido pode requerer a renovação da instância (artigo 809º nº 1);

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- acordo global (artigo 810º): aqui intervêm também os credores reclamantes. É


um acordo entre exequente, executado e credores reclamantes. Aplica-se com as
necessárias adaptações o regime do acordo anterior.

Secção VI - 33. Extinção da instância executiva e outras vicissitudes

A instância termina nos casos previstos no artigo 849º nº 1. As causas de extinção


da instância são as seguintes:
- alíneas a) e b): pagamento da obrigação exequenda, seja o pagamento voluntário, seja
o pagamento forçado;
- alínea c): é um tipo de norma que parece ao professor mal redigida. Preveem-se dois
casos: quando não se encontrem bens penhoráveis num certo prazo previsto da lei
(artigos 748º nº 3, 750º nº 2 e 855º nº 4) – configura uma hipótese de inutilidade
superveniente da lide; a hipótese particular de adjudicação de direito de crédito prevista
no artigo 799º nº 6. Também se insere aqui o caso de quando a própria ação executiva
perca o seu fundamento, ou seja, quando se revoga a sentença exequenda e já não haja
possibilidade de recurso (artigo 704º nº 2), quando procede a ação de embargos (artigo
732º nº 4) e quando a execução é oficiosamente rejeitada (artigo 734º nº 2).
Encontramos ainda mais duas causas específicas (alíneas d) e e)) e uma causa
genérica de extinção de execução (alínea f)). Ainda há uma última causa que é a
desistência do exequente (artigo 848º nº 1): entende-se que renuncia ao direito de
crédito.
Verificada alguma destas causas, a ação executiva extingue-se ope legis, isto é,
por simples efeito da lei. Por conseguinte, o despacho de extinção da ação executiva
tem valor meramente declarativo (artigo 849º nº 3). Termina, assim, a ação executiva.

34. Renovação da instância

Simplesmente a ação executiva extinta pode renovar-se nos casos previstos no


artigo 850º:
- obrigações periódicas: nesse caso, poderá exigir a renovação da instância para a
cobrança de prestações vincendas (artigo 850º nº 1);
- por iniciativa do credor reclamante, quando a ação executiva se extinga já depois da
reclamação, mas antes do pagamento (artigo 850º nº 2). Neste caso, admite-se a
renovação apenas em relação aos bens objeto da garantia. Contudo, não deverá ser de
aplicar esta norma quando a causa de extinção da execução seja oposição à execução
ou revogação de sentença. Neste caso, não pode exigir a renovação porque a venda
executiva necessariamente ficará sem efeito, porque há um vício da própria execução;
- quando a venda executiva se extinguiu por não identificação de bens penhoráveis, a
ação executiva pode renovar-se quando tais bens se venham a descobrir (artigo 850º nº
5);
- um último caso que está regulado no artigo 828º é o da ação executiva renovar-se para
que os adquirentes dos bens vendidos possam exigir coercivamente a respetiva entrega.

35. Anulação da instância

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A própria ação executiva pode ser anulada em bloco no caso previsto no artigo
851º que é quando se verifica o vício da falta ou nulidade de citação – um dos vícios
mais graves do processo. A consequência é a anulação de todo o processo em bloco,
pois é um vício que o afeta desde a sua origem (artigos 851º, 197º e 190º).

36. Recurso

Quanto ao recurso, em si a ação executiva em bloco não permite nenhum


recurso. Poder-se-á recorrer de atos praticados no interior da ação executiva. Havendo
um ato judicial que tenha sido praticado, vale o recurso de apelação para o Tribunal da
Relação, nos termos do artigo 853º. O recurso de revista (do Tribunal da Relação para o
STJ) está amplamente limitado, nos termos do artigo 854º. É sempre admitido recurso
do despacho de indeferimento liminar (artigo 853º nº 3).

Secção VII - Processo especial de obrigação de alimentos


37. Regime

Veja-se agora um processo especial de execução para pagamento de quantia


certa. O CPC distingue entre processo comum e processos especiais. Estes estão
regulados nos artigos 878º e seguintes. A razão subjacente é encontrar uma tramitação
particularmente ajustada a certas posições jurídicas de Direito substantivo.
Há um relevante que é o processo de execução por alimentos. É uma execução
para pagamento de quantia certa a que se aplica subsidiariamente esse regime (artigo
551º nº 4) que tem por particularidade essencial uma preocupação de eficácia no
processamento, que é essencial para a sobrevivência do alimentando. A execução
especial por alimentos está regulada nos artigos 933º e seguintes e serve para realizar
o direito a alimentos previsto nos artigos 2003º e seguintes do CC. O direito a alimentos
é o que é essencial para alimentação, vestuário, sustento e habitação.
A competência para esta execução é, em princípio, dos juízos de família e
menores (artigos 122º nº 1 alínea f) e 123º nº 1 alínea e) da LOSJ). Este processo está
sujeito a despacho liminar. O exequente (alimentando) pode exigir que as quantias,
vencimentos ou pensões penhoradas lhe sejam adjudicadas diretamente (artigo 933º
nº 1 do CPC). O executado é citado apenas depois da penhora (artigo 933º nº 5 primeira
parte). A oposição à execução ou à penhora não suspendem a execução (artigo 933º nº
5 segunda parte). Nas obrigações de alimentos, aplica-se o limite de impenhorabilidade
parcial previsto no artigo 738º nº 4. Todas estas características visam garantir um rápido
e eficaz acesso do alimentando aos alimentos.

Capítulo IV - Especialidades determinadas pela finalidade da execução


Secção I - Execução para entrega de coisa certa
38. Âmbito de aplicação

Vejamos uma nova finalidade da execução – execução para entrega de coisa


certa. Esta encontra-se regulada nos artigos 859º e seguintes. Do ponto de vista
material, ela corresponde ao direito previsto no artigo 827º do CC, no qual se prevê que,
tendo a prestação por objeto a entrega de coisa determinada, o credor pode requerer a
entrega. Portanto, a execução para entrega de coisa certa serve para realizar pretensões

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à entrega de bens, sejam elas de natureza real (ação de reivindicação), seja natureza
obrigacional (locatário que exige a entrega da coisa ao locador).
Para sabermos se se trata de uma execução para entrega de coisa certa, basta-
nos e é essencial confrontar o título executivo. Se o título delimita a execução e dele
consta a existência de um dever de prestar, então teremos uma execução para entrega
de coisa certa e proceder-se-á à apreensão do bem para sua entrega ao exequente.
Mesmo que a pretensão material à entrega já não exista, porque, por exemplo, a coisa
se perdeu ou extinguiu ou se tornou impossível o seu cumprimento, a execução será
para entrega de coisa certa, mas dentro do próprio processo ela será convertida,
seguindo os termos da execução para pagamento de quantia certa.

39. Forma de processo e competência

Quanto à forma do processo, a execução para entrega de coisa certa está sujeita
a forma única, diz a lei no artigo 550º nº 4. Aplicam-se subsidiariamente as disposições
da execução para pagamento de quantia certa (artigo 551º nº 2). Por exemplo, sendo
necessário despacho liminar.
Quanto à competência, é competente para a execução o tribunal do lugar em
que a coisa se encontre (artigo 89º nº 2).
À forma de processo única, temos de acrescentar a execução de sentença
condenatória. Tratando-se desta, valem as particularidades do artigo 626º nº 3:
primeiro, apreende-se a coisa e só depois é o executado notificado para deduzir
oposição. O tribunal competente é o que proferiu a sentença. O artigo 626º nº 3 diz que,
feita a entrega ao exequente, é notificado o executado para deduzir oposição. Mas é
apreensão. Embora a lei diga entrega, deverá entender-se que a entrega só tem lugar
depois de decorrido o prazo para oposição.

