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2019/2020
ANA CLÁUDIA PEREIRA
FDUP
Nota Prévia: este documento foi elaborado com base nos apontamentos das aulas do
professor Tiago Ramalho, nos livros A Ação Executiva de José Lebre de Freitas, A Ação
Executiva de Rui Pinto, Novos Estudos de Processo Civil de Rui Pinto e Manual da
Execução e Despejo de Rui Pinto, e no artigo A Livre Substituição do Agente de Execução
por Parte do Exequente e o Direito Constitucionalmente Consagrado a um Processo
Equitativo de Maria João Areias.
b) Panorama geral da execução para pagamento de quantia certa nas suas duas
formas, ordinária e sumária
No processo todos os atos são praticados com vista a uma finalidade, pelo que
pressupõem todos os atos posteriores e estes pressupõem os anteriores, daí que
começaremos por apresentar uma imagem global do processo executivo. No CPC, no
artigo 10º nº 6, prevê-se que uma execução pode ter 3 fins:
- pagamento de quantia certa: pode seguir a forma ordinária e a forma sumária;
- entrega de coisa certa;
- prestação de facto.
Destas várias possibilidades o regime que configura o paradigma da execução é
a execução para pagamento de quantia certa na forma ordinária (artigo 551º nº 2 e 3).
É na regulação da execução para pagamento de quantia certa na forma ordinária que o
legislador trata da globalidade das questões da ação executiva. Nos restantes casos,
trata apenas das especialidades, remetendo para o regime subsidiário da execução para
pagamento de quantia certa.
força ou de autorizar o exercício da força (dimensão jurídica); por detrás desta está uma
outra dimensão que, se não existir, a dimensão jurídica é irrelevante – o monopólio é
uma questão de facto, isto é, só é relevante a pretensão de ser o único a poder usar da
força se faticamente for o único que consegue usar da força. Se o poder político não
tiver esta capacidade de se impor, de vencer resistências que se lhe colocam, é
irrelevante. Quando falamos de separação de poderes, usamos o termo “poder”, sendo
que os alemães se referem a ele como Gewalt e a separação de poderes como
Gewaltenteilung.
Isto permite-nos modificar o modo como percebemos a relação entre Direito
material e processo. Nós pensamos o Direito da seguinte forma: primeiro o Direito
material, depois este é discutido no processo declarativo, se não funcionar é o processo
executivo e só depois usa-se a força. Mas no plano fáctico é o contrário: primeiro está a
força, depois o processo executivo, depois o processo declarativo que só é adequado
segundo o Direito material. A partir da capacidade de impor a solução é que se constrói
todo o resto.
Se o poder público tem o monopólio do uso da força autorizada, então os
particulares não têm a possibilidade de usar da força. É esse justamente o primeiro
princípio de todo o processo, por isso está no artigo 1º do CPC. O ponto de partida de
todo o processo é a proibição do uso da força. Sendo assim, o processo está
estruturalmente configurado como uma alternativa que é dada aos particulares em
razão da proibição de que são destinatários. O processo como meio de heterotutela é
uma contrapartida da proibição da autotutela. O processo é uma tentativa de
instauração de uma cultura que assenta na resolução de conflitos não apenas pela força,
mas pela força razoável, é uma tentativa de instauração de uma cultura de paz e não de
guerra.
Em síntese, vamos ver ao longo da disciplina os termos em que a comunidade
politicamente organizada coloca a sua força pública que é a única força autorizada ao
dispor da satisfação de posições jurídicas privadas e, por isso, o processo executivo
regula os termos em que esta força é concedida e permitida, e também os termos em
que ela deve ser limitada para poder ser legitimada. Esta é a tensão que temos sempre
por trás da ação executiva – a força que se consegue e aquela que já não se deve dar.
executiva estava esta fórmula. Iniectio é composto pelo prefixo in e pelo verbo “lançar
sobre”, é o lançamento sobre e manus significa “mão”, é o lançamento da mão. É um
processo que assentava na colocação da mão sobre alguém que seria o executado. A
mão na cultura romana, como em outras, é o símbolo do poder e é por isso que os reis
têm um cetro na mão. Por isso, se a mão é o símbolo do poder e se este processo tem
por dimensão o lançamento da mão sobre alguém, é um processo que assenta em
colocar o devedor no poder do credor. Quanto à estrutura, o ponto de partida era uma
afirmação por parte do autor perante o pretor (quem tinha o poder jurisdicional) em
que dizia o seguinte: “porque foste condenado a pagar uma quantia de tal e porque não
pagaste, então por causa desta sentença lanço a minha mão sobre ti”. Assim, o processo
tinha como pressuposto uma sentença que não tinha sido cumprida e por isso queria
colocar a mão sobre ela. Ao mesmo tempo que dizia isto colocava fisicamente a mão,
eram ações simbólicas. A partir deste momento em que o autor fazia esta declaração, o
devedor já só podia ser libertado por um terceiro que era o vindex, era alguém que vinha
resgatar o devedor. Se não viesse, o processo continuava. Como é que o terceiro
resgatava? Afastava a mão do credor, novamente uma ação simbólica. Se porventura
esta oposição fosse improcedente, o valor da dívida duplicava. Se não houvesse
nenhuma oposição, o processo avançava. Qual a sequência do processo? Em primeiro
lugar, o credor podia vender o devedor e agrilhoá-lo com algemas durante 60 dias. A Lei
das XII Tábuas regulava esta questão dizendo o peso das grilhetas e que tinha de se
alimentar o devedor. O autor deveria apresentar o devedor em 3 dias de mercado para
o vender pelo valor da dívida, vendia a quem pagasse a dívida do próprio devedor. Havia
ainda uma terceira possibilidade: se isto não acontecesse, ao fim deste tempo o credor
podia fazer duas coisas – vender o devedor como escravo no estrangeiro (que era o
outro lado do rio Tibre); ou podia fatiar o corpo do devedor, sendo chamados os vários
credores e cada um podia ficar com uma parte do corpo correspondente à porção do
seu crédito e a Lei das XII Tábuas dizia, a este respeito, que, se se cortasse mais do que
era suposto, não havia problema. Em que é que assenta a ação executiva? A execução é
sobre a pessoa, particularmente no limite sobre o corpo da pessoa, o corpo responde
pela dívida de uma forma muito literal. Há quem diga que corpo significava património,
mas não sabemos. Não há conhecimento de nenhum caso em que isto tenha
acontecido, mas a verdade é que há muito poucas fontes. A finalidade é criar uma
ameaça tal que crie um incentivo sobre todos os intervenientes para pagar a dívida, é
um procedimento intimidatório.
O próprio Direito romano evoluiu e há um segundo grande arquétipo de
processo – processo formulário. Havia uma ação que servia para a execução que era a
chamada actio iudicati. Como é que funcionava? O credor dirigia-se ao devedor e pedia
esta ação. Nesta fase, apurava-se se havia uma sentença que condenasse já o devedor
ou uma confissão de pedido. Deveriam decorrer 30 dias entre a sentença ou confissão
e a actio. O devedor podia opor-se e, se improcedesse, a consequência era duplicar o
valor. Se o processo fosse de avançar, era dada ao credor a possibilidade de encarcerar
o devedor, mas, a par deste encarceramento, toda a posse dos bens do devedor era
transmitida para o credor para os conservar, como medida preventiva a que o devedor
esvaziasse todo o seu património para não cumprir. O credor normalmente designava
um curador para o fazer. Na fase seguinte, anuncia-se publicamente a execução para
que os demais credores reclamem os seus créditos. Terminado este tempo, o devedor
era declarado infame, ou seja, de má fama, não confiável. Isto tinha consequências
porque depois não podia praticar uma série de atos. De seguida, os vários credores são
convocados pelo pretor para escolherem alguém que venda todo o património do
devedor. Os bens são todos adjudicados a quem oferecer o valor mais elevado. Aqui
temos em parte uma execução pessoal devido ao encarceramento/prisão, mas também
já temos uma execução real que incide sobre a totalidade do património que é alienado
para a satisfação dos créditos dos credores, portanto uma execução real universal. Uma
particularidade deste regime era que permitia que o devedor, se o seu sobre-
endividamento não se devesse a causa culposa, pudesse voluntariamente entregar
todos os seus bens – é a chamada cessão de bens. Se o fizesse, gozava de duas
vantagens: não era infame e, se viesse a melhorar a sua situação económica, os novos
bens que adquirisse não respondiam pelas dívidas. Isto é relevante porque no nosso
atual Direito da Insolvência, em 2004, introduziu-se uma figura que remonta ao Direito
romano – a exoneração do passivo restante.
O Direito romano evoluiu ainda mais e, no Direito romano tardio, surgiram
paulatinamente as seguintes novidades: criam-se prisões públicas para encarcerar o
devedor, admite-se a possibilidade de executar a própria coisa devida (imaginemos que
é devida uma carroça, a execução já não é por um equivalente em dinheiro, mas pode
ser a própria carroça), admitiu-se também que a execução devesse ser dirigida por
juízes, foi desprivatizada/publicizada, e também a possibilidade de venda em lotes do
património do devedor em vez de ser vendido todo em simultâneo. São pequenas
alterações de natureza técnica.
O Direito medieval é uma confusão, porque há uma profusão de fontes
normativas diferentes. Em todo o caso, é aqui que surge uma novidade muito relevante
para a evolução do Direito – para executar uma obrigação, podia-se exigir que se
constituíssem penhores sobre os bens móveis do devedor. Em caso de incumprimento,
estes bens eram vendidos através do penhor. O segundo passo foi o controlo deste
processo, que passou para as mãos da autoridade pública, já não é só o credor que exige
penhores sobre bens móveis para serem vendidos os bens e com o seu produto
satisfazerem o crédito. Com isto nasceu a penhora: solicitação ao tribunal para que
sejam penhorados certos bens ao devedor para satisfazer a dívida exequenda. Aqui já
não temos uma execução real universal, mas singular, o credor exige para a satisfação
do seu crédito (e não dos outros credores) que sejam penhorados dados bens do
devedor para com o seu valor satisfazer o crédito.
A prisão por dívidas do Direito romano manteve-se até ao século XIX de uma
forma generalizada. Havia algumas exceções, como as mulheres que não eram presas
por dívidas. Também os clérigos não o eram. A prisão por dívidas acabou por
desaparecer por volta do século XIX por 3 razões: as prisões estavam cheíssimas de
devedores, o que é um problema para o erário público; é uma medida ineficiente, se
não pode pagar, o facto de estar preso não vai fazer com que vá pagar, não leva a que o
devedor tenha subitamente mais bens para pagar; a própria ideia do vínculo negocial
foi dessacralizada, o incumprimento não revela propriamente uma falha a ser punida via
de regra, deve-se ao acaso da própria vida económica. Por conseguinte, não se justifica
uma sanção tão acentuada e intensa. O primeiro país a abolir a prisão por dívidas foi
Portugal em 1774. Presentemente, a prisão por dívidas não está prevista para o Direito
privado, considera-se que decorre do artigo 27º nº 1 da Constituição da República
Portuguesa (de ora em diante CRP) e para as dívidas contratuais a prisão por dívidas está
proibida pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e pelo artigo 1º do
Atualmente a execução:
- pessoal:
- pelo corpo: não existe;
- por prisão: não existe;
- por fama: mais ou menos, devido à lista pública de execuções;
- real:
- universal: é a insolvência;
- singular: é a ação executiva.
Como é que se articulam então as duas ações? A ordem natural das coisas seria,
em primeiro lugar, a ação declarativa e, em segundo lugar, a ação executiva. Propõe-se
primeiro uma ação declarativa que termina com a prolação da sentença. Obtida uma
sentença condenatória a favor do autor, recorre em seguida à ação executiva. Esta
coordenação natural das duas ações está espelhada no artigo 703º nº 1 alínea a) que diz
que a sentença condenatória é título executivo. Então a sentença condenatória é um
meio bastante para atingir a ação executiva. Naturalmente a ação declarativa precede a
ação executiva. Há um segundo efeito muito relevante associado a ter-se recorrido a
uma ação declarativa: se a tiver havido antes da ação executiva, não se poderá recorrer
nesta aos meios de defesa já precludidos. Essa relação natural não é necessária, mas
eventual, porque além da sentença há outros documentos aos quais se atribui força
executiva. Por exemplo, um cheque tem força executiva. Sempre que seja admitido um
título executivo que não a sentença, então a ação executiva não é necessariamente
precedida da ação declarativa. Com uma consequência: em princípio, na ação executiva
vai poder recorrer a todos os meios de defesa a que poderia ter recorrido numa ação
declarativa.
Em síntese, pode haver ação declarativa sem ação executiva, pode haver ação
declarativa seguida de ação executiva e pode eventualmente, se o título executivo
permitir, haver ação executiva sem prévia ação declarativa.
4. Modalidades de execução
4.1. Execução convencional e execução coativa
dação pro solvendo, que consiste na entrega de coisa diferente da devida e extingue
apenas na medida da obrigação;
- execução coativa: é aquela que é realizada apesar da vontade do executado.
As formas de execução convencional gozam de todas as vantagens e
inconvenientes do negócio jurídico. A grande vantagem é que, se depende da vontade
das partes, podem modelar a execução do modo que melhor satisfaça os seus
interesses. Um outro aspeto significativo é que pode ter um custo muito inferior a uma
execução coativa. Mas a principal desvantagem é que não há nenhuma instância
imparcial que intervenha para apreciar a irregularidade da execução, sem prejuízo da
enorme limitação do seu alcance prático que é exigir o consentimento do devedor.
Como nem sempre se pode obter o consentimento dos interessados, recorre-se à
execução coativa.
Há dois casos particulares que não podem ser reconduzidos a estas duas
categorias:
- em certas hipóteses, é possível fazer valer um efeito jurídico sem necessidade de
execução, por exemplo a compensação, nos termos do regime substantivo, pode ser
operada por simples declaração e, nesse caso, a obrigação extingue-se a partir do
momento em que a declaração é eficaz (artigo 848º do CC). Se assim é, então é possível
que o titular do direito de compensação extinga a sua dívida ou cobre o seu crédito sem
necessidade de qualquer auxílio de terceiros, não há necessidade de uma eventual ação
executiva. Há quem diga que isto é uma forma de autotutela, porque pode ele próprio
cobrar o seu crédito. O professor Tiago Ramalho entende ser mais adequado dizer que
há desnecessidade de tutela executiva. A questão está em que o ato de cobrança é em
si irrelevante, é uma mera declaração. Há hipóteses em que pura e simplesmente não é
necessário recorrer a medidas executivas;
- fora deste quadro da execução convencional e coativa está a arbitragem em matéria
executiva. Não existe arbitragem em matéria executiva, não é possível que as partes por
acordo confiram poderes públicos de execução a particulares. Não existe por se
entender que o monopólio do uso da força deve estar reservado ao poder público ou a
um grupo restrito de entidades a quem o poder público a delega. Por volta de 2009, o
CPC previu a possibilidade de arbitragem em matéria executiva, mas não a
regulamentou, sendo que em 2013 a extinguiu.
O processo executivo que vamos estudar corresponde a uma execução coativa.
- autotutela: é a tutela, a proteção das posições jurídicas pelo próprio titular, vem do
prefixo grego auto que significa o próprio.
- heterotutela: é através do outro, que é a comunidade politicamente organizada.
