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Execução específica da obrigação de emitir declaração de

vontade

EXECUÇÃO ESPECÍFICA DA OBRIGAÇÃO DE EMITIR DECLARAÇÃO DE


VONTADE
Doutrinas Essenciais de Processo Civil | vol. 8 | Out / 2011
DTR\2012\45016

Ernani Vieira de Souza

Área do Direito: Civil; Processual


Sumário:

42 Execução específica da obrigação de emitir declaração de vontade

Ernani Vieira de Souza

Desembargador do Tribunal de Justiça de Mato Grosso.

Revista de Direito Civil • RDCiv 9/79 • jul.-set./1979

1. Introdução

No campo do direito obrigacional, a lei confere ao homem o poder de criar, por sua própria vontade,
relações jurídicas com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos (CC,
art. 81).

Esse poder da vontade, uma vez manifestado, sofre, todavia, os efeitos que lhe são legalmente
atribuídos, dentre eles o de ser responsável pela satisfação da obrigação contraída tendo-se em vista o
princípio legal de que é lícito ao credor, sempre que possível, exigir do devedor o cumprimento fiel da
obrigação, sendo ressarcido somente em face da impossibilidade do cumprimento da obrigação in
natura.

No livro reservado ao Processo de Execução cuida o CPC (LGL\1973\5) das várias espécies de
execução e, entre elas, da execução das obrigações de fazer que abrange, também, as obrigações de
contratar e de emitir declaração de vontade.

Tendo-se em vista o objeto da obrigação, ou seja, a prestação, o processo de execução comporta tipos
diversos de procedimento. O título executivo já traz em seu bojo a espécie de prestação que pode ser
exigida pelo credor (entregar coisa, fazer, não fazer, pagar quantia certa em dinheiro) resultando daí a
espécie de execução que irá satisfazer a pretensão do credor: execução genérica ou específica.

Através da execução genérica o credor se satisfaz com o pagamento em dinheiro e, para isso, agride o
patrimônio do devedor por meio de atos que se iniciam com a penhora e culminam com a expropriação
dos bens do devedor e conseqüente pagamento (CPC (LGL\1973\5), arts. 647 e 708).

Na execução específica, ou in natura, procura-se satisfazer o credor atribuindo-lhe, tanto quanto


possível, tudo aquilo a que teria direito se, independentemente do processo, o seu direito fosse
respeitado.

O credor deseja receber exatamente aquilo que lhe é devido e não outra coisa em seu lugar.

Ora, se as partes contratam porque querem o objeto da obrigação o id quod debitum est – e não o seu
correspectivo em dinheiro – o id quod interest – o princípio geral de conversão em perdas e danos da
obrigação não cumprida seria uma contradictio in adjecto porque a obrigação, ao nascer, já traria em seu
bojo o princípio de sua própria negação; a pessoa já contrata sabendo de antemão que jamais poderia
ser constrangida a cumprir o contratado, ou seja, o próprio objeto da obrigação (v. Oswaldo de Freitas,
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“Da Execução de Emitir Declaração de Vontade", in Rev. de Dir. Proc. Civil, vol. 6.°, p. 177, Saraiva, S.
Paulo, 1967).

Daí o conselho de J. J. Calmon de Passos (in Comentários ao CPC (LGL\1973\5), vol. III, p. 163,
Forense, Rio, 1.ª ed., s/data), segundo o qual a execução específica deve ser perseguida sempre, e
somente afastada quando impossível. Não é a recusa arbitrária do devedor, negando-se a prestar aquilo
a que se obrigou, que leva a excluir-se a execução específica, sim a impossibilidade prática de obter-se,
por esse modo, a prestação.

Tenta-se atingir esse resultado, nos dias de hoje, através de meios de coação e de sub-rogação.