40. Tramitação

Vejam-se as particularidades de tramitação. Via de regra, a fase introdutória da


ação executiva será igual à da execução para pagamento de quantia certa, por remissão
do artigo 551º nº 2. Particularidades há apenas no caso de execução de sentença
condenatória, em que se faz primeiro a apreensão e só depois a notificação do
executado.
Temos aqui uma particularidade nas hipóteses em que o objeto da execução seja
um bem de que o executado não possa dispor livremente. Na execução para pagamento
de quantia certa, o cônjuge era citado nos casos em que, nos termos do regime do
Direito material, o cônjuge executado não pudesse livremente dispor dos bens (artigo
786º nº 1 alínea a) primeira parte). A ideia por detrás deste artigo é, se o executado não
pode sozinho dispor da coisa, por identidade de razão, se a venda executiva importa a
transmissão da titularidade, o seu cônjuge deve poder pronunciar-se. Na execução para
entrega de coisa certa, nada se dispõe sobre esta questão. Não se pode, digamos, aplicar
diretamente o regime do artigo 786º nº 1 alínea a), porque na entrega de coisa certa
não há uma transmissão de titularidade, mas apenas uma entrega material. Contudo,
por identidade de razão, na medida em se afeta a fruição do bem, parece que este
regime poderá aplicar-se por analogia, com uma particularidade que é, quanto ao
momento processual, esta citação dever ter lugar antes da entrega da coisa. Há quem

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aponte para outras soluções, mas o melhor regime parece ser este, no entender do
professor Tiago Ramalho com base no entendimento de Rui Pinto.
O executado, nesta ação, é citado para fazer a entrega ou opor-se à execução
por embargos, tendo o prazo de 20 dias (artigo 859º). Na execução para pagamento de
quantia certa, é citado para pagar ou opor-se; aqui é citado para entregar ou opor-se.
Quanto à oposição à execução, poderá recorrer a todos os fundamentos gerais
(artigo 860º nº 1). Mesmo quem afirma que há restrição probatória na alínea g) do artigo
729º, admite aqui, pelo menos, o recurso à prova por inspeção – deslocação efetiva pelo
julgador àquilo que vai observar (artigo 390º do CC). Será o melhor meio de prova para
demonstrar o cumprimento da pretensão. Para quem entende que não há restrição de
meios de prova, obviamente que não há que fazer esta distinção.
Dentro da oposição à execução, é admissível aqui a oposição por benfeitorias
(artigo 860º nº 1 segunda parte do CPC). Esta referência às benfeitorias alude ao direito
previsto nos artigos 1273º nº 1 e 1275º nº 1 do CC. Estes artigos preveem o direito a
indemnização do possuidor de boa ou má fé pelas benfeitorias necessárias e o direito
de levantar as benfeitorias úteis (artigo 1273º nº 1), e o direito a levantar as benfeitorias
voluptuárias do possuidor de boa fé (artigo 1275º nº 1). Estas benfeitorias estão
garantidas por direito de retenção (artigo 754º). No caso específico do direito às
benfeitorias, coloca-se expressamente uma restrição: se a execução for fundada em
sentença condenatória, o direito às benfeitorias deve ser exercido na ação declarativa
(artigo 860º nº 3 do CPC) através de reconvenção (artigo 266º nº 2 alínea b)). Neste caso
das benfeitorias, existe claramente o ónus de reconvenção. Se o quer fazer valer, que o
faça anteriormente em ação declarativa, sob pena de não se poder defender com este
fundamento na ação executiva. Surge ainda uma outra questão: quando haja direito a
indemnização, poderá ser pedida essa indemnização na oposição à execução? Esta serve
para extinguir a execução. Neste caso particular, parece subjazer ao artigo 860º nº 2 que
o pedido de benfeitorias pode ser feito na oposição à execução. Isto não é unânime, há
quem entenda que se trata apenas de um meio de defesa. Mas o professor entende que
há suporte literal suficiente. A oposição fundada em benfeitorias, em princípio,
suspende a execução, a não ser que o exequente caucione a quantia pedida (artigo 860º
nº 2).
Aqui não haverá a fase da penhora, porque não é necessário penhorar bens para
uma futura venda executiva. A fase que se segue destina-se à apreensão do bem que é
objeto da pretensão exequenda. A lei remete para as disposições relativas à penhora
(artigo 861º nº 1). Em especial, no próprio regime da execução para entrega de coisa
certa, preveem-se algumas particularidades para a apreensão e entrega de coisas
imóveis e de coisas móveis. No caso de coisas imóveis, vigora o artigo 861º nº 3. O AE
investe o exequente da posse, entregando os documentos e as chaves e notificando o
executado, os arrendatários e quaisquer detentores para reconhecerem o direito do
exequente. Quanto à entrega de coisas móveis, as coisas são apreendidas fisicamente e
são entregues ao exequente. A lei, no artigo 861º nº 2, regula a questão de se tratar de
coisas móveis a determinar por conta, peso ou medida, dispondo apenas, nesse caso,
que essas operações devem ser feitas perante o AE. Em tudo o que não está aqui
regulado, vigoram as disposições comuns. Por exemplo, o horário da diligência ou a
necessidade do recurso à força pública.
Não se entende que se aplicam aqui os limites de impenhorabilidade, porque o
controlo acerca do direito em relação àquele bem concreto já terá sido definido no

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momento da formação do título, de modo que não se pode agora invocar um limite
adicional de impenhorabilidade. Embora não se apliquem os limites gerais de
impenhorabilidade, a lei prevê regras especiais de proteção da habitação principal do
executado em dois casos diferentes – em geral e depois em particular nas hipóteses em
que a habitação é arrendada. Excluindo a hipótese de o imóvel ser arrendado, se o
imóvel objeto da entrega é a habitação principal do executado, o artigo 861º nº 6
remete para a proteção dada no artigo 863º nº 3 a 5. Caso se prove por atestado médico
que a diligência coloca em risco a vida de quem se encontre no local (por exemplo, uma
pessoa acamada com uma série de utensílios que não podem ser deslocados com
facilidade), indicando o prazo que se entende adequado para suspender a execução,
nesse caso a execução suspende-se pelo necessário até realojar a pessoa (artigo 863º
nº 3).
Efetuada a apreensão, o executado poderá opor-se, aqui será uma oposição à
apreensão, aplicando-se com as necessárias adaptações o regime de oposição à
penhora. Um fundamento poderá ser a violação da extensão da apreensão.

Apreendido o bem, ele será entregue ao exequente desde que já tenha decorrido
o prazo para a oposição. Entregue a coisa ao exequente e pagas as custas, o processo
pode terminar nos termos gerais.
Se for revogada a decisão que decretou a entrega ou se, por qualquer razão, o
executado recuperar o direito à coisa, por exemplo, porque procedeu a oposição à
execução, pode requerer a restituição da coisa (artigo 861º nº 5). Podemos aplicar este
regime da restituição da coisa para todas as causas que na execução para pagamento
de quantia certa determinam que a venda fica sem efeito (artigo 839º nº 1).
Quando a execução seja fundada num título extrajudicial, prevê-se um regime
especial de responsabilidade do exequente caso:
1- proceda a oposição à execução;
2- o exequente tenha agido sem a prudência normal (artigo 866º).

41. Conversão da execução

Mas temos de introduzir aqui alguns desvios para as hipóteses em que não seja
possível encontrar a coisa, ou pura e simplesmente a obrigação já esteja extinta por
impossibilidade. Nesses casos, a solução da lei é a conversão da execução em execução
para pagamento de quantia certa (artigo 867º). Esta conversão pode ser originária ou
superveniente: originária quando, no momento da propositura da ação executiva, o
requerente pede logo a conversão; superveniente quando o faz apenas no decurso da
ação executiva.
Existem algumas particularidades:
- deve haver um requerimento do exequente, que pode ser o próprio requerimento
executivo ou um requerimento posterior. Neste requerimento, deverá liquidar o valor
da coisa e o prejuízo resultante da falta de entrega (artigo 867º nº 1). A partir do
momento em que liquida a obrigação, pode também pedir juros de mora;
- procede-se à própria liquidação do valor. É feita nos termos gerais dos artigos 358º,
360º e 716º, consoante os casos (artigo 867º nº 1);

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- procede-se, após liquidação do valor, à penhora dos bens necessários para o


pagamento da quantia. A partir daqui, seguem-se os termos da execução para
pagamento de quantia certa (artigo 867º nº 2).
O CPC diz apenas que, não sendo possível encontrar a coisa, se liquida o seu
valor. Mas não é sempre isto que dispõe o Direito material. Com efeito, se se tornar
impossível o cumprimento da obrigação ou houver incumprimento definitivo, temos de
distinguir consoante ele seja ou não imputável ao devedor. Se for imputável, a obrigação
extingue-se, mas surge em seu lugar um direito de indemnização. Se for não imputável,
extingue-se a vida daquela obrigação, em princípio. Mas o CPC diz que, não encontrada
a coisa, liquida-se sempre o seu valor, isto tem uma desarmonia com o Direito material.
Não obstante, presume-se a culpa do devedor (artigo 799º do CC). Se for pedida a
liquidação do valor da coisa, mas nos termos do Direito material se tratar de um caso de
impossibilidade não imputável, o executado poder-se-á opor com fundamento em
inexistência da obrigação exequenda (a obrigação de pagar o valor da coisa) – assim
conseguimos a harmonia.

42. Particularidades do arrendamento: matéria não lecionada

Secção II - Execução para a prestação de facto


43. Âmbito de aplicação

A execução para a prestação de facto destina-se à execução de obrigações


quando do título conste que a pretensão do exequente tem por conteúdo um certo facto
a praticar pelo executado. No CPC, a execução para a prestação de facto está regulada
nos artigos 868º e seguintes e, do ponto de vista substantivo, serve para realizar as
posições previstas nos artigos 828º a 829º-A do CC.
Embora a lei preveja apenas uma execução para a prestação de facto, é bastante
útil distinguir entre 3 submodalidades:
- execução para a prestação de facto fungível (artigo 828º): é uma execução em que a
prestação debitória pode ser realizada por terceiro, incluindo o próprio exequente, à
custa do executado;
- execução para a prestação de facto infungível (artigo 829º-A): o meio para satisfazer o
interesse do exequente é a liquidação da sanção pecuniária compulsória;
- execução para a prestação de facto negativo (artigos 829º do CC e 876º e 877º do CPC):
é uma péssima designação, porque a lei regula nestes artigos a demolição de obra que
foi realizada, apesar do dever de não o fazer. É certo que se violou um facto negativo,
mas o que se trata verdadeiramente é a demolição de obra. Nos restantes casos, aplica-
se o regime anterior. A lei designa mais do que aquilo que realmente é.

