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PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

Por exigência de segurança do tráfico jurídico, de certeza nas relações jurídicas e de paz social, diante de
representações consolidadas no tempo da estabilidade das relações jurídicas, o ordenamento jurídico fixa prazos
dentro dos quais o titular do direito deve exercê-lo, sob pena de ficar impedido de fazê-lo ou até mesmo de perdê-lo
definitivamente (LÔBO, 2021, p.874-5).

Tais prazos revelam-se mediante duas categorias fundamentais: a prescrição (perda do exercício do direito) e
a decadência (perda do direito). Tanto em uma quanto em outra, tem-se a fixação de prazos variáveis, nos quais
ressaltam os termos iniciais, de acordo com as circunstâncias (LÔBO, 2021, p.875).

De acordo com Azevedo, “a palavra prescrição origina-se de praescriptio, do verbo latino praescribere (prae
scribere), com o sentido de escrever antes, prefixar.” Entretanto, originariamente, no Direito Romano, o termo
significava exceção. Atualmente, a prescrição tem o sentido da perda de pretensão jurídica pelo seu não exercício,
durante o tempo fixado na lei. A decadência, por seu turno, tem por origem o vocábulo cadens do verbo cadere, em
latim, que significa cair, cessar. No Direito, a ideia é de que existe a queda, a perda ou o perecimento de um direito
(AZEVEDO, 2019, p.939-40).

Conforme ensina Lôbo (2021, p.885), “a prescrição não alcança o direito, mas a pretensão, ou seja, a etapa
exigibilidade, quando o exercício poderia ser exigido. Em outras palavras, a prescrição não afeta o direito, e sim seu
exercício. O direito permanece existente; apenas está desarmado, pois o titular não mais o pode exigir". Em
contrapartida, a decadência atinge a pretensão, mas não o direito (direito potestativo traduz na possibilidade de
produzir efeitos jurídicos somente segundo a vontade do seu titular, afetando a esfera jurídica de outra pessoa) (LÔBO,
2021, p.920).

Segundo Azevedo (2019, p.940), o instituto da prescrição pode ser de natureza aquisitiva ou extintiva. A
primeira, estudada no âmbito do Direito das Coisas, Direitos Reais, se trata da aquisição de direitos pela posse exercida
sobre determinado objeto durante determinado tempo previsto em lei. Como exemplo, cita-se o caso do exercício
possessório que gera a usucapião (possessio ad usucapionem), com a consequente aquisição do direito de propriedade
sobre o bem possuído. A segunda ocorre quando o titular de direito sobre certo bem não exerce sobre ele sua
pretensão jurídica em um lapso temporal previsto em lei. Assim sendo, tem-se que a prescrição se apresenta com
caráter dúplice, pois, se o titular adquire direitos de um lado, de outro, há quem perde esses mesmos direitos.

Ressalta-se que a pretensão nem sempre é coincidente com o nascimento do direito, uma vez que pode haver
adimplemento não instantâneo, o direito pode estar sujeito a termo inicial fixado, ou a condição suspensiva. Apenas
se a obrigação não é cumprida, nasce para o titular do direito, e da pretensão, a ação (material e processual) (LÔBO,
2021, p.885).

No que tange ao termo inicial da prescrição, conforme afirma o Enunciado 14 da I Jornada de Direito Civil do
Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, o início do prazo prescricional ocorre com o surgimento
da pretensão, a qual decorre da exigibilidade do direito subjetivo. O art. 189 do Código Civil diz respeito a casos em
que a pretensão nasce imediatamente após a violação do direito absoluto ou de obrigação de não fazer. Nesse sentido,
nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, “o art. 189 do CC/02 consagrou o princípio da actio nata,
fixando como dies a quo para contagem do prazo prescricional a data em que nasce o direito subjetivo de ação por
violação de direito, independentemente da efetiva ciência da vítima (STJ, REsp 1.168.336, Min. Nancy Andrighi, j.
22/3/11, DJ 16.9.11).