Consistem os primeiros na obtenção da prestação devida mediante pressão sobre a vontade do


obrigado, constrangendo-o a submeter-se ao pactuado: é a execução indireta que se conseguia através
da extinta ação cominatória, que encontrava terreno fértil nas obrigações de fazer de natureza infungível
(art. 302, XII do antigo CPC (LGL\1973\5)). Tais meios de coação subsistem no novo CPC (LGL\1973\5)
conforme se infere do art. 644 que, ao cominar pena pecuniária por dia de atraso no cumprimento da
obrigação de fazer ou não fazer, pretende atuar coativamente sobre a vontade do devedor para forçá-lo
ao cumprimento da obrigação o mais rapidamente possível.

Os meios de sub-rogação são aqueles utilizados para obtenção da prestação devida,


independentemente da vontade do devedor. O emprego destes meios constitui a chamada execução
direta e derivam ou do título extrajudicial pré-constituído ou de sentença obtida em processo de
conhecimento, de procedimento comum (ordinário ou sumaríssimo).

2. Escorço histórico

Durante muito tempo discutia-se sobre a possibilidade de se exigir, coativamente, o cumprimento


específico de uma obrigação.

O fato de ninguém poder ser constrangido, pela força, a dar ou a fazer alguma coisa (porque nem
mesmo assim o devedor obstinado cumpria a obrigação) determinou a busca de soluções que
satisfizessem o direito do credor à prestação in natura sem que se constrangesse, fisicamente, o
devedor a prestá-la.

Para E. E. Moniz de Aragão (RF 246/55) a solução do problema foi conseguida pelos velhos juristas
portugueses quando fizeram inserir no Livro IV, título 19, das Ordenações do Reino, o dispositivo que
permitia constranger aquele que prometesse concluir alguma convença para a qual a escritura não fosse
da substância do contrato.

Vislumbra-se aí, segundo Lopes da Costa (RF, 140/32) a execução específica das obrigações de emitir
declaração de vontade.

Com efeito, as Obrigações Filipinas dispunham, no L. IV, tít. XIX, § 2.°: “E quando as partes firmassem
entre si alguma convença de que a escritura não fosse de substância do contrato, posto que, depois de a
terem simplesmente afirmado, dissessem que fossem fazer escritura, sendo a causa, sobre que se fez a
convença ou a quantia tal, que segundo nossas Ordenações não se possa provar senão por escritura
pública, se a parte confessar que a convença foi entre eles afirmada, será constrangida a fazer dela
escritura".

Não se dizia, porém, qual a forma desse constrangimento mas Lopes da Costa (op. cit.) informa que a
praxe seguia o meio da sub-rogação: a sentença, passando em julgado, produziria o mesmo efeito do
contrato.

Correia Telles faz confirmada essa informação ao anotar, no § 299 de sua Doutrina das Ações que se o
promitente se obrigar a fazer escritura de venda, e refusa, a sentença, que o condena a fazê-la, fica
servindo de título (apud Pontes de Miranda, Comentários ao CPC (LGL\1973\5), t. X, p. 132, Forense,
Rio, 1976).

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Silva Pereira (citado por Lopes da Costa e por Moniz de Aragão) traz, no seu Repertório das Obrigações,
uma nota atribuída ao Des. Oliveira que também confirma a praxe adotada: “em semelhantes casos se
manda nas sentenças que a parte faça escritura e, não a fazendo, fique a mesma sentença valendo
como se o fora" (RF 140/34 e 246/56).

Portanto, embora o texto da Ordenação supracitada não dispusesse que a sentença que reconhecesse a
obrigação valesse como sentença (v. Luiz Eulálio de Bueno Vidigal, Dir. Proc. Civil, p. 167, § 67, Saraiva,
S. Paulo, 1965), fato é que por força daquele texto se estabeleceu a praxe de que, em casos tais, a
sentença ficasse servindo de título.

É justo, portanto, atribuir ao legislador filipino a precedência na solução deste problema, não tanto pelo
texto das Ordenações mas pela praxe que se adotou em função daquele texto.

Sydney Sanches, traça, em precisa síntese, os antecedentes históricos e a evolução do instituto no


direito alienígena e brasileiro (Execução Específica, pp. 3 e ss., Ed. Rev. dos Tribunais, S. Paulo, 1978).