44. Forma de processo

A prestação de facto está formalmente sujeita a forma única (artigo 550º nº 4).
Subsidiariamente aplicam-se as regras da execução para pagamento de quantia certa
(artigo 551º nº 2).

45. Tramitação comum

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46. Prestação de facto fungível

Comecemos pela prestação de facto fungível. Nos termos gerais, coloca-se o


requisito da certeza e da exigibilidade. Aqui a questão da liquidez não é tão relevante,
embora se possa colocar abstratamente, porque está muito ligada às obrigações
pecuniárias. Por isso, se a obrigação não for certa, nem exigível, será necessário dotá-la
dessas características nos termos gerais. Havendo mora no cumprimento, a
indemnização moratória poderá ser pedida. A própria execução para a prestação de
facto prevê um regime especial para os casos em que o prazo para realizar a prestação
não conste do título executivo. A lei prevê que na própria ação executiva, num momento
inicial, esse prazo possa ser fixado, nos termos do artigo 874º.
Tratando-se de prestação de facto fungível, o que é que pode o exequente
requerer na ação executiva? Pode requerer duas coisas: a prestação do facto por outrem
ou, se ela já for impossível, a indemnização pelo não cumprimento definitivo (artigo
868º nº 1). Pode acrescentar a isto indemnização moratória e, eventualmente, até pode
pedir só esta. O artigo 868º prevê a possibilidade de liquidar sanção pecuniária
compulsória. Uma vez que o processo civil é instrumental do Direito material, a sanção
pecuniária compulsória não poderá ser estabelecida neste caso concreto, porque, ao
abrigo do Direito material, ela serve para garantir prestação de facto infungível.
Segue-se a citação do executado para realizar o facto ou opor-se (artigo 868º nº
2). A lei prevê, neste caso, expressamente que possa provar por qualquer meio o
cumprimento da obrigação. Prosseguindo a execução, portanto não sendo realizado o
facto, das duas uma:
- poderá o exequente pretender a indemnização do dano sofrido. Nesse caso, a
execução é convertida em execução para pagamento de quantia certa (artigo 869º). Na
eventualidade de logo inicialmente pedir esta indemnização, aplica-se esta regra. Será
necessário liquidar o montante da indemnização, nos termos já vistos. O artigo 869º
remete para o artigo 867º;
- em vez de pretender a indemnização, poderá requerer a prestação por terceiro. A lei
prevê dois esquemas diferentes:
- prestação por terceiro com custeamento prévio: o exequente requer a
nomeação de perito que avalie o custo da prestação (artigo 870º nº 1) que liquidará
também a indemnização moratória. Concluída esta avaliação, são penhorados os bens
necessários para satisfazer essa quantia. Obtido esse valor, termina a execução e a
quantia é entregue ao exequente para realizar a prestação exequenda. No limite, até
pode ser ele a fazê-lo. Na eventualidade de não se conseguir obter o valor necessário
para custear a obrigação exequenda, o exequente pode desistir da prestação de facto e
levantar o valor que se tenha conseguido obter;
- prestação por terceiro sem custeamento prévio: é também possível que, antes
de se ter custeado a prestação, o exequente se substitua na realização do facto (artigo
871º nº 1). Nesse caso, fica obrigado a prestar contas. Na prestação de contas a que
podemos aplicar o regime previsto no artigo 946º, liquida também a indemnização
moratória (artigo 871º nº 2). Aqui a prestação de contas segue a forma de incidente,
mas aplica-se este regime do artigo 946º. As contas apresentadas pelo exequente
poderão ser contestadas (artigo 871º nº 3). Se porventura forem aprovadas, será pago
pelo produto da execução (artigo 872º nº 1).

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47. Prestação de facto infungível

Nos termos do regime de Direito material, prevê-se, para garantir o


cumprimento das prestações de facto infungíveis, a figura da sanção pecuniária
compulsória. Esta figura foi introduzida no Direito português nos anos 1980. Nos
trabalhos preparatórios, Vaz Serra propôs efetivamente que esta figura já estivesse
presente no CC, mas ela foi apenas acolhida posteriormente. Por detrás da sanção
pecuniária compulsória, estão essencialmente 2 figuras: uma que está prevista no
Direito francês e uma que está prevista no Direito alemão. No primeiro, há a figura
desenvolvida pela jurisprudência chamada astreinte, que é uma sanção compulsória
fixada para garantir o cumprimento de qualquer obrigação em geral e o valor fica todo
para o credor. Depois temos no Direito alemão uma outra figura que é também uma
sanção pecuniária que já só serve para compelir ao cumprimento de prestações de facto
infungível. O Direito alemão, na verdade, prevê duas figuras: sanção pecuniária e prisão
compulsória do devedor. Esta figura alemã só serve para prestações de facto infungíveis
e o destinatário do valor é o Estado. O Direito português fez uma fusão entre as duas
figuras. Portanto, a nossa sanção pecuniária compulsória serve somente para
obrigações infungíveis, embora tenhamos os juros compulsórios no nº 4 do artigo 829º-
A do CC, e ela destina-se em partes iguais ao credor e ao Estado.
O exequente pode requerer, no requerimento executivo, duas opções base: uma
primeira é a execução do facto e a liquidação da sanção pecuniária compulsória vencida
e vincenda, ela vai sendo liquidada nos termos do artigo 716º nº 3 do CPC. Com este
pedido pode cumular a indemnização moratória. A sanção pecuniária compulsória é
acessória da obrigação principal. Se o é, se se extinguir a obrigação principal, já não há
mais sanção pecuniária compulsória, porque o incumprimento já não tem interesse.
Caso se exija a indemnização pelo não cumprimento, apenas pode exigir a liquidação da
sanção pecuniária compulsória vencida enquanto o cumprimento era possível, mas a
vincenda já não, ainda podendo exigir a indemnização moratória. Será necessário, nesse
caso, liquidar os valores relevantes e seguir os termos da execução para pagamento de
quantia certa (artigo 869º que remete para o artigo 867º).

48. Prestação de facto negativo

Finalmente, a prestação de facto negativo que rigorosamente respeita à


demolição de obra. A execução deste tipo de prestação está prevista no artigo 829º do
CC. A sua particularidade é que, neste caso, a lei prevê que o direito à demolição cessa
se o prejuízo para o devedor for consideravelmente superior ao prejuízo sofrido pelo
credor (artigo 829º nº 2). O que é que pode pedir o exequente? A demolição, a
indemnização pelo dano sofrido e a liquidação de sanção pecuniária compulsória (artigo
876º nº 1 do CPC).
Vejamos as suas particularidades. Nesta execução, o exequente deve requerer
prova pericial para dois efeitos: para apurar se houve ou não violação (artigo 876º nº 1)
e para que seja apurada a importância necessária para a demolição (artigo 876º nº 3). A
oposição à execução fundada em prejuízo consideravelmente superior suspende a
execução mesmo sem caução (artigo 876º nº 4).
Quanto ao desfecho desta ação, temos duas hipóteses:

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- o juiz ordena a demolição da obra à custa do executado, bem como a indemnização do


exequente (artigo 877º nº 1). A demolição da obra é feita nos termos do regime da
prestação de facto fungível (artigos 870º e seguintes ex vi artigo 877º nº 2). A
indemnização segue os termos previstos no artigo 869º que remete para o artigo 867º
que remete para a execução para pagamento de quantia certa. Nesse caso, quer a
demolição, quer a indemnização são praticadas no mesmo processo;
- o juiz não ordena a demolição de obra por entender que o prejuízo é manifestamente
superior. Nesse caso, fixa apenas o montante da indemnização (artigos 877º nº 1 e 869º
ex vi artigo 877º nº 2).

Capítulo V – Tramitações especiais com incidência executiva

Há uma variedade de figuras cujo critério de reunião é não conseguirem ser


encaixadas no resto do programa, abordadas genericamente em dois grupos de casos:
- regimes processuais ou pré-processuais com incidência executiva, mas que não são
ação executiva comum no sentido visto até agora;
- contratos com incidência executiva.

