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01 - Introdução
Com efeito, o antigo Código Civil de 1916, nas palavras de Vidal Serrano Nunes
Junior e de Yolanda Alves Pinto Serrano, "[...] englobava sob a designação de
prescrição ambos os institutos" (NUNES JUNIOR e SERRANO, 2008, p. 120).
Sobre o tema, interessante o comentário feito por Mariana Dias, em seu trabalho
"Inovações no Tratamento à Prescrição e à Decadência no Código de Defesa do
Consumidor", onde ressalta que "Diante destas imperfeições em nossa doutrina
nacional, os estudos estrangeiros, principalmente do Direito Alemão, mostraram-se
mais precisos a respeito do assunto. E, a partir disso, é publicado na RT, nº 300, em
1965, um artigo de Agnelo Amorim Filho sobre o tema ('Critério Científico sobre
Prescrição e Decadência – PP. 07-37). Neste trabalho, ele toma por base a
classificação dos direitos em sujeitos a uma obrigação e potestativos (classificação
desenvolvida por Chiovenda). Os primeiros são sujeitos à ação condenatória (a parte
contrária deverá se sujeitar a cumprir uma obrigação); os segundos são sujeitos a ação
constitutiva (haverá modificação, formação ou extinção de estado jurídico,
independente da vontade da parte contrária). A partir disso, conclui que: as ações
condenatórias possuem prazo prescricional; as ações constitutivas possuem prazos
decadenciais; as ações meramente declaratórias são perpétuas, ou sujeitas a prazos
decadenciais, quando este é previsto em lei" (DIAS, p. 01)
02 - A Decadência
Rodrigo Nunes, em seu Dicionário Jurídico RG - Fênix, por sua vez, conceitua
decadência como a "[...] Perda, perecimento ou extinção de direito potestativo, em
consequência de finalização do termo legal ou convencional e peremptório a que se
achava subordinado: decadência do direito de ação; decadência do direito de queixa;
do direito de regresso do portador cambial etc.. O mesmo que caducidade [...]"
(NUNES, 1995, p.127).
Maria Helena Diniz, por sua vez, expõe que "A decadência é a extinção do direito
pela inação de seu titular que deixa escoar o prazo legal ou voluntariamente fixado para
o seu exercício" 1 (DINIZ, 1994, p. 212).
Isto posto, é correto afirmar que a decadência tem como objeto o direito a ser
exercido, o qual, seja por determinação estabelecida em lei ou pela vontade unilateral
ou das partes envolvidas, subordina-se a ser exercido em determinado lapso de tempo,
sob pena de caducar e não mais poder ser levado a efeito. Ou seja, na hipótese do
titular do direito deixar de exercer determinado direito até o momento estabelecido para
o término de seus efeitos, ocorre a decadência e, por conseqüência, perderá o direito,
de forma que o seu titular não mais poderá exercê-lo (CÂMARA LEAL, 1948, p. 105 e
106, apud DINIZ, 1994, p. 213).
Maria Helena Diniz ressalta que a decadência poderá ser argüida tanto pela via
da ação quanto pela força da exceção. Pela via da ação, caso o titular do direito tenta
exercitá-lo sem observar a existência da respectiva decadência, por outro lado, o
interessado, pela via da ação, pleiteará a declaração da decadência do direito em
questão. E, pela via da exceção, se o titular do direito vem a exercitá-lo por meio da
ação judicial, a parte adversa, obviamente interessada no reconhecimento da
decadência do direito que originou a lide, se defenderá, pela via da exceção, pleiteando
a decadência do direito (DINIZ, 1994, p. 213).
A argüição da decadência, por sua vez, só poderá ser efetuada por quem detiver
o legítimo interesse jurídico em seu reconhecimento, ou seja, poderá argüi-la àquele
que sofreria as conseqüências do direito decaído, caso a decadência não o tivesse
extinguido (DINIZ 1994, 213).