3. Obrigações

O ser humano tem sempre necessidades e, para sobreviver e progredir, subtrai da natureza os
elementos indispensáveis para satisfazê-las.

Para isso o homem desenvolve uma atividade incessante e na ânsia de satisfazer suas necessidades,
quer primárias, cuja satisfação implica na própria sobrevivência, quer secundárias ou voluptuárias, que
crescem na medida da evolução do grupo social, contrai, voluntariamente, as mais variadas espécies de
obrigações.

É no campo do direito das obrigações que a atividade do homem encontra seu principal ordenamento.
Daí sua inegável e preponderante importância no mundo moderno, eis que os interesses humanos
contrapostos são organizados e delimitados pelas regras que coordenam a relação obrigacional, tendo
em mira o equilíbrio das relações entre o credor e o devedor.

Através das obrigações, afirma Pachioni, citado por Manuel Domingues de Andrade (Teoria Geral das
Obrigações, p. 11, 3.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 1966) mais do que através de qualquer outra
forma jurídica, é que se desenvolve e opera na vida real o importantíssimo fenômeno da colaboração
econômica entre os homens.

O vocábulo obrigação encerra uma gama de significado muito variado e se identifica, na linguagem
comum, com qualquer dever de natureza jurídica ou extrajurídica como, por exemplo, os de ordem moral,
social, religiosa etc.

Em seu sentido exclusivamente jurídico pode-se definir a obrigação como sendo o vínculo jurídico que
adstringe o devedor a uma determinada prestação em favor do credor, ou, conforme Inocêncio Galvão
Telles, “é a relação jurídica patrimonial que vincula uma pessoa determinada a realizar uma prestação no
interesse de outra" (Manual de Direito das Obrigações, t. I, p. 15, Coimbra Editora, 1957).

4. Obrigações de fazer

Obrigação de fazer é aquela cuja prestação consiste na prática de determinado ato do devedor em favor
do credor.

As obrigações de fazer podem ser fungíveis, quando comportam o seu cumprimento pelo próprio
devedor ou por terceiro (por ser indiferente ao credor a pessoa que os satisfaça) e infungíveis, quando,
por sua própria natureza, somente podem ser satisfeitas pelo próprio obrigado (por se levar em conta as
qualidades e as aptidões pessoais do devedor).

Neste último caso encontram-se as chamadas obrigações intuitu personae e o exemplo comumente
citado é aquele em que se contrata a pintura de um quadro por um pintor de renome. Ao credor não
interessa a pintura do quadro por outro pintor eis que contratou tendo em vista o talento e as qualidades
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artísticas do pintor contratado.

Existe, ainda, uma outra espécie de obrigação de fazer que, embora não comporte o seu cumprimento
por terceiro, pode, no que tange a seus efeitos, ser realizada pelo Estado.

É o que ocorre com a obrigação de emitir uma declaração de vontade, sempre que esta se fizer
imprescindível para o cumprimento de obrigação resultante de anterior contrato preliminar. É certo que o
devedor jamais poderá ser coagido a emiti-la. Neste caso, os efeitos da declaração omitida são
produzidos pela sentença judicial.

Trata-se de obrigação apenas juridicamente infungível.

A sentença, no caso, não significa uma declaração de vontade, como ensina Chiovenda, mas, apenas,
produz os mesmos efeitos que a declaração de vontade, se prestada, produziria (v. Luiz Eulálio de
Bueno Vidigal, Dir. Proc. Civil, pág. 165, Saraiva, S. Paulo, 1965).

Esse grande processualista italiano demonstrou que a vontade, em si mesmo é incoercível e infungível.
Mas os efeitos que promanam da vontade, os resultados práticos a que ela se destina, estes são
fungíveis, desde que possam ser alcançados “mediante una attività diversa daquella dell’obbligato" (apud
Darcy Bessone, Da Compra e Venda, p. 144, Editora Bernardo Álvares, Belo Horizonte, 1960).