Secção I - Tramitações processuais ou pré-processuais


49. Providências cautelares com providência executiva
Arresto
Referência nominal ao arrolamento e restituição provisória da posse

Há um primeiro grupo de hipóteses que é o das providências cautelares com


incidência executiva. Pode haver providências cautelares que contêm medidas
executivas.
Rigorosamente podemos distinguir entre providências cautelares que podem ser
executadas na ação executiva, imaginemos uma providência cautelar de arbitramento
de reparação provisória (constitui título executivo), decreta uma medida que pode ser
executada na ação executiva; e a própria providência cautelar ter uma dimensão
executiva. Há vários exemplos:
- providência cautelar de arresto (artigos 619º e seguintes do CC e 391º do CPC):
providência cautelar especificada. A utilidade do arresto é permitir a antecipação dos
efeitos da penhora, uma vez que a preferência resultante da penhora remonta à data
do arresto (artigos 822º nº 2 do CC e 762º do CPC). O arresto antecipa os efeitos da
penhora, mas essa antecipação só se consolida se houver a penhora. Ao arresto aplicam-
se justamente as disposições relativas à penhora (artigo 391º nº 2), portanto no
momento do arresto pode dar-se logo a apreensão dos bens do requerido. Há algumas
particularidades do arresto: a regra de competência para o decretamento do arresto
está fixada no artigo 78º nº 1 alínea a) – são competentes o tribunal da ação principal
ou o tribunal do lugar onde os bens a arrestar se encontram. O pressuposto para o
decretamento do arresto, nos termos do artigo 391º nº 1, é o justo receio da perda de
garantia patrimonial. Este requisito é dispensado nos casos previstos no artigo 396º, que
prevê duas hipóteses – uma que tem a ver com o funcionalismo público (nº 1 e 2) e outra
que diz que, se o bem arrestado for o bem que tenha sido vendido pelo negócio jurídico
cuja obrigação de pagamento do preço esteja em dívida, dispensa-se o requisito do justo
receio (nº 3, norma introduzida em 2013). Permite-se ao vendedor re-obter a coisa, em

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caso de incumprimento, com mais facilidade. Quanto à tramitação, o arrestante deverá


indicar, de imediato, quais os bens a arrestar (artigo 392º nº 1). Se se aplicam as
disposições relativas à penhora, então não deverão ser indicados, e se o forem não
deverá ser decretado o arresto, bens impenhoráveis, porque se o bem é impenhorável,
também não pode ser arrestado. No caso de serem bens em excesso, o arresto deverá
ser reduzido aos seus justos limites (artigo 393º nº 2). Esta artigo deve ler-se como uma
manifestação particular do princípio da proporcionalidade. O artigo 393º nº 3 prevê uma
norma específica de proteção do requerido que é não poder ser privado dos alimentos
necessários para si e para a sua família, remetendo para o regime dos alimentos
provisórios. Esta norma tem de ser lida como um limite que acresce aos limites de
impenhorabilidade. No arresto não há audiência prévia (artigo 393º nº 1), é um daqueles
casos de contraditório diferido – depois do arresto é que se ouve o requerido, pelo que
o juiz deve ser particularmente cuidadoso na verificação da legalidade dos bens
arrestados. As providências cautelares, como provisórias que são, estão sujeitas a
causas de caducidade. As causas gerais constam do artigo 373º. O arresto em particular
prevê uma causa especial de cessação que se encontra consagrada no artigo 395º - é a
não propositura de execução nos 2 meses subsequentes ao trânsito em julgado da
sentença da ação declarativa;
- providência cautelar de arrolamento (artigos 403º e seguintes): o arrolamento, nos
termos do artigo 406º nº 1, consiste na descrição, avaliação e depósito de bens. Desta
forma, também pode ter incidência executiva, na medida em que implica a apreensão
dos bens para depósito. É a própria lei que também a propósito do arrolamento remete
para o regime da penhora (artigo 406º nº 5);
- providência cautelar de restituição provisória da posse (artigos 377º a 379º): exige a
entrega de coisa certa, ou seja, a apreensão da coisa que esteja na posse do requerido
para restituição ao requerente. A lei não o diz expressamente, mas deveremos aplicar o
regime por analogia da execução para entrega de coisa certa.

50. Processos especiais com natureza executiva


Remissão para o processo especial de execução por alimentos
Referência nominal ao processo de prestação de contas e de investidura em órgãos
sociais

Vejamos agora alguns processos especiais com incidência executiva. Os


processos especiais são introduzidos em razão da natureza peculiar das posições
substantivas que pretendem realizar adjetivamente. Aos processos especiais aplica-se
subsidiariamente o disposto para os processos comuns (artigo 551º nº 4). São processos
especiais com incidência executiva:
- execução por alimentos (artigos 933º e seguintes);
- prestação de contas (artigos 941º e seguintes): permite a execução do réu por apenso
(artigo 944º nº 5). Num processo vai-se conjugar o lado declarativo com a execução por
apenso;
- investidura em cargos sociais (artigo 1070º): serve justamente para os casos em que
alguém que tenha sido eleito ou nomeado para um cargo social veja impedida a
possibilidade de o exercer (artigo 1070º nº 1), pelo que requer a investidura judicial.
Esta investidura será feita, nos termos do artigo 1071º nº 1, por funcionário da
secretaria judicial que vai empossar o requerente;

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- processo de maior acompanhado: pode implicar o uso da força sobre o maior


acompanhado, nos termos do artigo 891º nº 2.

51. Procedimentos pré-executivos


a) Hipoteca judicial
b) Procedimento extrajudicial pré-executivo

Procedimentos pré-executivos são procedimentos que se podem adotar antes


do recurso a uma ação executiva:
- hipoteca judicial (artigo 710º nº 1 do CC): é a possibilidade que tem o credor, que
obtenha uma sentença a seu favor ainda não transitada em julgado, de requerer a
constituição de hipoteca sobre os bens do devedor. Se o credor obtém uma sentença a
seu favor, pode logo propor uma ação executiva? Em princípio pode, temos só de ver a
partir do momento em que transita em julgado ou é interposto recurso com efeito
devolutivo. Se não, há o risco de a ação executiva vir a modificar-se por revogação da
sentença exequente. Mas mesmo antes do trânsito em julgado, pode o credor interpor
ação executiva, obter a penhora, mas com o risco. Outra hipótese é esta da hipoteca
judicial, com a vantagem de gozar da preferência resultante da hipoteca, já consegue
beneficiar dos efeitos que beneficiaria com a eventual penhora. É também uma espécie
de penhora antecipada, porque não há apreensão, mas já goza da preferência sem
necessidade de uma ação executiva;
- procedimento especial pré-executivo (PEPEX): encontra-se regulado na Lei nº 32/2014.
Destina-se a identificar se há ou não bens penhoráveis (artigo 2º). O requerente deve
gozar de título executivo (artigo 3º alínea a)) e a obrigação deve ser certa, líquida e
exigível (artigo 3º alínea b)). Deverá apresentar requerimento inicial (artigo 4º) com o
conteúdo previsto no artigo 5º. Apresentado este requerimento, é designado agente de
execução (artigo 6º nº 3). Este AE poderá ser substituído (artigo 6º nº 4 e 5). O AE deverá
realizar todas as consultas necessárias para identificação de bens penhoráveis, que é
aquilo que normalmente faz no início da fase de penhora. Dos atos praticados pelo AE
cabe recurso para o juiz, sendo o processo distribuído apenas para este efeito (artigo
27º nº 1). Na sequência das várias consultas que venha a fazer, apresenta um relatório
(artigo 10º nº 1). Das duas uma:
- o AE encontra bens penhoráveis: o requerente pode pedir a convolação do
procedimento pré-executivo em processo de execução (artigo 11º nº 1 alínea a)). Caso
não pague o valor necessário para esta convolação, o procedimento extingue-se
automaticamente (artigo 11º nº 2 e 3);
- o AE não encontra bens penhoráveis: o requerido é notificado para pagar o
valor em dívida para celebrar acordo de pagamento, indicar bens penhoráveis ou opor-
se ao procedimento (artigo 12º nº 1). Esta notificação deverá ser feita por contacto
pessoal do AE (artigo 12º nº 4). Podem acontecer duas situações depois desta
notificação:
- o requerido nada faz: é incluído na lista pública de devedores (artigo
15º). Poderá ser passada uma certidão de incobrabilidade da dívida (artigo 25º),
que é fundamental quer para efeitos de IVA, quer para efeitos de IRC. Os Códigos
fiscais dizem que se pode considerar como custo caso a dívida seja considerada
incobrável;
- o requerido reage:

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- pode indicar bens à penhora: o requerente é notificado para


convolar o procedimento em processo executivo, pagando o valor
correspondente. Ou requer e passamos a ter um processo
executivo, ou não requer e o procedimento pré-executivo caduca
(artigo 15º nº 2);
- pode opor-se (artigo 16º nº 1): segue-se um processo especial de
oposição e, caso ele proceda, fica excluída a possibilidade de
instaurar uma ação executiva com base naquele título (artigo 16º
nº 9). A competência para este processo de oposição parece ser
dos juízos cíveis, porque a lei não atribui especificamente a
competência aos juízos de execução, pelo que se aplica a regra
residual;
- pode haver um acordo de pagamento (artigo 17º nº 1): o
procedimento extingue-se (artigo 17º nº 3). Se não vier a ser
cumprido o acordo, será possível requerer a convolação do
procedimento em processo de execução (artigo 17º nº 4).
Em qualquer hipótese em que se pede a convolação, o procedimento tem as
especificidades do artigo 18º.
Se ele terminar por não se identificarem bens, podem realizar-se novas consultas
a partir de 3 anos depois (artigo 19º nº 1).