O princípio fundamental é o da proibição da autotutela (artigo 1º do CPC), sendo,
todavia, admitida em casos excecionais. O meio subsidiário da autotutela é a ação direta
prevista no artigo 336º do CC. Depois há muitos meios específicos – a legítima defesa
(artigo 337º), o estado de necessidade (artigo 339º) e casos especiais de autotutela
- execução singular: é aquela que pode ser intentada idealmente por apenas um credor
para a satisfação de uma só dívida, executando-se um só bem, ou seja, a execução
singular tem por referência o que for necessário para satisfazer aquele crédito. O
princípio que acaba por reger a execução singular é o princípio da precaução – a ação
singular, em princípio, protege somente o credor que tem iniciativa de agir e agindo
obtém em seu favor a penhora. É o credor que queira gozar da preferência da penhora
que deve ser precavido e iniciar a ação executiva, se não a iniciar não consegue obter a
penhora em seu favor, pelo que não é protegido pelo valor de realização dos bens do
devedor. No modelo da ação executiva singular, em princípio, só é protegido o credor
que toma a iniciativa de agir. Só quem é precavido é que é tutelado;
- execução universal/concurso: concurso significa lugar para o qual acorrem todos. A
execução universal respeita, em princípio, à totalidade das relações jurídicas do
devedor, pelo que então envolve todos os credores, todas as dívidas e todos os bens.
Por isso, mesmo não sendo um credor precavido, em princípio vai ser citado para a
execução universal. O meio próprio para a execução universal é o processo de
insolvência. Como é que são satisfeitos os créditos? Em primeiro lugar, respeitam-se as
garantias constituídas, como na ação executiva, e, uma vez respeitadas, o que sobra é
distribuído equitativamente pelos credores. Isto é o que se designa por princípio da par
conditio creditorum, isto é, princípio do igual tratamento dos credores (artigo 604º nº 1
do CC). Na insolvência, não se consideram as penhoras ou hipotecas judiciais que já
tenham sido constituídas, não é uma causa de preferência da insolvência, porque senão
ficava desvirtuado (artigo 140º nº 3 do CIRE).
Por exemplo: o devedor tem bens de 100 e tem 2 credores – A e B. A tem um
crédito de 300 e B tem um crédito de 700. Numa ação executiva singular, primeiro A e
depois B, A é o primeiro a agir e penhora o bem que vale 100. É satisfeito em 100 e B
em nada. Na insolvência, A era satisfeito na percentagem, em 30 e B em 70.
Dentro desta divisão o que vamos estudar é o regime da execução singular,
sendo que o regime da execução universal está regulado no CIRE.
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Importa perceber por que razão o Direito Civil se preocupa com a tutela integral
dos bens jurídicos ou a tutela natural dos bens, ou seja, porquê execução específica e
não execução por equivalente. Há 3 razões que mostram que o valor de um bem não é
igual ao seu valor em dinheiro, se não houvesse execução específica não se tutelaria
devidamente o credor, porque obteria direito a uma coisa e na ação executiva obteria
outra que não lhe era correspondente:
- há bens insubstituíveis, por exemplo um imóvel, que é uma porção determinada do
solo. Se houver um equivalente em dinheiro, isso nunca corresponderá integralmente
ao prédio em causa. Isso mostra claramente que há bens jurídicos irrepetíveis;
- o valor afetivo dos bens: quando os bens têm um valor afetivo, tornam-se únicos e não
é possível adquirir equivalentes, por exemplo um animal de companhia;
- em períodos de mau funcionamento do mercado, o dinheiro perde a sua capacidade
aquisitiva. Se ninguém se predispuser a alienar um certo bem, de nada serve um valor
monetário, porque o dinheiro só tem valor quando a outra pessoa lhe atribuir valor.
Estas 3 razões permitem justificar de forma muito clara por que é que a execução
específica se constitui um reforço de tutela do credor.
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Importa fazer uma breve nota sobre a ação de execução específica (artigo 830º
do CC): tem muito a ver com o que foi dito até agora, ou seja, com a tutela integral do
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Quanto à aplicação da lei no tempo, a regra geral é a de que a lei vigora apenas
para o futuro (artigo 12º do CC). Em matéria de processo civil, nos termos do artigo 136º
do CPC, para a forma dos atos vigora a lei do momento da sua prática (artigo 136º nº 1),
para a forma de processo vigora a lei do momento da propositura da ação (artigo 136º
nº 2).
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Castro Mendes dizia que o legislador processual tinha de tomar uma posição: ou
adota um modelo geral declarativista em que toma por paradigma a ação declarativa,
ou um modelo executivista em que toma por paradigma a ação executiva, mas uma
coisa ou outra porque elas são muito diferentes. No Direito português, não há dúvida
de que o paradigma é a ação declarativa, aplicando-se depois com as necessárias
adaptações e na medida em que o justifique o regime da ação declarativa à ação
executiva. Sendo assim, se a solução da nossa lei é essa, então apenas temos de
considerar os princípios particulares da ação executiva, porque, quanto ao mais, vale o
que já conhecemos da ação declarativa. Quais são, então, os princípios centrais da ação
executiva?
- princípio do acertamento: na ação declarativa o ponto de partida é a dúvida ou a
incerteza acerca do Direito material. Na ação executiva, pelo contrário, o ponto de
partida é o de que uma das partes é devedora. Isto tem consequências: enquanto a ação
declarativa é marcada pela paridade das partes, a dúvida do tribunal é saber qual delas
tem razão; a ação executiva é marcada pela imparidade das partes, porque o tribunal
parte do princípio de que uma das partes é credora e outra é devedora. Sob este ponto
de vista, a ação declarativa tem uma lógica bilateral; a ação executiva tem uma lógica
unilateral. Princípio do acertamento significa então que na ação executiva se tem por
certo o conteúdo da relação material. Contudo, para que esse conteúdo seja tido por
certo e existente, é necessário que conste do título executivo, daí o título executivo
como pressuposto específico. Podemos já traçar a seguinte relação: quão mais forte o
título executivo, menores serão as garantias do executado; quão mais fraco o título
executivo, maiores serão as garantias do executado. Podemos distinguir duas
dimensões deste princípio:
- positiva: resulta dele que da simples existência do título executivo se tem a
relação material por acertada nos exatos termos que resultem do título;
- negativa: não se tem por acertado ou por certo nenhum elemento que não
resulte do título executivo. Para estes outros elementos será necessária alguma
atividade probatória adicional para que a execução tenha lugar.
Veja-se o seguinte exemplo: imaginemos que do título consta uma
obrigação condicional, poderá o exequente exigir de imediato o
cumprimento da obrigação? Não, porque do título não consta que se
verificou a condição, do título resulta apenas que foi prevista a
constituição de uma prestação caso se verifique um facto futuro e
incerto, logo é necessária alguma atividade adicional para que a
obrigação possa ser exercida. Imaginemos, pelo contrário, que consta a
obrigação de pagamento de 5.000€ de um certo documento particular
autenticado e que isso é apresentado. Do título executivo consta um
dever de prestar 5.000€. Tem o exequente de fazer alguma atividade
adicional probatória? Não.
- princípio da proporcionalidade: tem particular intensidade na ação executiva, apesar
de ser um princípio geral. Tem muitas concretizações particulares no regime da ação
executiva. Por exemplo, o artigo 735º nº 3 do CPC que é uma regra que limita a penhora
aos bens necessários. Além dessas previsões específicas, vale como parâmetro geral de
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Rui Pinto considera ainda um princípio de favor creditoris1, mas o professor Tiago
Ramalho não acredita que esta expressão verta a ação executiva, pois vigora antes o
princípio do acertamento, ou seja, aquele princípio vigora nos limites do princípio do
acertamento, há um tratamento favorável dentro dos limites do acertamento. A ação
executiva só é favorável ao credor no que está acertado.
1 “Outros AUTORES assinalam como identitário da ação executiva o que designam como favor creditoris:
a execução seria um processo sem igualdade material de fundo entre credor exequente e devedor
executado, prevalecendo a posição daquele sobre a deste. (...) Assim, notas desse princípio seriam:
a. a eventual dispensa de citação prévia à penhora (cf. artigo 727º);
b. ser, por regra, da responsabilidade do exequente a designação e a destituição do agente de execução
(cf. artigo 720º nºs 1 e 4);
c. o julgamento das questões que mereçam um tratamento declarativo fora da própria linha
procedimental executiva, em processos apensados, estruturalmente autónomos embora funcionalmente
acessórios, como a oposição à execução ou à penhora;
d. a não suspensão da execução por oposição à execução, em regra (cf. artigo 733º nº 1);
e. a penhora só ser levantada depois da penhora substitutiva se consumar, nos incidentes de substituição
dos bens penhorados por outros (cf. artigos 740º nº 2 e 751º nº 6);
f. a existência de regimes de revelia com efeito cominatório pleno ou de tipo injuncional (cf. por ex., os
artigos 741º nº 2, 773º nº 3, 791º nº 4, 792º nº 3);
g. a restrição das intervenções de terceiro passivas, tanto as provocadas pelo executado, como as
espontâneas.
Estes aspetos de favor creditoris decorrem do próprio postulado intrínseco da execução: a parte ativa não
pretende ter um direito, mas exerce já um direito, demonstrado no título executivo. Neste sentido, a
execução é do e para o credor, pelo que nenhum favor – i.e., um desvio ao princípio da igualdade – é dado
ao credor. Na verdade, o favor creditoris é a expressão procedimental da natureza forçada da execução,
ínsita no artigo 817º CC.”
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2 Lebre de Freitas considera o seguinte: “O dever de prestar deve constar dum título: o título executivo.
Trata-se de um pressuposto de caráter formal, que extrinsecamente condiciona a exequibilidade do
direito, na medida em que lhe confere o grau de certeza que o sistema reputa suficiente para a
admissibilidade da ação executiva.”
3 O mesmo autor da nota anterior acrescenta que “Certeza, exigibilidade e liquidez são pressupostos de
caráter material, que intrinsecamente condicionam a exequibilidade do direito, na medida em que sem
eles não é admissível a satisfação coativa da pretensão. (...) Mas a certeza, a exigibilidade e a liquidez só
constituem requisitos autónomos da ação executiva quando não resultem já do título executivo.”
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É necessário que do título conste uma obrigação ou, mais precisamente, uma
pretensão nos termos já referidos (direito a exigir de outrem um comportamento
positivo ou negativo). Obviamente que o título, como documento humano, carece de
interpretação para determinar qual é a obrigação que dele resulta, ou seja, a execução
tem por objeto a obrigação que, do ponto de vista interpretativo, resulte do título. Para
efeitos da ação executiva, basta que a obrigação conste do título, ainda que
concretamente não exista, ou seja, o título é suficiente para presumir a obrigação. Se
porventura do título constar uma obrigação e ela não existir ou já estiver extinta, é o
executado que tem o ónus de suscitar essa questão e pedir a extinção da execução na
oposição à execução (artigos 729º alínea g) e 731º consoante os casos). Se assim é,
então a partir do momento em que o título é apresentado, a ação executiva está
naturalmente preparada para avançar sem necessidade de qualquer indagação
adicional. É muito diferente do caso da ação declarativa em que o autor tem de alegar,
apresentar meios de prova, etc. Aqui parte-se do princípio de que a obrigação existe
apresentando o título.
Se porventura do título não constar nenhuma obrigação, então não existe sequer
título executivo, o documento não vale nada para efeitos da ação executiva. Nesse caso,
a ação executiva é inadmissível por falta de título.
Para a ação executiva, contudo, não basta a existência de uma obrigação, mas é
necessário que ela seja certa, líquida e exigível. Rigorosamente, a certeza, liquidez e
exigibilidade não são requisitos para o início da ação executiva, ela pode iniciar-se, via
de regra, mesmo que a obrigação não tenha estes atributos. Nesse caso, na fase
introdutória da ação executiva devem ter lugar as diligências necessárias para dotar a
obrigação dessas características (artigo 713º).
Quais são as consequências da inobservância deste pressuposto processual? Se
a obrigação não for tornada certa, líquida e exigível, a ação tona-se inadmissível e deve
extinguir-se. A falta de certeza, liquidez e exigibilidade é justamente fundamento de
oposição à execução (artigo 729º alínea e)).
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(artigo 428º do CC). Para a lei processual o não oferecimento da prestação está
equiparado à não realização da prestação. São estes os quatro casos principais de
obrigações inexigíveis. Diferente destes casos são as obrigações puras (artigo 777º nº
1), em que a interpelação é feita pela citação judicial (artigo 610º nº 2 do CPC ex vi artigo
551º nº 1). A consequência aqui é que as custas recaem pelo autor, pelo exequente
(artigo 535º nº 2 alínea b)).
A liquidez é a determinação quantitativa do montante da obrigação. Um
exemplo de obrigação ilíquida é a obrigação resultante de uma condenação genérica
(artigo 609º nº 2).
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- títulos negociais qualificados: negociais porque têm por detrás um negócio jurídico,
mas qualificados por gozarem de certa forma particular. São exemplos o documento
exarado ou autenticado por notário ou outra entidade com esse poder (artigo 703º nº
1 alínea b)); os títulos de crédito (artigo 703º nº 1 alínea c)) de que são exemplo o
cheque, a letra e a livrança; e os acordos de mediação (artigo 9º nº 1 da Lei da
Mediação);
- títulos particulares: meros documentos particulares sem qualquer forma qualificada
aos quais se atribuem força executiva. Via de regra, não a têm, mas em certos casos
têm. Por exemplo a ata da assembleia de condóminos. Até 2013, qualquer documento
particular era título executivo;
- títulos administrativos: formados de acordo com as regras do Direito Administrativo.
Por exemplo, as taxas moderadoras são cobradas por um título executivo, bem como as
dívidas fiscais em que a própria Autoridade Tributária produz um título executivo.
b) Exequibilidade
Além disto, a sentença tem de ser exequível4. Esse regime é determinado pelo
artigo 704º nº 1. Prevê-se aí a exequibilidade em dois casos:
4 Lebre de Freitas diz-nos que “Para que a sentença seja exequível, é necessário que tenha transitado em
julgado, isto é, que seja já insuscetível de recurso ordinário ou de reclamação, salvo se contra ela tiver
sido interposto recurso com efeito meramente devolutivo. A atribuição de efeito meramente devolutivo
significa que é possível executar a decisão recorrida na pendência do recurso. Constitui hoje a regra no
24
recurso de apelação; tem sempre lugar no recurso de revista. Ora, se tiver sido instaurada execução na
pendência de recurso com efeito meramente devolutivo, essa execução, por natureza provisória, sofrerá
as consequências da decisão que a causa venha a ter nas instâncias superiores.”
5 Mesmo antes de transitada em julgado, a sentença pode já, por via de regra, ser utilizada como título
executivo, quando o recurso que tenha sido interposto tenha efeito meramente devolutivo. O recurso
tem sempre efeito devolutivo, devolve-se o poder de julgar aquela causa para o tribunal superior, mas há
recursos que têm apenas este efeito. Mas pode ter também um efeito suspensivo, suspende os efeitos
da decisão que foi tomada. Se tem um efeito suspensivo, a decisão não pode ser executada, mas se tiver
efeito meramente devolutivo pode. O artigo 704º nº 1 diz que a sentença só constitui título executivo
depois de transitada em julgado, salvo se o recurso tiver efeito meramente devolutivo, mas a exceção
converteu-se em regra.
25
nº 1 alínea a)) e é causa de rejeição oficiosa até ao 1º ato de transmissão (artigo 734º nº
1).
Às sentenças condenatórias equiparam-se os despachos e outros atos judiciais
que imponham a observância de um comportamento. Por exemplo, um despacho que
impõe uma multa a uma testemunha.
Também se equipara à sentença a chamada sentença homologatória 6, portanto
a sentença em que o tribunal se limita a homologar um ato praticado pelas partes,
nomeadamente confissão do pedido, desistência do pedido e transação (artigos 283º e
290º nº 3). São negócios de autocomposição da lide, celebrados pelas partes ao abrigo
do princípio do dispositivo. A palavra homologação vem do grego “homo” que significa
igual e o verbo “lego” que significa dizer. Portanto homologar é dizer que está conforme.
Por isso uma sentença homologatória é uma sentença em que o juiz diz que o ato
praticado pelas partes é conforme ao Direito. Sempre que encontramos o termo
homologação tem a ver com o controlo de conformidade com alguma coisa.
6As sentenças homologatórias são caracterizadas por Lebre de Freitas “por o juiz se limitar a sancionar a
composição dos interesses em litígio pelas próprias partes, limitando-se a verificar a sua validade
enquanto negócio jurídico.”