O entendimento consolidado do STJ é de que, em razão do princípio da actio nata, o termo a quo para a
contagem do prazo prescricional se dá a partir da ciência inequívoca do ato lesivo. Com efeito, o egrégio Tribunal
assinala que "o curso do prazo prescricional do direito de reclamar inicia-se somente quando o titular do direito
subjetivo violado passa conhecer do fato e a extensão de suas consequências, conforme o princípio da actio nata"
(AgInt nos EDcl no REsp 1.811.735/MA, Rel. Ministro MARCO BUZZI, j. em 30/09/2019, DJe de 07/10/2019).

Todavia, conforme ressalta Negrão ao citar uma jurisprudência do STJ (2020, p.549), o termo inicial do prazo
prescricional apresenta diferenças de acordo com o direito violado. Assim, se ocorre violação de uma obrigação
pessoal positiva em que é possível ao titular do direito conhecer da ofensa no momento em que é perpetrada, o
surgimento da pretensão coincide com a violação. Porém, se é descumprida obrigação geral negativa, o titular do
direito só conhece a violação quando é atingido pelo dano que advém do ato transgressor. Nesse caso o termo a quo
do prazo prescricional é a data em que o lesado tomou conhecimento da existência da violação ao seu direito.

Sobre o tema, “o surgimento da pretensão ressarcitória não se dá necessariamente no momento em que


ocorre a lesão ao direito, mas sim quando o titular do direito subjetivo violado obtém plena ciência da lesão e de toda
a sua extensão, bem como do responsável pelo ilícito, inexistindo, ainda, qualquer condição que o impeça de exercer
o correlato direito de ação (pretensão). Compreensão conferida à teoria da actio nata (nascimento da pretensão) que
encontra respaldo em boa parte da doutrina nacional e já é admitida em julgados do Superior Tribunal de Justiça,
justamente por conferir ao dispositivo legal sob comento (art. 189, CC) interpretação convergente à finalidade do
instituto da prescrição." (STJ, REsp 1.347.715, Min. Marco Bellizze, j. 25/11/14).

Com relação à decadência, segundo Azevedo, há, praticamente, duas espécies: a convencional, criada pela
vontade das partes em sua convenção ou contrato; e a legal, determinada no ordenamento jurídico, por norma de
ordem pública, que não pode ser alterada pela vontade dos interessados (AZEVEDO, 2019, p.1013).

Posto que a decadência legal nasce da lei, ela precisa estar expressa na lei (Código Civil, Código de Defesa do
Consumidor); ao passo que a decadência convencional encontra nascedouro na convenção, no contrato, no acordo de
vontade das partes, devendo, portanto, estar expressa nesse acordo (AZEVEDO, 2019, p.1016).

Em regra, salvo disposição em contrário, os prazos de decadência não se interrompem nem se suspendem,
correm inapelavelmente até seu termo final fixado na lei. Para que exista regra de impedimento, suspensão ou
interrupção é preciso que exista previsão legal nesse sentido (AZEVEDO, 2019, p.1014).

Nesse sentido, conforme entendimento do STJ, “Distinção, pois, deve ser feita entre o direito de ação -
vinculado ao prazo prescricional para exercê-lo - e o direito material em si, que pode, se não exercido em certo prazo,
ser atingido pela decadência, que, na forma do art. 207 do Código Civil, salvo expressa disposição legal em contrário -
que, para o caso dos autos, inexiste -, não está sujeita às normas que impedem, suspendem ou interrompem a
prescrição” (EREsp 1.605.554/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Rel. p/ Acórdão Ministra ASSUSETE
MAGALHÃES, j. em 27/2/2019, DJe 2/8/2019).

Ainda, “Não há falar, portanto, em impedimento, suspensão ou interrupção de prazos decadenciais, salvo por
expressa determinação legal (art. 207 do CC). Por tal motivo, merece revisão a corrente que busca aplicar as bases
jurídicas da prescrição (como o princípio da actio nata) sobre a decadência, quando se afirma, por exemplo, que é
necessário que tenha ocorrido a afronta ao direito (explícito negativa da autarquia previdenciária) para ter início o
prazo decadencial” (REsp 1.648.336/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, j. em 11/12/2019, DJe 4/8/2020).