52. Contratos com incidência executiva


a) Contratos que modificam o regime da obrigação exequenda
b) Contratos de execução convencional: cessão de bens a credores e penhor
extrajudicial

De seguida, temos os contratos com incidência executiva que se dividem em:


- contratos que modificam o regime substantivo da obrigação ou do regime de
responsabilidade patrimonial: se o processo civil é instrumental do Direito material e se
as partes podem dispor do objeto das suas relações jurídicas, então decorrentemente
isso terá consequências em sede processual. É o caso do acordo em prestações ou
acordo global. Depois temos a possibilidade prevista no artigo 602º do CC de, tratando-
se de matéria disponível, se poder limitar a responsabilidade pelo incumprimento a
certos bens. É possível que as partes acordem que, em caso de incumprimento, apenas
alguns bens respondem pela dívida, é uma limitação da garantia comum da obrigação
que é o património do devedor. Se isto acontecer, então passaremos a ter uma
impenhorabilidade convencional, caso tais bens, excluídos da responsabilidade, sejam
penhorados (artigo 784º nº 1 alínea c) do CPC). Este acordo pode ser contemporâneo
da constituição da obrigação ou posterior. A dificuldade principal que aqui se coloca é
que o artigo 809º do CC prevê que é nula a cláusula pela qual o credor renuncia
antecipadamente aos seus direitos em caso de incumprimento. Rigorosamente, aqui
não há nenhuma renúncia a um direito constituído pelo incumprimento. O artigo 809º
refere-se a direitos relativos à obrigação exequenda, portanto relativos à Schuld, à
dívida. O artigo 602º, que permite limitar a responsabilidade, refere-se à Haftung
(responsabilidade). O credor não renunciou a nenhum direito, modificou o regime da
responsabilidade patrimonial, são normas com âmbitos diferenciados. O que já
poderemos dizer é que, se o regime da responsabilidade patrimonial for excessivamente

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restringido, em termos práticos, pode-se limitar o que se pretendia atingir com os


mecanismos indemnizatórios do regime do incumprimento;
- contratos que preveem uma modalidade de execução convencional: é necessário
tomar em linha de conta que, se o devedor estiver insolvente quando celebre estes
contratos, eles podem constituir a previsão de vários tipos legais de crime que são os
chamados crimes falimentares (vem do italiano falimento que significa insolvência),
previstos nos artigos 227º e 229º do CP.
Quais são as figuras que merecem ser aqui referidas no âmbito da execução
convencional? A figura geral de execução convencional é a figura da cessão de bens a
credor, prevista nos artigos 831º e seguintes do CC. O devedor autoriza os seus credores
a alienarem uma parte ou a totalidade dos seus bens para satisfazerem certos créditos
em relação ao devedor. Com o produto da alienação extinguem-se as obrigações. Deste
contrato deve constar:
- o objeto da cessão, portanto quais bens do devedor se consideram integrantes do
contrato;
- quais credores estão autorizados a fazê-lo. Trata-se de um contrato, pelo que só vincula
as respetivas partes;
- quais são as obrigações que vão ser satisfeitas através deste meio.
Quais são os efeitos deste contrato? Os credores passam a administrar e dispor
dos bens em causa (artigo 834º nº 1). Rigorosamente, isto não é uma cessão, uma
transmissão, é uma autorização de administração e disposição. A desvantagem que os
credores têm é, na pendência do contrato de cessão, os credores que nele participarem
não podem executar os bens cedidos numa execução contra o devedor (artigo 833º). Os
credores que não participaram no contrato, se as dívidas forem anteriores ao contrato
de cessão, podem executar os bens por causa do princípio da eficácia relativa dos
contratos (artigos 406º nº 2 e 833º primeira parte). O segundo efeito do contrato de
cessão é os credores passarem a ter o dever de liquidação dos bens, podendo ser
fiscalizados pelo devedor e podendo ser pedida a prestação de contas, isto porque estão
a dispor de um bem que não lhes pertence (artigo 834º nº 2). Por fim, as obrigações do
devedor extinguem-se na medida do que for recebido pelos credores (artigo 835º).
Vejamos agora um caso particular que é o penhor em que se pode acordar a
execução extrajudicial (artigo 675º nº 1 segunda parte). Também teremos aqui uma
execução convencional sem processo civil.
Há uma vantagem geral associada às execuções convencionais: como tem na
base um contrato, as partes podem conformá-lo como entenderem mais conveniente.
A desvantagem é necessitar do consentimento de todos. Há também uma vantagem
específica que é não terem a fase de convocação de credores, pelo que a Segurança
Social e a AT não pedem os seus créditos. Também não se extinguem as garantias, mas
estas perdem o seu efeito prático. Esta fase poderia impedir o credor exequente de
satisfazer o seu crédito.

Capítulo VI - A Insolvência e a Exoneração do Passivo Restante


53. O Direito da Insolvência

Este último capítulo destina-se a referir a estrutura do Direito de Insolvência e


ver a figura da exoneração do passivo restante.

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A insolvência é um instituto simultaneamente material e processual. As regras


de Direito da Insolvência são simultaneamente regras de Direito material e Direito
processual. Comecemos pela primeira parte. São regras de Direito material na medida
em que preveem quais são as consequências que decorrem de uma insolvência sobre o
regime material das relações jurídicas do insolvente. A insolvência provoca uma
modificação do regime material. No CIRE, temos dois grupos de normas: os artigos 90º
e seguintes preveem os efeitos da insolvência sobre créditos; os artigos 102º e seguintes
preveem efeitos sobre negócios em curso. Mesmo fora do CIRE, há normas que
representam efeitos materiais da insolvência, por exemplo a perda de benefício do
prazo provocada pela insolvência do devedor (artigo 780º nº 1 do CC). Depois tem uma
dimensão processual, em que se regula de que modo processualmente se extraem as
consequências jurídicas da insolvência. Também está regulado no CIRE.
O Direito da Insolvência era, na tradição do Direito europeu, efetivamente um
processo de natureza comercial. Ainda hoje temos certos vestígios disso. Por exemplo,
o facto de a competência para o processo de insolvência ser dos juízos do comércio
(artigo 128º nº 1 alínea a) da LOSJ). Já não é assim, porque uma pessoa singular pode
ser declarada insolvente, mesmo que não seja comerciante. Hoje falar em insolvência
não é falar de uma realidade específica do Direito Mercantil, é falar de uma realidade
geral que tem uma concretização particular neste Direito. Neste momento, a insolvência
estaticamente normal é a da pessoa singular. O ponto de viragem foi em 2011, que
coincide com o pico da crise económica. Hoje falar da insolvência tem de ser feito
também no contexto do Direito Civil geral. Por isso, quando tratamos desta matéria, isto
é tratar no campo da execução mercantil o que é verdadeiramente uma execução civil.
A razão de haver tantas insolvências de pessoas singulares é a possibilidade de
requererem a exoneração do passivo restante.

54. Origem do Direito da Insolvência


55. Finalidades do Processo de Insolvência

Como é que surgiu o processo de insolvência? A forma de execução que o Direito


Romano conhecia era de execução universal. Simplesmente aquilo que passou para o
Direito europeu não foi essa forma de execução, foi aquilo que acabaria por ser a
execução singular. Ainda que o Direito Romano tivesse uma execução universal, não é
essa a fonte do Direito da Insolvência.
Mas então qual é a sua origem? Encontra-se precisamente no Direito Comercial.
Nasceu através da prática dos comerciantes medievais. Para que o comércio possa
funcionar, é necessário que haja grande celeridade, porque um comerciante ganha
tanto mais dinheiro quantas mais operações negociais conseguir fazer, porque um
comerciante vive da intermediação das trocas. Para que haja celeridade, é necessário
que haja confiança, negoceia-se com mais facilidade quando se confia na contraparte
(não tem de calcular o risco, exigir garantias). Para que haja confiança, é necessário que
os créditos sejam pontualmente cumpridos. Sendo assim, não há nada que atente mais
contra a confiança no sistema de trocas do que a quebra no cumprimento das
obrigações. Sempre que alguém deixa de cumprir pontualmente as suas obrigações,
abala a confiança na normal regularidade do funcionamento do sistema. É assim que a
insolvência nasce no Direito medieval mais tardio, para excluir da comunidade de
comerciantes aquele que colocou em causa a confiança no sistema. Daí que a