26
Regulamento, uma sentença proferida no espaço europeu circula livremente por todos
os outros Estados sem qualquer controlo adicional.
A estrutura deste Regulamento assenta em delinear um duplo aspeto de regime:
- previsão de regras de competência: quais são as regras de competência constantes do
Regulamento? Este distingue entre regras de competência exclusiva, regras de
competência subsidiária e regras de competência alternativa. Quanto ao primeiro
conjunto de regras, verificado algum dos números do artigo 24º, é competente a ordem
jurídica aí especificamente elencada. Por exemplo, em direitos reais sobre imóveis ou
arrendamento sobre imóveis, é competente o tribunal onde se situa o imóvel. Na
execução de decisões, é competente o lugar da execução. Se não for um caso previsto
no artigo 24º, vale a regra supletiva de que é competente o tribunal em que o réu tem
o domicílio, desde que tenha domicílio num Estado-membro da UE (artigo 4º nº 1). Ou
seja, não se verificando nenhuma causa de competência exclusiva, o fator de atribuição
de competência é o domicílio dentro do conjunto do território da UE. Se isso não
acontecer, somos remetidos para as regras nacionais de competência internacional.
Quanto à terceira regra, se o demandado tiver residência dentro do território da UE, é
possível, em alternativa, escolher um foro diferente nos termos dos artigos 7º e
seguintes que preveem alternativas de acordo com a matéria em causa. Por exemplo,
em matéria contratual pode escolher o local da execução do contrato;
- consequências do respeito por essas mesmas regras de competência: verificadas estas
regras, sendo uma decisão proferida pelo tribunal competente, quais são as
consequências? A primeira consequência é que a decisão não poderá ser revista quanto
ao mérito no Estado em que se requeira a execução (artigo 52º). Uma segunda
consequência é não ser preciso nenhum reconhecimento adicional da decisão (artigo
36º nº 1). A terceira é não ser necessária a declaração de executoriedade, ou seja, a
sentença proferida com respeito pelas regras de competência é exequível
automaticamente em qualquer outro Estado-membro. Isto foi uma novidade de 2012.
Aboliu-se o chamado Exequatur, que significa “que se execute”, fala-se no pedido do
tribunal do Estado da execução a autorização para que se execute. O Regulamento
aboliu esta necessidade. Se alguém quiser afastar a força da decisão, tem de
desencadear os procedimentos previstos no próprio Regulamento para a recusa de
reconhecimento ou recusa de execução (artigos 45º e 46º). Ou seja, na dúvida, a decisão
é executada, é o réu condenado que tem de ter a iniciativa de recorrer a estes
procedimentos de recurso. Obviamente que este Regulamento assenta numa enorme
confiança recíproca entre os diferentes Estados-membros. O que lhe subjaz é que
nenhum Estado-membro suspeita de princípio acerca do modo como funciona a ordem
jurídica de um outro Estado-membro, por isso não é necessário o Exequatur que tem
por detrás uma relativa suspeição acerca do modo como funcionam as ordens jurídicas.
Alguns autores dizem que a recíproca confiança entre as ordens jurídicas é mais um
desejo do que uma realidade. Com o alargamento da UE de 2004, a abolição do
Exequatur é uma medida muito ousada. Importa notar que o Direito da UE resolve o
problema linguístico através de formulários.
c) Convenção de Lugano
27
Ainda dentro dos títulos judiciais, temos de considerar uma série de figuras. A
figura seguinte são os chamados títulos judiciais impróprios, ou seja, títulos executivos
que são gerados dentro do processo, mas sem ser através de uma sentença. Daí que
sejam judiciais porque é dentro do processo, mas impróprios porque não é através do
modo normal de decisão. Por exemplo, o caso previsto no artigo 741º e nº 2 do CPC
(incidente de comunicabilidade suscitado pelo exequente). Imaginemos que do título
executivo só consta que um dos cônjuges é devedor. Sendo assim, em princípio, a
execução só poderia ser promovida contra esse cônjuge. O que o artigo 741º permite é
que o exequente requeira que a dívida seja considerada comum e que, por isso, a
execução possa seguir contra o outro cônjuge. Se este não se opuser, a dívida considera-
se comum e pode ser executada. Portanto permitiu-se um alargamento do âmbito
subjetivo do título sem ser no âmbito judicial, mas dentro do processo.
Outro título é aquele que é obtido nos termos do Regulamento nº 861/2007, que
é o Regulamento que cria o processo europeu para ações de pequeno montante (vale
para certo tipo de litígios até 2.000€). É uma forma de processo europeia optativa.
Adotando-se essa forma de processo, nos termos do artigo 15º, a decisão também é
executória. Se não fosse por aqui, era-o pelo Regulamento de Bruxelas I reformulado.
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b) Estrutura
A injunção, como o nome indica, opera como uma provocação para que o
devedor aja, faça alguma coisa, sob pena de se formar um título executivo contra ele.
Por isso, feito o requerimento de injunção, o devedor é notificado e das três
possibilidades uma: ou paga, ou contesta (e se contestar o processo passa a ser uma
AECOP), ou é aposta fórmula executória e forma-se um título executivo.
A ideia subjacente à injunção foi, assim, a de retirar dos tribunais com
competência declarativa um amplo conjunto de ações não contestadas que poderiam ir
diretamente para a ação executiva. Pela Europa toda, esta figura tem enormíssima
relevância, o que está ligado a um outro aspeto da injunção: os fundamentos da
oposição à execução funcionam nos seguintes termos – se o título executivo é muito
forte, há menos fundamentos de oposição à execução; se o título executivo é mais fraco,
há mais fundamentos de oposição à execução. A injunção é um meio para obter um
título executivo que, para efeitos de execução, tem o mesmo valor que uma sentença.
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Mas este regime foi desaplicado pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, o que
veremos mais adiante.
Qual é então o âmbito preciso de aplicação do procedimento de injunção? O
procedimento de injunção aplica-se a dois grupos de casos:
- obrigações pecuniárias emergentes de contrato (e não de fonte não contratual) de
valor não superior a 15.000€ (artigo 1º do Decreto-Lei e não do anexo onde consta o
regime);
- transações comerciais, nos termos previstos no Decreto-Lei nº 62/2013,
especificamente no seu artigo 10º nº 1. Tratando-se de uma dívida comercial, pode
recorrer-se à injunção independentemente do valor da dívida.
c) Tramitação
d) A atribuição de força executiva à petição da AECOP nos termos do art. 2.º do regime
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b) Tramitação
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b) Requisito formal
32
Quanto aos documentos estrangeiros, vale a regra de que não estão sujeitos ao
processo de revisão (artigo 706º nº 2 do CPC), mas devendo passar por um processo de
legalização. A legalização de documento estrangeiro ou é feita nos termos de um regime
8 No seu manual, diz o seguinte: “se pensarmos que, a ser aquela a interpretação correta (a de permitir
os restantes profissionais), o exequente pode ter como mandatário judicial o advogado ou o solicitador
que haja autenticado o documento que serve de base à execução, visto não haver na matéria normas de
incompatibilidade como as que vigoram para o agente de execução, e tivermos em conta a restrição do
elenco dos títulos executivos operada pelo novo CPC, em linha com a orientação dos outros sistemas
jurídicos europeus, talvez devamos interpretar o preceito do art. 703-1-b no sentido de só atribuir eficácia
executiva ao documento autenticado que provenha de quem pode tanto autenticar como exarar
documentos, ficando assim a eficácia do documento autenticado por Câmara de Comércio ou Indústria,
advogado ou solicitador circunscrita, nos termos do art. 38-2 do DL 76-A/2006, ao campo da prova (e da
validade do ato), que não se confunde com o da exequibilidade.”
33
Os títulos de crédito (artigo 703º nº 1 alínea c)) podem ser usados de 2 formas
diferentes: ou como títulos de crédito, ou como quirógrafos. Quando se trata de um
título de crédito, o original deverá ser sempre enviado para o tribunal (artigo 724º nº 5).
Quais são os títulos de crédito? A lei pensa especificamente nos títulos cambiários,
havendo 3: letras de câmbio, livranças e cheques.
Na letra de câmbio, aquele que tem o documento físico pode exigir o pagamento
àquele que lá figura como devedor. Há uma primeira pessoa que é o sacador, é quem
pratica o primeiro ato, dá uma ordem ao sacado através de um negócio jurídico
chamado saque, para que o sacado realize um pagamento ao tomador. Aquele que aí
conste como tomador vai poder exigir o cumprimento ao sacado por conta do sacador.
O tomador vai poder transmitir a letra através de endosso a vários beneficiários e cada
um deles vai poder exigir o cumprimento a cada um dos anteriores. Isto surgiu na baixa
Idade Média, onde não havia sistemas bancários muito organizados. A letra servia para
obter circulação de bens em lugares diferentes, através de diversos intervenientes. Mas
ela foi progressivamente perdendo relevância.
A livrança é mais simples, é uma promessa pura e simples de uma pessoa realizar
uma prestação a outra, já não é um esquema trilateral, mas bilateral.
O cheque, regulado na Lei Uniforme relativa ao Cheque (convenção
internacional), consiste numa ordem dada por alguém a um banco para que realize certa
prestação a outro por conta do sacador.
Estes instrumentos podem ser usados primeiro como títulos de crédito, têm um
amplo conjunto de características, sendo a principal não carecer da invocação da relação
subjacente, basta apresentar o título de crédito porque dele já consta a ordem de
pagamento (o título de crédito abstrai da relação subjacente). Só que só pode ser
exercido nestes termos dentro do prazo previsto na lei (um prazo prescricional). Quanto
às letras e livranças, ver artigo 33º da Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças; quanto
ao cheque, deve ser apresentado a pagamento no prazo de 8 dias da emissão (artigo
29º da Lei Uniforme relativa ao Cheque) e a ação prescreve no prazo de 6 meses (artigo
52º nº 1).
A palavra quirógrafo tem as seguintes origens: “grafo” vem do grego escrever e
“quir” significa mão. Portanto quirógrafo é um escrito à mão, a lei diz “valendo como
simples documento escrito à mão pelo devedor”. Mesmo nesse caso, eles servem de
título executivo, contudo agora já se exige que no requerimento executivo se aleguem
os factos constitutivos da relação subjacente. Portanto, temos 2 formas diferentes de
relevância destes títulos. Os quirógrafos no Direito português só valem nestes casos, é
uma pós-eficácia do título de crédito.
Hoje em dia, a grande relevância que sobra aos títulos de crédito é esta, servem
para efeito de ação executiva. As principais questões prendem-se com o preenchimento
abusivo do documento.
34
Há uma série de documentos particulares aos quais a lei também atribui força
executiva:
- a ata da assembleia de condóminos (Decreto-Lei nº 268/94): se se verificarem certos
requisitos há título executivo – deve estar estabelecido o montante das despesas e dos
valores, o prazo do vencimento da dívida e a quota-parte de cada condómino
devidamente identificado, estes requisitos devem-se ao princípio do acertamento;
- extrato de conta por sociedade de concessão de crédito através de cartões de crédito
(artigo 1º do Decreto-Lei nº 45/79);
- documentos particulares dos quais conste que a Caixa Geral de Depósitos é credora e
que estejam assinados pelo devedor (artigo 9º nº 4 do Decreto-Lei nº 287/93).
Havendo sucessão de leis no tempo em matéria de títulos executivos, por que lei
se determina quais títulos são admissíveis? Aquilo que pacificamente é admitido pela
doutrina processualista é que se afere a exequibilidade pelo momento da propositura
da ação. Se alguém obtiver um documento que tem o valor de título executivo e alguns
anos depois decidir propor uma ação tendo sido esse valor retirado, a ação será
inadmissível.
Isto que era relativamente pacífico sofreu uma certa alteração em virtude do
Acórdão do TC nº 408/20159. Na reforma de 2013 (novo CPC), aboliu-se um título
executivo que foi os documentos particulares, antes de 2013 os documentos
particulares tinham força executiva. O TC declarou a inconstitucionalidade com força
obrigatória geral da interpretação do CPC no sentido de retirar força executiva aos
documentos que, no momento em que obtidos, a tinham. Uma vez que se trata de
declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, alterou as regras de
aplicação da lei no tempo. Vale a regra de que se afere pelo momento da propositura
da ação com o controlo da proteção da confiança daqueles que confiavam na força
executiva dos documentos particulares. Não há um critério absolutamente seguro.
9 “Declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703.º do
Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, a documentos particulares
emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea
c), do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artigos 703.º do Código de Processo Civil e 6.º, n.º
3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho por violação do princípio da proteção da confiança (artigo 2.º da
Constituição).”
35
nº 2 alínea a)), isto quando a falta seja manifesta. Não sendo a falta manifesta e sendo
suprível, o tribunal deverá proferir despacho de aperfeiçoamento (artigo 726º nº 4). Se
porventura não tiver havido indeferimento liminar, poderá ainda haver oposição à
execução (artigo 729º alínea a)). Não tendo havido oposição, ainda pode haver rejeição
oficiosa nos termos do artigo 734º.
Será que quem tem um título executivo diferente de sentença pode recorrer à
ação declarativa ou não? Não será ela desnecessária? Que razões podem justificar o
recurso à ação declarativa?
- o autor pode ter interesse quando queira reforçar a força do seu título. O título mais
forte é a sentença condenatória, é aquele em relação ao qual há menos meios de defesa.
Para evitar que o executado a eles recorra, pode intentar ação declarativa para os fazer
precludir. Pode o titular do título executivo pretender que seja na ação declarativa pois
será mais rápido;
- colmatar a própria fragilidade física do título;
- pretender beneficiar do prazo ordinário da prescrição, porque uma vez proferida
sentença condenatória, o prazo de prescrição, mesmo que fosse mais curto, passa a ser
o ordinário (artigo 311º do CC), isto pode ser uma grande vantagem.
Há uma consequência associada a recorrer à ação declarativa, considera-se que,
na eventualidade de o autor dispor de título executivo com manifesta força executiva,
foi ele que deu causa à ação, ou seja, se o réu não contestar, as custas recairão sobre o
autor (artigo 535º nº 2 alínea c) do CPC). Os requisitos são cumulativos, tem de ter dado
causa à ação e não pode ter havido contestação. A lei diz “deve dispor de título com
manifesta força executiva”, se, portanto, houver controvérsia jurídica quanto a saber se
há título ou não, então já não arca com as custas.
No centro da ação executiva está o título executivo que tem de conter uma
obrigação certa, líquida e exigível. Agora vamos alargar para as partes da ação executiva:
exequente e executado.
O processo executivo adota da ação declarativa uma noção formal de parte. São
partes aqueles que estão como partes, sejam ou não titulares da relação material. É
executado aquele que é citado como executado. A parte ativa é o exequente, a parte
passiva é o executado.
Na ação declarativa, distingue-se entre parte principal e parte acessória, mas
esta figura de parte acessória não existe na ação executiva. Simplesmente é ainda
possível que, além das partes principais, possam intervir sujeitos com a qualidade
digamos de partes terceiras, não é uma designação unânime, é, por exemplo, um
terceiro titular de um direito real de garantia, não é parte principal, é parte terceira com
uma posição autónoma.
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10 Mas o que é um procedimento que siga os termos do processo declarativo? Lebre de Freitas faz uma
37
b) Títulos ao portador
38
39
por este artigo o seguinte: nos casos em que a venda executiva extinga direitos
possessórios de terceiro, isto é, direitos que decorrem da qualidade de possuidor, o
terceiro deve ser citado para a ação executiva para que a venda executiva o possa
atingir. Se porventura a venda executiva não atinge os direitos de terceiro, então não
tem de ser citado.