5. Inadimplemento das obrigações de fazer e suas conseqüências

O inadimplemento da obrigação de fazer, salvo os casos de impossibilidade absoluta de seu


cumprimento, acarreta ao devedor a responsabilidade pelos prejuízos causados ao credor.

Conforme a espécie da obrigação, fungível ou infungível a conseqüência do inadimplemento terá


conotações próprias, ou seja, sendo fungível a obrigação o credor poderá optar pela indenização por
perdas e danos ou, então, mandar executar, à custa do devedor, a obrigação pactuada.

Infungível que seja a obrigação, duas hipóteses podem, também, ocorrer: se se tratar de prestação
somente exeqüível pelo obrigado, como no exemplo do renomado pintor, responderá ele por perdas e
danos, eis que não se pode violentar a vontade do devedor que se recusar a cumprir a obrigação
contraída. Tratando-se, porém, de prestação que pode ser realizada in natura, mas sem necessidade de
compelir o devedor, de modo violento, a prestá-la, como quando a prestação for apenas juridicamente
infungível, a vontade do devedor que se nega a emiti-la pode ser substituída por uma sentença judicial
que produzirá o mesmo efeito do contrato a ser firmado (CPC (LGL\1973\5) art. 639). Eis aqui a
execução direta das obrigações de emitir declaração de vontade.

6. Execução da obrigação de emitir declaração de vontade

Diante do inadimplemento do devedor tem o credor o direito de obter a execução específica ou in natura,
caso isso seja possível.

Assim é porque as partes contratam para verem concretizado o objeto da obrigação e não, como lembra
Chiovenda, pelo simples “prazer de permutar declarações de vontade" (Instituições, vol. 1.°, pp. 205 e
206, 3.ª ed., Saraiva, S. Paulo, 1969). O credor, sem dúvida, deseja receber o que lhe é devido e não
outra coisa em seu lugar. As perdas e danos, no caso, seriam uma frustração do próprio negócio jurídico.

Em relação às obrigações de fazer, e em particular em relação às obrigações de emitir declaração de


vontade, o inadimplemento gera à outra parte o direito de obter, através dos meios de sub-rogação, o
cumprimento da obrigação, independente da vontade do devedor, eis que o Estado, no caso, em
substituição à vontade da parte inadimplente, proferirá uma sentença, através dos órgãos judiciais, que
produzirá todos os efeitos da declaração de vontade não emitida.

Assim é porque o respeito à vontade individual não pode ser tão absoluto a ponto de impedir a produção
do efeito jurídico que a declaração de vontade produziria, quando existe obrigação anterior de emitir
essa declaração e o obrigado se recusa a cumpri-la (Liebman, Proc. de Execução, p. 161, 2.ª ed.,
Saraiva, S. Paulo, 1963).
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Seguindo o ensinamento de Liebman, que o colheu de Chiovenda, nosso Código de Processo Civil
(LGL\1973\5) adotou o princípio da exeqüibilidade das obrigações livremente assumidas, de sorte que a
vontade humana em si não merece proteção apenas por ser vontade humana. Protege-a o Estado
quando ela é conforme ao direito. Não merece proteção, e não é protegida, a vontade que se obstina em
não cumprir a obrigação assumida (v. Vidigal, op. cit., p. 165).

Para lograr a execução específica, isto é, para compelir o devedor a cumprir a obrigação assumida, deve
o credor se socorrer da via judicial própria que, no caso, é o processo de conhecimento de procedimento
comum (CPC (LGL\1973\5), art. 272).

O contrato-promessa, diz Antunes Varela, cria a obrigação de contratar, ou, mais concretamente, a
obrigação de emitir declaração de vontade correspondente ao contrato prometido (Das Obrigações em
Geral, vol. I, 12.ª ed., p. 245, Liv. Almedina, Coimbra, 1973).

Assim sendo, se aquele que se comprometeu a concluir um contrato, diz o art. 639 do CPC
(LGL\1973\5), não cumprir a obrigação, a outra parte, sendo isso possível e não excluído pelo título,
poderá obter uma sentença que produza o mesmo efeito do contrato a ser firmado.