Por fim, cabe ressaltar que "salvo disposição legal em contrário", o artigo 207 do
Código Civil em vigor estabelece que não se aplicam à decadência as normas que
impedem, suspendem ou interrompem a prescrição (artigos 197 até 204 do Código Civil
Brasileiro). Ou seja, com relação a decadência, a mesma não se suspende e nem se
interrompe e só é impedida pelo efetivo exercício do direito, dentro do lapso de tempo
pré-fixado (CÂMARA LEAL, 1948, p. 105 e 106, apud DINIZ, 1994, p. 214). Não
obstante, mais a frente, no item 02.04, que trata da "obstaculização da decadência",
debatermos com maior objetividade este assunto, no que concerne ao Direito do
Consumidor, sob a luz do artigo 26, parágrafo 02º, do Código de Defesa do
Consumidor.
§ 2° Obstam a decadência:
II – VETADO 7 ;
Em primeira análise ao referido artigo, nos dirigimos ao seu caput, onde nos
deparamos com a expressão "vícios aparentes ou de fácil constatação", a qual sofreu
crítica – acertada, no nosso entendimento – do professor Rizzatto Nunes, o qual
esclarece que o termo "aparente" não é dos melhores se analisado pela semântica, vez
que tal palavra tem o sentido de "aparência", daquilo que não é real; sendo que o vício,
pelo contrário, é algo bem real. Segundo Rizzato Nunes, o legislador tinha a intenção
de aproveitar do vocábulo o sentido de aparecimento, do que aparece, mas ele não se
presta a isso. Por conseguinte, o emérito Desembargador do Egrégio Tribunal de
Justiça Paulista, optou por abandonar o seu uso e permanecer tão somente com a
outra expressão, "de fácil constatação", a qual, realmente, diz respeito ao sentido
desejado pela norma (NUNES, 2009, p. 376 e 377).
Ressalta o professor Rizzatto Nunes que "O que pretende a lei é que a garantia
legal com seus curtos prazos seja exercida pela fácil constatação da existência do vício,
isto é, pelo singelo uso e consumo do produto e do serviço" e exemplifica o caso em
que "[...] o consumidor adquire um televisor que não sintoniza os canais", caso em que,
a bem da verdade, "o vício é evidente e decorre no mero uso" (NUNES, 2009, p. 377).
Com relação ao bem ou serviço "não durável", podemos conceituá-los como "[...]
àqueles que se exaurem após o consumo [...]" (GARCIA, 2008, p. 164).
Os bens ou serviços não duráveis "[...] são àqueles que perecem ante um ato
isolado do consumidor. A sua utilização implica necessariamente a sua deterioração,
como ocorre com os medicamentos, produtos alimentícios etc." (NUNES JUNIOR e
SERRANO, 2008, p. 122).
Ocorre que a distinção entre bens duráveis e não duráveis, em alguns casos
especiais, se torna uma empreitada mais complexa que apenas se mostra viável após a
melhor análise do caso concreto, conforme podemos depreender pelo julgado que se
segue:
Com referência aos vícios ocultos, o parágrafo 03º do citado artigo 26,
estabelece que o prazo decadencial tem o seu início a partir do momento em que o
defeito for constatado.
O Professor Rizzatto Nunes, por sua vez, tece crítica ao mencionado parágrafo,
vez que entende existir um de erro de redação ao mencionar a palavra "defeito" em vez
de "vício", sob o argumento de que, sob o sistema do Código de Defesa do
Consumidor, "defeito" é diferente de "vício" (NUNES, 2009, 405).
Por sua vez, o defeito "é o vício acrescido de um problema extra, alguma coisa
extrínseca ao produto ou serviço, que causa um dano maior que simplesmente o mau
funcionamento, o não-funcionamento, a quantidade errada, a perda do valor pago – já
que o produto ou serviço não cumpriram o fim ao qual se destinavam [...]" (NUNES,
2009, 181).
No que concerne aos vícios ocultos, estes "[...] são os que não são constatáveis
de plano; manifestam-se após algum tempo da aquisição do bem" (NUNES JUNIOR e
SERRANO, 2008, p. 123).
No cotidiano, muitas vezes adquirimos bens onde não nos é permitido constatar
com facilidade a existência de vícios, pois estes estão ocultos aos nossos olhos, a
nossa percepção natural.