Que tipo de direitos são protegidos ao abrigo deste artigo? Direitos reais
menores, mas também direitos que confiram tutela possessória ainda que não sejam
direitos reais, por exemplo o direito do locatário ao abrigo do regime da locação. O caso
do comodato também tem tutela possessória, a venda executiva vai extinguir o seu
direito.
e) Sucessão na titularidade
Quid iuris se houver um novo credor ou um novo devedor? Nos termos do artigo
54º nº 1, o exequente deverá alegar no requerimento executivo os factos constitutivos
da sucessão, por exemplo o contrato através do qual se transmitiu o crédito, caso tenha
sido uma cessão de crédito.
A questão que se coloca a este respeito é a seguinte: o artigo prevê apenas que
o exequente deve deduzir os factos constitutivos da sucessão. Pergunta-se: basta
deduzir ou é necessário também provar? Quando falámos no princípio do acertamento,
dissemos que este tem uma dimensão positiva e negativa, a primeira é a de que se
presume acertado tudo o que consta do título, a negativa é a de que se presume não
acertado tudo o que não consta do título, logo se do título não consta a sucessão, não
há nenhuma razão para presumir com base numa mera alegação do exequente que a
sucessão efetivamente ocorreu. É este o entendimento do professor Tiago Ramalho –
deverá ser necessário deduzir e provar. Se é preciso fazer uma atividade de natureza
declarativa, será necessário um incidente com vista à atividade provatória, podemos
aplicar o regime previsto no artigo 715º, previsto para a obrigação condicional, mas
pode ser aplicado aqui por identidade de razão. É a chamada habilitação-legitimidade,
é o próprio.
Se porventura a sucessão da titularidade for feita no curso da ação e não antes,
então nesse caso temos de recorrer aos incidentes de habilitação previstos nos artigos
351º e seguintes.
Também têm legitimidade para a ação executiva aqueles que, não tendo sido
parte na ação no âmbito da qual se proferiu a sentença, contudo são abrangidos pela
sua força (artigo 55º). A sentença tem por limites o pedido, a causa de pedir e as partes,
pelo que, por princípio, vincula as partes e mais ninguém. Depois há exceções:
- nos casos em que haja transmissão de direito ou da coisa em litígio: na ação
declarativa, a sentença é oponível ao adquirente, mesmo que não intervenha na
instância (artigo 263º nº 3);
- nas hipóteses de caso julgado secundum eventum litis (caso julgado de acordo
com o desfecho da lide): a lei permite que, de acordo com o desfecho da lide, o
caso julgado possa aproveitar a terceiros (artigos 531º e 538º nº 2 do CC). Ainda
assim, temos a este respeito uma pequena controvérsia. Lebre de Freitas
40
entende que deste regime decorre apenas a autoridade do caso julgado, que se
considera a questão indiscutível, mas não decorre a atribuição do direito de agir
em juízo, ou seja, terceiros credores podem invocar, mas não podem usar para
efeitos de ação executiva. A melhor solução a adotar seria entender que da
indiscutibilidade material decorre a impossibilidade de agir na ação executiva –
é este o entendimento de Teixeira de Sousa e Rui Pinto, com os quais o professor
concorda.
Temos ainda as hipóteses em que o título executivo prevê que possa surgir um
direito na esfera de terceiro, por exemplo o contrato de pessoa a nomear, pelo qual uma
das partes tem o direito de nomear alguém que ocupe a sua posição. Pergunta-se: este
novo sujeito figura do título executivo como credor? Não, figura apenas que poderá ser
nomeada uma outra pessoa. O entendimento que se adota a este respeito é o de que
se deverá fazer prova complementar, ao abrigo do artigo 715º.
Há outra questão que é a de saber como releva, do ponto de vista executivo, o
contrato a favor de terceiro. Neste contrato, as partes (promitente e promissário)
acordam na constituição de um direito na esfera de um terceiro. Os autores mais
relevantes nesta matéria afirmam que será necessário fazer prova destes elementos
complementares relativos à constituição do direito na esfera de terceiro. O professor
discorda deste entendimento, porque do contrato consta quem é o terceiro e se, nos
termos da lei, adquire o direito de imediato, então não há desvio em relação ao artigo
53º.
h) Substituição processual
41
conhecida mais tarde, ao abrigo do artigo 734º, deve absolver o executado da instância
e extinguir a execução. Na forma sumária da execução para pagamento de quantia certa
cabe ao agente de execução suscitar a intervenção do juiz quando “se lhe afigure
provável” a ocorrência da ilegitimidade, nos termos do artigo 855º nº 2 al. b), conjugado
com o artigo 726º nº 2 al. b).”11
42
17. Tribunal
17.1. Modelos de ação executiva
43
44
45
17.3.2. Da Secretaria
46
Falta-nos ver apenas um dos intervenientes da ação executiva que é aquele que
assume maior protagonismo – o agente de execução. É o que assume maior
protagonismo, uma vez que é ele o responsável pela condução da ação executiva, a tal
ponto que é o órgão da ação executiva com competência residual (artigo 719º nº 1).
Vejamos alguns exemplos de questões que são da competência do AE: citações, consulta
de base de dados, realização das penhoras, pagamento. A execução em sentido estrito
é conduzida por ele.
Foi uma figura que entrou na realidade jurídica portuguesa em 2003, chamando-
se, a princípio, solicitador de execução e agora agente de execução. A grande dificuldade
no estudo da figura do AE é, sem dúvida, a de saber exatamente o que é que ele é: é
uma entidade privada ou um sujeito público? Neste momento, não conseguimos dar
uma resposta conclusiva, há muito poucos estudos sobre este tema, mas há aspetos do
regime que só podem ser claros se definirmos esta questão. As últimas tentativas por
parte dos principais processualistas portugueses sobre definir o tema foram há 10 anos
atrás, pelo que reina uma grande incerteza.
Há 2 eixos centrais na consideração do AE:
- é um profissional liberal: só pode ser agente de execução quem estiver inscrito na
Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução, que é uma associação pública
profissional. Para se inscrever como agente de execução, é necessário ter a licenciatura
em Direito ou em Solicitadoria (artigos 105º e 106º do Estatuto da Ordem dos
Solicitadores). Todos aqueles que estão inscritos nesta Ordem estão sujeitos aos
deveres deontológicos próprios da profissão (artigos 119º e seguintes e 168º e
seguintes). O incumprimento destes deveres pode levar a sanções disciplinares. Isto do
ponto de vista estatutário;
- do ponto de vista funcional, o AE na ação executiva opera como um auxiliar de justiça
que exerce poderes de autoridade pública (artigo 162º nº 1 do Estatuto). Aqui vemos
claramente o hibridismo da figura, é um privado que na ação executiva está a exercer
poderes públicos, isto vai causar dificuldades em saber qual o regime que se lhe aplica.
b) Designação e destituição
Consideração crítica
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O agente de execução pode também declarar que não aceita a designação (artigo
720º nº 8). Do ponto de vista remuneratório, os honorários do AE e o reembolso das
suas despesas são devidos pelo exequente (artigo 721º nº 1). Contudo, poderá exigir o
reembolso ao executado.
c) Responsabilidade
Consideração crítica
48
Quanto ao recurso dos atos praticados pelo AE, nalguns casos temos um meio
processual específico, por exemplo, se o AE violar as regras da penhora, o executado
poderá recorrer à oposição à penhora (artigo 784º). Noutros casos, a má atividade do
AE poderá configurar uma nulidade processual, aplicando-se o regime das nulidades
(artigos 186º e seguintes). Não havendo nenhum meio processual específico, o meio de
reação será impugnar os atos do AE junto do juiz (artigo 723º nº 1 alínea c)). Esta
impugnação segue as regras previstas para os incidentes (artigos 292º e seguintes),
devendo ser dada a oportunidade de contraditório à outra parte (artigo 3º nº 3). Quid
iuris se não se tratar de nulidade processual e a parte interessada não impugnar no prazo
de 10 dias? Se isso acontecer, a atuação do AE fica estabilizada. Há um juiz que diz que
fica “caso estabilizado”, mas isto não é caso nenhum. Doravante só se poderá conhecer
da questão se ela for de conhecimento oficioso e o juiz se depare com ela. Mas se não
o for, a decisão fica completamente estabilizada.
d) Subestablecimento e auxiliares
e) Oficial de justiça
49
50
Começamos com a fase introdutória. Quais são os momentos que têm lugar
nesta fase? Normalmente terão lugar os seguintes atos:
1º- apresentação do requerimento executivo;
2º- despacho liminar;
3º- citação do executado.
A estes 3 momentos vamos depois acrescentar as tramitações especiais para
tornar a obrigação certa, líquida e exigível.
51
52
Sua dispensa
53
penhora no prazo de 20 dias da citação (artigo 856º nº 1 ex vi artigo 727º nº 4). Neste
caso, também se houver oposição à execução e ela for procedente, poderá o exequente
ser responsabilizado pelos danos a que culposamente tenha dado causa (artigo 858º ex
vi artigo 727º nº 4). Já no regime geral das providências cautelares, prevê-se uma regra
de responsabilidade do requerente quando não aja com a prudência exigida para
compensar o eventual abuso dessa possibilidade.
Há aqui a este respeito uma dúvida que tem de ser considerada: vimos há pouco
que havia certas hipóteses em que a lei excluía a possibilidade de processo sumário e
excluía porque pretendia que antes da penhora houvesse na fase introdutória da
execução a prática de certos atos. Teixeira de Sousa, considerando esta regra, vem dizer:
se nesses casos não pode haver processo sumário, então também não poderá haver
dispensa da citação prévia, porque também para os casos desta dispensa valem as
razões que justificam o artigo 550º nº 3. O argumento tem a sua lógica, mas em todo o
caso pode-se fazer uma objeção, no entender do professor Tiago Ramalho: no caso de
dispensa da citação prévia, há um argumento particular que pode justificar o desvio de
regime que é a finalidade cautelar. Por razões cautelares prudentemente avaliadas pelo
juiz, talvez seja de admitir que a dispensa seja feita. Mesmo que se entendesse que a
dispensa de citação prévia não era admissível, sempre seria possível recorrer a um
procedimento cautelar que de forma provisória acautelasse o exequente,
nomeadamente ao procedimento cautelar de arresto. O entendimento de Miguel
Teixeira de Sousa revela o modo de olhar para as normas e soluções que procura
verdadeiramente respeitar o seu sentido. Mas fará sentido dizer que dentro da ação
executiva com manifestos ganhos de simplicidade não pode haver esta pequena medida
cautelar, mas isso já é possível com a providência cautelar do arresto? O efeito
processual é o mesmo, mas a complicação é maior. O professor acredita que é mais
adequado admitir a dispensa de execução prévia, incorporando na ação executiva esta
medida cautelar.
a) Obrigações alternativas
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verificação. Tal é feito nos termos do artigo 715º do CPC. Isto obviamente se do título
não consta a verificação do facto condicionante. Nos termos do artigo 715º nº 1, o
credor deverá alegar a verificação do facto e prová-lo documentalmente. Se não puder
provar documentalmente, deverá oferecer as provas de que disponha (artigo 715º nº
2). Neste último caso, o juiz das duas uma: ou aprecia logo sumariamente e dá a
condição por verificada ou decide ouvir o devedor antes de tomar a decisão (artigo 715º
nº 3). Neste caso, é ele notificado para, no prazo da oposição à execução e no ato da
oposição à execução, contestar a alegação do exequente (artigo 715º nº 4 e 5). Se não
disser nada, considera-se a condição verificada.
Na eventualidade de o dever de prestar do devedor estar dependente de uma
prestação a realizar pelo credor ou por terceiro, dever-se-á seguir exatamente o mesmo
regime, ou seja, alegar e provar documentalmente que a prestação foi oferecida (artigo
715º). É este o regime que se aplica em termos executivos à exceção de não
cumprimento.
21.4.2. Liquidez
a) Lugar da liquidação
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assim aconteça se se tratar de uma liquidação que não dependa de simples cálculo
aritmético. Se depender, pode logo haver lugar à ação executiva;
- quando é feita por árbitros (artigo 716º nº 6).
c) Falta de liquidez
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casos muito reduzidos do artigo 855º nº 5. Sendo a penhora realizada, o executado terá
o prazo de 20 dias para oposição à execução e oposição à penhora (artigo 856º nº 1).
O regime da forma sumária é, portanto muito mais expedito e muito menos
garantista do executado. Por essa razão, idealmente a forma sumária só deveria estar
reservada aos casos em que o título executivo, com altíssima probabilidade, garante o
acertamento da obrigação. Sabemos que não é rigorosamente assim. Para compensar o
eventual uso abusivo da forma sumária, a lei prevê no artigo 858º um regime especial
de responsabilidade do exequente que tenha iniciado uma execução sob a forma
sumária sem atuar com a prudência normal, portanto um regime para compensar uma
eventual ação temerária e de má fé. Aja ou não o exequente de forma infundada, o AE
tem o dever de recusar a execução quando não estejam reunidos os pressupostos,
podendo ter responsabilidade.
Citado para a ação, o executado pode opor-se ou pagar. O executado pode pagar
a todo o tempo. Não pagando, poderá opor-se à execução. Caso se oponha à execução,
terá lugar na ação executiva uma fase autónoma chamada oposição à execução ou
embargos de executado (artigos 728º e seguintes). Embargos designa a reação a uma
medida de natureza executiva: os embargos para se opor à ação executiva, os embargos
de terceiro para se opor à penhora e os embargos de obra nova. A oposição à execução
configura o meio próprio do executado para reagir à execução no seu todo. Se fosse um
terceiro a ser atingido pela execução, não podia recorrer à oposição à execução, quando
muito recorreria à oposição mediante embargos de terceiro. Se for para reagir à
penhora, o meio processual é a oposição à penhora.
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substituída por confissão (artigo 364º nº 1). Quando serve apenas para a
prova, pode ser substituída por confissão (artigo 364º nº 2). Supondo que
não há outro meio de prova, nesse caso o executado teria de propor uma
ação declarativa de restituição do indevidamente prestado, ou seja, não
pode invocar outros meios de prova na ação executiva, porque ela não o
admite, mas continua a dispor deles, pedindo que lhe seja restituído o
que indevidamente lhe foi cobrado;
- é admissível a prova documental, por confissão e podemos admitir
ainda meios probatórios mais fortes, como a inspeção (o próprio juiz vai
ver) ou a peritagem/prova pericial (o perito vai lá ver). Esta é a posição
de Rui Pinto. O problema é, no ponto de vista do professor, não são meios
probatórios mais fortes, porque a força probatória da prova documental
é de prova plena e dos outros 2 meios é livre apreciação da prova.
Ultrapassada uma leitura literal da norma, o professor não sabe porque
se faz a distinção apenas em relação a estes meios de prova e não em
relação aos restantes admissíveis. Para esta posição, fora destes casos, o
executado só pode pedir uma ação declarativa para restituição do
indevido;
- depois temos a posição de Miguel Teixeira de Sousa, que diz ser
necessária a prova por documento quando for necessária. Ou seja,
sempre que da lei material decorrer que a prova por documento é
exigível, então o facto tem de ser provado assim. Quando isso não
decorrer da lei material, então não tem. Esta posição tira qualquer
sentido útil autónomo à alínea g), encontrando, ainda assim, algum
amparo na sua redação, tomando a parte pelo todo. O professor pensa
que esta posição deve ser a preferida, encontrando algum eco literal na
norma e sendo a forma mais equilibrada. Aqui já não haverá, em
princípio, nenhuma posterior ação para restituição do indevido.
São factos extintivos o cumprimento da obrigação (artigo 767º do CC) e a
caducidade por impossibilidade superveniente (artigo 790º nº 1). São
factos modificativos a dação em cumprimento (artigo 887º) e a novação
(artigo 857º);
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15Rui Pinto entende que a exigência de documento da alínea g) vale também para a alínea h). O professor
Tiago Ramalho acha que isso já não vale para a alínea g), mas ainda menos para a alínea h), não entende
como é que se faz uma exigência probatória prevista em lado nenhum. Há um brocardo antigo que diz
odiosa sunt restringenda (as normas odiosas devem ser restringidas).