É evidente que o dispositivo legal citado se refere a um contrato preliminar em que as partes se
comprometem a celebrar, dentro de certo tempo, um outro contrato. Trata-se de um verdadeiro contrato
que tem em vista a celebração de um outro.

Muito embora tais contratos preliminares possam se referir a diversas espécies de contrato, locação,
sociedade etc., são contudo, mais largamente empregados em relação à compra e venda de imóveis.

Ressalte-se, ainda, que tais contratos preliminares dizem respeito às prestações juridicamente
infungíveis, ou seja, as que, por força de lei, somente podem ser prestadas pelo devedor, como no caso
da compra e venda em que somente o vendedor (devedor) pode assinar a escritura.

7. Possibilidade da execução

Requisito essencial para a obtenção da sentença mencionada nos arts. 639 e 641 do CPC (LGL\1973\5)
é que a obrigação seja possível de ser realizada.

A expressão “sendo isso possível" refere-se à possibilidade física ou jurídica da prestação. É fisicamente
impossível a prestação que resulta da própria natureza das coisas, ao passo que a impossibilidade
jurídica tem lugar quando a prestação prometida é a conclusão de um negócio jurídico que a lei veda,
ferindo-o de nulidade, ou quando ao contrato falte algum requisito legal que impeça o seu cumprimento,
como, por exemplo, a falta de outorga uxória, nos casos em que esta é obrigatória (CC, art. 235). É
mister, ainda, para que se cláusula que permita o arrependimento do devedor, ou quando, nele esteja
extrato preliminar não exclua essa possibilidade eis que sendo ela, a possibilidade, “excluída pelo título"
deixa de ser franqueada ao credor o recurso à execução específica. É o que ocorre, por exemplo,
quando o próprio contrato preliminar contenha, expressamente, cláusula que permita o arrependimento
do devedor, ou quando, nele esteja excluída a possibilidade de o devedor se utilizar da execução
específica, contentando-se com perdas e danos.

Além dos casos de prestação impossível e de impossibilidade decorrente do próprio título que, expressa
ou tacitamente, impede o uso da execução específica, deve-se levar em conta, ainda o fato de não ter a
parte que intentou a ação cumprido a sua prestação e nem tê-la oferecido, nos casos e formas legais
(CPC (LGL\1973\5), art. 640).

Todavia, a ação poderá ser proposta pelo credor se a sua prestação somente for exigível após o
vencimento da prestação do devedor nos termos da ressalva contida no final do art. 740
supramencionado. O exemplo lembrado por Mendonça Lima serve para esclarecer a hipótese: “O
vendedor é obrigado a entregar o bem em data certa, embora o comprador somente esteja obrigado a
pagar o preço um ano após" (Comentários ao CPC (LGL\1973\5), vol. VI, t. II, Forense, Rio, 1974).

8. Natureza da sentença
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Nas sentenças de condenação, ensina Guasp, atua uma pretensão do mesmo nome, “pretensión o
acción de condena", impondo à outra parte uma prestação determinada, de dar, fazer ou não fazer
(Jaime Guasp, Derecho Processual Civil, 3.ª ed., t. I, p. 515, Inst. de Estudios Políticos, Madrid, 1968).

O art. 641 do CPC (LGL\1973\5), complementando o de n. 639, indica que a sentença, referida neste
artigo, condena o devedor a emitir uma declaração de vontade a qual é objeto de uma obrigação de
fazer e “conteúdo da sanção concreta para reparar a omissão antijurídica do devedor" (José Frederico
Marques, Manual de Dir. Proc. Civil, vol. 4.°, p. 132, Saraiva, S. Paulo, 1976).

A sentença que condena o devedor a emitir uma declaração de vontade, produzirá todos os efeitos da
declaração não emitida e, em conseqüência, produzirá, também, o mesmo efeito do contrato que deveria
ter sido firmado pelas partes caso o devedor não se omitisse.