O vício oculto, portanto, é aquele não detectável normalmente por uma pessoa
comum:
Nas palavras de Héctor Valverde Santana, "a noção em tela deve ser analisada
com vista à realidade do mercado que fornece produtos com durabilidade limitada. Não
é toda imperfeição do bem de consumo que configura o vício oculto. A questão deve
ser enfrentada mediante a consideração da vida útil de cada bem de consumo colocado
no mercado [...]" (SANTANA, p. 119, apud NUNES JUNIOR e SERRANO, 2008, p.
123).
Trata-se, acima de tudo, de uma questão de bom senso e coerência, haja vista
que se um produto possui determinada vida útil, o início do prazo decadencial em face
de um vício oculto não poderá estender-se pela eternidade, devendo respeitar o prazo
razoável de durabilidade do bem.
Temos por garantia legal àquela prevista nos incisos I e II do artigo 26 do Código
de Defesa do Consumidor; e por garantia contratual a estabelecida em contrato, na
forma disposta no artigo 50 e seu parágrafo único do mesmo diploma legal.
O Professor Rizzatto Nunes, por sinal, entende que se "o fornecedor estipula
prazo igual ou inferior ao legal, nada esta oferecendo, podendo até incidir em punição
por prática de publicidade ou informação enganosa" (NUNES, 2009, p. 393).
Rizzatto Nunes lembra que "Há na tradição jurídica nacional a posição firmada
de que os prazos decadenciais estabelecidos não se interrompem nem se suspendem,
enquanto os prazos prescricionais podem tanto interromper-se quanto suspender-se"
(NUNES, 2009, p. 390).
A mesma posição é adotada por Nelson Nery Junior 8 e Fábio Ulhoa Coelho 9 .
Para a Mirella D'Angelo Caldeira "[...] a expressão obstar não foi adotada em
nenhum desses dois sentidos, [...]" (interruptivo e suspensivo) "[...] mas sim, no sentido
de exercício do direito, por dois motivos. Primeiro porque em se tratando de prazo
decadencial, o mesmo é insuscetível à interrupção, suspensão ou extinção, devendo
ocorrer de forma contínua e ininterrupta. Segundo porque o prazo decadencial refere-se
ao exercício de um direito potestativo, isto é, no prazo previsto em lei, o consumidor tem
que constituir o seu direito de reclamar por um vício existente no produto ou serviço,
sob pena de perdê-lo" (CALDEIRA, 2005, P. 47).
Então, com a ocorrência das causas dispostas nos incisos I e III, parágrafo 02º
do artigo 26 do Código de Defesa do Consumidor, não haveria suspensão ou
interrupção do prazo decadencial do direito de reclamar, visto que este sendo exercido
pelo consumidor, com a resposta negativa do fornecedor ou a ausência de resposta, a
reclamação atinge o seu objetivo, fazendo nascer outro direito de natureza
condenatória, mas agora sob a égide do prazo prescricional do artigo 27 da Lei nº
8.078/1990, o qual regulamenta o tempo para o ajuizamento da ação que objetiva à
reparação por danos causados por fato do produto ou serviço, da forma da seção II do
Código de Defesa do Consumidor 15 .
E aplica-se o prazo de qüinqüenal do artigo 27 da Lei nº 8.078/1990, haja vista
que se o vício não é solucionado pelo fornecedor, tal problema naturalmente acarretará
prejuízo ao consumidor, o qual terá o direito de ser indenizado.
O inciso I, parágrafo 02º, do artigo 26, em estudo, dispõe que obsta à decadência
"a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de
produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida
de forma inequívoca"
Hector Valverde Santana 16 observa que "[...] não há uma forma preestabelecida
para realizar a reclamação. Efetivamente, pode o consumidor, ou quem o represente
legalmente, apresentar sua reclamação perante o fornecedor por todos os meios
possíveis, seja verbal, pessoalmente ou por telefone, nos Serviços de Atendimento ao
Cliente (SAC), por escrito, mediante instrumento enviado pelo cartório de títulos e
documentos, carta registrada ou simples, encaminhada pelo serviço postal ou entregue
diretamente pelo consumidor, e-mail, fax, dentre outros. A exigência da lei é apenas
quanto à comprovação de que o fornecedor tomou ciência inequívoca quanto ao
propósito do consumidor de reclamar pelos vícios do produto ou serviço. A reclamação
verbal é válida, podendo ser provada mediante a oitiva de testemunhas. Ressalte-se
que a reclamação por escrito deve ter a preferência do consumidor, pois é meio mais
seguro em caso de necessidade de comprovação em eventual processo judicial"
(SANTANA, 2002, p. 128, apud GARCIA, 2008, p. 168).