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insolvência tenha um outro nome no Direito português que é bancarrota que vem do
latim banca rupta. Quando o comerciante ficava insolvente, ia-se à mesa de câmbio e
esta era partida à frente de toda a gente para simbolizar que já não podia participar no
sistema de trocas. A primeira razão que esteve na base da insolvência foi esta exclusão
de alguém do sistema de trocas, a finalidade de banimento. Ainda hoje o Direito da
Insolvência tem um resquício desta história que é, quando o devedor insolvente for
titular de uma empresa, está obrigado a apresentar-se à insolvência (artigo 18º nº 1 e 2
do CIRE). Aquele que não quer ser banido deve apresentar-se à insolvência. Esta
primeira finalidade é, então, purgatória – serve para purgar o tráfico de quem coloca em
causa a confiança do seu bom funcionamento.
Mas o que se fazia aos bens do comerciante? A insolvência passa a ter a segunda
finalidade de liquidação dos bens do devedor insolvente. Não só se tem em vista excluir,
como repartir de um modo equilibrado e equitativo o património de que o insolvente
ainda dispõe.
Introduziu-se ainda uma terceira finalidade do Direito da Insolvência: finalidade
recuperatória. Quando integra o património do insolvente uma empresa, constituindo
ela uma unidade de valor que beneficia o conjunto da economia, então é importante
encontrar mecanismos que consigam obstar à sua perda, à perda desse valor, portanto
são os diferentes mecanismos de recuperação que estão previstos. Uma coisa é
recuperar a empresa e outra é recuperar o insolvente. Pode-se recuperar a primeira sem
o segundo, como no caso de transmissão da empresa.
Mais recentemente no século XX, e em Portugal no século XXI, o Direito da
Insolvência passou a ter mais uma finalidade especificamente para as pessoas singulares
que foi a finalidade de reintegração no tráfego jurídico, ou seja, a possibilidade de a
pessoa, apesar de insolvente, poder recomeçar a sua vida negocial libertada das dívidas
que não puderam ser satisfeitas.

56. Visão sumária da estrutura do processo de insolvência

Vejamos agora de que modo o processo de insolvência, no seu conjunto, procura


garantir a satisfação dessas finalidades.
O processo de insolvência tem duas grandes fases:
- fase destinada a aferir se o devedor é insolvente, que é uma fase de natureza
declarativa;
- fase de liquidação em sentido amplo, porque se passam mais coisas nessa fase.
O elemento que une as duas fases é a sentença de declaração de insolvência. A
primeira fase, de natureza declarativa, destina-se a apurar se o devedor é ou não
insolvente. Preveem-se aí duas grandes possibilidades: a impossibilidade de cumprir as
obrigações vencidas (artigo 3º nº 1) e, tratando-se de pessoa coletiva ou património
autónomo, o passivo ser manifestamente superior ao ativo (artigo 3º nº 2). A insolvência
tanto pode ser requerida pelo próprio, que às vezes tem o dever de o fazer, como por
qualquer credor.
Se houver declaração de insolvência (artigo 36º), o processo pode avançar para
a segunda fase em que tem lugar a liquidação do património do insolvente. A sentença
de declaração de insolvência é um título executivo gerado no próprio processo, é,
portanto, um título judicial.

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É esta fase executiva da insolvência que se destina a satisfazer as finalidades


vistas anteriormente (purgatória, liquidatória, recuperatória e reintegratória).
Quanto à finalidade purgatória, satisfaz-se através do incidente de qualificação
da insolvência (artigos 185º e seguintes). Destina-se a qualificar a insolvência como
fortuita ou culposa. Sendo a insolvência culposa, poderão certas pessoas objeto deste
incidente de qualificação ser inibidas de administrar patrimónios de terceiros (artigo
189º nº 2 alínea b)) e exercer o comércio ou ocupar cargos de direção em pessoas
coletivas (artigo 189º nº 2 alínea c)). Paralelamente, pode haver a eventual verificação
de um tipo legal de crime decorrente da criação dessa situação de insolvência, por
exemplo insolvência dolosa ou insolvência negligente, mas já são medidas criminais em
sentido estrito.
Quanto à finalidade liquidatória, o processo de insolvência configura uma
modalidade de execução universal. Portanto, a globalidade do património do devedor
será executada para a satisfação da globalidade das suas dívidas. Como é que do ponto
de vista técnico se obtém este efeito? As ações executivas pendentes são suspensas com
a declaração de insolvência (artigo 88º nº 1), podendo mesmo vir a extinguir-se (artigo
88º nº 3). Um outro aspeto é a penhora ou hipoteca judicial não serem atendidas para
a graduação de créditos (artigo 140º nº 3). Um aspeto próprio da insolvência é passar a
ser a figura do administrador de insolvência quem pode exercer os direitos de natureza
patrimonial que pertencem ao insolvente (artigo 81º), ou seja, o conjunto de bens
integrantes do património do insolvente passa a constituir a chamada massa insolvente
que é administrada pelo administrador de insolvência. É uma intervenção externa para
administrar e dispor dos bens do modo que seja mais conveniente para o conjunto dos
credores. A única forma de o devedor pôr fim a isto é pagando. Este administrador de
insolvência tem ainda a possibilidade, conferida pelo CIRE, de intervir sobre algumas
relações jurídicas de que o devedor era parte, resolvendo atos praticados em prejuízo
da massa. O objeto da administração do administrador de insolvência é a massa
insolvente, a finalidade é satisfazer os créditos da insolvência, portanto os créditos dos
credores do devedor. Como é que são satisfeitos? De forma rateada com uma parte da
massa. O grande protagonista da insolvência é seguramente o administrador de
insolvência, como o grande protagonista da ação executiva é o AE. É também um
profissional liberal que deve estar inscrito nas chamadas listas oficiais de administrador
judicial, não tem de ser jurista e, no que toca à relação com os órgãos do Estado, é
equiparado aos AE.
Quanto à recuperação, há várias medidas possíveis previstas na insolvência que
podem permitir a recuperação da empresa. Uma medida possível é a alienação integral
da empresa (artigo 162º) e uma outra é o chamado saneamento por transmissão – é
transmitir os bens do insolvente para uma ou mais sociedades que são criadas (artigo
199º), a vantagem é transmitirem-se os bens sem as dívidas. Genericamente podem ser
aprovadas outras medidas recuperatórias no plano da insolvência.
A última finalidade é a reintegratória que está dirigida somente a pessoas
singulares. Satisfaz-se através da figura da exoneração do passivo restante. Esta está
prevista nos artigos 235º e seguintes e foi introduzida mais recentemente pelo CIRE em
2004. Este regime veio por via do Direito alemão, embora esta figura tenha sido mais
divulgada no século XX nos EUA, concretamente nos anos 1930.

57. A exoneração do passivo restante

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Regime

A exoneração do passivo restante consiste em o devedor ser exonerado de todas


as suas dívidas, com a exceção das previstas na lei, que não sejam satisfeitas no processo
de insolvência ou no período de cessão. É efetivamente uma eliminação das dívidas que
não possam ser satisfeitas. Desde há uns anos, a maioria das insolvências são de pessoa
singular precisamente para obter o uso desta figura. Todos os factos relativos à
insolvência e à exoneração do passivo restante estão sujeitos a registo civil (artigo 1º nº
1 alíneas l) e o) do CRC), isto porque todas as questões relativas à insolvência dizem
respeito ao estado económico da pessoa.
Quanto à tramitação, deverá ser feito o pedido de exoneração no requerimento
de apresentação à insolvência quando é o próprio devedor que se apresenta, ou no
prazo de 10 dias a contar da citação (artigo 236º nº 1 primeira parte). Eventualmente
este pedido pode ser feito posteriormente, só que, nesse caso, nos termos do artigo
236º nº 1 segunda parte, já não há o direito potestativo a que a exoneração seja
decretada, será ponderado se deverá ser concedido ou não. Os credores poderão
pronunciar-se sobre este requerimento, ao abrigo do princípio do contraditório (artigo
236º nº 4).
O segundo momento é o da apreciação liminar do pedido que, em princípio, tem
lugar após audição dos credores (artigo 238º nº 2). As causas de indeferimento constam
do artigo 238º nº 1:
- alínea a): apresentação fora do prazo;
- alínea b): má fé ou censurabilidade clara do comportamento do devedor;
- alínea c): leviandade que se volta a repetir;
- alínea d): regula duas hipóteses diferentes:
- haver dever de apresentação à insolvência, que existe quando é titular de
empresa;
- quando não há dever de apresentação à insolvência, mas a norma cria um ónus
de se apresentar à insolvência, sob pena de perder a possibilidade de exoneração
do passivo restante. Este regime da exoneração protege um devedor que não
agiu censuravelmente e é diligente na consideração dos seus credores,
apresentando-se à insolvência;
- alínea e): está em jogo a censurabilidade do comportamento do devedor;
- alínea f): são os crimes falimentares ou insolvenciais. Está em jogo mais uma vez a
censurabilidade do comportamento do devedor;
- alínea g): novamente a má fé do devedor que não colabora com os órgãos da
insolvência.
É vendo quando não se permite a exoneração do passivo restante que
percebemos a função da figura. A contrario podemos dizer que a exoneração do passivo
restante não se abre para o devedor insolvente de má fé ou cujo comportamento seja
particularmente censurável.
Não se verificando nenhuma destas causas, é proferido o chamado despacho
inicial (artigo 239º nº 1). Neste, o juiz determina a cessão do rendimento disponível do
devedor nos 5 anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência (artigo
239º nº 2). Apenas ficam excetuados da cessão os créditos referidos no artigo 239º nº 3
que prevê os créditos necessários à sobrevivência do devedor. Do ponto de vista do