De fato, tendo o art. 639 se referido a um contrato preliminar, é evidente que este, para ser concluído,
necessita, também, de uma declaração de vontade positiva por parte do devedor.

Negando-se a emiti-la o devedor haverá de suportar, em sua esfera jurídica, a intervenção do Estado a
fim de que a pretensão do credor seja, afinal, satisfeita. Para isto o Estado “cria a situação jurídica que
nasceria da declaração de vontade que ao devedor incumbia fazer" (cf. Vidigal, op. cit., p. 171).

É um tipo de execução que decorre exclusivamente da sentença passada em julgado, eis que “a sanção
se efetiva n.a própria sentença, sem necessidade – nem, aliás, possibilidade – de repor-se em
movimento, para atuá-la, o mecanismo judicial", para empregarmos aqui as palavras de José Carlos
Barbosa Moreira (“Reflexões críticas sobre uma teoria da condenação civil", in Temas de Direito
Processual Civil, p. 80, Saraiva, S. Paulo, 1977).

A natureza da sentença em questão tem sido amplamente debatida sem que, até agora, se tenha
chegado a um denominador comum.

Chiovenda, Carnelutti, Micheli e, entre nós, Tomás Pará Filho, Niess, entre outros, sustentam a natureza
constitutiva dessa sentença. Pontes de Miranda vê nela um cargo maior de executividade.

A nós nos parece, data venia, que a razão continua com Liebman ao classificá-la como sentença
condenatória.

Diz ele (Proc. de Execução, 2.ª ed., p. 162, Saraiva, S. Paulo, 1963) que “as próprias palavras do texto
legal demonstram que a sentença tem natureza condenatória, e assim é, porque o verdadeiro conteúdo
da sentença consiste em declarar a existência da obrigação e em impor ao mesmo tempo a sanção
prevista em lei para seu cumprimento".

Realmente, o que existe é uma obrigação incumprida, derivada de uma relação jurídica préexistente. A
sentença proferida não irá criar um estado jurídico novo. Irá, apenas, produzir o mesmo efeito da
declaração de vontade que se tivesse sido emitida produziria.

Busca-se, com ela, a declaração da existência de uma declaração e o conseqüente preceito


sancionatório que condena o devedor a emitir uma declaração de vontade sob pena de execução
forçada.

Em função dessa sentença condenatória não ocorrerá nenhuma mudança na situação jurídica
preexistente, salvo aquela decorrente da realização da obrigação.

Essa modificação, contudo, não descaracteriza a sentença condenatória que, consoante Luis Loreto,
“tem inegavelmente uma função mista: declaratória de relações preexistentes e constitutivas de novas
relações" (apud Tomás Pará Filho, A Sentença Constitutiva, p. 44, S. Paulo, 1973, edição própria).

Não há dúvida que na sentença em apreço o juiz, como assinala Carnelutti, “declara certa uma relação e
constitui outra" (Derecho y Proceso, vol. I, p. 370, nota 46, Ejea, Buenos Aires, 1971).

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Execução específica da obrigação de emitir declaração de
vontade

Entretanto, essa nova situação oriunda sentença não é suficiente para caracterizá-la como de natureza
constitutiva eis que, o elemento constitutivo é, aqui, insignificante. Na verdade, prepondera o elemento
condenatório, até mesmo por força do próprio dispositivo legal (art. 641) cuja sanção somente não será
aplicada se o devedor, após o momento sancionário, cumprir a obrigação e emitir sua declaração de
vontade.

No regime do Código anterior o devedor dispunha, para isso, do prazo que lhe era assinado pelo juiz (art.
1.006, § 2.°). Hoje, não lhe sendo mais concedido aquele prazo, o devedor dispõe, apenas do espaço de
tempo que vai até o trânsito em julgado da referida sentença.

A condenação é um pressuposto essencial para que a sentença produza os efeitos do contrato a ser
firmado.