Aliás, Rizzatto Nunes lembra que "não se deve olvidar da realidade do mercado
e da dinâmica do atendimento existente. São centenas de empresas que têm colocado
à disposição do cliente os Serviços de Atendimento ao Consumidor, conhecidos como
SACs, exatamente para receber, via telefone, as reclamações relativas a vícios dos
produtos e dos serviços".
Ocorre que o inciso II foi vetado pelo Presidente da República, sob o argumento
de que "O dispositivo ameaça a estabilidade das relações jurídicas, pois atribui a
entidade privada função reservada, por sua própria natureza, aos agentes públicos (e.g.
Cod. Civil, art. 172 e Cod. Proc. Civil, art. 219, § 1º)" 17 .
§ 2º - Obstam a decadência:
[...]
[...]
Entretanto, o veto do citado inciso II, tem os seus efeitos, deixando, por
enquanto, as reclamações dirigidas às entidades e órgãos privados de defesa do
consumidor fora do rol taxativo do parágrafo 02º do artigo 26 da Lei nº 8.078/1990.
Temos, então, duas situações em que, por força do disposto no inciso III, § 02º,
do artigo 26 da Lei nº 8.078/1990, o consumidor sofrerá a decadência de seu direito,
muito embora tenha apresentada a reclamação de forma tempestiva perante o
Ministério Público.
Para o Professor Rizzatto Nunes, portanto, "a lei disse menos do que deveria", e
argumenta que a norma do referido inciso III deve ser interpretada de forma extensiva,
de maneira que o início da obstaculização à decadência ocorra com a apresentação da
reclamação perante o Ministério Público.
Maria Helena Diniz, em relação á prescrição, ressalta que "Esse instituto foi
criado como medida de ordem pública para proporcionar segurança às relações
jurídicas, que seriam comprometidas diante da instabilidade oriunda do fato de se
possibilitar o exercício da ação por tempo indeterminado. Constitui-se como uma pena
para o negligente, que deixa de exercer seu direito de ação, dentro de certo prazo, ante
uma pretensão resistida" (DINIZ, 1994, p. 202).
Pontes de Miranda, conforme menção feita por Maria Helena Diniz, ensina que a
prescrição é "uma exceção que alguém tem contra o que não exerceu, durante um
lapso de tempo fixado em norma, sua pretensão" (DINIZ, 1994, p. 202).
No vigente Código Civil Brasileiro, a prescrição é disciplinada pelos artigos 189 até 206,
onde constam a sua aplicação (artigos 189 até 196), causas de impedimento 24 ou
suspensão 25 (artigos 197 até 201), causas de interrupção 26 (que só poderá ocorrer uma
única vez 27 ) da prescrição (artigos 202 até 204) e seus respectivos prazos (artigo 205 e
206).
E para que se configure a prescrição, necessário que se apresentem quatro
requisitos: 1º) que exista uma ação exercitável - seu objeto -, em face da violação do
direito que a ação objetiva remover; 2º) que ocorra a inércia do titular da ação pelo seu
não-exercício - sua causa eficiente -, mantendo-se passivo diante do direito violado e
permitindo que assim permaneça; 3º) que a inércia continue durante um determinado
lapso temporal - seu fator operante - haja vista que a norma jurídica objetiva punir a
inércia prolongada; 4º) que não exista nenhum fato ou ato que a lei confere eficácia
impeditiva, suspensiva ou interruptiva de curso prescricional - seu fator neutralizante
(DINIZ, 1994, 203).
Na opinião de Leonardo de Medeiros Garcia "Ao que parece, o CDC não desejou
disciplinar toda espécie de responsabilidade. Somente o fez em relação àquelas que
entendeu ser específicas para relações de consumo. Nesse sentido é que deu
tratamento diferenciado para a responsabilidade pelo fato e por vício do produto e
serviço, deixando outras modalidades de responsabilidade serem tratadas em normas
específicas ou no Código Civil" (GARCIA, 2008, p. 172).