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professor Tiago Ramalho, só faz sentido se for correspondente ao regime das


impenhorabilidades.
Para além disto, o insolvente tem uma série de deveres declarativos (artigo 239º
nº 4). Durante este período de cessão, não poderá haver execuções singulares sobre o
insolvente (artigo 242º nº 1). Portanto a exoneração do passivo restante é aprovada nos
5 anos após o encerramento do processo de insolvência. Mas o encerramento do
processo de insolvência pode demorar menos ou mais. Faz sentido que a exoneração do
passivo restante tenha um período variável em termos práticos em razão de
circunstâncias que não podem ser controladas pelo devedor? Não. Uma das soluções
que se dá a este respeito, a nível jurisprudencial, é considerar o processo encerrado para
efeitos de exoneração do passivo restante. O professor entende que esta é a solução
mais razoável atendendo às limitações causadas pelo teor da lei 33.

Incidente de qualificação da insolvência (juiz)

declaração de insolvência liquidação

exoneração do passivo restante período de cessão (5 anos)

apreciação liminar despacho inicial

Quem é responsável por acompanhar o insolvente? É o fiduciário, cujas funções


estão previstas no artigo 241º.
Durante aquele período, a exoneração do passivo restante pode terminar
antecipadamente, sendo recusada nos casos previstos no artigo 243º. A alínea b) do nº
1 remete para algumas das causas de indeferimento liminar. Terminado o período de 5
anos, é tomada a decisão final sobre a exoneração (artigo 244º). O juiz deverá ouvir o
devedor, o fiduciário e os credores (artigo 244º nº 1) e a exoneração só deve ser
recusada pelas causas de cessação antecipada (artigo 244º nº 2). Mesmo sendo
concedida a exoneração, pode ser revogada no prazo de 1 ano a contar do trânsito em
julgado do despacho de exoneração (artigo 246º nº 2). Só ao fim de 1 ano se dá a
estabilização completa da concessão.

58. Efeitos

33Há mais exemplos que demonstram como o CIRE não foi bem pensado. Imaginemos que temos um
processo relativo a um crime e os factos que integram a previsão do tipo legal de crime dão lugar a
responsabilidade civil. Se os factos são os mesmos, justifica-se que o mesmo juiz decida das duas
questões. No processo de insolvência, temos o incidente de qualificação da insolvência, mas as suas
causas são as mesmas que constituem a previsão dos tipos legais de crimes falimentares previstos no CP.
Mas o legislador não instituiu a previsão do princípio da adesão.

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Os efeitos da exoneração constam do artigo 245º que determina quais créditos


se extinguem. O nº 1 delimita pela positiva o que é que se extingue e o nº 2 delimita
quais são os créditos que são excetuados do efeito extintivo. A exoneração do passivo
restante é a extinção do que não foi satisfeito no processo de insolvência ou no período
de cessão. As exceções são de enormíssima relevância:
- alínea a): os créditos por alimentos;
- alínea b): indemnizações devidas por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor;
- alínea c): créditos por multas, coimas e outras sanções pecuniárias por crimes ou
contraordenações;
- alínea d): os créditos tributários e da Segurança Social.
Podemos dividir os créditos em públicos e privados. Os créditos públicos
dividem-se em crimes/contraordenações, fiscais ou da Segurança Social, ou outros.
Destes créditos, os dois primeiros mantêm-se, apenas se extinguem os da terceira
categoria, só que não são relevantes. Dentro do Direito privado, distinguimos questões
de natureza pessoal e questões de natureza patrimonial. O crédito que
paradigmaticamente visa proteger bens de natureza pessoal é a obrigação de alimentos
que não se extingue. Quanto aos patrimoniais, temos créditos de fonte contratual e
fonte não contratual, sendo que a grande fonte não contratual é a responsabilidade civil,
os factos dolosos mantêm-se, mas os não dolosos extinguem-se. Os contratuais
extinguem-se.
Visto isto, a que é que se destina a exoneração do passivo restante em termos
práticos? Aos créditos de natureza contratual e aos créditos de responsabilidade civil
por factos não dolosos. Em termos de natureza, a maior parte dos créditos são extintos.
Isto é importante porque, se virmos a que se destina a exoneração, percebemos a que
é que ela realmente se destina. Ela não serve como mecanismo para libertação gratuita
de dívidas, mas serve, pelo menos, para contrabalançar alguns dos riscos naturais da
sociedade moderna. Mas quais? Do ponto de vista contratual, a necessidade que a
pessoa tem de participar num amplo conjunto de relações obrigacionais com o risco de
incumprimento, sob pena de ser excluída da vida social. Este é o primeiro tipo de
finalidade visado pela figura.
A segunda é corrigir os riscos de uma sociedade ultracomplexa, isto a respeito
da responsabilidade extracontratual. Numa sociedade ultracomplexa, qualquer pessoa,
através dos seus atos mais simples, está sujeita, num processo causal, a causar danos
num valor absolutamente desproporcionado à sua capacidade económica.

59. A exoneração do passivo restante – fundamento

A fundamentação da exoneração do passivo restante é uma questão importante


não só pela figura em concreto, mas também pelo seu significado para a compreensão
do Direito privado e para a própria compreensão do Direito.
Vamos ver dois aspetos: algumas figuras históricas que desempenhavam uma
finalidade próxima ou igual à da exoneração do passivo restante e depois vamos tentar
justificar a razoabilidade desta figura.
Comecemos pelo primeiro. Quando se fala da figura da exoneração do passivo
restante, coloca-se como fonte o Direito norte-americano do século XX, a memória não
vai mais longe do que isto. Sob um certo ponto de vista, essa referência está adequada,
porque chegou ao Direito português por essa via, o que não quer dizer que, em períodos

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históricos anteriores, não tenha havido figuras com essa finalidade, ainda que não tenha
havido a sua continuidade. Há antecedentes muito significativos que devem ser
colocados em evidência.
Um primeiro grupo de precedentes históricos surge no espaço da Mesopotâmia,
que corresponde ao atual Iraque. As fontes mostram-nos que uma série de impérios que
aí se instalaram entre 3000 e 500 a.C. tinha leis periódicas de remissão de dívidas.
Sabemos que isso aconteceu, mas não sabemos exatamente porquê, daí não
desenvolvermos este ponto. Na cidade de Atenas, antes de organizar o modelo
institucional da democracia ateniense, fez-se uma grande reforma da propriedade.
O primeiro antecedente mais próximo vem do antigo Direito hebraico, portanto
do judaísmo. Fundamental para a religião judaica são os livros que constituem a Tora,
que são os primeiros 5 livros da Bíblia. Um dos livros, no capítulo XV, versículo 1, prevê
o seguinte: a cada 7 anos dever-se-iam perdoar todas as dívidas, a cada 7 vezes 7 anos
poder-se-iam resgatar, ou seja, readquirir/remir todas as propriedades que tivessem
sido transmitidas no período anterior. Este 7 vezes 7 anos era o ano 50 que era o ano
jubilar. A ideia subjacente a este instituto é que, para o povo judeu, a experiência
fundamental é a da libertação. A finalidade desta remição periódica das dívidas é
reatualizar o ideal de libertação, evitando que, no contexto da vida comunitária judaica,
um judeu, através de vínculos humanos, se tornasse escravo de um outro. Questão que
se coloca: isto alguma vez se aplicou? Mais ou menos, foi-se aplicando, é uma mistura
de uma regra ética, religiosa e jurídica. O que é certo é que, na tradição judaica
posterior, os comentários a esta norma foram restringindo o seu campo de aplicação.
Ainda não podemos dizer que estamos perante uma regra jurídica clara, mas perante
um ideal de comportamento. Em todo o caso, fica a ideia de fundo de que as dívidas
humanamente constituídas podem criar situações humanas de escravidão.
O Direito Romano tinha uma solução no processo de execução universal em que
era possível que o devedor voluntariamente cedesse todos os seus bens – cessão de
bens a credores. Hoje ela existe, mas é um mero contrato. Se voluntariamente cedesse
todos os seus bens aos seus credores, era-lhe concedido o chamado benefitum
competentiae. Se melhorasse a sua condição económica posteriormente, os novos bens
que adquirisse não respondiam pelas suas dívidas. Esta é claramente a figura da
exoneração do passivo restante. Para os romanos, não cumprir um contrato era das
maiores faltas que podia cometer um cidadão. Para um romano, o valor da palavra dada
é tão significativo, que a fides era elevada a deusa – a Deusa Confiança. Mesmo assim,
previa-se esta figura.
Há um exemplo no Direito português que vem do reinado de D. José I em que
quem conduzia os destinos de Portugal era o Marquês de Pombal. Temos, nesta altura,
muita legislação de cariz humanitarista. Referimo-nos ao Alvará de 13 de novembro de
1756. Este diploma data de 1 ano a seguir ao terramoto de Lisboa e prevê um amplo
conjunto de medidas: por um lado, medidas altamente repressivas dos mercadores de
má fé, ou seja, mercadores que trataram de ocultar o seu património para não
responderem pelo incumprimento e, por outro lado, medidas protetoras dos
mercadores de boa fé. Uma destas medidas era 10% do valor que se tenha obtido na
liquidação dos bens era destinado ao próprio insolvente. A medida do parágrafo XXIII 34