Por outro lado, a possibilidade, ainda que remota, de o próprio devedor vir a cumprir a obrigação dentro
do prazo que vai até o trânsito em julgado da sentença que o condenou, retira, a nosso ver, qualquer
dúvida quanto à natureza condenatória da sentença, haja vista que as sentenças constitutivas produzem
seus efeitos imediatamente, sem possibilidade de execução ou de cumprimento da obrigação pelo
próprio devedor, porque, no dizer de Satta, citado por Pará Filho, na “sentença constitutiva, a tutela
jurisdicional se realiza de modo pleno, por força da própria sentença, sem que haja necessidade de
ulterior atividade de outro órgão" (op. cit., p. 70).

9. Impossibilidade de aplicação de pena pecuniária

Impressionado com o fato de que o devedor se locupletaria com a demora do cumprimento de sua
obrigação Pedro Henrique Tavares Niess (Da Sentença Substitutiva da Declaração de Vontade, pp. 47 a
70, Sugestões Literárias, S. Paulo, 1977) admite o cabimento de pedido cominatório na hipótese
formulada pelo art. 639.

Diz ele que as obrigações juridicamente infungíveis é certo que se dará a execução específica. Mas a
multa é a forma de obtê-la o quanto antes do próprio devedor.

Data venia, não nos parece cabível a cominação de pena pecuniária. É que a sentença não fixará
nenhum prazo para o devedor cumprir a prestação devida. Por outro lado, a pena pecuniária, conforme
estabelece o art. 645, deverá constar da sentença. Ora, a sentença dos arts. 639 e 641 se restringe a
produzir o mesmo efeito da declaração de vontade omitida.

Apesar de Amílcar de Castro e Alcides de Mendonça Lima entenderem que o juiz, na sentença, deva
conceder prazo razoável para que o devedor possa cumprir sua obrigação, ou seja, declarar a vontade
emitida, parece--nos que, neste particular, o novo CPC (LGL\1973\5) adotou orientação contrária.

A fixação desse prazo, obrigatória no regime do Código anterior, não tem mais razão de ser. A nova lei
processual não mais cogitou de assinar prazo para que o devedor cumprisse a obrigação e, destarte,
deixa transparecer claramente a desnecessidade da assinação de novo prazo para que o devedor
cumpra a obrigação.

Não teria mesmo sentido conceder mais prazo a quem, durante longo tempo, se recusou a cumprir a
obrigação assumida eis que haveria o risco inútil de se esperar mais tempo ainda para, a final,
constatar-se que o devedor continua irredutível em sua recusa.

Destarte, preferimos ficar com o mesmo Pedro Henrique Niess quando defende o descabimento do
pedido cominatório, pois havendo maior prejuízo este será reparado de acordo com os arts. 159, do CC
e 292 do CPC (LGL\1973\5) (cumulação de pedidos).

10. Opção por perdas e danos

Ante a impossibilidade fática de se executar especificamente as obrigações infungíveis o sucedâneo em


perdas e danos se impõe a fim de se evitar prejuízo maior ao credor.

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Execução específica da obrigação de emitir declaração de
vontade

Entretanto, pode ocorrer que, mesmo em face da possibilidade da execução específica, o credor prefira
optar pela indenização por perdas e danos.

O art. 639 do CPC (LGL\1973\5), ao usar a expressão “poderá obter" pretendeu indicar a existência de
uma faculdade no sentido de que ao credor é lícito, também, ao invés de pleitear uma sentença que
produza o mesmo efeito do contrato a ser firmado, pedir uma indenização por perdas e danos (nesse
sentido Alcides Mendonça Lima, Comentários ao CPC (LGL\1973\5), vol., VI, t. II, p. 760, Forense, Rio,
1974).

O pedido, neste caso, há de ser feito na petição inicial para que o juiz, na sentença, condene o devedor
a ressarcir perdas e danos (v. Pontes de Miranda, op. cit., p. 123).

11. Inscrição do contrato preliminar

Discute-se, doutrinariamente, quanto à necessidade de inscrição do contrato preliminar para que possa
ser executado in natura.