Por essa ótica, não haveria o que se falar, então, em generalizar a aplicação do
referido artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor a todas as ações indenizatórias
com origem em relação de consumo, mas tão somente àquela taxativamente prevista
na norma, limitando o seu emprego às situações relativas à reparação pelos danos
causados por fato do produto ou do serviço previstos nos artigos 12, 13 e 14 do Código
de Defesa do Consumidor, que regulam especificamente a responsabilidade civil pela
reparação dos danos causados pelo fornecedor aos consumidores em razão de
defeitos relativos ao produto ou à prestação do serviço.
"O art. 27 do mesmo diploma legal cuida somente das hipóteses em que
estão presentes vícios de qualidade do produto por insegurança, ou seja,
casos em que o produto traz um vício intrínseco que potencializa um acidente
de consumo, sujeitando-se o consumidor a um perigo eminente" (STJ, REsp
114473 / RJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 05/05/1997).
Rizzatto Nunes expõe que "[...] a referida Seção II regula toda espécie de defeito
que ocorre pelo fato do produto ou do serviço, de maneira que, sempre que o
consumidor sofrer dano por defeito que diretamente, como lá está expressamente
tratado, quer indiretamente, como conseqüência do não-cumprimento da obrigação de
resolver o vício, conforme estabelecido no inciso II do § 1º do art. 18, no inciso III do art.
19 e no inciso II do art. 20, aplica-se o período prescritivo fixado no artigo em comento".
E conclui: "Na verdade, toda e qualquer situação relativa a relação jurídica de consumo
que gerar dano por defeito está enquadrada na norma do art. 27" (NUNES, 2009, p.
405).
Nessa esteira, no confronto de prazos prescricionais entre o Código de Defesa
do Consumidor e o Código Civil, em face de pretensão a ressarcimento pelo dano civil
causado em uma situação relativa à relação jurídica de consumo, não haveria o que se
falar no prazo trienal do artigo 206, parágrafo 03º, inciso V, do Código Civil de 2002,
prevalecendo o prazo qüinqüenal do Código de Defesa do Consumidor (NUNES, 2009,
p. 407).
RE 297.901 – S.T.F.
Segunda Turma
Recurso Extraordinário 297.901-5 Rio Grande do Norte
Relatora : Min. Ellen Gracie
Recorrente : Viação Aérea São Paulo S/A - Vasp
Advogados : João Câncio Leite de Melo e Outros
Recorrida : Janekelly Ribeiro Rêgo
Advogados : Camila Léllis Galvão de Souza e Outro
RELATÓRIO
A Senhora Ministra Ellen Gracie: 1. Trata-se de recurso extraordinário, com
fulcro no art. 102, III, a, da Constituição Federal, contra acórdão da Turma
Recursal dos Juizados Especiais Cível e Criminal de Natal, Estado do Rio
Grande do Norte. 2. A decisão recorrida entendeu que, no conflito entre as
normas do Código de Defesa do Consumidor e da Convenção de Varsóvia
sobre a prescrição, em ação de indenização do passageiro contra empresa
aérea, prevalecem as disposições mais favoráveis do Código, que
estabelecem o prazo prescricional de cinco e não de dois anos. 3. A
recorrente sustenta que a decisão recorrida ofende os arts. 5º, § 2º, e 178 da
Constituição Federal. Argumenta que prevalecem, no âmbito interno, as
normas estabelecidas em tratados internacionais, pois estes têm hierarquia
superior às leis. Por outro lado, afirma ainda, a Convenção de Varsóvia é lei
especial, e o Código de Defesa do Consumidor é lei geral, e aquela se
sobrepõe a este, como determina a Lei de Introdução ao Código Civil. 4. As
contra-razões pugnam pela manutenção da decisão recorrida (fls. 110/117).
O parecer da Procuradoria-Geral da República opina pelo não-provimento do
recurso (fls. 127/131).
É o relatório.