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Quando a execução tem por base uma sentença arbitral, nos termos do artigo
730º, é ainda possível invocar como fundamento de oposição à execução qualquer
fundamento de anulação da sentença arbitral. Os fundamentos de anulação da sentença
arbitral constam do artigo 46º nº 3 da LAV.
Esta possibilidade tem uma limitação constante do artigo 48º nº 2 da LAV, de
ordem temporal, ou seja, só pode haver oposição com este fundamento dentro do prazo
de 60 dias a contar da notificação da sentença.
Para os outros títulos executivos, com exceção da injunção, vale o artigo 731º do
CPC, ou seja, é possível na ação executiva recorrer a qualquer meio de defesa previsto
para a ação declarativa. Como não houve nenhuma ação declarativa antes, não pode
haver preclusão dos meios de defesa.
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16 Uma dessas vezes foi no Acórdão do TC nº 388/2013 relativamente à anterior versão do CPC.
17 “Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decide-se declarar a inconstitucionalidade, com força
obrigatória geral, da norma constante do artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela
Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, quando interpretada “no sentido de limitar os fundamentos de oposição
à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória”,
por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da
República Portuguesa.”
18 Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de setembro.
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23.3. Tramitação
a) Prazo e particularidades de tramitação
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(artigo 733º nº 1). Contudo, admite-se o efeito suspensivo nos casos previstos nessa
mesma disposição:
- alínea a): prestação de caução, é uma garantia que pode ser prestada de diferentes
formas a favor do exequente (artigos 623º e seguintes do CC);
- alínea b): no caso particular de ter sido impugnada a genuinidade da assinatura do
embargante. Isto pode ser particularmente relevante no caso de documentos
particulares em que não há controlo prévio da assinatura. Isto antes de 2003 era
particularmente importante, pois era permitido o documento particular enquanto título
executivo. Hoje em dia trará mais problemas nos títulos de crédito;
- alínea c): impugnação da exigibilidade ou liquidez da obrigação exequenda quando o
juiz entenda justificada a suspensão da execução;
- alínea d): alínea introduzida em setembro de 2019, permite como fundamento de
oposição à execução as causas previstas no artigo 696º alínea e) (modificado em
setembro), que diz respeito às regras do recurso de revisão de sentença.
Verificada alguma destas causas a execução suspende-se, embora a suspensão
cesse se os embargos estiverem parados por mais de 30 dias por negligência do
embargante (artigo 733º nº 3).
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25. Penhorabilidade
19 “Na graduação de créditos não é atendida a preferência resultante de hipoteca judicial, nem a
proveniente da penhora, mas as custas pagas pelo autor ou exequente constituem dívidas da massa
insolvente.”
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- alínea c): objetos cuja apreensão seja ofensiva dos bons costumes, como a apreensão
de diários, vídeos familiares, a aliança de casamento;
- alínea d): objetos especialmente destinados ao exercício de culto público, sendo este
o culto religioso, é uma regra de proteção da liberdade religiosa. São exemplos as vestes
religiosas ou um cálice;
- alínea e): túmulos, protege-se a memória post mortem;
- alínea f): objetos indispensáveis a deficientes e doentes;
- alínea g): animais de companhia, norma introduzida em 2017, mas esta norma não é
para proteger os animais, mas sim os donos de animais.
Não é impenhorável a casa de morada de família, não goza desse regime no
Direito Civil. Desde 2016 (Lei nº 13/2016), curiosamente ela está prevista no Direito
Fiscal como impenhorável dentro de determinadas condições. Fora deste regime do
CPC, é de referir a impenhorabilidade do crédito a alimentos (artigo 2008º do CC).
20“Os créditos provenientes do direito à reparação estabelecida na presente lei são inalienáveis,
impenhoráveis e irrenunciáveis e gozam das garantias consignadas no Código do Trabalho.”
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impenhoráveis. O artigo 12º do Decreto-Lei nº 329-A/95 previu que não são invocadas
em processo civil as disposições constantes de legislação especial que criem
impenhorabilidades absolutas. Este Decreto-Lei é uma reforma do CPC, mas vigora
apenas para as impenhorabilidades já previstas ou continua a vigorar para as que sejam
incluídas depois em legislação especial? Ou entendemos que este Decreto-Lei vigora
apenas para as impenhorabilidades já previstas antes da sua entrada em vigor ou, caso
entendamos que esta norma continua a produzir efeitos (o que professor Tiago Ramalho
acha duvidoso), das duas uma – ou entendemos que as indemnizações são
impenhoráveis nos termos do artigo 738º (o professor não concorda), ou entendemos
que são impenhoráveis por uma de três razões: seja por identidade de razão com o
artigo 736º alínea f); o artigo 738º prevê casos de acréscimo de rendimento e a
indemnização não é um acréscimo, é uma reparação; inconstitucionalidade por violação
do princípio da dignidade da pessoa humana. Os tribunais, neste ponto, estão divididos.
Obviamente que se justifica que a indemnização seja penhorável se tiver uma dimensão
remuneratória, nessa parte deve ser penhorada; na parte que serve apenas para
compensar, o professor não entende que se possa penhorar. Estes rendimentos sujeitos
ao artigo 738º podem ser penhoráveis como? Prevê-se uma regra geral e depois uma
série de limites. A regra geral é a de que são impenhoráveis 2/3 da parte líquida depois
de considerados os descontos legalmente obrigatórios (artigo 738º nº 2). Mas esta regra
é corrigida: a impenhorabilidade tem o limite máximo de 3 salários mínimos e não se
pode penhorar abaixo do salário mínimo (artigo 738º nº 3). Se a pessoa tiver várias
fontes de rendimento, estes limites só se consideram uma vez. Atualmente o salário
mínimo é de 600€, nos termos do artigo 2º21 do Decreto-Lei nº 117/2018. No caso
particular da execução por alimentos, o valor da impenhorabilidade é a quantia
equivalente à totalidade da pensão social do regime não contributivo, conforme decorre
do artigo 738º nº 4. Na execução por alimentos o valor é mais baixo, o exequente propõe
a ação com vista a exercer um direito essencial para sobreviver, é um conflito entre
direitos pessoais. Estes limites podem ser modificados pelo juiz (artigo 738º nº 6), pode
reduzir a parte penhorável e pode isentar da penhora até ao máximo de 1 ano. Um
exemplo de facto que pode implicar a modificação das regras é o executado ter um filho
a estudar na faculdade deslocado de casa;
- artigo 739º: dinheiro ou saldos bancários. A lei prevê aqui 2 regimes. Se o dinheiro ou
saldo bancário provier de algum dos rendimentos referidos anteriormente, fica sujeito
a esse regime de impenhorabilidade. Naturalmente que, se o executado começa a
poupar esse valor e a acumular, a poupança é penhorável, desde logo porque já não é
essencial para a sua vida corrente. Se porventura não se identificar a fonte do
rendimento ou não for uma daquelas referidas, a impenhorabilidade de dinheiro ou
saldo bancário é de um salário mínimo nacional (artigo 738º nº 5).
21“O valor da retribuição mínima mensal garantida a que se refere o n.º 1 do artigo 273.º do Código do
Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, é de (euro) 600.” Contudo, o Decreto-Lei nº
167/2019 prescreve que “O valor da retribuição mínima mensal garantida a que se refere o n.º 1 do artigo
273.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, é de (euro) 635.”, a entrar
em vigor no dia 1 de janeiro de 2020.
71
ainda dar algum incentivo ao executado para que continue a sua atividade produtiva, é
por essa razão que se permite que o executado aufira algum rendimento acima do
salário mínimo. Com efeito, se assim não acontecesse, o executado tinha o incentivo
económico a abdicar da sua atividade produtiva. A questão é que a lei, sobretudo na
parte de proteção do mínimo de subsistência do executado, para cumprir a sua
finalidade, pressupõe que o salário mínimo nacional garante um mínimo de
subsistência, mas este é um problema anterior ao processo civil. Se o valor do salário
mínimo for praticamente igual ao salário estatisticamente mais frequente, isto pode ter
um efeito negativo que é o de fazer com que a classe média baixa não aceda ao crédito,
vivendo numa situação de fragilidade completa.
22 “Na sociedade em nome coletivo o sócio, além de responder individualmente pela sua entrada,
responde pelas obrigações sociais subsidiariamente em relação à sociedade e solidariamente com os
outros sócios. “
23 “Na sociedade em comandita cada um dos sócios comanditários responde apenas pela sua entrada; os
sócios comanditados respondem pelas dívidas da sociedade nos mesmos termos que os sócios da
sociedade em nome coletivo.”
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renunciado por vontade do fiador (artigo 640º). Não é esse o único caso em que há
benefício de excussão prévia, mas é o principal.
Qual é o resultado prático da invocação do benefício da excussão prévia? O
resultado prático é que permite que os bens do fiador sejam executados apenas
subsidiariamente. Inversamente, se não houver benefício da excussão prévia, eles
respondem da mesma forma que respondem os bens do devedor principal. Importa
notar que este benefício não é reconhecido na fiança mercantil, mas só na fiança civil.
Nos termos do artigo 101º do CCom24, a fiança mercantil não está associada a esta
característica de regime.
Para que o benefício da excussão prévia seja feito valer, é necessário que o fiador
pratique certos atos. Se for demandado na ação declarativa, deverá, nos termos do
artigo 641º do CC, fazer uma de duas coisas: ou pedir a intervenção do devedor principal
ou, se o não fizer, declarar que não renuncia ao benefício da excussão prévia (artigo
641º nº 2). Se o fiador for demandado e não chamar o devedor principal, nem renunciar
ao benefício da excussão prévia, é sujeito a ele. Já na ação executiva, se o fiador for
demandado, deverá invocar o benefício da excussão prévia (artigo 745º nº 1 do CPC),
sob pena de não se aplicar o regime de responsabilidade subsidiária. Para invocar o
benefício da excussão prévia tem o prazo previsto para a oposição à execução. Do ponto
de vista processual, bastará o simples requerimento a invocar o benefício. Podemos,
assim, configurar 3 diferentes hipóteses:
- ação movida em simultâneo contra o devedor principal e contra o fiador: neste caso,
se o fiador invocar o benefício da excussão prévia, penhoram-se apenas os bens do
devedor principal e, só se eles forem insuficientes, é que se avança para os bens do
devedor subsidiário;
- ação movida apenas contra o fiador: neste caso, se invocar o benefício da excussão
prévia, o exequente pode requerer a citação do devedor principal (artigo 745º nº 2).
Executam-se os bens do devedor principal e, só na sua falta, os do fiador. É uma hipótese
de litisconsórcio sucessivo formado no decurso da ação. Para que o exequente possa
exigir a citação do devedor principal, é preciso que tenha título executivo contra ele;
- ação movida apenas contra o devedor principal: neste caso, se os seus bens se
revelarem insuficientes, poderá o exequente requerer a citação do devedor subsidiário
(artigo 745º nº 3), desde que tenha título executivo contra ele. Esta é a única hipótese
em que não poderá, apesar de juridicamente o poder ter, usar o benefício da excussão
prévia, porque já foram executados os bens do devedor principal. Se não houver
benefício da excussão prévia, então pode executar livremente o fiador.
Rui Pinto designa este caso de penhorabilidade subsidiária subjetiva.
24“Todo o fiador de obrigação mercantil, ainda que não seja comerciante, será solidário com o respetivo
afiançado.”
73
Se houver garantia real constituída, importa fazer uma distinção base. Se o bem
objeto da garantia pertence ao devedor, isto é, se a mesma pessoa é simultaneamente
devedora do executado e titular do bem objeto da garantia, a penhora deverá incidir
sobre o bem (artigo 752º nº 1 do CPC), só incidindo sobre outros bens se este primeiro
se revelar insuficiente. Este regime concretiza, do ponto de vista processual, a
possibilidade que consta do artigo 697º do CC.
Se o bem objeto da garantia não pertence ao devedor, já não há regime de
penhorabilidade subsidiária e o exequente pode escolher quais bens executar. Segundo
Lebre de Freitas, “Esta regra de penhorabilidade subsidiária não tem lugar quando,
incidindo a garantia sobre bem de terceiro, a propositura da execução tenha lugar só
contra o devedor ou o exequente nomeie à penhora bens deste; e cessa quando, por
forma válida segundo a lei civil, tenha lugar a renúncia à garantia real constituída. Nestes
casos, o exequente pode, desde logo, fazer incidir a penhora em outros bens do
devedor.”
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25 Diz-nos Lebre de Freitas o seguinte: “Simplesmente, há que atender, na ordem a observar na penhora,
à diferença dos regimes substantivos aplicáveis:
a) sendo a dívida da responsabilidade exclusiva do executado, a penhora deve começar pelos bens
próprios dele e só depois pode ser penhorada a meação;
b) sendo a dívida comum e havendo título executivo contra ambos os cônjuges, a penhora deve começar
pelos bens comuns e, só na sua falta ou insuficiência, pode incidir sobre bens próprios. Só se não houver
bens comuns, é que se justifica a propositura da execução contra um dos obrigados no título;
c) sendo a dívida comum e baseando-se a execução em sentença que apenas constitua título executivo
contra um dos cônjuges, o executado, que não chamou o cônjuge a intervir no processo declarativo para
o convencer da sua responsabilidade (artigo 316º nº 3 alínea a) do CPC), não pode alegar no processo
executivo que a dívida é comum. Segue-se, assim, o regime da penhora das dívidas de responsabilidade
exclusiva do executado, sem prejuízo do apuramento ulterior de contas entre os cônjuges (artigo 1697º
nº 1 do CC) e a possibilidade de o credor ainda propor uma nova ação declarativa contra o cônjuge não
condenado. O chamamento à intervenção principal do cônjuge não demandado constitui, assim, um ónus
do cônjuge demandado na ação declarativa, cuja inobservância preclude a invocação da comunicabilidade
da dívida;
d) sendo a dívida comum e baseando-se a execução em título extrajudicial contra um só cônjuge, (...) com
a reforma da ação executiva, passou a proporcionar-se ao exequente, no requerimento executivo, e ao
executado, no prazo para a oposição, a invocação da comunicabilidade da dívida com a consequência do
convite ao cônjuge do executado para vir declarar se aceita a comunicabilidade (...).”
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separação de bens é possível pôr termo à massa de bens comuns. Das duas uma: se
requereu a separação de bens, a execução sobre aqueles bens fica suspensa até à
partilha, esta é o ato que põe termo à comunhão. Obtida a partilha, a execução incide
apenas sobre os bens que caibam ao executado (artigo 740º nº 2 do CPC). A segunda
hipótese é o cônjuge não requerer a separação de bens; nesse caso, a execução
prossegue contra os bens comuns, mas ele aqui já foi citado. Note-se que se trata apenas
de separação de bens, não separação de pessoas ou divórcio, serve para individualizar
os bens do executado, não há outra forma.
“É de notar, porém, que, enquanto o art. 1696 CC estatui para as dívidas da
exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges, o art. 740 fá-lo para todos os casos de
execução movida contra um só dos cônjuges. Cabem, assim, no âmbito da previsão
deste artigo, não só os casos de responsabilidade exclusiva do executado, mas também
aqueles em que a responsabilidade é comum, segundo a lei substantiva, mas a execução
foi movida contra um só dos responsáveis – quer haja título executivo contra ambos
(caso em que o credor podia ter movido a execução contra os dois), quer haja título
executivo apenas contra o executado (caso em que o credor, querendo executar ambos
os cônjuges, teria de propor previamente ação declarativa contra marido e mulher: art.
34-3).”
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especificando quais bens devem ser penhorados. O cônjuge não executado será, então,
citado para declarar se aceita ou não a comunicabilidade da dívida (artigos 742º nº 1 e
741º nº 2). Se houver oposição, quer do exequente, quer do outro cônjuge, o juiz decide
da questão no incidente de oposição à penhora (artigo 742º nº 2). Quanto ao desfecho
do incidente, vale o que já foi explicado anteriormente (artigos 742º nº 2 e 741º nº 5 e
6).