34“E porque naõ feria conforme á boa razaõ, nem ao coftume das Nações, que melhor tem pezado as
utilidades do commercio , ee do Eftado, que a infelicidade de fimilhantes Homens, que inculpavelmente
vem a faltar de credito, depois de haverem exhaurido quanto fazer podiaõ na fincera dimiffaõ de todos

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corresponde à figura da exoneração do passivo restante. Temos aqui um exemplo do


Direito português há não muito tempo que claramente permite satisfazer as finalidades
que aqui são descritas.
Fica cabalmente demonstrado que uma figura tal como a exoneração do passivo
restante está muito longe de ser uma extravagância e, pelo contrário, a ser uma
extravagância, encontra uma cobertura em múltiplos períodos históricos e contextos
culturais diferentes.
Ainda hoje uma parte relevante dos Estados não conhece uma figura como esta,
pois é precisamente tida como muito extravagante. Exemplos disso são o Brasil e a
França, que continuam a apostar em soluções como a negociação da dívida. Daí ser
importante sublinhar porque é que a figura é razoável. Tentemos então justificar a
razoabilidade da figura, apresentando 3 linhas de justificação:
- linha de justificação da razoabilidade económica: ou seja, tentar justificar que, do
ponto de vista económico, é mais valioso permitir a extinção de dívidas do que elas
serem conservadas. A primeira justificação económica que é muitas vezes referida é que
a exoneração do passivo restante tem em vista reintroduzir no tráfego económico certas
pessoas que, de outro modo, ficariam sempre excluídas. Não havendo uma figura desta
natureza, o devedor insolvente tem o incentivo económico a não trabalhar ou a optar
por desenvolver uma atividade económica “informal”. De uma ou de outra forma, é
prejudicada a sociedade como um todo, sem que o credor seja satisfeito. É mais
vantajoso reintegrar do que fazer com que a dívida persista. Sob este ponto de vista, há
quem defenda que o período de cessão deve ser reduzido, porque durante os 5 anos a
pessoa tende a trabalhar em ritmo lento por uma razão óbvia: obtido o que é necessário
para a sobrevivência, se o excedente não lhe é destinado, nada faz. A segunda razão é a
perda para o credor ser muito menor do que parece à primeira vista. Temos a ideia de
que o credor perde o seu crédito na parte em que não é satisfeita. Contudo, o credor, o
que perde, é o valor nominal do crédito. Temos de distinguir o valor nominal do valor
real. O primeiro é o montante que pode ser exigido, pelo que o valor nominal do crédito
é sempre o mesmo do início ao fim da relação obrigacional. O valor real do crédito é
aquele que possivelmente pode ser cobrado. Portanto, o valor real do crédito vai
oscilando em todos os momentos da relação obrigacional de acordo com as oscilações
do património do devedor. A partir do momento em que o insolvente perdeu todo o seu
património, o valor real do crédito é tendencialmente 0. Do ponto de vista económico,
o crédito é uma mera pretensão a um crédito futuro que nunca vai ter lugar, porque o
devedor não tem bens. O terceiro aspeto relevante é ser importante uma figura desta

os feus bens, fe perpetuaffem ainda affim de forte, que naõ tiveffe outro termo, que o fim da vida natural,
como grave damno, naõ fó das fuas familias, mas do intereffe público; ficando até á morte inhabilitados,
para ganharem fuas vidas em qualquer util trafico, pela perturbaçaõ, que fem intereffe proprio lhe fariaõ
feus crédores com prizões, e com pleitos, que contra os mefmos Homens, depois de haverem fido
excutidos na maneira acima ordenada, naõ teriaõ outros objectos, que naõ foffem a animofidade, e a
vexaçaõ: Eftabeleço, que todo o Homem de Negocio, cujos bens forem arrecadados, e repartidos na
fobredita fórma, pela determinaçaõ do fequeftro ordenada no Paragrafo vinte defta Lei, fique reputado
por civilmente morto, e por extinctas todas as acções, que contra elle podeffem competir aos feus
crédores até o tempo da referida determinaçaõ: E que pela outra determinaçaõ de partilha, ordenada no
Paragrafo vinte e dous, feja tambem havido, como fe civilmente refufcitaffe, para livre, e
defembaraçadamente traficar, e commerciar, como huma nova peffoa, que antes da dita refurreiçaõ civil
naõ houveffe exiftido no mundo.”

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natureza para repartir os riscos da contratação, sobretudo no campo das relações de


fonte contratual. Credor é aquele que dá crédito ao devedor, confiando que ele vem a
cumprir. Uma parte da perda do credor pode ser imputável ao seu próprio
comportamento, porque concedeu crédito. Esta figura da exoneração pode ser vista
como um desincentivo à concessão de crédito excessivamente leviana, o que é relevante
quando quem concede crédito adota práticas predatórias. A este propósito, consultar a
Recomendação do CE de 12/3/2014, particularmente o considerando 20 35 e a
recomendação 3036. A atuação da UE tende a ser pautada por critérios de estrita
racionalidade económica, portanto há aqui uma defesa de mecanismos como a
exoneração do passivo restante pela sua importância para o todo da economia da
sociedade;
- linha de justificação da razoabilidade jurídica: por razões que já merecem tutela no
próprio ordenamento jurídico. A figura da exoneração do passivo restante limita-se a
conferir à pessoa comum as mesmas vantagens que já são concedidas a pessoas
particulares através das sociedades de responsabilidade limitada. Um outro caso é a
limitação da responsabilidade pelas dívidas da herança aos bens da própria herança;
- linha de justificação da razoabilidade fundamental: relativa aos valores fundamentais
do ordenamento civil. Devemos tomar consciência de que todo o Direito, qualquer
norma jurídica, implica sempre a afirmação de uma certa ideia social da pessoa,
portanto um certo modo de perspetivar o ser humano. Todo o Direito é uma
antropologia, é um discurso normativo acerca do Homem. Aquele que é qualificado
como não humano, a dada altura, passa a pensar-se em si próprio como não humano.
Por isso diziam os romanos omne ius causa hominun constitutum est (todo o Direito foi
constituído para bem dos Homens), portanto não há nada em Direito que não tenha a
ver com a posição social do Homem. Sob este ponto de vista, pretende-se afirmar com
a figura da exoneração do passivo restante um certo modo de perspetivar a pessoa
humana, que é a afirmação clara e contundente de que, sendo a satisfação de vínculos
de natureza pecuniária muito importante, não é tão importante a ponto de aniquilar
definitivamente a figura do devedor sem qualquer perspetiva de esperança para o
futuro. Se porventura uma figura tal como esta não existisse, então o professor pensa
que o Direito estaria a legitimar uma realidade muito próxima da escravidão. O
elemento fundamental é justamente afirmar que o Direito não existe certamente para
ser instrumento de servidão, mas encontra-se ao serviço da possibilidade da comunhão
entre os bens da comunidade que só é possível onde haja liberalidade e onde a pessoa
possa recobrar a sua liberdade.

35 “Os efeitos das falências, em especial, o estigma social, as consequências jurídicas e a incapacidade de
pagar nesse momento as dividas constituem importantes desincentivos para os empresários que
pretendem criar uma empresa ou que disponham de uma segunda oportunidade, mesmo que a
experiência demonstre que os empresários que tenham falido têm mais hipóteses de ser bem sucedidos
numa segunda vez. Assim, devem ser tomadas medidas para reduzir os efeitos negativos da falência sobre
os empresários, aprovando disposições que permitam uma remissão total das dívidas após um período
máximo de tempo.”
36 “Os efeitos negativos da falência sobre os empresários devem ser limitados, de modo a conceder-lhes

uma segunda oportunidade. As dívidas dos empresários falidos devem ser integralmente objeto de
quitação no prazo máximo de três anos a contar:
a) No caso de um procedimento que termina com a liquidação dos ativos do devedor, da data em que o
tribunal decidiu sobre o pedido de abertura do processo de falência;
b) No caso de um procedimento que inclua um plano de reembolso, da data em que teve início a execução
do plano de reembolso.”

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