VOTO
A Senhora Ministra Ellen Gracie - (Relatora): 1. No julgamento de caso
semelhante, a Primeira Turma desta Corte entendeu que a alegação de
ofensa ao art. 5º, § 2º, da Constituição Federal não ocorre, pois esse
dispositivo se refere a tratados internacionais relativos a direitos e garantias
fundamentais, matéria não objeto da Convenção de Varsóvia, que trata da
limitação da responsabilidade civil do transportador aéreo internacional (RE
214.349, rel. Min. Moreira Alves, DJ 11.6.99). Não é cabível, pois, o recurso
extraordinário nesse ponto. 2. Já no que se refere à sustentada supremacia
da Convenção de Varsóvia, com relação ao Código de Defesa do
Consumidor, observo que, no julgamento de conflito entre norma da
Convenção de Genebra e o Decreto-Lei 427/69, o Plenário do Supremo
Tribunal Federal entendeu que leis internas posteriores revogam os tratados
internacionais (RE 80.004, redator para o acórdão o Min. Cunha Peixoto, DJ
29.12.77). Não obstante, na hipótese ora em julgamento, cabe observar que o
art. 178 da Constituição Federal de 1988 expressamente estabeleceu que,
quanto à ordenação do transporte internacional, a lei observará os acordos
firmados pela União. Assim, embora válida a norma do Código de Defesa do
Consumidor quanto aos consumidores em geral, no caso de contrato de
transporte internacional aéreo, em obediência à norma constitucional antes
referida, prevalece o que dispõe a Convenção de Varsóvia, que determina
prazo prescricional de dois anos, não o de cinco anos, do Código de Defesa
do Consumidor. 3. Dou provimento ao recurso.
Supremo Tribunal Federal
Rizzatto Nunes observa que "A norma se utiliza adequadamente da conjuntiva 'e'
para determinar o início do prazo, porque pode acontecer de o consumidor sofrer dano
e não conseguir de imediato identificar o responsável por ele ou, pelo menos, todos os
responsáveis, uma vez que, como se viu, a Lei nº 8.078 estabelece ampla solidariedade
entre os fornecedores" (NUNES, 2009, p. 408).
Quanto ao veto, o Professor Rizzatto Nunes entende que "As razões estão
corretas; porém o que a assessoria da Presidência, que as elaborou, não percebeu foi
que havia apenas uma falha de redação e remissão no parágrafo único vetado. Quando
a norma fez referência ao § 1º, queria, na verdade, estar fazendo ao § 2º, que trata dos
casos de obstaculização da decadência do direito de reclamar por vícios" (NUNES,
2009, p. 409).
Art. 07º - Os direitos previstos neste Código não excluem outros decorrentes
de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da
legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades
administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios
gerais do direito, analogia, costumes e equidade.
05 - Conclusão
DINIZ, Maria Helena. "Curso de Direito Civil Brasileiro - 1º volume", 10ª edição, São
Paulo, Editora Saraiva, 1994.
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. "Curso de Direito do Consumidor", 04ª edição, São
Paulo, Editora Saraiva, 2009.
* Advogado, sócio do escritório Ares e Takehisa Advogados, em Santos-SP; Bacharel em Direito pela
Universidade Católica de Santos - UniSantos; Pós-Graduado “lato sensu”, com Especializações em
Direito Processual Civil, em Direito Processual do Trabalho e em Direito e Processo do Consumidor, pela
Universidade Católica de Santos - UniSantos; Professor em cursos preparatórios; Autor de artigos
jurídicos; Colaborador em jornais e revistas jurídicas.
1
"Decadência" é um vocábulo de formação vernácula, originário do verbo latino "cedere" (cair); do prefixo
latino de (de cima de) e do sufixo entia (ação ou estado); literalmente designa a ação de cair ou o estado
daquilo que caiu (CÂMARA LEAL, 1948, apud DINIZ, 1994, P. 212).
2
Ressalta o Professor Luiz Antonio Rizzatto Nunnes que "É da tradição do direito que dormentibus non
succurit jus, por isso que estão distribuídos em toda parte do sistema pátrio prazos para a efetivação e
exercício de direitos" (NUNES, 2009, p. 390).