De entre todos os bens que podem ser penhorados, em que extensão a penhora
é admissível? Isto é, qual é a quantidade de bens que pode ser escolhida para a penhora?
Isto é bastante relevante porque, se estas regras forem violadas, haverá fundamento de
oposição à penhora (artigo 784º nº 1 alínea a)).
Quais são as regras que delimitam a extensão da penhora? Uma de ordem geral
é o princípio da legalidade – a penhora só pode englobar os bens que a lei considere
penhoráveis. O segundo princípio é o da necessidade – a penhora está limitada aos bens
necessários para o pagamento da obrigação exequenda (artigo 735º nº 3) que permite
que se penhore o valor necessário para a obrigação exequenda mais uma percentagem
relativa às despesas da execução. Em terceiro lugar, pode o exequente designar por
quais bens pretende que a execução se inicie (artigo 751º nº 2), salvo se violar
manifestamente a seguinte regra que fica em quarto lugar. O terceiro princípio é, assim,
a indicação do exequente. O quarto limite é a penhora começar pelos bens de mais fácil
realização pecuniária (artigo 751º nº 1). Violadas estas regras, temos um fundamento
de oposição à penhora.
Admite-se, ainda, a possibilidade de o executado requerer a substituição dos
bens penhorados (artigo 751º nº 5 alínea a)). Se houver oposição do exequente, a
questão é resolvida pelo juiz de execução (artigo 751º nº 6). Isto é uma manifestação do
princípio da proporcionalidade.
78
requerimento executivo (artigo 724º nº 1 alínea i)); pode consultar diferentes bases de
dados públicas (artigo 749º nº 1), por exemplo bases de dados da Administração
Tributária, da Segurança Social, das Conservatórias do Registo Predial e Automóvel. Esta
operação de identificação pode ter 2 desfechos:
- encontram-se bens penhoráveis: o AE prossegue com a realização da penhora,
seguindo as regras anteriormente referidas. Em princípio, a penhora não está
dependente de prévia autorização judicial, só excecionalmente ela é exigida, por
exemplo nos casos previstos nos artigos 757º nº 4, 764º nº 4 e 767º nº 1. Sendo realizada
a penhora, lavra-se obrigatoriamente auto que consta da Portaria nº 282/2013 no qual
se descreve a realização da mesma (artigo 753º nº 1);
- não se encontram bens penhoráveis: se não se encontrarem bens no prazo de 3 meses,
aplica-se o regime previsto no artigo 750º. Quer o exequente, quer o executado serão
notificados. O exequente é notificado para designar os bens do executado que pretenda
que sejam objeto de execução, naturalmente que só o faz se souber que existem ou
quais são. O executado é notificado para indicar bens à penhora. Na hipótese de haver
dispensa de citação prévia, é citado e não notificado, porque ainda não estava na ação
(artigo 750º nº 3). Se porventura o executado nada indicar e se vierem a descobrir bens
no futuro, está sujeito à sanção pecuniária prevista no artigo 750º nº 1. Se nem o
exequente, nem o executado indicarem bens penhoráveis, a execução extingue-se
(artigo 750º nº 2). Mas vindo a encontrar-se no futuro bens, o processo reabre-se, há
uma possibilidade de renovação da instância no futuro.
A penhora, sendo realizada, poderá ser posteriormente reforçada, penhorando-
se novos bens, ou substituída, penhorando-se outros bens em lugar dos primitivos, nos
casos previstos no artigo 751º nº 5. Por exemplo, em caso de insuficiência dos bens
inicialmente penhoráveis.
79
26 “Sem prejuízo do disposto quanto às execuções fiscais, o registo da penhora é efetuado com base em
comunicação eletrónica do agente de execução ou em declaração por ele subscrita. “
27 “Estão sujeitos a registo: A penhora e a declaração de insolvência;”
28 “Havendo registo provisório de arresto, penhora ou de declaração de insolvência sobre os bens inscritos
a favor de pessoa diversa do requerido, executado ou insolvente, deve efetuar-se no respetivo processo
a citação do titular inscrito para declarar, no prazo de 10 dias, se o prédio ou direito lhe pertence.”
80
Sendo realizada a penhora, ela, em princípio, mantém-se até à venda dos bens.
Além das causas gerais de levantamento da penhora e de substituição da penhora
previstas nos artigos 751º nº 5 e 763º, importa referir duas causas particulares:
- se o bem penhorado desaparecer, a penhora transfere-se para o bem sub-rogado, ou
seja, deixa de incidir sobre o que estava antes e passa a incidir sobre o que fica depois
(artigo 823º do CC);
- quando não tenha sido feita nenhuma diligência executiva para realizar o pagamento
do crédito nos 6 meses anteriores ao requerimento de levantamento (artigo 763º nº 1).
Na execução para entrega de coisa certa, prevê-se um regime especial de
suspensão da execução ou de diferimento da desocupação do imóvel arrendado para
habitação (artigos 863º nº 3 e 864º). Estas regras que estão previstas para a execução
para entrega de coisa certa podem aplicar-se na execução para pagamento de coisa
certa quando o bem penhorado for a habitação do executado? Numa versão anterior, o
CPC previa expressamente a aplicação dessas regras, mas essa remissão deixou de ser
feita, de modo que qual deverá ser o entendimento? Castanheira Neves chama a
atenção para o seguinte: a norma é feita com determinada intenção, mas quando é
interpretada, é-o em relação a todas as outras regras, pelo que a intenção pode não ser
conseguida. Não há nada mais contrário ao pensamento jurídico do que a contradição
valorativa, daí que o pensamento jurídico seja estruturalmente analógico, porque a
analogia permite tratar de forma igual o que é igual e diferente o que é diferente.
Quando a lei, na execução para entrega de coisa certa, prevê a proteção do executado,
visa evitar o seu imediato desapossamento, a razão da tutela não tem a ver com o fim
da execução, mas com o efeito prático do desapossamento. Esse risco existe na
execução para pagamento de quantia certa, os casos são análogos, coloca-se o mesmo
problema: o de o executado perder um bem que lhe é essencial. Se os casos são
análogos, a solução tem de ser a mesma.
81
Quanto aos bens móveis sujeitos a registo, vale o que já foi dito com as
necessárias adaptações, aplicando-se por remissão do artigo 768º nº 1 o regime do
artigo 755º, ou seja, o regime da comunicação à conservatória da penhora. Procede-se
ainda à imobilização do bem penhorado (artigo 768º nº 3). Excecionalmente, no caso da
penhora de veículos, é possível, nos termos do artigo 768º nº 3 alínea b), que não haja
remoção do bem e que o executado possa continuar a usá-lo.
São aqui considerados os veículos automóveis, os navios e as aeronaves.
27.2.3.1. Créditos
A penhora de créditos está regulada nos artigos 773º a 777º e constitui o regime
padrão da penhora de direitos. O devedor é notificado com as formalidades da citação
pessoal (artigo 773º nº 1). A partir deste momento, o crédito fica à ordem do AE. Se o
crédito for cumprido perante o executado, não é liberatório. A lei diz “é notificado com
29Lebre de Freitas postula que “o âmbito da penhora de direitos se determina por exclusão de partes: ela
tem lugar quando não está em causa o direito de propriedade plena e exclusiva do executado sobre coisa
corpórea nem um direito real menor que possa acarretar a posse efetiva e exclusiva de coisa (corpórea)
móvel ou imóvel.”
82
as formalidades da citação pessoal”. Não diz citado, porque cita-se quem é parte da ação
e o devedor do crédito não é parte da ação. O devedor do crédito, sendo notificado, tem
o dever de declarar se o crédito existe ou não, quais as garantias que o acompanham, a
sua data de vencimento e outros elementos relevantes (artigo 773º nº 2). Se porventura
faltar conscientemente à verdade, pode incorrer em responsabilidade nos termos do
litigante de má fé. Apesar de não ser litigante, a lei remete para esse regime (artigos
773º nº 5 e 543º).
Como é que continua a penhora de créditos? Depende do comportamento do
devedor. Se o devedor nada disser, considera-se que reconhece o crédito tal como ele
foi indicado à penhora (artigo 773º nº 4). Cria-se um verdadeiro ónus sobre o devedor
(artigo 773º nº 2), porque, se nada fizer, o crédito reconhece-se nos termos em que foi
indicado. É um regime que prevê um efeito cominatório pleno. Em termos processuais,
o silêncio tem valor declarativo, o que, em termos materiais, não acontece. É preciso
atribuir efeitos ao silêncio para forçar à ação.
Na eventualidade de a dívida ser reconhecida ou de o devedor nada fazer, a
penhora pode prosseguir nos seguintes termos: poder-se-á tomar duas opções – alienar
o próprio crédito ou receber seu o produto (o crédito não é alienado, mas a prestação é
realizada ao AE e com este produto satisfaz-se a obrigação exequenda). Como é que o
pagamento é realizado? Mediante depósito da quantia à ordem do AE e apresentação
de documento de depósito (artigo 777º nº 1). Se o terceiro não cumprir, poderá ser
executado nos próprios autos (artigo 777º nº 3). A própria execução vai poder ser
dirigida contra ele, passa a ser destinatário da mesma execução. Aqui a lei considera que
o título executivo é o reconhecimento por parte do devedor ou a conjugação da
notificação com o silêncio do devedor (artigo 777º nº 3 segunda parte).
Caso o devedor conteste o crédito, o exequente e o executado são notificados
para se pronunciar no prazo de 10 dias e o exequente deverá declarar se mantém ou
desiste da penhora (artigo 775º nº 1). Se o exequente mantiver a penhora, o regime é
muito simples: o direito só poderá ser alienado como crédito litigioso (artigo 775º nº 2).
É alienado um bem potencial, ele pode ou não existir. Sabemos apenas que ele existe
como controvertido. Isto é um negócio de risco. A vantagem para o adquirente é adquirir
o crédito a um valor nominal inferior e é esta a remuneração que tem pelo risco de não
conseguir cobrar nada. O artigo 777º nº 3 permite que o adquirente do crédito também
possa exigir a prestação nos próprios autos. O adquirente do crédito litigioso poderá
exigir a prestação nos próprios autos contra o terceiro? Rui Pinto diz que sim. Para
aplicar o artigo 777º nº 3 é preciso haver um título executivo. Caso o crédito seja
litigioso, houve oposição. Assim, não há título executivo, logo não pode ser exigido ao
devedor nos próprios autos. O terceiro que adquira o crédito e o queira cobrar deverá
interpor uma ação declarativa e depois uma ação executiva.
Sendo o devedor notificado, pode reconhecer, nada dizer, ou pode contestar o
crédito, mas, na verdade, ainda há uma terceira possibilidade: reconhecer o crédito, mas
alegar que a exigibilidade dele depende de uma contraprestação por parte do
executado, podendo também invocar uma exceção (introduz novos factos). Não
impugna, mas alega que o crédito é inexigível. O regime consta do artigo 776º. Importa
aqui distinguir consoante o executado confirmar ou não a declaração feita pelo terceiro.
Se o executado confirmar que o seu crédito depende de contraprestação, é notificado
para a satisfazer no prazo de 15 dias ao AE. Se o executado não cumprir, pode o
exequente ou o próprio devedor exigir o cumprimento do dever do executado perante
83
84
85
Quanto à oposição por simples requerimento, ela não está regulada em geral,
mas é pontualmente referida. Por exemplo, artigos 738º nº 6 (regra que permite reduzir
a parte penhorável dos rendimentos) e 744º nº 2 (relativo à execução contra herdeiro).
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b) Fundamentos
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c) Tramitação
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d) Efeitos materiais
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São chamados porque a futura venda executiva vai extinguir os seus direitos
(artigo 824º nº 2 do CC). Se a jusante se extinguirão os direitos, é necessário que a
montante sejam citados para que os seus créditos sejam devidamente tutelados. Isto
não faz com que a ação executiva se torne numa ação universal, porque são apenas
chamados os credores titulares de créditos que, por força das respetivas garantias,
possam ser conflituantes com a venda executiva.
Esta fase pode dividir-se em duas subfases:
- reclamação dos créditos;
- verificação e graduação.
Comecemos pelo primeiro período. Deverão ser citados todos os credores que
tenham uma garantia real registada ou conhecida sobre os bens penhorados (artigo
786º nº 1 alínea b) do CPC). Será ainda citada a Fazenda Nacional (é quem representa a
Administração Tributária para efeitos patrimoniais) e o Instituto de Gestão Financeira
da Segurança Social (artigo 786º nº 2), isto no caso de haver créditos tributários ou
dívidas à Segurança Social por satisfazer.
Mesmo que um credor não tenha sido citado, poderá intervir espontaneamente
na ação executiva (artigo 788º nº 3). Se ele não for citado e não intervier, vai-se extinguir
a garantia. Contudo, poderá haver ação de responsabilidade civil contra o responsável
pela citação (o AE), além de ação de restituição do enriquecimento sem causa dirigida
contra aquele que tenha sido pago em lugar do credor que não foi citado, na
eventualidade de sofrer uma perda (artigo 786º nº 6).
Um aspeto relevante que importa destacar é o seguinte: se porventura não
houver credores titulares de garantias e, portanto, não houver créditos reclamados, a
ação executiva vai continuar na forma sumária sem a intervenção do juiz.
Esta fase inicia-se com a citação. Em seguida, começa a correr o prazo para
reclamar os créditos, deverão ser reclamados no prazo de 15 dias (artigo 788º nº 2). No
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30 Lebre de Freitas acrescenta o seguinte: “Nos casos em que a reclamação é admitida, e salvo tratando-
se de crédito de trabalhador (art. 796-4), o crédito com privilégio creditório geral pode sofrer uma
redução: nos termos do art. 796-3, é reduzido até 50% do remanescente do produto da venda, deduzidas
as custas da execução e as quantias a pagar aos credores que devam ser graduados antes do exequente,
na medida do necessário ao pagamento de 50% do crédito do exequente, até que este receba o valor
correspondente a 250 UC. Desta norma, resulta que:
- Quando concorram ao produto da venda apenas o exequente e o credor privilegiado, o pagamento a
este é reduzido na medida necessária ao pagamento de 50% do crédito do exequente, mas com a garantia
mínima de 50% do remanescente do produto da venda após a dedução das custas; logo, porém, que o
exequente atinja o plafond das 250 UC, a limitação para o credor privilegiado deixa de se aplicar.
- Quando concorra ao produto da venda, além do exequente e do credor privilegiado, outro credor que
deva preferir ao exequente (credor hipotecário ou pignoratício com garantia real anterior, por exemplo),
a redução do crédito com privilégio só tem lugar na medida em que tal aproveite ao exequente, sem que
dela possa beneficiar ou por ela possa ser prejudicado esse outro credor. Assim, devendo o credor
pignoratício ser pago antes do credor privilegiado (art. 749 CC), a questão só se porá se algo sobrar depois
dele pago, aplicando-se a norma à distribuição do remanescente; e, devendo o credor hipotecário,
naqueles casos em que tal não importe inconstitucionalidade, ser pago depois do credor privilegiado, há
que apurar o remanescente do produto da venda hipotizando o pagamento integral ao credor
hipotecário, fazer, na base desse remanescente, o apuramento da parte devida ao exequente nos termos
da norma do n.º 3 e seguidamente deduzir na parte do credor privilegiado a parte assim atribuída ao
exequente.”
91
b) Tramitação
92
c) Estatuto de credores
Uma pergunta dogmática que se pode colocar a respeito desta fase é: qual é o
exato estatuto processual destes credores reclamantes, o que é que eles são? Lebre de
Freitas designa-os como partes acessórias. O professor Tiago Ramalho pensa que esta
não é a qualificação mais adequada, porque a parte acessória tem uma posição
subordinada em relação às partes principais. Estes credores têm uma posição própria,
conflituante com a das partes principais. Teixeira de Sousa sustenta que são opoentes,
porque têm uma posição que conflitua quer com a posição da parte ativa, quer com a
posição da parte passiva. O professor considera esta qualificação mais adequada ou
então considerar que são partes terceiras com um estatuto próprio, isto é, é uma
categoria própria.