A inscrição do contrato preliminar relativo à compra e venda de imóveis é obrigatório nos termos do art.
22 do Decreto-lei 58 (com a redação atual dada pela Lei 6.014, de 27.12.73).

Um dos efeitos da inscrição é o de atribuir aos compromissários direito real oponível a terceiros, eis que
somente a inscrição confere ao contrato o direito real que o faz oponível erga omnes.

Destarte, a ausência de inscrição permite ao promitente comprador a execução específica apenas em


relação ao promitente vendedor, nos termos do art. 639 do CPC (LGL\1973\5), não sendo possível
invocar o citado art. 22 do Decreto-lei 58, quer para pedir a adjudicação compulsória, quer para estender
a execução específica a terceiros.

O outro efeito da inscrição é o de possibilitar o exercício do direito de adjudicação compulsória, nos


termos do art. 16 do Decreto-lei 58 e dos arts. 640 e 641 do CPC (LGL\1973\5).

Este direito (de adjudicação compQueulsória) não se confunde com aquele prescrito no art. 639 do CPC
(LGL\1973\5), ou seja, com o direito de o promitente comprador obter uma sentença que produza os
mesmos efeitos do contrato a ser firmado caso o promitente vendedor se recuse a firmá-lo.

Daí a existência de lei especial (Decreto-lei 58) regulando uma hipótese diferente, qual seja a de permitir
adjudicação compulsória aos contratos preliminares de compra e venda devidamente inscritos no
Registro de Imóveis.

Assegura-se, assim, ao promitente comprador que inscreve o seu contrato preliminar, um remédio mais
rápido e eficaz que consiste em adjudicar-lhe o imóvel, objeto do contrato preliminar, mediante simples
processo de conhecimento, de procedimento sumaríssimo. Para isto, basta que o contrato preliminar
contenha os requisitos elencados no art. 22 do Decreto-lei 58.

Ressuma do exposto que para o exercício da ação de adjudicação compulsória é mister a existência da
inscrição e dos outros requisitos (impossibilidade de arrependimento e pagamento do preço), ao passo
que para a obtenção da sentença prevista nos arts. 639 e 641 do CPC (LGL\1973\5) o contrato
preliminar pode vir despido de tais requisitos, mesmo porque estes dispositivos constantes da lei
processual não se restringem aos contratos preliminares relativos a imóveis eis que abrangem outros
tipos de obrigações cuja prestação consiste, também em emitir declaração de vontade, tais como
obrigação de dar quitação, de receber pagamento, caso em que a sentença proferida na ação de
consignação em pagamento equivale à quitação (v. Vidigal, op. cit., pág. 185), de resgate de aforamento,
de liberação de fiança (art. 1.499 do CC), e outros casos em que a inscrição seria até mesmo impossível.

Em suma e tautologicamente, em relação aos contratos preliminares de compra e venda de imóveis, a


inscrição é condição essencial para o exercício da ação de adjudicação compulsória, não o sendo para a
obtenção da sentença prevista nos arts. 639 e 641 do CPC (LGL\1973\5), a qual será obtida através de
processo de conhecimento com procedimento ordinário ou sumaríssimo, conforme seja o valor da causa,
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Execução específica da obrigação de emitir declaração de
vontade

sendo que, neste caso o promitente comprador não poderá estender o processo a terceiros porque,
conforme assinala Mário Aguiar Moura (Processo de Execução, vol. II, p. 363, Ed. Emma, Porto Alegre,
1975) “no caso de não haver inscrição do compromisso e tenha havido alienação a terceiro, privado
estará o promitente comprador da execução contra aquele, pois a ausência da inscrição deixa a
promessa à míngua da eficácia do direito real. A executoriedade específica, sem inscrição prevalece em
favor do promitente comprador e cessionário apenas contra o promitente vendedor e seus herdeiros, não
assim contra terceiros. A inscrição é que daria oponibilidade erga omnes. (V. ainda, Darcy Bessone, op.
cit., pp. 171 a 182).

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