3
O termo "resolução do mérito" substituiu o anterior "julgamento do mérito", com a alteração imposta pela
Lei nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005.
4
Termo latino: "por força da lei, em virtude de lei".
5
Conforme determina o artigo 209 do vigente Código Civil Brasileiro.
6
Decisão transitada em julgado.
7
II - a reclamação formalizada perante os órgãos ou entidades com atribuições de defesa do consumidor,
pelo prazo de noventa dias.
8
Código de Processo Civil - Legislação Processual Civil Extravagante em Vigor. 04ª edição, São Paulo,
Revista dos Tribunais, 1999, página 1819.
9
O Empresário e os Direitos do Consumidor. São Paulo, Editora Saraiva, 1994, página 113.
10
Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2003, página
371.
11
Da prescrição e da decadência no Código do Consumidor, revista da Procuradoria Geral do Estado –
RPGE, Fortaleza, 10 (12): 29-40, 1993.
12
Anotações sobre os vícios, a prescrição e a decadência no Código de Defesa do Consumidor, revista
de Direito do Consumidor, nº 8, páginas 118 a 145, outubro/dezembro. 1993.
13
Da responsabilidade por vicio do produto e do serviço. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1998, página
112.
14
Prescrição e Decadência nas relações de Consumo. São Paulo. Revista do Direito do Consumidor, nº
10, páginas 77 a 96, abril/junho de 1994.
15
Nesse mesmo sentido, é o entendimento do Professor William Santos Ferreira, em seu artigo publicado
na Revista Direito do Consumidor: "não há mais que falar em transcurso de prazo (suspensão ou
interrupção), não é necessário tratar-se do prazo, o direito foi exercido". E cita Câmara Leal "A
decadência tem um curso fatal, não se suspendendo, nem se interrompendo, pelas causas suspensivas
ou interruptivas da prescrição, só podendo ser obstada a sua consumação pelo efetivo exercício do
direito ou da ação, quando esta constitui o meio pelo qual deve ser exercitado o direito" (SILVA, p.07).
16
Prescrição e Decadência nas Relações de Consumo. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, p.128.
17
Mensagem nº 644, de 11 de setembro de 1990, dirigida ao Presidente do Senado Federal, expondo o
veto parcial ao Projeto de Lei nº 97/89 (nº 3.683/89, na Câmara dos Deputados), que dispõe sobre a
proteção do consumidor e dá outras providências (atual Código de Defesa do Consumidor).
18
Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente: [...] IV - as
associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a
defesa dos interesses e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear. [...] §
1° O requisito da pré-constituição pode ser dispensado pelo juiz, nas ações previstas nos arts. 91 e
seguintes, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano,
ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.
Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo
individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de
natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;II
- interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de
natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a
parte contrária por uma relação jurídica base; III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim
entendidos os decorrentes de origem comum.
19
Art. 5o Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: I - o Ministério Público; II - a
Defensoria Pública; III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; IV - a autarquia, empresa
pública, fundação ou sociedade de economia mista; V - a associação que, concomitantemente: a) esteja
constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; b) inclua, entre suas finalidades
institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou
ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
20
Art. 55. A União, os Estados e o Distrito Federal, em caráter concorrente e nas suas respectivas áreas
de atuação administrativa, baixarão normas relativas à produção, industrialização, distribuição e consumo
de produtos e serviços.
21
§ 1° A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios fiscalizarão e controlarão a produção,
industrialização, distribuição, a publicidade de produtos e serviços e o mercado de consumo, no interesse
da preservação da vida, da saúde, da segurança, da informação e do bem-estar do consumidor,
baixando as normas que se fizerem necessárias.
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Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às
seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas
específicas: I - multa; II - apreensão do produto; III - inutilização do produto; IV - cassação do registro do
produto junto ao órgão competente; V - proibição de fabricação do produto; VI - suspensão de
fornecimento de produtos ou serviço; VII - suspensão temporária de atividade; VIII - revogação de
concessão ou permissão de uso; IX - cassação de licença do estabelecimento ou de atividade; X -
interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de atividade; XI - intervenção administrativa;
XII - imposição de contrapropaganda. Parágrafo único. As sanções previstas neste artigo serão aplicadas
pela autoridade administrativa, no âmbito de sua atribuição, podendo ser aplicadas cumulativamente,
inclusive por medida cautelar, antecedente ou incidente de procedimento administrativo.