93
poder requerer a separação, ou quando a penhora tenha recaído sobre bem imóvel ou
estabelecimento comercial que o executado não possa alienar livremente.
A lei prevê aqui a citação do outro cônjuge, no fundo, para respeitar o regime
que está previsto substantivamente no artigo 1682º-A do CC, que prevê que o cônjuge
deve obter autorização do outro cônjuge para alienar certos bens próprios. A ideia é de
que se trata de bens de tanta importância para o património familiar que o outro
cônjuge deve ter uma palavra a dizer acerca da oportunidade da respetiva alienação.
Podendo a ação executiva implicar a perda do bem, por identidade de razão o cônjuge
do executado é citado para poder defender o património familiar.
Sendo citado o cônjuge do executado, embora não esteja ele próprio a ser
executado, poderá exercer todos os meios de defesa que a lei confere ao executado
(artigo 787º nº 1 do CPC). Se houver conflito entre os cônjuges quanto à estratégia de
defesa, o conflito deverá ser dirimido pelo juiz nos termos gerais (artigo 723º nº 1 alínea
d)). O prazo para oposição é de 20 dias a contar da citação (artigo 787º nº 1).
94
necessário realizar nenhuma venda executiva, porque o objeto da penhora já foi uma
quantia pecuniária.
A venda executiva está regulada nos artigos 811º e seguintes do CPC, podendo
revestir várias modalidades previstas no artigo 811º e reguladas sucessivamente. Como
aliás toda a ação executiva, a venda executiva está limitada pelo princípio da
proporcionalidade, portanto logo que se obtenha o suficiente para satisfação das
despesas de execução e do crédito do exequente e credores reclamantes, deverá sustar-
se a venda e ela não é realizada (artigo 813º).
Quem decide acerca da modalidade da venda executiva é o AE, que o faz nos
termos do artigo 812º, que prevê o que é que a decisão acerca da venda executiva
deverá conter (nº 2). Mas qual é a modalidade de venda que o AE deve escolher?
1º- caso o bem objeto da penhora seja um instrumento financeiro ou uma mercadoria
com cotação em mercados regulamentados, por exemplo na bolsa de valores, a venda
executiva deve ser feita nesse mesmo mercado (artigo 830º). É o caso da venda de
ações;
2º- venda direta. Aplica-se este regime quando os bens devam ser entregues a certa
entidade ou tenham sido prometidos vender com eficácia real a quem queira exercer o
direito de execução específica (artigo 831º). O titular de um direito real de aquisição não
pode recorrer a embargos de executado, porque na venda executiva vai ser respeitado
o seu direito. Isso vê-se aqui, é protegido pelo regime da venda direta;
95
3º- venda em leilão eletrónico (artigo 837º). Está também regulada nos artigos 20º a 26º
da Portaria nº 282/2013 e no Despacho nº 12624/2015 da ministra da justiça. É aquela
que é mais utilizada;
4º- devemos aplicar subsidiariamente, embora a lei não o diga em geral, o regime da
venda sob propostas em carta fechada, porque é o regime que está mais
pormenorizado;
5º- caso se trate de venda de estabelecimento comercial de valor superior a 500 u. c.,
pode qualquer interessado exigir a venda executiva por propostas de carta fechada;
6º- venda por negociação particular (artigo 832º alíneas a), b), c) e g)): se os bens tiverem
valor inferior a 4 u. c. e quando o exequente e o executado proponham um comprador
e tenha sido oferecido um preço aceite pelos demais, ou quando haja urgência na
realização da venda;
7º- venda por propostas de carta fechada para bens imóveis (artigo 816º) e por depósito
público para bens móveis (artigo 836º);
8º- caso não seja possível nenhum dos meios anteriores, pode ser sempre negociação
particular (artigo 832º restantes alíneas).
Do ponto de vista do professor Tiago Ramalho, havendo consentimento entre
todos os interessados, é sempre possível escolher-se a modalidade de alienação, por
causa do princípio do dispositivo.
Vejamos mais de perto a venda mediante propostas de carta fechada. Não é esse
o modo preferencial de alienação, é o leilão eletrónico, só que a venda mediante
propostas de carta fechada tem uma função modelar em termos de regime.
Primeiro, é anunciado o valor base dos bens que, nos termos do artigo 816º nº
2, será de 85% do valor base calculado nos termos do artigo 812º nº 3, para gerar um
incentivo à compra. As propostas de valor inferior a 85% deste valor base não poderão
ser aceitas. Isso apenas poderá acontecer se houver consentimento de todos (artigo
821º nº 3). Isto é a regra do CC da aceitação da proposta com modificações.
Anunciado este valor, a venda será publicitada nos termos do artigo 817º, numa
página informática de acesso público e mediante edital na porta do prédio a vender.
Em terceiro lugar, os preferentes são notificados do dia, hora e lugar de abertura
das propostas (artigo 819º nº 1). São notificados nos termos previstos para a citação (nº
3). Se porventura os preferentes não forem citados, poderão propor ação de
preferência, caso a venda seja feita (nº 4). Os preferentes não podem correr embargos
de executado por esta razão. Esta regra é entendida como aplicável ao leilão eletrónico.
Por que é que os preferentes são notificados para a abertura das propostas? Porque o
direito do preferente é o de preferir nos termos da proposta do adquirente. A abertura
das propostas é feita no tribunal (artigo 816º nº 3), podendo elas ser apreciadas por
todos os intervenientes. Cada proponente deverá caucionar a sua proposta (artigo 824º
nº 2).
Em princípio, a proposta que prevalece é a de maior preço. Na eventualidade de
haver várias propostas com o mesmo valor, deverá abrir-se licitação para ver quem
oferece valor superior (artigo 820º nº 2). Admite-se que o exequente manifeste a
vontade de adquirir o bem. Nesse caso, é aberta licitação entre ele e o proponente
(artigo 820º nº 5). Os titulares do direito de preferência, que haviam sido notificados,
96
são interpelados para preferir (artigo 823º nº 1). Se houver vários preferentes, vão licitar
entre eles (nº 2). Neste momento, já saberemos quem é que será, em princípio, o
possível adquirente.
O bem é, então, adjudicado. No prazo de 15 dias, o proponente ou preferente
deverá depositar o preço (artigos 824º nº 2 e 825º). Se não depositar o preço, o AE pode
recorrer a qualquer uma das possibilidades do artigo 825º nº 1:
- optar pela proposta seguinte (alínea a)), mas o proponente perde a caução;
- determinar que a venda fica sem efeito (alínea b)), procedendo a uma nova venda
executiva e também perde a caução;
- liquidar a responsabilidade do proponente ou preferente, arrestando os bens
necessários para o pagamento do preço e sendo ele executado no próprio processo pelo
valor do preço da aquisição (alínea c)).
No caso de exequente ou credor com garantia, pode ser dispensado do depósito
do preço, compensando-o com o próprio crédito (artigo 815º nº 1).
É passado o título de transmissão. Neste, que é um ato unilateral do Estado,
constam os bens, certifica-se o pagamento, declara-se o cumprimento ou isenção das
obrigações fiscais e a data da adjudicação. Os bens são imediatamente entregues (artigo
827º nº 1). Se porventura houver recusa de entrega dos bens por parte de quem os
detenha, o adquirente pode exigir a entrega coerciva na própria execução (artigo 828º).
Aquilo que provoca a transmissão da titularidade é o título de transmissão.
É ainda possível que, até ao momento da emissão deste título, possa ser exercido
o chamado direito de remição, que é o direito de certas pessoas exigirem que o bem
fique para elas (artigos 842º e seguintes). É, então, o direito que se confere a familiares
próximos do executado de chamarem a si bens objeto de venda ou adjudicação, sendo
uma espécie de direito de preferência concedido a familiares próximos. Visa garantir a
proteção do património familiar no âmbito da venda executiva, evitando a saída dos
bens penhorados do âmbito da família do executado.
O direito de remição prevalece sobre qualquer direito de preferência em sentido
estrito (artigo 844º nº 1), sendo, por isso, denominado de direito de preferência
qualificado.
Sucessivamente, nos termos do artigo 842º, tem direito de remição o cônjuge
não separado judicialmente de pessoas e bens, os descendentes e ascendentes, pela
ordem referida no artigo 845º nº 1. Este direito de remição é exercido no valor pelo qual
tenha sido feita a adjudicação ou a venda. O exercício do direito de remição tem lugar
num prazo apertado que varia consoante a modalidade de venda e a formalização desta
por escrito (artigo 843º nº 1):
- no caso de venda por proposta de carta fechada, o direito de remição pode ser exercido
até à emissão do título de transmissão;
- nas outras modalidades de venda, o direito de remição pode ser exercido até ao
momento da entrega do bem ou da apresentação do título.
32.4. Adjudicação
32.4.1. Efeitos de Direito material
97
A adjudicação está regulada autonomamente, mas pode ser encarada como uma
submodalidade da venda executiva. Esta figura está regulada nos artigos 799º e
seguintes. A adjudicação é uma possibilidade que está reservada ao exequente (artigo
799º nº 1) ou a um credor reclamante com garantia real em relação ao bem objeto da
garantia (artigo 799º nº 2).
Exequente ou credor reclamante requerem que o bem lhes seja adjudicado por
certo preço (artigo 799º nº 3). Este preço não pode ser inferior a 85% do valor base dos
bens, que é a mesma regra que está na venda executiva. A proposta de adjudicação é
publicitada, mencionando-se o preço oferecido (artigo 800º nº 1). Se não houver
nenhuma proposta, aceita-se o preço oferecido pelo exequente ou credor reclamante
(artigo 801º nº 1); se houver proposta, é necessário deliberar sobre ela nos termos da
própria venda executiva (artigos 820º e 821º ex vi artigo 801º nº 2). Para muitos aspetos
do regime remete-se para o regime da venda executiva (artigo 802º).
A adjudicação é uma espécie de venda executiva em que a primeira proposta é
feita pelo exequente ou credor reclamante. Há uma iniciativa destes, podendo outros
interessados, a seguir, apresentar as suas propostas.
98
algumas dimensões reais. A abordagem que poderemos fazer é a partir do artigo 824º
nº 1 e depois com a precisão do nº 2. A venda executiva não transmite para o adquirente
mais do que aquilo que tinha o executado. Vale a regra, no regime do Direito do
arrendamento, de que este não se extingue por transmissão da coisa (artigo 1057º). Se
o arrendamento não se extingue quando o locador transmite a coisa, então a venda
executiva também não pode fazer extinguir. Temos apenas de introduzir a correção do
nº 2 – o arrendamento deverá ser anterior à penhora. Se for posterior, ele será
inoponível à venda executiva (artigo 819º). Parece que ao arrendamento deveremos
aplicar o mesmo regime que aplicamos aos demais direitos reais. Há quem diga nesta
matéria que o arrendamento subsiste mesmo se posterior à penhora, mas o professor
Tiago Ramalho não vê como isto se possa ajustar aos artigos 824º e 819º. Este artigo
1057º corresponde ao princípio emptio non tollit locatum que significa “a compra não
tolhe o arrendamento”. O direito de arrendamento tradicionalmente era um direito de
natureza pessoal. Sendo-o e a coisa era vendida, o locatário não tinha proteção, porque
apenas podia exigir à sua contraparte contratual. Se mudava o proprietário, ficava
desapossado do bem31.
Os titulares dos direitos reais que se extingam com a venda executiva veem, tal
como os titulares dos direitos de garantia, os seus direitos transferidos para o produto
da alienação (artigo 824º nº 3).
A venda executiva, como ato jurídico que é, poderá ser anulada. As causas de
anulação estão previstas nos artigos 838º e 839º do CPC:
- existência de ónus ou limitações do direito (artigo 838º nº 1);
- anulação, revogação da sentença exequenda ou oposição à execução ou à penhora
julgadas procedentes (artigo 839º nº 1 alínea a)): aqui é o próprio fundamento anterior
à venda executiva que é colocado em causa;
- anulação de toda a execução por falta ou nulidade de citação do executado (artigo
839º nº 1 alínea b));
- anulação do ato da venda nos termos do artigo 195º (artigo 839º nº 1 alínea c)): o
artigo 195º prevê a regra geral de nulidade dos atos processuais. O que acontece é que
o processo é composto por uma sucessão concatenada de atos. Por conseguinte, a
anulação do ato anterior afeta o ato posterior. A venda pode ser anulada32 em virtude
de um ato processual anterior da cadeia dos vários atos que compõem o processo;
31 Paralelamente ao arrendamento, foi-se desenvolvendo uma figura no Direito europeu que foi a figura
da enfiteuse. Foi revogada em Portugal nos 1970. Era uma figura de mistura entre Direito dos Contratos
e Direitos Reais que consistia na divisão da propriedade em duas partes: tínhamos, por um lado, o
chamado domínio direto que corresponde à titularidade do direito de fundo e, por outro lado, o domínio
útil que era quem usufruía da coisa. A enfiteuse foi reforçando a posição do enfiteuta que paulatinamente
adquiriu uma posição real do bem, que ficou protegido mesmo quando o domínio direto era alienado. No
século XIX, por razões de ordem económica geral, houve um grande combate à figura da enfiteuse por
toda a Europa e uma grande exaltação da propriedade individual absoluta. Paulatinamente a enfiteuse
deixou de se aplicar. O meio privilegiado para poder fruir de um bem pertencente a outro passou a ser o
contrato de locação. Consequência disto: regredimos no nível de proteção, porque passou a ter um direito
meramente obrigacional do arrendamento. Com o êxodo rural, a industrialização e o crescimento das
cidades, multiplicaram-se os casos de arrendamento e de arrendamento sem proteção. Os legisladores,
pela Europa fora, reforçaram a proteção do arrendamento permitindo que a alienação não destrua o
arrendamento.
32 No processo civil, nulidade e anulação são termos utilizados indistintamente.
99
- ação de reivindicação do objeto da venda que tenha procedido (artigo 839º nº 1 alínea
d)): antes do que está previsto nesta norma, a transmissão da propriedade não se deu.
A ação de revindicação colocará em causa a produção de outros efeitos da venda que
não a transmissão da propriedade, porque essa nunca se deu.
32.5. Pagamento
100
101
A própria ação executiva pode ser anulada em bloco no caso previsto no artigo
851º que é quando se verifica o vício da falta ou nulidade de citação – um dos vícios
mais graves do processo. A consequência é a anulação de todo o processo em bloco,
pois é um vício que o afeta desde a sua origem (artigos 851º, 197º e 190º).
36. Recurso
102
à entrega de bens, sejam elas de natureza real (ação de reivindicação), seja natureza
obrigacional (locatário que exige a entrega da coisa ao locador).
Para sabermos se se trata de uma execução para entrega de coisa certa, basta-
nos e é essencial confrontar o título executivo. Se o título delimita a execução e dele
consta a existência de um dever de prestar, então teremos uma execução para entrega
de coisa certa e proceder-se-á à apreensão do bem para sua entrega ao exequente.
Mesmo que a pretensão material à entrega já não exista, porque, por exemplo, a coisa
se perdeu ou extinguiu ou se tornou impossível o seu cumprimento, a execução será
para entrega de coisa certa, mas dentro do próprio processo ela será convertida,
seguindo os termos da execução para pagamento de quantia certa.
Quanto à forma do processo, a execução para entrega de coisa certa está sujeita
a forma única, diz a lei no artigo 550º nº 4. Aplicam-se subsidiariamente as disposições
da execução para pagamento de quantia certa (artigo 551º nº 2). Por exemplo, sendo
necessário despacho liminar.
Quanto à competência, é competente para a execução o tribunal do lugar em
que a coisa se encontre (artigo 89º nº 2).