Segundo Lôbo (2021, p.881-3), o regime jurídico dos institutos (prescrição e decadência) é fundamentalmente
de direito material. Todavia, seu reconhecimento em juízo é disciplinado pelo direito processual (nem sempre com
observância a tal distinção, até porque há zonas de interpenetração intensa).

Ainda segundo o autor, "a distinção entre prescrição e decadência é uma das questões mais controvertidas da
doutrina jurídica” (LÔBO, 2021, p.878). Dessarte, é importante estabelecer alguns parâmetros conceituais, posto
serem institutos jurídicos distintos, embora digam respeito à aquisição e perda de situações jurídicas pelo passar do
tempo (accessio temporis) (AZEVEDO, 2019, p.941). Lôbo afirma que,

“Entre vários critérios diferenciais indicados na doutrina, Orlando Gomes anota que a
decadência é legal, judicial e negocial. O prazo extintivo pode, com efeito, “resultar de
disposição legal, de despacho do juiz ou do acordo entre as partes, inserido no contrato
como uma de suas cláusulas, como sucede nas apólices de seguro e na retrovenda em
que o prazo legal é diminuído de comum acordo” (2001, p. 508). A prescrição, por seu
turno, é sempre legal." (LÔBO, 2021, p.879-80).

De ressaltar-se, assim, em arremate, que, cuidando de prescrição e de decadência, a preocupação do legislador é o


tempo, pois a lei há que estabelecer limites à eficácia dos atos e dos negócios jurídicos, que não podem existir
indefinidamente." (AZEVEDO, 2019, p.942)
Em resumo, podemos dizer que, em regra, a prescrição foi relacionada com a proteção de direitos violados e
com a correlata ação condenatória. Por se tratarem de direitos subjetivos, supõem dever de prestação e obrigação da
outra parte, os quais podem ser violados, o que leva à prescrição da pretensão do titular contra quem os violou. A
decadência, por sua vez, foi vinculada exclusivamente a direitos potestativos e à respectiva ação constitutiva (ou seja,
está condicionada ao exercício de um direito em determinado prazo). Posto serem direitos não suscetíveis de violação
e não exigíveis, - daí não terem pretensão -, o não exercício dentro de determinados prazos leva à sua extinção e não
apenas à ineficácia da pretensão. Entretanto, é importante ressaltar que ambos - prescrição e decadência - não
possuem vínculos muito estreitos com as ações declaratórias, as quais tendem a ser imprescritíveis (NEGRÃO, 2020,
p.547; LÔBO, 2021, p.880).

Convém ressaltar que os direitos não patrimoniais, inerentes à pessoa, são exceção à prescrição e à
decadência, uma vez que o tempo desses direitos é o tempo de vida da própria pessoa, porque a integram
indelevelmente. Assim, os direitos da personalidade não sofrem os reveses do tempo, sendo imprescritíveis (LÔBO,
2021, p.877).

Por fim, é importante lembrar que tanto a prescrição como a decadência também exercem função positiva,
no sentido de pressão educativa contra aquele que deixou de exercer o seu direito em momento adequado. Porém,
acima de tudo, servem à segurança jurídica e à paz pública, uma vez que se entende que os institutos não têm a
finalidade de proteger um indivíduo e punir outro, mas sim de ordem pública e social, para que as relações jurídicas
não fiquem perpetuamente incertas (LÔBO, 2021, p.875-7).

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, A. V. Curso de direito civil - teoria geral do direito civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. E-book. p.939-
1019.

Jornadas de direito civil I, III, IV e V: enunciados aprovados. Brasília: Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos
Judiciários, 2012. p. 14. Disponível em <https://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-
estudos-judiciarios-1/publicacoes-1/jornadas-cej/EnunciadosAprovados-Jornadas-1345.pdf>. Acessado em
20/11/2021.

LÔBO, P. Direito civil. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2021. E-book. p.874-.

NEGRÃO, T. Código civil e legislação civil em vigor. 38. ed. São Paulo: Saraiva, 2020. E-book. p.546-619.

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