23
§ 1º O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de
qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que
assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis.
24
Que impedem que o curso da prescrição tenha início.
25
Que paralisam temporariamente o curso da prescrição, no que, terminada a causa suspensiva, a
prescrição volta a correr, considerando todo o tempo anteriormente decorrido.
26
Que inutilizam todo o tempo da prescrição iniciada, razão pela qual, quando cessa a causa interruptiva,
o prazo prescricional volta a correr novamente, sem aproveitar o período anterior.
27
Artigo 202, "caput", do Código Civil Brasileiro: "A interrupção da prescrição, que só poderá ocorrer uma
vez, dar-se-á: [...]".
28
Interrompe-se o prazo de prescrição do direito de indenização pelo fato do produto ou serviço das
hipóteses previstas no § 1º do artigo anterior, sem prejuízo de outras disposições legais.
29
“Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto", 06ª edição,
Rio de Janeiro, Editora Forense Universitária, 1999, páginas 152 e 153.
30
Artigo 29 - 1) A ação de responsabilidade deverá intentar-se, sob pena de caducidade, dentro do prazo
de dois anos, a contar da data de chegada, ou do dia em que a aeronave devia ter chegado a seu
destino, ou do da interrupção do transporte. 2) O prazo será computado de acordo com a lei nacional do
tribunal que conhecer da questão.
31
Mensagem nº 664, de 11 de setembro de 1990, dirigida pela Presidência da República ao Sr.
Presidente do Senado Federal.
32
Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos
prazos a que aludem os arts. 205 e 206.
Art. 190. A exceção prescreve no mesmo prazo em que a pretensão.
Art. 191. A renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita, e só valerá, sendo feita, sem prejuízo de
terceiro, depois que a prescrição se consumar; tácita é a renúncia quando se presume de fatos do
interessado, incompatíveis com a prescrição.
Art. 192. Os prazos de prescrição não podem ser alterados por acordo das partes.
Art. 193. A prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição, pela parte a quem aproveita.
Art. 194 (Revogado pela Lei nº 11.280, de 2006).
Art. 195. Os relativamente incapazes e as pessoas jurídicas têm ação contra os seus assistentes ou
representantes legais, que derem causa à prescrição, ou não a alegarem oportunamente.
Art. 196. A prescrição iniciada contra uma pessoa continua a correr contra o seu sucessor.
33
Art. 197. Não corre a prescrição:
I - entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal;
II - entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar;
III - entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela.
Art. 198. Também não corre a prescrição:
I - contra os incapazes de que trata o art. 3o;
II - contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios;
III - contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra.
Art. 199. Não corre igualmente a prescrição:
I - pendendo condição suspensiva;
II - não estando vencido o prazo;
III - pendendo ação de evicção.
Art. 200. Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a
prescrição antes da respectiva sentença definitiva.
Art. 201. Suspensa a prescrição em favor de um dos credores solidários, só aproveitam os outros se a
obrigação for indivisível.
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Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á:
I - por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no
prazo e na forma da lei processual;
II - por protesto, nas condições do inciso antecedente;
III - por protesto cambial;
IV - pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores;
V - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
VI - por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo
devedor.
Parágrafo único. A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do
último ato do processo para a interromper.
Art. 203. A prescrição pode ser interrompida por qualquer interessado.
Art. 204. A interrupção da prescrição por um credor não aproveita aos outros; semelhantemente, a
interrupção operada contra o co-devedor, ou seu herdeiro, não prejudica aos demais coobrigados.
§ 1o A interrupção por um dos credores solidários aproveita aos outros; assim como a interrupção
efetuada contra o devedor solidário envolve os demais e seus herdeiros.
§ 2o A interrupção operada contra um dos herdeiros do devedor solidário não prejudica os outros
herdeiros ou devedores, senão quando se trate de obrigações e direitos indivisíveis.
§ 3o A interrupção produzida contra o principal devedor prejudica o fiador.