À forma de processo única, temos de acrescentar a execução de sentença
condenatória. Tratando-se desta, valem as particularidades do artigo 626º nº 3:
primeiro, apreende-se a coisa e só depois é o executado notificado para deduzir
oposição. O tribunal competente é o que proferiu a sentença. O artigo 626º nº 3 diz que,
feita a entrega ao exequente, é notificado o executado para deduzir oposição. Mas é
apreensão. Embora a lei diga entrega, deverá entender-se que a entrega só tem lugar
depois de decorrido o prazo para oposição.
40. Tramitação
103
aponte para outras soluções, mas o melhor regime parece ser este, no entender do
professor Tiago Ramalho com base no entendimento de Rui Pinto.
O executado, nesta ação, é citado para fazer a entrega ou opor-se à execução
por embargos, tendo o prazo de 20 dias (artigo 859º). Na execução para pagamento de
quantia certa, é citado para pagar ou opor-se; aqui é citado para entregar ou opor-se.
Quanto à oposição à execução, poderá recorrer a todos os fundamentos gerais
(artigo 860º nº 1). Mesmo quem afirma que há restrição probatória na alínea g) do artigo
729º, admite aqui, pelo menos, o recurso à prova por inspeção – deslocação efetiva pelo
julgador àquilo que vai observar (artigo 390º do CC). Será o melhor meio de prova para
demonstrar o cumprimento da pretensão. Para quem entende que não há restrição de
meios de prova, obviamente que não há que fazer esta distinção.
Dentro da oposição à execução, é admissível aqui a oposição por benfeitorias
(artigo 860º nº 1 segunda parte do CPC). Esta referência às benfeitorias alude ao direito
previsto nos artigos 1273º nº 1 e 1275º nº 1 do CC. Estes artigos preveem o direito a
indemnização do possuidor de boa ou má fé pelas benfeitorias necessárias e o direito
de levantar as benfeitorias úteis (artigo 1273º nº 1), e o direito a levantar as benfeitorias
voluptuárias do possuidor de boa fé (artigo 1275º nº 1). Estas benfeitorias estão
garantidas por direito de retenção (artigo 754º). No caso específico do direito às
benfeitorias, coloca-se expressamente uma restrição: se a execução for fundada em
sentença condenatória, o direito às benfeitorias deve ser exercido na ação declarativa
(artigo 860º nº 3 do CPC) através de reconvenção (artigo 266º nº 2 alínea b)). Neste caso
das benfeitorias, existe claramente o ónus de reconvenção. Se o quer fazer valer, que o
faça anteriormente em ação declarativa, sob pena de não se poder defender com este
fundamento na ação executiva. Surge ainda uma outra questão: quando haja direito a
indemnização, poderá ser pedida essa indemnização na oposição à execução? Esta serve
para extinguir a execução. Neste caso particular, parece subjazer ao artigo 860º nº 2 que
o pedido de benfeitorias pode ser feito na oposição à execução. Isto não é unânime, há
quem entenda que se trata apenas de um meio de defesa. Mas o professor entende que
há suporte literal suficiente. A oposição fundada em benfeitorias, em princípio,
suspende a execução, a não ser que o exequente caucione a quantia pedida (artigo 860º
nº 2).
Aqui não haverá a fase da penhora, porque não é necessário penhorar bens para
uma futura venda executiva. A fase que se segue destina-se à apreensão do bem que é
objeto da pretensão exequenda. A lei remete para as disposições relativas à penhora
(artigo 861º nº 1). Em especial, no próprio regime da execução para entrega de coisa
certa, preveem-se algumas particularidades para a apreensão e entrega de coisas
imóveis e de coisas móveis. No caso de coisas imóveis, vigora o artigo 861º nº 3. O AE
investe o exequente da posse, entregando os documentos e as chaves e notificando o
executado, os arrendatários e quaisquer detentores para reconhecerem o direito do
exequente. Quanto à entrega de coisas móveis, as coisas são apreendidas fisicamente e
são entregues ao exequente. A lei, no artigo 861º nº 2, regula a questão de se tratar de
coisas móveis a determinar por conta, peso ou medida, dispondo apenas, nesse caso,
que essas operações devem ser feitas perante o AE. Em tudo o que não está aqui
regulado, vigoram as disposições comuns. Por exemplo, o horário da diligência ou a
necessidade do recurso à força pública.
Não se entende que se aplicam aqui os limites de impenhorabilidade, porque o
controlo acerca do direito em relação àquele bem concreto já terá sido definido no
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momento da formação do título, de modo que não se pode agora invocar um limite
adicional de impenhorabilidade. Embora não se apliquem os limites gerais de
impenhorabilidade, a lei prevê regras especiais de proteção da habitação principal do
executado em dois casos diferentes – em geral e depois em particular nas hipóteses em
que a habitação é arrendada. Excluindo a hipótese de o imóvel ser arrendado, se o
imóvel objeto da entrega é a habitação principal do executado, o artigo 861º nº 6
remete para a proteção dada no artigo 863º nº 3 a 5. Caso se prove por atestado médico
que a diligência coloca em risco a vida de quem se encontre no local (por exemplo, uma
pessoa acamada com uma série de utensílios que não podem ser deslocados com
facilidade), indicando o prazo que se entende adequado para suspender a execução,
nesse caso a execução suspende-se pelo necessário até realojar a pessoa (artigo 863º
nº 3).
Efetuada a apreensão, o executado poderá opor-se, aqui será uma oposição à
apreensão, aplicando-se com as necessárias adaptações o regime de oposição à
penhora. Um fundamento poderá ser a violação da extensão da apreensão.
Apreendido o bem, ele será entregue ao exequente desde que já tenha decorrido
o prazo para a oposição. Entregue a coisa ao exequente e pagas as custas, o processo
pode terminar nos termos gerais.
Se for revogada a decisão que decretou a entrega ou se, por qualquer razão, o
executado recuperar o direito à coisa, por exemplo, porque procedeu a oposição à
execução, pode requerer a restituição da coisa (artigo 861º nº 5). Podemos aplicar este
regime da restituição da coisa para todas as causas que na execução para pagamento
de quantia certa determinam que a venda fica sem efeito (artigo 839º nº 1).
Quando a execução seja fundada num título extrajudicial, prevê-se um regime
especial de responsabilidade do exequente caso:
1- proceda a oposição à execução;
2- o exequente tenha agido sem a prudência normal (artigo 866º).
Mas temos de introduzir aqui alguns desvios para as hipóteses em que não seja
possível encontrar a coisa, ou pura e simplesmente a obrigação já esteja extinta por
impossibilidade. Nesses casos, a solução da lei é a conversão da execução em execução
para pagamento de quantia certa (artigo 867º). Esta conversão pode ser originária ou
superveniente: originária quando, no momento da propositura da ação executiva, o
requerente pede logo a conversão; superveniente quando o faz apenas no decurso da
ação executiva.
Existem algumas particularidades:
- deve haver um requerimento do exequente, que pode ser o próprio requerimento
executivo ou um requerimento posterior. Neste requerimento, deverá liquidar o valor
da coisa e o prejuízo resultante da falta de entrega (artigo 867º nº 1). A partir do
momento em que liquida a obrigação, pode também pedir juros de mora;
- procede-se à própria liquidação do valor. É feita nos termos gerais dos artigos 358º,
360º e 716º, consoante os casos (artigo 867º nº 1);
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A prestação de facto está formalmente sujeita a forma única (artigo 550º nº 4).
Subsidiariamente aplicam-se as regras da execução para pagamento de quantia certa
(artigo 551º nº 2).
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insolvência tenha um outro nome no Direito português que é bancarrota que vem do
latim banca rupta. Quando o comerciante ficava insolvente, ia-se à mesa de câmbio e
esta era partida à frente de toda a gente para simbolizar que já não podia participar no
sistema de trocas. A primeira razão que esteve na base da insolvência foi esta exclusão
de alguém do sistema de trocas, a finalidade de banimento. Ainda hoje o Direito da
Insolvência tem um resquício desta história que é, quando o devedor insolvente for
titular de uma empresa, está obrigado a apresentar-se à insolvência (artigo 18º nº 1 e 2
do CIRE). Aquele que não quer ser banido deve apresentar-se à insolvência. Esta
primeira finalidade é, então, purgatória – serve para purgar o tráfico de quem coloca em
causa a confiança do seu bom funcionamento.
Mas o que se fazia aos bens do comerciante? A insolvência passa a ter a segunda
finalidade de liquidação dos bens do devedor insolvente. Não só se tem em vista excluir,
como repartir de um modo equilibrado e equitativo o património de que o insolvente
ainda dispõe.
Introduziu-se ainda uma terceira finalidade do Direito da Insolvência: finalidade
recuperatória. Quando integra o património do insolvente uma empresa, constituindo
ela uma unidade de valor que beneficia o conjunto da economia, então é importante
encontrar mecanismos que consigam obstar à sua perda, à perda desse valor, portanto
são os diferentes mecanismos de recuperação que estão previstos. Uma coisa é
recuperar a empresa e outra é recuperar o insolvente. Pode-se recuperar a primeira sem
o segundo, como no caso de transmissão da empresa.
Mais recentemente no século XX, e em Portugal no século XXI, o Direito da
Insolvência passou a ter mais uma finalidade especificamente para as pessoas singulares
que foi a finalidade de reintegração no tráfego jurídico, ou seja, a possibilidade de a
pessoa, apesar de insolvente, poder recomeçar a sua vida negocial libertada das dívidas
que não puderam ser satisfeitas.
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Regime
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58. Efeitos
33Há mais exemplos que demonstram como o CIRE não foi bem pensado. Imaginemos que temos um
processo relativo a um crime e os factos que integram a previsão do tipo legal de crime dão lugar a
responsabilidade civil. Se os factos são os mesmos, justifica-se que o mesmo juiz decida das duas
questões. No processo de insolvência, temos o incidente de qualificação da insolvência, mas as suas
causas são as mesmas que constituem a previsão dos tipos legais de crimes falimentares previstos no CP.
Mas o legislador não instituiu a previsão do princípio da adesão.
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históricos anteriores, não tenha havido figuras com essa finalidade, ainda que não tenha
havido a sua continuidade. Há antecedentes muito significativos que devem ser
colocados em evidência.
Um primeiro grupo de precedentes históricos surge no espaço da Mesopotâmia,
que corresponde ao atual Iraque. As fontes mostram-nos que uma série de impérios que
aí se instalaram entre 3000 e 500 a.C. tinha leis periódicas de remissão de dívidas.
Sabemos que isso aconteceu, mas não sabemos exatamente porquê, daí não
desenvolvermos este ponto. Na cidade de Atenas, antes de organizar o modelo
institucional da democracia ateniense, fez-se uma grande reforma da propriedade.
O primeiro antecedente mais próximo vem do antigo Direito hebraico, portanto
do judaísmo. Fundamental para a religião judaica são os livros que constituem a Tora,
que são os primeiros 5 livros da Bíblia. Um dos livros, no capítulo XV, versículo 1, prevê
o seguinte: a cada 7 anos dever-se-iam perdoar todas as dívidas, a cada 7 vezes 7 anos
poder-se-iam resgatar, ou seja, readquirir/remir todas as propriedades que tivessem
sido transmitidas no período anterior. Este 7 vezes 7 anos era o ano 50 que era o ano
jubilar. A ideia subjacente a este instituto é que, para o povo judeu, a experiência
fundamental é a da libertação. A finalidade desta remição periódica das dívidas é
reatualizar o ideal de libertação, evitando que, no contexto da vida comunitária judaica,
um judeu, através de vínculos humanos, se tornasse escravo de um outro. Questão que
se coloca: isto alguma vez se aplicou? Mais ou menos, foi-se aplicando, é uma mistura
de uma regra ética, religiosa e jurídica. O que é certo é que, na tradição judaica
posterior, os comentários a esta norma foram restringindo o seu campo de aplicação.
Ainda não podemos dizer que estamos perante uma regra jurídica clara, mas perante
um ideal de comportamento. Em todo o caso, fica a ideia de fundo de que as dívidas
humanamente constituídas podem criar situações humanas de escravidão.
O Direito Romano tinha uma solução no processo de execução universal em que
era possível que o devedor voluntariamente cedesse todos os seus bens – cessão de
bens a credores. Hoje ela existe, mas é um mero contrato. Se voluntariamente cedesse
todos os seus bens aos seus credores, era-lhe concedido o chamado benefitum
competentiae. Se melhorasse a sua condição económica posteriormente, os novos bens
que adquirisse não respondiam pelas suas dívidas. Esta é claramente a figura da
exoneração do passivo restante. Para os romanos, não cumprir um contrato era das
maiores faltas que podia cometer um cidadão. Para um romano, o valor da palavra dada
é tão significativo, que a fides era elevada a deusa – a Deusa Confiança. Mesmo assim,
previa-se esta figura.
Há um exemplo no Direito português que vem do reinado de D. José I em que
quem conduzia os destinos de Portugal era o Marquês de Pombal. Temos, nesta altura,
muita legislação de cariz humanitarista. Referimo-nos ao Alvará de 13 de novembro de
1756. Este diploma data de 1 ano a seguir ao terramoto de Lisboa e prevê um amplo
conjunto de medidas: por um lado, medidas altamente repressivas dos mercadores de
má fé, ou seja, mercadores que trataram de ocultar o seu património para não
responderem pelo incumprimento e, por outro lado, medidas protetoras dos
mercadores de boa fé. Uma destas medidas era 10% do valor que se tenha obtido na
liquidação dos bens era destinado ao próprio insolvente. A medida do parágrafo XXIII 34
34“E porque naõ feria conforme á boa razaõ, nem ao coftume das Nações, que melhor tem pezado as
utilidades do commercio , ee do Eftado, que a infelicidade de fimilhantes Homens, que inculpavelmente
vem a faltar de credito, depois de haverem exhaurido quanto fazer podiaõ na fincera dimiffaõ de todos
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os feus bens, fe perpetuaffem ainda affim de forte, que naõ tiveffe outro termo, que o fim da vida natural,
como grave damno, naõ fó das fuas familias, mas do intereffe público; ficando até á morte inhabilitados,
para ganharem fuas vidas em qualquer util trafico, pela perturbaçaõ, que fem intereffe proprio lhe fariaõ
feus crédores com prizões, e com pleitos, que contra os mefmos Homens, depois de haverem fido
excutidos na maneira acima ordenada, naõ teriaõ outros objectos, que naõ foffem a animofidade, e a
vexaçaõ: Eftabeleço, que todo o Homem de Negocio, cujos bens forem arrecadados, e repartidos na
fobredita fórma, pela determinaçaõ do fequeftro ordenada no Paragrafo vinte defta Lei, fique reputado
por civilmente morto, e por extinctas todas as acções, que contra elle podeffem competir aos feus
crédores até o tempo da referida determinaçaõ: E que pela outra determinaçaõ de partilha, ordenada no
Paragrafo vinte e dous, feja tambem havido, como fe civilmente refufcitaffe, para livre, e
defembaraçadamente traficar, e commerciar, como huma nova peffoa, que antes da dita refurreiçaõ civil
naõ houveffe exiftido no mundo.”
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35 “Os efeitos das falências, em especial, o estigma social, as consequências jurídicas e a incapacidade de
pagar nesse momento as dividas constituem importantes desincentivos para os empresários que
pretendem criar uma empresa ou que disponham de uma segunda oportunidade, mesmo que a
experiência demonstre que os empresários que tenham falido têm mais hipóteses de ser bem sucedidos
numa segunda vez. Assim, devem ser tomadas medidas para reduzir os efeitos negativos da falência sobre
os empresários, aprovando disposições que permitam uma remissão total das dívidas após um período
máximo de tempo.”
36 “Os efeitos negativos da falência sobre os empresários devem ser limitados, de modo a conceder-lhes
uma segunda oportunidade. As dívidas dos empresários falidos devem ser integralmente objeto de
quitação no prazo máximo de três anos a contar:
a) No caso de um procedimento que termina com a liquidação dos ativos do devedor, da data em que o
tribunal decidiu sobre o pedido de abertura do processo de falência;
b) No caso de um procedimento que inclua um plano de reembolso, da data em que teve início a execução
do plano de reembolso.”
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